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VADE RETRO SATANÁS!

SOBRE A NOVA QUESTÃO RELIGIOSA BRASILEIRA

ou .
Um questionamento ao diálogo
da comunidade negra com a sociedade brasileira
Ao dig m o . SECRETÁRIO MUNICIPAL DE CULTURA
SECULT – P ELO TAS / RS
Pça. Cel. Pedro O sório, n º 2 .

Est imado sr. Secret ário de Cult ura,

A Macumb a carioca assola o paí s, ent rando e est ab elecendo heg emonia
no Rio G rande do Sul.
Tem est a missiva o ob jet ivo de solicit ar reunião púb lica das aut oridades
civis da sociedade neg ra pelot ense para discut ir a inuência do cult o de
ex us sob re as Nações Africanas no cult o do Bat uque g aúcho. E apresen -
t ar a est a Secret aria de Cult ura o result ado at ual de pesquisas desenvol -
vidas por seu sig nat ário sob re a cult ura dit a afro-b rasileira, naquilo que
respeit a às relig iões Bat uque g aúcho, ou Nações Africanas do Brasil, e
Q uimb anda, na reg ião sul do paí s.
A part ir de uma ob servação apresent ada pelo conhecido hist oriador das
relig iões Mircea Eliade, em O X AMANI SMO E AS T ÉC N I C AS A R C AI C AS DE Ê X -
TASE (pub licado no Brasil pela edit ora Mart ins F ont es) , armando t er perce -
b ido a campo que sacerdot es percam o cont at o com suas divindades após
est ab elecerem pact os com demônios, dei à luz alg uns t rab alhos invest i -
g at ivos, na área da Teolog ia, corrob orada a ob servação do mest re rome -
no em comparação com coment ários de pais-de-sant o, ouvidos a campo
pelo sig nat ário dest a, dado que o Bat uque se houvera descaract erizado
e os orix ás, muit as vezes, não mais se apresent am na roda de sant o para
dançar; crí t ica que foi feit a levant ando o quest ionament o de suas b ases
e inuências orig inais.
Após avaliadas as det erminações mat erialist as vericadas sob a forma
de inuências sociais , já devidament e est ab elecidas ent re nós pelo t rab a -
lho de ant ropólog os e sociólog os , foi-se a b usca de element os mais sub je -
t ivos , no campo da psicolog ia e espirit ualidade , para uma adequada ava -
liação t eológ ica.
Com ab ordag em pelo viés psicanalí t ico revisit ado pela leit ura ling uí st i -
ca de Jacques Lacan, e da Psicolog ia Analí t ica de Carl G ust av Jung com
b ase na F ilosoa O cult a e na Alquimia , caiu sob suspeição est e cult o aos
ex us, que ora se manifest a no Brasil sob a forma da Q uimb anda.
A lolog ia result ant e de pesquisas et imológ icas que b uscaram elucidar
o sig nicado de alg uns t ermos especí cos da cult ura afro-b rasileira en -
cont rou no sāmsk rt o aquelas orig ens , e não em dialet os africanos . Termos
t ais como Macumb a, Umb anda, çaravá, orix á, e ex u se t eriam orig inado
na cult ura do vale do rio Indo, mais ex at ament e em Cashemir, ainda na
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Pré-Hist ória. Seriam, na verdade, orig inados na cult ura must eriana dos
últ imos neandert ais que sob reviveram naquelas cercanias.
Por out ro lado , a cult ura africana , apesar de post erior inuência sofrida
com a invasão dos povos b ant us que , seg undo cert a font e de minhas ant i -
g as leit uras cuja referência se me perdeu, t eriam vindo daquela reg ião,
pelo chifre et iópico; a cult ura africana mais remot ament e anciã, mat riz
cult ural orig inal do Homo sapiens; quant o a seus fundament os relig iosos,
pareceu - me t er - se desenvolvido a part ir do delt a do rio Nilo e das mont a -
nhas da Judeia , via faix a de G aza e reg ião do mont e Sinai . Com a cheg ada
dos povos b ant us , t eria havido uma conjunção de fat ores que forjou con -
fusão ent re est as duas diferent es concepções de formas de t écnicas rit u -
ais para o t rat ament o de ex us, post eriorment e, no seio da África; como,
ag ora, no Brasil.
As Nações Africanas que compõem o Bat uque g aúcho caract erizaram - se
por mant er afast ament o dest e t ipo de ent idade , o ex u , e est ab elecer rela -
