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Hellheim

-O Lobo Infernal-

-A Criança da Morte-

Autor: Pedro Guilherme Martins Mororó

1
Dedico esse livro a todas as sessões de
RPG que eu joguei com os meus
amigos, fui criar a história de um personagem
e claramente perdi o controle.

2
SUMARIO:
UM
O começo depois do fim. 06
DOIS
Uma terra fria, uma casa acolhedora. 15
TRÊS
Um tour pela vila do reino da morte. 22
QUATRO
Galinhas me ensinam como viajar pela floresta do espaço tempo. 32
CINCO
Incrivelmente consigo me transformo em um cubo de gelo "vivo”42
SEIS
Enfim chega a hora de ir para a Bifrost. 56
SETE
Conheço as irmãs guerreiras aladas, e apanho para variar. 65
OITO
Revelações sobre o passado e visitas inesperadas. 82
NOVE
Histórias do passado sobre uma caçadora solitária. 97
DEZ
Uma promessa entre quase irmãs. 116
ONZE
Hora de voltar para casa pequeno lobo. 126
DOZE
Um bom sonho. 146

3
TREZE
O melhor presente de aniversário. 155
QUARTOZE
Até mais Rolf! Sentiremos sua falta. 176
QUINZE
O reencontro mais esperado. 189
DESESSEIS
Tentaram roubar um Ogro e um filhote de fera. 201
DEZESSETE
Os três reis demônio finalmente se mostram. 210
DEZOITO
Sonhos confusos que não me deixam relaxar. 223
DEZENOVE
Morte na família. 238
VINTE
Novas cicatrizes cobrem o meu corpo. 253
VINTE UM
Passados forjados em sangue, metal e fogo. 262
VINTE DOIS
Como reviver um deus. 280
VINTE TRÊS
LOKI. 295
VINTE QUATRO
BERSERK. 315
VINTE CINCO
O menino que sobreviveu. 329

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VINTE SEIS
A Criança da Morte.

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UM
-O começo depois do fim-

Não temos opção de escolher o mundo onde nascemos, nem


como ou onde, a única coisa que nos resta é aproveitar e tentar viver
ao máximo a dádiva da vida que nos foi concedida. Eu nasci em
uma vila muito isolada ao norte de Midgard, a terra dos homens,
uma vila chamada Magni, que cultua a representação da força bruta,
graças a isso a força física elevada sempre foi algo comum entre
todos os habitantes, porém, no meu caso nasci um pouco diferente,
enquanto até as crianças de pouco mais de dez anos de idade já
aparentavam ser mais fortes que o normal graças a benção do Deus,
eu sempre fiquei para trás, mais fraco que todos os outros, o que
decepcionava todos os habitantes da vila.
Nasci em um dia de tempestade, era o pior dia do inverno, de
acordo com o meu pai foi um nascimento difícil, minha mãe sofreu
bastante com o parto que chegou a durar mais de um dia.
Infelizmente ela não conseguiu resistir e acabou morrendo logo em
seguida, o nome dela era Bella, meu velho disse que ela rezou para os
deuses para que pelo menos eu sobrevivesse, dizia também que eu
era igual a ela, pequeno com a pele bem clara, olhos azuis e cabelo
totalmente negro, me deram o nome de "Rolf", significava "Lobo
Único", disseram que minha mãe escolheu quando engravidou. Já o
meu velho pai se chamava Thorfinn, ele era o líder da vila, e pela
cultura da região, era o mais forte também, ele tinha uma
personalidade marcante, vivia alegre e determinado, não importava o
que acontecesse, era um bom pai e um ótimo líder para todos. Isso
acabou pesando muito para mim por causa do meu problema de ser
o mais fraco, graças as altas expectativas que as pessoas tinham em
mim quando nasci, sempre senti que eu acabava envergonhando-o
por não conseguir nem segurar um machado direito, mas ele nunca
me repreendeu e sempre me motivou o máximo que podia, na
verdade me ensinou a nunca abaixar a cabeça para ninguém, o que
fazia eu entrar em vários conflitos com as crianças da minha idade e
com os mais velhos as vezes.

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Várias vezes notei a diferença entre mim e as outras crianças,
quando tentaram nos ensinar combate corpo a corpo perdi para
todos, minha resistência também sempre deixava a desejar. Podia
ouvir os comentários dos adultos falando o quão decepcionante era
o filho do grande líder ser mais fraco que as meninas que tinham
dois anos a menos.
Porém, a minha vida foi ficando mais complicada ao longo
do tempo, as pessoas nunca falavam na minha cara, os adultos pelo
menos, principalmente quando meu pai estava por perto, mas eu
conseguia sentir o ódio e o desprezo no olhar delas, eles me olhavam
como se eu fosse uma praga e me tratavam de acordo.
Era um dia como qualquer outro, a neve não estava grossa, a
região norte vivia coberta de neve, mas era um dia mais tranquilo,
assim eu sai da cama e me preparei para ignorar o dia, não era
especial para mim como deveria ser. Encontrei o meu pai perto da
porta e ele estava conversando com o meu tio Ragnar, ele era o
conselheiro do meu pai, enquanto ele liderava a vila resolvendo
todos os problemas, o meu tio ajudava aconselhando em casos mais
complicados, mas ele não agia sem o comando do meu pai, que eu
saiba. Ambos estavam na porta conversando, meu velho parecia um
pouco ansioso, como se algo tivesse o incomodando bastante, já
Ragnar estava tentando acalmar ele com um sorriso característico
dele, acabei pegando só o fim da conversa.
—Você sabe que não tem com o que se preocupar, ele vai
ficar bem comigo, irmão.
Ragnar falou isso enquanto tentava animar meu pai que
estava visivelmente apreensivo.
—Não sei, você sabe que eu tenho medo, ele não é igual aos
outros, e se algo acontecer?
Meu pai falava isso enquanto mexia em sua barba, pensando
bastante, ele logo notou que eu estava chegando e os ouvia
Ele se virou para mim, e se ajoelhou tentando ficar na minha
altura, não conseguiu, meu pai era bem grande, dois metros, tinha
uma barba e cabelo extravagante de cor castanho escuro e olhos

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azuis, portava vestes pesadas de frio, mas os braços eram
descobertos e cheio de cicatrizes e tatuagens tribais, tirando pelas
braçadeiras. Meu tio ficou em pé atrás, ele só era um pouco mais
baixo, mas ainda parecia uma montanha, o cabelo dele era da mesma
cor de meu pai, tinha um rabo de cavalo e as laterais eram raspadas,
já os olhos eram verde claro e me lembravam mais de uma cobra.
O meu pai se aproximou com um sorriso, me abraçou e
perguntou se eu estava feliz por fazer onze anos, porém, o meu tio
que estava alegre e sorrindo antes, quando o meu pai desviou o
olhar, fechou a cara e cruzou os braços, e o olhar de desprezo apesar
de bem mais sutil que a maioria, ainda existia, ele só o revelava de
fato quando eu não estava olhando, mas consegui perceber, o
mesmo olhar que todos os outros da vila direcionavam a mim.
Depois do abraço, meu pai segurou meus ombros e começou a falar.
—Filho, hoje você faz onze anos de idade, eu sei que não é a
sua culpa não ter conseguido até agora, mas todos na vila têm o seu
papel, algo que eles devem fazer para ajudar a nossa vila a se manter.
O tio Ragnar estava falando comigo e sugeriu que você fosse um
dos rastreadores.
Rastreadores, eles são os assistentes dos times de caça, eles
acham tocas ou presas boas, normalmente são as pessoas mais ágeis
da vila, que podem conseguir fugir e se esconder de predadores.
Admito que parecia interessante, como era uma comunidade em que
todos se ajudavam era necessário que cada um tivesse uma função e
essa era uma das poucas que ainda não tinha tentado.
—Ragnar se prontificou para ensinar a você, ele era um
rastreador quando éramos mais jovens, talvez seja a função perfeita
para você não acha? Se for ele, eu tenho certeza que você vai
conseguir virar o melhor que a vila já teve.
Apesar dele falar bem da habilidade do meu tio, ele estava
ansioso, já o meu tio transpareceu um pouco de orgulho, então acho
que a experiência dele era real. Era isso que ele queria, acho que ele
cansou de o inútil da vila ficar parado sem tentar nada.

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Por fim, meu pai perguntou se eu queria ir, eu estava
preocupado, não igual ao meu pai que estava suando o suficiente
para encher um balde, mas eu tinha um medo genuíno do meu tio,
diferente dos outros, era como se ele escondesse as intenções o
tempo todo, não só de mim, mas de todos ao redor dele, porém, se
tivesse uma chance de não decepcionar mais o meu pai,
simplesmente disse para mim mesmo que valia a pena ir. Concordei
com a cabeça e o meu tio me chamou para irmos logo pela manhã,
enquanto saía meu pai deu um último aviso para o Ragnar.
—Lembre-se, Ragnar, não corra nenhum risco, nessa época
do ano os animais são especialmente mais violentos, não seja
imprudente.
Ele falou isso conforme nos afastamos, mais preocupado do
que nunca. Já o Ragnar deu de ombros e falou em seguida
debochando.
—Você se preocupa demais meu irmão, tem algo nesse lugar
que possa me derrotar além de você?
Seguimos pela vila enquanto troquei olhares com algumas
pessoas, principalmente com a crianças, até que paramos no
armazém de armas da vila. Ele parou se virou para mim e falou.
—Fique aqui enquanto eu vou pegar algumas coisas para o
seu treinamento.
Logo depois ele foi falar com o ferreiro que cuidava do
armazém, ele conversaram por um tempo e pude ver o homem que
guardava as armas me olhando no canto do olho e dando um sorriso
fraco. O Ragnar entrou logo em seguida enquanto eu fiquei
esperando encostado do lado de fora quieto, até que minha paz foi
arrancada de mim.
—EI ABORTO! TA DECEPCIONANDO TODO
MUNDO DE NOVO?
Olhei para a direção da voz e uma dor de cabeça gigantesca
surgiu no momento que meus olhos encontraram com o autor do
grito. Seu nome era o Magnus, ele era a criança prodígio da vila, um

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ano mais velho, mas com tamanho e musculatura muito mais
desenvolvido que a minha, ele tinha cabelos ruivos escuros e olhos
pretos, pele um pouco mais escura em comparação a minha e
gostava de ostentar uma cicatriz de mordida de lobo idiota que ele
tinha no braço direito. Ele parou de braços cruzados e olhou para
mim de cima para baixo e começou a falar.
—Fazendo nada o dia inteiro fracasso? Ou por acaso vai
tentar estragar tudo de novo?
—Vai arrumar o que fazer idiota. Se tem tempo para perder
me enchendo o saco tem tempo para ajudar a colher frutas.
A cara de deboche dele se curvou em uma de raiva, o nariz
parecia ter um tique nervoso, ele bufou e veio até mim, bateu o
punho acima da minha cabeça com força. Comecei a suar frio, estava
nervoso, falei sem pensar e tinha me arrependido de provocar
alguém que eu não podia correr, logo após bater na parede ele falou.
—Escuta aqui sua merdinha, se não fosse pelo seu pai eu já
tinha te dado de comida para um urso, mas enquanto o líder te
aturar vou ter que me contentar em quebrar os seus ossos!
Escutei aquilo engolindo seco, sabia que ele não ia quebrar o
meu braço, mas iria me bater até eu desacordar.
—Vai ficar caladinho agora? Eu sabia, um feto sempre vai ser
um —BLURR!
No momento em que ele baixou a guarda peguei primeiro
plano idiota que passou na minha cabeça e pus em pratica dando
uma joelhada no saco dele. Ele tombou para trás com dor após o
choque e pôs as mãos nas genitais para proteger, aproveitando essa
nova brecha eu peguei uma ripa de madeira que estava do meu lado
antes e dei com tudo na cara dele fazendo um corte leve na
bochecha. Logo depois o cansaço me venceu e eu observei ele caído
no chão, o problema foi o que veio depois.
Ainda no chão e sofrendo pela dor, Magnus olhou para mim
com uma cara de irá, agora eu ia morrer. Não tinha mais nenhum
plano e para piorar outros dois amigos dele que estavam atrás

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espantados agora vinham para cima com tudo. Um deles veio direto
e me deu um soco que mesmo eu colocando os braços na frente foi
forte para me empurrar contra a parede e sem me deixarem
descansar começaram a me espancar no chão enquanto eu usava os
braços para me proteger a minha cabeça. Magnus logo se levantou,
empurrou os outros e enfiou um chute com tudo na minha barriga,
senti minhas entranhas se revirarem, antes os dois estavam pegando
leve, mas o Magnus estava vindo para me matar. Tomei um segundo
chute e senti minha consciência desligando e voltando com tudo, e
quando ia levar o terceiro fechei os olhos esperando o ataque vir,
mas não veio nada.
Quando abri meus olhos e o Magnus estava sendo erguido
pelo pescoço, ele claramente não conseguia respirar e estava
desesperado, quem estava o erguendo era o Ragnar que estava
irritado o segurando com uma única mão. Magnus tentou socar meu
tio na cara diversas vezes, mas era como se os socos atravessassem o
rosto do gigante brutamontes que estava impaciente e começou a
falar.
—Você não tem nada melhor para fazer pirralho idiota? Tem
que atrapalhar justo quando eu vou sair com o menino?
Ainda segurado pelo pescoço como se não fosse nada o
Magnus foi arremessado por oito metros de distância direto no chão
coberto de neve, de longe ele ouviu o Ragnar gritar.
—SE EU VER ESSA TUA CARA HOJE DE NOVO
NÃO VAI SER DO GAROTO QUE VOCÊ VAI TOMAR
UMA SURRA! ENTENDEU?
Ele me puxou pelo capuz do casaco e me pôs em pé e falou.
—Vou te levar para casa. Vamos.
—Você... Não ia me ensinar?
Ainda sem ar pelos golpes eu falei, ele nunca foi de se
preocupar com a minha integridade física, resolveu demonstrar
preocupação agora?
—Você não está em condi-

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—Eu consigo... só preciso respirar um pouco..., mas ainda
consigo...
Cortei a fala dele no meio e ele me observou por um tempo
em silêncio e voltou a falar.
—Pelo menos puxou a teimosia dele. Vamos então.
Após isso, nós seguimos para uma planície que ficava em
frente a floresta. A caminhada durou um tempo, ele estava me
guiando para bem longe da vila, ela estava quase sumindo no
horizonte. Fiz algumas perguntas durante o percurso, mas ele
ignorou todas, era um silêncio quase sufocante, me sentia um coelho
caminhando ao lado de um urso claramente irritado, estava bastante
nervoso. Após chegarmos no começo da floresta, ele começou uma
pequena explicação.
—Você vai se esgueirar pela mata, tentando se manter fora de
vista de predadores, faça o mínimo de movimentos possíveis. Aqui,
pegue isso, e se esfregue no chão para disfarçar o seu cheiro, se os
lobos não conseguirem te diferenciar da floresta vou ter menos
trabalho para te salvar.
Ele me lançou uma faca e disse para usar em caso de
emergência, eu estava esperando sinceramente não a usar. Logo em
seguida me explicou poucas coisas, praticamente não tinha quase
nada útil. Após isso eu segui bem devagar pela floresta.
Nós andamos bastante, apesar dele ser ignorante e claramente
não ligar para minha segurança, ele era bastante hábil, fazia o
mínimo de barulho e andava na floresta de maneira bem rápida, já
eu tinha que pensar antes de cada passo. Quando achamos um cervo,
ele sacou o arco que carregava e atirou acertando o pescoço do
animal e o matando no processo, o cervo caiu sem fazer barulho, eu
não gosto de matar animais, mesmo sendo para sobreviver. Ele me
mandou cortar a carne do cervo para colocar na bolsa que eu havia
trazido, andei até o corpo e fui cortando com bastante dificuldade,
mas chegou uma hora que ele perdeu a paciência, me jogou para trás
e começou a fazer no meu lugar

