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DELEGAÇÃO DE PORTUGAL

DA FEDERAÇÃO DAS ACADEMIAS DE HISTÓRIA MILITAR DO BRASIL

SESSÃO ACADÉMICA
Rui Santos Vargas

NESTA MEMÓRIA:

1 SESSÃO ACADÉMICA
2 QUADRO SOCIAL
3 PROGRAMA
7 ELOGIO AO PATRONO
Marechal Carlos
Frederico Lecor

Decorreu, no passado dia de 24 de Junho, mais uma sessão académica


promovida pela Delegação de Portugal da Federação das Academias de
História Militar Terrestre do Brasil (FAHIMTB), desta vez visando dar posse a
dois eminentes historiadores: como Académica Honorária a Professora
Doutora Manuela Mendonça; e como Académico, por elevação de Membro-
Efectivo, o Dr. Jorge Brandão Quinta-Nova. A sessão, que teve lugar em
instalações da Universidade Lusófona, contou com a assistência de um
elevado número de entidades, sendo de destacar:

- Prof. Doutor Vítor Gaspar Rodrigues, Vice-Presidente da Academia de


Marinha (Classe de História Marítima) em representação do Sr. Almirante
Vidal de Abreu, Presidente da Academia de Marinha;
- Prof.ª Doutora Maria de Fátima Reis, Secretária Geral da Academia
Portuguesa da História;
- General Silvino da Cruz Curado, Académico de Mérito da Academia
Portuguesa da História;
- Coronel Paulo Oliveira, do Observatório Internacional dos Direitos
Humanos.

Na mesa, dirigiram os trabalhos o Eng.º Rui Santos Vargas, Académico e


Delegado em Portugal da FAHIMTB, e o Prof. Dr. Paulo Mendes Pinto,
Académico-correspondente e Coordenador da Área de Ciência das Religiões
da Universidade Lusófona.

Segue na página 4
QUADRO SOCIAL
1.º DELEGADO DE HONRA
Coronel QMB EB André Luís Correia de Castro 03OUT2017 – 20JUL2019
Coronel Av. FAB Fernando César da Costa e
17JAN2017 – 02OUT2017
Silva Braga

2.º DELEGADO DE HONRA


Coronel Inf.ª EB Marcelo Rosa Martinho 30NOV2017 – 30JUN2019
Coronel Inf.ª EB Alexandre Ribeiro de Mendonça 31JAN2017 – 29NOV2017

FEDERAÇÃO DAS ACADEMIAS


DE HISTÓRIA MILITAR DELEGADO
TERRESTRE DO BRASIL Engº Rui Ventura dos Santos Vargas 01MAI2012 – …
A Academia de História Militar
Terrestre do Brasil (AHIMTB) foi
fundada em Resende - RJ em 1 de VICE-DELEGADO
Março de 1996 e reorganizada em Vago
23 de Abril de 2012 como
Federação das Academias de
História Militar Terrestre do Brasil CATEGORI NOME CADEIRA DATA VÍNCULO
(FAHIMTB) A
Académico TGen Joaquim
-- 26JUL2018 AHIMTB/RJ
Honorário Chito Rodrigues
Académico Prof.ª Doutora AHIMTB/RE
-- 24JUN2019 S
DELEGAÇÃO DE PORTUGAL Honorário Manuela Mendonça
D. João VI SCh António Mestre de
AHIMTB/RE
Fundada a 1 de Maio de 2012 Académico Eleutério Sucena do Campo António S
Carmo Dias Cardoso
Coordenação de Edição: Acad.
Jorge Quinta-Nova Engº Rui Ventura 2.º Conde de AHIMTB/RE
Académico Resende
16JUN2011 S
Textos: Acad. Rui Santos Vargas dos Santos Vargas
Fotografias: Rui Santos Vargas, Dr. Jorge Brandão General Carlos 24JUN2019 AHIMTB/RE
Académico Membro Efectivo
Miguel Brandão Quinta-Nova Frederico Lecor 27MAR2017
S
Distribuição Electrónica: Académico
Prof. Dr. Paulo
Novembro de 2019 Corresponde -- 26JUL2018 AHIMTB/RJ
nte Mendes Pinto
Prof. Dr. Humberto
Membro
Nuno Lopes -- 01MAI2012 Del. Portugal
Efectivo
Mendes de Oliveira
www.fahimtbportugal.blogspot.pt Membro Prof. Dr. Daniel
-- 07JAN2017 Del. Portugal
Efectivo Jesús Garcia Riol
Membro Dr. Fernando
-- 13JAN2017 Del. Portugal
Efectivo Crociani Baglioni
Membro Cor Mário Jorge
-- 10ABR2017 Del. Portugal
Efectivo Freire da Silva
PROGRAMA