ção diret ament e com os orix ás. Q ue t ipo de ent idades seriam aquelas?
Nossas recent es pesquisas ling uí st icas , cont ex t ualizadas at ravés de fun -
dament os arqueológ icos e hist óricos , revelam que ex us são simplesment e
demônios . Est a palavra: ex u ( do sāmsk rt o @;u ) , possui ex at a correlação se -
mânt ica com o daim, wn g reg o (dæmon, em lat im) , parecendo-nos, assim, na -
t ural que divindades os mant ivessem à dist ância, e rest asse a seu cult o
ser desenvolvido do lado de fora dos t erreiros dos orix ás, uma vez que
est es sequer admit iam a presença de cachaça em amb ient e sag rado , o ele -
ment o b ásico do cult o aos ex us, permit indo-nos começar a delinear os
cont ornos da quest ão.
Donde t amb ém a et imol og ia do nome orix á ( ` , ) revel a - os arqué -
, cf. rew
t i pos lumi nosos , e aos ex us , somb ras dos Inf ernos produzi das por almas
mort as, como b em já o perceb era F í lon, o Judeu. As ex pressões ‘somb ra’,
‘alma mort a’ e ‘Inferno’ devem ser ent endidas em um cont ex t o semânt i co
próprio, i nt erpret at ivo do ref erencial cul t ural da Ant i g ui dade clássi ca.
De sua part e, o cul t o aos ex us, hoje denominado Q uimb anda no Brasi l ,
se t eria org anizado at ravés do cult o da Macumb a carioca que, a sua vez,
t eria sua font e na Cab ula capix ab a, e revela - se ao olhar penet rant e da His -
t ória como merament e, e nada mais do que isso, a mag ia neg ra europeia
cong lut inada à mag ia cig ana, t razendo uma ramicação deformada do
cult o pag ão de Pã para a colônia americana de Port ug al, por força da de -
g redação realizado por el rey D . João III , o Piedoso , que colonizou as Ca -
pit anias Heredit árias at ravés do deg redo dos socialment e indesejáveis,
e t roux e-nos, t amb ém, os jesuí t as; além de desaforar as Cort es do reino.
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Assim, que nos deparamos com formas urb anas de mag ia, mas não com
a relig ião da nat ureza . E , novament e , a cult ura europeia dos b rancos de-
formando a cult ura neg ra africana leg í t ima.
F at o semelhant e, emb ora de out ra ordem, já fora por mim denunciado
em crí t ica à ob ra de Nort on Corrêa , O B ATUQUE NO R I O G R AND E DO S UL (pu -
b licado pe la e dit ora da UF RG S ) , quant o à int erpret ação do ciclo de Yansã e
O g u m , na dança do at ãn , onde se ret ém o lug ar comum da reint erpret ação
b urg uesa eivada de preconceit os purit anos crist ãos, por neg lig enciar as
recent es conquist as da Ant ropolog ia no campo da org anização t rib al e
do sist ema de parent esco, com seus deveres e direit os.
Cab e lemb rar que os deuses do Império Romano foram resist ent es à in -
vasão dest es cult os demoní acos , que cheg avam const ant ement e , orig ina -
dos no O rient e , e que soment e conseg uiram se est ab elecer no nal do Im -
pério, em virt ude da ascensão dos imperadores milit ares de orig em ori -
ent al. Aqueles mesmos deuses que, sob a forma da Pāx Rōmānā, est ab e -
leceram comunhão com t odas as divindades pag ãs do mundo conhecido
da época.
O s deuses da ant ig uidade clássica rejeit aram os demônios; e sacerdot es,
como Plut arco de Q ueroneia , para cit ar soment e o mais famoso dent re e -
les , caram perplex os ant e est es cult os est ranhos , como o podemos reco -
nhecer em seus relat os que cheg aram at é nós.
O próprio conceit o de mediunidade passou a requerer uma melhor con -
ceit uação e mais ex at a denição, pelo fat o de, ant es, no Bat uque, se t ra -
b alhar com part e espirit ual g enuí na da pessoa humana, ent endida como
sendo o próprio anjo-da-g uarda, e post eriorment e à sincret ização, com
um element o alóg eno, provavelment e compost o pelo sist ema psí quico
paralelo do médium, um demônio, como as suas mesmas imag ens repre -
sent adas no cult o o revelam, ent ronizadas no sacrário do cong á.
