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Laís Silveira Costa

Ligia Bahia
Carlos Augusto Grabois Gadelha

Organizadores

SAÚDE, DESENVOLVIMENTO E INOVAÇÃO

Volume 1

1ª Edição

CEPESC - IMS/UERJ - FIOCRUZ - IESC/UFRJ

Rio de Janeiro

2015
Saúde, Desenvolvimento e Inovação
Volume 1

Laís Silveira Costa, Ligia Bahia e Carlos Augusto Grabois Gadelha (organizadores)

1ª edição / maio 2015


Revisão: Ana Silvia Gesteira
Capa: Marcio Freire Leitão
Diagramação: Marco Antonio Steimback

Esta publicação foi desenvolvida no âmbito do Termo de Cooperação nº 47 entre o Departamento


de Ciência e Tecnologia e a Organização Pan-Americana da Saúde, e é resultado do projeto
“Saúde e desenvolvimento: novas abordagens”, da Fundação para o Desenvolvimento Científico
e Tecnológico em Saúde, executado pela Escola Nacional de Saúde Pública. Os achados científicos
aqui apresentados tiveram apoio da Organização Pan-Americana de Saúde, por meio da Carta
Acordo ENSP 031-CAC-13 BR/LOA/1300010.001 e do Conselho Nacional de Desenvolvimento
Científico e Tecnológico, por meio do Processo CNPq: 405077/2013-0.

Os autores que contribuíram para esta obra atestaram que os resultados de suas pesquisas não
apresentam conflito de interesse.

Indexação na base de dados LILACS

Impresso no Brasil
Copyright © 2015 dos organizadores

S255 Ficha catalográfica – Sandra Infurna – CRB7 - 4607


Saúde, desenvolvimento e inovação / Laís Silveira Costa, Ligia
Bahia, Carlos Augusto Grabois Gadelha (Organizadores).
Rio de Janeiro : CEPESC-IMS/UERJ-FIOCRUZ, 2015.
2v.
ISBN: 978-85-89737-91-3 (v.1)
978-85-89737-92-0 (v.2)

1. Saúde Pública. 2. Sistema Único de Saúde (SUS). 3. Inovação em Saúde. 4. Tecnologias em Saúde. 5.
Políticas Públicas de Saúde. 6. Serviços de Saúde. 1. Costa, Laís Silveira. II. Bahia, Ligia. III. Gadelha, Carlos Augusto
Grabois. IV. Centro de Estudos e Pesquisa em Saúde Coletiva. V. Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Instituto
de Medicina Social. VI. Fundação Oswaldo Cruz.

CDU 614.2
279

As lacunas de inovação em saúde no Brasil: entre a


produção de ciência e a tecnologia na saúde
ANTONIO JOSÉ JUNQUEIRA BOTELHO
ALEX DA SILVA ALVES

Introdução

A saúde é uma área em que o progresso da ciência e tecnologia foi mais nítido ao
longo do último século. Políticas e ações em saúde apresentam benefícios que extrapolam a
especificidade do seu propósito maior, qual seja, proporcionar bem-estar para a população,
com seu reconhecido impacto na geração de inovações tecnológicas, emprego e renda. No
entanto, tais níveis de progresso se distribuíram de forma desigual nos países, de modo que
certas doenças e algumas questões – sobretudo alocativas e éticas – associadas ao surgimento
de novos instrumentos de diagnóstico, tratamento e cura ainda não encontraram respostas
satisfatórias (CONSOLI; MINA, 2009).

O setor de saúde é um complexo repositório de inovações, dadas as especificidades


inerentes aos processos de disseminação, adoção, implementação e continuação da inovação
que, por sua vez, advêm de um conjunto de determinantes que lhe são característicos (FLEUREN;
WIEFFERINK; PAULUSSEN, 2004): i) contexto sociopolítico, com suas regras, instrumentos
de regulação, legislação e perfis dos usuários (pacientes, comunidade médica, demais
profissionais de saúde, gestores etc.); ii) organização usuária ou facilitadora da inovação, como
rotatividade de funcionários ou seu processo de tomada de decisão; iii) usuários da inovação,
como conhecimento, competências e a percepção do apoio de seus pares; iv) inovação, como
complexidade ou vantagem relativa em relação a outras tecnologias ou modelos concorrentes.

No Brasil, o atraso tecnológico coexiste com o atraso social. O imperativo da visão


dominante na agenda de política pública brasileira está no fato de que a solução desses
problemas é consequência do atraso no fortalecimento das instituições do sistema de inovação,
sobretudo no setor de saúde (GADELHA; COSTA, 2012). Várias diretrizes visando fortalecer o
sistema de fomento à ciência, tecnologia e inovação (C,T&I) em saúde têm sido intensificadas,
280 SAÚDE, DESENVOLVIMENTO E INOVAÇÃO

sobretudo na última década, com destaque para os Fundos Setoriais a partir de 1999; a Política
Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior (PITCE), de 2003; a Política de Desenvolvimento
Produtivo (PDP), de 2008; o Plano Brasil Maior (PBM), de 2011; e mais recentemente, a
Estratégia Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação (ENCTI), de 2012. Na área de saúde,
merecem atenção o Fundo CT-Saúde, a Política Nacional de C,T&I em Saúde, de 2004, e o
Programa Mais Saúde, de 2007.

Os instrumentos disponíveis no arcabouço nacional enfatizam, em geral, a necessidade


de promover mecanismos de estímulo à inovação em saúde, a intensificação da transferência
tecnológica e o adensamento de sistemas produtivos da saúde, como é o caso do complexo
econômico-industrial da saúde (CEIS). O elo crítico, segundo a visão comumente encontrada
nos estudos realizados no país (COSTA ; GADELHA; MALDONADO, 2013; GADELHA et al.,
2013), é que o atual desafio para a consolidação de um sistema de saúde capaz de absorver,
gerar e produzir inovações sustentáveis e competitivas no setor requer uma política transversal
que pressuponha a articulação de variadas instâncias da área de saúde, bem como das diversas
instâncias governamentais e da sociedade, de âmbitos distintos como saúde, ciência e tecnologia,
comércio exterior e indústria.

Apesar de se tratar de um arcabouço ainda jovem, houve um conjunto de ganhos


no âmbito da saúde no país. A participação dos medicamentos genéricos na indústria vem
crescendo, houve evolução dos gastos públicos na compra direta de medicamentos, incluindo
o Programa Farmácia Popular, assim como a criação da Hemobrás em Pernambuco, visando
reduzir o deficit brasileiro na produção de hemoderivados. No entanto, é senso comum que
a falta de uma política mais coerente e funcional para a saúde, incluindo participação mais
profícua das universidades e empresas no processo de criação e difusão de conhecimentos com
potencial valor econômico e competitivos internacionalmente, põe os ganhos até agora obtidos
sob o risco de reversão.

Tais aspectos impactam a agenda de desenvolvimento brasileira, e sua fragilidade


representa crescente vulnerabilidade para o sistema de saúde nacional, enfatizando a
necessidade de adensar a base de conhecimento científico sobre o tema. Um desafio que
se apresenta é a superação dos vínculos que compõem a fragilidade da base produtiva
nacional, com especial ênfase no desenvolvimento de produtos e insumos produtivos em
saúde. A ele somam-se outros, como a reorientação da inovação tecnológica, enquanto
elo estruturante de políticas públicas, e a busca do bem-estar coletivo em um país em
desenvolvimento como o Brasil.
As lacunas de inovação em saúde no Brasil: entre a produção de ciência e a tecnologia na saúde 281

O papel do Estado é importante no desenvolvimento de uma base produtiva social


e economicamente relevante para o adensamento tecnológico do CEIS brasileiro. Como
mostram Costa, Gadelha e Maldonado (2013), ao considerarem especificamente o papel do
Estado no estágio de desenvolvimento do CEIS, observa-se que o processo que culminou na
criação do Sistema Único de Saúde (SUS) pouco levou em consideração o protagonismo das
organizações provedoras de produtos e serviços no atendimento das demandas sociais por
bens e serviços de saúde no país.

O conceito de CEIS é percebido por Gadelha (2003) como um elo estruturante que
envolve não somente demandas sociais por bens e serviços de saúde como também uma base
produtiva tecnologicamente competitiva. Trata-se de elos dinâmicos e sistêmicos que, embora
bastante diferenciados entre si, devem compartilhar um mesmo arcabouço político-institucional
no que se refere a: i) ambiente regulatório; ii) orientação de política econômica, social, industrial;
e iii) ao modelo de gestão e ordenamento do SUS (COSTA; GADELHA; MALDONADO, 2013).
Portanto, a ação do Estado é potencialmente indutora da dinâmica de uma densa e complexa
cadeia produtiva como a do CEIS (OECD, 2013), devido à centralidade do poder público nas
aquisições de bens e serviços e na indução de políticas regionais nos serviços de saúde. Gadelha
(2003) cita o papel do Estado na repactuação, com estados e municípios, para os repasses de
recursos a unidades subnacionais, e dos investimentos como aspectos importantes da atuação
do poder público na promoção da inserção social e econômica dos agentes do CEIS.

Segundo Gadelha e Costa (2012), é a histórica desarticulação entre os elementos do


CEIS que fragiliza o propósito de expandir a capacidade produtiva nacional e consolidar uma
dinâmica de inovação no país, direta e indiretamente orientada às especificidades do setor de
saúde brasileiro e ao padrão de desenvolvimento do país, sobretudo na área social. Ou seja,
vem se consolidando no país a visão de que o complexo produtivo da saúde se desenvolveu
sem considerar seu caráter sistêmico, prejudicando a capacidade de entrega de bens e serviços
de saúde mais efetivos em termos de melhores resultados sociais e econômicos. No entanto,
cabe ainda uma análise contextualizada sobre a efetividade prática da articulação de diferentes
instâncias e atores institucionais em cadeias produtivas de outros países, a exemplo do que se
almeja para o CEIS brasileiro. Ou seja, é importante avaliar se um CEIS com atores institucionais
bem articulados é condição suficiente e necessária para a consolidação da inovação nos diversos
elos da saúde, ou se haveria outros componentes que jogam papel determinante para a geração,
difusão e uso de inovações em saúde que podem ocorrer em um CEIS, mesmo sem elevada
articulação entre os atores envolvidos.
282 SAÚDE, DESENVOLVIMENTO E INOVAÇÃO

Há, portanto, a necessidade de um amplo processo de discussão em torno das dificuldades


de articulação e consolidação do CEIS no país, à luz das especificidades e condicionantes
econômicos e sociais. Contrastando os resultados analíticos e empíricos observados com o
intuito de situar barreiras e oportunidades estruturais e conjunturais para o fomento à inovação
em saúde no Brasil, este capítulo tece um conjunto de considerações críticas no sentido de
apontar e sistematizar as lacunas da inovação em saúde no Brasil, além de propor uma agenda
de pesquisa sobre o tema.

