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UNIDADE

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CONTEXTUALIZAÇÃO DO FENÔMENO DA VIOLÊNCIA
CONTRA CRIANÇAS E ADOLESCENTES

Objetivos:
Objetivos:
• Contextualizar historicamente o fenômeno da violência contra
crianças e adolescentes;
• Identificar as diferentes situações de violência sexual contra
crianças e adolescentes;
• Conhecer e analisar o mapa da violência sexual contra a criança
e o adolescente no Maranhão.

1.1 A Construção histórica da violência contra crianças e


adolescentes

A violência é um fenômeno complexo e preocupante, pois está presente


em vários setores da vida contemporânea, sem distinção de classe social, gênero,
raça ou religião, com expressões variadas de acordo com diferentes culturas.
(CARDOSO et al, 2009).

No Brasil, Costa (2003) afirma que as causas da violência estão relacionadas à


formação da sociedade e identifica o caráter autoritário da formação do país, expressa
na desigualdade dos níveis de vida, na fome, na miséria, respaldada por uma sociedade
hierarquizada que mantém privilégios. Neste contexto, a violência se configura de
diversas formas, como por exemplo, a violência estrutural, violência urbana, violência
institucional, violência de gênero, violência doméstica etc. Tais categorias se apresentam
como objetos de estudo e intervenção, pois se faz necessário conhecer os variados
aspectos da violência para enfrentá-la e combatê-la.
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Iremos nos deter, neste curso, à violência contra crianças e adolescentes,
mais especificamente à violência sexual. No entanto, é importante apontar que esta
não está dissociada de outros tipos de violências. É fundamental fazer a leitura sobre
os condicionantes históricos, sociais e econômicos da nossa sociedade, sobretudo
compreender as desigualdades de classes, de gênero, raciais e religiosas para a
compreensão da produção de violências.

Para compreender por que existe violência contra crianças é importante se


interessar na maneira como a sociedade se relaciona com a criança e como essa
relação se construiu ao longo do tempo.

Fazendo um recorte histórico, veremos como as crianças eram tratadas na


Idade Média. Eram tratadas como pequenos adultos, sem características que as
diferenciassem e as colocassem como alguém merecedor de cuidados especiais.
Assim, era comum que elas participassem de atividades da vida de adultos como o
trabalho, festas e jogos, inclusive orgias e enforcamentos públicos, marcando assim
vivências consideradas, atualmente, inadequadas para a formação do indivíduo.
Por muito tempo a criança não foi vista como um ser em desenvolvimento, com
características e necessidades próprias. Vestiam-se como adultos, não havia
discriminações na maneira como o adulto se relacionava com crianças, falavam
vulgaridades, faziam brincadeiras grosseiras, dizia-se todo tipo de assunto na
presença de crianças, participavam, inclusive, de jogos sexuais.

SAIBA MAIS

Em História social da criança e da família, Philippe Ariès faz um estudo na Europa, no período
compreendido entre a Idade Média e o Século XX, para demonstrar como a definição de criança se
modificou no decorrer do tempo, de acordo com parâmetros ideológicos. Pela análise de pinturas,
diários, esculturas e vitrais produzidos na Europa no período anterior aos ideais da Revolução
Francesa, Ariès forja a expressão “sentimento da infância” para designar “a consciência da
particularidade infantil, essa particularidade que distingue essencialmente a criança do adulto”. Esse
sentimento vai aparecer a partir do século XVII”. (Costa, 2010).

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Figura 1 - Capa do livro História social da criança e da família, Philippe Ariès

Fonte: https://www.amazon.com.br/Hist%C3%B3ria-Social-Crian%C3%A7a-Fam%C3%ADlia-
Philippe-ebook/dp/B073DP792D

Existia uma concepção de que as crianças poderiam ser possuidoras do


mal (séc. IV-XIII), assim, elas apanhavam, eram mantidas distantes dos pais, eram
abandonadas e/ou vendidas para escravidão. As representações da idade do homem
eram abstratas, pois se enfatizavam as visões místicas. Tinha-se o aparecimento
dos dentes, com duração do nascimento até os sete anos, como a fase da infância.
Denominou-se então enfant (criança), que significava não falante, caracterizando
a infância como ausência da fala (ROCHA, 2002).

As crianças eram facilmente descartadas, a intenção era ter um espécime


melhor, saudável e forte, para que fossem úteis à sociedade. O Estado decidia sobre
a vida e morte das crianças, era comum livrar-se delas, principalmente quando
tinham deficiências. Existia um alto índice de mortalidade e práticas de infanticídio.
Os laços familiares eram sociais e não sentimentais, mantinham-se as crianças
sadias e a mortalidade era aceita com naturalidade.