O Bat uque, ent ret ant o, não t rab alha especicament e com mediunidade,
mas com a essência espirit ual da pessoa humana.
Disso result a-nos que as acima referidas ob servações de pais-de-sant o
sob re a descaract erização do Bat uque possam vir a ser corrob oradas pe -
la ob servação de Mircea Eliade: que os ex us , sendo demônios , ob nub ilam
o cult o aos orix ás.
Pois, no Brasil, aos poucos os ex us foram criando necessidades que for -
çaram sua presença, de forma semelhant e à Coca-Cola e ao açúcar.
E ag indo de dent ro de seus médiuns, inlt raram-se nas Nações do Ba-
t uque, encarnando at ravés de desenvolviment o mediúnico de filhos-de-
sant o apront ados. Tal como nos t em sug erido Mircea Eliade.
São armações sérias e , pelos emb asament os que reivindicam , necessitam
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ser devidament e curadas , para que as famí lias neg ras pelot enses , zelosas
de suas t radições , possam ser advert idas cont ra a ig norância dest es fat os.
Como poderemos ent ender, ent ão, e como inquirir essa ob st inada resis -
t ência ao deb at e, demonst rada por anos a o , part indo de cert os elemen -
t os component es do C o nselho do s Po v o s de Ter r eir o , senão como resis -
t ência dos mesmos ex us dos memb ros dest e conselho?
Apresent ei-me à Con fe r ê n c ia Es tadu al dos Povos de Te r r e ir o, realizada no
audit ório da empresa Correio Brasileiro, em Port o Aleg re, capit al, e lá,
t omando a palavra e apresent ando o prob lema incipient ement e, acab ei,
infelizment e, por t er o microfone arrancado de minhas mãos após minha
primeira frase:
“ Conheço pais-de -sant o que t rab alhavam na Relig ião há anos, com
t odos os sant os sent os, e quando se met eram com ex us se deram mal...”
; não pude concluir , me arrancaram o microfone das mãos . E a mesa dire -
t ora dos t rab alhos declarou que est e assunt o não carecia de ser t rat ado
na sua conferência.
Depois , procurei cert a senhora psicólog a , professora da Universidade F e
deral de Pelot as ( UF PEL ) , por ocasião de sua candidat ura a vice-prefeit a,
e ex pus t oda a quest ão , parecendo t er mot ivado seu int eresse , não somen -
t e por ser uma int elect ual e polí t ica de nossa sociedade, mas principal -
ment e por ser uma mulher neg ra e mãe-de-sant o; a qual se apresent ou,
enm, como represent ant e do C o nselho do s Po v o s de Ter r eir o e conr -
mou o int eresse g eral na quest ão.
E , por m , apresent ei o meu t rab alho a sua dig ní ssima pessoa , est imado
Secret ário, quem t amb ém se apresent ou como memb ro do C o nselho do s
Po v o s de Ter r eir o e orient ou - me a procurar sua funcionária responsável
pelos P r o j e t o s d e M a n i f e s t a ç õ e s P o p u l a r e s da Secult ; que se apresent ou
t amb ém como memb ro do C o nselho do s Po v o s de Ter r eir o , mas não me
receb eu , recusou meu t rab alho , e revelou que , em seis meses de reuniões
mensais, a candidat a a vice-prefeit a não houvera feit o sequer uma única
menção do prob lema.
À funcionária , à port a da Secult , na port a do casarão n º 2, solicit ei ent re -
vist a para discut ir convocação de reunião com os represent ant es da co -
munidade neg ra de Pelot as e aut oridades da Universidade , aleg ando que
são necessárias met iculosas pesquisas, realizadas por cient ist as compe -
t ent es, para conrmarem est as suspeit as e, soment e ent ão, após serem
corrob oradas, elas poderiam ser encaminhadas ao seu m pelo aparelho
púb lico do est ado, em defesa da cult ura neg ra em nossa cidade, e nossa
Nação. Emb ora port asse sua ag enda em mãos, ela recusou-se a me rece-
b er ou a ag endar ent revist a pessoal comig o para vericar meus arg umen -
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t os . F oi ret icent e at é o m , e ao nal se omit iu ab solut ament e , não fazen -