Para tanto, o texto divide-se em cinco seções, além desta introdução. Na segunda seção,
discute-se o conceito de sistema de inovação em saúde (SIS), no qual se resgatam considerações
recentes da literatura sobre a evolução dos SIS, tecendo suas implicações para a realidade
brasileira. Em seguida, apresenta-se uma síntese dos desafios e esforços internacionais em
C,T&I em saúde. A quarta seção contextualiza e discute as lacunas da inovação em saúde no
país. Por fim, são apresentas as considerações finais.

Os sistemas de inovação e seu papel na articulação do complexo


econômico-industrial da saúde no Brasil

Tendo em vista a amplitude das questões envolvendo a saúde, analistas desenvolveram


modelos interpretativos e analíticos para elucidar os diferentes aspectos éticos, sociais,
econômicos e culturais que moldam (mas que também podem ser moldados por) a forma
como produtos, serviços e políticas de saúde são disseminados, adotados, implementados
e continuados em um complexo sistema político, econômico e social compreendendo
stakeholders dos mais diversos (BLOOM; WOLCOTT, 2013). É nesse âmbito que entra o
conceito de sistema de inovação em saúde (SIS).

Segundo Consoli e Mina (2009), um SIS é movido por uma combinação de: i) interações
institucionalmente vinculadas entre os agentes (gateways de inovação); e ii) trajetórias de
mudança historicamente dependentes (pathways de inovação). Em ambos os casos, o processo
de desenvolvimento emerge, mas também retroalimenta a estrutura do sistema, por meio de
transferências de conhecimento, organizadas entre a prática e a pesquisa clínica.

Um problema importante no âmbito dos sistemas de inovação em saúde, amplamente


evidenciado na literatura (MAZZUCATO; DOSI 2006; BLOOM; WOLCOTT, 2013), é que a
estrutura e a dinâmica das inovações em saúde são definidas em bases geralmente assumidas, ao
invés de serem debatidas e analisadas. Ou seja, as inovações podem tender a ocorrer isoladas do
As lacunas de inovação em saúde no Brasil: entre a produção de ciência e a tecnologia na saúde 283

arcabouço característico de seus sistemas socioeconômicos ou são definidas como novas drogas
ou dispositivos cujo lançamento se dá de modo desconexo do sistema onde são entregues
os serviços de saúde disponibilizados pelas novas tecnologias. Daí a discussão feita no Brasil
sobre a importância de articulação entre os agentes institucionais ao longo do CEIS para dirimir
tais riscos (GADELHA et al., 2013). Alguns pesquisadores acreditam que o principal motivador
desses aspectos está na negligência relativa do papel desempenhado pelo setor de serviços
nos estudos de inovação (CONSOLI; MINA, 2009), influenciando, portanto, a forma como a
articulação das políticas públicas para o SIS evolui e se consolida.

A dinâmica estilizada de um SIS deriva do conhecimento, já difundido na literatura,


sobre os sistemas de inovação (SI), em particular os sistemas nacionais de inovação. Um SIS
é um sistema direcionado por interações endógenas e localizadas entre várias unidades, tais
como a ecologia dos agentes e suas conexões, por mecanismos de coordenação trazidos
pelo ambiente institucional, assim como pelas crescentes interdependências entre diferentes
domínios (ORSENIGO; DOSI; MAZZUCATO, 2006). Os domínios são traduzidos por aspectos
distintos como a pesquisa científica, a regulação, o atendimento ao paciente e os processos do
mercado. Em um SIS, as inovações em saúde constituem um processo não determinístico e
emergente gerado por complexas interações ao longo de bases substancialmente heterogêneas
(BLOOM; WOLCOTT, 2013). O papel das tecnologias sociais também é importante, assim como
dos propagadores institucionais nos processos de coordenação, que facilitam a implementação
dos avanços científicos e tecnológicos na clínica médica (CONSOLI; MINA, 2009). Ou seja, um
SIS é um rico ecossistema formado por indivíduos, instituições e organizações cujas interações
almejam contribuir, ao longo do tempo, para a emergência de trajetórias coerentes de
mudanças tecnológicas. E ainda, tais ambientes enfatizam a natureza coletiva e de longo prazo
dos processos de inovação e sua dependência de mecanismos de retroalimentação ou feedback
gerados ao longo do processo de entrega das inovações médicas à sociedade, sem enviesar os
sistemas de incentivos que movem os distintos subsistemas.

Um SIS, portanto, engloba uma ampla esfera de tecnologias médicas e serviços clínicos,
como novas drogas, dispositivos e práticas médicas que se dão no âmbito de tecnologias sociais
e estruturas institucionais, as quais, por sua vez, geram as condições tanto de seu lançamento
quanto de sua difusão. Como consequência, a atenção de política pública deve ser dada não
somente para desenvolver bens intermediários para a provisão de serviços de saúde, mas também
para os arranjos organizacionais e institucionais que dão sustentação ao desenvolvimento e à
introdução de novas tecnologias médicas (GADELHA et al., 2013).
284 SAÚDE, DESENVOLVIMENTO E INOVAÇÃO

O maior desafio da atualidade para a consolidação de um SIS está na concepção


de modelos interpretativos do processo de difusão e uso das tecnologias médicas mais
adequados. No entanto, já existe vasta literatura afirmando que uso e desenvolvimento de
tecnologias são variáveis que caminham juntas no processo de inovação e que, mutuamente,
vão dando forma uma à outra ao longo de um processo de learning by using que, por sua
vez, expande ou reduz o escopo de aplicação da tecnologia (GELIJNS; ROSENBERG, 1994;
BLOOM; WOLCOTT, 2013). A maior dificuldade, no entanto, está no conjunto de premissas
que sustentam cada modelo interpretativo.

Por exemplo, Consoli e Mina (2009) discutem o papel de gestores hospitalares,


pacientes, seguradoras e reguladores na taxa de difusão e no direcionamento das inovações
médicas por meio da importância desses atores na identificação das prioridades e na
redefinição de modos e estratégias de financiamento que estimulam o surgimento e difusão
de novas tecnologias. Argumentam, ainda, que o papel dos usuários vem normalmente sendo
tratado de modo estático nos estudos sobre o papel da adoção de inovações na área médica.
Por outro lado, abordagens nos ramos da sociologia e das políticas de saúde enxergam a
incorporação de tecnologias médicas como resultante de um processo de mudança no tempo,
o qual envolve considerações sobre como se dá a evolução dos mecanismos nos quais a
demanda para novos tratamentos e tecnologias é instituída e financiada. A inovação em saúde
aqui delineada envolve diversas formas de conhecimento cujas trajetórias evolutivas estão
enraizadas nos contextos nos quais emergem e interagem (BLOOM; WOLCOTT, 2013). Tais
considerações são feitas por análises que salientam as perspectivas históricas e institucionais,
assim como as dimensões tecnológicas anteriormente delineadas. Logo, o entendimento de
como um SIS pode evoluir em termos de seus objetivos principais é função da ótica de
desenvolvimento ser orientada para um âmbito dinâmico ou estático, nos quais os processos
institucionais são comparados com os tecnológicos.

Ou seja, uma avaliação estática das instituições ou da tecnologia vem sendo usada em
estudos envolvendo processos de alocação de recursos, nos quais se pode tratar tecnologias
ou instituições em um âmbito time-invariant. Por outro lado, ao se construir perspectivas que
acondicionam o tempo e o conhecimento como um elo histórico das variáveis determinantes da
inovação em saúde, entra-se na discussão que enfoca mais os processos de desenvolvimento que
os de alocação e maximização de bem-estar. De fato, os processos de aprendizagem acionam
a personificação da experiência passada em rotinas que são objeto de uma avaliação ex-post,
em oposição à maximização ex-ante típica da visão ortodoxa (GELIJNS; ROSENBERG, 1994). O
quadro 1 apresenta um quadro-resumo desta visão.
As lacunas de inovação em saúde no Brasil: entre a produção de ciência e a tecnologia na saúde 285

QUADRO 1: Perfis definidos na literatura

Tecnologia
Estática Dinâmica
Instituições são time-invariant. Instituições são time-invariant.
Tecnologias são observadas em um Mudança tecnológica como variável dependente
momento de tempo específico (variá- em modelos – sobretudo lineares – de inovação na
vel independente). área médica.
Abordagens mais utilizadas: Análise- A taxa de difusão de novas tecnologias médicas re-
Estática

-Custo-Benefício; Análise de Utilidade; sulta de variáveis de natureza macro (difusão tecno-


Análise Incremental etc.). lógica x renda nacional etc.).
Instituições são time-variant e vincu- Instituições são time-variant e vinculam-se a uma
lam-se a uma rede conexões densa e rede de conexões densa e mutável.
mutável.
Estudos dedicados a explorar a associação entre a
Tecnologias são observadas em um difusão da tecnologia médica e os mecanismos de
momento de tempo específico (variá- reembolso (incentivos a compradores e a fornece-
vel independente). dores para adotar a nova tecnologia).
Enfatizam-se aspectos como os determinantes orga-
nizacionais e comportamentais na inovação em saú-
de, incluindo a eficácia de mecanismos de decisão
Instituições

Dinâmica

descentralizada e o nível de concorrência existente


nas plataformas de serviço médico (hospitais, cen-
tros de diagnóstico etc.).
Fonte: elaboração própria, a partir de Consoli e Mina (2009).

As diversas leituras desenvolvidas – sobretudo nas últimas duas décadas – sobre os


SIs – mostraram-se substancialmente valiosas nas análises da dinâmica de mudanças técnicas
e institucionais (CARLSSON; JACOBSSON; HOLMÉNB., 2002; CONSOLI; MINA, 2009). Muito
embora os diversos estudos reportados na literatura de SI variem em escopo e em perspectivas
elaboradas em torno do contorno dado aos sistemas, o foco normalmente recai sobre os
contextos nacional ou regional, assim como em setores e tecnologias específicas. Nas variantes
nacionais ou regionais, em geral a ênfase recai sobre o estudo das barreiras geopolíticas
presentes no ecossistema de organizações e regulações que, por sua vez, impactam a invenção,
a inovação e a difusão de novos produtos, processos e serviços.