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A partir do século XVII, o poder público e a igreja passam a se preocupar
com as crianças e intervir. O infanticídio passou a não ser aceito passivamente e
inicia-se um cuidado com as condições de higiene e saúde das crianças, os pais
não aceitam mais perdê-las com naturalidade.

Surge o “sentimento de infância”, uma mudança no interior das famílias e das


relações entre pais e filhos, despertado pela mudança cultural, através da influência
das transformações sociais, políticas e econômicas. A criança passa a ser educada
pela própria família. Nasce então o homem moderno e também as primeiras
instituições educacionais. Essa transformação nas relações sociais é marcada na
Idade Moderna, estabelecendo na criança um papel central nas preocupações da
família e da sociedade.

No Brasil, a primeira forma de violência registrada contra crianças e


adolescentes nos remete à separação e aos castigos físicos praticados contra
as crianças indígenas, que eram separadas de suas famílias e entregues à
catequização jesuíta. Os negros africanos foram trazidos pelos europeus para
trabalharem como escravos na economia açucareira, moldando um novo cenário
no contexto socioeconômico e cultural. Foram milhares de pessoas, entre elas
crianças e adolescentes, trazidas de maneira brutal e desumana, retratando um
dos momentos históricos mais violentos do país (Cardoso et al, 2009).

Em meados do século XVIII, as primeiras rebeliões contra o regime colonial


começaram a ter grande repercussão e a vinda da família real para o Brasil fez
com que as modificações na educação e na legislação criminal fossem feitas. Por
volta do séc. XIX, período entre a abolição da escravatura e a proclamação da
República, surgem os primeiros textos que tratavam da violência contra crianças
e adolescentes. Referindo-se principalmente à violência doméstica com medidas
de suspensão, destituição e restituição do pátrio poder, conforme circunstâncias
que vão desde o cometimento de crimes por parte de pai e mãe até situações que
comprometam a saúde e moralidade de crianças e adolescentes (Cardoso, et al,
2009).

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Esse pequeno relato histórico demonstra que, de certa maneira, a violência
esteve presente no processo histórico no modo de tratar as crianças. Apresentou-
se de diversas formas, uma delas se esconde sob o véu da instituição familiar
enquanto espaço privado, protegido, criando certo isolamento que dificulta as
tentativas de intervenção contra a violência doméstica.

A seguir, iremos apresentar a conceituação e caracterização da violência,


mais especificamente a violência sexual, a fim de facilitar a sua identificação.

1.2 Violência: conceito e caracterização

Considerada como um problema de saúde pública, a violência é conceituada


pela Organização Mundial da Saúde (OMS) “como o uso de força física ou poder,
em ameaça ou na prática, contra si próprio, outra pessoa ou contra um grupo ou
comunidade que resulte ou possa resultar em sofrimento, morte, dano psicológico,
desenvolvimento prejudicado ou privação”. Desta maneira, é importante considerar
que na caracterização de uma situação de violência é possível identificar o ato
da violência, a intencionalidade, os elementos invasivos, os danos e riscos desta
situação. Há também a tipificação da violência, como a autodirigida, interpessoal e
coletiva.

Azevedo e Guerra abordam o conceito de violência doméstica como uma


característica preeminente da violência contra crianças e adolescentes, que a
definem como:
[...] todo ato ou omissão, praticado por pais, parentes ou responsáveis
contra crianças e/ou adolescentes que, sendo capaz de causar dano
físico, sexual e/ou psicológico à vítima, implica numa transgressão do
poder/dever de proteção do adulto e, por outro lado, numa coisificação
da infância, isto é, numa negação do direito que crianças e adolescentes
têm de ser tratados como sujeitos e pessoas em condição peculiar de
desenvolvimento (AZEVEDO E GUERRA, 2001, p. 33).

A literatura científica sistematizou alguns conceitos para o estudo e


enfrentamento da violência contra crianças e adolescentes. Nela, encontra-se uma
classificação nos seguintes tipos: violência física, negligência, violência psicológica

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e violência sexual. Trata-se de uma tentativa de compreensão desse fenômeno em
suas diferentes manifestações. Porém, quando da análise de situações concretas
de violências, verifica-se que diferentes formas não são excludentes, por exemplo,
uma violência física pode ser também uma violência psicológica, assim como uma
violência sexual pode ser física e psicológica.