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—Não consegue nem cortar um bicho morto, puta merda,
garoto.
Fiquei atrás dele só observando enquanto ele cortava e enfiava
na bolsa dele, só que eu o vi colocando um pote dentro da bolsa
também, só ignorei, eu estava preocupado demais em me mostrar
útil. A gente continuou andando até achar uma pequena toca de
lobos, ele só me ignorava até então, mas quando chegamos perto
dessa toca, ele só me mandou ir por uns arbustos.
—Faça o seguinte se não quiser morrer, vá para perto dos
lobos pelos arbustos e analise a toca, depois volte aqui e me conte
tudo que você perceber.
Ele me falou isso e me emburrou de leve, como se dissesse
para eu ir rápido para não perder tempo.
Eu fiz imediatamente isso, andei bem devagar e me escondi
pelos arbustos, sem esquecer de passar terra em mim para disfarçar o
cheiro, com isso eu cheguei perto da toca e vi que tinha um bando
particularmente grande de lobos, oito no total, dentre eles tinha uma
fêmea um pouco escondida no interior, ela parecia grávida, a barriga
estava bem grande em comparação com os outros, pensei comigo
mesmo que eles não conseguiriam sair dessa área por causa disso.
Depois de pensar nisso era hora de virar para repassar a informação
para o meu tio quando vi um saco de carne voando por cima de
mim e caindo em frente a caverna dos lobos atraindo a atenção deles
que começaram a rasgar e devorar o que tinha dentro, enquanto eu
olhava em choque virei para o meu tio.
—Tio Ragnar? O que você está... AH!
Nesse momento ele me interrompeu me cobrindo de sangue,
o sangue que ele tinha guardado naquele pote de antes, fiquei muito
atordoado, tinha sangue nos meus olhos, mal estava conseguindo
enxergar.
—Tio... socorro... eu não consigo enxergar... me ajuda...
Eu tentava tirar o sangue dos meus olhos enquanto os
grunhidos dos lobos ficavam cada vez mais altos, o barulho da carne

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do cervo rasgando também aumentava a cada segundo. Quando eu
finalmente consegui enxergar o Ragnar ele estava com uma flecha
apontada para minha direção, os olhos dele pareciam de um
verdadeiro demônio e um sorriso largo e distorcido estampava a cara
dele.
—Você sabe que isso ia acontecer uma hora ou outra né?
Gente como você serve só como peso, igual aos animais dessa
floresta o mais fraco acaba ficando para trás. Mas olhe pelo lado
bom, pelo menos você vai servir para alguma coisa, pena que não vai
viver para saber disso.
Com isso, ele disparou a flecha que veio direto na minha
testa. Ela me atingiu e eu senti o meu corpo ser arremessado para
trás passando pelos arbustos, a dor era indescritível, mas ela durou
menos de um segundo e junto com o fim da dor veio a escuridão, a
última coisa que eu ouvi foram os rosnados dos lobos vindo para
cima de mim enquanto ia de encontro ao chão, senti meu corpo
pesar, senti como se algo fosse arrancado de mim.
E foi assim que eu morri.

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DOIS
-Uma terra fria, uma casa acolhedora-

Eu abri os olhos com muita dificuldade, estava com uma dor


de cabeça monstruosa. A cena da flecha chegando em mim ainda
estava bem viva na minha cabeça, o sorriso dele, os olhos
demoníacos, não houve sequer hesitação., porém não estava mais
naquele lugar. O cenário que eu estava era muito mais estranho do
que havia acontecido há minutos atrás, o céu era cinzento, mas não
de uma maneira natural, era como se uma névoa cobrisse tudo, não
deixando passar a luz do sol, mesmo assim não estava escuro,
parecido com um clima de chuva. Eu havia acordado no meio de
uma ponte de pedra, na minha frente o caminho seguia um pouco
até que se desfazia, já para o outro lado tinha um portão de madeira
muito longe e logo em seguida uma vila, onde eu estava?
Me levantei e percebi uma coisa, estava muito frio, mas não
era um frio comum, era como se meu sangue fosse solidificar e meu
corpo quebrar a qualquer segundo, era muito mais gelado do que a
minha vila, insanamente mais, não conseguia entender onde infernos
estava. Comecei a andar para frente em direção ao fim da ponte
quase que de maneira automática enquanto o frio estava pesando o
meu corpo, não estava pensando direito, só rezava para que isso
passasse, que fosse um sonho e eu acordasse logo. A medida que me
aproximava do fim da ponte conseguia ver que ela acabava em um
abismo gigantesco e circular, também vi que era absolutamente
escuro lá embaixo, quase como se toda a luz fosse devorada, me
aproximei ainda mais, estava quase no último bloco de pedra da
ponte e comecei a escutar algo, um sussurro, eu não entendia nada,
mas sentia que estava me chamando, como se quisesse que eu
chegasse mais perto, como se quisesse me ajudar.
Estava lá, parado, mais um passo para frente e iria cair no
abismo escuro, conseguia sentir como se algo lá no fundo estivesse
tentando falar algo, pensei em me agachar para ouvir melhor e assim
que o fiz algo me puxou por trás. Senti algo subitamente me
pegando pela camisa e quando fui olhar o que era senti que tinha
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sido arremessado como uma estrela cadente para longe do abismo, a
pressão foi tanta que desmaiei na hora pela velocidade, o ar foi
arrancado dos meus pulmões pela diferença de pressão. A última
visão que tive foi de uma pena caindo na minha frente e uma voz
feminina falando alguma coisa, depois disso minha consciência
desligou de vez e só voltei a acordar horas depois.
Acordei de volta em uma planície coberta de neve, ao longe vi
a minha vila, tinha voltado para casa, onde quer que estivesse era só
um sonho bem estranho, ao meu redor tinha uma poça de sangue
misturada com a neve, tão grande que a neve geralmente grossa da
planície não conseguia reter tudo, então não foi um sonho? Fiquei
olhando o sangue enquanto pegava na minha testa que estava
intacta, isso mal durou, logo eu escutei uma voz que cortou o meu
foco.
—ROLF! VENHA PARA CÁ, EU ESTAVA
PREOCUPADO!
Vi o meu pai ao longe gritando por mim, corri em disparada
assim que o vi, ele estava com um sorriso cansado de alivio, porém
conforme corria para perto da vila o céu ficava cada vez mais escuro,
várias nuvens de tempestade descarregavam a própria fúria de Thor
na terra e enquanto tudo isso acontecia o meu pai gritava para mim.
—ROLF! RÁPIDO! ESTÁ FICANDO ESCURO FILHO!
Apertava cada vez mais o passo em direção a ele. Só que
quando eu estava chegando perto, vi uma sombra saindo de trás
dele... Era o Ragnar.
—PAI! ATRÁS DE VOCÊ! FOI O RAGNAR!
Ele não me escutou, estava desesperado gritando na esperança
dele me ouvir e quebrar a cara do meu tio no soco, mas ele não me
ouvia.
—PAI! ELE ESTÁ ATRÁS DE VOCÊ! ELE VAI TE
ATACAR!
Enquanto falava isso, Ragnar levantou um machado de cobre
e estava se preparando para atacar meu pai pelas costas. Eu estava

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quase chegando nele, quase lá, tão perto, mas quando iria alcançar os
braços do meu pai vejo o meu tio com o machado levantado
descendo e golpeando na diagonal o pescoço do seu irmão.
Meus olhos e corpo travaram, vi a cabeça do meu pai sair do
corpo espalhando todo o sangue pela neve e em mim, e quando
finalmente atingiu o chão a face dele estava virada para mim. Eu
estava completamente horrorizado enquanto o rosto morto do meu
pai me encarava de volta, para piorar ele começou a falar comigo.
—Por que... Por que não impediu...? Você já tirou minha
mulher de mim e não consegue ao menos impedir a minha morte?
SEU INÚTIL! ISSO É CULPA SUA! SEU PEDAÇO DE
MERDA FRACO! VOCÊ É UMA DECEP—
De repente a cabeça dele foi completamente esmagada pelo pé
do meu tio, só sobrou o olho dele inteiro, já o crânio estava
esmagado com a bota suja de sangue em cima.
—Eu acho que já chega, não é? Até para mim isso estava
sendo demais, parece que você voltou até aqui só para ver o fim da
história, mas acho que você já pode se juntar a ele. Tchau sobrinho
querido.
Ele me olhava de cima para baixo com os olhos vermelhos,
sedentos, sua forma não lembrava mais um humano, estava
se deformando na minha frente, dentes mais afiados, o crânio se
deformou criando mais dois olhos, pele mais grossa e amarronzada e
uma cauda de ossos podres que terminavam em uma ponta afiada. O
machado havia sumido, suas mãos viraram garras enormes que
pingavam sangue, nessa hora o meu corpo gritava algo para mim,
"CORRE!".
Tentei fugir em disparada, mas as garras gigantescas já
estavam descendo e no que olhei para trás durante a corrida vi a
garra chegando perto de mim, quando ela iria me atingir, com
menos de um centímetro de distância, acordei.
Eu estava em uma casa, em uma cama, pela janela vi o mesmo
cenário antes, céus cinzentos cobriam todo o céu, tinha uma floresta
com folhas azuladas e cobertas de neve ao longe, já perto pude ver

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uma vila bem grande por fora da janela, várias pessoas andando e
conversando, crianças, velhos... Pessoas com orelhas pontudas?
Pessoas bem pequenas?... O lugar conseguiu ficar mais estranho.
Desci da cama e me vi em um quarto bem simples, tinha uma cama
bem confortável com um armário do lado e uma janela, só isso,
passei pela porta do quarto onde acordei, fui pelo corredor e desci
pela escada bem devagar, até ver uma senhora sentada em uma
mesinha, uma mulher com cabelo vermelho levemente escuro com
várias partes grisalhas, pele escura, chifres pretos e da cintura para
era cheio de pelos e tem cascos no lugar dos pés? É uma mulher
cabra? Observei do topo da escada por um tempo, com medo de
descer tudo, até que ela me chamou.
—Você finalmente acordou! Desça para tomar um chá, você
deve estar bem confuso com o que aconteceu.
Ela falava isso enquanto acenava para eu descer, fui bem
devagar, receoso, fui até a mesa em que ela estava e me sentei
morrendo de medo. Ela por sua vez notou e tentou continuar uma
conversa.
—Então, quem é você, pequeno garoto? Não é normal uma
valquíria trazer um garotinho para a vila.
Eu fiquei confuso, estava bastante surpreso com tudo que
tinha acontecido até agora, com o fato dela ser uma mulher cabra
principalmente, mas "valquíria" era uma palavra que eu nunca tinha
ouvido falar, então resolvi perguntar
—O que é uma valquíria?
Meu pai dizia que existem vários seres diferentes que andam
pelo mundo, apesar de eu nunca ter visto nenhuma das pessoas das
histórias que ele me contava.
Ela passou a mão no cabelo como se pensasse um pouco antes
de começar a falar.
—Você não sabe sobre as lendárias guerreiras de Helheim?
Acho que é normal, você é só uma criança, não deve saber muito.
Tudo bem eu vou lhe explicar, você já sabe sobre os 7 reinos, certo?

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Neguei com a cabeça e ela respirou fundo.
—Humanos não tinham escolas? Não importa, por onde eu
começo?
Ela começou a pensar. O medo estava passando aos poucos e
eu parei para observar a casa, era bem limpa, tinha alguns armários e
uma lareira na sala onde eu estava, a mesa ficava perto de uma janela,
e dessa janela eu vi algo que não tinha notado antes. Um gigantesco
castelo estava parado no céu, de uma cor azulada e completamente
surreal, era algo inacreditável. Vendo que eu estava prestando tanto
atenção na fortaleza flutuante a mulher que ainda estava buscando
um jeito de me explicar tudo que eu não sabia voltou a falar.
—Então você gostou do castelo? A rainha dessa terra mora lá,
inclusive o nome desse reino foi inspirado no nome dela.
Me virei para ela, estava realmente curioso sobre o castelo,
mas tinha vergonha de perguntar. Ela vendo que eu não ia falar
continuou.
—A grande rainha Hel mora lá, a Deusa da Necromancia e
regente dessas terras, ela reina sobre tudo aquilo que não tem vida, o
frio reino morto de Helheim. A terra dos mortos, onde as almas
daqueles que não morreram de forma honrosa deveriam vir e sofrer
pela eternidade, apesar de isso não acontecer mais.
Ela falou essa última frase com um pouco de revolta e nojo,
mas isso não importava, o que realmente importava era:
—Reino morto?... Eu morri?
Encarei ela como se buscasse qualquer coisa que negasse isso
de qualquer jeito, mas ela que estava falando simplesmente travou e
começou a olhar para baixo.
—Você não percebeu... Eu sinto muito deveria ter
imaginado, mas sim, você acabou morrendo, mas olha...
Ela continuou falando, mas a minha mente já estava em outro
lugar. Eu morri então? Aquela flecha realmente me atingiu? Por que
o meu tio fez isso? Mesmo que ele fosse um idiota, nós não

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devíamos ser uma família? E o meu pai? Ele vai fazer isso com ele? o
pesadelo vai se tornar realidade?
—Garoto?
Ele vai matar o meu pai.... Definitivamente ele vai matar o
meu pai! Aquela cara dele, eu sempre tive medo dela. Eu tenho que
voltar de qualquer jeito!
—Ei, está me escutando?
Eu tenho que sair daqui! Eu tenho que voltar! Eu preciso
arrumar um jeito de voltar para casa. Se eu for rápido posso
conseguir avisar o meu pai! Se eu demorar ele vai trair meu pai
também! Eu tenho que voltar. Eu tenho que voltar. EU TENHO
QUE VOL-
—EI, ME ESCUTA!
A moça tentou fazer eu voltar a qualquer custo e tacou chá
em mim, não sei se foi o choque da água do chá na minha cara, ou o
fato de estar quente para porra e só não ter queimado a minha pele
porque eu... estou morto, mas funcionou para me trazer de volta.
Ela olhou para mim bem preocupada, finalmente tinha saído do
transe e voltei a olhar para ela:
—Você realmente não notou que morreu né, eu tentei falar
alguma coisa para te confortar, mas você começou a hiperventilar e
balbuciar algumas coisas igual a quando chegou aqui... Você quer
falar sobre isso? Não precisa contar se não quiser.
Ela levantou depois de falar e foi atrás de algo para me
enxugar, enquanto isso eu só olhava para baixo, refletindo sobre
tudo que aconteceu até agora. Ela voltou depois de um tempo com
um pano e começou a secar o meu cabelo tentando puxar assunto de
novo.
—Desculpa por não ter notado, eu tive uma reação pior
quando me contaram, não consegui acreditar de primeira, mas aqui
não é tão ruim quanto parece, aqui é um lugar ótima, só tem pessoas
boas e gentis aqui, posso garantir que você vai viver uma boa vida
aqui.

