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O que é que você dá aos seus amigos que faz com que eles te apoiem tanto?
(Silêncio.)
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e estavam todos lá
cada um deles
e sabiam meu nome
e sabiam como escapei feito um besouro ao longo das costas de suas
cadeiras
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estou triste
gostaria de me matar
estou gorda
não consigo escrever
não consigo amar
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meu irmão está morrendo, meu amor está morrendo, estou matando os dois
Às 4h48
quando o desespero me visita
posso me enforcar
com o som da respiração de meu amante
não quero mesmo morrer
me tornei tão depressiva por causa da minha mortalidade que decidi cometer
suicídio
não quero mesmo viver
Quando ele acordar vai ter inveja da minha insone noite de pensamentos e
discursos que não foram fruto dos medicamentos
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Não foi por muito tempo, eu não estava lá por tanto tempo. Mas bebendo café
amargo senti aquele cheiro medicinal em uma nuvem antiga de tabaco e algo
me tocou naquele lugar ainda soluçante e um ferimento de dois anos atrás se
abriu como um cadáver e uma vergonha enterrada há muito tempo brandiu sua
dor decadente e abominável.
minha mente são uma coisa só. Mas não estou aqui nem nunca estive.
Dr. Isso escreve e Dr. Aquilo tenta um murmúrio simpático. Me
assistindo, me julgando, cheirando o fracasso e a paralisia que escorrem
da minha pele, meu desespero me rasgando e o pânico me consumindo
me encharcando enquanto eu no mundo boquiaberta de horror pensando
por que todos estão sorrindo e me olhando com um conhecimento
secreto da minha dolorosa vergonha.
E enquanto eu acreditava que você era diferente e que você talvez até
sentisse a aflição que às vezes oscilava pela sua face e ameaçava
irromper, você estava cobrindo seu rabo também. Como qualquer outro
mortal cuzão estúpido.
(Silêncio.)
- Não daria certo. Você se sentiria sonolenta por causa da overdose e não teria
forças para cortar os pulsos.
(Silêncio.)
(Silêncio.)
- Se você estivesse sozinha você acha que você faria mal a você mesma?
- Sim. É o medo que me mantém longe dos trilhos dos trens. Só espero de
Deus que a morte seja mesmo a porra do fim. Me sinto como se tivesse oitenta
anos de idade. Estou cansada da vida e minha mente quer morrer.
- É como se fosse.
- Não é uma metáfora, é como se fosse, mas ainda que fosse uma metáfora, a
definição característica de uma metáfora é que ela é real.
(Silêncio.)
Tem?
(Silêncio.)
Tem?
(Silêncio.)
Ou tem?
- Eu não acho.
- Não?
- Não. Estou deprimida. Depressão é ódio. É o que você fez, é quem estava lá
e a quem você está culpando.
- A mim mesma.
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Preciso me tornar quem já sou e bradarei para sempre nesta incongruência que
me colocou no inferno
Eu me afogarei na disforia
em uma lagoa negra fria de mim mesma
o fosso da minha mente irrelevante
RSVP ASAP
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Às vezes me viro e sinto seu cheiro e não posso seguir é uma porra e não
posso seguir sem expressar essa terrível dor física terrível horrorosa pra
caralho e interminável que sinto por você. E não posso acreditar que posso
sentir isso por você e você não sente nada. Você não sente nada?
(Silêncio.)
(Silêncio.)
E saio às seis da manhã e começo minha procura por você. Se sonhei com uma
rua ou com um bar ou com uma estação vou lá. E espero por você.
(Silêncio.)
(Silêncio.)
Nunca tive problemas na vida dando a outras pessoas o que elas querem. Mas
ninguém ainda foi capaz de fazer isso por mim. Ninguém me toca, ninguém se
aproxima de mim. Mas agora você me tocou em algum lugar profundo pra
caralho que não consigo acreditar e não consigo fazer isso por você. Porque
não consigo te achar.
(Silêncio.)
Como ela é?
E como vou saber que é ela quando eu encontra-la?
Ela vai morrer, ela vai morrer, ela vai morrer mesmo.
(Silêncio.)
(Silêncio.)
Você acha que é possível uma pessoa nascer em uma época errada?
(Silêncio.)