Azevedo e Guerra (2002) reconhecem a conexão entre as várias modalidades


de violência, defendendo que a vitimização da criança e do adolescente é um tipo
específico e singular da violência. As autoras afirmam que a violência estrutural
pode ser compreendida como uma forma de violência entre classes, enquanto que
a violência doméstica contra criança é uma violência intraclasses. Tomando esse
recorte como pressuposto, elas propõem que o combate a um ou outro tipo deve
sustentar-se em diretrizes políticas distintas, assim como enquadres metodológicos
diversos entre si. Na mesma linha, Guerra (1998) considera a violência estrutural,
mas agregada a outros determinantes além dos sociais. A favor dessa argumentação,
a autora lembra que a violência doméstica permeia todas as classes sociais e é,
em sua natureza, interpessoal. Desta última, depreende-se a ênfase nos aspectos
culturais, interpessoais e subjetivos, e uma estratégia de ação que se apoia,
sobretudo, no sujeito.

Neste curso, o enfoque será para a violência sexual, considerando sua


complexidade e dificuldade de identificação e intervenção.

1.2.1 Violência sexual

A violência sexual é um fenômeno que atinge todas as idades, classes sociais,


etnias, religiões ou culturas. Pode se apresentar de variadas formas e níveis de
gravidade, dificultando a possibilidade de denúncia pela vítima, a confirmação
diagnóstica e a apuração legal do crime.

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ATENÇÃO

A Violência sexual: “consiste em todo ato ou jogo sexual, relação hetero ou homossexual cujo
agressor está em estágio de desenvolvimento mais adiantado que a criança e o adolescente. Tem
por intenção estimulá-la sexualmente ou utilizá-la para obter satisfação sexual. Apresenta-se sobre
a forma de práticas eróticas e sexuais impostas à criança ou ao adolescente pela violência física,
ameaças ou indução da sua vontade. Esse fenômeno violento pode variar desde atos em que não
se produz o contato sexual (voyeurismo, exibicionismo, produção de fotos), até diferentes tipos de
ações que incluem contato sexual sem ou com penetração” (AZEVEDO e GUERRA, 2011, p. 33).

GLOSSÁRIO

Voyeurismo: ação de observar atos sexuais ou órgãos genitais de outras pessoas,


configurando uma violência quando elas não desejam ser vistas (ABRAPIA, 2002).
Exibicionismo: ato de exibir os órgãos genitais ou masturbar-se em frente a crianças
ou adolescentes. A intenção pode ser a de excitar ou chocar a vítima (ABRAPIA, 2002).

As ações que configuram o abuso sexual se dividem em dois aspectos:


a) Com contato físico: carícias, passar a mão em zonas sexuais (seios, náde-
gas ou genitálias), pornografia, o ato sexual em si (com penetração vaginal,
anal ou oral, com ou sem violência física);

b) Sem contato físico: abuso sexual verbal (conversa sobre atividades se-
xuais para despertar interesse ou chocar, ficar exibindo suas partes íntimas
para meninas e meninos, observar a criança ou adolescente em trajes míni-
mos ou sem roupas.

SAIBA MAIS

Violência ou abuso sexual extrafamiliar: são as violências perpetradas por pessoas desconhecidas
e/ou que não possuem um vínculo afetivo.
Violência ou abuso sexual intrafamiliar: são as violências que ocorrem no âmbito do afeto, ou
seja, perpetradas por aquele que deveria cuidar e proteger, como por exemplo, pais, padrastos,
avós, tios.

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Não é raro que a violência intrafamiliar perdure por muito tempo e seja
praticada por adultos com os quais a criança mantém importante relação afetiva.
A isso, soma-se a dificuldade da família em manter íntegras as suas funções,
inclusive, em alguns casos, a sua capacidade de apoiar e proteger a criança e/
ou adolescente. Esta situação pode ser atribuída ao receio de perder o esteio
econômico (se o agressor é o provedor da casa) ou mesmo à dificuldade em
realizar rupturas afetivas que a revelação da violência sexual impõe. Furnis (1993)
recomenda que tanto a criança quanto a família sejam alvo de ação profissional
especializada, como forma de minimizar os sentimentos de desamparo, perda de
controle, autocensura e culpa que acometem todos os membros quando se revela
o abuso sexual intrafamiliar.

É mister destacar que existem práticas que inibem a revelação da violência


sexual por parte das vítimas, tais como ameaças, castigos, chantagens ou
suborno (presentes) por parte do agressor, estabelecendo assim, o que Furnis
(1993) nomeou como o pacto de silêncio. É possível ainda que os abusos sexuais
sejam acompanhados por sedução e carinho da parte do agressor, levando as
vítimas a se sentirem confusas em relação aos papéis familiares. Vicentin e Valle
(2009) analisaram famílias permeadas pela violência sexual e descreveram suas
conclusões:
Sentimentos de competição, ciúmes e rivalidade entre os
membros familiares, principalmente entre mães e filhas,
além da vivência, por parte de ambas, de sentimentos como
desvalorização e ansiedade. Foram ainda encontrados,
sobretudo nas mães e nas crianças, sentimentos de baixa
autoestima, insegurança e inferioridade ( VICENTIN E VALLE,
2009, p. 197).

