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“Nós nem cremos que escravos outrora/tenha havido em tão nobre país...”: As Teorias
Raciais e a Constituição de 1891
Hilton Costa2
Resumo: O hino da República traz em seus versos uma mensagem que mais do que irônica demonstra o intuito
dos construtores da República no Brasil em apagar a escravidão da história do país. Apagar as marcas da
escravidão do Brasil também contemplava eliminar da sociedade brasileira sua marca mais visível: a população
negra. A República instalada em 1889 empenhou-se em deixar o país mais branco, seja buscando imigrantes
brancos, seja negando a população negra condições melhores de existência. O momento do estabelecimento da
República no Brasil coincide com o auge da presença das teorias raciais no país, assim, partindo desta
observação, busca-se aqui, num primeiro esforço de verificação, perceber se as teorias raciais de alguma forma
se fazem presentes nas discussões da Assembleia Constituinte de 1890-91 e na própria Constituição de 1891, no
que diz respeito à cidadania política. Ao se propor pergunta semelhante ao Parlamento Imperial, recorte 1880-81,
período de entrada das teorias raciais no Brasil, encontrou-se um uso dissimulado, escamoteado das premissas
raciais, pois um pensamento de tipo institucionalista aparentemente se colocava acima da perspectiva racialista.
O intuito aqui é perceber se a forma de utilizar o ideário racialista presente nos anos 1880 permaneceu ou não no
início da República.
3
A se registrar...
O Sr. Antão de Faria – Sr. Presidente, pedia a palavra para fazer rectificação,
formular um reparo e levantar um protesto.
Quando, respondendo ao repto que desta tribuna lançou á maioria da representação
rio-grandense o Sr. Demétrio Ribeiro, fallava meu illustre comproviciano Assis
Brasil, eu no momento em que S. Ex., referindo-se a um telegramma que daqui fora
passado para o Sul, dizia que, fazendo aquella revelação, não tinha o propósito de
offender a quem quer que fosse, observei em aparte, que o orador era incapaz de,
sem motivo dirigir offensa a qualquer de seus collegas. Este aparte foi de certo mal
tomado, pois, no discurso de S. Ex. vejo substituída a palavra – offensa – pelo termo
injustiça.
Ora, Sr. Presidente, como V. Ex. sabe, qualquer de nós pode, por circumstancias
diversas formular apreciações erroneas emittir conceitos injustos, e, portanto, facil é
comprehender que apesar da elevada consideração que me inspira o meu patrício, eu
não poderia julgar isento desta fraqueza tão própria da natureza humana. (Annaes do
Congresso Constituinte tomo III p 512-13)
A manipulação e ou retificação dos Annaes de modo ao texto final ser aceito pelos
parlamentares era realizada para deixar nítidas as opiniões que se queriam legar para o
público. Apesar de por vezes eles afirmarem, em exercícios de retórica pode-se dizer, o
contrário. Mais uma vez a fala do Sr. Thomaz Flôres é elucidativa
Esta característica, mas que algum tipo de fraude, revela o discurso público dos
parlamentares, a forma como eles queriam ser lidos, percebidos e lembrados. É este aspecto
que interessa aqui, o discurso público, a fala construída para ser utilizada no espaço público,
portanto, elaborada para tal. (POCOCK, John G. A., 2003). Porque o que se procura entender
é que tipo de cidadania formal se desejava garantir no nascedouro da República no Brasil.
Os anos 1880 podem ser entendidos como o ponto de partida de um diálogo mais
forte entre as elites intelectuais brasileiras com as teorias raciais. A entrada do jargão
racialista no Brasil se deu no momento de crise do escravismo atingindo o seu auge na década
de 1890 e permanecendo com alguma força até os anos 1930. O esboroamento do sistema
escravista no Brasil pode ser tomado como um marco fundamental na forma como a
sociedade brasileira se pensava. A referida situação obriga o país a rever o seu ordenamento
básico, pois a escravidão era o ponto de partida da organização social brasileira. O Brasil
passaria de um sistema assentado na desigualdade – entre pessoas livres e pessoas
escravizadas – para um regime de igualdade entre as pessoas. Contudo, uma sociedade
5
pautada por trezentos anos de escravismo tende a ter alguma dificuldade em aceitar uma
organização social definida pela igualdade entre as pessoas. (COSTA, H., 2007; 2009).