As abordagens de SI, apesar de bastante difundidas como fatores explicativos das


dinâmicas de criação e aplicação de conhecimento, vêm também recebendo críticas. Umas das
principais assinala o fato de não ser possível – ou de, na prática, ser muito difícil – replicar
os modelos, tanto nacionais quanto regionais, uma vez que os aspectos institucionais, sociais
etc. que lhes dão contorno são muito específicos e, portanto, de difícil replicação. Trata-se de
286 SAÚDE, DESENVOLVIMENTO E INOVAÇÃO

um aspecto que tem dificultado a ampla aceitação de uma taxonomia de sistemas nacionais e
regionais de inovação (LARANJA; UYARRAB; FLANAGAN, 2008).

No entanto, Consoli e Mina (2009) sugerem que tais abordagens devem ser vistas sob
uma perspectiva funcional. Ou seja, as estratégias de desenvolvimento baseadas nas óticas
de SIS devem focar aspectos que, originalmente, dão início a um SI. Isso quer dizer que a
maior riqueza dos conceitos e teorias em SI – derivadas da economia industrial, da sociologia
econômica e da economia política – advogam que um SI emerge e se desenvolve como resposta
a problemas específicos cujas soluções empregam diferentes formas de especialização e que
dependem de sua coordenação. Ou seja, os contornos de tais sistemas sofrem evolução
contínua, transcendendo barreiras setoriais ou técnicas. Os aspectos cruciais nesse processo
são as mudanças na estrutura institucional, as quais dão sustentação a um SI.

A abordagem de SIS se alinha bem ao âmbito médico e clínico. Por um lado, a organização
de serviços de saúde inicia um conjunto amplo de atividades envolvendo competências técnicas
e conhecimento prático, os quais demandam mecanismos eficientes de coordenação visando
atingir determinado padrão de cuidados ao paciente (GADELHA et al., 2013). Por outro, a busca
pela implementação de novas soluções clínicas no contexto de SI direciona a redistribuição
de conhecimentos ao longo das áreas de especialização, dando oportunidades para novas
conexões que, por sua vez, conduzem a outras e assim por diante (BLOOM; WOLCOTT, 2013).

Uma síntese dos esforços internacionais de C,T&I em saúde

As avaliações de políticas de C,T&I em saúde pressupõem a necessidade de identificar,


analisar e debater processos e sistemas em saúde na perspectiva nacional e global, com vistas à
elaboração de uma agenda de pesquisas e debates. Sem obviamente ter a pretensão de esgotar
o tema, faz-se nesta seção um breve panorama do contexto internacional, no qual se posiciona
o Brasil segundo a disponibilidade de informações.

O setor de saúde e, assim, o processo de inovação em saúde são globais. O setor


farmacêutico foi o primeiro a ter sua pesquisa e desenvolvimento (P&D) globalizada. Já no final
do século XX, mais da metade das despesas das empresas do setor em P&D era feita em países
terceiros, diferentes daqueles em que estavam suas matrizes. Um breve exemplo no segmento de
saúde, fora do setor farmacêutico, é apresentado a seguir: uma empresa inovadora da Malásia,
Top Glove, detém 35% do mercado brasileiro de luvas de borracha e 25% do mercado mundial
(no conjunto, empresas de luvas de borracha malaias controlam 55% do mercado mundial).
As lacunas de inovação em saúde no Brasil: entre a produção de ciência e a tecnologia na saúde 287

A empresa monitora de perto os regulamentos nos diferentes mercados em que atua, bem
como seu comportamento. Atualmente, os mercados norte-americano e europeu representam
62% do mercado médico de luvas, mas o Brasil, com um consumo per capita de apenas 10,5
luvas por habitante – contra 150 para os Estados Unidos – é importante para a manutenção do
crescimento anual de seu faturamento de 28% (US$ 721 milhões em 2013).

Ainda que diferentes países enfrentem desafios de saúde distintos, a análise comparativa de
políticas – sua estratégia, estrutura e programas – para inovação em sistemas de saúde nacionais
pode contribuir para identificar lacunas da inovação em saúde no Brasil. Cuidados de saúde para
o envelhecimento das populações, no longo prazo, assim como doenças crônicas como diabetes
e doenças resistentes ou pandemias globais, estão entre os mais importantes desafios de política
dos governos. Inovação pode melhorar significativamente a capacidade dos sistemas de saúde para
resolver esses problemas e ajudar a conter os crescentes custos operacionais e de P&D (OECD, 2013).

Dados sobre dotações orçamentárias ou despesas para P&D (GBAORD, em inglês)


mostram que o apoio direto do governo nos gastos de P&D relacionados com a saúde em países
da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) foi cerca de 0,1% do
seu PIB combinado em 2012. O financiamento de P&D de saúde é maior nos Estados Unidos,
em termos absolutos e relativos, representando em torno de 0,23% do PIB. Tendo em conta as
diferenças institucionais no financiamento, no entanto, a P&D em saúde chega a cerca de 0,26%
do PIB na Suécia e acima de 0,22% na Áustria (OECD, 2013).

Diferenças relevantes também existem em relação à apropriação dos resultados de


atividades inovadoras relacionadas com a saúde e a importância das patentes de saúde no
cômputo geral de patentes (gráfico 1). Estados Unidos, Japão e Alemanha respondem pela
maioria das patentes farmacêuticas depositadas sob o sistema do Tratado de Cooperação em
Patentes (Patent Cooperation Treaty - PCT). Já o Brasil (0,5%) ocupa a última posição, atrás da
média dos BRIICS (África do Sul, Brasil-BRA, Índia-IND, Indonésia e Rússia-RUS), Coreia do Sul,
Índia, Turquia, Rússia e Austrália (OECD, 2013). O Brasil apresentou ligeiro crescimento em
relação ao período anterior (2007-2009), quando tinha 0,3% do total. Entretanto, alguns países
expandiram significativamente sua participação entre os dois períodos: Coreia do Sul (de 2,5%
para 4,5%), Turquia (de 0,2% para 0,7%) e Espanha (de 1,6% para 2,1%) (OECD, 2011).

Enquanto em Israel e Índia, 28% do total das patentes depositadas sob o PCT no período
2009-2011 são de saúde, no Japão, China e Finlândia estas ficam abaixo dos 10% (OECD, 2011).
Ao longo do tempo, o peso relativo da saúde no cômputo de patentes em geral tem diminuído
nas economias da OCDE e nos BRIICS (OECD, 2013). Ademais, o Brasil apresentou pequeno
288 SAÚDE, DESENVOLVIMENTO E INOVAÇÃO

crescimento no percentual de patentes relacionadas à saúde em geral em relação ao total de


patentes depositadas sob o regime PCT entre o final da penúltima década do século passado
(1999-2001) e o final da primeira década do século atual (2009-11), de 15,6% para 17%. Esse
percentual mais recente mostra que o Brasil tem um perfil de especialização na área diferente e
mais forte do que a média dos BRIICS, mas com especialização bem inferior a países como Índia
(28,1%), Turquia (26%), Eslovênia (22,8), Chile (18,8%) e Cingapura (18,1%).

GRÁFICO 1: Patentes em saúde, 1999-2001 e 2009-11


(como % do total de patentes sob o PCT)
%
36.1
30

20

10

Fármacos Tecnologias médicas Patentes relacionadas à Saúde (1999-2001)

Fonte: OECD (2013).

Os registros de patentes em tecnologias médicas aumentaram a uma taxa média anual de


5% na década de 2000, no mesmo ritmo que pedidos de patentes totais depositados sob o PCT,
enquanto que as patentes farmacêuticas permaneceram constantes. Em termos relativos, patentes
de produtos farmacêuticos representaram 7,5% de todas as patentes em 2007-2009: forte redução
de mais de 11% em relação à década de 1990. Já as patentes de tecnologia médica mantiveram-se
numa média de 8% das patentes totais. Os países BRICS, no seu conjunto, puxados por Índia e
China, com aproximadamente 3% cada, tiveram número crescente de depósitos PCT em produtos
farmacêuticos, chegando a mais de 7% de todas patentes farmacêuticas no período 2007-2009
(OECD, 2011).

Como já mencionado, o sistema de inovação em saúde, em particular de farmacêuticos e


dispositivos e equipamentos médicos, está em meio a uma grande transição na qual incertezas
As lacunas de inovação em saúde no Brasil: entre a produção de ciência e a tecnologia na saúde 289

precisam ser enfrentadas, sobretudo as que afetam as bases de ciência e tecnologia, da


organização industrial e das crescentes restrições financeiras nos orçamentos de empresas e
governos (OECD, 2010). Há consenso, entre especialistas, de que as organizações de pesquisa
precisam ser criativas sobre como administrar e capturar o valor do conhecimento existente,
próprio ou externo. Entretanto, não há consenso sobre como inovadores, financiadores ou
governos devem se posicionar estrategicamente, qual será a estrutura futura do setor ou qual
seria um sistema de governança adequado para administrá-lo (OECD, 2010).

Diante desse quadro, governos devem mais do que nunca assegurar a captura da
inovação em saúde de forma eficiente e efetiva (OECD, 2010, p. 7):
Governments may be the only voices that can take a leadership role in championing
the opportunity to deliver, over the course of the next couple of decades, innovative
health products and services that are evidence based, personalized, and safer and more
effective. Governments should create a roadmap for delivering such health innovations.
Philanthropies, government and regulatory agencies (e.g. US FDA, US NIH, EMEA) and
some non-governmental organisations and patient groups have been at the forefront of
identifying what a more efficient route to market for health products could look like.
The challenge is delivering the institutions, the industrial capacity, the financing and the
regulatory environment needed for a more effective innovation system.

Há diferentes formas e trajetórias para tal, e cada país parece estar definindo o conjunto
de ações mais adequadas a seus condicionantes econômicos, sociais e institucionais. A
experiência institucional brasileira, derivada desse entendimento, tem buscado evoluir neste
sentido, como se verá adiante.

Lacunas e desafios: um dilema global

Os desafios para a inserção da inovação nos diversos âmbitos da área médica têm sido
um problema para nações mais industrializadas. Em estudo recente, a OCDE aponta que os
principais condicionantes para a inovação nas áreas de saúde e biomedicina resumem-se a três:
i) ciência e tecnologia; ii) organização industrial; e iii) barreiras financeiras (OECD, 2010).