Goulart (2018) destacou que o estudo evidenciou dinâmicas familiares


conflituosas e disfuncionais, comunicação precária, desunião entre os membros e
inconsistência de regras. Tais conclusões corroboram a complexidade na intervenção
em situações de violência sexual, sobretudo, as intrafamiliares. Portanto, torna-se
fundamental um sistema de atendimento em rede capacitada, desde o processo de
identificação até a proteção e responsabilização.

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É comum observar dificuldades por parte dos trabalhadores em torno da
proteção de crianças e adolescentes, bem como agirem de modo que violam
ainda mais os seus direitos, com intervenções precipitadas ou omissões, por
desconhecerem estas nuances e a complexidade da violência sexual.

1.2.2 O processo de identificação

Convém observar que os atos designados como abuso ou violência


sexual podem ou não envolver contato físico com a criança, por isso não se deve
esperar que este tipo de violência apresente, necessariamente, um sinal corporal
visível. Esse alerta é importante porque a concepção da violência sexual firmou-
se historicamente com base nos indícios físicos: a ruptura himenal, ou mesmo as
marcas corporais de defesa, foram os primeiros indícios que a sociedade aceitou
como prova inconteste da violência sexual (VIGARELLO, 1998).

Ainda existe um equívoco por parte da sociedade ao buscar na evidência corporal


a prova do abuso. No entanto, essa só será encontrada quando houver penetração
ou se a violência sexual foi praticada com o uso da força física (mais frequente em
casos de abusos extrafamiliares). Mais comum é que o abuso sexual contra crianças
tome a forma de manipulação ou sexo oral (GONÇALVES e BRANDÃO, 2004), ou
ocorra no interior de um jogo de sedução gradual, principalmente quando acontece
dentro da família (GONÇALVES e BRANDÃO, 2004). Nesses casos, as marcas são
menos visíveis, mas devem ser levadas em conta.

Considerando a complexidade que envolve a violência sexual, foi idealizado


no Estado do Maranhão a inclusão da perícia psicológica e social para casos de
violência contra crianças e adolescentes realizadas no Instituto de Perícias Técnicas
Para Crianças e Adolescentes (IPTCA), órgão vinculado à Secretaria de Segurança
Pública, localizado no município de São Luís.

O IPTCA tem como objetivo realizar perícia médica, psicológica e social


de crianças supostamente vítimas de violência, a fim de subsidiar o inquérito
policial e/ou processo judicial de crimes contra crianças e adolescentes. Conta-se

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com assistentes sociais, médicos e psicólogos que exercem a função de peritos e,
portanto, atuam de forma interdisciplinar na identificação da situação de violência
contra a criança e/ou adolescente, evidenciando não só os indicadores físicos de
uma violência, mas também aprimorando esse fazer pericial com a implementação
dos indicadores sociais e psicológicos. Os condicionantes históricos, culturais,
sociais e psicológicos são primordiais para uma abordagem mais ampla e
adequada para um público em condição peculiar de desenvolvimento. Tais
indicadores, que no âmbito criminal são nomeados de vestígios, subsidiam os
operadores do Direito para a investigação e tomada de decisão em relação a um
crime contra crianças e adolescentes.

SUGESTÃO DE LEITURA

Para saber um pouco mais sobre esta instituição, leia as publicações:

• CARDOSO, A. et al. Centro de Perícias: Uma experiência na perícia criminal em casos


de violência contra crianças e adolescentes. Ed. Aquarela, São Luís, 2009.
• SILVA ,R. (org). Pericia psicológica de crianças e adolescentes vítimas de violência
no Estado do Maranhão. 2. ed. Ed. Amazon, 2015.

ATENÇÃO

Exploração sexual: compreende o abuso sexual por adulto e a remuneração


em espécie ao menino ou menina e uma terceira pessoa ou várias. A criança e o
adolescente são tratados como uma mercadoria. Vale salientar que os agenciadores
podem ser padrinhos, tios, cafetões, traficantes de drogas e de pessoas. (prostituição
infanto-juvenil e pornografia).

