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Ligia Bahia
Carlos Augusto Grabois Gadelha
Organizadores
Volume 1
1ª Edição
Rio de Janeiro
2015
Saúde, Desenvolvimento e Inovação
Volume 1
Laís Silveira Costa, Ligia Bahia e Carlos Augusto Grabois Gadelha (organizadores)
Os autores que contribuíram para esta obra atestaram que os resultados de suas pesquisas não
apresentam conflito de interesse.
Impresso no Brasil
Copyright © 2015 dos organizadores
1. Saúde Pública. 2. Sistema Único de Saúde (SUS). 3. Inovação em Saúde. 4. Tecnologias em Saúde. 5.
Políticas Públicas de Saúde. 6. Serviços de Saúde. 1. Costa, Laís Silveira. II. Bahia, Ligia. III. Gadelha, Carlos Augusto
Grabois. IV. Centro de Estudos e Pesquisa em Saúde Coletiva. V. Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Instituto
de Medicina Social. VI. Fundação Oswaldo Cruz.
CDU 614.2
279
Introdução
A saúde é uma área em que o progresso da ciência e tecnologia foi mais nítido ao
longo do último século. Políticas e ações em saúde apresentam benefícios que extrapolam a
especificidade do seu propósito maior, qual seja, proporcionar bem-estar para a população,
com seu reconhecido impacto na geração de inovações tecnológicas, emprego e renda. No
entanto, tais níveis de progresso se distribuíram de forma desigual nos países, de modo que
certas doenças e algumas questões – sobretudo alocativas e éticas – associadas ao surgimento
de novos instrumentos de diagnóstico, tratamento e cura ainda não encontraram respostas
satisfatórias (CONSOLI; MINA, 2009).
sobretudo na última década, com destaque para os Fundos Setoriais a partir de 1999; a Política
Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior (PITCE), de 2003; a Política de Desenvolvimento
Produtivo (PDP), de 2008; o Plano Brasil Maior (PBM), de 2011; e mais recentemente, a
Estratégia Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação (ENCTI), de 2012. Na área de saúde,
merecem atenção o Fundo CT-Saúde, a Política Nacional de C,T&I em Saúde, de 2004, e o
Programa Mais Saúde, de 2007.
O conceito de CEIS é percebido por Gadelha (2003) como um elo estruturante que
envolve não somente demandas sociais por bens e serviços de saúde como também uma base
produtiva tecnologicamente competitiva. Trata-se de elos dinâmicos e sistêmicos que, embora
bastante diferenciados entre si, devem compartilhar um mesmo arcabouço político-institucional
no que se refere a: i) ambiente regulatório; ii) orientação de política econômica, social, industrial;
e iii) ao modelo de gestão e ordenamento do SUS (COSTA; GADELHA; MALDONADO, 2013).
Portanto, a ação do Estado é potencialmente indutora da dinâmica de uma densa e complexa
cadeia produtiva como a do CEIS (OECD, 2013), devido à centralidade do poder público nas
aquisições de bens e serviços e na indução de políticas regionais nos serviços de saúde. Gadelha
(2003) cita o papel do Estado na repactuação, com estados e municípios, para os repasses de
recursos a unidades subnacionais, e dos investimentos como aspectos importantes da atuação
do poder público na promoção da inserção social e econômica dos agentes do CEIS.
Para tanto, o texto divide-se em cinco seções, além desta introdução. Na segunda seção,
discute-se o conceito de sistema de inovação em saúde (SIS), no qual se resgatam considerações
recentes da literatura sobre a evolução dos SIS, tecendo suas implicações para a realidade
brasileira. Em seguida, apresenta-se uma síntese dos desafios e esforços internacionais em
C,T&I em saúde. A quarta seção contextualiza e discute as lacunas da inovação em saúde no
país. Por fim, são apresentas as considerações finais.
