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Análise Psicológica (2009), 4 (XXVII): 509-521

Crianças institucionalizadas e crianças


em meio familiar de vida: Represen-
tações de vinculação e problemas de
comportamento associado

JOANA PINHEL (*)


NUNO TORRES (**)
JOANA MAIA (***)

INTRODUÇÃO de aproximação do bebé às figuras cuidadoras,


no sentido de adquirir a protecção de que
Segundo John Bowlby a saúde mental necessita. Resultante de uma propensão
encontra os seus alicerces na qualidade dos biológica inata para o desenvolvimento de laços
cuidados parentais recebidos nos primeiros anos afectivos, de acordo com Bowlby (1981, 1984,
de vida constituindo-se estes como fundamentais 1998), a vinculação deverá ser simultaneamente
no delinear das trajectórias desenvolvimentais entendida em duas dimensões interligadas:
futuras (Bowlby, 1981, 1984, 1998). Este autor sistema comportamental e comportamentos
referiu, também, a coerência que existe entre os específicos. No primeiro caso falamos de um
modos de educar e de orientar as crianças e o seu imprinting biológico que permite a conservação
desenvolvimento saudável ou desfavorável. da espécie, tendo como função biológica
Bowlby (1981, 1984, 1998) definiu vincula- específica garantir a protecção face a situações
ção como um sistema inato de comportamentos de perigo e ou de adversidade. Complementar do
sistema de exploração, cuja activação tende a
(*) Psicóloga. ocorrer em situações de segurança, o sistema de
(**) UIPCDE – Instituto Superior de Psicologia vinculação é activado em situações de perigo,
Aplicada, Lisboa – Bolsa FCT SFRH/BD/38250/ efectivo e/ou potencial, integrando diferentes
2007. comportamentos específicos de procura,
(***) UIPCDE – Instituto Superior de Psicologia sinalização de perigo e aproximação a figuras
Aplicada, Lisboa – Bolsa FCT SFRH/BPD/35769/ protectoras. Este sistema torna-se cada vez mais
2007. complexo e funcional ao longo do tempo, em
Os autores gostariam de agradecer a todas as virtude da interacção com o meio e do próprio
crianças que aceitaram participar neste estudo. Os
autores gostariam ainda de agradecer a todos os
desenvolvimento do sujeito. Assim, se inicial-
colegas da linha 1, Psicologia do Desenvolvimento, da mente o bebé tem condutas de aproximação para
UIPCDE pelos seus comentários valiosos. com a generalidade das pessoas com quem

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contacta, a partir dos 6/7 meses a criança afectivos e cognitivos, habitualmente não
discriminará claramente uma figura de conscientes, que formam representações mentais
vinculação principal, bem como outras figuras generalizadas e tendencialmente estáveis sobre o
secundárias, das quais se tentará manter próxima self, os outros e o mundo. Construídos activa-
por meio da locomoção e de sinais específicos. mente pelo indivíduo no contexto de interacções
Assim, à medida que o bebé se vai desenvol- repetidas com as figuras cuidadoras e pela
vendo é cada vez superior a procura de proximi- integração de experiências relacionais posteri-
dade a figuras preferenciais, estabelecendo-se ores, actuam como guias para a interpretação dos
assim aquilo que se pode denominar de relação acontecimentos interpessoais, condicionando
de vinculação. O objectivo do sistema comporta- expectativas e comportamentos e guiando
mental de vinculação ao longo do desenvolvi- futuras interacções (Bowlby, 1998; Cummings,
mento será conduzir a criança para situações 1990; Silva, Fernandes, Veríssimo, Shin,
potencialmente seguras, construindo a própria Vaughn, & Bost, 2008; Speltz, 1990).
criança segurança interna, à medida que o Desta forma, os padrões precoces de regula-
desenvolvimento cognitivo e emocional vai
ção emocional evoluem no sentido de diferentes
diminuindo a necessidade da proximidade física
estratégias para lidar com situações adversas e
(Bowlby, 1984, 1998; Sroufe & Waters, 1977).
emocionalmente exigentes, traduzindo-se a sua
influência na formação do auto-conceito do
sujeito, nas estratégias de coping que utiliza
O FENÓMENO DE “BASE SEGURA”
para lidar com a ansiedade, nas distorções
cognitivas na percepção de acontecimentos
O bebé ao apreender as figuras de apoio como interpessoais que faz e nos mecanismos de
protectoras e disponíveis irá sentir-se confiante e
regulação do afecto que usa, podendo actuar
seguro na exploração do ambiente que o rodeia
como factores de vulnerabilidade ou de
(Bowlby 1998). Dessa forma, a figura de vincu-
protecção. Percebemos assim porque muitos
lação funcionará como base segura ao permitir o
sujeitos tendem, quando adultos, e muitas vezes
decréscimo do medo ou ansiedade na criança, e
de forma não consciente, a reproduzir com os
ao proporcionar a segurança necessária para a
exploração, ocorrendo uma regulação mútua seus filhos os modelos de interacção que marca-
entre o bebé e a figura de vinculação que lhe ram a sua própria infância, tendendo a verificar-
permitirá o desenvolvimento de representações se nas histórias familiares uma repetição
mentais que irão moldar o seu padrão relacional transgeracional dos padrões de vinculação
futuro (Vaughn, Coppola, Veríssimo, Monteiro, (Bowlby, 1984; Bretherton, Ridgeway, &
Santos, Posada, Carbonell, Plata, Waters, Bost, Cassidy, 1990; Speltz, 1990).
McBride, Shin, & Korth, 2007), influenciando a Ao estabelecimento de uma vinculação segura,
organização dos afectos, das cognições e dos por parte da criança, liga-se um modelo represen-
comportamentos (Bowlby, 1998; Sroufe, 2005). tacional das figuras de vinculação como estando
Dessa forma, a criança irá arquitectando uma disponíveis para a interacção e susceptíveis de
personalidade estável, na certeza de poder contar proporcionar ajuda e bem-estar. Assim, crianças
com a presença e apoio das figuras de referência que tenham vivências de sólidas relações
sempre que necessário (Bowlby, 1984, 1998; familiares, que tenham crescido num bom lar, ao
Cummings, 1990). lado de uns pais afectivos e carinhosos, previsí-
veis, constituindo-se como figuras acessíveis, dos
quais sempre pode esperar apoio, conforto e
MODELOS INTERNOS DE VINCULAÇÃO protecção terão maiores probabilidades de activar
respostas que permitam a adaptação a situações
Para explicar a relação entre vinculação, adversas, por comparação com crianças com
desenvolvimento e saúde mental, Bowlby (1981, histórias de vida familiares controversas, que
1984, 1988) concebeu a existência de Modelos cresceram na certeza de pais indisponíveis, ou
Internos Dinâmicos (MID), com componentes abusivos (Bowlby, 1981, 1984).