Sessão Académica da Delegação de Portugal D. João VI, da


Federação de Academias de História Militar Terrestre do Brasil

24 de junho de 2019, 18:30 horas


Universidade Lusófona,

ABERTURA | Acad. Eng.º Rui Santos Vargas

RECEPÇÃO, EM NOME DO COLÉGIO ACADÉMICO, DA PROF.ª


DOUTORA MANUELA MENDONÇA COMO ACADÉMICA HONORÁRIA |
Acad. Prof. Dr. Paulo Mendes Pinto

INTERVENÇÃO | Acad. Prof.ª Doutora Manuela Mendonça

RECEPÇÃO, EM NOME DO COLÉGIO ACADÉMICO, DO DR. JORGE


QUINTA-NOVA COMO ACADÉMICO NA CADEIRA ESPECIAL GENERAL
CARLOS FREDERICO LECOR | Acad. Eng.º Rui Santos Vargas

ELOGIO AO PATRONO DA CADEIRA ESPECIAL GENERAL CARLOS


FREDERICO LECOR | Acad. Dr. Jorge Quinta-Nova
ENCERRAMENTO | Acad. Prof. Dr. Paulo Mendes Pinto
Continuação da página 1

Deu início à sessão o Delegado em Portugal que começou por


agradecer a incentivadora presença de todos, e o generoso e
constante apoio da Universidade Lusófona. Continuou a
intervenção sublinhando os objectivos da Delegação de
Portugal, e fazendo um resumo das actividades da FAHIMTB e
da Delegação.

Posteriormente, tomou a palavra o Académico Mendes Pinto


que fez a apresentação da Prof.ª Doutora Manuela Mendonça,
em termos pessoais e humanos já que a carreira e prestígio da
agora Académica Honorária eram sobejamente conhecidos dos
presentes.

O Acad. Rui Santos Vargas procedeu de seguida à entrega da


insígnia académica e do respectivo diploma acreditativo,
tendo a Académica Manuela Mendonça tomado a palavra para
uma intervenção em que manifestou a sua satisfação pela
distinção atribuída. Focou, também, os trabalhos académicos
que realizou no âmbito da história militar luso-brasileira e,
por fim, relembrou a toda a assistência que o Fundador e
Sessão académica com
Presidente da FAHIMTB, Coronel Cláudio Moreira Bento, é o apoio da Universidade
também Académico-correspondente da Academia Portuguesa Lusófona
da História.

Seguindo a ordem de trabalho, o Delegado em Portugal fez a


apresentação do outro académico a empossar, o Dr. Jorge
Brandão Quinta-Nova na cadeira especial General Carlos
Frederico Lecor, patrono cuja vida e obra têm sido, e
continuam sendo, estudadas por este historiador militar, num
esforço árduo e permanente de trazer luz sobre a vida deste
militar português e brasileiro.
Já com a insígnia académica ao peito, anteriormente
entregue pelo Delegado em Portugal, foi dada a palavra ao
Académico Quinta-Nova que fez um detalhado e extenso
elogio ao patrono da cadeira que assumiu, em que foram
focadas as origens familiares, o seu percurso escolar e de
formação militar, as campanhas europeias e sul-americanas
em que tomou parte, a iconografia, a falerística própria do
patrono da cadeira bem como homenagens modernas que lhe
foram dedicadas. Um elogio cheio de informação que espelha
perfeitamente a paixão, a imersão e o grau de detalhe que o
Dr. Quinta-Nova alcançou sobre o Marechal Carlos Frederico
Lecor.

