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IMPL M NTAÇÃO
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procurados por prefeitos, parlamentares, sobre quantas famílias moram em favelas,
além de entidades de empresários de quantas estão em áreas de risco e quantas
construção, ONG’s e movimentos de estão morando irregularmente. Os dados do
moradia. Enfim, é flagrante a falta que fazia IBGE, fundamentais para o conhecimento
esse ministério no contexto do governo da realidade brasileira, não são rigorosos
federal. Estamos enfrentando a dificuldade quando o tema é a ocupação urbana.
de combinar a construção deste ministério, Número de casas próprias, de moradores de
porque ele não está totalmente configurado favelas, ou números relacionados à
e instalado, com a avalanche de visitas de ilegalidade fundiária ainda esperam pelo
governadores, prefeitos, secretários de aperfeiçoamento dos levantamentos quando
habitação, transporte, planejamento e envolvem o território. São raros os
saneamento, além de movimentos de cadastros imobiliários municipais fidedignos
moradia e até movimentos rurais, como o e atualizados, o que impacta a política
MST, o Ministério do Desenvolvimento fiscal, o planejamento e a gestão. Como
Agrário – MDA, que reivindicam habitação. elaborar bons planos sem boa base de
Estou dividida entre discorrer sobre a informações sobre os edifícios e as áreas
realidade urbana atual, aproveitando para construídas, sobre os logradouros públicos,
passar aos novos alunos ingressantes alguns sobre a ocupação do solo, sobre limites
conceitos e dados numéricos, ou discorrer exatos de propriedade? Nós temos um
sobre a política de desenvolvimento urbano grande desconhecimento acerca do
e a estrutura que estamos formulando para ambiente construído.
o ministério. Vamos ver se conseguimos Um grande problema que trava o
abranger esses dois enfoques. desenvolvimento desse conhecimento diz
Queria começar dizendo o seguinte: há respeito ao registro da propriedade privada.
cerca de dez dias, o presidente da A história do registro da propriedade no
República quis saber quantas famílias Brasil mostra uma resistência forte à
moram em palafitas no Brasil. Ele teve modernização de técnicas cadastrais. A
contato, no Recife, com a situação das confusão nos registros permitiu a
privatização ampla das terras devolutas, que os “sem-terra” é que são demonizados
após 1850 deveriam retornar à Coroa e, quando pedem a reforma agrária (que é lei,
mais tarde, ao Estado Republicano. A não nos esqueçamos) e acusados de
legislação registrária foi constantemente invasores. Nossa história foi formada pela
burlada. Não é preciso ir longe para se privatização da terra e também da esfera
constatar essa característica. Nas pública, como bem destaca Raimundo
experiências que tivemos com alunos da Faoro. Nossa elite não foi definida pela
FAU em área de proteção dos mananciais meritocracia, mas pelo patrimonialismo.
na metrópole de São Paulo, pudemos As terras da União estão reunidas na
verificar a dificuldade de delimitar os Secretaria do Patrimônio da União, mas o
loteamentos ilegais e a incoerência entre a governo federal não tem conhecimento
escritura do imóvel e a realidade. O Pontal rigoroso sobre seu patrimônio e a situação
do Paranapanema, por exemplo, é formado, de ocupação. O Cadastro do Patrimônio
predominantemente, por terras devolutas. da União não dá a conhecer os imóveis da
012 Podemos dizer que muitas daquelas União e sua situação atual. Para tanto, foi
propriedades foram invadidas. No entanto, criado um Grupo de Trabalho Interministerial
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da falta de informações fidedignas sobre o imobiliária tem sido o critério maior para a
uso, a ocupação do solo e o registro definição de investimentos em infra-
rigoroso das propriedades. A inviabilidade da estrutura. A maior parte das ações públicas
implementação do planejamento, da fortalece a segregação, mesmo quando o
racionalização e democratização do direito discurso prega o inverso.
à cidade e de sustentabilidade ambiental No município de Vancouver, os maiores
são algumas delas. empreendimentos, realizados nas
Vamos mostrar a distância que separa localizações mais valorizadas ( false creek ),
uma ocupação urbana, que segue preceitos são obrigados a doar 20% de suas terras ao
de sustentabilidade ambiental, e a nossa governo, para fazer moradia social (non
realidade. O que vocês estão vendo aqui é market housing) e equipamentos sociais.
uma cidade da periferia da região Temos então, nas áreas nobres de
metropolitana de Vancouver (Canadá) Vancouver, moradias populares. O mix é
(Foto1). Aqui há um absoluto controle sobre obrigatório. A beira d´água é pública,
o uso do solo. A transparência mostra o uso ocupada por duas vias: uma para pedestres
rural e o uso urbano separados por uma rua. e outra para bicicletas, patins, skates , etc.