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O BRINCAR, A LINGUAGEM, desenvolvimento, bem como para uma maior
E MODELOS INTERNOS DINÂMICOS: compreensão do papel que a vinculação joga na
ANÁLISE DE NARRATIVAS formação de sintomas (Harter, 2006; Kobak,
Cassidy, Lyons-Ruth, & Ziv, 2006).
Desenvolvimentos recentes da Psicologia A vinculação insegura surge com maior
Cognitiva permitiram que a investigação na área frequência em amostras de alto risco (Weinfield,
da Vinculação, progredisse do nível dos compor- Sroufe, & Egeland, 2000) nas quais é possível
tamentos directamente observáveis para o nível identificar um tipo de funcionamento proble-
não-directamente observável das representações mático associado a outras áreas do desenvol-
mentais (Waters, Rodrigues, & Ridgeway, 1998), vimento sócio-emocional da criança, tal como a
com o estudo das narrativas a ser apontado relação com os pares (elevados conflitos ou
como uma forma válida de inferir a qualidade dependência, punição, vitimização, hostilidade),
dos modelos internos dinâmicos, não apenas em ou mesmo em termos de construção do Self
adolescentes e adultos mas também em crianças (alterações de humor, comportamentos agres-
de idade escolar e pré-escolar (Emde, Wolf, & sivos, sintomatologia ansiosa e depressiva e
Oppenheim, 2003). isolamento) (Sroufe, 2005). Crianças com
As narrativas põem em evidência representa- vinculação segura, por seu lado, tendem a
ções mentais da experiência, assim como o papel apresentar melhores competências pessoais
do self e dos outros nessa experiência, envolvendo (elevada auto-estima, resiliência do ego,
a construção de significados emocionais. competência cognitiva), superiores competências
Por outro lado, Bretherton, Ridgeway, e com os pares (sentimentos mais elevados de
Cassidy (1990) referem que a forma como as reciprocidade, empatia, resolução de conflitos) e
crianças brincam reflecte a interiorização dos mais facilidade na mediação com adultos
seus modelos internos operantes, pelo que a obser- (obediência às regras e autonomia, percepções e
vação do brincar, da linguagem que acompanha a expectativas favoráveis que os adultos nutrem
brincadeira e dos processos mobilizados pela por estas crianças) (Soares, 2002; Sroufe, 2005).
fantasia infantil, se poderão constituir como um
método de excelência para aceder a esses modelos
durante a infância. Com efeito, a investigação tem
SEPARAÇÃO E RUPTURA DE VINCULAÇÃO
vindo a mostrar que crianças com uma vinculação
segura tendem a criar narrativas coerentes, que
reflectem interacções familiares positivas, por Do que foi exposto até ao momento, sabemos
oposição às crianças com histórias desenvolvi- já que a organização dos padrões de vinculação
mentais marcadas por rupturas, abandonos, ou depende do feedback dinâmico que se estabelece
negligência. A título de exemplo referimos um entre as principais figuras cuidadoras e a criança,
estudo desenvolvido em Portugal por Marques através da rotina e da redundância das inter-
(2006) que mostrou que as narrativas produzidas acções entre ambas e da forma como estes
por crianças maltratadas, por comparação com as adultos conseguem, ou não, funcionar quer como
que não foram vítimas dessa situação, continham base segura, da qual a criança pode partir para
histórias mais pobres, com representações explorar o meio, quer como porto de abrigo, ao
desvalorizadas e/ou desorganizadas das figuras qual pode voltar sempre que as suas incursões se
parentais e de si próprias. tornarem assustadoras. Desta forma, o desenvol-
vimento dos padrões de vinculação não poderá
ser percebido fora do contexto da continuidade
VINCULAÇÃO, DESENVOLVIMENTO E dos cuidados e da previsibilidade da sensitivi-
PSICOPATOLOGIA dade e responsividade das figuras de vinculação.
Na formulação original da Teoria da Vinculação,
Nos últimos anos a investigação sobre vincu- Bowlby partiu da evidência de que separações
lação tem-se alargado cada vez mais a populações prolongadas da figura materna levavam as
de crianças em risco, o que tem contribuído para crianças a vivenciarem sentimentos de abandono
modelos mais abrangentes da psicopatologia do e rejeição (Bowlby, 1981, 1984), que se reflec-