Quanto ao primeiro, ciência e tecnologia, o estudo aponta que o sistema de pesquisa


biomédica passa por substancial pressão, uma vez que se tornou muito mais diversificado, já
acomodou novos players do mundo todo, distribuiu amplamente seus recursos intensivos de
conhecimento, está inundado de informações e tornou-se cada vez mais caro de se manter.
Portanto, é comum observar as instituições de pesquisa biomédica, por exemplo, buscando
novas formas de organização do trabalho. Alguns aspectos críticos:
290 SAÚDE, DESENVOLVIMENTO E INOVAÇÃO

 Convergência de tecnologias e áreas: biologia, engenharia, informática, biologia sintética


e a nanotecnologia.

 A digitalização de dados biomédicos e de saúde, informação e conhecimento e a


importância crescente de grandes bancos de dados para a pesquisa biomédica e de apoio à
tomada de decisão em saúde.

 A necessidade de acessar múltiplas fontes de dados e torná-los interoperáveis.

 A mudança para uma visão da inovação em medicina e biologia baseada no conhecimento


e em evidências.

 Desenvolvimento de plataformas e padrões tecnológicos, conforme o processo de


globalização se acelera e se torna inevitável.

 O que é especialmente novo é a facilidade de comunicação entre um amplo escopo


de recursos de conhecimento virtualmente distribuídos. O uso de sofisticadas tecnologias
da informação e comunicação permite a flexibilidade para interconectar os recursos e
disponibilizá-los de forma mais eficiente aos usuários.

A organização industrial do sistema de saúde impacta sobremaneira a estrutura do SIS.


O sistema de inovação em saúde é o próprio processo pelo qual novos medicamentos, vacinas
e diagnósticos são produzidos e disponibilizados a seus usuários. Trata-se de um ambiente
que vem sofrendo com o declínio da produtividade e com os crescentes custos. Ainda, as taxas
de falhas e de rejeição ainda se mantêm elevadas, apesar das promessas trazidas pelas novas
tecnologias. É possível que exista uma dificuldade das empresas farmacêuticas em endereçar
apropriadamente as soluções para as diferentes demandas geradas no SIS, refletindo de certa
forma na valoração das empresas do setor. Isso está levando a uma série de fusões, aquisições e
alianças estratégicas. Em suma, há incerteza sobre a futura estrutura da indústria farmacêutica
(biofarmacêutica) e de biotecnologia, gerando desafios substanciais nos processos de gestão do
conhecimento nesses âmbitos.

Segundo a OCDE (2013), os principais drivers da mudança nas estratégias de negócios


para uma melhor gestão do conhecimento na indústria incluem: i) a queda da produtividade em
P&D na indústria farmacêutica; ii) tecnologia, incluindo o papel crescente das biotecnologias
na inovação em saúde; iii) a entrada de novos players conforme a capacidade de P&D se
globaliza, crescendo as oportunidades para empresas competitivas das economias emergentes;
As lacunas de inovação em saúde no Brasil: entre a produção de ciência e a tecnologia na saúde 291

iv) incerteza sobre novos desenvolvimentos, tais como a forma como a medicina personalizada
vai ser disponibilizada, bem como o papel dos diagnósticos nos processos de entrega de
soluções em saúde humana; e v) a mudança da natureza da demanda e as expectativas de novos
resultados, em particular o crescente papel desempenhado pelos consumidores de produtos e
serviços de saúde, assim como os grupos de defesa dos pacientes.

A estrutura organizacional da indústria biofarmacêutica é um tema muito debatido.


Alguns veem o aumento da terceirização de serviços e de gestão do conhecimento como
uma nova organização produtiva da indústria farmacêutica mais orientada à formação de
ecossistemas ao longo de redes globais, com terceirização de serviços tipicamente externos,
tais como P&D. Outros, ao contrário, acreditam que as difíceis decisões de investimento de
capital e a complexidade inerente ao setor da saúde indicam o retorno a uma estrutura mais
verticalmente integrada (ORSENIGO; DOSI; MAZZUCATO, 2006; BLOOM; WOLCOTT, 2013).

A busca de financiamento em estágios iniciais das pesquisas, os altos custos de


desenvolvimento de produtos e das aprovações governamentais, as pressões financeiras para a
valorização das empresas de biotecnologia e farmacêuticas, bem como restrições sobre o erário
público têm sido uma constante no setor. Alguns aspectos marcadamente importantes, segundo
a OCDE (2013), são: i) escalada dos custos de desenvolvimento e os riscos regulatórios mais
elevados; ii) fortes restrições aos gastos em saúde pública; iii) as lacunas de financiamento, por
exemplo, o chamado “vale da morte”, o financiamento para a pesquisa translacional, mas também
lacunas no financiamento disponível para doenças, novas abordagens, etc.; e iv) esforços para
melhorar a avaliação (valoração) de ativos e empresas com base no conhecimento que possuem.

Tendo em vista os desafios da base de ciência e tecnologia, da organização da indústria


e das restrições financeiras (no lado público e no privado), as perspectivas das políticas de
adensamento de cadeias ou complexos produtivos que abrigam interesses distintos ao longo
de seus diversos elos, mesmo entre aqueles do setor público, apresentam desafios substanciais
não só na estrutura de governança, mas também na expectativa de resultados esperados pelo
agente público e pelos privados. Os SIS em economias industrializadas encontram-se em
transição (OECD, 2010; 2013), buscando formas mais eficientes de organização produtiva e
conhecimento, além de modelos mais funcionais para avaliação de investimentos de projetos
intensivos em conhecimento, incertos e de longo prazo de maturação. Nessa medida, a
observação da evolução mais recente das políticas internacionais de promoção a P,D&I em
saúde pode contribuir para um melhor entendimento das trajetórias desejadas – e também, por
assim dizer, indesejadas – da orientação das políticas nacionais de C,T&I em saúde.
292 SAÚDE, DESENVOLVIMENTO E INOVAÇÃO

Implicações para o Brasil

O histórico das ações conjuntas do governo com o setor de química fina, farmoquímica
e bioquímica, assim como outros segmentos industriais, foi no passado bastante enfraquecido
pela abertura comercial promovida na era Collor. O marco da retomada das discussões para
o segmento foi a criação da Lei nº 9.787, de 10 de fevereiro de 1999, que regulamentou a
produção dos medicamentos genéricos e gerou as bases para o lançamento da PITCE, definindo
o setor como estratégico para o desenvolvimento social e econômico brasileiro. Na sequência,
vieram as PDPs e a Lei nº 12.349, de 15 de dezembro de 2012, que passou a permitir dispensa
de licitações na compra de produtos estratégicos ao SUS. Ambos instrumentos são estruturantes
do Programa de Desenvolvimento do Complexo Industrial da Saúde (PROCIS), criado também
em 2012, e regularmente discutidos no Grupo Executivo do Complexo Industrial da Saúde
(GECIS), que reúne o Ministério da Saúde, indústrias e sociedade civil.

O conceito de CEIS proposto por Gadelha (2003), cujas bases conceituais foram revistas
e ampliadas em trabalhos sucessivos (COSTA; GADELHA; MALDONADO, 2013; GADELHA et al.,
2013), é um modelo interpretativo do funcionamento de um SIS que parte das perspectivas
dinâmicas das relações, tanto no lado das instituições quanto da tecnologia. Os principais atores
de um CEIS, assim como seus papéis no processo de geração, difusão e uso de inovações para
o setor de saúde, são apresentados no quadro 2.

Diante dos variados desafios à consolidação do CEIS no país, a Financiadora de


Estudos e Projetos (FINEP) e o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social
(BNDES), juntamente com o Ministério da Saúde, vêm apresentando um conjunto de soluções
estruturadas visando garantir um fomento descentralizado às ações de ciência, tecnologia e
inovação. Dentre as soluções em curso no segmento de saúde, destacam-se o Programa BNDES
de Apoio ao Desenvolvimento do Complexo Industrial da Saúde (BNDES Profarma), o Inova
Saúde, as Parcerias para o Desenvolvimento Produtivo (PDPs), e o Programa de Desenvolvimento
do Complexo Industrial da Saúde (PROCIS). Seguindo a estrutura conceitual das análises
realizadas pela OECD (2011; 2013), optou-se por estruturar as lacunas de produção de ciência
e de tecnologia da saúde no Brasil em termos dos três aspectos já mencionados: i) ciência e
tecnologia; ii) organização industrial; e iii) barreiras financeiras. A seguir são discutidos os três
aspectos à luz da experiência brasileira recente.
As lacunas de inovação em saúde no Brasil: entre a produção de ciência e a tecnologia na saúde 293

QUADRO 2: Principais atores de um SIS

Ator Papéis no processo de criação e difusão de inovações


Hospitais Os hospitais são os loci de prática clínica. Ou seja, são o principal canal através
do qual novos tratamentos revelam seu potencial, bem como seus inconve-
nientes, e onde observações casuais são feitas de modo que podem ser a chave
para a formulação de novas ideias para tratamentos com tecnologias existentes.
Entidades de Atuam como instituições de ensino médico, sendo normalmente vinculados às
pesquisa instituições acadêmicas. Como tal, por um lado, atuam como elos na difusão do
conhecimento, com destaque especial para os componentes tácitos nos proces-
(Incluem-se hospi-
sos de geração e difusão de novas práticas e conhecimento médico.
tais como unidades
de pesquisa e fun- Por outro lado, eles funcionam também como elos de ligação organizacional
dações de pesquisa entre as fases experimentais e básicas da pesquisa (ou seja, o ensaio clínico).
ou institutos de Também atuam como importantes fontes de informação prática para a inovação
pesquisa, onde há em dispositivos e equipamentos médicos. O papel dos usuários torna-se funda-
prestação de serviços mental, pois não são apenas fontes de informação, mas atores bem informados
clínicos) sobre a necessidade médica a ser tratada e a gama de soluções plausíveis.
Universidades Unidades universitárias (farmacologia, biologia, genética, informática, enge-
nharia, etc.) complementam as atividades descritas acima para hospitais e en-
tidades de pesquisa.
Empresas As empresas são – nos países desenvolvidos – os maiores investidores em P&D
em um setor onde a concorrência normalmente é induzida e motivada pela
inovação. Além disso, enquanto o mérito da descoberta de produtos é frequen-
temente partilhado com as universidades, as empresas têm competências dis-
tintivas no desenvolvimento de produtos, na gestão do processo regulatório
para a aprovação de novos medicamentos e dispositivos, bem como na comer-
cialização e distribuição de inovações médicas.
Governos Articulam as políticas públicas, regulamentações inerentes aos aspectos fitossa-
nitários e de saúde pública, buscando alinhar interesses institucionais e promo-
ver o bem-estar da população.
Fonte: elaboração própria, a partir de Gadelha et al. (2013); Gelijns e Rosenberg (1994); Consoli e Mina (2009); e
Mazzucato e Dosi (2006).