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Ela terminou sorrindo e após me secar levantou e se dirigiu a
um armário onde tinha comida. Antes dela chegar lá, vendo que ela
estava se preocupando muito comigo acabei me sentindo mal, ela era
muito gentil, então pensei em algo que podia fazer ela relaxar, apesar
de ainda ser difícil confiar em uma senhora que nunca vi na vida.
—Você pode me mostrar a vila?
Ela se virou, deu um sorriso caloroso e mudou a rota, foi lá
em cima, voltou depois de um tempo com um casaco e um cachecol
bem grande em volta do pescoço e em uma das mãos outro casaco
que acho que era para mim, apesar de ser grande para o meu
tamanho. Ela o estendeu logo em seguida e perguntei se era para
mim, ela acenou com a cabeça e me ajudou a colocar, como eu
pensei ficou realmente grande em mim, mas era bem quentinho.
Depois disso ela pegou a minha mão e me levou até a porta, mas
antes de abrir ela fez uma última pergunta antes da gente sair:
—Acabei esquecendo de perguntar o seu nome pequenino,
qual é?
Eu estava olhando para frente e virei para olhar para cima,
notei naquela hora que ela era bem mais alta que eu. Falei o meu
nome um pouco tímido.
—Meu nome é Rolf, filho de Thorfinn.
Ela sorriu novamente e respondeu
—Prazer Rolf, filho de Thorfinn! Meu nome é Breeta,
pronto para o passeio?
Eu concordei com a cabeça e ela abriu a porta, passamos logo
em seguida e me vi naquela vila que parecia algo saído de um sonho,
tinha uma floresta que rodeava a casa e ao longe várias pessoas
vivendo alegremente com várias casas bem feitas bem espalhadas,
uma visão bem diferente do que eu havia me habituado. De tanto eu
olhar acabei não notando que a mulher cabra já tinha começado a
andar, ela sem querer me puxou para frente, no susto ela se virou e
disse.
—Aconteceu alguma coisa?

21
—Não! Não, não, só me distrai, desculpa. A vila parece
muito legal.
—Vai adorar ainda mais quando conhecer as pessoas.
Depois disso nós seguimos para ver o toda a vila.

22
TRÊS
-Um tour pela vila do reino da morte-

Nós saímos para a vila e eu voltei a ver aquele cenário que


tinha visto do quarto, diversas pessoas andando, cada uma mais
diferente do outra, vivendo por aí como se estivesse tudo normal,
pessoas pequenas, pessoas altas, de pele cinza, com pernas de cabra,
e juro que vi uma com cabeça de lagartixa. A Breeta me guiava
enquanto mostrava a vila inteira, tinha taverna, algumas lojas e um
ferreiro, algumas pessoas passavam por nós com carroças sendo
levadas por búfalos. Fora isso algumas cumprimentavam a Breeta e
ocasionalmente perguntavam sobre mim, um deles foi o Eldrick,
umas das com orelhas bem pontudas, ele chegou começou a
conversar:
—Oi Breeta! Como está?
—Oi Eldrick, é bom te ver, como está a fazenda?
A conversa continuou por um tempo com eles colocando o
papo em dia, até que ele me notou um pouco escondido atrás dela.
—Entããããoo, quem é o pequeno garotinho, é a primeira vez
que vejo você pela cidade, é novo?
—Ele é o Rolf, você... é! Considere ele meu neto, vai viver
comigo por agora.
Ela falou isso enquanto eu me escondia atrás dela e observava
aquele homem de cima para baixo, achei estranho ela me chamar de
neto assim do nada, mas tudo bem eu acho. Ele era magricelo, tinha
um cabelo curto raspado nas laterais de cor castanha, uma altura
média e orelhas pontudas, além de uma cara de idiota, mas parecia
um cara legal. Continuei escondido atrás da Bretta e ele na tentativa
de me fazer rir começou a fazer várias caretas, porém a Bretta
interrompeu o show dele.
—Eldrick, você quer que ele te ache simpático ou idiota?
Ele se levantou e sua cara se fechou em tristeza.

23
—Você nem me deu um coice, mas isso doeu tanto quanto
um.
—Você que é sensível demais, pode tentar de novo depois, a
gente ainda tem que falar com outras pessoas.
—Ok, tudo bem. Depois eu te visito ou sei lá, até depois
Bretta e pequeno Rolf.
Depois disso ele seguiu o caminho pela vila, já eu e Bretta
voltamos a andar, no caminho ela me explicou que o Eldrick
cuidava de uma fazenda e de vez em quando deixava uma caixa com
mantimentos para ela.
—Bretta?
—Oi querido, precisa de alguma coisa?
—Não, eu estou bem. Qual a sua função nessa vila?
—Ah, eu sou uma faz-tudo! Não gosto de fazer uma coisa só,
ficar alternando tira o tédio e me deixa ativa. Por que a pergunta?
—Na minha vila todo mundo tinha que ter uma função fixa,
apesar de eu não ter uma.
—E por que uma criança teria uma função? Crianças tem que
brincar, trabalhar é coisa para os adultos.
—Hum, entendi...
Após nossa conversa nós conhecemos mais algumas pessoas
até ela me apresentar a Monna que era a ferreira da vila, uma das
amigas da Bretta, ela era enorme com mais de dois metros, pele
esverdeada e dentes gigantescos que pareciam presas, além de
aparentar ter força para me quebrar em dois como um graveto, acho
que a casa ela também quebrava ao meio. Elas conversaram
enquanto eu esperava fora da forja e quando finalmente entrei fui
chamado e a Bretta me apresentou
—Monna esse é o meu neto Rolf, ele vai morar comigo a
partir de agora, espero que você cause uma primeira impressão
melhor do que o Eldrick.

24
—Bom dia, eu sou o Rolf, prazer em conhece-la senhorita
Monna.
A Monna saiu de perto da Bretta, andou até mim, se agachou
para tentar ficar na minha altura, não conseguiu para variar, e
começou a me encarar com um olhar sério. Do nada ela
simplesmente me agarrou com as mãos gigantes dela e me levantou
no ar me encarando, a Bretta estava olhando assustada para a amiga,
até que a gigante falou:
—Fofo... Vou ficar com ele ok?
—É claro que não Monna, desce o menino, ele está
assustado!
—Tá nada.
Sim eu estava... Por Odin, eu achei muito que ia virar farinha.
—Você fica com o próximo, ele é adorável! Pode até me
ajudar na forja! Deixa vai.
—Desce o meu neto logo dentuça de merda, eu vou enfiar o
meu casco no meio da tua fuça.
A Monna me puxou para perto e tentou me esconder da
Bretta com o corpo gigantesco dela enquanto elas continuaram
discutindo.
—Vou ficar com ele cabra velha, arruma outro.
—TU ME CHAMOU DE QUÊ, SUA VACA COM
CÉREBRO DE MÚSCULO? EU VOU DAR NA TUA CARA!
—Sai para lá vai machucar o pequenino.
Eu fui girado várias e várias vezes pelas tentativas da ferreira
de escapar da mulher cabra irritada, nesse momento tentei avisar que
estava preste a vomitar, mas as duas não me davam espaço para falar
nada, mesmo assim eu tentei:
—Eu... tô quase... vomitando... Socorr- BLEEHH!

25
Acabou que eu vomitei na Monna inteira, quase pegou na
Bretta, mas ela desviou bem na hora. Após a gente limpar a ferreira,
e me darem um remédio para enjoo, a gente começou a se despedir.
—Desculpa, pequeno, te balancei demais, é melhor você ficar
com a Bretta mesmo, acho que você é frágil demais para eu cuidar.
—Pelo menos concordamos com isso, grandona.
A Bretta falou isso com uma voz de deboche enquanto tacava
alguns panos cheios de vômito no fogo.
—Obrigado pelo remédio, senhorita Monna.
A Bretta terminou de me ajeitar e estávamos saindo pela porta
da casa dela, ela falou novamente:
—Ah! Cabrinha, esqueci de contar que eu já sabia do seu
neto. A Astrid veio aqui de manhã alinhar a lança e contou que
salvou uma criança e deixou na sua casa. Ela disse que iria para sua
casa agora de noite, deve estar te esperando lá agora.
—Foi ela que me salvou?
Eu voltei para dentro da forja enquanto falava, curioso sobre
a pessoa que me salvou.
—Sim, vai gostar de conhece-la, é uma garota legal, vão logo
que eu tenho que fechar a forja.
Depois disso nos despedimos e seguimos de volta para casa.
Não demorou muito para chegarmos, a vila de noite se iluminava
com várias lamparinas, além de alguns insetos luminosos, os
vagalumes. Andamos até chegarmos perto da casa e vimos uma
mulher parada na frente da vivenda. Ela era alta, cabelos longos e
dourados levemente cacheados, olhos vermelhos brilhantes que
pareciam joias, tinha uma pele branca e era muito bonita, vestia uma
armadura pesada branca e dourada, com uma cota de malha preta
por baixo, por fim um cachecol vermelho no pescoço. Ao lado dela
tinha uma lança com uma lâmina grande e afiada na ponta e uma
fita também vermelha no começo da mesma. Ela acenou enquanto
chegávamos e veio andando até nós, ao se aproximar deu um abraço

26
bem caloroso na Bretta, após isso ela se abaixou e passou a mão na
minha cabeça bagunçando meu cabelo:
—E você é o garotinho que eu ajudei hoje de manhã, é bom
te encontrar consciente!
Fiquei com um pouco de vergonha quando ela fez isso, até
tive vontade de desviar o olhar depois disso, mas ela logo falou.
—Vamos conversar lá dentro? Tudo bem por você Bretta?
—Claro! Vocês podem conversar enquanto faço o jantar.
Concordei e logo depois disso nós entramos em casa e
enquanto a Bretta fazia algo para comermos nós estávamos em uma
mesa conversando.
—Então, está gostando de vila? São bem gentis por aqui não
são? Tem algo que queira perguntar?
Eu fiquei em silêncio, era difícil falar com pessoas estranhas e
ela parecia bem sociável o que me deixava bem deslocado.
—Ah, desculpa, você não deve ser de falar muito e eu estou
aqui te enchendo de perguntas, devo estar parecendo bem chata.
—Não... não é isso, eu só queria agradecer... obrigado por me
salvar... na ponte.
Ela, que estava meio desconcertada com o meu silêncio
inicial, deu um sorriso amável e disse:
—Disponha, sempre pode chamar quando quiser ajuda.
—Obrigado! Na verdade, eu tenho algumas perguntas.
Nós conversamos bastante depois disso, apesar de eu estar
bem receoso ela foi bem paciente ao me responder. Descobri que ela
era uma valquíria, era ela e mais doze irmãs, elas agiam como
guardiãs das almas e as levavam para o Valhalla, o lugar mitológico
que meu pai sempre contava. Ela me explicou também sobre as raças
que eu tinha visto, o Eldrick era um elfo da luz, Monna um orc,
além deles existem anões, draconatos, fadas, gnomos, entre diversos
outros seres, a própria Bretta pertencia a raça dos sátiros, uma raça

27
meio bode, isso explicava todos os seres estranhos que eu tinha visto
até agora. Nós continuamos a conversa até que a Bretta chegou com
o jantar e entrando na conversa:
—Oi, parece que viraram bons amigos, vai ficar para jantar
não é, Astrid? Não aceito não como resposta.
—Bom... Vou né, não posso dizer não, sorte que você
cozinha melhor que você sabe quem.
—É, você explicou um monte de coisa pelo que eu pude
ouvir da cozinha.
Ela falou isso enquanto colocava um prato de sopa de
legumes na minha frente e me deu uma colher para comer, mas antes
de comer eu aproveitei para responder:
—Ela me explicou sobre o que você é, sobre o que são
valquírias, eu só não entendi o porquê de não ser frio aqui dentro da
vila.
—Ah, eu esqueci isso? A deusa Hel conjurou um escudo ao
redor das vilas para proteger as almas do frio, normalmente as
pessoas surgem dentro da vila, mas você é um dos casos a parte,
apesar dos seu caso não ser impossível de acontecer, é bem raro.
Astrid me respondeu logo em seguida enquanto comia sopa,
bastante sopa, a Bretta teve que pegar mais depois. Aproveitei para
perguntar mais coisas.
—Tem mais vilas além dessa?
—Bom, tem o castelo da rainha, tem a "Vila Noviça" que é
onde estamos agora ela deu origem a várias outras vilas paralelas, o
"Vale Norberg" que é uma cidade em uma ravina onde o pessoal
mais ou menos vai parar... Ok, fica longe de lá, só tem gente horrível
lá.
—Conheço umas pessoas que se dariam bem lá.
Eu falei isso sem querer enquanto lembrava de todos da vila,
também lembrei dele, o maldito Ragnar, aquela cobra cruel. Acabei

28
ficando mal no meio da conversa, ela notou e ficou me cutucando
para tentar chamar a minha atenção.
—Fica assim não, olha pra cá, o que quer que tenha
acontecido já passou, você agora está em um lugar melhor... fala
alguma coisa, estou ficando nervosa!
A Bretta voltou com a panela de comida, pegando apenas o
fim da conversa, ela se sentou e colocou a panela em cima da mesa.
Astrid rapidamente começou a encher o prato dela com mais sopa,
nessa pausa a Bretta aproveitou para entrar na conversa.
—Astrid, eu sei que você quer ser simpática e está fazendo
um ótimo trabalho, mas aconteceu ontem e ele não falou para
ninguém o que aconteceu. Falando nisso se quiser conversar sobre
isso, querido, acho que seria um bom momento, mas só se quiser.
Ela virou para mim e pegou no meu ombro enquanto falava a
última frase, eu não queria falar sobre isso, eu conheci ela há um dia
e a Astrid há quinze minutos, ainda tinha algo dentro de mim com
medo de confiar nelas, mas ainda assim...
—Eu fui morto... pelo meu tio... o nome dele é Ragnar...
Ambas pararam, a Astrid largou a colher e começou a limpar
a boca enquanto tossia. A Bretta já ficou totalmente desconcertada,
balbuciando, tentando formar uma frase, para tentar acalma-la
segurei seu braço e tentei balançar a cabeça, meio que tentando dizer
que não precisava falar nada e logo em seguida continuei
—Ontem era meu aniversário... ele se ofereceu para me
ensinar a ser um rastreador, me levou até a floresta, nós matamos
um veado e quando chegamos perto de uma toca de lobos ele... me
cobriu de sangue e atirou uma flecha na minha cabeça... acordei
naquela ponte depois.
Eu olhei para a janela enquanto falava sobre quando eu tinha
acordado, não sei se era uma alucinação por causa do frio, mas
lembro de algo lá dentro do abismo me chamar... não que isso
importasse, queria mesmo era saber se meu pai estava bem, só queria

29
poder avisar para ele arrancar a cabeça do Ragnar com as próprias
mãos.
—Astrid, tem alguma forma de eu conseguir falar com o meu
pai? Eu preciso avisar a ele sobre o que aconteceu...
Ela me encarou enquanto pensava, tentava concluir a linha de
raciocínio dela:
—Claro... Claro, claro que tem, você pode pedir uma
audiência com a rainha, ela tem o poder de fazer isso, só acho que
possa demorar um pouco, ela tem estado bem ocupada... Está tudo
bem, Rolf? Precisa de um abraço?
Quando ela falou sobre a rainha tinha um pouco de hesitação,
mas não parecia ser mentira, só parecia ter algo que ela não podia
contar.
—Eu estou bem, meu pai é a única coisa que me importa
agora, preciso garantir que o meu tio não vai fazer nada com ele,
mas vou ficar bem, prometo.
Eu tentei forçar um sorriso, mas o pouco de lágrimas que
tinham nos meus olhos não ajudava, na verdade acho que piorei já
que a Bretta veio me abraçar enquanto a Astrid se levantou da mesa
dizendo que ia pegar um pouco de ar. Eu fiquei encarando ela sair
pela porta da casa me sentindo culpado, mas a Bretta veio e tentou
me consolar:
—Não se preocupa ok? Só não é normal ouvir isso todo dia,
pode não parecer, mas ela é bem mais emotiva do que aparenta... Ela
só precisa de um tempinho, querido.
—Obrigado, Bretta...
Nós ficamos um tempo dentro de casa esperando a Astrid
voltar, quando ela finalmente voltou estava mais calma e já entrou se
desculpando.
—Oi! Desculpa, precisava extravasar um pouquinho, mas já
estou melhor, posso continuar comendo a sopa?