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tiam em perturbações de comportamento e e outros que não são de referência (Chisholm,
dificuldades de relacionamento, sublinhando a Cárter, Ames, & Morison, 1995). Nesse sentido,
frequência com que a raiva surge após situações os autores referem a dificuldade vivenciada por
de separação e perda, podendo intensificar-se de essas crianças em desenvolver uma vinculação
forma disfuncional. No entanto, se as separações seguracom um cuidador de referência.
se prolongavam no tempo as crianças tendiam a Bowlby (1981, 1984) sugeriu que as reper-
apresentar-se emocionalmente retraídas e cussões induzidas pela separação e a decorrente
isoladas, não conseguindo estabelecer relações institucionalização poderão ser diminuídas pela
afectivas saudáveis com outras crianças e prestação de cuidados maternais muito próximos
adultos, mostrando-se indiferentes, lentificadas, daqueles que a criança deveria receber da sua
infelizes e incapazes de reacção (Bowlby, 1981, figura materna. No entanto este autor considerou
1984). Neste contexto, percebemos que crianças que os cuidados necessários ao saudável
precocemente institucionalizadas, com uma desenvolvimento da criança ao estarem, numa
trajectória quase sempre marcada pela inter- instituição, ramificados por várias cuidadores,
rupção de cuidados e pela alternância, muitas podem impedir a construção de uma interacção
vezes caótica, de figuras de referência consti- privilegiada, rica e empática criança-adulto. Na
tuem um grupo de risco para o desenvolvimento eventualidade de não existir um adulto de
de padrões inseguros de vinculação, padrões referência e familiarizado com aquela criança em
estes que quase sempre estão na base dos particular, eventuais necessidades passarão
problemas de comportamento, tanto de nível despercebidas. São de salientar três conceitos
internalizante como externalizante, frequente- chave que deverão ser postos em prática pelos
mente exibidos por esta população. cuidadores: continuidade, disponibilidade e
sensibilidade da resposta.
Quando as crianças são acolhidas, a fase de
ACOLHIMENTO INSTITUCIONAL E rejeição do adulto estranho não persiste para
VINCULAÇÃO sempre. A criança acaba por procurar novas
relações, desde que essa figura seja estável e
Várias investigações indicam que as crianças consiga desempenhar a função de cuidador
acolhidas que foram vítimas de maltrato apre- carinhoso e contentor que a criança necessita
sentam tendência depressiva por comparação (Bowlby, 1984). Porém, a criança nem sempre
com as crianças em meio natural de vida e que consegue ser resiliente o suficiente para se afastar
não foram vítimas de maltrato (Marques, 2006). do passado, permanecendo aí mergulhada,
Estas crianças apresentam elevados níveis de exercendo uma grande resistência à nova situação
desestruturação e manifestam um nível de (Bowlby, 1981).
desenvolvimento que fica aquém do encontrado
em amostras normativas. Tendem a manifestar
condutas agressivas, pelo que a violência é OBJECTIVOS DO ESTUDO
adoptada como um dos principais meios de
comunicação e a delinquência um caminho Considerando o que foi exposto, o primeiro
muitas vezes por elas seguido (Biscaia & objectivo deste trabalho é avaliar se as repre-
Negrão, 1999; Taylor, 2004). sentações dos modelos internos de vinculação
Zeanah, Smyke, Koga, e Carlson (2005) após em crianças institucionalizadas são diferentes de
desenvolverem estudos com crianças romenas crianças em meio familiar de vida com um nível
institucionalizadas concluem que existe, nesse socioeconómico equivalente.
tipo de população, uma perturbação reactiva da Por outro lado, pretende-se verificar até que
vinculação como efeito do acolhimento institu- ponto crianças institucionalizadas manifestam
cional, prevalecendo padrões de vinculação mais comportamentos agressivo, de isolamento e
disfuncionais com as figuras cuidadoras. De hiperactividade.
facto, uma das manifestações típicas dessas Pretende-se também avaliar a relação entre os
crianças é o estabelecimento de relações de modelos internos de vinculação e o tipo de
amizade não discriminadas entre adultos próximos comportamento associado.

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MÉTODO uma variedade de situações relacionadas com a
vinculação (Bretherton & Oppenheim, 2003).
Participantes Este instrumento compreende cinco histórias
que, iniciadas pelo entrevistador, serão conti-
Os participantes neste estudo foram 35 nuadas e terminadas pela criança, recorrendo a
crianças portuguesas com idades compreendidas uma família de bonecos moldáveis e a outros
entre os 48 e os 96 meses de idade (M=69.03, adereços. Ao longo de cada uma das histórias a
DP=12.5). Foram constituídos dois grupos: criança é confrontada com um problema central
Grupo das Crianças em Meio Familiar de Vida, que tem que resolver, susceptível de activar
não institucionalizadas (G.N.I.), constituído por representações associadas à vinculação.
16 crianças integradas em meio familiar; Grupo Assim, as questões levantadas por cada uma
das Crianças Institucionalizadas (G.I.), composto das histórias são:
por 19 crianças integradas em meio institucional,
1) História do sumo entornado: a figura de
acolhidas em Centros de Acolhimento Tempo-
vinculação num papel de autoridade em
rário ou Lares de Crianças e Jovens. Todas as
resposta a um percalço acidental da criança;
crianças neste estudo pertenciam, maioritaria-
mente, a um estatuto sócio-económico baixo (a 2) História do joelho magoado: a dor como
maioria das mães em ambos os grupos tinham desencadeador de comportamentos de
habilitações literárias ao nível do ensino básico). vinculação e protecção;
As crianças que compõem o grupo em meio 3) História do monstro no quarto: o medo
familiar de vida e que frequentaram o Equipa- como desencadeador de comportamentos
mento de Infância, durante o ano lectivo em que de vinculação e protecção;
decorreu o estudo, residiam no Distrito de 4) História da partida: a ansiedade de
Lisboa (N=12). As crianças pertencentes ao separação e o coping;
mesmo grupo, mas que se encontraram a 5) História do reencontro: as reacções ao
frequentar o 1.º ano do Ensino Básico (N=4) regresso dos pais (Bretherton, Ridgeway, &
apenas uma residia no referido Distrito, sendo Cassidy, 1990).
que as restantes eram oriundas do Distrito de
Viseu. Em relação ao grupo de crianças As narrativas produzidas pelas crianças
institucionalizadas (N=19) a área de residência podem ser consideradas como seguras e coe-
pertencia ao Distrito de Lisboa. rentes quando conseguem encontrar uma solução
No grupo das crianças em meio familiar de adequada para o problema, exprimindo-se com
vida (grupo não-institucionalizado [G.N.I.]) facilidade e coerência. Por outro lado, as
existiam mais sujeitos do género feminino respostas que reflectem insegurança são as que
(68,75%), enquanto que no grupo de crianças se caracterizam pelo evitamento da questão
institucionalizadas (G.I.) foi superior o número central ou desadequação da solução. A desorga-
de sujeitos do género masculino (57,9%). nização do comportamento está presente sempre
que os bonecos são manuseados desajusta-
Instrumentos damente, sendo, por exemplo, atirados para o
chão, quando surgem cenários catastróficos e
Attachment Story Completion Task (Bretherton, respostas desadequadas.
Ridgeway, & Cassidy, 1990). Tarefa de Comple- Em relação aos parâmetros de análise e
tamento de Histórias de Vinculação. Adaptação cotação das narrativas produzidas pelas crianças
Portuguesa pela UIPCDE-ISPA (Maia, Ferreira, em cada uma das 5 histórias do ASCT, foram
Veríssimo, Santos, & Shin, 2008; Silva, Fer- analisados dois critérios: Segurança e Coerência
nandes, Veríssimo, Shin, Vaughn, & Bost, 2008). das narrativas (Maia, Ferreira, & Veríssimo,
Criado por Bretherton, Ridgeway, e Cassidy 2008). O critério da segurança, foi analisado com
em 1990, o Attachment Story Completion Task base numa escala com uma cotação de 1 a 8,
(ASCT) visa identificar diferenças individuais correspondendo a 1 – desorganizado e 8 – muito
no modo como as crianças tendem a encenar seguro. A cotação compreendeu ainda a

