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Tirinha da artista Sirlanney Nogueira

UM CONTO SOBRE A ANSIEDADE


Por Ana Paula Bessa – Setembro de 2016

Não quero mais ficar presa aqui. Não suporto mais esse ambiente obscuro e
depreciativo. Parece que vago fazendo infinitas chenes de balé. É como se não conseguisse
domar os pensamentos que trotam dentro da minha cabeça que, em nenhum momento,
chegam a exaustão. É como se fosse a 5ª Sinfonia de Beethoven tocada por múltiplos pianos
assíncronos de uma sala de estudos de conservatório, o dia inteiro e a noite inteira.
É como se eu vestisse uma camisa de forças e ficasse correndo e me debatendo nas
paredes acolchoadas de um quarto sem nenhuma porta. E então, esgotada, choro deitada no
chão lembrando de quem um dia fui, antes de ser colocada neste cativeiro.
Antes de ser sequestrada eu vivia uma vida acelerada, como a maioria …eu acho. Mas
eu era capaz de sorrir sem precisar de bebidas. Eu conseguia fazer piada das coisas mais
banais sem que isso me remetesse a uma cena traumática. Eu me aventurava a falar e falar e
falar. E o mais importante: eu sabia como falar, como dizer o que queria.
Desde que entrei neste cativeiro parece que minha voz também foi sequestrada. Parece
que minha capacidade de montar frases que soem coerentes correu pra bem longe. E me resta
um mundo infinito de imaginação pessimista que, dizem os especialistas, é conhecida como
paranoia. Estou todos os dias a tomar doses cavalares de paranoia e, infelizmente, já virou um
vício. Se continuar aqui, nesse calabouço escuro, qualquer dia terei uma overdose e receio não
ter ninguém que consiga me encontrar a tempo de uma injeção de adrenalina.
O mandante desse sequestro foi o Medo. Ele armou tudo junto com a gangue Maus
Pensamentos. O grupo foi encarregado por me fazer reviver um trauma. Na hora em que eles
fizeram isso, fiquei vulnerável. Foi o momento perfeito para o Medo entrar acompanhado de
seus capangas, Insegurança e Abandono, especialistas em convencimento emocional. Eles
utilizaram técnicas avançadas que te inebriam e te deixam em modo avião. É como se fosse
lenço embebido em clorofórmio. Em questão de horas você apaga e quando vê, está em outro
lugar.
Por dias relutei para sair daqui. Teve um dia em que tive convicção de que conseguiria
sair. Eu vi, por acaso, florescer um pouco de serotonina aqui dentro do cativeiro, e então sabia
que só precisaria de mais um pouco para escalar o muro e encontrar a parte boa de mim logo.
Mas o Medo desconfiou e me amordaçou de uma forma que fiquei paralisada. Ele foi perto da
muda e a consumiu em questão de segundos.
É por isso que eles me sequestraram. São viciados em serotonina e não há produção na
parte do cérebro onde eles moram. Por isso eles me mantém aqui. Enquanto eu tentar escapar,
vou conseguir fazer nascer mudas de serotonina. O único jeito deles não conseguirem mais é
se a Esperança deixar de falar comigo. Aí eles terão a certeza que não vou mais produzir nada
e vão dar um fim em mim.
A Esperança é a líder do grupo Pensamentos Bons, que são rivais da gangue do Medo.
Ela me manda cartas de convencimento, com o consentimento de todos aqui no cativeiro. Ela
me disse que a única forma de sair daqui é produzindo serotonina em excesso, que irá dar uma
overdose neles e então, tenho tempo hábil de fuga. Mas para que isso aconteça, preciso largar
o meu vício em paranoias.
É uma situação muito difícil, pois as paranoias me mantêm em um estado aparente de
segurança. De que se eu não me atrever a fazer algo diferente, as coisas não vão piorar. Ou
seja, um estado aparente de que, se eu não tomar atitudes, a vulnerabilidade não vai chegar de
novo e me ferrar outra vez.
O que preciso é me convencer de que posso, mesmo sabendo que não. É acreditar que
tenho forças, mesmo vendo que sou franzina. É gritar sem temer o desespero. É consumir
umas das drogas mais ousadas e potentes do mundo: o AMOR-PRÓPRIO. Falta-me
coragem.

Disponível em: <https://medium.com/@anapaulabessa/um-conto-sobre-a-ansiedade-ee1161f9c5a0>

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