Mostra ainda a área do porto, as áreas que Em alguns empreendimentos essas obras,
fazem o papel que eles chamam de com seu paisagismo, faz-se às expensas do
“esponja”, ou seja, áreas que filtram a água empreendedor. Agora que estou morando
pluvial antes que ela atinja os cursos de em Brasília, olho para o lago Paranoá com
água, enfim, há uma aplicação rigorosa da suas margens privatizadas (fechadas ao
lei que define, entre outras coisas, a acesso público em sua maior parte) e
superfície que deve ficar permeável à água lembro-me dessa lição de democracia e da
de chuva, seja em propriedade particular, potencialidade social e humana de tornar
seja em propriedade pública. A densidade pública a orla do lago com um caminho para
de população em certas áreas o passeio de todos.
ambientalmente frágeis é definida, após O que diferencia nossas cidades
muito debate e reuniões das quais daquelas do Canadá não é a falta de leis e
planos, mas falta de controle sobre o uso do artificialmente, as represas Billings e
solo. É evidente que a legislação urbanística Guarapiranga (Foto 2). Ao sul, os dois
pode ser aperfeiçoada, mas a principal reservatórios ainda conservam uma mata
dificuldade está em sua implementação de significativa com alta diversidade. A
forma que submeta a todos igualmente. Por ocupação irregular, pobre e predatória,
que discutimos, em um sem-número de porém, cresce celeremente.
seminários, o uso e ocupação do solo, e Aqui está uma foto da dissertação de
fazemos propostas tão interessantes, se mestrado de Renato Tagnin, que mostra a
elas não são implementadas ou ocupação de uma parte da Billings. Essa
“implementáveis”? área é objeto de inúmeras leis de proteção
Dentro da região metropolitana de São ambiental: estaduais, municipais e até
Paulo existe uma área com alto potencial federais. Mas vocês percebem que nem
turístico e paisagístico que está sendo mesmo a orla, que poderia oferecer algum
extinta. Trata-se de um ambiente construído filtro aos resíduos que chegam no corpo
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Foto 2:
Mata preservada na
Bacia da Represa
Billings – Braço
Cocaia, 1999
Crédito: Renato Tagnin
Foto 3:
Ocupação urbana
irregular na Bacia da
Represa Billings, 1999
Crédito: Renato Tagnin
d´água, caso fosse mantida a vegetação, foi que essa população vai parar aí? Como já
preservada sem ocupação (Foto 3). afirmei, não se trata de falta de leis que
Dois mananciais de custo incalculável proíbam tal ocupação. É por falta de
para esta cidade-país, como é a cidade de fiscalização? E se a fiscalização fosse muito
São Paulo, estão em risco. Para uma rigorosa, o que aconteceria? Onde essas
cidade dessa dimensão a água é pessoas (em torno de 1,7 milhões entre as
fundamental, mas nós estamos perdendo duas bacias) se assentariam?
reservatórios de água que chegam às Nenhuma cidade brasileira foge ao
torneiras domésticas por gravidade. A destino comum: a falta de alternativas de
busca do abastecimento de água para a moradia para a maior parte da população
metrópole está pondo em risco nossos migrante torna a invasão de terra uma
vizinhos da bacia do rio Piracicaba e do rio regra, mais do que exceção. Esse mapa de
Paraíba, os quais se ressentem do Curitiba (Mapa 1) mostra o imenso número
sorvedouro gigantesco que é São Paulo. Por de ocupações que formam uma coroa ao
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Mapa 1: Ocupação da APM (área de proteção de mananciais) com favelas e loteamentos ilegais
Fonte: Coordenação da Região Metropolitana de Curitiba – COMEC
redor da cidade e que adentram, inclusive, de 80, não tem onde morar. Como todo
na área de proteção dos mananciais. A mundo precisa morar em algum lugar, a
informação é uma coisa absolutamente população invade terra e constrói,
estratégica para a modernização, avanço e precariamente, suas casas, pois não tem
desenvolvimento de um povo. No entanto, alternativas. Não se trata de desamor à lei,
no caso, essa informação é desconhecida. mas de falta de alternativas.