Ciência e Tecnologia

A Estratégia Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação (ENCTI), proposta pelo Ministério


da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), apresenta um conjunto elaborado de estratégias de
consecução, metas e estimativas de financiamento para atingir os objetivos estabelecidos pelo
governo juntamente com outros atores institucionais. A ENCTI tem como propósito maior promover
a vinculação com as diversas políticas de Estado. No âmbito da saúde em particular, a ENCTI se
articula com o Ministério da Saúde por meio do Programa Mais Saúde. Verifica-se uma proposta de
294 SAÚDE, DESENVOLVIMENTO E INOVAÇÃO

articulação institucional das ações de C,T&I com as diretrizes do Governo Federal em saúde, para
“universalizar a Saúde e garantir a qualidade do atendimento do SUS” (BRASIL/MCTI, 2012).

Em se tratando de um elo fundamental da atual orientação de políticas de C,T&I no


país, a ENCTI estrutura suas ações segundo quatro eixos de sustentação, a saber (BRASIL/MCTI,
2012): i) Promoção da inovação nas empresas; ii) Novo padrão de financiamento público para
o desenvolvimento científico e tecnológico; iii) Fortalecimento da pesquisa e da infraestrutura
científica e tecnológica; e iv) Formação e capacitação de recursos humanos.

Em seu arcabouço constitutivo, as políticas de C,T&I em saúde são definidas na ENCTI ao


longo de um conjunto de programas prioritários e portadores de futuro, no qual se encontra o elo
intitulado “Fármacos e Complexo Industrial da Saúde”1. O segmento de biotecnologia é apresentado
em separado, em seção dedicada às fronteiras da inovação, juntamente com as nanotecnologias.
Apesar de separar as ações por áreas definidas como portadoras de futuro, tendo em vista as premissas
estabelecidas no marco institucional anterior definido pela PITCE e, mais recentemente, no Plano
Brasil Maior (PBM), essas políticas objetivam promover ações de natureza complementar e sinérgica2.

Visando alinhar o país às principais tendências internacionais em inovação em saúde, em


2008 criou-se o Grupo Executivo do Complexo Industrial da Saúde (GECIS), um instrumento
adotado pelo Ministério da Saúde para promover a integração das políticas governamentais e
consolidar o CEIS. Várias ações foram instituídas desde então, culminando na ENCTI, a qual
define o conjunto de ações estruturantes ao longo de 2012 e 2015, para levar a cabo o desafio
de trazer ciência, tecnologia e inovação aos diversos segmentos portadores de futuro do país,
do qual a saúde é componente indissociável.

Elo crítico nesse processo é desempenhado pelos fundos setoriais, em particular o


Fundo CT-Saúde. Operados pela FINEP no âmbito do Fundo Nacional de Desenvolvimento
Científico e Tecnológico (FNDCT), esses fundos têm sido os mais importantes instrumentos de
financiamento à C,T&I no país. No entanto, há desafios substanciais a serem enfrentados pelos
formuladores de políticas públicas e também pelos usuários dos fundos, dado o contexto de
crescente contenção de recursos.

Dentre os 16 fundos setoriais existentes no país, os de maior dimensão são, primeiro, o


Fundo Setorial de Petróleo e Gás Natural3; e segundo, o Fundo para o Desenvolvimento Tecnológico

1 Os demais são: Tecnologias da Informação e Comunicação (TIs), Complexo Industrial da Defesa, Aeroespacial e Nuclear.
2 Exemplo citado no relatório é o de um projeto no âmbito do CNEM, intitulado “Reator Multipropósito para a Produção de
Radiofármacos”, o qual “possibilitará autonomia e segurança no atendimento do país na área de saúde” (BRASIL/MCTI, 2012, p. 16).
3 Origem dos recursos: 25% da parcela do valor dos royalties que excederem a 5% da produção de petróleo e gás natural.
As lacunas de inovação em saúde no Brasil: entre a produção de ciência e a tecnologia na saúde 295

das Telecomunicações, no âmbito do Ministério das Comunicações4. O terceiro, diferentemente


dos outros, é um fundo transversal, o Fundo Verde-Amarelo, que incentiva a implementação de
projetos de pesquisa científica e tecnológica cooperativa entre universidades, centros de pesquisa
e o setor produtivo, estimula a ampliação dos gastos em pesquisa e desenvolvimento realizados
por empresas e apoia ações e programas que reforçam e consolidam uma cultura empreendedora
e de investimento de risco no país5. O seguinte é também um fundo transversal, o Fundo de
Infraestrutura, que visa modernizar e ampliar a infraestrutura e os serviços de apoio à pesquisa
desenvolvida em instituições públicas de ensino superior e de pesquisa6.

No entanto, a maior dimensão do fundo não necessariamente se traduz em maiores liberações


para os atores interessados, pois os fundos setoriais estão sujeitos a uma reserva de contingência.
Até 2009, mais de 30% de tais recursos estavam retidos, consequentemente não disponibilizando
parte expressiva dos recursos dos fundos setoriais que deveriam ser destinados ao financiamento de
atividades nacionais de C,T&I. Em 2009, os recursos retidos eram estimados em R$ 600 milhões7.
Até 2011, o total de recursos retidos dos fundos setoriais chegou ao acumulado de R$ 6 bilhões8.
Em 2012, dos R$ 2,97 bilhões destinados aos fundos, 38% foram retidos para efeitos contingenciais
do Governo Federal. Em 2013, as retenções chegaram a 58% do total de R$ 4,75 bilhões orçados.
Cumulativamente até 2013, portanto, as retenções somaram R$ 9,87 bilhões em valores correntes.

As principais motivações por trás da retenção desses recursos a C,T&I foram as várias
contingências para preservar os cofres da União e garantir recursos para o superavit primário
do Governo Federal, assim como a geração de reservas para cobertura de outras despesas
governamentais, sobretudo de custeio. Quando somente os recursos efetivamente liberados
pelos fundos são levados em consideração, o que se verifica é que tiveram maiores liberações
de recursos, cumulativamente entre 1999 e 2012, foram o Fundo Verde e Amarelo, o Fundo de
Infraestrutura e o de Petróleo e Gás Natural, conforme se pode notar no gráfico 2, que apresenta
os valores efetivamente liberados pelos respectivos fundos setoriais, em moeda corrente.

4 Origem dos recursos: 0,5% sobre o faturamento líquido das empresas prestadoras de serviços de telecomunicações e
contribuição de 1% sobre a arrecadação bruta de eventos participativos realizados por meio de ligações telefônicas, além de
um patrimônio inicial resultante da transferência de R$ 100 milhões do Fundo de Fiscalização das Telecomunicações (FISTEL).
5 Origem dos recursos: 40% sobre a Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (CIDE), que consiste na aplicação da alíquota
sobre os valores pagos, creditados, entregues, empregados ou remetidos a residentes ou domiciliados no exterior, para pagamento de
assistência técnica, royalties, serviços técnicos especializados ou profissionais; mínimo de 43% da receita estimada da arrecadação do
Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) incidente sobre os bens e produtos beneficiados com a Lei de Informática.
6 Origem dos recursos: 20% dos recursos destinados a cada fundo.
7 Conforme apresentado em Moreli (2009), o Ministério da Ciência e Tecnologia, em acerto com equipe econômica do governo,
comprometeu-se a liberar os recursos retidos até ao ano de 2010, o que não aconteceu.
8 Conforme compilação de dados do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação. Disponível em <http://www.mct.gov.br/
index.php/content/view/725.html>. Acesso em 27 fev. 2014.
296 SAÚDE, DESENVOLVIMENTO E INOVAÇÃO

GRÁFICO 2: Fundos Setoriais – 1999-2013


(liberações efetuadas – em milhões de reais)

2.152

1.555

877

490

335 321
240 210
152
106 113 87 87
6 10

EL
O R A
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VE Total liberado - R$ 1.000

Fonte: elaboração própria, a partir de dados do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI)9.

A se observar o desempenho do fundo de maior interesse para este estudo, o CT-Saúde


foi o que apresentou a maior taxa de crescimento em relação aos demais, apesar de representar
somente 4% do total das liberações de recursos.

TABELA 1: Comparativo entre recursos orçados e liberados entre 2002 e 2012 –


CT-Saúde (em R$ milhões)

Recursos Recursos
Ano % retenção
orçados liberados
2002 421 222 47,3%
2003 24.175 19.954 17,5%
2004 26.913 22.456 16,6%
2005 33.919 24.850 26,7%
2006 54.509 27.084 50,3%
2007 67.347 50.613 24,8%
2008 80.855 72.597 10,2%
2009 81.342 40.413 50,3%
2010 87.087 35.185 59,6%
2011 47.370 14.179 70,1%
2012 46.270 12.334 73,3%
2013 20.465 14.802 27,7%
Total 570.673 334.690 41,4%
Fonte: elaboração própria, a partir de dados do MCTI.
Disponível em: <www.mcti.gov.br: Acesso em: 17 maio 2014.

9 Disponível em www.mcti.gov.br. Acesso em: 17 maio 2014.


As lacunas de inovação em saúde no Brasil: entre a produção de ciência e a tecnologia na saúde 297

As maiores liberações de recursos no CT-Saúde se deram entre 2007 e 2010, conforme


a tabela 1. As liberações de 2011 e 2013 foram inferiores à média do período 2002-2006. Do
total de R$ 570,6 milhões orçados para o fundo, foram liberados R$ 334,7 milhões. Ou seja,
quase R$ 236 milhões deixaram de ser aplicados no CT-Saúde por motivos contingenciais.
Trata-se de um quadro pouco diferente dos demais fundos, uma vez que as reduções de
recursos liberados a partir de 2009-2010 foram marcantes.
Outro fundo importante para a inovação em saúde é o CT-Biotecnologia, cujas liberações
são detalhadas na tabela 2. Observa-se que as maiores liberações se deram entre 2008 e 2010,
sendo as liberações a partir de 2011 inferiores à média dos anos anteriores. De um total de R$
263,6 milhões orçados entre 2002 e 2013, foram retidos 42,5%, ou seja, R$ 112 milhões foram
contingenciados ao longo dos 11 anos.