Segundo Consoli e Mina (2009), um SIS é movido por uma combinação de: i) interações
institucionalmente vinculadas entre os agentes (gateways de inovação); e ii) trajetórias de
mudança historicamente dependentes (pathways de inovação). Em ambos os casos, o processo
de desenvolvimento emerge, mas também retroalimenta a estrutura do sistema, por meio de
transferências de conhecimento, organizadas entre a prática e a pesquisa clínica.
arcabouço característico de seus sistemas socioeconômicos ou são definidas como novas drogas
ou dispositivos cujo lançamento se dá de modo desconexo do sistema onde são entregues
os serviços de saúde disponibilizados pelas novas tecnologias. Daí a discussão feita no Brasil
sobre a importância de articulação entre os agentes institucionais ao longo do CEIS para dirimir
tais riscos (GADELHA et al., 2013). Alguns pesquisadores acreditam que o principal motivador
desses aspectos está na negligência relativa do papel desempenhado pelo setor de serviços
nos estudos de inovação (CONSOLI; MINA, 2009), influenciando, portanto, a forma como a
articulação das políticas públicas para o SIS evolui e se consolida.
Um SIS, portanto, engloba uma ampla esfera de tecnologias médicas e serviços clínicos,
como novas drogas, dispositivos e práticas médicas que se dão no âmbito de tecnologias sociais
e estruturas institucionais, as quais, por sua vez, geram as condições tanto de seu lançamento
quanto de sua difusão. Como consequência, a atenção de política pública deve ser dada não
somente para desenvolver bens intermediários para a provisão de serviços de saúde, mas também
para os arranjos organizacionais e institucionais que dão sustentação ao desenvolvimento e à
introdução de novas tecnologias médicas (GADELHA et al., 2013).
284 SAÚDE, DESENVOLVIMENTO E INOVAÇÃO
Ou seja, uma avaliação estática das instituições ou da tecnologia vem sendo usada em
estudos envolvendo processos de alocação de recursos, nos quais se pode tratar tecnologias
ou instituições em um âmbito time-invariant. Por outro lado, ao se construir perspectivas que
acondicionam o tempo e o conhecimento como um elo histórico das variáveis determinantes da
inovação em saúde, entra-se na discussão que enfoca mais os processos de desenvolvimento que
os de alocação e maximização de bem-estar. De fato, os processos de aprendizagem acionam
a personificação da experiência passada em rotinas que são objeto de uma avaliação ex-post,
em oposição à maximização ex-ante típica da visão ortodoxa (GELIJNS; ROSENBERG, 1994). O
quadro 1 apresenta um quadro-resumo desta visão.
As lacunas de inovação em saúde no Brasil: entre a produção de ciência e a tecnologia na saúde 285
Tecnologia
Estática Dinâmica
Instituições são time-invariant. Instituições são time-invariant.
Tecnologias são observadas em um Mudança tecnológica como variável dependente
momento de tempo específico (variá- em modelos – sobretudo lineares – de inovação na
vel independente). área médica.
Abordagens mais utilizadas: Análise- A taxa de difusão de novas tecnologias médicas re-
Estática
Dinâmica
um aspecto que tem dificultado a ampla aceitação de uma taxonomia de sistemas nacionais e
regionais de inovação (LARANJA; UYARRAB; FLANAGAN, 2008).
No entanto, Consoli e Mina (2009) sugerem que tais abordagens devem ser vistas sob
uma perspectiva funcional. Ou seja, as estratégias de desenvolvimento baseadas nas óticas
de SIS devem focar aspectos que, originalmente, dão início a um SI. Isso quer dizer que a
maior riqueza dos conceitos e teorias em SI – derivadas da economia industrial, da sociologia
econômica e da economia política – advogam que um SI emerge e se desenvolve como resposta
a problemas específicos cujas soluções empregam diferentes formas de especialização e que
dependem de sua coordenação. Ou seja, os contornos de tais sistemas sofrem evolução
contínua, transcendendo barreiras setoriais ou técnicas. Os aspectos cruciais nesse processo
são as mudanças na estrutura institucional, as quais dão sustentação a um SI.