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Nós concordamos e ela voltou a comer bastante sopa, e me
tirou mais algumas dúvidas sobre Helheim. Ela me contou sobre a
rainha Hel, apesar de todo mundo dizer que ela era fria, negativa e
cruel, a Astrid me contou que na verdade ela só era bastante
reservada e antissocial, mas era bem gentil, já que as barreiras de
proteção só existem por causa dela. Também me disse sobre uma
torre espiral que ficava em um deserto do outro lado do abismo, a
"Espiral de Obsidiana", ela não falou muito, só disse para se manter
longe de lá a qualquer custo, não é um lugar bom. A gente
conversou até mais tarde, só que ela teve que ir embora em algum
momento e nos despedimos.
—Tchau Bretta, tchau Rolf, até outro dia, prometo que
venho visitar.
—Tchau, querida, vai ficar com qual turno amanhã?
—Eu tenho que ir na Bifrost amanhã. A rainha me pediu para
conseguir uns materiais para a pesquisa dela, então vou ficar fora
uns dias.
—Ah, então ok, boa sorte, venha nos visitar quando puder.
—Pode deixar!
Ela se virou e asas brancas, lindas e enormes de águia
surgiram em suas costas, ela se virou mais uma vez, deu um aceno e
partiu em um rasante para o céu, deixando só algumas penas para
trás. Ela voou em direção ao grande castelo congelado, eu só
consegui me lembrar da hora em que fui arrastado para longe do
abismo e vi penas brancas. Após isso nós entramos em casa,
guardamos os pratos e os casacos, a Bretta me levou para o quarto
que acordei da última vez e a gente teve uma curta conversa.
—Você vai ficar bem, Rolf? Tem certeza que não quer que
eu fique um pouco?
—Vou ficar bem! Obrigado por tudo até agora, senhora
Bretta, você foi muito gentil!

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—De nada, pequenino, mas nada de me chamar de senhora,
me sinto mais velha do que eu já sou. Pode me chamar de vovó, que
tal?
—Eu acho que não vou ficar confortável com isso, preciso
mesmo?
—Ou faz, ou além de ficar com raiva, eu fico aqui te
enchendo o saco a noite toda. Decide.
Nesse momento lembrei da briga da Monna em que ela pulou
no pescoço da orc ferreira de raiva, eu realmente estava preocupado
com o que ia acontecer caso negasse, ela também foi muito gentil
comigo, apesar de eu estar receoso em confiar em alguém que eu
nunca vi, acho que não vai me matar agradar ela um pouco.
—Ok, boa noite, vovó! Durma bem.
—Agora sim! Boa noite, pequenino, até amanhã.
Ela me deu um afago na cabeça e se dirigiu para a porta para
ir embora, mas eu lembrei que tinha que perguntar uma última coisa
para ela:
—Senh... Vovó, você pode me tirar uma última dúvida?
—Claro, querido, o que é?
—O que é Bifrost?
—Ah, bom... Não sei muita coisa, só que é a forma que você
acessa outros reinos, conhecendo os pedidos da rainha, talvez ela vá
para Muspelheim, a terra do fogo. Você, por exemplo, veio de
Midgard!
—Ah, eu só ouvi histórias dos outros reinos, parece ser legal.
—É, eu vim de Midgard também. Amanhã nós conversamos
mais, boa noite, Rolf.
—Boa noite.... Vovó, espera!
—Sim?

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—Por que você se sente velha se for chamada de senhora, mas
ser chamada de vovó você ainda se sente nova?
—(...) Vai dormir vai, pirralho.
Depois disso ela saiu e fechou a porta do quarto. Após isso
fiquei encarando o teto por um tempo, pensando em tudo de
absurdo que aconteceu hoje, criaturas mágicas, reino dos mortos,
valquírias, tudo isso parecia inacreditável, mas ainda assim eu vi
tudo na minha frente. Me sentei tentando fazer o mínimo de
barulho possível, levei minha mão até a minha testa no exato ponto
onde fui atingido. Um enorme choque correu todo o meu corpo e as
imagens da minha morte martelaram na minha cabeça, mais e mais
forte, um soluço forte veio, seguido de muitos outros, e a cada um
deles mais e mais lágrimas saiam do meu rosto.
Calma Rolf... você... você precisa se acalmar... sniff... lembra o
que o papai ensinou... sniff... respira fundo... sniff... respira... droga...
TOC! TOC! TOC!
Uma batida na porta chamou a minha atenção me fazendo
parar de pensar naquilo.
—Rolf? Está tudo bem? Quer que eu entre?
—Não! Não precisa, só... lembrei do que aconteceu ontem...
—(...) Sei que você mal me conhece, mas eu entendo.
Quando cheguei aqui me isolei nessa casa em negação a muito
tempo, o que me salvou foi uma amiga que se recusou a me deixar
sozinha. Não sou bom com esse tipo de situação, mas quero que
saiba que se quiser conversar eu estou aqui.
Ela não é uma pessoa ruim, nem ela e nem a Astrid, soube
disso assim que as vi pela primeira vez. Posso ver as reais intenções
das pessoas, como se seus espíritos contassem os verdadeiros desejos
deles, tenho isso desde sempre e me ajudou a evitar muitos
problemas na minha vila, já aqui... as pessoas desse lugar não são
ruins, é tão diferente que não parece real, até a Astrid e a Bretta não
são pessoas ruins, igual ao meu pai, por que tem tantas pessoas
assim reunidas em um só lugar? De qualquer forma, Bretta e Astrid

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estão escondendo algo de mim, o Eldrick e a Monna não, mas
aquelas duas parecem saber de alguma coisa que eu não sei.
Vou tentar não pensar nisso... salvar o meu pai é mais
importante, vou deixar isso para outra hora. O que o Ragnar queria
com isso? Não pode ser só por capricho ou por ódio, ele não é
burro tenho certeza disso, preciso avisar ao meu pai o mais rápido
possível antes que algo aconteça, mas a rainha está ocupada...
O que eu faço?
Nessa hora uma única coisa passou pela minha cabeça, a
única que poderia ser uma possível solução para o meu problema.
Bifrost.
Preciso consegui mais informações sobre esse lugar, talvez eu
consiga voltar e avisar meu pai sobre aquele traidor maldito. Deitei
na cama novamente e olhei para o teto tentando adormecer, mas
novamente a minha mente se fixou naquilo que ouvi da Bretta antes
de vir para o quarto.
Uma forma de viajar para outros reinos...

34
QUATRO
-Galinhas me ensinam como viajar pela
floresta do espaço tempo-

Eu "acordei" assim que o “sol nasceu”, foi uma noite difícil


então não dá para dizer que eu dormi, mas acho que por estar morto
eu não sinto o cansaço tanto pesado quanto deveria, não consigo me
acostumar com isso. Sai da cama devagar para não acordar a Bretta,
me movi até a porta bem devagar, quando a abri um som de rangido
alto acompanhou o movimento da porta e em seguida a voz da
pessoa que não queria acordar veio do andar de baixo:
—BOM DIA ROLF! CONSEGUIU DORMIR?
—(...) Bom dia Bretta...
—É PARA ME CHAMAR DE VOVÓ!
—Bom dia vovó...
Desci logo em seguida e me sentei na mesa, Bretta chegou da
cozinha e me entregou um pão recheado com carne e verduras e um
copo de água. Ela se sentou para comer algumas frutas e começamos
a conversar após isso:
—Dormiu bem... Vovó?
—Dormi, você que não, ficou se remexendo a noite toda
coitadinho.
—Como você ouviu isso? Eu não falei nada, só me mexi na
cama.
—Sátiros tem bons ouvidos... te ouvi a noite toda.
—Então você não dormiu de verdade, se tivesse dormido não
teria me escutado...
—(...) Segunda vez que você me engana... você é esperto
demais, estou perdendo para um garotinho, não estou gostando
disso nem um pouco...

35
Eu comecei a rir, ela riu junto, foi um momento legal. A gente
continuou conversando até terminamos de comer, após isso ela se
levantou e pegou os mesmos casacos que usamos ontem que ficaram
pendurados em um cabideiro perto da porta. Nos vestimos e ela
segurou a minha mão para nós saímos de casa e fomos andando da
casa direto para a vila. Andamos e conversamos como sempre
enquanto caminhávamos pela vila, até que o assunto mudou para o
que íamos fazer hoje:
—Já viu em uma fazenda antes Rolf?
—Tem galinhas e búfalos lá?
—Tem, também tem vacas e burros, já viu algum? São
animais bem legais!
—Nunca vi. O que eles dão?
—Vacas dão leite, burros só servem para carregar peso. O
Eldrick tem todos esses animais na fazenda dele, quer ir ver?
—Seria legal! Nós vamos para lá hoje?
—Sim, é a vez deu trabalhar lá, quer ajudar?
—Claro!
—Então vamos para a fazenda do Eldrick.
—Ok! Espero que os animais gostem de mim.
Gosto muito de animais, adorava fazer amizade com os
búfalos, chegava ao ponto de quando eles ficavam bravos só eu
conseguia acalma-los, até pensei em trabalhar com isso na vila, não
que aqueles babacas considerassem isso um trabalho. Nós saímos
andando e cumprimentando todos que vimos ontem até chegarmos
à fazenda do elfo bobão. Caminhamos até a entrada da fazenda, era
um arco de madeira escrito "Vento do Norte" em élfico, a Bretta
traduziu para, do arco seguia um caminho que era cercado até uma
casa, ao leste da mesma tinha um celeiro para vacas, búfalos e até
ovelhas que estavam entrando e saindo para o pasto, já ao oeste um
galinheiro com um pequeno pasto que dividia espaço com uma
grande plantação protegida. Nós caminhamos pela trilha até

36
chegarmos à casa e batermos na porta, porém ninguém abriu, nem
som foi ouvido, a Bretta já ficou levemente irritada.
—Toda vez isso... ELDRICK ABRE A PORTA!
ESTAMOS AQUI!
Ela começou a esmurrar a porta com força, o barulho chegava
a assustar, as fibras da madeira podiam ser ouvidas estalando mais e
mais, porém ele ainda não veio, ele não se ajuda.... Após a tentativa
falha a vovó começou a bufar e me afastou para o lado, como se
quisesse que eu me afastasse por segurança, após isso bateu mais um
pouco.
—EI, DORMIU DEMAIS? ME ATENDE! COMO
VOCÊ PEDE AJUDA E SOME?
Não adiantou, ela respirou fundo e voltou para trilhar
pegando distancia da porta e encarou o seu alvo, cravou o casco no
chão pegando impulso e disparou, ela correu com tudo e quando se
aproximou o suficiente saltou e quando o pé iria entrar na casa
destruindo tudo, a porta abriu levemente. Quando vi a porta abrir
uma pequena brecha quase perdi o ar nos meus pulmões, a vovó iria
acertar em cheio o Eldrick que enfim havia aparecido. Tentando
desesperadamente parar ela eu gritei:
—BRETTA, A PORTA ABRIU!
Ela olhou para mim com uma cara de terror e virou direto
para a porta, mas ela já estava colada com a porta e o estrondo veio,
a porta foi esmigalhada por completo, a poeira subiu, o chão foi
destruído no impacto e o casco estava cravado fundo na barriga do
pobre elfo que estava gorfando devido a força do impacto, e para
piorar ele havia afundando na terra onde o chão de madeira havia
sido quebrado. Deu muita pena do Eldrick nesse momento, e
principalmente da casa. Após a poeira se dispersar entrei dentro da
casa e vi a Bretta agachada ao lado do Eldrick que estava espumando
pela boca, comecei a falar:
—Você está bem Br-Vovó?

37
—Sim querido, apesar de que o pobre orelhudo parece estar
morrendo pela segunda vez...
—Achei que a gente não sentia dor já que só tem almas aqui.
—Eu não sei exatamente como funciona a magia, mas sim,
era para impedir qualquer um de sentir dor dentro das barreiras...
—Quebrar as leis do mundo com voadoras é tão fácil para a
vovó? Impressionante!
É errado zombar dessa situação? Provavelmente! Mas eu ri
um pouco, já a vovó tentava segurar o sorriso enquanto carregava o
Eldrick e o levava até a poltrona que tinha perto de uma lareira me
deixando livre para explorar a casa. A casa tinha uma sala grande na
qual tinha armários e poltronas, o elfo estava em uma delas, uma
lareira apagada, tinha mais dois quartos separados, um levava para a
cozinha e armazém da casa e a outra para o quarto, enquanto
explorava vi embaixo da cama uma portinha, como se levasse para
um porão, decidi não ligar muito para isso. Enquanto andava
Eldrick acabou acordando e balbuciando levemente, recuperando a
consciência.
—Eu... eu...galinha... Bretta... minhas gali-
Ele desmaiou de novo, a velha cabra já estava se apressando.
—Eu cuido disso, relaxe. Rolf, você pode cuidar dele um
pouquinho?
—Não, deixa que eu cuido das galinhas, fica aqui com ele,
quero ver elas. Fica cuidando dele, eu grito em desespero qualquer
coisa.
—Ok, isso não é muito reconfortante, mas tudo bem. Eu vou
fazer algo para ele recobrar os sentidos...
Achei que seria mais útil ela cuidando dele do que
provavelmente dando voadora nas galinhas, também gosto de
animais, provavelmente me daria melhor com elas. A Bretta se
levantou meio apreensiva, foi até o armário na cozinha e voltou com