TABELA 2: Comparativo entre recursos orçados e liberados entre 2002 e 2012 –


CT-Biotecnologia (em R$ milhões)

Recursos orçados Recursos liberados % retenção


2002 970 670 30,9%
2003 13.273 10.593 20,2%
2004 12.805 9.202 28,1%
2005 29.935 24.562 17,9%
2006 19.703 9.591 51,3%
2007 26.441 18.735 29,1%
2008 32.126 29.962 6,7%
2009 32.191 16.157 49,8%
2010 35.786 19.292 46,1%
2011 15.357 6.833 55,5%
2012 14.432 4.020 72,1%
2013 30.638 2.035 93,4%
Total 263.656 151.652 42,5%
Fonte: elaboração própria, a partir de dados do MCTI.
Disponível em: <www.mcti.gov.br>. Acesso em: 17 maio 2014.

Dos demais fundos setoriais, o que mais pode ter financiado projetos com
interfaces diretas e indiretas na área de saúde é o CT-Verde-Amarelo. Uma avaliação dos
projetos financiados no âmbito do CT-Saúde e do CT-Biotecnologia seria necessária,
assim como dos projetos contemplados pelo CT-Verde-Amarelo com interfaces na área
de saúde. Trata-se de um aspecto importante, pois a qualidade dos projetos avaliados,
298 SAÚDE, DESENVOLVIMENTO E INOVAÇÃO

pré e pós-liberação de recursos, também contribui para o adensamento da qualidade da


pesquisa e da inovação no setor.10

O contingenciamento de recursos é um desafio para se atingir os objetivos institucionais


dos fundos setoriais. Liberações de R$ 335 milhões do CT-Saúde e de R$ 151,6 milhões para o CT-
Biotecnologia, totalizando quase R$ 486,6 milhões em 11 anos, parecem ser ainda pouco para que
o país atinja os padrões de financiado a C,T&I de outros países. Ainda, com retenções de 40% dos
recursos para esses dois fundos entre 2002 e 2013, o cenário parece ainda menos animador. A título
de exemplo, somente Estados Unidos, China e Japão gastaram metade dos US$ 1,6 trilhões dos
gastos mundiais de P&D em 2013 (BATTELLE, 2013). Espera-se que, se o atual ritmo se mantiver, os
gastos de P&D em proporção do PIB da China superem os dos Estados Unidos em 2022.

Não se pode falar de apoio à base de ciência e tecnologia no Brasil sem mencionar a Lei
da Inovação, cuja entrada em vigor (Lei nº 10.973/2004) e de sua regulamentação, por meio
do Decreto nº 5.563, em outubro de 2005, o Brasil passou a contar com um novo instrumento
de fomento à inovação e à pesquisa científica e tecnológica no ambiente produtivo. A Lei de
Inovação tem o propósito de estabelecer um conjunto de mecanismos para facilitar a circulação
de pesquisadores entre as instituições de ciência e tecnologia e as empresas, com pesquisadores
trabalhando na iniciativa privada sem perder o vínculo com suas instituições de origem. Além
disso, vários de seus principais mecanismos e orientações estão voltados para a promoção e
financiamento da cooperação universidade-indústria. Apesar dos enormes desafios a serem
enfrentados, a Lei da Inovação introduziu no país, sobretudo na própria esfera pública, a noção
de que parte importante do gargalo na interação universidade-empresa consiste em reduzir as
barreiras institucionais e legais que impediam aqueles atores que já vislumbravam a cooperação
como elo fundamental na geração de inovações de elevado impacto econômico11. No entanto,
passados dez anos de sua promulgação, a Lei da Inovação ainda não se mostrou tão eficaz quanto
era de se esperar. Setores estratégicos, como o das tecnologias de saúde, de biocombustíveis, de

10 Estudo similar foi conduzido no âmbito de um projeto de fomento à inovação universidade-empresa com recursos provenientes
do CT-Verde-Amarelo, entre os anos 2002 e 2007. Ver, a propósito, Alves e Pimenta-Bueno (2014).
11 Não se pode deixar de mencionar outros mecanismos, como o Programa de Apoio ao Desenvolvimento Tecnológico da
Indústria de Semicondutores e Displays (PADIS) e a Lei da Informática. O PADIS foi sancionado pela Lei nº 11.484, de 31 de
maio de 2007, tendo como objetivo possibilitar um conjunto de incentivos fiscais federais para a atração de investimentos e
ampliação dos já existentes nas áreas de semicondutores e displays (mostradores de informação), incluindo células e módulos/
painéis fotovoltaicos e demais insumos estratégicos para a cadeia produtiva. A Lei da Informática, sancionada por um conjunto
estruturado de leis a partir da Lei nº 8.248 de 23 de outubro de 1991, permite que grandes empresas habilitadas que invistam
pelo menos 4% de seu faturamento em P&D com laboratórios de pesquisa sem fins lucrativos e mais 1% de em projetos com as
demais ICTs (universidades e outros centros de pesquisa) gozem de benefícios fiscais tais como reduções de IPI e IR/CSLL nos
casos comprovados de P&D para inovação tecnológica. Para uma análise mais detalhada desses instrumentos, recomenda-se
o estudo “Estratégia de Negócios das Empresas de Circuitos Integrados do Programa CI-Brasil”, disponível em <http://www.
abdi.com.br/Estudo/Vers%C3%A3o%20Final%20Estudo%20Softex%20Dez-14.pdf>. Acesso em 01 abr. 2015.
As lacunas de inovação em saúde no Brasil: entre a produção de ciência e a tecnologia na saúde 299

semicondutores e de petróleo e gás, apesar do arcabouço montado para seu desenvolvimento,


não deslancharam a contento no país, mesmo após a introdução desta lei e outros mecanismos
dela derivados (SUZIGAN; ALBUQUERQUE; CARIO, 2011; BOTELHO; ALMEIDA, 2010).

O espírito da Lei da Inovação era ampliar a parceria público-privada para a inovação,


mas a interface entre o setor público e o privado não se dá apenas no âmbito das redes de
pesquisa – também na relação jurídica entre as partes. Um dos diagnósticos foi que o gargalo
dessa parceria estaria essencialmente no setor público, e não no privado. Assim a lei autorizou
a criação de empresas de propósito específico (EPE) para desenvolver projetos em parceria
com sócios privados. Essas empresas deveriam ser subsidiárias das instituições de pesquisa
e, no futuro, permitir que elas contassem com o rendimento proveniente desse tipo de
inovação. Deveriam beneficiar sobretudo três grandes instituições com qualidade de pesquisa
adequada para empreendimentos desse tipo: o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais
(INPE), a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária
(EMBRAPA). Existem, no entanto, dúvidas sobre a consistência da lei, primeiro porque ela cria
alguns instrumentos legais para a cooperação universidade-indústria, mas não melhora, por
exemplo, a flexibilidade e autonomia das instituições públicas em administrar seus recursos
humanos e financeiros; depois, ela se preocupa com a comercialização da inovação, mas não
com a criação de capacidade de pesquisa no interior das empresas; e finalmente, ela ainda
carece de regulamentação mais precisa.

Tendo partido de um sistema de apoio à pesquisa científica relativamente recente,


não se pode esperar que o estímulo a C,T&I e sua articulação com os demais atores do CEIS
ocorra da noite para o dia no Brasil. As ações em curso são uma boa prova deste esforço, cujos
resultados verificados até o momento, embora ainda aquém do desejado em termos de geração
de inovações em saúde, são importantes iniciativas para incorporar a inovação na cultura
organizacional tanto das empresas brasileiras de seus difusores e usuários.

Organização industrial

Apesar da reconhecida influência de empresas multinacionais no mercado nacional de


medicamentos, destaca-se uma mudança estrutural no contexto brasileiro em termos de capacidade
produtiva de medicamentos finais formulados, que resultou em aumento da participação nacional.
Dados de 2010 colocam o mercado brasileiro na oitava posição no ranking mundial da indústria
farmacêutica, com faturamento de R$ 36,25 bilhões. No entanto, no segmento de medicamentos,
cerca de 80% da matéria-prima utilizada em sua fabricação é importada, devido, principalmente, a
limitações da base produtiva na cadeia carboquímica (BRASIL/MCTI, 2012).
300 SAÚDE, DESENVOLVIMENTO E INOVAÇÃO

O mercado nacional de medicamentos, fármacos e adjuvantes mudou substancialmente


a partir de 2010, como mostra a tabela 3. Como se observa, houve crescimento das importações
quase cinco vezes superior ao das exportações de medicamentos. Para fármacos e adjuvantes,
o cenário é ainda menos favorável para as exportações brasileiras em relação às importações. A
Associação Brasileira da Indústria Farmoquímica e de Insumos Farmacêuticos (ABIQUIF) aponta
como principais causas da queda de desempenho desse importante ramo do CEIS brasileiro
a estrutura tributária e as políticas governamentais, as quais impõem barreiras fiscalizatórias
severas aos produtores nacionais em detrimento dos estrangeiros (ABIQUIF, 2014).

TABELA 3: Balança comercial de medicamentos, fármacos e adjuvantes


(em US$ FOB milhões)

2009 2010 2011 2012 2013


Medicamentos
Exportações 944,92 1.101,44 1.175,00 1.232,05 1.270,52
Crescimento 16,6% 6,7% 4,9% 3,1%
Importações 4.050,28 5.615,53 5.851,83 6.114,46 7.074,33
Crescimento 38,6% 4,2% 4,5% 15,7%
Vendas - Sindusfarma 15.406,96 20.632,41 25.690,45 25.396,04 26.691,18
Crescimento 33,9% 24,5% -1,1% 5,1%
Fármacos e Adjuvantes
Exportações 441,70 596,30 904,60 857,60 755,04
35,0% 51,7% -5,2% -12.0%
Importações 2.108,20 2.421,70 2.561,20 2.612,00 2.946,60
Crescimento 14,9% 5,8% 2,0% 12,8%
Produção - Abiquif 725,00 1.005,00 1.314,00 1.320,00 1.190,50
Crescimento 38,6% 30,7% 0,5% -9,8%
Fonte: elaboração própria, a partir de ABIQUIF (2014).