O Académico Paulo Mendes Pinto encerrou a sessão


congratulando os novos académicos, renovando os
agradecimentos às entidades que nos prestigiaram com a sua
presença, e renovando a disponibilidade da Universidade
Lusófona continuar a apoiar a realização destas sessões
académicas que, para além do evidente propósito de
promoção e divulgação de conhecimento histórico, tem
também o intuito de tentar estabelecer pontes entre
Portugal e Brasil.

Entrega da insígnia académica e do respectivo diploma


acreditativo à Académica Prof. Dra. Manuela Mendonça
Momento da intervenção da Académica
Prof. Dra, Manuela Mendonça

Entrega da insígnia académica e do respectivo diploma


acreditativo ao Académico Dr. Jorge Quinta-Nova
ELOGIO AO MARECHAL DO EXÉRCITO
CARLOS FREDERICO LECOR, VISCONDE DA
LAGUNA E GRANDE DO IMPÉRIO
Jorge Quinta-Nova

Boa tarde

Em 1936, por ocasião de uma sessão do Instituto Histórico e


Geográfico Brasileiro evocativa do primeiro centenário da
morte do Visconde da Laguna, o académico baiano José
Wanderley de Araújo Pinho, após uma brilhante exposição, e
humildemente penitenciando-se pelo que considerou uma
análise superficial da figura histórica, convocou os
académicos do futuro a que, "mais felizes, com todos os
documentos à mão", fizessem o que ele faria se pudesse à
altura.
Em 1984, quase cinquenta anos depois, o general brasileiro
Paulo de Queiroz Duarte, ainda que não com todos os
documentos – na verdade, a quimera do historiador, o ideal
impossível, respondeu em grande estilo a essa convocação,
com os três volumes de Lecor e a Cisplatina, publicados pela
Biblioteca do Exército, uma obra seminal na compreensão não
só do marechal Lecor, mas da intervenção portuguesa de 1816
no Rio da Prata.

Hoje, humildemente aqui perante vós, espero poder também


de forma digna, mas resoluta, responder ao apelo de há 83
anos, adicionando a minha contribuição, portuguesa e
europeia, para o conhecimento da figura histórica daquele
que é patrono da cadeira que humildemente ocupo, o
marechal Carlos Frederico Lecor, Visconde da Laguna e
Grande do Império do Brasil. Muito há que dizer, mas tendo
em atenção a vossa paciência e o meu tempo, tentarei ser
breve e conciso.

Carlos Frederico Lecor nasceu a 6 de Outubro de 1764, em


Santos-o-Velho, Lisboa, na rua do Pé de Ferro, onde a sua
família então vivia. É o primeiro filho de Quitéria Luísa Marina
Krusse e de Luiz Pedro Lecor, ambos provenientes de famílias
mercantis recentemente imigradas em Portugal.
D. Quitéria Marina Luísa, por parte do pai, uma Krusse, e por
parte da mãe, uma Buys. Ambas estas famílias adotaram
Portugal como o seu país e operavam negócios em Lisboa e no
Algarve, assim como na provisão de munição de boca ao
Exército Português em várias ocasiões.
Luiz Pedro, nascido Louis Pierre, era um imigrado francês, como tantos
durante a época de D. João V, e como tantos também vinha com um
ofício em mente, acabando por se dedicar ao comércio por necessidade.
Luiz Pedro publicou alias, em 1747, um livro sobre a educação de
meninos, que era ainda leitura recomendada e popular no início de
oitocentos.

Lecor. Krusse. Buys. Os 3 apelidos têm todos assim origens


internacionais: os Krusse de Hamburgo, os Buys da Hoorn, na Holanda, e
os Lecor de Paris, França. Curioso será notar que dos 4 avós de Carlos
Frederico, não há um único nacional português, senão Catarina Maria
Buys, portuguesa de 1.ª geração, filha por sua vez de um holandês e de
uma espanhola.