zendo just iça ao salário que saca reg ularment e dos cofres púb licos.
O s memb ros do C o nselho do s Po v o s de Ter r eir o que se puseram a par
do assunt o parecem t er concordado com a mesa diret ora da Conferência
Est adual, que num in s ight ent endeu t oda a quest ão a part ir de, apenas,
meia frase por mim proferida , como se est e assunt o est ivesse sendo man -
t ido ocult o de ant emão.
Essa g ent e t êm o diab o no couro! Mas... e est es ex us deles?
Sendo os ex us demônios, e conhecendo a t rajet ória do demonismo na His -
t ória da Humanidade, como podemos vislumb rá - lo at ravés dos reg ist ros
que nos leg aram nossos ant epassados , podemos armar , com cert eza , que
os ex us t êm um propósit o , post o que se não o t ivessem não viriam à t erra;
mas seu propósit o não é, seg urament e, fazer o b em caridosament e, con -
forme propala a ideolog ia mascaradora dest a sit uação polí t ica; e , não sen -
do eles os nossos anjos - da - g uarda , seu propósit o não é ajudar a seres hu -
manos , emb ora isso o possam fazer , se lhes for út il; mas eles vêm! Há um
propósit o. Emb ora ocult o para nós, os ex us t êm um ob jet ivo ób vio . . .
Para poder int uí - lo , deveremos perg unt ar à eg rég ia professora universi-
t ária , uma candidat a a vice-prefeit a e professora de Psicolog ia , se o at ual
ent endiment o cient í co conceb e duas almas no ser humano , como ent en -
deram os ant ig os, ou se a ciência ent ende que a única alma humana que
lhe rest ou t ransmig ra de forma individual conscient e por novos corpos,
ao long o do t empo , e , aproveit ando - nos da função da eg rég ia companheira
na relig ião afro - b rasileira , devemos , ent ão , quest ionarmo - nos como pode -
ria uma alma t ransmig rant e , como Maria Padilha , por ex emplo , apresen -
t ar-se em vários t erreiros ao mesmo t empo , ou em vários médiuns de um
mesmo t erreiro simult aneament e? Q ual a ident idade ent re espí rit o e alma?
Após lon g a esp e r a , p a sso a o se n h or Se cret ário de Cult ura , pelo dever de
seu mūnus, o pedido de convocação de reunião púb lica de represent an -
t es da cult ura neg ra, do Moviment o Neg rit ude, dos cult os afro - b rasilei -
ros int eressados , e da s a u t ori da des ci e n t í  ca s e civi s da n ossa sociedade
às quais coub er por direit o e dever, para m de discernir que int eresse
poderiam t er a comunidade neg ra pelot ense, a sociedade pelot ense e a
sociedade b rasileira, e o poder púb lico municipal na quest ão acima ex -
post a , que parece est ar a cong urar-se como uma nova Qu est ã o R eligio sa
b rasileira, nest e século que se inicia.

Admirador de sua simpát ica cordialidade, encerro.

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