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um pote cheio de ração para galinhas e uma cesta para pegar os
ovos, ela me entregou e disse:
—Tome cuidado querido, qualquer coisa eu vou correndo te
ajudar, e não vai para o celeiro sozinho, só as galinhas, ok?
Ela me deu um abraço e um beijo na testa e se levantou para
cuidar do pobre e ferido elfo. Quanto a mim fui até a porta dei um
aceno de adeus enquanto ela me acompanhava com os olhos e parti
para o galinheiro ao lado da casa. Vi algumas galinhas fora no
pequeno pasto delas, tinha um total de seis delas, já quando eu
entrei tinha mais quatro me esperando nos poleiros, fui até a tigela
de comida e tirei os restos e substitui pela nova, as galinhas vieram
correndo para comer, enquanto isso eu fui e peguei os ovos um por
um, as galinhas não revidavam nem nada, eram bem pacificas,
parecia que o Eldrick criou elas muito bem, ou pode ter sido porque
elas estavam destruindo a comida que coloquei, mas ok.
Quando ia saindo resolvi contar para garantir que nenhuma ia
passar fome e só tinha nove... CADÊ A DEZ? Olhei para fora e do
outro lado da cerca em um canto afastado, perto da floresta tinha a
bendita galinha olhando para mim, coloquei a cesta com ovos em
um lugar alto do galinheiro onde as galinhas não alcançavam e fui
pegar a fujona. Atravessei o pasto com neve fina até chegar na cerca
e passar pela brecha quebrada que tinha, quando cheguei encarei a
galinha bem irritado, já ela virou a cabeça levemente, como se tivesse
confusa comigo ali, a peguei nos braços e comecei a fazer carinho
nela.
—Você não pode vir aqui, vai passar fome se não for para o
galinheiro. Vá comer logo vá!
Deixei-a no chão que prontamente começou a bater pé até o
galinheiro, porém quando eu ia voltar ouvi um barulho
incrivelmente estranho, barulho de madeira rangendo e se
retorcendo igual a porta do elfo fazendeiro, as folhas se mexiam
enquanto sentia uma gigantesca presença nas minhas costas, o som
era muito mais alto, infinitamente alto, perturbador até certo ponto.
Estava com medo de virar, a primeira coisa que passou pela minha
cabeça foi o monstro que vi nos meus pesadelos pulando para me
39
comer, mas ao mesmo tempo uma coceira me forçava cada vez mais
a olhar, quando me virei um caminho entre a vegetação densa havia
se formado, uma trilha perfeita para mim, ia tão fundo que eu
perdia a vista na leve nevoa que se encontrava dentro do túnel.
Imediatamente pensei que aquilo era uma armadilha de algum bicho
que deveria morar na floresta, então só tentei sair e voltar para o
galinheiro, porém ouvi uma voz feminina e estranhamente familiar
que ressoava na minha cabeça que me impediu de andar.
—Olhe para cá jovem...
Me virei em um susto e vi o caminho vazio ainda retorcido
esperando por mim, mas algo estava diferente, na árvore na entrada
do caminho, a da direita, tinha rabiscos escritos como se fossem
entalhados com uma lâmina, mas estavam perfeitos demais para
serem feitos por uma pessoa, além disso quem fez isso tão rápido?
Era uma frase, a mesma começou a brilhar com uma leve luz branca
que quase sumia na árvore, a maioria das que tinham visto em
Helheim até agora eram brancas. Não conseguia ler a frase,
infelizmente não sabia ler, mas algo me dizia que mesmo se soubesse
a língua não seria algo normal de Midgard, mas não precisei me
preocupar com isso, quando tentei começar a compreender uma voz,
a mesma de antes, falou dentro da minha cabeça.
"Não quer ir para casa? Siga o caminho para a Bifrost. "
Um caminho para a Bifrost? Era isso que... não, fácil demais,
logo quando eu descubro aparece uma rota para aquele lugar? O
quão conveniente é isso? Me afastei um pouco e comecei a encarar
aquela trilha, agora de dentro da cerca, até que a voz voltou.
“Posso supor que não confia em mim, mas acho que voltar
para a companhia de seu pai e avisa-lo sobre seu parente
problemático é algo que é do seu interesse certo?”
—Como que você...
“Não ofereceria ajuda sem saber de sua situação, tente me dar
um voto de confiança.”

40
Depois disso as mensagens sumiram e a árvore só se
consertou como se nunca estivessem lá, nessa hora me levantei em
um salto e comecei a pensar. No melhor dos cenários eu acho a
Bifrost e talvez consiga voltar para casa, no pior eu morro... de
novo... não é como se a minha vida valesse de algo, avisar meu pai é
mais importante. Andei bem devagar, tremendo, floresta adentro,
andei por cerca de três minutos quando comecei a ver a luz que
vinha do outro lado e quando alcancei vi ao longe um cubo negro
com entalhes dourados em um espaço no meio de duas montanhas,
mas estava bem longe, separado da floresta por uma grande planície.
Decidi ir, porém quando dei um passo para fora do caminho entre
as árvores uma dor monstruosa subiu do meu pé e se espalhou para
o resto do meu corpo, havia esquecido do frio aterrador que tinha
fora da proteção da vila, o gelo parecia rasgar a minha pele, a
sensação era horrível, tão horrível que logo cai para trás.
Estava sentindo bastante dor com o frio, tinha esquecido do
sentimento, achei que não sentia mais dor, mas acho que isso só era
dentro da barreira. Era maldade a Bifrost ficar do outro lado bem
longe da floresta, mas tinha que ter um jeito de passar. Eu fiquei
colocando meu braço e perna aos poucos, mas era impossível,
mesmo com o casaco ainda era um sentimento destruidor. Quando
já tinha passado mais de trinta minutos me torturando com o frio
outra mensagem estranha na árvore mais próxima.
"Se continuar assim pode conseguir um dia, daqui a uns
milênios, mas eu sugiro voltar logo. "
—Até uma árvore brinca com a minha cara... uma porcaria de
uma árvore...
Eu levantei e coloquei o meu braço todo para fora tentando
aguentar ao máximo o frio, aguentei por míseros três segundos antes
de cair para trás chorando de dor. Quando ia tentar de novo ouvi
um grito vindo do túnel da floresta de onde eu tinha vindo:
—ROLF! CADÊ VOCÊ? A BRETTA TA
PREOCUPADA PIRALINHO!

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Olhei para a direção da voz e a única coisa que eu pensei era
que estava completamente ferrado, quando achei que não tinha mais
uma solução uma mensagem de última hora apareceu para minha
salvação na árvore em frente.
"Corre, eu cuido do resto. "
Eu disparei e o que antes levou três minutos para cruzar a
floresta levou míseros segundos, cheguei até perto da fazenda e antes
de sair da floresta alguém estava me esperando, era a galinha me
olhando com a cabeça inclinada me encarando. Olhei para ela e já
tinha sacado a ideia da árvore, peguei ela nos braços e segui até a
fazenda novamente. Vendo o Eldrick perto do galinheiro, cheguei o
cumprimentando e gritando:
—OI! VOCÊ ESTÁ MELHOR?
—ROLF! MENINO ONDE VOCÊ SE ENFI... ou... a
Goruberta fugiu de novo?
— (...)Goruberta Eldrick... sério mesmo?
—Não me julgue! Mudando de assunto ela sempre foge, por
isso é fácil de diferenciar das outras, estou surpreso que ela não está
te bicando e mordendo.
Olhei para ele com uma cara de confuso, as galinhas dele
eram muito gentis, desviaram de mim, não se zangaram quando eu
peguei os ovos nem nada do tipo, inclusive a Goruberta foi bastante
gentil da primeira vez que eu peguei ela.
—Não, todas as galinhas foram bem gentis, não era para
serem?
—Você... pera... você... QUE? QUER TRABALHAR AQUI
EM TEMPO INTEGRAL?
—(...) Enlouqueceu com a voadora?
A Vovó que estava saindo do celeiro carregando baldes de
leite deixou na varanda da casa e veio correndo para me ver e
quando chegou empurrou o Eldrick para o lado, que caiu de cara

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para variar, e começou a inspeção para ver se eu estava inteiro. Após
ver que não tinha nada errado ela se levantou e me perguntou.
—Onde você estava, fiquei preocupada quando fui no
galinheiro e não vi você, a floresta é perigosa, você pode se...
Goruberta... então foi isso que aconteceu?
Concordei com a cabeça e apontei para a parte quebrada da
cerca a qual a galinha tinha fugido pela primeira vez. Ela olhou para
a cerca e deu um tapa na cabeça do Eldrick que tinha acabado de se
levantar e já tinha voltado ao chão.
—Nem para você consertar a cerca, ele podia ter sido atacado
por algum dos bichos fora da fazenda, elfo burro!
—Nenhum bicho perigoso entra aqui... talvez alguns, eu vou
consertar.
Depois disso nós conversamos e descobri o porquê do surto
do Eldrick, aparentemente os animais da fazenda, principalmente as
galinhas, não eram tão pacíficos com ele, apesar disso ele gostava do
trabalho dele, por isso quando viu que no galinheiro eu fui bem-
sucedido ele surtou completamente. Após isso teve vários outros
testes de como os animais me tratavam até em outras fazendas, sim
ele arrastou a gente para outras fazendas, desculpa Dominic e Kara,
e tentou convencer a vovó Bretta a deixar ele me contratar e eu
morar com ele, mas não conseguiu. Vi que eles se davam muito
bem, uma relação do tipo que sempre brigam, mas ainda continuam
melhores amigos, para falar a verdade eles deixaram escapar que ele é
o segundo amigo que ela fez quando chegou aqui, quando perguntei
da primeira eles só evitaram a pergunta.
O dia continuou tranquilo, fiquei pensando no que rolou
com a floresta mais cedo, mas até aguentar o frio era inútil tentar
qualquer coisa, além disso eu não sabia se algo como aquilo
aconteceria de novo. Quando voltamos para a fazenda do Eldrick
fomos jantar e conversar, falei que sempre me dei bem com os
animais na minha vila, evitei ter a mesma conversa de ontem, sempre
que o Eldrick apontava para o assunto a vovó e eu tentávamos
mudar o assunto, a conversa conseguiu fluir bem apesar disso, um

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dos assuntos que não teve como evitar foi eu virar um fazendeiro
mirim:
—Qual é Bretta, não seria legal ele virar um fazendeiro, ein
ein?
—Esquece... o neto é meu, vai ficar comigo...
A discussão durou um tempinho, não foi ao ponto da Monna
ontem, mas enrolaram bastante. Tentei argumentar um pouco, mas
eles são doidos então o seguinte dialogo se seguiu:
—Eu posso decidir isso também?
—Não! Fica quieto! Come a sua batata e deixa eu e o
orelhudo cuidarmos disso!
—Ei! Qual é chifrudinha, ele que vai trabalhar então é justo
ele pod—
—QUER UMA BATATA TAMBÉM?
Eu e o elfo apavorado ficamos completamente assustados
com aquela mulher cabra que enfiou um talher dentro de uma pobre
batata, que em seguida foi apontada para nós, mas incrivelmente ela
deixou... mais ou menos. Agora posso vir sempre que quiser ajudar o
"elfo folgado" a evitar bicadas e coices, só não posso fazer trabalho
pesado se não ela o manda pro pós-pós-vida de vez. Após ela
concordar nos preparamos para voltar para casa, nos despedimos e
fomos voltando pelo caminho com uma cesta cheia de mantimentos,
enquanto isso o orelhudo ficou na varanda acenando para nós. Perto
do arco de madeira que ficava no início da fazenda eu e a vó tivemos
uma pequena conversa;
—Então, gostou mesmo de trabalhar na fazenda?
—Eu gosto de animais, queria saber por que eles odeiam o
El.
—El?
—Ele pediu para eu chamar ele assim.

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—Claro que pediu... bicho abusado. Bom, se quiser ajudar ele
só avise, você pode vir, te deixo lá.
—Eu posso?
—Claro, ele já deixou BEM explicito o quanto quer a sua
ajuda. Amanhã eu vou sair para levar umas mercadorias para fora da
vila, pode não parecer, mas a Monna não é a melhor do mundo em
auto defesa e tem uns bichos meio territoriais, mas você não vai
poder ir comigo, então vai ajudar o... El.
—É perigoso fora da vila?
—Um pouco, mas eu sou forte, vai ser fácil!
Ela deu uma leve batida no chão com o casco me fazendo
lembrar da porta, ela se vira bem.
—Toma cuidado ok?
Ela estava em uma pose para mostrar que era bem forte, mas
quando falei a pose se desfez e ela me deu um sorriso caloroso, e
passou a mão no meu cabelo enquanto respondia.
—Pode deixar pequeno.
Ela pegou minha mão e nós caminhamos para casa para
chegamos e dormir, ainda é bem impressionante o quão não escuro
Helheim é a noite, deitei na minha cama e a vovó me deu um abraço
e beijo de boa noite e seguiu para o seu quarto, já imaginava que
seria uma noite complicada, mas para minha surpresa algo me
animou. Olhando para o teto, um brilho de luz branco quase me
cegou, as mesmas ranhuras e a mesma voz de antes voltaram a
aparecer, e elas falaram.
"Volte para a fazenda se quiser tentar de novo, mas acho
melhor se preparar, não vai ser fácil. “
Aquela mensagem me devolveu um pouco de vontade que eu
tinha, e Bretta ter que sair amanhã foi um golpe de sorte, agora só
era questão deu me preparar, se o problema era o frio eu só tinha
que aguentar, e eu iria.

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CINCO
-Incrivelmente consigo me transformo em
um cubo de gelo "vivo "-

Levantei depois de outra noite difícil, toda vez que eu fechava


os olhos pensava no momento em que morri, pensava se meu pai
estava bem, e se uma árvore esmagou o meu tio até a morte....
Continuando, me levantei e a mensagem no teto havia sumido,
fiquei aliviado já que a vó Bretta não veria ela, mas estranhei muito
mais já que mensagens não deviam aparecer do nada e muito menos
sumir, porém isso não é importante agora. Desci pelas escadas e vi a
sala vazia com barulhos vindo da cozinha, fui até a mesa e me sentei
cumprimentando a vovó cabra que veio até mim com um lanche
pronto e uma mochila de couro que quando abri tinha outro lanche
embrulhado, ela se sentou e começamos a comer e perguntei o
destino da viagem dela com a boca cheia de legumes:
—Vai para onde hoje?
—Uma vila pequena que fica a umas boas horas de viagem, a
Monna quer vender umas ferramentas lá. E não coma de boca cheia,
é falta de educação.
—Desculpa. Tem mais vilas fora a Noviça e a Norberg?
—Ah, sim, tem várias, essas duas são as principais, tem várias
que se desenvolveram ao redor delas, aí tem um comercio entre
todas, apesar de ninguém dessa área negociar com o povo do Vale
Norberg, agradeço bastante por isso.
—Entendi, você vai demorar muito?
—No máximo volto amanhã querido, não se preocupe, caso
eu não volte hoje peça um pouco de comida ao Yorgen, eu já
paguei.
Algo que eu não contei antes, Yorgen era um dono de taverna
na qual todos se reuniam para beber no fim da semana, desculpe
Yorgen... continuando:

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—Então nós já temos que ir pequeno, vou levar você até lá
antes de ir.
—Ok, estou pronto vovó!
Ela deu um largo sorriso, gostava muito quando eu a chamava
de vovó, era legal deixar ela feliz. Após isso nós terminamos de
comer, nos aprontamos e ela me escoltou como uma guarda até o
arco da fazenda só me deixando ir quando o Eldrick estivesse do
meu lado, o que demorou um tempinho de espera até nós vermos
um elfo magricelo correndo com carne seca na boca e tropeçando
enquanto tentava colocar as botas no meio da corrida. Ele correu
quase despencando no chão, mas parou de prontidão faltando só
fazer uma pose de sentido, quase como um soldado que recebeu
logo em seguida uma bronca de seu comandante:
—Está atrasado, eu tenho que sair logo com a Monna!
—Perdão, perdão senh- quer dizer Bretta... to prontinho!
Ela o encarou com os olhos serrados de cima a baixo
inspecionando-o, depois soltou um longo suspiro, após isso virou
para mim, deu um beijo na minha testa, um abraço e falou:
—Eu volto amanhã de noite, no máximo em dois dias ok? E
você se comporte bem, não de trabalho.
—Qual é Bretta, o menino é tão comportado.
—To falando é de você, não de trabalho para o Rolf! Se
descobrir que você não cuidou perfeitamente dele, vai preferir
encarar o Thor do que eu! Entendeu?
—(...) Claro... vai ser legal...
—É bom mesmo.
Ela o encarou com desconfiança e terminou suspirando
novamente, depois eles voltaram a conversar até que a grande
ferreira chegou em uma carroça gritando pela Bretta, logo que ela
escutou se despediu novamente de nós dois e foi correndo até a
Monna. Elas se prepararam para sair da vila, Eldrick me contou que
era uma vila menor na borda da barreira de proteção, quando elas