A exploração sexual comercial contra crianças e adolescentes envolve outros


autores, pois se trata de um crime organizado: agentes de prostituição, do tráfico
de drogas, por vezes com a cumplicidade de proprietários de hotéis, pensões e
boates. As relações de poder desigual, a pobreza, a concentração de riquezas são
alguns dos determinantes. Ocorre principalmente em rodovias, áreas portuárias e

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de garimpo. As vítimas são crianças e adolescentes do sexo feminino e masculino,
porém as meninas são as maiores vítimas. Podem ocorrer também em agências
de modelo e/ou de turismo que realizam promessas de trabalho, que levam as
meninas também para o exterior, realizando o tráfico sexual de pessoas.

SUGESTÃO DE VÍDEO

Para entender mais sobre a exploração sexual, assista ao filme Anjos do sol no link: https://www.
youtube.com/watch?v=2U4PHZJl434

ATIVIDADE

A partir do filme indicado acima, que outros tipos de violências estão


perpetrados na prostituição infanto-juvenil? Quais as causas e consequências
da exploração sexual de crianças e adolescentes? Que políticas públicas podem
intervir no combate à exploração sexual?

SUGESTÃO DE LEITURA

A seguir, você encontrará um exemplo de intervenção para o enfrentamento à exploração sexual


por meio de políticas educacionais e artísticas. Para saber mais, leia a matéria: Exploração Sexual
– Espetáculo em postos de combustível para discutir exploração sexual infantil. Disponível
em: https://www.brasilpostos.com.br/noticias/noticias-mercado/exploracao-sexual-espetaculo-em-
postos-de-combustivel-para-discutir-exploracao-sexual-infantil/

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1.3 Mapa da violência sexual no Maranhão

Observa-se uma dificuldade em compilar os números que indiquem os casos


de violência sexual atendidos no Maranhão, pois não há um sistema que registre
esses casos de forma interligada entre as instituições que atendem tais casos. Os
indicadores abaixo e a análise foram disponibilizados pela Secretaria dos Direitos
Humanos e Participação Popular do Estado do Maranhão, que contemplam os
dados do disque 100, Sinam (Ministério da Saúde) e pela Secretaria Estadual de
Desenvolvimento Social (SEDES).

1.3.1 Denúncias formuladas por meio do Disque 100

Sobre violações de direitos contra crianças e adolescentes vítimas, é


necessário fazer uma análise prévia sobre os dados coletados pelo Disque 100 do
Ministério dos Direitos Humanos. No Maranhão, é possível notar uma redução na
quantidade de denúncias entre os anos de 2011 a 2018, conforme a tabela a seguir:

Tabela 1 – Denúncias no disque 100 sobre violações de direitos humanos contra crianças e
adolescentes no Maranhão nos anos de 2011 a 2018
QUANTIDADE DE DENÚNCIAS NO DISQUE 100 SOBRE VIOLAÇÕES DE DIREITOS
HUMANOS CONTRA CRIANÇAS E ADOLESCENTES NO MARANHÃO, 2011 a 2018
ANO 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018
QUANTIDADE 4.685 6.788 5.462 3.378 2.494 2.023 2.604 1.968
MÉDIA 5.079 2.273
Fonte: dados disponibilizados pelo Disque 100. Disponível em: <http://www.mdh.gov.br/informacao-ao-
cidadao/disque-100>. Acesso em: 08 ago. 2019.

A média de denúncias entre os anos de 2011 a 2014, relativas ao estado do


Maranhão no Disque 100 foi de 5.079, sendo que a média entre o período de 2015
a 2018 foi de 2.273. A diminuição ocorreu também no âmbito nacional, havendo,
todavia, diferença no percentual da redução. Abaixo, os dados relativos ao Brasil,
para comparação:

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Tabela 2 – Quantidade de denúncias no disque 100 sobre violações de direitos humanos contra
crianças e adolescentes no Brasil
QUANTIDADE DE DENÚNCIAS NO DISQUE 100 SOBRE VIOLAÇÕES DE DIREITOS
HUMANOS CONTRA CRIANÇAS E ADOLESCENTES NO BRASIL, 2011 a 2018
ANO 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018
QUANTIDADE 82.139 130.490 124.079 91.342 80.437 76.171 84.049 76.216
MÉDIA 107.013 79.219

Fonte: dados disponibilizados pelo Disque 100. Disponível em: <http://www.mdh.gov.br/informacao-ao-


cidadao/disque-100>. Acesso em: 08 ago. 2019.

Convém relatar que a diminuição dos números da quantidade de denúncias


pelo Disque 100 não reflete exatamente uma queda de práticas de violação de
direitos no País, uma vez que se refere apenas ao volume de denúncias registradas.
O declínio pode, sim, indicar que houve redução da quantidade de casos, mas
também significa o aprimoramento da rede de proteção à criança e ao adolescente
no âmbito do Estado1, uma vez que, havendo outros meios para relatar os casos
à rede, é mais comum que a população recorra primeiramente aos que oferecem
acesso mais simplificado e menos distante.