Assim, concorda-se com Maria Clementina Pereira da Cunha quando a autora indica que:
“Tampouco era desejável para uma assustada classe senhorial, mesmo sua parte mais
‘esclarecida’, perder o posto e mesmo a velha atitude diante daquela massa de libertos que
iam adquirindo rapidamente o estatuto de cidadãos.” (CUNHA, M. C. P., 2008. p. 15). “Ou
seja, atitudes e posturas incorporadas desde muito tempo não mudam com facilidade, ainda
mais quando expressam vantagem as pessoas que as praticam.” (COSTA, H., 2009 p 15).
Nesta direção é viável admitir que o fim do escravismo teve um impacto muito maior na visão
de mundo da sociedade brasileira que a Proclamação da República. Pois a primeira, ao menos
em termos formais, rompeu com o ordenamento social anterior. O fim da escravidão
“obrigou” as elites brasileiras a construírem um novo argumento para, em grande medida,
manterem as antigas hierarquias em outro contexto. Saía o Direito entrava a Biologia. A
Biologia era a Ciência que em fins do século XIX e princípio do XX dava corpo às teorias
racialistas. (COSTA, H., 2009; CUNHA, M. C. P., 2009 p 18).
Desta feita conformou-se no Brasil um pensamento pautado no racialismo. Tzvetan
Todorov fez um panorama bastante útil para a compreensão do racialismo oitocentista.3 Este
teria como base: 1) A crença na existência das raças: Os grupamentos humanos apresentariam
características físicas comuns, e as diferenças entre esses grupos evidenciariam a existência da
noção de raças, aqui assimiladas às espécies animais. Haveria entre duas raças a mesma
distância que entre o cavalo e o jumento: não é o bastante para impedir a fecundação natural,
mas suficiente para estabelecer uma fronteira que salta aos olhos de todos. Os racialistas
normalmente não se contentam em contar esse estado de coisas, mas desejam, ademais, que se
mantenham. São, portanto, contra os cruzamentos entre as raças (TODOROV, T., 1993 p
108); 2) A continuidade entre o físico e o moral: Esta proposição caminha na direção de um
determinismo específico, o físico ditando o moral e predominando sobre o segundo. As raças
não seriam simplesmente grupamentos humanos de características físicas próximas, mas com
características morais igualmente semelhantes, definidas pelas primeiras; 3) A ação do grupo
3
O trecho que se segue é uma versão de passagem de igual teor presente em COSTA, Hilton. O parasitismo
como herança: o conceito de hereditariedade social em Manoel Bomfim. Que por sua vez é versão alterada de
uma discussão presente em minha dissertação de mestrado em História defendida na Universidade Federal do
Rio Grande do Sul, UFRGS, em 2004, sob o título de: Horizontes Raciais: A idéia de raça no pensamento social
brasileiro – 1880-1920. p. 39-40.
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sobre o indivíduo: O racialismo apresenta suas características de doutrina coletiva. As ações e
comportamentos do indivíduo seriam determinados e regidos pelo grupo racial ao qual
pertence; 4) A hierarquia universal dos valores: O racialista, além de apontar para as
diferenças raciais, que também seriam culturais, aponta para a superioridade de umas sobre as
outras. Tal hierarquia quase invariavelmente é montada em cima de uma base etnocêntrica, no
caso abordado aqui, o eurocentrismo. Os valores que serviriam de ponto de partida à
mencionada hierarquia seriam os da Europa ocidental; 5) A política baseada no saber: O saber
acumulado pela cultura superior geraria uma proposição sobre uma política de harmonização
do mundo, segundo as considerações anteriores. “Assim, a submissão das raças inferiores, ou
mesmo sua eliminação, pode ser justificada pelo saber acumulado a respeito das raças”
(TODOROV, T., 1993 p 110-111). Então, a política baseada no saber também pode ser lida
como uma forma de legitimar a dominação de outros povos, por eles não compartilharem do
mesmo código de valores do dominador. (TODOROV, T., 1993 p 107-110).