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coerência das narrativas, a sua resolução, as vida e pelo monitor de referência em relação às
representações parentais, o comportamento não crianças institucionalizadas.
verbal, a fluência, o investimento na tarefa, a
expressividade, o conhecimento emocional e,
por último, a interacção estabelecida com o RESULTADOS
entrevistador (Bretherton, Oppenheim,
Buchsbaum, Emde, & the MacArthur Narrative Apresentaremos em primeiro lugar três
Group, 1990; Heller, 2000). A cotação das exemplos de excertos de narrativas ASCT
narrativas foi realizada por investigadores produzidas pelas crianças deste estudo, e em
treinados para o efeito, independentes da recolha seguida os resultados da análise estatística.
de dados, e o acordo entre avaliadores atingido As narrativas que de seguida serão
foi muito satisfatório (K total segurança=0.8 e K apresentadas dão conta de algumas diferenças
total coerência=0.8). paradigmáticas entre ambos os grupos em
estudo. A história seleccionada para ilustrar
Wechsler Preschool and Primary Scale of essas diferenças foi a do Joelho Magoado.
Intelligence Revised (WPPSI; Wechsler, 1989).
A WPPSI é uma escala de inteligência composta
Exemplo 1: Criança em meio familiar, 68
por diversos sub-provas (onze provas, das quais
meses de idade, a frequentar Equipamento
seis são verbais e cinco de realização) que
Infantil
permitem aceder às aptidões mentais. Como a
aplicação da WPPSI surgiu no sentido de O primeiro excerto de narrativa constitui um
determinar a influência das capacidades exemplo de uma história cotada como coerente e
cognitivas verbais na construção das narrativas segura. Não foi transcrita na totalidade dada a
apenas foi pertinente recorrer à aplicação das sua extensão. Também o comportamento não
cinco provas verbais. verbal não foi aqui referido, embora tenha sido
considerado, em cada história, um elemento de
Child Behavior Checklist (Achenbach, 1991. cotação.
Adaptação portuguesa: Inventário de Comporta-
mentos da Criança para Pais, I.C.C.P; Fonseca et Entrevistador: O que aconteceu após a Cristina
al., 1994). De forma a avaliar os problemas de ter caído da rocha e se ter magoado no joelho?
comportamento nos dois grupos em estudo “... Querida, não devias ter feito isso. O pai
recorreu-se ao Inventário de Comportamentos da pegou na Cristina ao colo até ao médico (...) a
Criança para Pais (I.C.C.P), que corresponde à mãe e o pai é que levaram. A mãe e o pai
versão portuguesa do “Child Behavior Checklist”, levaram os dois juntos a Cristina ao colo. Ela
CBCL, de Achenbach (1991). O inventário precisava de fazer uma radiografia (silêncio).
pretende avaliar e descrever as competências Partiu o osso do joelho (silêncio). Tiveram de
pôr uma meia elástica e à noite tirar. E uma
sociais e os problemas de comportamento de
ligadura. Ela só precisou 4 dias para ficar boa.
crianças e adolescentes dos 4 aos 18 anos. Apenas
Silêncio. Depois passaram os 4 dias e já conse-
se recorreu à segunda parte do Inventário, guia andar. Depois a Ana quis subir a rocha,
constituído por oito escalas de comportamento, como era a mais velha não caiu. Depois tinha
das quais foram seleccionadas as consideradas medo de descer. Ficou em cima da rocha,
pertinentes para o estudo da segurança das sentada. Depois chamou a mãe e o pai. Eles
representações de vinculação: disseram para ela saltar. A mãe afinal disse que
– Escala de Comportamento Agressivo; não porque estava muito preocupada com a
Ana. Como a Ana tinha o coração a bater muito
– Escala de Comportamento de Isolamento; não saltou. Depois saltou, mas ia caindo. Ela
– Escala de Comportamento de Hiperactivi- saltou e o pai e a irmã seguraram-na (agarrando
dade. ambos os bonecos na Ana, ao colo). Levantou a
mãe e disse que já não estava preocupada,
Os questionários foram preenchidos pelos enquanto a aproximava da Ana. Depois o pai e a
pais no caso das crianças em meio familiar de mãe ajudaram-nas a subir porque era muito alta