A abordagem de SIS se alinha bem ao âmbito médico e clínico. Por um lado, a organização
de serviços de saúde inicia um conjunto amplo de atividades envolvendo competências técnicas
e conhecimento prático, os quais demandam mecanismos eficientes de coordenação visando
atingir determinado padrão de cuidados ao paciente (GADELHA et al., 2013). Por outro, a busca
pela implementação de novas soluções clínicas no contexto de SI direciona a redistribuição
de conhecimentos ao longo das áreas de especialização, dando oportunidades para novas
conexões que, por sua vez, conduzem a outras e assim por diante (BLOOM; WOLCOTT, 2013).
A empresa monitora de perto os regulamentos nos diferentes mercados em que atua, bem
como seu comportamento. Atualmente, os mercados norte-americano e europeu representam
62% do mercado médico de luvas, mas o Brasil, com um consumo per capita de apenas 10,5
luvas por habitante – contra 150 para os Estados Unidos – é importante para a manutenção do
crescimento anual de seu faturamento de 28% (US$ 721 milhões em 2013).
Ainda que diferentes países enfrentem desafios de saúde distintos, a análise comparativa de
políticas – sua estratégia, estrutura e programas – para inovação em sistemas de saúde nacionais
pode contribuir para identificar lacunas da inovação em saúde no Brasil. Cuidados de saúde para
o envelhecimento das populações, no longo prazo, assim como doenças crônicas como diabetes
e doenças resistentes ou pandemias globais, estão entre os mais importantes desafios de política
dos governos. Inovação pode melhorar significativamente a capacidade dos sistemas de saúde para
resolver esses problemas e ajudar a conter os crescentes custos operacionais e de P&D (OECD, 2013).
Enquanto em Israel e Índia, 28% do total das patentes depositadas sob o PCT no período
2009-2011 são de saúde, no Japão, China e Finlândia estas ficam abaixo dos 10% (OECD, 2011).
Ao longo do tempo, o peso relativo da saúde no cômputo de patentes em geral tem diminuído
nas economias da OCDE e nos BRIICS (OECD, 2013). Ademais, o Brasil apresentou pequeno
288 SAÚDE, DESENVOLVIMENTO E INOVAÇÃO
20
10
Diante desse quadro, governos devem mais do que nunca assegurar a captura da
inovação em saúde de forma eficiente e efetiva (OECD, 2010, p. 7):
Governments may be the only voices that can take a leadership role in championing
the opportunity to deliver, over the course of the next couple of decades, innovative
health products and services that are evidence based, personalized, and safer and more
effective. Governments should create a roadmap for delivering such health innovations.
Philanthropies, government and regulatory agencies (e.g. US FDA, US NIH, EMEA) and
some non-governmental organisations and patient groups have been at the forefront of
identifying what a more efficient route to market for health products could look like.
The challenge is delivering the institutions, the industrial capacity, the financing and the
regulatory environment needed for a more effective innovation system.
Há diferentes formas e trajetórias para tal, e cada país parece estar definindo o conjunto
de ações mais adequadas a seus condicionantes econômicos, sociais e institucionais. A
experiência institucional brasileira, derivada desse entendimento, tem buscado evoluir neste
sentido, como se verá adiante.
Os desafios para a inserção da inovação nos diversos âmbitos da área médica têm sido
um problema para nações mais industrializadas. Em estudo recente, a OCDE aponta que os
principais condicionantes para a inovação nas áreas de saúde e biomedicina resumem-se a três:
i) ciência e tecnologia; ii) organização industrial; e iii) barreiras financeiras (OECD, 2010).
iv) incerteza sobre novos desenvolvimentos, tais como a forma como a medicina personalizada
vai ser disponibilizada, bem como o papel dos diagnósticos nos processos de entrega de
soluções em saúde humana; e v) a mudança da natureza da demanda e as expectativas de novos
resultados, em particular o crescente papel desempenhado pelos consumidores de produtos e
serviços de saúde, assim como os grupos de defesa dos pacientes.