Embora tenha havido substancial queda das exportações de medicamentos e insumos


farmacêuticos brasileiros, o cenário que prevalecia até 2010 foi de acentuado crescimento, como
se nota na tabela 3. Ou seja, muito provavelmente, além das questões estruturais que afetam
o desempenho da indústria brasileira, o cenário econômico internacional desfavorável também
contribuiu para a queda de desempenho das exportações de medicamentos e insumos farmacêuticos.
Um dos elementos que contribuíram para o crescimento da produção – e, consequentemente, das
exportações brasileiras – foi a consolidação do segmento de medicamentos genéricos no país,
que representou um ponto de inflexão na trajetória de crescimento da indústria farmacêutica.
As lacunas de inovação em saúde no Brasil: entre a produção de ciência e a tecnologia na saúde 301

E ainda, apesar da queda das exportações a partir de 2010, as importações de medicamentos e


insumos farmacêuticos continuam apresentando notável crescimento. A ABIQUIF (2014) salienta
o papel de destaque das importações provenientes da China. A queda nas exportações é reflexo da
redução da produção total observada a partir de 2011.

O mercado de equipamentos médico-hospitalares – base mecânica, eletrônica e de


materiais do CEIS brasileiro – parece seguir caminho similar ao de medicamentos e adjuvantes,
que, por sua vez, constituem a base química e biotecnológica do CEIS. Segundo dados da
Associação Brasileira da Indústria de Alta Tecnologia de Equipamentos, Produtos e Suprimentos
Médico-Hospitalares (ABIMED), o mercado de equipamentos e produtos médico-hospitalares
e de diagnósticos fechou 2011 com um crescimento estimado de 19% e faturamento de R$
13,5 bilhões. O setor registrou, ainda, expansão no número de empregos, com seis mil novos
postos de trabalho no mesmo ano12. No entanto, a partir de 2012 o cenário mudou, refletindo
o andamento da indústria nacional em outros setores.

Desde fins de 2012, foi estabelecida a Aliança Brasileira da Indústria Inovadora em


Saúde (ABIIS), sediada em Brasília-DF, resultando de parceria entre ABIMED, Associação
Brasileira dos Importadores e Distribuidores de Implantes (ABRAIDI) e Câmara Brasileira de
Diagnóstico Laboratorial (CBDL). Segundo dados da ABIISS, em 2010 o mercado de materiais
e equipamentos para medicina e diagnóstico correspondeu a R$ 24,5 bilhões entre produtos
nacionais e importados, já descontadas as exportações. No ano de 2011, houve crescimento
de 11% da produção nacional e de 10% das vendas dos produtos, e 15,8% de importações. O
ano de 2012 encerrou com aumento de 1% na produção industrial nacional de artigos para
medicina e diagnóstico, em relação ao ano anterior. Entretanto, o nível de produção nacional
verificado no mês de dezembro de 2012 foi 24,6% inferior ao verificado em dezembro de 2011.

Os dados de dezembro de 2012 da Pesquisa Mensal do Comércio, que reflete as vendas


de materiais e equipamentos para medicina e diagnóstico, incluindo produtos farmacêuticos,
não estão disponíveis, assim como o desempenho de 2013. De janeiro a novembro de 2012, no
entanto, o crescimento nas vendas foi de 10,9% frente a igual período de 2011. Em 12 meses, o
incremento das vendas chegou a 10,6%. Dessa forma, observa-se que o crescimento das vendas
no setor foi sustentado pelo aumento das importações de equipamentos e insumos, e não
pela produção nacional. Ao que parece, o aumento nas vendas, sobretudo de medicamentos,
biofármacos e equipamentos médico-hospitalares e odontológicos, mesmo num cenário

12 Disponível em: <http://fusoesaquisicoes.blogspot.com.br/2011/12/mercado-de-equipamentos-produtos-medico.html>.


Acesso em: 19 set. 2014.
302 SAÚDE, DESENVOLVIMENTO E INOVAÇÃO

econômico ainda adverso, demonstra que a base de serviços do CEIS no país continua
demandando insumos e produtos que vêm, paulatinamente, sendo supridos por importações.

Além dos desafios em se enfrentar a queda na produção e nas exportações de dois elos
da CEIS brasileira, há ainda um importante desafio a ser superado pelas políticas nacionais de
C,T&I em saúde. Com relação ao processo inovador, de maneira geral, a indústria farmacêutica
e de equipamentos médico-hospitalares nacional revela claro afastamento da fronteira
tecnológica mundial (GADELHA; COSTA, 2012). Isto fica claro em termos do hiato expressivo
entre os esforços nacionais de P&D e o padrão competitivo internacional, notadamente naqueles
segmentos de maior densidade tecnológica, como medicamentos biológicos ou biofármacos
(FPL, 2013; BRASIL/MCTI, 2012; BATTELLE, 2013). Proposto como a expressão de uma revisão
das relações entre saúde e desenvolvimento no Brasil, o Plano Brasil Maior (PBM) tem entre
suas ferramentas a constituição das parcerias para desenvolvimento e produção, no país, de
medicamentos e outros produtos industriais de saúde, as chamadas PDPs.

No processo de construção das parcerias, destaca-se a articulação entre produtores


públicos e privados, que possibilitou o estabelecimento das PDPs de medicamentos, vacinas,
equipamentos e dispositivos diagnósticos, tendo o setor público como principal cliente. Até
o primeiro semestre de 2014, já foram estabelecidas mais de uma centena de parcerias, que
se estenderão por mais alguns anos e, segundo a Associação Brasileira de Saúde Coletiva
(Abrasco), poderão gerar uma economia de mais de R$ 3 bilhões ao SUS. Obviamente, a
materialização de tais expectativas irá depender da continuidade das políticas no longo
prazo, da conjuntura econômica, da qualidade dos projetos financiados e dos critérios para
seleção e estabelecimento de parcerias.

A PDP, por meio do arcabouço legal vigente, é viabilizada por licitações e compras públicas
lideradas pelo Ministério da Saúde, que prevê a realização de margens de preferência para aquisição
de produtos e insumos nacionais. Por exemplo, as compras governamentais de insumos representam
cerca de 40% dos gastos públicos do Ministério da Saúde e garantem acesso gratuito da população a
fármacos como o Efavirenz, para o tratamento do HIV, e o Tracolimo, imunossupressor utilizado por
pós-transplantados, além de vacinas, equipamentos e dispositivos diagnósticos. Tais atividades são
realizadas no âmbito das PDPs. Parceiros importantes são os programas Farmácia Popular e a Estratégia
Saúde da Família. O BNDES dá suporte às parcerias por meio de financiamentos estruturados no
âmbito do BNDES Saúde, programa de fomento institucional ao setor.

Adicionalmente, o Programa Inova Saúde, operado pelo BNDES e pela FINEP, pode se
tornar parceiro importante na consolidação desses instrumentos. Ainda é cedo para avaliar a
As lacunas de inovação em saúde no Brasil: entre a produção de ciência e a tecnologia na saúde 303

efetividade de um programa recém-iniciado, mas é importante ter em mente alguns aspectos


pertinentes a outras iniciativas desenvolvidas no Brasil e no exterior, as quais podem motivar
a construção de um conjunto elaborado de contribuições para que o Inova Saúde tenha
maiores chances de atingir os objetivos desejados. O programa é uma iniciativa do MCTI e da
FINEP, em cooperação com MS, BNDES e o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico
e Tecnológico (CNPq), criado para apoiar atividades de P,D&I em projetos de instituições
públicas e privadas que atuam no âmbito do CEIS, em cinco linhas temáticas (Biofármacos,
Farmoquímicos e Medicamentos; Equipamentos, Materiais e Dispositivos Médicos; Telessaúde
e Telemedicina; Medicina Regenerativa; e Outras Áreas). Está inserido no Plano Inova Empresa,
operado pela FINEP e pelo BNDES, que almeja destinar R$ 3,6 bilhões para as atividades de
inovação do complexo da saúde.

A consolidação da política de medicamentos genéricos impulsionou o crescimento do


mercado farmacêutico brasileiro. Ao mesmo tempo, havia a necessidade de ampliar os esforços
de inovação nas empresas nacionais, visando garantir sua competitividade no futuro. O BNDES
Profarma nasceu nesse contexto, quando a cadeia farmacêutica foi definida como prioritária pela
PITCE. O aumento da capacidade produtiva da indústria brasileira, a adequação aos padrões de
produção internacional, a ampliação dos esforços de inovação e a necessidade de fortalecer as
empresas nacionais eram os principais objetivos definidos na criação desse programa (PIERONI;
PEREIRA; MACHADO, 2010).

O Profarma foi estruturado para atender aos seguintes objetivos, estabelecidos na norma
de sua criação: i) incentivar o aumento da produção de medicamentos para uso humano e seus
insumos no país; ii) melhorar os padrões de qualidade dos medicamentos produzidos para
uso humano e sua adequação às exigências do órgão regulador nacional; iii) reduzir o deficit
comercial da cadeia produtiva farmacêutica; iv) estimular a realização de atividades de pesquisa,
desenvolvimento e inovação no país; e v) fortalecer a posição econômica, financeira, comercial
e tecnológica da empresa nacional (PIERONI; PEREIRA; MACHADO, 2010).

Em setembro de 2007, o Profarma foi reformulado, visando ao adensamento do


CEIS e dando início à segunda fase do programa, que se estendeu até 2012. Além de incluir
outros segmentos da indústria da saúde e criar dois subprogramas (exportação e produtores
públicos), os objetivos dessa segunda fase eram distintos. A principal prioridade do programa
passou a ser a indução e o apoio a projetos de inovação tecnológica. Além disso, houve
aproximação do BNDES com o Ministério da Saúde, a fim de promover a convergência
de medidas de política industrial e necessidades de saúde do país. O programa BNDES
304 SAÚDE, DESENVOLVIMENTO E INOVAÇÃO

Profarma foi renovado com vigência de mais quatro anos e teve seu orçamento elevado para
R$ 5 bilhões. Já em sua terceira fase, que vai até 2017, está sendo introduzido um novo
subprograma, o Profarma-Biotecnologia, cuja ênfase é o desenvolvimento e a produção de
produtos biotecnológicos, assim como apoio a planos de P&D e inovação no segmento, por
meio de condições de financiamento a taxas especiais.

As possibilidades que se abrem como tendência na indústria farmacêutica mundial de


terceirização de serviços de P&D são elo importante de captura das políticas nacionais, uma vez
que a atração de laboratórios de pesquisa no segmento, a exemplo da experiência de outros
países (OECD, 2013), pode trazer importantes externalidades positivas para o adensamento
do CEIS. Trata-se de um aspecto que vai além das políticas públicas mencionadas nas linhas
anteriores, pois envolve uma articulação mais abrangente de atores em outras esferas nacionais,
como MCTI, ABDI, MDIC, dentre outros.