É certo que, de modo geral, houve diminuição na quantidade, tanto no


Maranhão quanto a nível nacional. Ocorre que, comparando a média dos períodos
de 04 (quatro) anos, a redução de denúncias sobre violações de direitos humanos
contra crianças e adolescentes no Maranhão foi na faixa de 55,24%, enquanto
no Brasil o índice observado foi de 25,97%. Em 2011, o Maranhão representava
5,70% do montante de denúncias recebidas pelos Disque 100, sendo que, em 2018,
passou a representar apenas 2,58%. Assim, a diminuição de casos no estado foi
mais expressiva do que aquela observada no Brasil.

Abaixo, está disposto o gráfico de linhas comparativo, o qual evidencia a


diferença da curva no Maranhão e no Brasil:

1 Disque 100 recebe 41 denúncias por dia de violência sexual contra crianças. G1-DF. Distrito Federal, 2016.
Disponível em: <http://g1.globo.com/distrito-federal/noticia/2016/05/disque-100-recebe-41-denuncias-por-dia-
-de-violencia-sexual-contra-criancas.html>. Acesso em: 08 ago. 2019.

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Gráfico 1 - Quantidade de Denúncias no Disque 100 sobre violações de Direitos humanos contra
crianças e adolescentes

Gráfico 2 - Quantidade de denúncias no Disque 100 sobre violações de direitos humanos contra
crianças e adolescentes no Brasil

*Dados de 2018 relativos apenas ao primeiro semestre (janeiro a junho de 2018)


Fonte: Dados disponibilizados pelo Disque 100. Disponível em: <http://www.mdh.gov.br/informacao-ao-
cidadao/disque-100>. Acesso em: 08 ago. 2019.

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É possível, por fim, traçar um diagnóstico do quantitativo de casos de violência
sexual de crianças e adolescentes por tipo no Maranhão. A maior incidência é
relativa a casos de abuso sexual, seguida da exploração sexual.

Tabela 3 – Quantidade de casos de violência sexual contra crianças e adolescentes


no maranhão, 2011 a 2018
ANO 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018 TOTAL
ABUSO SEXUAL 483 1.694 1.222 803 523 391 556 431 6.103
ESTUPRO 0 0 0 0 0 0 0 0 0
EXPLORAÇÃO 119 380 322 225 135 102 147 92 1.522
SEXUAL
EXPLORAÇÃO 0 0 6 0 1 1 0 0 8
SEXUAL NO
TURISMO
GROOMING2 0 2 0 1 0 1 8 7 19
OUTROS 7 20 19 6 13 12 4 1 82
PORNOGRAFIA 2 7 8 8 7 4 5 2 43
INFANTIL
SEXTING 2 1 2 4 0 4 5 5 23
TOTAL 513 2.104 1.579 1.047 679 515 725 538 7.800

Fonte: dados disponibilizados pelo Disque 100. Disponível em: <http://www.mdh.gov.br/informacao-ao-


cidadao/disque-100>. Acesso em: 08 ago. 2019.

1.3.2 Violência sexual por faixa etária conforme o Sinan

O Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan) no Ministério da


Saúde, alimentado pela notificação e investigação de casos de doenças e agravos
que constam da lista nacional de doenças de notificação compulsória, traz dados
relativos à violência sexual contra crianças e adolescentes. Abaixo, as notificações
de violência sexual, divididas conforme a faixa etária, de 2012 a 2017:

____________
2
O termo Grooming é também utilizado para representar o crime de aliciamento de crianças e crimes ligados
à pedofilia. Há inclusive o “online grooming” ou “cyber-grooming” que se refere a crimes praticados contra
crianças pela internet.

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Tabela 4 – Frequência por violência sexual segundo faixa etária (<1 ano até 19 anos), 2012 a 2017
Ano Faixa etária 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018

<1 Ano 6 5 5 6 5 6 33
1 a 4 anos 18 24 18 25 23 27 135
5 a 9 anos 56 50 29 57 47 58 297
10 a 14 anos 137 154 98 122 127 174 814
15 a 19 anos 40 50 40 54 49 78 311
Total 257 283 190 264 253 343 1.590
Fonte: MS/SVS - Sistema de Informação de Agravos de Notificação - Sinan Net

O gráfico a seguir sintetiza dados do Sinan relativos a casos notificados de


violência sexual contemplando todas as faixas etárias, de 2012 a 2017. É possível
constatar que os casos mais numerosos estão concentrados nas idades referentes
à infância e adolescência, com a maior concentração no período entre 10 e 14
anos.