O histórico das ações conjuntas do governo com o setor de química fina, farmoquímica
e bioquímica, assim como outros segmentos industriais, foi no passado bastante enfraquecido
pela abertura comercial promovida na era Collor. O marco da retomada das discussões para
o segmento foi a criação da Lei nº 9.787, de 10 de fevereiro de 1999, que regulamentou a
produção dos medicamentos genéricos e gerou as bases para o lançamento da PITCE, definindo
o setor como estratégico para o desenvolvimento social e econômico brasileiro. Na sequência,
vieram as PDPs e a Lei nº 12.349, de 15 de dezembro de 2012, que passou a permitir dispensa
de licitações na compra de produtos estratégicos ao SUS. Ambos instrumentos são estruturantes
do Programa de Desenvolvimento do Complexo Industrial da Saúde (PROCIS), criado também
em 2012, e regularmente discutidos no Grupo Executivo do Complexo Industrial da Saúde
(GECIS), que reúne o Ministério da Saúde, indústrias e sociedade civil.
O conceito de CEIS proposto por Gadelha (2003), cujas bases conceituais foram revistas
e ampliadas em trabalhos sucessivos (COSTA; GADELHA; MALDONADO, 2013; GADELHA et al.,
2013), é um modelo interpretativo do funcionamento de um SIS que parte das perspectivas
dinâmicas das relações, tanto no lado das instituições quanto da tecnologia. Os principais atores
de um CEIS, assim como seus papéis no processo de geração, difusão e uso de inovações para
o setor de saúde, são apresentados no quadro 2.
Ciência e Tecnologia
articulação institucional das ações de C,T&I com as diretrizes do Governo Federal em saúde, para
“universalizar a Saúde e garantir a qualidade do atendimento do SUS” (BRASIL/MCTI, 2012).
1 Os demais são: Tecnologias da Informação e Comunicação (TIs), Complexo Industrial da Defesa, Aeroespacial e Nuclear.
2 Exemplo citado no relatório é o de um projeto no âmbito do CNEM, intitulado “Reator Multipropósito para a Produção de
Radiofármacos”, o qual “possibilitará autonomia e segurança no atendimento do país na área de saúde” (BRASIL/MCTI, 2012, p. 16).
3 Origem dos recursos: 25% da parcela do valor dos royalties que excederem a 5% da produção de petróleo e gás natural.
As lacunas de inovação em saúde no Brasil: entre a produção de ciência e a tecnologia na saúde 295
As principais motivações por trás da retenção desses recursos a C,T&I foram as várias
contingências para preservar os cofres da União e garantir recursos para o superavit primário
do Governo Federal, assim como a geração de reservas para cobertura de outras despesas
governamentais, sobretudo de custeio. Quando somente os recursos efetivamente liberados
pelos fundos são levados em consideração, o que se verifica é que tiveram maiores liberações
de recursos, cumulativamente entre 1999 e 2012, foram o Fundo Verde e Amarelo, o Fundo de
Infraestrutura e o de Petróleo e Gás Natural, conforme se pode notar no gráfico 2, que apresenta
os valores efetivamente liberados pelos respectivos fundos setoriais, em moeda corrente.
4 Origem dos recursos: 0,5% sobre o faturamento líquido das empresas prestadoras de serviços de telecomunicações e
contribuição de 1% sobre a arrecadação bruta de eventos participativos realizados por meio de ligações telefônicas, além de
um patrimônio inicial resultante da transferência de R$ 100 milhões do Fundo de Fiscalização das Telecomunicações (FISTEL).
5 Origem dos recursos: 40% sobre a Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (CIDE), que consiste na aplicação da alíquota
sobre os valores pagos, creditados, entregues, empregados ou remetidos a residentes ou domiciliados no exterior, para pagamento de
assistência técnica, royalties, serviços técnicos especializados ou profissionais; mínimo de 43% da receita estimada da arrecadação do
Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) incidente sobre os bens e produtos beneficiados com a Lei de Informática.