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(colocando todos os bonecos, em conjunto, em Pais: Mas então como vamos fazer?
cima da rocha). Subiram todos para a rocha e E a Tatiana lembrou-se do tio (...).
fizeram um piquenique lá em cima. Depois
Tatiana: Vou para casa do tiiiiooooo... e vou
foram para casa dormir. Como estavam cheios
levar a minha pedra mágica e a relva.
de sono adormeceram em cima da mesa”.
(...) Os pais lembraram-se de perguntar ao tio se
Surge nesta narrativa uma representação de a Tatiana estava a dormir bem. Mas a Tatiana
cuidadores disponíveis, carinhosos, securizantes, não estava no tio, tinha mentido e tinha ido para
fora de Portugal (para a Holanda) (...). Estava no
empáticos, que se movimentam num ambiente
estrangeiro. Os pais estavam preocupados, não
familiar harmonioso. Este cenário que a criança
havia sinal. Mas Holanda era muito perto. Ela
expõe traduz os seus modelos internos, reme- (em relação à Tatiana) arrastou a relva, e sabes
tendo para a consistente interacção estabelecida onde estava? Na ilha da Madeira, com a tia.
com a figura de vinculação precoce. Pais: Volta Tatiana senão puxamos a relva (e
puxa pela relva, para o centro da mesa). Tatiana:
Exemplo 2: Criança Institucionalizada, 85 Porque é que me trazem? Eu estava melhor
meses de idade com a minha tia. Pais: Gostamos de ti e
queremos que mores cá. A narrativa terminou,
Esta narrativa foi considerada como próxima mas sem o final ser claro.
da cotação muito incoerente e insegura. A
criança inicialmente não atribuiu nenhuma Nesta narrativa, a narração é desviada negati-
resolução quando esperada, evitando o problema vamente do seu curso inicial e, a criança, perante
apresentado. a incapacidade destes pais em a protegerem e a
Entrevistador: O que aconteceu após a Tatiana
conterem, opta por fugir de casa. Perante a
ter caído da rocha e se ter magoado no joelho? possibilidade de regressar para os pais manifestou
desagrado, confidencializando que: “estava
... Voltava a tentar subir e tinha conseguido. E melhor com a minha tia”.
depois caiu.
Entrevistador: Mas ela estava magoada no Exemplo 3: Criança Institucionalizada, 94
joelho. O que é que fizeram em relação a isso?
meses de idade
Ah, já sei! Foram limpar a ferida. Para a casa
de banho. Foram outra vez para a rocha e A narrativa que se segue foi cotada como
subiu, subiu e caiu (a Tatiana) bateu com a extremamente incoerente e severamente
cabeça e ficou com um galo. Agora é o pai insegura.
(aproxima o pai da Tatiana). (O pai) Pôs gelo na
Entrevistador: O que aconteceu após o Paulo ter
cabeça (da Tatiana). (diz em relação à Tatiana)
caído da rocha e se ter magoado no joelho?
Estava triste porque estava sempre a cair. A
Comenta: “Jardim malcheiroso...” Pega na mãe,
Tatiana subiu, mas não conseguiu subir mais e aproxima-a do joelho magoado. Dobra-a
depois desceu e ficou com o pé preso. dizendo: Baixa-te velhota.
Tatiana: Mãe! Pai! (voz de desespero). A mãe diz: Isto não tem nada, filho. Só caíste da
Mãe: Não voltes a subir (tom de repreensão). rocha abaixo. Tenta outra vez. O Paulo sobe a
Pai: Mas e agora? A Tatiana está lá presa (voz rocha, até ao topo, dizendo: Eh, consegui (esboça
de preocupação) (coloca a cabeça da Tatiana um sorriso). Agora vinha um trovão: Oh, pumba
presa entre os degraus). O pai tenta subir mas (atira o Paulo pelo ar, dando uma cambalhota e
não a consegue salvar (entretanto a criança tira a acabando deitado no chão). Paulo: Cai de
Tatiana da rocha). cabeça, acho que parti a cabeça. Simula um
choro enquanto levanta o Paulo do chão, e o
Tatiana: Vou fugir de casa! (... e mais tarde após
esbarra, de seguida, no irmão Alexandre. Toma!
a terem encontrado)
(diz, num tom agressivo, movimentando os
Mãe: Tatiana porque fugiste? bonecos, com uma expressão séria. Levanta o
Tatiana: Não gosto do pai nem da mãe, nem da Alexandre, aproxima-o do Paulo): Estás-me a
irmã. bater? Toma! Aproxima o pai dos dois filhos