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ficaram realmente prontas, ambas acenaram e os burros que guiavam
a carroça começaram a andar se distanciando e indo em direção a
entrada da vila. Depois da despedida eu e o elfo fomos cuidar dos
afazeres da fazenda, primeiro cuidei das galinhas sozinho enquanto
o Eldrick observava tentando entender o fenômeno que era todas as
galinhas gostarem de mim, e os búfalos... as ovelhas que eu nem
sabia que tinham... em resumo os animais gostavam bastante de
mim. Após vários afazeres na fazenda acabamos virando amigos,
chegou o horário do almoço e eu desembrulhei o lanche que a vovó
tinha deixado pronto para mim, depois de comermos precisava me
preparar para ir para a floresta para treinar, porém é claro que não
seria tão fácil.
—Então pequeno, que tal eu te contar umas histórias
engraçadas sobre a velha cabra? Prometo que você vai gostar!
—Ah... é... claro, eu queria ir ficar com os animais, brincar
um pouco com eles... mas claro que eu adoraria.
—Ótimo, então que tal eu contar do dia que a chifrudinha
estava ajudando a Monna na forja e ela colocou fogo no próprio
cabelo?
Olha... por mais que eu tivesse muito interesse em ir para a
floresta, ele falou "colocou fogo no próprio cabelo. " assim fica
difícil. Em resumo, a Monna estava trabalhando e a vovó que tinha
um cabelo que ia até a cintura na época ajudava colocando mais
carvão no forno. No dia do ocorrido o orelhudo chegou na forja
para buscar uma foice que tinha encomendado, só que ele chegou
com o animo super exagerado e chutando a porta o que surpreendeu
a Monna que se descuidou e deixou cair o pedaço de ferro que
estava derretendo na fornalha, durante a queda o mesmo pegou no
cabelo da Bretta, ela não notou de começo, mas quando a ficha de
porque a cabeça dela estava tão quente caiu ela entrou em desespero.
Correndo para fora da loja e se jogando para rolar na neve a coitada
da vovó tentou apagar o fogo, mas só apagou de verdade quando
tacaram água nela, só que o cabelo foi quase queimado por inteiro,
ela teve que aparar as pontas queimadas ficando com o cabelo muito
ralo. A partir desse dia cabelo longo não era uma opção para ela, e

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também sempre que ela vê uma pessoa ruiva com cabelos longos ela
fica extremamente melancólica.
A história da vovó pegando fogo foi incrível? Bastante! O fato
do Eldrick dramatizar com gritos e tudo mais tornou ainda melhor,
provavelmente ela mataria nós dois se pegasse a gente comentando
sobre isso. Após rir bastante, tanto que nem lembrava qual foi a
última vez que ri desse jeito, percebi que precisava correr, só aquilo
tinha levado uma hora e meia e ele parecia que tinha várias histórias
para contar, tentei pensar em algo que fizesse ele me deixar de lado
para que pudesse ir embora.
—Então, eu vou cuidar das galinhas agora ok?
Falei isso me esgueirando da cadeira onde estava sentado, só
que ele notou e eu tive que inventar um jeito de me safar.
—Ei, vai não carinha, agora que ficou bom, vamos eu tenho
outra sobre a Monna prender uma colmeia na cabeça.
—Parece ótimo... é que sabe-
—PÓPÓ!
Nós dois olhamos para a fonte do barulho e vimos a
Goruberta na porta, aprendi a diferenciar ela, olhando para nós...
junto das outras nove galinhas. O Eldrick as encarou e se voltou
para mim dizendo:
—Não se mexa... as coisas podem ficar bem ruins se elas se
agitarem...
Concordei com a cabeça e nós as encaramos. Goruberta olhou
diretamente para mim, bicou o chão algumas vezes e começou a
andar até ficar entre nós dois, o clima ficou tenso, ela se virou
lentamente trocando olhares entre mim e o elfo. Engolimos seco e o
Eldrick tentou se mover, porém com um passo em falso ele fez uma
tabua ranger e então.
—POOOOOOOOOOOOOOOOOOOOO!
Ela gritou e junto com o grito ouvimos todas as galinhas
começando a cacarejar, vários sons de casos cascos e patas batendo

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no chão desesperadamente podiam ser ouvidos se afastando da casa.
Nessa hora o elfo que antes estava parado voou em direção a porta
em um segundo, um movimento tão rápido que por um momento
lembrei do meu pai de tão veloz, nunca tinha visto alguém além dele
se mover daquele jeito. Ele parou na porta sua cara normalmente
idiota se fechou e ele falou:
—Os animais fugiram, fique aqui que vou busca-los.
Ele deu um salto da porta para o pasto, corri para ver e me
deparei com Eldrick agarrando um búfalo pelos chifres e
derrubando sem dificuldade nenhuma enquanto os outros animais
fugiam para fora da fazenda. Após arrastar o animal até o celeiro e
prendê-lo bem, fez um sinal para eu pegar a Goruberta, a única que
não tinha fugido, e leva-la para dentro do galinheiro e ficar lá,
correndo para a vila em seguida. Sobramos eu e a galinha, fomos até
o galinheiro e quando chegamos uma mensagem brilhando apareceu
na parede dentro da casa das galinhas.
"Vou manter ele ocupado, pode ir treinar, eu cuido do resto"
Sabia! Quem ou o que esteja me ajudando convenceu a minha
amiga de asas a ajudar. Dito isso fui para a cerca, agora consertada,
mas ainda escalável, e passei para a floresta junto com a galinha para
caminharmos de novo naquele túnel de árvores distorcidas que havia
se formado novamente para mim. Caminhei por minutos até chegar
na borda e ver aquele pequeno cubo a distância novamente. Parado
novamente em frente a linha que separava o túnel do lado externo,
quase que eu podia ver a barreira que dividia os dois lados, só
bastava uma coisa a fazer agora. Coloquei o meu braço além do
túnel e a frente fria veio escalando desde a ponta dos meus dedos
como uma infecção que crescia destruindo o meu corpo e gerava
uma dor excruciante, se eu estivesse vivo só o choque poderia me
matar, mal aguentei dois segundos antes de me jogar para trás
bufando de dor e com lágrimas nos olhos. Fiz mais diversas
tentativas, porém progresso não foi algo que parecia existir. Olhei
para o lado e a Goruberta estava me encarando com preocupação,
nem pergunte como sei disso. Outra mensagem na casca da árvore
apareceu em seguida.

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"Durou dois segundos dessa vez, até que está melhorando,
parabéns! "
Olhei para a árvore com raiva, ainda suando frio pela dor e
me levantei me preparando para tentar de novo, porém antes de
tentar novamente me torturar naquilo me virei para a árvore e
perguntei:
—Quanto tempo... quanto tempo vai demorar até eu
conseguir chegar naquele cubo?
Não recebi resposta, estava a ponto de ficar furioso e chutar a
árvore até que:
"Dois meses, três no mais tardar, isso se treinar o dia todo e
todos os dias. "
—O QUE? E NÃO PLANEJOU ME CONTAR ISSO?
"Achei que ficaria com raiva, como você claramente está
agora. "
—OLHA SÓ! OBRIGADO POR FALAR O OBVIO!
TEM ALGUM JEITO MAIS RÁPIDO? EU NÃO TENHO
ESSE TEMPO, MEU PAI PODE TA EM PERIGO AGORA!
Gruni de raiva por não ter nada o que fazer, perguntei na
esperança de que houvesse um meio nem que fosse mais perigoso,
mas só recebi decepção de resposta.
"Essa é a única opção jovem, tenha um pouco de fé. "
Eu caí no chão furioso, a única chance que tinha de voltar
para casa levaria meses até ser efetivo, e se fosse só isso que me
impediria.
—Fé não vai salvar o meu pai... não consigo nem sequer
ajudar ele...
Estava completamente desolado, parado em frente ao frio
impossível, comecei a pensar que era melhor voltar para casa e só
esperar a Bretta chegar, quero um abraço dela. Goruberta que estava
do meu lado sentou próxima a mim, preferi acreditar que era o jeito
dela de me consolar, podia ser só ela com frio, mas depois disso
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precisava de um pouco de conforto. Comecei a me lembrar de tudo
de ruim que acontecerá até agora, minha vila horrível, minha morte
junto da traição daquele que devia ser um dos únicos que deveriam
se preocupar comigo de verdade... e agora isso, o caminho para
voltar para casa e para o meu pai estava tão perto e mesmo assim
nada... porque as coisas só não poderiam ser fáceis uma única vez?
"Você precisa se acalmar, sei que pode parecer frustrante, mas
quanto mais você aguentar mais rápido você conseguira dominar
esse obstáculo. Por hora seja paciente. "
Estava completamente frustrado, meus olhos marejados
olhando para aquela estrutura ao longe completamente inalcançável.
Voltei aos meus pensamentos, como queria ter sido mais forte para
pelo menos ter tido uma chance de escapar do Ragnar, ou talvez
durasse mais tempo e não levaria meses... me sentia um fracasso
como nunca antes. Porém, minha mente focou em algo muito
especifico, "Quanto mais você aguentar mais rápido você conseguira
dominar esse obstáculo. ", mas e se eu não tiver que aguenta? Se eu
não tiver a opção de fugir para a barreira? Meu corpo teria que se
acostumar com a dor ou quebrar de vez me matando no processo,
só que não dá para morrer duas vezes, pelo menos espero que não.
Parei de chorar e me levantei em um passo, a pobre galinha que
estava do meu lado saltou para o lado e me olhou assustada,
caminhei até o limite da barreira de árvores que me separava do
objetivo e coloquei a mão, quase que passando pelo limite tentando
quase que tocar em uma parede invisível.
—É agora ou nunca...
Voltei cerca de dez passos para trás e olhei novamente para o
meu objetivo, respirei fundo e fechei os olhos me preparando para a
ideia estupida que vinha a seguir.
"Tudo bem jovem? Você está parado a um tempinho. "
—Pópopó?
Respirei um pouco mais e abri meus olhos, enterrei o meu pé,
tentei pelo menos, e disparei em direção a saída passando pela
galinha e pelo último texto escrito na árvore e saltei para fora da

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barreira. Quando sai, a dor foi instantânea e percorreu por todo o
meu corpo, aproveitei os poucos míseros dois segundos que tinha
para correr o mais longe que podia, porém depois do tempo de
tolerância meu corpo vacilou e meu pé torceu pela dor e cai
capotando de cara para cima. Meu corpo começou a convulsionar,
agora sabia descrever perfeitamente a sensação que o clima infernal
de Helheim passava. Quando você sai da barreira é como se a sua
pele secasse e rachasse em segundos criando uma ardência absurda
que sobe por toda superfície do corpo, desde a unha do pé aos
olhos, depois disso o sentimento mudava, era como se insetos se
rastejassem por cada centímetro da sua pele e começassem a devorar
tudo, pele, ossos, vasos sanguíneos, nervos, tudo parecia ser
consumido, só que não acabava, por ser uma alma eu não podia
morrer e como não podia morrer o frio não iria parar, era
enlouquecedor. Comecei a gorfar e gemer pela dor enquanto a
minha mente desligava e voltava, a dor era tamanha que meu cérebro
não conseguia raciocinar. Ao longe eu ouvi cacarejos desesperados
seguido de rugidos e sibilos, porém o que mais chamou atenção,
tanto ao ponto da dor não me desmaiar novamente, foram os
tremores.
Passos pesados que podiam ser sentidos a quilômetros de
distância se aproximando, cada vez que chegava mais perto o chão
tremia mais e mais ao ponto de que o meu corpo quase cristalizado
pelo frio quicava do chão e voltava, infelizmente ou não, meus olhos
não se mexiam então não podia antecipar o que estava vindo, mas
não era necessário, aquilo veio até mim. Uma figura que era tão
grande que parecia alcançar os céus, completamente musculosa e
gigantesca, porém deformada, possuía garras enormes, tinha uma
pelagem espessa que cobria seu corpo, mas o seu rosto parecia com
uma caveira de um urso sem pele com poucos tendões ligando a
ossada ao corpo monstruoso e com um olho vermelho que parecia
estar prestes a cair do crânio. Ele me olhou fixamente por um
tempo, talvez tentando ver se eu estava vivo? Se fosse isso minha
respiração pesada e desesperada me entregou facilmente, ele levantou
o pé que era redondo e gigantesco e pairou sobre a minha cabeça, o
levantou o máximo que pode e com toda a força ele jogou contra

53
mim, porém quando o impacto ia acontecer o pé gigante bateu em
algo incrivelmente duro que travou o ataque, era um escudo de
energia. Um escudo azulado cheio de símbolos dispostos em uma
ordem circular em cor branca que separavam a fera de mim, o
monstro se assustou e tentou rapidamente me pisotear, contudo foi
em vão e ele se virou a olhar para a frente somente para ser acertado
por uma bola de luz que perfurou e arremessou ele para fora da
minha visão. Agora só restava o céu nublado, cinzento e
completamente fechado, porém o meu salvador resolveu se mostrar.
Uma pessoa parou e agachou do meu lado, ele era alto e
lembrava vagamente o meu pai, usava trajes de frio pesado que
cobriam o corpo inteiro, pelo que consegui ver da pele que só era
um pouco exposta na linha dos olhos era bem bronzeada , seus
olhos dourados eram afiados como facas e o cabelo que escapava do
capuz que usava era na cor castanho claro, ele ficou me encarando e
inspecionando o meu corpo até que de maneira minuciosa. Após
isso ele virou levemente a cabeça e passou a falar em uma língua
completamente diferente de tudo que já havia escutado, ouvi
barulhos de asas batendo e uma mulher com asas saiu voando igual a
Astrid da última vez que a vi, será que era ela? O homem voltou a
olhar para mim e apoiou uma das mãos no joelho e colocou contra
o rosto, como se tivesse pensando ou indeciso, ele ficou nessa pose
por um tempo até que estendeu a mão direita, chegou até a minha
testa e me deu um toque imediatamente fazendo eu desmaiar.
Desmaiei e acordei logo em seguida, porém quando abri meus
olhos devagar e vi uma sala, a sala da casa do Eldrick, a fogueira
estava acessa, eu estava coberto com uma manta e a Goruberta estava
no meu colo dormindo, estava perto de anoitecer, tentei mexer a
minha cabeça para observar a sala que estava um pouco escura, a
única luz era o fogo da lareira. Após recuperar meus sentidos por
completo, percebi que não sentia mais frio nenhum, nem o frio
normal de dentro da barreira da vila eu estava sentido, enquanto
inspecionava meu corpo com cuidado para não acordar a pobre
galinha, acabei por achar um papel preso na minha bota com a
escrita parecida com a da árvore que novamente minha mente podia
compreender.

54
"Falo com você quando voltar para casa, por isso garanta que
vai voltar. "
Quando eu terminei de ler ouvi alguém entrando na sala e
virei para ver quem era, era o Eldrick, acabado, parecia que tinha
sido atropelado por dragões, ele entrava se arrastando e
despencando em uma poltrona próxima, ele se virou para mim e
voltou a olhar para cima enquanto começou a falar.
—Consegui... nunca imaginei que galinhas e búfalos
trabalhavam tão bem juntos... o verdadeiro inferno é repleto de
penas e coices...
Observei aquele elfo em uma situação miserável que trabalhou
o dia todo por minha causa... e para nada, já que não deu certo.
—Desculpa não poder ajuda-lo, talvez se eu tivesse ido teria
terminado mais rápido.
—Não liga para isso baixinho eu que te mandei ficar, pelo
menos você ficou com essa galinha danada. Só fiquei surpreso que
você acendeu a lareira sozinho.
—De onde eu venho, aprender a se virar é necessário.
—E de onde você veio?
—Uma vila de guerreiros e caçadores do norte de Midgard.
—Isso explica muita coisa... apesar de você ser bem magrinho
para alguém de uma vila bárbara.
—É... acontece que eu nasci um pouco pequeno mesmo.
Acho que já vou para casa El, tenho que pegar algo para comer no
Yorgen, ele ainda está aberto?
—Ah você... é... ele está... eu insistiria para você ficar, mais foi
um dia longo e não consigo pensar em me mover para fazer alguma
comida, se puder passar lá e pegar um pouco para mim eu
agradeceria tanto carinha...
Tentei segurar uma fraca risada, mas acho que o sorriso que
dei acabou me entregando.