6 Origem dos recursos: 20% dos recursos destinados a cada fundo.
7 Conforme apresentado em Moreli (2009), o Ministério da Ciência e Tecnologia, em acerto com equipe econômica do governo,
comprometeu-se a liberar os recursos retidos até ao ano de 2010, o que não aconteceu.
8 Conforme compilação de dados do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação. Disponível em <http://www.mct.gov.br/
index.php/content/view/725.html>. Acesso em 27 fev. 2014.
296 SAÚDE, DESENVOLVIMENTO E INOVAÇÃO
2.152
1.555
877
490
335 321
240 210
152
106 113 87 87
6 10
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DE R RO AQ TR
R AG BIO AE
VE Total liberado - R$ 1.000
Fonte: elaboração própria, a partir de dados do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI)9.
Recursos Recursos
Ano % retenção
orçados liberados
2002 421 222 47,3%
2003 24.175 19.954 17,5%
2004 26.913 22.456 16,6%
2005 33.919 24.850 26,7%
2006 54.509 27.084 50,3%
2007 67.347 50.613 24,8%
2008 80.855 72.597 10,2%
2009 81.342 40.413 50,3%
2010 87.087 35.185 59,6%
2011 47.370 14.179 70,1%
2012 46.270 12.334 73,3%
2013 20.465 14.802 27,7%
Total 570.673 334.690 41,4%
Fonte: elaboração própria, a partir de dados do MCTI.
Disponível em: <www.mcti.gov.br: Acesso em: 17 maio 2014.
Dos demais fundos setoriais, o que mais pode ter financiado projetos com
interfaces diretas e indiretas na área de saúde é o CT-Verde-Amarelo. Uma avaliação dos
projetos financiados no âmbito do CT-Saúde e do CT-Biotecnologia seria necessária,
assim como dos projetos contemplados pelo CT-Verde-Amarelo com interfaces na área
de saúde. Trata-se de um aspecto importante, pois a qualidade dos projetos avaliados,
298 SAÚDE, DESENVOLVIMENTO E INOVAÇÃO
Não se pode falar de apoio à base de ciência e tecnologia no Brasil sem mencionar a Lei
da Inovação, cuja entrada em vigor (Lei nº 10.973/2004) e de sua regulamentação, por meio
do Decreto nº 5.563, em outubro de 2005, o Brasil passou a contar com um novo instrumento
de fomento à inovação e à pesquisa científica e tecnológica no ambiente produtivo. A Lei de
Inovação tem o propósito de estabelecer um conjunto de mecanismos para facilitar a circulação
de pesquisadores entre as instituições de ciência e tecnologia e as empresas, com pesquisadores
trabalhando na iniciativa privada sem perder o vínculo com suas instituições de origem. Além
disso, vários de seus principais mecanismos e orientações estão voltados para a promoção e
financiamento da cooperação universidade-indústria. Apesar dos enormes desafios a serem
enfrentados, a Lei da Inovação introduziu no país, sobretudo na própria esfera pública, a noção
de que parte importante do gargalo na interação universidade-empresa consiste em reduzir as
barreiras institucionais e legais que impediam aqueles atores que já vislumbravam a cooperação
como elo fundamental na geração de inovações de elevado impacto econômico11. No entanto,
passados dez anos de sua promulgação, a Lei da Inovação ainda não se mostrou tão eficaz quanto
era de se esperar. Setores estratégicos, como o das tecnologias de saúde, de biocombustíveis, de
10 Estudo similar foi conduzido no âmbito de um projeto de fomento à inovação universidade-empresa com recursos provenientes
do CT-Verde-Amarelo, entre os anos 2002 e 2007. Ver, a propósito, Alves e Pimenta-Bueno (2014).