Por quê? Porque não interessa mostrar que Mas é preciso observar também que as
Curitiba, ainda que na região metropolitana ocupações ilegais preservam o centro de
– exemplo mundial de planejamento – não Curitiba, porque ali está a cidade do
está fugindo ao destino de todas as outras cartão-postal. A imagem vendida é a
cidades brasileiras. Conseguiu fugir durante cidade dos parques, da reciclagem do lixo,
um tempo, porque era a capital de maior é a cidade do mercado, a cidade da lei. Ali
renda média do Brasil, e teve, de fato, uma ninguém ocupa ilegalmente. Ali a lei se
política de planejamento adequada àquela aplica, o juiz dá rapidamente a
016 população. Mas com o crescimento reintegração de posse e a polícia vem
migratório intenso da última década, ela agilmente cumprir a ordem. Na periferia,
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proximidades. O município de Bertioga, Embu, sem infra-estrutura (tinha água, mas
onde fica a Riviera de São Lourenço, tem o esgoto pode ser visto escorrendo pelas
uma taxa de crescimento altíssima. Há ruas), não é de todo ruim, como vocês
muito movimento de construção. Os podem ver. Parece que está presente até
trabalhadores estão construindo suas casas, um dedo de algum colega, quem sabe um
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de forças políticas para impor a cada 18,6% da população ganha mais de 10
proprietário imobiliário que diminua seus salários mínimos, e 10% da população
ganhos parasitários? Martin Smolka, que ganha mais de 12 salários mínimos. A
veio aqui várias vezes e já propiciou o segunda faixa indica aqueles que ganham
financiamento de muitas pesquisas nesta de 5 a 10 salários; em seguida, de 3 a 5,
faculdade, fez uma observação interessante depois de 1 a 3 salários e, por último,
durante um debate: “os ganhos com menos de 1. Aqui está inserida a população
propriedade imobiliária no Brasil são tão rural também.
Figura 1: Distribuição das famílias (famílias residentes em domicílios particulares) segundo classes de rendimento médio
mensal em salários mínimos – 2001
Fonte: IBGE/PNAD 2001
Quanto é necessário de renda mínima dinheiro subsidiado pelos trabalhadores,
para se obter um financiamento, em um com TR e juros de 3% ao ano. Se a classe
banco privado, para comprar uma casa no média se apropria do subsídio, quem é
mercado residencial paulistano? Nunca pobre (ou seja, a maioria) não tem a menor
ninguém aqui se preocupou com isso? Todos chance.
nós temos alguma herança que nos garante Bem, qual é a nossa proposta no
a moradia, não é? Mas quem não tem Ministério das Cidades? Quanto à área da
herança de papai e mamãe, tem de buscar habitação: é preciso vê-la como um
um financiamento para comprar uma casa, sistema; e, como parte deste sistema, o
não tem outra saída. mercado deve ser ampliado para chegar à
Qualquer banco em São Paulo quer 12 classe média. O que o mercado precisa para
salários mínimos, no mínimo, para liberar o se ampliar? Do que ele precisa para chegar
financiamento para casa própria. Olhem no aos 5 salários mínimos? Já fizemos dois
gráfico quantos brasileiros, grosso modo, encontros a esse respeito ainda quando eu
020 estão incluídos no mercado imobiliário estava aqui na FAU. Como já dissemos,
privado legal, uma ninharia. É “engraçado” nossa história travou a democratização da
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voltado para a política habitacional, como nova política para o saneamento, o
se fosse possível garantir o planejamento transporte, a habitação, que,
urbano sem a produção de moradias. Além complementados pela questão da gestão e
do mais, o planejamento se restringe à do planejamento, apontem para uma nova
esfera normativa, ignorando a gestão dos política urbana integrada.
principais problemas sociais, como o Aqui está o organograma do ministério
saneamento e o transporte, além da (Figura 2). Sua proposta foi iniciada no
Figura 2:
Organograma do
Ministério das
Cidades
Crédito: Ministério
das Cidades
Projeto Moradia e consolidada na equipe de das Cidades, a ser integrado por
transição do governo. Vocês se lembram representantes de movimentos sociais,
que foi montada uma equipe de transição no ONGs, empresários privados, profissionais,
final do governo FHC. Foi quando saí da FAU pesquisadores, universidades, cooperativas,
e fui para lá em novembro. Trabalhamos, eu além dos municípios e gestores estaduais 1.
e profissionais de vários campos nas novas Abaixo do Conselho Nacional, temos as
políticas do governo e na Medida Provisória Câmaras Setoriais de cada secretaria, que
(MP) que criou o MCID no dia 1o de janeiro tratarão dos problemas específicos e
de 2003. prepararão parte das matérias para o
Os organismos estruturadores do MCID Conselho Nacional.