A ascendência quase toda ela não portuguesa de Carlos Frederico Lecor


é algo que o marca em toda a sua vida e carreira, não só pelo seu
aspeto físico, de traços exóticos – alto, loiro e de olhos azuis, mas
também pelo tipo de educação que providencia, não só inspirada
perfeitamente nos ideais iluministas do século XVIII, mas também na
forte tradição protestante de alfabetização, combinada com um tipo de
formação fortemente ancorada nas necessidades da atividade comercial
da sua família.

Por volta da década de 1770, a família muda-se para Faro, onde aliás os
Buys já tinham negócios. É aliás desta mudança que nasce a perceção
geral, ainda que errada, que Lecor nasceu em Faro. Esta cidade é aliás
a única cidade portuguesa que deu o seu nome a uma rua devido a esse
mesmo facto. A justiça aqui foi fruto de equívoco, mas é ainda assim,
justiça. Se a cidade onde Lecor nasceu de facto, ainda que com tantas
ruas, não lhe presta essa homenagem, pois então que o equívoco se
preste a que a cidade de adoção o tenha feito.

Enquanto os seus irmãos, João Pedro, António Pedro e Jorge Frederico,


combatiam no Roussilhão, Lecor iniciava a sua vida militar como Pé de
Castelo na fortaleza de S. António da Barra de Tavira. Aos 29 anos,
muito mais velho do que era então norma, Lecor assenta praça de
voluntário e jura bandeiras, perante um oficial e o capelão, a 13 de
Outubro de 1793, exatamente quando se iniciava a aula regimental do
coronel Sande de Vasconcelos, em Tavira, logo ao lado. O general
Teixeira Botelho, que traçou subsídios para a história da Artilharia
portuguesa, refere muito acertadamente que a carreira dele "não teve a
regularidade habitual do seu tempo". Para um jovem vindo das classes
mercantis, sem ascedência nobre, a Artilharia era a única opção que
permitia o acesso ao oficialato.

Apenas cinco meses depois, já sargento, Lecor ascende finalmente ao


oficialato, sendo nomeado em Março de 1794 ajudante da Praça de
Portimão, sendo posteriormente admitido ao 1.º Ano do Curso de
Marinha, na Real Academia de Marinha, em Lisboa, que completa com
mérito, então já 1.º tenente do regimento de Artilharia da Guarnição do
Algarve.
De notar a propósito que, mais de 200 anos depois, em 2014, o Marechal
Lecor foi o patrono do 43.º Curso de Formação de Sargentos, uma das
poucas homenagens que em Portugal se lhe deu, e a única que o
Exército Português lhe dispensou.

A rápida ascensão de Lecor nas fileiras é já manifesta desde o seu início,


tendo por base a sua competência académica, ainda que não devemos
esquecer a ligação a 'pessoas de qualidade', como era normal na
'sociedade de favores' do Antigo Regime.

Em finais de 1795, Carlos Frederico embarca na Nau Príncipe Real, no


âmbito de um destacamento de artilharia do Algarve, e viaja para o
Brasil pela primeira vez. É Salvador a primeira terra brasileira que
conhece, e onde permanece brevemente até a esquadra retornar a
Lisboa em Abril de 1796.

Fossem quais fossem os objetivos de Lecor, parece que estes já não


passavam pela Marinha quando em 1797 é escolhido para capitão de
infantaria da recém criada Legião de Tropas Ligeiras, comandada pelo
marquês de Alorna. A Legião de Alorna, como também era conhecida,
era uma unidade ligeira com o uso combinado das três armas, resultado
prático dos ensinamentos da Campanha do Roussilhão. Se não era algo
inteiramente novo no Exército Português, era todo um conceito inovador
a esta altura e que causou grande resistência na instituição.

O marquês de Alorna, D. Pedro Portugal, é vital para compreender Lecor,


pois é na alçada dele, e sob a sua mentoria, que o ainda relativamente
jovem oficial começa a despontar. Sendo capitão da 8.º companhia,
Lecor serve na Guerra das Laranjas, na área de Castelo Branco, sendo
depois promovido a sargento mor em 1802.
Em 1806, quando Alorna é nomeado governador de Armas do Alentejo (e
Lecor, aliás, seu ajudante de ordens, já como tenente coronel), fica a
comandar interinamente a Legião até que o barão de Wiederhold toma o
comando. Nesta altura, já Lecor é um relativamente experimentado
oficial superior, ainda que as suas maiores provas se aproximem ainda no
horizonte.