11 Não se pode deixar de mencionar outros mecanismos, como o Programa de Apoio ao Desenvolvimento Tecnológico da
Indústria de Semicondutores e Displays (PADIS) e a Lei da Informática. O PADIS foi sancionado pela Lei nº 11.484, de 31 de
maio de 2007, tendo como objetivo possibilitar um conjunto de incentivos fiscais federais para a atração de investimentos e
ampliação dos já existentes nas áreas de semicondutores e displays (mostradores de informação), incluindo células e módulos/
painéis fotovoltaicos e demais insumos estratégicos para a cadeia produtiva. A Lei da Informática, sancionada por um conjunto
estruturado de leis a partir da Lei nº 8.248 de 23 de outubro de 1991, permite que grandes empresas habilitadas que invistam
pelo menos 4% de seu faturamento em P&D com laboratórios de pesquisa sem fins lucrativos e mais 1% de em projetos com as
demais ICTs (universidades e outros centros de pesquisa) gozem de benefícios fiscais tais como reduções de IPI e IR/CSLL nos
casos comprovados de P&D para inovação tecnológica. Para uma análise mais detalhada desses instrumentos, recomenda-se
o estudo “Estratégia de Negócios das Empresas de Circuitos Integrados do Programa CI-Brasil”, disponível em <http://www.
abdi.com.br/Estudo/Vers%C3%A3o%20Final%20Estudo%20Softex%20Dez-14.pdf>. Acesso em 01 abr. 2015.
As lacunas de inovação em saúde no Brasil: entre a produção de ciência e a tecnologia na saúde 299
Organização industrial
econômico ainda adverso, demonstra que a base de serviços do CEIS no país continua
demandando insumos e produtos que vêm, paulatinamente, sendo supridos por importações.
Além dos desafios em se enfrentar a queda na produção e nas exportações de dois elos
da CEIS brasileira, há ainda um importante desafio a ser superado pelas políticas nacionais de
C,T&I em saúde. Com relação ao processo inovador, de maneira geral, a indústria farmacêutica
e de equipamentos médico-hospitalares nacional revela claro afastamento da fronteira
tecnológica mundial (GADELHA; COSTA, 2012). Isto fica claro em termos do hiato expressivo
entre os esforços nacionais de P&D e o padrão competitivo internacional, notadamente naqueles
segmentos de maior densidade tecnológica, como medicamentos biológicos ou biofármacos
(FPL, 2013; BRASIL/MCTI, 2012; BATTELLE, 2013). Proposto como a expressão de uma revisão
das relações entre saúde e desenvolvimento no Brasil, o Plano Brasil Maior (PBM) tem entre
suas ferramentas a constituição das parcerias para desenvolvimento e produção, no país, de
medicamentos e outros produtos industriais de saúde, as chamadas PDPs.
A PDP, por meio do arcabouço legal vigente, é viabilizada por licitações e compras públicas
lideradas pelo Ministério da Saúde, que prevê a realização de margens de preferência para aquisição
de produtos e insumos nacionais. Por exemplo, as compras governamentais de insumos representam
cerca de 40% dos gastos públicos do Ministério da Saúde e garantem acesso gratuito da população a
fármacos como o Efavirenz, para o tratamento do HIV, e o Tracolimo, imunossupressor utilizado por
pós-transplantados, além de vacinas, equipamentos e dispositivos diagnósticos. Tais atividades são
realizadas no âmbito das PDPs. Parceiros importantes são os programas Farmácia Popular e a Estratégia
Saúde da Família. O BNDES dá suporte às parcerias por meio de financiamentos estruturados no
âmbito do BNDES Saúde, programa de fomento institucional ao setor.
Adicionalmente, o Programa Inova Saúde, operado pelo BNDES e pela FINEP, pode se
tornar parceiro importante na consolidação desses instrumentos. Ainda é cedo para avaliar a
As lacunas de inovação em saúde no Brasil: entre a produção de ciência e a tecnologia na saúde 303
O Profarma foi estruturado para atender aos seguintes objetivos, estabelecidos na norma
de sua criação: i) incentivar o aumento da produção de medicamentos para uso humano e seus
insumos no país; ii) melhorar os padrões de qualidade dos medicamentos produzidos para
uso humano e sua adequação às exigências do órgão regulador nacional; iii) reduzir o deficit
comercial da cadeia produtiva farmacêutica; iv) estimular a realização de atividades de pesquisa,
desenvolvimento e inovação no país; e v) fortalecer a posição econômica, financeira, comercial
e tecnológica da empresa nacional (PIERONI; PEREIRA; MACHADO, 2010).