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dizendo: O que é que se passa aqui, meninos? ANÁLISE QUANTITATIVA DOS RESULTADOS
Estão á luta porquê? Por causa daquela rocha
podre? Aproxima o pai do Paulo dizendo: Anda Analisando os resultados de forma estatística,
cá, deixa ver essa cabeça malcheirosa. Toma! com base nos valores médios e desvio-padrão
(diz enquanto o pai dá um pontapé na cabeça do obtidos, e tendo sido utilizados os testes
Paulo). Não tens nada filho. Isto não dói, olha. não-paramétrico de diferenças de médias U de
Olha só para este (o pai bate no Alexandre). Mann-Whitney, pode concluir-se através da
Vês? Não aleija, também não chora (sorri). E é Tabela 1 que as diferenças encontradas, relativa-
mais novo que tu. O Paulo diz para o Alexandre: mente à Segurança e Coerência da Vinculação1
Vou tentar outra vez, estás a ouvir? Sobe muito para ambos os grupos, foram significativas
a custo até ao cimo da rocha. Criança: Agora (U=-4,1; p<.001). Assim, constata-se que o grupo
vinha o irmão. Quando chega ao topo, o Paulo de crianças não institucionalizadas obteve um valor
diz para Alexandre: sai daqui cabeça de milho médio de segurança e coerência das representa-
senão levas uma cabeçada que cais lá para
ções de vinculação superior (5,43), por compara-
baixo. Criança: Agora caíram os dois, são
ção com as crianças institucionalizadas (4,08).
mesmo totós. O irmão mais velho diz: Não
O grupo de crianças em meio familiar de
consegues, não consegues! Dei um mortal pelo
vida obteve resultados médios superiores (16,2)
ar! O Alexandre também dá um salto da rocha
também na WPPSI, componente verbal, pelo
até ao chão, caindo em cima da cabeça do irmão.
que o desempenho cognitivo verbal foi superior
Ai a minha cabeça! A criança faz os dois
bonecos voar pelo ar: Pumba! Pumba! Partiram ao das crianças institucionalizadas (11,6). Os
a cabeça (diz ao fazer os dois bonecos caírem no resultados comprovam que a existência de
chão). Os filhos, deitados no chão levantam-se diferenças entre os dois grupos é significativa
perguntando ao pai que entretanto se aproxima: (U=-2,22; p<0,05).
E agora? Pai diz enquanto bate nos filhos: Em relação aos problemas de comportamento,
Pumba! Pega na mãe e o pai também lhe bate, o grupo de crianças institucionalizadas foi o que
dizendo: Toma mulher, o homem é que é o mais obteve valores mais elevados no Inventário de
forte. O Alexandre levanta-se e bate no pai, Comportamentos da Criança para Pais (I.C.C.P),
derrubando-o e dizendo: Maldito, cabeça de na Escala de Comportamento Agressivo (,18),
milho. O pai e o filho mais velho lutam, até o pelo que essas crianças revelam uma conduta
filho ficar deitado no chão (mantém uma agressiva superior. Os resultados indicam que as
expressão muito séria e extremamente envolvido diferenças encontradas para os dois grupos são no
na sua história). entanto marginalmente significativas (U=-2,04;
Entrevistador: O que é que aconteceu? p=,08). Também os valores médios do I.C.C.P, na
Escala de Isolamento, foram superiores no grupo
A criança ignora a pergunta do entrevistador,
das crianças institucionalizadas (,44), manifes-
permanecendo a olhar para os bonecos e para o
tando mais tendências de isolamento do que o
cenário, dando continuidade à sua narração
grupo de crianças em meio familiar de vida (,38).
imersa numa agressividade desestruturada.
Contudo, analisando a tabela, pode constatar-se
que as diferenças encontradas não são significati-
De facto, neste excerto de narração emergem
vas (z=0,56; p=,58). No I.C.C.P, Escala de Hiper-
afectos inapropriados e agressões gratuitas, que
actividade, os valores mais elevados pertencem ao
acentuam as notórias falhas de comunicação
grupo de crianças não institucionalizadas (,56),
familiar, e que remetem para representações que
pelo que a manifestação desse comportamento
sugerem pais emocionalmente ausentes, pouco
nessas crianças é superior. Contudo, as diferenças
sensíveis às necessidades dos filhos e fisica-
encontradas não são significativas (z=0,59; p=,49)
mente abusadores. Surgem dificuldades no
como é possível verificar pela leitura da Tabela 1.
estabelecimento de limites, na diferenciação de
gerações e interiorização de papéis. No que 1 Uma vez que se verificou uma correlação muito
concerne à interacção com o entrevistador a forte entre os parametros de Segurança e Coerência das
criança foi manifestando um comportamento de narrativas (r=,98), foi realizada uma nota composita
retirada, perdendo-se na sua própria narrativa. composta pela média aritmética das duas medidas.

516
TABELA 1
Médias e desvios-padrão, valor de z para diferença de médias e probabilidade
para as variáveis em estudo nos dois grupos
Grupo C. Não-institucionalizadas Grupo C. Institucionalizadas z p
ASCT (Segurança/coerência da vinculação) 05,43 04,08 -4,15 0,00
00(,65) 0(,97)
WPPSI 16,20 11,6 -2,22 0,02
0(3,28) (6,05)
I.C.C.P (E.C. Agressivo) 00,04 0,18 -2,04 0,08
00(,15) 0(,24)
I.C.C.P (E.C. Isolamento) 00,38 0,44 0-,56 0,58
00(,28) 0(,30)
I.C.C.P (E.C. Hiperactividade) 00,56 0,46 0-,69 0,49
00(,33) 0(,36)