A 21 de Novembro de 1807, Lecor aparece pela primeira vez no radar da


História, quando avista tropas francesas em Vila Velha de Ródão, junto
ao Tejo. Sem ordens diretas do seu general, mas agindo de sua própria
vontade, ainda que decerto em concertação com António de Araújo de
Azevedo, parte imediatamente para Lisboa a avisar que os franceses
vêm aí. Em Punhete, hoje Constância, aconselha as autoridades locais a
desmontar a ponte de barcas sobre o rio Zêzere, o que vem a atrasar
Junot por dois dias.
O que Lecor fez nestes dias foi fundamental para que o embarque da
corte se pudesse fazer com mais tempo e mais segurança. É de apontar
que apesar de o poder fazer, Lecor nunca desmentiu a versão popular
de que terá agido sob as ordens de Alorna (“Vá, Sr. Lecor, até ao
inferno, se for necessario, porque quero saber onde estão os Franceses:
marcham, e não quero que nos surpreendam.”). Teve decerto o
palanque, mas sendo um verdadeiro amigo do seu general, e tendo em
vista a fama que este obteve de traidor, a partir de 1810, nunca o
abandonou, a sua memória e a sua família.

Lecor demonstra estas características de lealdade com frequência


durante a sua vida.

Brigadeiro Carlos Frederico Lecor, por Francisco Bartolozzi

Em meados de 1809, já coronel e no comando de uma brigada de


caçadores na área de Tomar e sendo convocado pelo general Beresford
para Almeida, assim como quase todas as unidades de linha, é o único
comandante que se digna a escrever ao general Miranda Henriques a
avisá-lo. É o próprio general português que o refere em carta. Não me
compete aqui aprofundar as questões políticas da altura, mas o dever
de respeito e lealdade de um subordinado a um comandante, apenas
Lecor, nessa ocasião, o levou a peito.
Em 1810, quando o Armée de Portugal, comandado por Massena, 'l'enfant
cheri de la victorie', monta cerco a Almeida, Lecor, em observação sob o
comando de Hill, tenta o contacto com Alorna, que acompanhava os
franceses, propondo a Beresford que o deixasse tentar o velho amigo a
retornar ao serviço português. O rigor britânico de Wellington e a séria
ameaça da III invasão impediram esta tentativa. Lecor tentou, no
entanto. Acreditava ainda na redenção do seu amigo.

Os breves meses que Lecor passou em Castelo Branco em 1801, defronte


das forças de Leclerc, no tempo da Legião das Tropas Ligeiras, foram
decerto vitais para a ação que levou a cabo como comandante militar da
Beira Baixa, em três períodos distintos, entre 1809 e 1812. As relações
com a população civil e as milícias nem sempre foram as melhores, mas
Lecor destacou-se de tal forma, que no ano posterior à sua saída para o
Exército de Operações, 1813, era publicamente recomendado na Gazeta
de Lisboa que o novo comandante militar seguisse o modelo fixado por
Lecor.

A retirada em Abril de 1812 de Castelo Branco face à aproximação da 2.ª


Divisão de Clausel, foi feita sem mácula e na estrita obediência às
ordens de Beresford, por oposição ao desastre da Guarda, em que as
milícias fugiram em pânico, chegando a perder as bandeiras. É com esta
ação que Lecor, já um estrela em ascensão há algum tempo, garante a
definitiva passagem ao Exército que marcharia em 1813 sobre Espanha e
França.

Ainda que Lecor tenha sido chamado a comandar a brigada portuguesa


da recém criada 7.ª Divisão em 1811, conhecida como a divisão dos
rafeiros, pelas suas muitas nacionalidades e cores de uniforme, foi logo
nomeado novamente comandante militar da Beira Baixa. Em 1813,
porém, de novo recebe este comando e desta feita para iniciar a
campanha ofensiva luso-britânica sobre o norte de Espanha.