Com efeito, é a esta forma de pensar que, em grande medida, as elites brasileiras
aderiram na virada do século XIX para o século XX. A forma de adesão era extremamente
fluída e realizada a partir de demandas empíricas imposta pela realidade brasileira. A
observação do período revela um conjunto de leituras comuns às elites brasileiras: Georges-
Marie Leclerc Buffon (1707-1788), Hippolyte-Adolphe Taine (1823-1893), Abel Hovelacque
(1843-1896), Joseph-Arthur Gobineau (1816-1882), Ernst Heinrich Philipp August Haeckel
(1834-1919), Henry Thomas Buckle (1821-1862), Herbert Spencer (1820-1903) e Edward
Burnett Tylor (1834-1917), Auguste Comte (1798-1857), Georges Vacher de Lapouge (1854-
1936), Gustave Le Bon (1841-1931) Pierre-Guillaume-Frédéric Le Play (1806-1882), Cesare
Lombroso (1835-1909), Charles Darwin (1809-1882). (AGUIAR, R., 2000; CORRÊA, M.,
2001; SCHWARCZ, L. K., 1993; SKIDMORE, T. E., 1976; SODRÉ, N. W. 1965;
VENTURA, R., 1991.)
Como citado anteriormente o auge do pensamento racialista no Brasil teria sido nos
anos 1890 (adentrando os primeiros anos do século XX). É neste momento, por exemplo, que
obras como as de Raymundo Nina Rodrigues, José Pereira da Graça Aranha e Euclides da
Cunha foram publicados. Estes autores (e vários outros do período) ofereceram interpretações
do Brasil (bem como soluções para o país) calcadas no racialismo. A interpretação racialista
foi algo influente no Brasil. Ela criou, por exemplo, a teoria do branqueamento que, aliás,
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poderia ser pluralizada: as teorias do branqueamento. Isto porque é possível localizar pelo
menos três variações da teoria do branqueamento.
1. Uma primeira variação defendia o ingresso de pessoas brancas no Brasil, via
imigração europeia, com o objetivo de aumentar o contingente branco do país. Este ato
associado a um “processo de seleção natural” haveria de eliminar as populações
negras, indígenas e mestiças, pois a população branca “mais apta sobreviveria”.
2. Outra variação do branqueamento argumentava que a imigração de pessoas brancas
melhoraria a população brasileira como um todo em função de um “fator educativo”.
Acreditava-se que a convivência da população nacional com a imigrante teria a
capacidade de morigerar a primeira, incutir o ethos do trabalho livre, da livre
iniciativa, por exemplo.
3. A terceira perspectiva do branqueamento seria trazer a população branca europeia para
o Brasil na expectativa que ela literalmente se misturasse com a local, o
branqueamento pela miscigenação. Pensava-se à época que nos cruzamentos
sucessivos entre pessoas brancas e não brancas as características brancas haveriam de
prevalecer.
A coincidência entre a instalação da República e o auge do pensamento racialista
pode ser tratado de diversas formas. Concorda-se aqui com as autoras e autores que propõe
ser tal fato diretamente ligado, como mencionado a pouco, com fim do escravismo e do
estabelecimento da igualdade jurídica. (ALBUQUERQUE, W. 2009; CORRÊA, M., 2001;
SCHWARCZ, L. K., 1993). A ideia de República, em grande medida, traz consigo o prinípio
da igualdade entre as pessoas, mas uma República não necessita da igualdade para existir.
Aliás, o entendimento do que deveria ser a igualdade era algo bastante ambíguo, pois a ideia
de que o princípio da igualdade só valeria para as pessoas entendidas como iguais era
recorrente. Esta forma de definir a igualdade criava e ou fomentava o debate em torno de
quem poderia ser admitido como igual. Por exemplo, o liberalismo Lockeano defendia que a
igualdade era para os titulares da propriedade, o racialismo pressupunha a igualdade para as
pessoas no mesmo “patamar de evolução”.
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1891 e a Cidadania Política
CAPITULO VI.
Das Eleições.
Art. 90. As nomeações dos Deputados, e Senadores para a Assembléa Geral, e dos
Membros dos Conselhos Geraes das Provincias, serão feitas por Eleições indirectas,
elegendo a massa dos Cidadãos activos em Assembléas Parochiaes os Eleitores de
Provincia, e estes os Representantes da Nação, e Provincia.
Art. 91. Têm voto nestas Eleições primarias
I. Os Cidadãos Brazileiros, que estão no gozo de seus direitos politicos.
II. Os Estrangeiros naturalisados.
Art. 92. São excluidos de votar nas Assembléas Parochiaes.
I. Os menores de vinte e cinco annos, nos quaes se não comprehendem os casados, e
Officiaes Militares, que forem maiores de vinte e um annos, os Bachares Formados,
e Clerigos de Ordens Sacras.