55
—Claro! Volto o mais rápido que puder!
Levantei enquanto segurava a Goruberta que ainda estava no
meu colo e a coloquei onde eu estava sentado, impressionantemente
ela não acordou, após isso sai pela porta da casa em direção ao resto
da vila. Passei pelos pastos vazios, o celeiro e o galinheiro estavam
trancados, acho que o El criou algum tipo de trauma depois de hoje,
cheguei até o arco na entrada da fazenda e segui para a taverna. A
vila a noite não era escura, tinham vários insetos pequenininhos que
produziam uma luz verde amarelada que iluminavam toda a vila,
além disso todos os lugares que ainda estavam funcionando tinham
uma ou duas lamparinas e algumas pessoas andavam ainda por aí,
graças a tudo isso era fácil se movimentar a noite. Cheguei na frente
da taverna e estava bem iluminada no interior, entrei e todos
olharam para mim, desde outros humanos, elfos, anões, fadinhas
bem pequenas e um homem lagarto, esse último tinha cabeça
parecida com a de um jacaré, um corpo um porco esguio coberto de
escamas de cor verde amarronzada e olhos vermelhos brilhantes, era
o Yorgen.
—Olha o filhotinho da Bretta! O que o traz ao meu
estabelecimento, cervejinha?
—É UM MENINO, REPTIL RETARDADO!
Um humano que estava sentado em uma das mesas gritou,
algumas pessoas concordaram com a cabeça, porém.
—Meu velho dizia que nunca se é novo demais para apreciar
uma boa breja...
Ele puxou uma caneca cheia de cerveja colocou na minha
frente e ficou me encarando esperando que provasse, tentei pensar
em um jeito de me livrar dessa e me lembrei da reação do orelhudo
quando a vovó estava irritada, então resolvi testar:
—Ok, vou beber um pouco, acho que a vovó vai achar legal
eu ter bebido.
—Pera... pera um pouquinho, v-você não precisa contar para
ela sabe...

56
—Ah, mas eu tenho que contar, acho que ela vai gostar, vou
poder beber com ela quando ela quiser.
Eu peguei na caneca e ia começar a beber, mas ele colocou a
mão tapando a boca e forçando a voltar para a mesa, então ele olhou
para mim suando frio e olhou para as pessoas da taverna, quase que
pude entender o que conversavam só com os olhos, era algo do tipo:
"Se eu deixar ele beber e a Bretta descobrir, eu vou contar que vocês
não tentaram impedir, se for para afundar, EU LEVO TODO
MUNDO JUNTO! ". Todos engoliram seco e o Yorgen tentou
falar:
—Então pequeno pigmeu... beber tão jovem não é saudável,
então o que você queria mesmo?
—E o que o seu pai disse.
—Ele morreu cedo por um motivo, mas o que posso fazer
por você?
—Um pouco de comida, a vovó já pagou.
—Ah, claro, claro, que tal uma porção extra para você? comer
um pouquinho a mais... por conta da casa é evidente... ein?
Ver um cara que na teoria veio de uma derivação de dragões,
que pelo que ouvi são fortes ao ponto de ser ridículo, estar tão
desconfortável e com medo de uma criança fraca... cara isso é bom,
adorei isso.
—Obrigado, acho que eu não tenho que contar tudo para
vovó, tem coisas que ela não precisa saber.
Terminei olhando fixamente para ele enquanto sorria, já ele
concordou com a cabeça e trouxe rapidamente duas porções BEM
generosas de comida que peguei e segui para fora da taverna.
Quando fechei a porta comecei a suar frio, achei que alguém ia de
fato brigar comigo por agir daquele jeito confrontando um adulto,
mas a tensão que estava nos meus ombros foi embora quando ouvi
os gritos de dentro da taverna.

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—AHHHHHHH DEUS, EU NÃO TAVA
RESPIRANDO...
—LOGO COM O MENINO DA BRETTA YORGEN?
SERIO MESMO?
—FOI MAL... CRIANCINHA DEMONIACA! ELE
TEM SETE ANOS MESMO?
—NÃO AJA COMO SE A CULPA FOSSE DELE,
OFERECER BEBIDA PARA UMA CRIANÇA?
—EU ACHEI QUE IA SER ENGRAÇADO, QUE ELE
IA SE ATRAPALHAR! NÃO QUE ELE IA COLOCAR UMA
FOICE NO PESCOÇO DE GERAL!
Tirando terem errado a minha idade em quatro anos, isso me
deixou bem mais leve, a Bretta estava certa, as pessoas daqui são
gentis, idiotas, mas gentis, é difícil confiar só nos meus olhos. Voltei
para a fazenda e deixei o jantar, ele se ofereceu para pagar, mas disse
que o taverneiro estava se sentindo bem generoso e deu de graça,
após isso voltei para casa e minha cabeça voltou a pensar no que
tinha acontecido mais cedo. Aquele monstro, outra mulher com
asas, o homem todo coberto, tive sorte da minha ideia idiota não ter
me matado de vez, apesar de terem me dito que não dava para
morrer de novo, eu realmente me senti em perigo naquela hora, foi
assustador. Cheguei em casa e tinha alguém me esperando, uma
galinha me encarando de longe, a Goruberta
—Você tem que ir para o galinheiro, ele vai ficar com raiva.
Ela serrou os olhos para mim e começou a bicar a porta para
que abrisse e foi o que fiz, entramos, a casa estava escura, mas as
luzes de fora iluminavam o suficiente, acendi uma lamparina que
tinha na cozinha e comecei a comer o meu jantar dividindo um
pouco com a minha amiga de penas. Depois de jantar e arrumar
tudo segui para o meu quarto, já sem esperança de devolver a
galinha para o seu lar, quando eu entrei e fechei a porta a mensagem
apareceu logo na porta.
"Boa noite. Rolf. "

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—Droga... você parece com raiva...
"Não estou com raiva. "
Ela claramente estava bem irritada.
"Gostaria só de entender com qual objetivo você se jogou no
meio de uma planície gelada. Ficar paralisado devido a dor que você
claramente sábia que sentiria e ser atacado por um Helivago era o
seu objetivo? E só ser salvo porque eu desesperadamente pedi ajuda.
O que foi isso?”
Ela tinha um bom ponto..., mas foi ela que pediu por ajuda?
—Foi você que chamou aquelas duas pessoas?
A mensagem sumiu da porta e ficamos minutos imersos no
silêncio, nem a Goruberta falou nada, mas a "entidade”, não sei
como me referir a isso ainda, voltou a falar.
"Sim, chamei. Não queria ter que chamar, mas você não me
deu outra opção. Você só se colocou em perigo. Para de trocar de
assunto, o que foi aquilo?"
—Só pensei que se não tivesse a opção de parar a dor eu me
acostumaria mais rápido.
” Mas por quê? Você sabe que é perigoso, você sabe o quanto
isso dói! Por que você está tão desesperado para chegar lá? Já não é
bom o suficiente ter uma opção? Por que colocar sua vida em
risco?”
—PORQUE EU TENHO QUE VOLTAR! MEU PAI
ESTÁ LÁ VIVENDO O DIA A DIA DELE COM O MEU
ASSASSINO! VOCÊ ACHA MESMO QUE EU VOU FICAR
PARADO? MEU PAI É A ÚNICA COISA PRECIOSA QUE
EU TENHO NA MINHA VIDA!
Comecei a gritar em desespero, já estava sem ideia nenhuma e
simplesmente ficar parado sem fazer nada me fazia sentir muito
pior. Meti um chute na porta de madeira, corri e fiz o mesmo com a
cama, depois disso cai de costas no chão, a exaustão começou a

59
tomar conta do meu corpo. Enquanto observava o teto uma
mensagem apareceu nele.
“E você acha que faria ele feliz jogar a sua vida fora tentando
salvar a dele?”
—Eu não sei, mas minha vida não é tão preciosa assim, se eu
puder dar ela em troca para manter meu pai seguro, que seja.
“Rolf, sua vida é preciosa.”
—Eu nem sequer estou vivo.
“Pode não estar no mundo material, mas sua alma ainda
existe, não quero que jogue isso fora. Sei que é frustrante, mas não
posso permitir que corra tanto risco só para isso.”
—Por que você está me ajudando? Eu nem se quer sei o seu
nome? O que você ganha me ajudando? O QUE TODO MUNDO
AQUI GANHA SENDO TÃO GENTIS COMIGO?
Me levantei em um passo e passei a encarar com raiva aquelas
palavras, tanto foi a minha pressa que eu nunca parei para pensar
por que ela estava me ajudando. Agora era a hora.
“Rolf.”
—Responde! Eu não sou especial, porque você está me
ajudando?
“Você tem razão Rolf, muitas crianças iguais a você morrem
todos os dias, as vezes de forma até piores, mas você é quem eu
pude alcançar, não posso ajudar muitas pessoas mesmo sendo quem
eu sou, mas acho que se eu puder ajudar uma criança a voltar para os
braços da família dele, acho que posso me sentir melhor comigo
mesma.”
—Eu... desculpa, eu não queria...
“Está tudo bem, você merece saber, esse mundo é cruel, as
pessoas muitas vezes têm segundas intenções. Eu garanto a você que
só quero o seu bem acima de tudo, e não duvide da Bretta, da Astrid
ou de qualquer pessoa dessa vila, elas já passaram por coisas tão

60
ruins e não gostariam de fazer mal a ninguém, eu sei que você sabe
disso, sei que pode enxergar além delas e ver suas verdades.”
—Você sabe que eu consigo ver os espíritos das pessoas?
“Sim, eu sei de muita coisa. Infelizmente algumas devem
permanecer em segredo, pelo menos por enquanto.”
—Tudo bem, obrigado por contas essas coisas para mim. Eu
não vou tentar mais fazer aquilo, eu sinto muito, de verdade.
“Não precisa se desculpar, só descanse por enquanto.”
—Ok, eu vou, mas por quanto tempo eu fiquei apagado?
“Cerca de quatro horas, era para aquele homem ter levado
você de volta imediatamente, mas teimoso como ele é, preferiu fazer
isso.”
—Entendi, para falar a verdade eu não estou sentindo frio
nenhum, nem um pouco.
“Não era para você ter criado tanta resistência, mesmo que
quatro horas de exposição continua aumente bastante o progresso,
ainda sim, mesmo com você tendo uma alta compatibilidade com o
gelo é para ser algo impossível. Acho que foi dedo dele nisso.”
—O homem que me salvou? Ele pode simplesmente me dar
toda a resistência?
“Sim, por esses motivos que eu não queria pedir ajuda, ele é
uma boa pessoa, mas faz as coisas sem autorização. Olhando por
outro lado, deve ser melhor assim, já que você está com tanta
pressa.”
—Então já posso sair sem ser afetado?
“Não sei dizer, provavelmente sim, mas não sei se é perfeito,
precisamos colocar a teste. Por enquanto vá dormir, você passou por
coisa demais por hoje.”
—Ok, obrigado por tudo de novo, não sei como agradecer a
você... na verdade, você tem um nome?

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“Ygg, pode me chamar de Ygg, é um bom nome. Agora vai
para cama.”
—É... eu mal me aguento em pé, vou só levar a Goruberta
para casa.
” Não, ela vai ficar aí. Vai ficar de olho em você, você tem
uma galinha agora.”
Depois disso as palavras sumiram, em nenhuma parte do
quarto elas estavam brilhando, ela só sumiu mesmo. A Goruberta já
estava deitada na cama no lado oposto ao travesseiro, parecia já estar
no sono mais profundo possível.
—Bom, acho que é justo...
Fui me ajeitar na cama e enfim deitei, vamos tentar enfim
dormir, espero não sonhar nada.

62
SEIS
-Enfim chega a hora de ir para a Bifrost-

Não dormi, se acostumem os pesadelos não vão parar tão


cedo, ter bastante tempo para pensar é bom eu acho. Desci da cama
e acordei a Goruberta que estava dormindo perto dos meus pés, ela
estava meio sonolenta e cacarejou preguiçosamente. Peguei ela nos
braços e desci pela escada encontrando a sala vazia sem a vovó, ela
fazia falta. Coloquei a galinha na pequena mesa de jantar e fui para a
cozinha, era bem pequena, tinha alguns armários com grãos, frutas,
legumes e potes com alguns talheres, peguei algumas coisas, cortei
frutas e legumes no meio e coloquei em dois potes e levei para
comermos o que fizemos rapidamente. Após despertarmos, me
preparei para sair, pensei em colocar o casaco, mas pelo menos para
o frio dentro da barreira não era necessário, então resolvi sair logo:
—Ygg, eu posso treinar hoje?
"Não, pelo menos não por hoje, talvez você deva ir para a
biblioteca da vila ler um pouco. "
—Não sei ler.
A mensagem demorou um pouco para aparecer.
"Vai para a taverna e finge que não falei nada. Desculpa. "
—Ok? Sem problema! Tchau então.
Sai pela porta da frente e fui logo acompanhado pela minha
companheira emplumada e seguimos pela vila observando as
pessoas, que por ter uma galinha me seguindo também me
observaram. A vila era sempre animada, bem viva e alegre, não
lembrava nem um pouco o lugar de onde vim, apesar disso me
causar um pequeno desconforto. Chegamos na taverna do Yorgen,
bati na porta algumas vezes e diferente do Eldrick ele atendeu
rápido.
—Bom dia? Quem AH! POR ODIN!

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Ele abriu a porta com uma cara ainda de sono, quando olhou
para baixo e me viu, a alma, não foi intencional, saiu do corpo.
—Então... pequeno garoto, o que o trás no meu
estabelecimento? P-Precisa de um pouco mais de comida?
—Vim trabalhar.
—(...) Perdão?
—Quero que o Eldrick descanse o dia todo por causa de
ontem e tentar coisas diferentes parece legal... então aqui estou!
O homem draconio me olhou confuso e começou a gaguejar
sem saber o que dizer, ele parecia que estava procurando uma forma
de me rejeitar, resolvi adiantar o raciocínio dele:
—Sou faz-tudo e trabalho de graça.
—Entra.
—A galinha vem comigo.
—Bom dia Goruberta.
A fama dessa galinha é alta né? Gostaria de perguntar, mas eu
não sei cacarejar. Entrei na casa, agora que estava vazia notei que era
bem espaçosa com várias mesas, tinha uma porta que levava para a
cozinha ao lado da bancada do bar, vi um sátiro entrando lá.
Também tinha uma elfa de pele escura e cabelos cinzentos pegando
uma vassoura, só que o Yorgen a interrompeu:
—Ei, você vai cuidar de pegar as mercadorias que falta, o
moleque limpa hoje.
Ela se virou e olhou para mim com uma cara de confusa e
voltou a olhar para o chefe dela:
—Uma criança de oito anos de idade?
—Eu tenho onze...
—(...) Piorou, mas desculpa... é só que você é muito
pequeno...