Muitos saberão, pois é bem conhecido, mas digo-o aqui, Lecor foi o
único general português que teve o privilégio de comandar uma divisão
anglo-portuguesa em combate. Fê-lo na batalha de Nivelle, em
Novembro de 1813, quando o exército assaltou as fortificações de Soult
a norte do rio. Era comandante interino, a mais ténue das posições, mas
cumpriu, de novo, sem mácula, a sua missão. Começava já a trilhar
áreas novas e desconhecidas.

Em dezembro de 1813, Lecor é o comandante da Divisão Portuguesa e o


oficial português mais graduado no Exército de Operações, já em
França. É nesta qualidade que comanda tropas na batalha do S. Pierre, a
13 de dezembro, alguns dirão a mais portuguesa das batalhas desta
campanha, e ajuda a manter a linha nos altos de Mouguerre.
Acompanhando a brigada do Algarve, ordena uma carga de infantaria de
Infantaria 14, e ao fim desse duro dia é ferido ligeiramente.

Quando o Exército Português em Operações retorna a Portugal a partir de


Junho de 1814, finda a guerra e deposto Napoleão, é Lecor que comanda
todas as unidades, apresentando-se nas paradas em Lisboa com o seu estado
maior.

Quem afirmasse, 21 anos antes, que isto iria acontecer, seria decerto
apodado de louco. Filho de mercadores, ainda que de grosso e bem
relacionados, formado na artilharia, agora o general mais graduado de um
exército português vitorioso.
As guerras revolucionárias, que duraram duas longas décadas, mandaram
abaixo muitos dos paradigmas e inauguraram de forma dramática toda uma
nova era. O elemento social não foi diferente.

Já por duas vezes, o destino de Lecor se havia relacionado com o Brasil: em


1796, quando foi na esquadra do Brasil, mero tenente, a Salvador da Bahia,
e em 1808, quando, em Plymouth, Inglaterra, já coronel, fugido da
ocupação francesa de Junot, tencionava embarcar para junto da Corte, no
Rio de Janeiro. Não viajou nesta altura, tendo retornado a Portugal em
Agosto com a Leal Legião Lusitana.

Tangencialmente também devo fazer nota que em 1805, quando foi


originalmente nomeado ajudante de ordens do marquês de Alorna, era a
intenção que o seu general ocupasse o importante cargo de Vice Rei do
Brasil, o que por razões políticas acabou por não acontecer.

O seu destino ficou definitivamente selado com o do Brasil em 1815,


quando foi nomeado Comandante em Chefe da Divisão de Voluntarios Reaes,
uma força de quase 5 mil homens, que para aí foi enviada em 1816 com o
fim último de invadir a Banda Oriental. Nunca mais abandonou o Brasil e aí
viria a falecer.

Antes de partir, fez vacinar os seus homens contra a varíola, ou as bexigas,


tomando-a ele próprio primeiro em frente de todos. Por esse ato, foi feito
correspondente da Real Academia de Ciências de Lisboa, quando já
navegava para o Brasil.

Para um português, habituado à sua terra, o Brasil era todo um novo mundo
com 'aves das cores mais fantasticas' e 'planícies sem limites'. Como o futuro
conde de Samodães, comandante do 2.º regimento, o pôs, “tudo n’este paiz
é grande e maravilhoso”.

Desembarcado na corte, no Rio de Janeiro, pouco tempo lá ficou e dois


meses depois, em Junho de 1816, partiu para cumprir a sua missão.
Aliás, uma das maiores críticas que costuma ser feita ao general Lecor é
a de desembarcar o grosso das suas forças na ilha de Santa Catarina e
fazer o duro percurso por terra desde aí até à Banda Oriental. Falamos
de 800 quilómetros por terra arenosa e erma. Muitos historiadores
criticam-no por esse excesso de cautela e/ou falta de habilidade com
tão fortes forças, mas recentemente encontrei uma nota do próprio rei,
ainda no Rio, dizendo-lhe que não arriscasse os seus soldados no oceano.
O inverno austral, as traiçoeiras águas do Rio da Prata e os perigosos
ventos pampeiros aconselhavam cautela.
Seja como for, a cautela era preferível, até porque não havia
concorrência. A expedição espanhola de Pablo Morrillo, que se destinava
a Montevideu, havia sido desviada para a Venezuela e isso soube-se em
meados do ano.
Não será de esquecer a importância da logística – uma lição que os
oficiais portugueses aprenderam bem com os britânicos durante a
Guerra Peninsular, que aconselhava Lecor a tomar o seu tempo.