II. Os filhos familias, que estiverem na companhia de seus pais, salvo se servirem
Officios publicos.
III. Os criados de servir, em cuja classe não entram os Guardalivros, e primeiros
caixeiros das casas de commercio, os Criados da Casa Imperial, que não forem de
galão branco, e os administradores das fazendas ruraes, e fabricas.
IV. Os Religiosos, e quaesquer, que vivam em Communidade claustral.
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V. Os que não tiverem de renda liquida annual cem mil réis por bens de raiz,
industria, commercio, ou Empregos.
Art. 93. Os que não podem votar nas Assembléas Primarias de Parochia, não podem
ser Membros, nem votar na nomeação de alguma Autoridade electiva Nacional, ou
local.
Art. 94. Podem ser Eleitores, e votar na eleição dos Deputados, Senadores, e
Membros dos Conselhos de Provincia todos, os que podem votar na Assembléa
Parochial. Exceptuam-se
I. Os que não tiverem de renda liquida annual duzentos mil réis por bens de raiz,
industria, commercio, ou emprego.
II. Os Libertos.
III. Os criminosos pronunciados em queréla, ou devassa.
Art. 95. Todos os que podem ser Eleitores, abeis para serem nomeados Deputados.
Exceptuam-se
I. Os que não tiverem quatrocentos mil réis de renda liquida, na fórma dos Arts. 92 e
94.
II. Os Estrangeiros naturalisados.
III. Os que não professarem a Religião do Estado.
Art. 96. Os Cidadãos Brazileiros em qualquer parte, que existam, são elegiveis em
cada Districto Eleitoral para Deputados, ou Senadores, ainda quando ahi não sejam
nascidos, residentes ou domiciliados.
Art. 97. Uma Lei regulamentar marcará o modo pratico das Eleições, e o numero
dos Deputados relativamente á população do Imperio.
A este dispositivo constitucional foi incorporado em 1881 uma nova lei eleitoral que
estabelecia direito de votar e ser votado aos libertos. (COSTA, H. 2014). A cidadania em
diferentes níveis se adequava bem a uma sociedade estamental – a do Império do Brasil,
todavia evitou-se nos anos 1880 fazer uso da premissa científica – as teorias raciais – para
sustentar a ordenamento social. Os políticos imperiais, como já mencionado, fizeram a opção
por critérios de ordem institucional. As instituições serviram de “filtro” para a incorporação
hierárquica das pessoas à sociedade. A crença dos políticos imperiais estaria mais na sentença
segundo a qual as instituições moldam as pessoas do que naquela mais própria dos racialista
onde se defende que as pessoas moldam as instituições. (COSTA, H. 2014).
Desta feita chama a atenção a primeira Carta Republicana do Brasil, trazer somente
no Título IV Dos cidadãos brazileiros as informações acerca de quem seriam os cidadãos da
nascente República. Isto por que este título está, praticamente, na segunda metade da carta
constitucional, primeiramente de definem o que seriam as instituições da República e depois
quem seriam os cidadãos desta República.
TITULO IV
Dos cidadãos brazileiros
SECÇÃO 1
DAS QUALIDADES DO CIDADÃO BRAZILEIRO
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Art. 69. São cidadãos brazileiros:
1º Os nascidos no Brazil, ainda que de pae estrangeiro, não residindo este a
serviço de sua nação;
2º Os filhos de pae brazileiro e os illegitimos de mãe brazileira, nascidos em paiz
estrangeiro, si estabelecerem domicilio na Republica;
3º Os filhos de pae brazileiro, que estiver noutro paiz ao serviço da Republica,
embora nella não venha domiciliar-se;
4º Os estrangeiros, que, achando-se no Brazil aos 15 de novembro de 1889, não
declararem, dentro em seis mezes depois de entrar em vigor a Constituição, o animo
de conservar a nacionalidade de origem;
5.º Os estrangeiros, que possuirem bens immoveis no Brazil, e forem casados
com brazileiras ou tiverem filhos brazileiros, comtanto que residam no Brazil, salvo
si manifestarem a intenção de não mudar de nacionalidade;
6º Os estrangeiros por outro modo naturalisados.
Art. 70. São eleitores os cidadãos maiores de 21 annos, que se alistarem na fórma
da lei.