Foda-se. Foda-se. Foda-se por me rejeitar nunca estando lá, foda-se por me
fazer sentir que sou uma merda, foda-se por sangrar a porra do amor e da vida,
foda-se meu pai por ter fodido minha vida para sempre e foda-se minha mãe
por não o ter deixado, mas acima de tudo, foda-se Deus por ter me feito amar
alguém que não existe,
FODA-SE FODA-SE FODA-SE
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- Me cortei.
- Não.
- Não.
- Te aliviou?
(Silêncio.)
- Te aliviou?
- Não.
- Então pergunte.
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Posso ver?
- Não.
- Não.
(Silêncio.)
- Achei que você faria isso. Muita gente faz isso. Alivia a tensão.
- Você já fez?
- ...
- Não. É um porra pra lá de são e sensato. Não sei onde você leu isso, mas não
alivia a tensão.
(Silêncio.)
- Sim.
- Então fale.
- PERGUNTE
ME
POR QUÊ
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- Porque me faz me sentir bem pra caralho. Porque é bom pra caralho.
- Posso ver?
- Não.
- Eu acho. A culpa não é sua. Mas você tem que assumir a responsabilidade
pelos seus atos. Por favor não faça isso de novo.
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Tudo passa
Tudo perece
Tudo se torna enfadonho
Sem esperança Sem esperança Sem esperança Sem esperança Sem esperança
Sem esperança Sem esperança
Daqui há dez anos ela ainda estará morta. Quando eu estiver vivendo com
isso, lidando com isso, quando alguns dias se passarem e quando eu nem
sequer pensar mais nisso, ela ainda estará morta. Quando eu for uma velha
vivendo nas ruas esquecendo meu nome ela ainda estará morta, ela ainda
estará morta, está
tudo
acabado
Ela é o conforto com quem nunca deitarei e não tem sentido viver na luz da
minha perda
Me encontre
me liberte
dessa
dúvida corrosiva
desse desespero fútil
Esgotamento nervoso
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- Nada de se ou mas
- Não poder dever nunca ter-quê sempre não será não deveria não
deverá
Os inegociáveis
Hoje não.
(Silêncio.)
(Silêncio.)
- Não?
- A culpa não é sua, é tudo que eu ouço, a culpa não é sua, é uma doença, a
culpa não é sua, eu sei que a culpa não é minha. Você me diz isso com tanta
freqüência que estou começando a pensar que a culpa é minha.
- EU SEI.
(Silêncio.)
- Não se deixa?
- Não há uma droga sobre a terra que possa fazer a vida significar algo.
- Você se deixa levar por este estado de absurdo desespero.
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(Silêncio.)
Não se deixa?.
(Silêncio.)
(Silêncio.)
- Sonhei que tinha ido à médica e que ela tinha me dado oito minutos de vida.
E ela tinha me deixado sentada na porra da sala de espera durante meia hora.
Tudo bem, vamos lá, vamos às drogas, vamos preparar a lobotomia química,
vamos estancar as funções mais importantes do meu cérebro e talvez eu me
torne um pouco mais capaz de viver.
Vamos lá.
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desagradável
inaceitável
desinspirador
impenetrável
irrelevante
irreverente
incrédulo
impenitente
antipatia
deslocamento
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desencarnado
desconstruído
Não imagino
(claramente)
que uma simples alma
podia
poderia
deveria
ou deverá
e se eles fizessem
não acho
(claramente)
que outra alma
uma alma como a minha
podia
poderia
deveria
ou deverá
inafetável
No native speakers
irracional
irredutível
irremediável
irreconhecível
descarrilhado
transtornado
deformado
livre de forma
obscuro ao limite do
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ainda doente
Sintomas: sem comer, sem dormir, sem falar, sem desejo sexual, em
desespero, quer morrer.
Lofepramine, 70 mg, dobrada para 140 mg, depois 210 mg. Ganhou doze
kilos. Perda de memória recente. Nenhuma outra reação.
Humor:
Comportamento:
Muito raivoso.
Venlafaxine, 75 mg, dobrado para 150 mg, depois para 225mg. Tontura,
queda de pressão sanguínea, dores de cabeça. Nenhuma outra reação.
Interrompido.
Escotilha se abre
Luz opaca
a televisão fala
cheia de olhos
os espíritos da visão
e agora estou com tanto medo
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Onde começo?