Não me ocuparei dos heróicos eventos da Segunda Invasión Portuguesa,


até porque a maioria deles ocorreram no teatro leste, no interior, onde
as forças da capitania do Rio Grande combatiam o grosso oriental de
Artigas, mas da lenta e segura aproximação a Montevideu que culmina
na tomada da cidade a 20 de Janeiro de 1817.
Apesar de usar o título de capitão general da Banda Oriental quando
entra no território em finais de Novembro, é nesta altura que o passa a
ser de facto. Nem toda a Banda Oriental se submete (tarefa que só será
completada em 1810), mas o importantíssimo porto de Montevideu passa
a estar em mãos portuguesas. Lecor não o saberá, mas ele é o
responsável pela última aquisição de território do Império Português,
ainda que isso apenas se torne oficial em 1821, com a anexação do
território sob o nome de Cisplatina.

Nesse dia inicia ele aquilo que Falcão Espalter denominou de Vigia
Lecor.
O início do governo português em Montevideu marcou o fim de 6 anos de
revolução e lutas intestinas, em que não só os independentistas lutaram
contra os espanhois, mas entre si, divididos entre centralistas e
federalistas. Ainda que não tenha sido imediato, o novo governador trás
de novo a paz e prosperidade ao importante porto. A maioria da
população de Montevideu, principalmente os que beneficiam do
comércio (e em Montevideu eram quase todos, em diferentes níveis),
recebeu Lecor com alívio, ainda que com alguma apreensão.
Mesmo Buenos Aires, que partilhava algum ideário com Artigas, acabou
por não intervir e manteve o tratado que tinha com Portugal desde
1812.

O general Lecor, no entanto, revelou ser tudo aquilo que os orientais


poderiam esperar. Toda a sua conduta desde que havia entrado na Banda
Oriental era conciliatória. Alguns militares seus subordinados queixam-se
da sua falta de agressividade, como Saldanha, mas de facto Lecor
cumpria as ordens que tinha recebido. Não seria um conquistador só por
ser um conquistador, mas tentaria ser um libertador, ou tanto quanto
possível.

Tomás de Iriarte, um oficial argentino que o conheceu, diz dele que “no
fué el idolo del pueblo, tampoco puede aseverarse que alimentasen contra
él sentimientos de odio y reprobacion personal”.
Quem o conheceu nesta altura revela bem qual a postura política de Lecor.
A historiografia uruguaia acompanha até hoje esta visão e não o alça a um
tirano estrangeiro, mas no pior dos casos, um mal necessário. Muitos vêm
nele mais vantagens que desvantagens, apesar de ser um invasor.

A sua figura física não negava o soldado endurecido nas campanhas


europeias, mas não lhe faltava urbanidade ou cortesia. Sem manifestar um
afetação de maneirismos, era afável e complacente, sem que perdesse o
respeito de quem lidava com ele. Lecor conseguia complementar o seu
semblante sério e marcial com a compostura de um homem culto e
habituado à alta sociedade.

Em 1822, veio a independência do Brasil e, decerto, a decisão mais


monumental que Lecor tomou na sua vida, a de a apoiar na pessoa do
Principe D. Pedro, então regente do Brasil. Lecor teve a plena noção do
significado da sua decisão, e tomada essa decisão, assumiu-a como sua.
Pesem embora outra fatores, como ter casado em 1818 com D. Rosa, uma
dama montevidenha, sentiu claramente uma forte afinidade com o projeto
brasileiro.
Associado a isso, e como escreveu em carta a José Bonifácio, reagiu aos
“planos evasivos do partido Espanhol, dominante nas Cortes, porque no
duro cativeiro de S.M.F. nada me parecia mais digno do que obedecer a Seu
Augusto Filho”.
O capitão general da Cisplatina não esqueceu também decerto a luta
intestina de muitos dos seus subordinados enquadrado no famigerado
“Conselho Militar”, e que levava a Divisão de Voluntarios Reaes a um ponto
de insubordinação intolerável.