§ 1º Não podem alistar-se eleitores para as eleições federaes, ou para as dos
Estados:
1º Os mendigos
2º Os analphabetos;
3º As praças de pret, exceptuando os alumnos das escolas militares de ensino
superior;
4º Os religiosos de ordens monasticas. companhias, congregações, ou
communidades de qualquer denominação, sujeitas a voto de obediencia, regra, ou
estatuto, que importe a renuncia da liberdade individual.
§ 2º.São inelegiveis os cidadãos não alistaveis
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“coincidência”. Cabe lembrar que o fim da escravidão não foi acompanhado de nenhuma
política específica de apoio para as pessoas egressas do mundo do cativeiro.4
Para os fins da presente exposição chama a atenção como ações que nitidamente
prejudicariam a população negra foram estabelecidas em termos universais, evitando políticas
segregacionistas e ou racialistas mais explícitas, o jogo da dissimulação como assinalado por
Wlamyra Albuquerque permanece presente. Desta feita, os versos do Hino da República
ganham uma conotação bastante interessante “Nós nem cremos que escravos outrora/tenha
havido em tão nobre país...”, os parlamentares encarregados de fazer a primeira Constituição
republicana do Brasil em suas falas tratam a escravidão como algo pertencente a um passado
muito, mas muito distante daquele momento onde eles atuavam na elaboração da carta
constitucional republicana. (Os parlamentares constituintes trabalhavam em 1890-1 a
escravidão havia se encerrado em 1888). A Moção, apresentada pelo deputado baiano José
Joaquim Seabra (1855–1942), na 13.ª Sessão, em 20 de dezembro de 1890, de apoio ao
Governo Provisório pela destruição dos arquivos da escravidão é reveladora desta posição.5
O Sr. Seabra (pela ordem): Peço a palavra, Sr. Presidente para apresentar a
consideração da Casa uma moção que me parece não poder deixar de ser
approvada pelo Congresso. Refere-se Ella ao facto de haver o Governo
mandado extinguir os últimos vestígios da escravidão. A moção acha-se
assignada por grande numero de senadores e deputados, e espero que o
Congresso, fará justiça e prestará devida homenagem ao patriótico Governo
Provisório, que acabou de uma vez para sempre com aquillo que era a nossa
vergonha, a pagina negra da história do Brazil.
Vem a Mesa, é lida e posta em discussão a seguinte
Moção
Em 10 de dezembro 1890.6
(Annaes do Congresso Constituinte tomo I p 787)
4
O mundo do cativeiro aqui é uma referência a todo o mundo de relações sociais que o escravismo criou.
Ademais o fim da escravidão não foi acompanhado de nenhuma política de distribuição de terras, de
alfabetização, por exemplo.
5
A posição de J. J. Seabra e a dos signatários da moção não foi aceita de maneira inconteste, o deputado por
Minas Gerais, Francisco Coelho Duarte Badaró, mostrou-se contra, Annaes do Congresso Constituinte Tomo I p
788, contudo posições como a de J. J. Seabra são majoritárias.
6
A moção foi votada e aprovada.
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Esta forma de tratar o passado escravista é coerente com o modo como a Carta de
1891 e as leis complementares trataram as pessoas egressas do mundo do cativeiro: sem
nenhuma política específica. Assumir políticas específicas para as pessoas egressas do
cativeiro poderia significar manter a escravidão “viva” no presente e a escravidão era algo que
queria “apagar”. De outro lado a ausência de políticas específicas para a população egressa do
cativeiro pode ser lida numa chave racialista: deixar esta população a sua própria sorte “na
luta pela sobrevivência do mais apto”. A expectativa era que esta população desaparecesse
“naturalmente”.
Com efeito, de modo análogo aos políticos imperiais, os deputados e senadores
republicanos ao elaborarem a Carta de 1891, até onde se pode verificar, também optaram por
adotar como discurso público posições mais próximas do institucionalismo do que do
racialismo, todavia isto não impediu que de maneira implícita as premissas racialistas não se
fizessem presentes dissimuladas em leis “universais” que impactavam negativamente sobre a
população negra.
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primeiro instante ao se mencionar a palavra República, constitui-se muito mais em um esforço
de manter os princípios estamentais, o modelo de inclusão hierárquica, do que romper com
este tipo de ordenamento social. Tomando a ideia de Arno J. Mayer, a República de 1889 no
Brasil é a persistência do Antigo do Regime, a força da tradição.
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