Barreiras financeiras

Os instrumentos financeiros operados pela FINEP e pelo BNDES representam o arcabouço


de recursos financeiros mais contundentes no fomento a C,T&I no país, não sendo diferente no
segmento de saúde. Geralmente, os instrumentos disponibilizados contemplam o financiamento
reembolsável (Programa Inova Brasil), financiamento não reembolsável e subvenção econômica,
podendo ser estendidos a ações de investimento em capital empreendedor (private equity,
venture capital e seed capital). Ainda no lado da FINEP, pressupõe-se a possibilidade de
combinar modalidades de financiamento para empresas brasileiras, com a integração de crédito
equalizável com o mecanismo de subvenção econômica, bem como a aplicação de recursos não
reembolsáveis para projetos cooperativos de empresas com instituições de ciência e tecnologia
(ICTs). Os recursos disponibilizados pela FINEP são provenientes do FNDCT. Do lado do
BNDES, os recursos são provenientes do BNDES Finem, especialmente nas linhas de inovação
e dos programas BNDES PSI, BNDES Profarma e BNDES Prosoft.

O BNDES, a FINEP e o MS disponibilizarão recursos no valor total de R$ 600 milhões para


os anos de 2013 a 2017, que somente serão comprometidos na medida em que houver aprovação
e posterior contratação dos projetos, independentemente do instrumento financeiro indicado.
Em 2011, foi contratado pelo BNDES, aproximadamente, R$ 1,3 bilhão em financiamentos à
saúde no âmbito dos seus diversos produtos. Dentro do montante financiado, incluem-se cerca
de R$ 700 milhões relativos ao BNDES Saúde, programa exclusivo para entidades filantrópicas
que atendem ao SUS.
As lacunas de inovação em saúde no Brasil: entre a produção de ciência e a tecnologia na saúde 305

Desde que foi criado, em 2004, o Profarma já deu apoio a 88 operações – aprovadas e/
ou contratadas –, com total de R$ 1,9 bilhão financiados a várias empresas. Um exemplo é a
Lifemed, fabricante nacional de equipamentos médicos, que desde 2007 obteve financiamentos
de R$ 20 milhões. Outra empresa, a Recepta, que desenvolve anticorpos para o tratamento do
câncer, recebeu aporte de R$ 28,7 milhões da BNDESPar para um aumento de capital de R$ 40
milhões, no qual também participaram sócios privados. O BNDESPar detém 16% do capital desta
empresa13. Outra importante empresa do setor, a EMS, obteve um total de R$ 240 milhões em
financiamentos, por meio dos subprogramas Profarma Produção e Profarma Inovação, entre 2007
e 2009. Esta última inaugurou em 2013 uma nova unidade de embalagem de medicamentos,
totalmente robotizada e com capacidade de produção de 76 milhões de unidades/mês.

Estudo realizado em 2010 por técnicos do BNDES junto a uma amostra de empresas
beneficiadas na primeira fase do Profarma – 2004 a 2007 – mostrou aumento da capacidade
produtiva das empresas contempladas, com crescimento médio de 12% ao ano até 2010 (PIERONI;
PEREIRA; MACHADO, 2010). Esse resultado está principalmente relacionado a dois fatores: i)
a introdução do medicamento genérico, gerando oportunidades para empresas nacionais se
capacitarem e ganharem mercado; e ii) a contínua expansão do mercado farmacêutico e, em
particular dos genéricos, crescendo a taxas próximas de 10% ao ano e 44% ao ano entre 2002
e 2009. O Profarma, portanto, parece ter contribuído para que empresas nacionais pudessem
alavancar seu crescimento a partir da oportunidade criada com a introdução dos genéricos.

Uma avaliação pormenorizada do Programa Profarma, envolvendo todos seus


beneficiários, ainda não foi realizada e, portanto, não é ainda possível avaliar a amplitude
das externalidades econômicas e dos benefícios sociais produzidos, tais como geração de
novos empregos qualificados pelas empresas contempladas, impacto no adensamento do
CEIS, patentes depositadas derivadas dos projetos financiados e eventuais ofertas públicas de
ações das empresas contempladas. Os desafios do BNDES ainda persistem, sobretudo em um
cenário de restrição orçamentária que poderá se materializar nos próximos anos, o qual já
é uma realidade em diversos países industrializados (OECD, 2013) Fatores conjunturais da
economia global também podem contribuir para o aumento do risco no modelo de negócios e
nas estratégias das empresas contempladas com recursos do Profarma.

Outro desafio importante para o Profarma tem sido estimular a inovação em empresas
nascentes e pequenas, já que, praticamente desde sua criação, os maiores beneficiários dos

13 A Recepta foi citada, em março de 2013, em artigo da revista Nature Biotechnology, entre as quatro companhias – BMS, GSK,
Immunomed e Recepta/4antibody! – que vêm desenvolvendo anticorpos de novíssima geração (Jornal Valor Econômico, 19
abr. 2013).
306 SAÚDE, DESENVOLVIMENTO E INOVAÇÃO

recursos têm sido empresas de médio e de grande porte, as quais, somente em 2011, abarcaram
78% dos recursos do programa14. É possível que as barreiras enfrentadas por pequenas empresas
para obter acesso aos recursos do Profarma sejam similares às de outros programas de fomento,
dadas as dificuldades que muitas empresas novas e pequenas têm em fornecer garantias e aderir
aos termos dos editais para acesso aos recursos (ALVES et al., 2015).

Considerando a necessidade de promover interações mais orientadas à exploração de


oportunidades de mercado intensivas em conhecimento e mais longevas, as experiências de
fomento público discutidas aqui sugerem que as agências de fomento não devam desperdiçar
oportunidades para atuar em regime de parceria estratégica com importantes empresas.

Considerações finais

O ritmo baixo e intermitente do desenvolvimento dos programas de governo e dos mercados


incentivados pelas ações governamentais – em virtude de fatores que vão desde as complexidades
envolvidas para obtenção de escala até questões de governança das várias instituições e instâncias
públicas, passando por instabilidades orçamentárias – fez com que os benefícios econômicos, financeiros
e sociais provenientes das oportunidades geradas fossem até agora pouco expressivos em termos de se
reduzir o hiato entre P&D e inovação em saúde no país. No entanto, se as políticas públicas ainda não
foram suficientes para possibilitar um adensamento do CEIS, elas vêm fornecendo uma importante
sobrevida para que hospitais, centros de pesquisa, usuários dos bens e serviços de saúde e as empresas
acumulem experiência em qualificação de recursos humanos e no aprimoramento de processos de
P&D de modo a, futuramente, reduzir a dependência de recursos públicos.
Tendo em vista esses desafios, apesar de diversas iniciativas implementadas e outras
em curso no Brasil, a baixa capacidade produtiva nacional não vem ainda contribuindo a
contento aos objetivos e preceitos do SUS. A governança desse complexo sistema e a miríade
de interesses institucionais envolvidos parecem ser o maior desafio a ser superado para que
inovações socialmente úteis e mais acessíveis à população possam ocorrer e serem difundidas
de modo mais funcional e coerente com o contexto sociopolítico e econômico brasileiro.
Portanto, pesquisa, desenvolvimento e inovação são prioritários, pois constituem oportunidades
únicas para resgatar a competitividade da indústria nacional, além de serem ferramentas para
a diminuição da dependência tecnológica externa e para a redução das importações no setor.

Tais considerações suscitam um conjunto de medidas visando a uma promoção mais


articulada, coerente e contínua do CEIS no que diz respeito à inserção competitiva internacional

14 Conforme apresentação do BNDES no II Fórum de Medicamentos no Brasil, realizada em Brasília-DF, em 24 nov. 2011.
As lacunas de inovação em saúde no Brasil: entre a produção de ciência e a tecnologia na saúde 307

da base produtiva nacional, ao aprimoramento das instituições públicas e privadas de fomento


e a uma relação universidade-empresa mais orientada para a inovação tecnológica em áreas
estratégicas para a saúde no país. E, não menos importante, ao aprimoramento das políticas
em áreas que, mesmo indiretamente, afetam a qualidade da provisão dos serviços e produtos
nacionais em fármacos, insumos e equipamentos médicos.

Assim, a efetividade do potencial econômico e social do CEIS na geração de inovações


sustentáveis e competitivas em saúde depende da articulação confiante de um conjunto
complexo de segmentos, dado o caráter interligado e interdependente de uma cadeia produtiva
ou sistema de inovação. Tal agregado de componentes políticos, institucionais e econômicos não
somente legitima sua ação, mas lhe dá contorno. A interação com o SUS e demais âmbitos não
apenas da saúde, como também da indústria, educação, segurança pública, política sanitária,
dos instrumentos públicos e privados de financiamento, dentre outros, ampla os elos de um
arcabouço político-institucional do CEIS que é influenciado pela ação do Estado e dos demais
atores da esfera social, política e econômica nacional.

Sistemas de inovação em saúde são tipicamente transversais, internacionais e apresentam


estruturas de governança mistas. Do ponto de vista de seus agentes constituintes, hospitais,
entidades de pesquisa públicas e privadas, universidades e empresas são as fontes de novos
conhecimentos, habilidades e novos tratamentos. Logo, o CEIS brasileiro, como um sistema de
inovação em saúde, deve incorporar as preocupações trazidas dos aspectos da base de ciência e
tecnologia internacionalizadas, da organização competitiva da indústria e da crescente carência
de recursos financeiros, para tornar mais eficiente o complexo processo entre a pesquisa e o
desenvolvimento de novas tecnologias em saúde e sua subsequente difusão na prática médica.
Não se trata, como já é sabido, de um processo linear com início, meio e fim, mas de um ciclo
com criação e evolução de complexas conexões entre os agentes, típicas de uma “ecologia
de comportamentos” e moldadas, em parte, por sistemas de incentivos estabelecidos por
instituições, inclusive o mercado, e organizações públicas e privadas, que geram a base de um
SIS mais institucionalmente amadurecido e eficaz.

Desse modo, deve-se partir de um amplo levantamento de fontes secundárias nacionais e


internacionais, apresentando e discutindo experiências e políticas bem-sucedidas para promover
a inovação em saúde, identificando seus marcos estratégicos, tanto em países maduros quanto
emergentes. Em seguida, deve-se identificar e analisar, em termos de efetividade, relevância,
consistência e suficiência, os programas e medidas implementadas no Brasil nos três poderes,
no setor público e privado, para fomentar a inovação em saúde no país.
308 SAÚDE, DESENVOLVIMENTO E INOVAÇÃO

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