são: quatro secretarias nacionais: uma de Durante o trabalho na equipe de
Habitação, uma de Saneamento Ambiental transição, Tânia Bacelar nos lembrou
(água, esgoto, lixo e drenagem), uma de diversas vezes: “esse Conselho tem que
Transporte, Mobilidade e Trânsito e uma de descobrir que o Brasil é maior que o
022 Programas Urbanos, observando os Sudeste, ele não pode traçar políticas
cuidados necessários na integração destas idênticas para o Nordeste, para o semi-
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secretarias. Quer dizer, jamais deve árido, para Amazônia, para o Sul, então,
acontecer que se faça um financiamento na esse Conselho deve decidir a política
área de habitação sem que as questões do olhando para a regionalidade”.
saneamento e do transporte estejam Ainda no ano de 2003 pretendemos
equacionadas. Não é uma condição que definir as propostas para um novo Sistema
vamos resolver rapidamente porque a Nacional de Habitação, além de uma
superação da visão setorial deveria ser, Agência Reguladora do Financiamento
primeiramente, resolvida na universidade. Habitacional, uma nova política para o
Além das três áreas estruturadoras do saneamento ambiental (que defina um novo
MCID, há uma quarta secretaria, a Secretaria marco regulatório), uma nova política de
Nacional de Programas Urbanos que reúne, transportes públicos, além do Programa
além do planejamento urbano, os programas Nacional de Capacitação das Cidades, que
especiais que ganham importância nacional terá por base os cadastros multifinalitários
porque se repetem em muitas cidades, como (informações atualizadas para a política
por exemplo: reabilitação de áreas centrais, municipal fiscal e urbana) e o plano diretor
regularização fundiária e prevenção aos (que por conta do Estatuto da Cidade será
riscos de desmoronamentos. produzido em grande número até o ano de
Quando da edição da MP de criação do 2006).
Ministério das Cidades decidimos trazer, A Caixa Econômica Federal é o órgão
do Ministério da Justiça, o Departamento operador do Ministério das Cidades. Esse
Nacional de Trânsito (Denetran) e do ministério não é operador, é planejador,
Ministério dos Transportes, a Companhia definidor das políticas, regulador. Ele indica
Brasileira de Trens Urbanos (CBTU) e a diretrizes, organiza, articula, elabora os
Trensurb uma companhia de trens de Porto programas e ações, e é gestor dos recursos
Alegre. Dada a importância que tem a do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço,
participação democrática no governo Lula, o maior fundo de recursos voltado para
foi proposto, nesta MP, o Conselho Nacional habitação e saneamento com algum recurso
para transporte público. Mas temos também Nota
como operadores na área de saneamento e
transportes o BNDES, a Funasa (1) Quando este texto estiver publicado, o Conselho
Nacional das Cidades já terá sido criado após um
(saneamento e saúde), o Incra (moradia
processo de conferências municipais, estaduais e
rural) e o Monumenta. Além do FGTS, há federal que atingiu 3.400 municípios e todos os estados
outros fundos que aplicam em habitação, da Federação. As conferências somaram a
como é o caso do FAT e FAR, além de participação de aproximadamente 300.000 pessoas
outros. em todo o Brasil e aproximadamente 3.000 delegados
eleitos que participaram da Conferência Nacional em
As dificuldades são imensas, em
Brasília.
especial no campo macroeconômico, mas
estou otimista, e por quê? Porque sabemos
o que queremos, somos um movimento
social que está lutando por estas idéias
desde 1963, quando do Congresso do IAB.
Sabemos que o Brasil precisa de uma
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política urbana e sabemos as linhas gerais
dessa política urbana. Falamos para o
Banco Mundial que não queríamos
consultores internacionais agora. Eles nos
ofereceram, mas sabemos o que queremos
Colaboração
fazer. Quando tivermos alguma dúvida,
Giselle Toshimitsu e Paulo Emílio
provavelmente vamos procurar o que a
Laboratório de Habitação e Assentamentos
África do Sul está fazendo sobre violência
Humanos – LabHab da FAUUSP
urbana, o que o México está fazendo para
construir 700.000 habitações no ano. Não
vamos cair em armadilhas como os “planos
estratégicos” que foram vendidos a tantos
ingênuos em toda a América Latina.
Nossas travas estão no engessamento
do papel do Estado, seja pela restrição ao
endividamento (mesmo para municípios
saudáveis que tenham capacidade de
endividamento), seja pela dimensão do
superávit primário. É impossível desenvolver
políticas públicas eficientes sob essas
regras. Nossa esperança é que em um ano
e meio, a partir do início do governo, esse
cenário tenha mudado.