De seguida procede-se à análise das correla- Finalmente, não foi encontrada nenhuma
ções entre as variáveis em estudo (Tabela 2). correlação significativa entre os valores do
ASCT e os resultados da WPPSI (p=0,093),
pelo que podemos concluir que as capacidades
TABELA 2 cognitivas verbais não influenciaram significati-
Correlações entre os valores do vamente a coerência e segurança na construção
segurança/coerência no Attachment Story das narrativas.
Completion Task e as três escalas do I.C.C.P.
ASCT DISCUSSÃO
(Segurança/coerência da vinculação)
I.C.C.P (C. Agressivo) -0,59** Os resultados obtidos revelam que os conteú-
I.C.C.P (Isolamento) -0,29** dos das narrativas produzidas pelas crianças
I.C.C.P (Hiperactividade) -0,13**
integradas em meio institucional se distinguem
Legenda: **Correlação significativa para o valor de 0.01; significativamente dos conteúdos das narrativas
*Correlação significativa para o valor de 0.05.
produzidas pelas crianças em meio familiar de
vida, tendo o primeiro grupo de crianças obtido
valores inferiores de segurança e coerência na
Os resultados encontrados indicam a confir-
representação da vinculação.
mação de uma correlação negativa significativa
As crianças institucionalizadas construíram
(r s =-.59) entre a Escala de Comportamento narrativas menos seguras e menos coerentes,
agressivo e os valores de segurança e coerência do sugerindo que detêm um padrão de vinculação
ASCT. Assim, as representações de vinculação menos seguro, com temas marcados pelo aban-
relacionam-se negativamente com os valores dono, punição, negligência, inversão de relações
encontrados para a Escala de Comportamento familiares, algumas delas contendo conteúdos
Agressivo. Relativamente aos valores encontrados fortemente sexualizados.
para a Escala de Isolamento e o ASCT denotam, Por outro lado, crianças em meio familiar de
também, a existência de uma correlação negativa vida construíram narrativas de vinculação mais
significativa (rs=-.29), pelo que, também, se pode seguras e coerentes, onde tendem a surgir inter-
concluir que a representações de vinculação mais acções positivas e figuras parentais empáticas e
segura está associado um menor comportamento protectoras.
de isolamento. Por último, surgem os valores que No que concerne ao desenvolvimento cognitivo
correlacionam a Escala de Hiperactividade e o verbal verificou-se que as crianças instituciona-
ASCT que expõem a existência de uma corre- lizadas obtiveram um desempenho verbal inferior
lação, mas que não é significativa. considerado significativo. Existe uma ausência de

517
associações entre a segurança da vinculação e o Assim, não parece existir neste estudo um
desenvolvimento cognitivo verbal. Os resultados efeito directo do contexto (instituição versus
encontram um vasto sustento teórico dado que as meio familiar de vida) no desenvolvimento de
crianças acolhidas manifestam atrasos de desen- problemas de comportamento, mas sim um efeito
volvimento, surgindo atrasos e/ou perturbações indirecto através da insegurança/incoerência da
nos mais vastos domínios – intelectual, motor, vinculação. Por outras palavras, crianças em
afectivo, social e comportamental (Marques, meio institucional tendem a ter uma menor
2006; Zeanah et al., 2005). segurança e coerência dos modelos internos de
Por outro lado, a ausência de correlação entre vinculação do que crianças em meio institucio-
a segurança das narrativas da vinculação e as nal, estando por sua vez estes modelos internos
capacidades verbais confirma que o ASCT não correlacionados com problemas de comporta-
está a medir capacidades cognitivas verbais. mento agressivo e de isolamento.

FIGURA 1
Efeito indirecto do meio de vida institucional nos problemas de comportamento, através da
insegurança/incoerência da representação de vinculação

Representações da Problemas de
Meio de vida (institucional) Vinculação menos seguras Comportamento agressivo e
e coerentes isolamento

No que toca às relações entre a segurança/ Outras investigações com crianças em início
/coerência das representações de vinculação e os de idade escolar, recorrendo ao Child Behaviour
problemas de comportamento, verificou-se uma Checklist sugerem correlações significativas
correlação negativa e significativa entre a Escala entre as representações de vinculação através de
de Comportamento Agressivo e a segurança/ narrativas e o respectivo ajustamento emocional
/coerência das representações de vinculação e comportamental (Futh, O’Connor, Matias,
através do ASCT. Assim, quanto maior é a Green, & Scott, 2008).
segurança/coerência das representações de Uma das limitações desta investigação
vinculação menos frequente é o comportamento decorre do facto de, no que diz respeito aos
agressivo. Foi encontrada também uma problemas de comportamentos internalizantes
correlação negativa significativa entre a Escala apenas ter contemplado o estudo do isolamento
de Isolamento e a segurança/coerência das social, não se debruçando sobre eventuais
representações de vinculação através do ASCT: sintomas de depressão ou ansiedade. As Escalas
Crianças com representações de vinculação mais de Depressão e de Ansiedade não foram
seguras/coerentes manifestaram, com menor incluídas neste estudo por razões de parcimónia
frequência, comportamentos de isolamento. de recursos, e tendo em conta que a maioria dos
Em relação às diferenças de problemas estudos prévios incidiu nessas dimensões (e.g.,
de comportamento manifestados nos dois grupos Zeanah et al., 2009), optámos por privilegiar
de crianças em estudo, é de referir que embora uma área menos estudada.
as crianças institucionalizadas apresentam Uma outra limitação a enunciar corresponde
uma tendência para valores mais elevados ao preenchimento do Inventário de Comporta-
de comportamento agressivo, e de isolamento, mentos da Criança para Pais nos dois grupos
estas diferenças não atingiram significância distintos. No caso das crianças em meio familiar
estatística. de vida foi pedido ao Encarregado de Educação