Gráfico 3 – Frequência de violência sexual segundo faixa etária, 2012 a 2017

Fonte: MS/SVS - Sistema de Informação de Agravos de Notificação - Sinan Net

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1.3.3 Registro anual de atendimento dos CREAS no Maranhão

O quadro a seguir sistematiza dados referentes ao registro anual de


atendimentos dos Centros de Referências Especializados de Assistência Social
(CREAS), referentes ao abuso e à exploração sexual nos 117 municípios do
Estado que possuem o referido equipamento social em funcionamento, informação
dividida por gênero e faixa etária. Observa-se que os dados estão de acordo com
as pesquisas que apontam que as meninas são, em maioria, vítimas de exploração
e abuso sexual.

Quadro 1 – Dados do maranhão de atendimentos nos CREAS de casos de exploração e abuso


sexual por faixa etária e gênero, 2018
Abuso Abuso Abuso Abuso Exploração Exploração Exploração Exploração

sexual, sexual, sexual, sexual, sexual, sexual, sexual, sexual,

masculino, masculino, feminino, feminino, masculino, masculino, feminino, feminino,

de 0 a 12 de 13 a 17 de 0 a 12 de 13 a 17 de 0 a 12 de 13 a 17 de 0 a 12 de 13 a 17

anos anos anos anos anos anos anos anos

QNT. 0 47 0 398 0 13 0 39
TOTAL 497
Fonte: Supervisão de Proteção Social Especial – Média Complexidade – SEDES – Governo do
Maranhão

1.3.4 Dados do Instituto de Perícias Técnicas para Crianças e


Adolescentes

Este órgão pericial foi criado em 2004, através do Decreto nº 20.532 de


21 de maio de 2004, com a nomenclatura CPO (Centro de Perícias Oficiais). Sua
criação aportou-se em ser um órgão especializado em perícia de casos de violência
perpetrada contra crianças e/ou adolescentes, com interesse de apuração criminal.
Em 2006, com base no Decreto nº 22.296 de 20 de julho de 2006, o CPO teve sua
nomenclatura alterada para CPTCA (Centro de Perícias Técnicas para a Criança
e o Adolescente). Em 2020, com a medida provisória nº 303 de 12 de dezembro
de 2012 e lei nº 11.236 de 27 de março de 2020 que dispõe sobre a Perícia Oficial

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de Natureza Criminal, órgão integrante da estrutura da Polícia Civil do Estado do
Maranhão, o Centro de Perícias Técnicas para Crianças e Adolescentes passou a
ter a nomenclatura de INSTITUTO DE PERÍCIAS TÉCNICAS PARA CRIANÇAS E
ADOLESCENTES.

Faz-se cada vez mais importante esclarecer para a sociedade, e para os


órgãos de proteção da criança e adolescente, a missão e os objetivos do CPTCA.
A Lei 13.431/2017, que entrou em vigor em 2018, regulamentou o depoimento
especial e a escuta especializada de crianças e adolescentes. Embora seja uma
regulamentação que atinge o público-alvo deste órgão, vale destacar que, neste
instituto, realizam-se atendimentos periciais especializados, diferentemente do
depoimento especial realizado no âmbito das Delegacias e Juizados, ou escuta
especializada, no âmbito das demais instituições integrantes da rede de proteção
da criança e do adolescente.

Ressalta-se que no molde de existência do IPTCA, o Estado do Maranhão é


referência quanto ao órgão que integra rede de proteção às crianças e adolescentes
vítimas de violência, pois sua propositura prioriza uma metodologia que proporciona
segurança para que crianças e adolescentes possam falar sobre situações
traumáticas, se assim elas quiserem e puderem. A seguir, os casos recebidos no
IPTCA a partir do ano de 2011 até 2019.

Tabela 5 – Quantitativo de casos recebidos no IPTCA de 2011 a 20193


LEVANTAMENTO DOS Ano 2011 Ano Ano Ano Ano Ano Ano Ano Ano

CASOS 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018 2019


- Suposta Violência Sexual 333 418 405 451 423 403 505 418 732
- Suposta Violência Física 03 10 11 213 (*) 357 407 473 340 220
- Outros Supostos Crimes 11 07 09 21 197 313 315 318 159
TOTAL DE CASOS 347 435 425 685 977 1123 1293 1276 1281

Outros supostos crimes: maus tratos; ameaça; desaparecimento; preservação


de direito etc.

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Dados fornecidos pelo Instituto de Perícias Técnicas para a Criança e o Adolescente, Direção Geral de Perí-
cias. Secretaria de Segurança Pública do Estado do Maranhão.