Profarma foi renovado com vigência de mais quatro anos e teve seu orçamento elevado para
R$ 5 bilhões. Já em sua terceira fase, que vai até 2017, está sendo introduzido um novo
subprograma, o Profarma-Biotecnologia, cuja ênfase é o desenvolvimento e a produção de
produtos biotecnológicos, assim como apoio a planos de P&D e inovação no segmento, por
meio de condições de financiamento a taxas especiais.
Barreiras financeiras
Desde que foi criado, em 2004, o Profarma já deu apoio a 88 operações – aprovadas e/
ou contratadas –, com total de R$ 1,9 bilhão financiados a várias empresas. Um exemplo é a
Lifemed, fabricante nacional de equipamentos médicos, que desde 2007 obteve financiamentos
de R$ 20 milhões. Outra empresa, a Recepta, que desenvolve anticorpos para o tratamento do
câncer, recebeu aporte de R$ 28,7 milhões da BNDESPar para um aumento de capital de R$ 40
milhões, no qual também participaram sócios privados. O BNDESPar detém 16% do capital desta
empresa13. Outra importante empresa do setor, a EMS, obteve um total de R$ 240 milhões em
financiamentos, por meio dos subprogramas Profarma Produção e Profarma Inovação, entre 2007
e 2009. Esta última inaugurou em 2013 uma nova unidade de embalagem de medicamentos,
totalmente robotizada e com capacidade de produção de 76 milhões de unidades/mês.
Estudo realizado em 2010 por técnicos do BNDES junto a uma amostra de empresas
beneficiadas na primeira fase do Profarma – 2004 a 2007 – mostrou aumento da capacidade
produtiva das empresas contempladas, com crescimento médio de 12% ao ano até 2010 (PIERONI;
PEREIRA; MACHADO, 2010). Esse resultado está principalmente relacionado a dois fatores: i)
a introdução do medicamento genérico, gerando oportunidades para empresas nacionais se
capacitarem e ganharem mercado; e ii) a contínua expansão do mercado farmacêutico e, em
particular dos genéricos, crescendo a taxas próximas de 10% ao ano e 44% ao ano entre 2002
e 2009. O Profarma, portanto, parece ter contribuído para que empresas nacionais pudessem
alavancar seu crescimento a partir da oportunidade criada com a introdução dos genéricos.
Outro desafio importante para o Profarma tem sido estimular a inovação em empresas
nascentes e pequenas, já que, praticamente desde sua criação, os maiores beneficiários dos
13 A Recepta foi citada, em março de 2013, em artigo da revista Nature Biotechnology, entre as quatro companhias – BMS, GSK,
Immunomed e Recepta/4antibody! – que vêm desenvolvendo anticorpos de novíssima geração (Jornal Valor Econômico, 19
abr. 2013).
306 SAÚDE, DESENVOLVIMENTO E INOVAÇÃO
recursos têm sido empresas de médio e de grande porte, as quais, somente em 2011, abarcaram
78% dos recursos do programa14. É possível que as barreiras enfrentadas por pequenas empresas
para obter acesso aos recursos do Profarma sejam similares às de outros programas de fomento,
dadas as dificuldades que muitas empresas novas e pequenas têm em fornecer garantias e aderir
aos termos dos editais para acesso aos recursos (ALVES et al., 2015).
Considerações finais
14 Conforme apresentação do BNDES no II Fórum de Medicamentos no Brasil, realizada em Brasília-DF, em 24 nov. 2011.
As lacunas de inovação em saúde no Brasil: entre a produção de ciência e a tecnologia na saúde 307
Referências
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