518
que procedesse ao seu preenchimento. Em REFERÊNCIAS
relação às crianças institucionalizadas o Inven-
tário foi preenchido pelo monitor de referência Achenbach, T. M. (1991). Manual for the child behavior
para cada criança em particular, como detentor checklist/4-18 and 1991 profile. Burlington, VT:
de maior conhecimento de forma a conseguir dar University of Vermont, Department of Psychiatry.
as respostas mais adequadas. Biscaia, J., & Negrão, F. (1999). As crianças e os
Em suma, pode considerar-se a confirmação maus-tratos. Sonhar – Comunicar/Repensar a
dos pressupostos teóricos da Teoria da Vinculação Diferença, 6, 281-290.
que prevê serem as crianças mais seguras as mais Bowlby, J. (1981). Cuidados maternos e saúde mental.
habilitadas a demonstrar um desempenho sócio- São Paulo: Martins Fontes Editora.
-emocional superior, manifestando menos
comportamentos desajustados, o que foi ao Bowlby, J. (1984). Apego e perda: Vol. 2. Separação:
Angústia e raiva. São Paulo: Martins Fontes Editora.
encontro do que se verificou nesta investigação.
De referir que a qualidade das representações de Bowlby, J. (1998). A secure base – Clinical applications
vinculação se associa negativamente aos of attachment theory. London: Routledge.
problemas de comportamento manifestados. Em Bretherton, I., & Oppenheim, D. (2003). The
função do meio de vida (familiar ou institucional) MacArthur Story Stem Battery: Development,
surgiram representações de vinculação mais ou directions for administration, reliability, validity
menos seguras, parecendo determinantes no tipo and reflections about meaning. In R. N. Emde, D.
P. Wolf, & D. Oppenheim (Eds.), Revealing the
de comportamento expresso. Assim, de salientar a
inner worlds of young children: The MacArthur
consistente ligação entre as representações Story Stem Battery and parent-child narratives
mentais e os respectivos comportamentos para a (pp. 55-80). New York: Oxford University Press.
saúde mental das crianças.
Bretherton, I., Ridgeway, D., & Cassidy, J. (1990).
Desta forma, pode concluir-se que os compor-
Assessing internal working models of the attachment
tamentos manifestados, pelas crianças institucio- relationship. An attachment story completion task
nalizadas, reflectem representações mentais for 3-years-old. In M. T. Greenberg, D. Cicchetti, &
negativas, em que os adultos cuidadores surgem E. M. Cummings (Eds.), Attachment in the preschool
como indisponíveis, rejeitantes ou abusadores, years. Theory, research and intervention (pp. 272-
que promovem na criança o desenvolvimento de 308). Chicago: The University of Chicago Press.
um self desvalorizado, que se vai consolidando Bretherton, I., Oppenheim, D., Buchsbaum, H., Emde,
em frágeis alicerces. R., & the MacArthur Narrative Group (1990).
Apesar de ser difícil para essas crianças MacArthur Story Stem Battery. Unpublished
adaptarem-se a outro sistema relacional distinto manual, University of Wisconsin-Madison.
daquele que lhes foi permitido estabelecer com as Chisholm, K., Carter, M. C., Ames, E. W., & Morison, S.
primeiras figuras de vinculação torna-se pertinente J. (1995). Attachment security and indiscriminately
reflectir acerca de estratégias que tenham em friendly behavior in children adopted from Romanian
conta o potenciar das capacidades de resiliência e orphanages. Dev. Psychopathol., 7, 283-294.
de adaptação, para que consigam positivamente Cummings, E. M. (1990). Classification of attachment
ultrapassar as adversidades às quais foram on a continuum of felt security, illustrations from
expostas. Para isso é fundamental reunir as condi- the study of children of depressed parents. In M. T.
ções adequadas que promovam a reparação dos Greenberg, D. Cicchetti, & E. M. Cummings
(Eds.), Attachment in the preschool years. Theory,
sentimentos de abandono e de rejeição, permitindo research and intervention (pp. 311-338). Chicago:
que as suas representações mentais negativas The University of Chicago Press.
sejam modeladas. Nesse sentido, torna-se essen-
cial contribuir para que essas crianças possam ter Emde, R., Wolf, D., & Oppenheim, D. (2003). Revealing
the inner worlds of young children. New York:
acesso a boas experiências relacionais, continu- Oxford University Press.
adas no tempo, assumindo as figuras cuidadoras
Fonseca, A. C., Simões, A., Rebelo, J. A., Ferreira, J. A.
importância vital na construção de relações
G., & Cardoso, F. (1994). Um inventário de compe-
empáticas, acessíveis, nas quais possam encontrar tências sociais e de problemas do comportamento em
o apoio, conforto e protecção imprescindíveis a crianças e adolescentes: O Child Behavior Checklist
um saudável desenvolvimento. de Achenbach (CBCL). Psychologica, 12, 55-78.

519
Futh, A., O’Connor, T. G., Matias, C., Green, J., & Sroufe, A., & Waters, E. (1977). Attachment as an
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mãe nos primeiros anos de vida e os modelos
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do IV Simpósio da Fundação Bial (pp. 181-204). crianças vivendo com as suas famílias de origem.
Porto: Fundação Bial. Recorreu-se ao Attachment Story Completion Task
(ASCT), avaliando-se, pela construção das narrativas,
Speltz, M. L. (1990). The treatment of preschool conduct
os valores de Segurança e Coerência das represen-
problems, an integration of behavior and attachment
tações de vinculação. Para a avaliação dos problemas
concepts. In M. T. Greenberg, D. Cicchetti, & E. M.
de comportamento recorreu-se ao instrumento I.C.C.P
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years. Theory, research and intervention (pp. 399-
portuguesa do “Child Behavior Checklist”, CBCL, de
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Achenbach (1991). Os resultados indicam que existem
Sroufe, L. A. (2005). Attachment and development: A correlações negativas entre a qualidade das represen-
prospective, longitudinal study from birth to tações da vinculação e problemas de comportamento
adulthood. Attachment e Human Development, 7, agressivo e de isolamento. Conclui-se que o meio de
349-367. vida da criança foi determinante no tipo de vinculação

520
demonstrada e indirectamente no comportamento de studied using the Attachment Story Completion Task
agressividade e isolamento manifestado. (ASCT) (Bretherton, Ridgeway, & Cassidy, 1990)
Palavras chave: Comportamento, Instituciona- and behaviour was analyzed using Child Behaviour
lização, Representação de Vinculação. Checklist (CBCL) (Achenbach, 1991) on a sample of
35 pre-scholar and early school age children.
The results show the existence of negative and
ABSTRACT significant correlations between the ASCT and the
CBCL for the Scales of Aggressive Behaviour and
Isolation and also a negative but non significant
In this study an attempt was made to analyse the
correlation for the Hyperactivity Scale.
attachment and the behaviour of institutionalized
children and familiar environment. Construction of Key words: Behaviour, Institutionalization,
narratives, values of security and coherence were Representation of Attachment.

521
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