Como Lecor refere, essa decisão foi daquelas que um homem como ele só
poderia tomar uma vez na vida. Nesse mês de Setembro de 1822, o seu
compromisso com o Brasil foi assumido de corpo inteiro. O general passava
a ser um dos “heróis da brasileia liberdade”, conforme nos dita um poema
épico escrito anos depois.

Em Abril de 1826, é nomeado Comandante em Chefe do Exército do Sul, no


âmbito da Guerra da Cisplatina. Chega ao Rio Grande em Agosto, onde é
recebido como um herói pelo povo gaúcho, como já o havia sido
em 1816.
Não tem tempo de fazer obra, pois D. Pedro exonera-o apenas um mês
depois, substituindo-o por Barbacena. A fria receção que recebe do
imperador em Porto Alegre é decerto um dos pontos mais baixos da sua
carreira.

Os argentinos, porém, ganham ímpeto no conflito e as forças brasileiras


sofrem uma derrota no Passo do Rosário, em Fevereiro do ano seguinte.
Em Agosto de 1827, o visconde da Laguna, no Rio de Janeiro, é de novo
nomeado Comandante em Chefe e retorna ao Rio Grande. Encontra um
exército desorganizado e desmoralizado e propõe-se, desde logo, a
reformar o contacto com os negociantes locais, de forma a garantir o
sustento e transporte. O seu crédito e reputação política é ainda
enorme no Rio Grande e todos nutrem por ele uma enorme simpatia.
Durante o ano seguinte, Laguna mantém o Exército do Sul intacto,
novamente acusado de inação ou até covardia. Os seus subordinados
apelidam-no de Cuntactor Segundo, o adiador (como o romano Fábio
Máximo Cuntactor que evitava combater Aníbal na II Guerra Púnica). O
epíteto se não é, em termos marciais, o mais elogioso, não é também o
mais ofensivo. Era o requerido para a defesa do Rio Grande, de forma a
deter quaisquer incursões argentinas.

Quando a paz vem em 1828, o Visconde da Laguna já não é um homem


novo, tem 64 anos, mais de 30 passados no Real Serviço, muitos deles
em campanhas. É claramente o fim da sua carreira. Retorna de vez ao
Rio de Janeiro e reforma-se como Marechal do Exército.
O seu último comando revela mais um pouco do homem. Em 1835 , a
regência nomeia-o comandante superior da Guarda Nacional do Rio de
Janeiro; um cargo simbólico, mas demonstrativo de que mantinha a
confiança do Brasil, mesmo após a abdicação de D. Pedro.

Carlos Frederico Lecor, Visconde da Laguna e Grande do Império, fecha


os olhos pela última vez a 2 de Agosto de 1836, na sua casa junto à
ponte do Aterrado, no Rio de Janeiro. É enterrado nas catacumbas da
Igreja de S. Francisco de Paula.

Concluo aqui o meu elogio a esta extraordinária figura histórica, algo


extenso e espero que não muito maçudo, com a esperança de lhe ter
honrado a memória de soldado, que pertence tanto a Portugal quanto ao
Brasil. Espero ter também ajudado ao conhecimento de um homem
assaz desconhecido, quase criminalmente, num e noutro lado do
Atlântico, mas daqueles que sem grande alarido, mas com grande
competência, lealdade e devoção, ajudou à grandeza dos nossos dois
países. Muito obrigado pela vossa atenção.
Fotografias de José Wanderley de Araújo Pinho
e do General Paulo de Queiroz Duarte, que notavelmente
se debruçaram sobre o Marechal Lecor e o seu legado.

Três retratos do Marechal Lecor


(à esquerda, de Ivan Wasth Rodrigues, em 1984,
ao centro, anónimo, e à direita, de Samson, em 1976)

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