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- Supostas Vítimas – Feminino 319 400 381 589 784 752 921 1033 1097
- Supostas Vítimas – Masculino 51 60 73 146 586 457 470 327 284
TOTAL DE SUPOSTAS 370 460 454 735 1.070 1209 1391 1360 1381
VÍTIMAS

A denominação de supostas violências deve-se ao fato de que tais registros


são casos em apuração, ou seja, nem todos são confirmados. No entanto, no
Centro de Perícias Técnicas para Crianças e Adolescentes são confirmados os
crimes contra crianças e adolescentes em torno de 80% dos casos. Ao contrário
do que mostram os dados do Disque 100, observa-se um crescente aumento de
notificações de violência sexual, nos quais as meninas são maioria. Tais dados vão
ao encontro da leitura feita pelo SEDIPOP, de que a diminuição demonstrada pelo
disque 100 se deve ao aprimoramento da rede de proteção à criança e adolescente
no âmbito do Estado.

Tabela 6 - Comparativo das Perícias Médicas realizado nos anos de 2011 a 2019
Ano Ano Ano Ano Ano Ano Ano Ano Ano
PERÍCIA MÉDICA 2018 2019
2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017

ALDCC 354 460 465 428 477 519 108 (*) -


CC 345 449 439 463 466 508 105 (*) -
EVPLD (*) - - - - - - 564 655 790
Lesão A 152 202 205 176 205 306 287 215 125
Lesão B 146 214 212 199 235 205 242 227 141
Exame Complementar 06 05 04 04 14 07 53 151 139
Exame Toxicológico - - - - - - - 5 9
Verificação de Maus-Tratos - - - - - - - 30 13
Outros Exames - - - - 22 08 45 3 9
Total de Perícias Médicas
1.003 1.330 1.325 1.270 1.419 1.553 1.404 1286 1226
Realizadas
Média de Perícias Médicas
84 111 110 106 118 129 117 117 102
por Mês
ALDCC: Ato Libidinoso Diverso da Conjunção Carnal; CC: Conjunção Carnal; EVPLD – Exame de Verificação de Práticas
Libidinosas Delituosas; Lesão A: Masculino; Lesão B: Feminino; Média de Laudos/Mês: considerando 30 dias no mês.
Fonte: dados fornecidos pelo Instituto de Perícias Técnicas para a Criança e o Adolescente, Dire-
ção Geral de Perícias. Secretaria de Segurança Pública do Estado do Maranhão.

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RESUMO

Nesta Unidade, fizemos um estudo introdutório a respeito do fenômeno da


violência, apresentando a sua construção histórica, seus conceitos e sua incidência
no Estado do Maranhão. Tais informações são importantes para balizar as ações
de enfrentamento da violência sexual contra crianças e adolescentes. Vimos
que a violência sexual pode ocorrer dentro e fora do ambiente doméstico, bem
como constituir forte rede de crime organizado, por meio da exploração sexual.
Observa-se que os dados sobre a violência sexual no Maranhão são escassos,
principalmente no que se refere a outros municípios, além da grande ilha. Ampliar o
conhecimento sobre um fenômeno tão complexo favorece a intervenção em rede, a
sistematização e registro dessa incidência.

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REFERÊNCIAS

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Adolescência. Abuso sexual: mitos e realidade. Petrópolis: Autores & Agentes
Associados, 2002.

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pequeno poder. São Paulo: IGLU, 1989.

AZEVEDO, M. A.; GUERRA, V. N. A. Mania de bater: a punição corporal doméstica


de crianças e adolescentes no Brasil. São Paulo: Iglu, 2001.

AZEVEDO, M; GUERRA, V.N.A. Contribuições brasileiras à prevenção de


violência doméstica contra crianças e adolescentes. In: WESPHAL, M.F. (org)
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CARDOSO, A.V. et al. Centro de Perícias: uma experiência na perícia criminal


em casos de violência contra crianças e adolescentes. São Luís: gráfica Aquarela,
2009.

COSTA, J.F. Violência e Psicanálise. Rio de Janeiro: graal, 2003.

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Cortez,1998.

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S.A. Londrina, 2018.

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crianças e adolescentes. Rev. Gaúcha de enfermagem Porto Alegre. v. 20. 1999.

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VIGARELO, J. História do Estupro. Violência sexual nos séculos XVI-XX. Rio
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do pai contra a filha. In: VALLE, TGM., org. Aprendizagem e desenvolvimento
humano: avaliações e intervenções, p. 177-200. São Paulo: Cultura Acadêmica,
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