Onde paro?
Como começo?
(Como se eu quisesse ir em frente)
Como eu paro?
Como eu paro?
Como eu paro?
Como eu paro?
Como eu paro? Um tranco1 de dor
Como eu paro? Apunhalando meus pulmões
Como eu paro? Uma parada2 de morte
Como eu paro? Espremendo meu coração
Vou morrer
ainda não
mas está lá
1
Gíria para uma medida de droga (ex: uma parada de cocaína – um tranco de maconha)
2
Gíria para uma medida de droga também.
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Por favor...
Dinheiro...
Esposa...
um cobertor de baratas
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- NÃO ME OLHE
- Não me olhe
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Somos condenados
a párias da razão
acontecerá
mesmo preparados,
ainda assim serão destruídos
é o que acontecerá
Temam a Deus
Somos os miseráveis
que destituímos nossos líderes
e ainda queimamos incenso para Baal
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- Às 4h48
quando a sanidade vem me visitar
por uma hora e doze minutos fico em sã consciência.
Depois disso me vou outra vez,
uma boneca fragmentada, uma imbecil grotesca.
Aqui estou agora eu consigo me ver
mas quando estou encantada pela torpe ilusão da felicidade
da repugnante mágica dessa máquina de feitiçaria,
não consigo tocar na essência do meu eu.
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Por que é que você acreditou em mim naquela hora e agora não?
- ----
Escotilha se abre
Luz opaca
Aqui estou
E lá está meu corpo
(só o Nada)
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2
eu me conheço.
me vejo.
Às 4h48
vou dormir.
Você é meu médico, meu salvador, meu juiz onipotente, meu padre, meu deus,
o cirurgião da minha alma.
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superar a oposição
me defender
justificar o ego
receber atenção
desafiar a convenção
evitar a dor
evitar a vergonha
manter o auto-respeito
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reprimir o medo
superar a fraqueza
pertencer
ser aceita
comunicar, conversar
ser perdoada
ser amada
ser livre
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- É?
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- Não?
- Gosto de você.
(Silêncio.)
O que você dá aos seus amigos para que eles te apoiem tanto?
(Silêncio.)
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(Silêncio.)
Sinto sua dor mas não posso manter sua vida em minhas mãos.
(Silêncio.)
Você ficará bem. Você é forte. Sei que você ficará bem porque gosto de você
e não consigo gostar de pessoas que não gostem delas mesmas. Temo pelas
pessoas que eu não gosto porque elas se odeiam tanto que não deixam
ninguém gostar delas. Mas gosto mesmo de você. Vou sentir sua falta. E sei
que você ficará bem.
(Silêncio.)
A maioria dos meus clientes quer me matar. Quando saio daqui no fim do dia
preciso ir para casa para o meu amor e relaxar. Preciso ficar com meus amigos
e relaxar. Preciso mesmo estar junto de meus amigos.
(Silêncio.)
Odeio essa porra desse trabalho e preciso dos meus amigos para me manter
são.
(Silêncio.)
Desculpa.
(Silêncio.)
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- Eu sei. Estou com raiva porque eu entendo, não porque eu não entendo.
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Engordada
Dividida
Expulsa
Escotilha se abre
Luz opaca
e Nada
Nada
não se vê Nada
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gosto de você
gosto de você
calma água preta
tão funda como o infinito
tão fria como o céu
tão calma quanto meu coração quando sua voz se foi
devo congelar no inferno
um filme preto e branco de sim ou não sim ou não sim ou não sim ou não sim
ou não sim ou não
Sempre te amei
mesmo quando te odiei
Escotilha se abre
Luz opaca
a ruptura começa
Veja a estrela
preveja o passado
e mude o mundo com um eclipse de prata
um medo cíclico
isso não é a lua é a terra
Uma revolução
Engolido
Rasgado
Pendurado
Está feito
crânio
sem ferimento
a captura
o êxtase
a ruptura
de uma alma
um solo sinfônico
às 4h48
a hora feliz
quando a claridade visita
40
escuridão quente
que alaga meus olhos
Fala
Fala
Fala
Ninguém fala
Me torne legítima
Me torne presente
Me veja
Me ame
o parágrafo final
o último ponto final
nunca livre
me veja desaparecer
me veja
desaparecer
me veja
me veja
veja
fim
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