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Conto

PÉ DE COELHO
Por Potyra Najara
“Eu não sou o que me aconteceu, eu sou o que escolho
me tornar.”
Carl Jung

Era uma vez uma família de coelhos. Uma família que se amava muito. Mamãe e papai tiveram
uma ninhada com quatro lindos coelhinhos. A família não poderia estar mais feliz. Mas havia algo
diferente, o quarto coelhinho, aquele que saiu por último da barriga da mamãe, era muito
pequenininho. Mamãe e papai coelho acharam um pouco estranho, três coelhos graúdos e um tão
pequetitico. O tempo foi passando e os filhotinhos crescendo.
Corriam, brincavam, brigavam, como todo irmão faz, e o mais novo, apesar de ter crescido um
pouco, não acompanhava o crescimento dos demais.
Isso fez com os que seus irmãos o chamassem carinhosamente de Pé de Coelho. O que, às vezes,
não era tão carinhoso assim. Era um apelido carinhoso por ele ser um coelho e ser tão pequenino e
amado, e o pé de coelho ser considerado um pequeno amuleto da sorte pelos humanos. Porém, a
família tinha algumas histórias não tão agradáveis assim. Na verdade, o tataravô, o bisavô e o avô
dos coelhinhos haviam virado, realmente, apenas pés de coelhos, por que em uma de suas aventuras
lá fora, no bosque, algum humano os havia capturado, e os transformado em apenas um amuleto para
ser vendido em forma de chaveiro na feira de antiguidades.
E era por isso que o papai coelho não deixava que os seus quatro filhotinhos brincassem na rua
sozinhos. Os filhotes continuavam crescendo, exceto ele, o Pé de Coelho, que continuava muito, mas
muito pequeno.
Como eles já tinham mais idade, e já eram rapazinhos, Pé de Coelho começou a perceber que ser
chamado assim o estava deixando muito triste. Ele se sentia inferior; que não era tão bom, tão
esperto, tão capaz quanto seus três irmãos. Os familiares em volta não percebiam que ele estava se
sentindo assim por que todos o amavam, achavam ele o mais fofo da família, e ele se sentia cada vez
mais triste e desnecessário diante de valentes, fortes e peludos coelhos.
Um dia a mamãe e o papai coelhos estavam descansando e os três irmãos mais velhos resolveram
se aventurar pelo bosque. Eles já tinham tentado outras vezes, mas não tiveram coragem, pois sabiam
das histórias que os seus pais contavam sobre seus avós. Mas, nesse dia, os irmãos sabiam que havia
uma feira de antiguidades nas redondezas e queriam ver de perto como era.
Pé de Coelho ficou de longe observando os irmãos combinarem a fuga, quando decidiu se
aproximar dos três eles gritaram ao mesmo tempo:
— Não, você não vai!
O irmão mais velho continuou:
— Você é muito pequeno e não vai conseguir fugir se algo ruim acontecer.
O irmão do meio prosseguiu:
— Você não tem capacidade de sair por essa porta afora, é tão mirradinho.
E o outro irmão completou:
— Você é muito “fracote” para uma aventura como essa.
Os três riram juntos e, rindo assim, saíram aos saltos para o bosque, deixando o irmãozinho mais
novo triste e solitário. Os irmãos falaram daquele jeito, não porque não amavam o mais novo, mas
justamente para protegê-lo.
O coelhinho foi à janela para ver até onde os irmãos conseguiriam chegar, e olhou até que os três
desaparecessem em meio às árvores da floresta. O que aquela família não sabia é que aquele
coelhinho era muito sensível e percebia quando algo ruim poderia
acontecer, além disso, tinha um olfato tão aguçado que poderia rastrear os passos dos irmãos
apenas pelo cheiro do pelo deles no ar. Naquele momento, o coelhinho teve uma sensação ruim e
decidiu seguir os irmãos. Mas foi muito, muito difícil ele criar coragem para cruzar a porta da rua,
as palavras dos três ecoavam na sua cabeça e, principalmente, o apelido que o deixava envergonhado
e triste. Viu que a porta estava entreaberta, respirou fundo e buscou a coragem que não tinha para
sair. Saiu.
Correu em direção à floresta e, sentindo o cheiro dos irmãos, seguia confiante de que o caminho
estava certo. De repente, ouviu um gemido alto de coelho, parou atrás de uma árvore e espiou com
o rabinho dos olhos. Que cena assustadora o coelhinho viu! Os três irmãos tinham sido presos por
três armadilhas diferentes, estavam suspensos no ar e se debatendo tentando sair, mas era impossível
abrir uma brechinha sequer daquela armadilha tão bem montada.
Então, o coelhinho mais novo seguiu rapidamente com os olhos o cabo que sustentava as
armadilhas nas alturas, viu que as três eram presas pelo mesmo cabo, e que o final dele dava em uma
toquinha muito pequena, que só poderia ser alcançada por alguém muito pequeno também.
Pé de Coelho respirou fundo e juntou toda a coragem que tinha conquistado, saiu correndo e foi
direto à minúscula toca; num salto, entrou e destravou o gatilho que sustentava o cabo que prendia
as armadilhas, e elas foram automaticamente desarmadas. Os irmãos voltaram ao chão, se olharam,
correram na direção um do outro e se abraçaram, procuraram em volta para descobrir quem tinha
sido o seu salvador. Quando o viram gritaram ao mesmo tempo: Pé de Coelho!
Os quatro voltaram pra casa o mais rápido que puderam, quando se viram seguros dentro do seu
lar, o irmão mais velho disse:
— Você nos salvou, irmãozinho. O irmão do meio falou:
Achei que teríamos o mesmo destino dos nossos avós, mas você nos tirou de lá.
E o terceiro irmão enfatizou:
— Você sempre foi o nosso pé de coelho, o nosso amuleto da sorte, nós temos muito orgulho
por você nos proteger todos esses anos com a sua doçura e gentileza.
Quando os pais acordaram, os três filhos mais velhos contaram tudo o que havia acontecido, e era
tanta alegria naquela casa, que os pais nem se deram o trabalho de brigar com eles por terem saído
sozinhos, sabiam que eles já tinham aprendido sobre os perigos da floresta. Com muita emoção, a
família toda jogava o pequeno Pé de Coelho para cima e gritava palavras de amor.
Pé de Coelho jamais havia se sentindo tão extraordinário, agora sabia o quanto era importante
para cada um deles.
A partir desse dia, a mamãe coelha colocou um lindo retrato de seu filho mais novo na mesa de
centro da sala e fazia questão de contar pra todo mundo o grande amuleto da sorte que ele era desde
que nasceu.

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