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Ficou um silêncio constrangedor após isso que só foi
quebrado pelo cacarejo da Goruberta seguido deu ter pegado a
vassoura com raiva e tentado varrer apesar do cabo ser bem maior
que eu. Ambos notaram e perguntaram se queria fazer outra coisa.
Eu ouvi, respirei fundo, e fui varrer em outro lugar longe deles, mas
consegui ouvir eles um pouco:
—É o moleque da Bretta, ele vai te atacar a noite enquanto
você dorme...
—Vou levar uma faca para cama hoje.
—Só isso?
Resolvi só focar em varrer o lugar inteiro como conseguia
enquanto a Goruberta ficou em cima da prateleira do bar dormindo.
As horas foram passando e eu limpei o salão e a cozinha e estava
indo para o armazém de suprimentos quando duas figuras entraram
na taverna.
—Finalmente te achei! Não te encontrei em casa!
Era a vovó, correu assim que me viu me esmagando em um
abraço logo em seguida.
—Fui na fazenda e o Eldrick disse que não tinha ido buscar
você e quando eu cheguei em casa. Que bom que você está bem.
Depois de quase ser esmagado pelo abraço de urso de uma
mulher cabra eu fui solto e pude falar.
—Oi vó, como foi a viagem?
—Ah, foi boa querido, um ou dois bichos chatos no meio do
caminho.
—Um feio com cabeça de crânio de urso?
—(...) Rolf como você sab-
—CERVEJA!
A Monna chegou bem na hora para me ajudar, acabei
deixando escapar algo que não devia, mas por sorte ela apareceu. A
gigantesca ferreira começou a andar passou por nós e juntou dois
65
banquinhos para se sentar, que claramente estavam sofrendo, e pediu
novamente a bebida. Aproveitei a deixa para tirar a atenção da vovó.
—Por que não come algo vovó? Acabou de chegar, duvido
que tenha almoçado.
—Hum? Ok, realmente preciso.
Consegui tirar o assunto e fomos comer, estava no horário de
almoço mesmo e o Yorgen serviu a gente, após isso elas me
contaram como foi a viagem. A Monna foi vender várias
ferramentas nas vilas próximas e comprar mais materiais para a forja
e precisava de ajuda porque de vez em quando mais de um monstro
entra no caminho e ironicamente ela não é boa de socar. Elas
ficaram bastante tempo falando sobre a viagem, a Monna até me
deu um presente.
—Ei criança, sobrou um negócio e eu pensei em dar de
presente de boas-vindas.
Ela levantou e foi até mim se abaixou e tirou de uma bolsa de
couro um cinto de couro com uma bainha e uma pequena adaga. Ela
me deu e ajustou certo na minha cintura, bainha ficou nas minhas
costas. Assim que ela terminou eu puxei a lâmina para ver como ela
era, uma pequena adaga de ferro bem afiada, tinha uma
empunhadura com uma fita de pano enrolada e um guarda mão e
pombo de bronze. A Bretta olhou meio desconfiada e perguntou.
—Você sabe que deu uma faca na mão de uma criança de
onze anos? Isso não é-
—É quase igual a que eu tinha! Obrigado Monna eu adorei!
—E ele já tinha uma antes... claro que ele tinha uma antes.
Após testemunhar o neto ter gostado da sua nova arma, a
sátiro simplesmente se virou e voltou a almoçar, já eu passei a
golpear o ar repetidamente brincando com a minha nova adaga,
relembrando os treinos antigos. Essa situação durou até todo
mundo terminar de comer, nos preparamos para ir para casa depois
disso.

66
—Vamos Rolf, a gente ainda tem que descarregar as coisas
na forja antes de ir.
—Ah, ok. Goruberta! A gente já vai para casa!
Nessa hora a Goruberta que estava em cima da estante de
bebidas pula e se debate no ar planando até a minha cabeça o que
obviamente gerou comentários da Monna e da Bretta
respectivamente.
—Essa não é a galinha estranha do Eldrick?
—Rolf, por que a Goruberta não está na fazenda?
—Então. Vovó e senhora Monna... posso explicar no
caminho?
Fomos embora da taverna em direção a forja da Monna, por
sorte me livrei de limpar o resto do lugar, não que o Yorgen pudesse
reclamar já que eu podia incluir a nossa conversa de ontem no
assunto. Durante o caminho contei sobre a ida a fazenda e a revolta
dos animais, a Bretta ficou com muita pena do pobre elfo, até queria
passar lá para cuidar dele. Após isso chegamos na casa da orc e
guardamos tudo que ela trouxe da outra vila, depois seguimos para
ver o Eldrick na fazenda dele, ainda estava todo acabado, e aí fomos
andando para casa.
—Então, como a Goruberta virou sua galinha de estimação
mesmo?
—Ah... bom, é que quando eu voltei para casa depois da
fazenda ela estava lá na porta.
—E você tentou devolver ela?
—(...)Eu acho que você não vai acreditar se eu contar...
—Pode falar querido, não é nada demais você querer um
bichinho.
—Na verdade sempre que eu a deixava no galinheiro... eu
voltava e ela estava lá na porta me esperando.
—Quantas vezes isso aconteceu?

67
—Três vezes.
Ela encarou a Goruberta que nos acompanhava logo atrás e
deu de ombros.
—É, não está fora do comportamento normal dela. Pelo
menos pude pegar um pouco de comida na fazenda.
Não gosto de mentir para vovó, mas não podia contar sobre
aas mensagens, ela nunca me deixaria sair de casa novamente caso
soubesse, ainda bem que não dei motivos para não acreditar em
mim, e de novo, o que essa galinha fez para ela não estranhar?
Quando chegamos em casa nós entramos e já estava começando a
escurecer e para agradar um pouco ela eu ajudei a fazer o jantar, foi
bem legal, aprendi a fazer sanduiches e salada de frutas. Depois
fomos comer na mesa, nos três, com a Goruberta comendo em uma
tigelinha a ração dela e após isso fomos nós preparar para dormir.
Entrei no meu quarto acompanhado da vovó e vimos a
galinha ir até a minha cama e deitar na ponta e imediatamente
adormecer, e nessa hora a Bretta questionou:
—É o cantinho dela?
—Ela gostou de lá e eu não tive coragem de tirar ela.
Realmente não tem problema ela ficar por aqui?
—Ela parece calma quando está perto de você então acho que
ok, se não rolar o que aconteceu na fazenda aqui, não tenho porquê
reclamar.
Após isso fui me deitar e dei boa noite para vovó que
retribuiu e foi dormir.
A noite começou e eu fiquei olhando para o teto por algum
tempo, tentei evitar me mexer para não acordar a vovó, mas um
barulho veio crescendo da parede, a vovó cabra estava rocando.
—Agora que eu não durmo mesmo...
E na mesma hora uma luz veio no teto iluminando o meu
rosto e me trazendo uma mensagem.
"De fato ela ronca bastante."
68
—Boa noite Ygg.
Sussurrei bem baixo, as paredes eram finas e eu estava com
medo de acordar a vovó.
"Boa noite jovem. Pode falar mais alto, coloquei uma barreira
de isolamento ao redor do quarto de sua avó, nem se uma bomba
explodir ao lado do quarto ela vai escutar."
—Ah, você é surpreendente. Se você está aqui significa que eu
posso ir treinar hoje?
"Sim, na verdade quero testar algo. Vá para a entrada."
Sai da cama e fui até a porta, abri a porta e quando eu ia sair
acabei olhando para a cama, a Goruberta estava dormindo e não
parecia que ia me acompanhar. Fui até a porta do quarto da Bretta e
o ronco atravessava as paredes, claramente ela não ia acordar hoje, se
duvidar nem amanhã. Desci até a porta de casa pronto para tudo,
porém quando ia sair uma outra mensagem apareceu.
"Leva o casaco. É frio lá fora lembra. "
—Eu pensei que era imune ao frio de fora da barreira agora.
"Apenas resistente, e essa resistência só é o suficiente para a
vila. Precisamos colocar ela a prova e qualquer ajuda é bem-vinda. "
—Ah, vou colocar então.
Coloquei o casaco e prendi o cinto com a bainha da minha
nova adaga e sai para fora. Do lado de fora caminhei até a fazenda
do Eldrick, a casa estava toda apagada igual ao resto da vila, fui até
o pasto das galinhas e pulei a cerca esperando o túnel se abrir
novamente o que logo aconteceu. As árvores se retorceram
novamente e o caminho se abriu me permitindo seguir em ímpeto,
porém a medida que andava o caminho mudava, o chão de grama
azulada com neve começou a se transformar em pedras e terra, as
árvores viraram rochas com estalagmites, tudo havia virado uma
caverna e eu segui por ela até a luz do outro lado. Quando eu
cheguei do outro lado quase cai, a saída da caverna ficava vários
metros do chão. Vi aquele mesmo cubo negro com entalhes em

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dourado agora gigantesco, o mesmo que eu vi daquela floresta, não
conseguia ver a vila daqui, ela se perdia na nevoa do horizonte.
Enquanto me deslumbrava com a vista noturna de Helheim de
dentro da barreira minha mente voltou para a realidade e pensei.
Como que eu desço daqui?
"Agora que você já sabe onde está e aproveitou a vista vou te
ajudar a descer. "
A mensagem apareceu iluminada em branco na parede da
caverna e um pouco mais recuado um túnel em ladeira apareceu com
algumas luzes o iluminando até uma curva suave que tinha no
percurso que não me deixava ver mais nada. Voltei da entrada da
caverna e fui para frente do túnel e fiquei meio receoso em descer.
"Só se sente e escorregue. "
—Ah, claro... nem parece super perigoso.
“Você se jogou fora da barreira, vai ligar para perigo agora?”
—Mereci essa...
Sentei, respirei fundo e fui ladeira a baixo, comecei a deslizar
e fui pegando um pouco de velocidade, teve a curva e após isso só
ladeira a baixo, fui descendo e descendo cada vez mais e perto do
fim do túnel a ladeira ficou cada vez menos acentuada até que eu
cheguei ao fim do túnel. Assim que sai do túnel o frio voltou a
percorrer todo o meu corpo, mas estava diferente, era só uma
ardência imensurável, mas não era incapacitante como antes, podia
me mover aos poucos. Finalmente me levantei enquanto respirava
bem forte e comecei a andar, mas logo do lado do fim do túnel na
parede uma última mensagem.
"Boa sorte jovem! Só posso ajudar até aqui. Se achar que
ainda não está pronto volte para o túnel."
Assenti com a cabeça e comecei a andar, a ladeira dava um
pouco longe do caminho para o cubo então ainda teria que andar
um pouco, mas isso não me abalou. Comecei a andar, o frio não me
permitia andar nem na minha velocidade normal, mas cada vez mais

70
eu chegava perto. Um tempo se passou, aproximadamente meia hora
quando finalmente cheguei na trilha que levava diretamente para o
cubo.
—FINALMENTE A BIFROST!
Gritei para mim mesmo e tentei ao máximo acelerar o meu
passo para chegar lá, agora que estava olhando-o de frente podia ver
mais detalhes. Era um cubo de metal negro, com vários entalhes de
runas que cobriam a cobertura, espalhado por essa mesma cobertura
tinha várias tubulações douradas que se ligavam e divergiam por
toda a superfície e essas tubulações transportavam fluxos
inesgotáveis de energia azul. Caminhei até a metade do percurso e de
repente algo naquela caixa preta começou a se mexer e um portão
abriu de cima para baixo revelando um portal da mesma energia dos
tubos totalmente opaco. Isso me motivou a andar mais rápido ainda
e quando estava quase lá, quase cruzando para o outro lado, meu
braço a mero centímetros do portal algo me segurou, meu braço
esquerdo tinha sido agarrado por uma mão grande, de um adulto.
—Você não pode estar aqui pequeno humano.

71
SETE
-Conheço as irmãs guerreiras aladas, e apanho para variar-

Estava parado olhando para o portal que me levaria para casa,


estava tão próximo que podia sentir o vento vindo de dentro da
estrutura, mas eu continuava sendo segurado por alguém que estava
me prendendo pelo braço enquanto uma voz feminina e suave saia
de trás de mim.
—O que você está fazendo aqui? É muito perigoso para uma
criança humana.
Me virei e uma mulher era quem estava me segurando, altura
média, pele bronzeada cheia de sardas claras e tinha um cabelo
castanho escuro grande e bagunçado, vestia uma armadura pesada
branca parecida com a da Astrid, mas com algumas modificações,
por fim tinha um cajado na mão esquerda de madeira branca com
uma esfera de cristal no topo e um livro em um suporte amarrado a
cintura. Ela me segurava com o braço direito e com seus olhos azuis
com um sinal de preocupação e confusão.
—Como você chegou aqui? Está tudo bem? Consegue me
entender?
Olhei de volta para o meu braço preso e para ela novamente e
quase como se sentisse extremamente culpada largou o meu braço.
—Desculpa! Desculpa! Eu não queria te machucar, eu sinto
tanto.
—Ah, não precisa se preocupar, não machuca mais que o frio.
—Ah que bom! Espere um pouco, deixa eu ajudar.
Ela pegou o cajado e começou a conjurar surgindo três
círculos mágicos em torno do cajado e logo em seguida um igual
surgiu em baixo de mim e em seguida ela falou:
—"Resistência Elemental: Gelo."

72
Porém o círculo conjurado se quebrou imediatamente,
tornando o estado de dúvida anterior muito maior.
—Como? Você que? Como assim?
—Ah, sinceramente eu também não sei, mas se você não se
importar senhorita, tenho que ir para casa, minha vó deve estar
preocupada.
Voltei a me mover devagar de volta ao portal e quando me
estiquei para o meu braço cruzar a interseção um forte vento me
puxou quando estava a um centímetro de passar. Um vendaval
cercou o meu corpo cobrindo meus braços, torço e pernas e me
jogando com tudo para trás no meio do céu enquanto me fazia girar
e girar violentamente e pousando gentilmente no chão no começo
da trilha. Após a aterrissagem eu estava em pânico, nunca tinha visto
magia antes e podia jurar que o furacão que havia me carregado ia
arrancar os meus membros, olhei para a mulher com seu cajado
repleto de círculos mágicos que ostentava um olhar confiante e um
sorriso de canto de boca.
—Não se preocupe eu tomei todo o cuidado para que você
não se machucasse. Ah, essa magia se chama "Vendaval" não é
ótima? E o que quer que esteja pensando em fazer não vai funcionar.
— Você é uma Bruxa? Isso foi magia?
Ela concordou com a cabeça e se encostou ao lado do portal
como se esperasse uma nova tentativa, que logo se realizou porque
novamente tentei correr, da maneira lenta que o frio permitia, de
volta a trilha para a Bifrost. Demorou um tempo para eu chegar
perto da entrada de novo, tanto que a maga puxou conversa.
—Então de onde você veio?
—De uma vila.
Respondi me tremendo de frio.
—Eu sei, eu sei, mas eu quero saber de qual, fala vai.
—Você não devia ter um pouco mais de empatia por uma
criança no frio?

73
—Acho que você sair da sua vila que é fora da barreira e
milagrosamente chegar até aqui, preocupar os seus responsáveis e
claramente se submeter a um frio que deve estar te incomodando
bastante não são atos dignos de empatia, são dignos de ser chamado
de idiota.
—Eu tenho onze anos, faço coisas idiotas, qual a sua
desculpa?
—(...) Você é bem babaquinha né? "Treme-Terra."
O chão abaixo de mim começou a mexer e um pilar de terra
me arremessou para cima com tudo e o mesmo vendaval de antes me
deslocou até o ponto inicial e me pousou gentilmente.
—Vai tentar de novo?
Ela gritou de longe. Já eu comecei a andar novamente e o
assunto voltou.
—E você não é humana também? Como você não sente frio?
—Ah, eu sou uma valquíria! Eu e minhas doze irmãs!
Ela mostrou as asas grandes e brancas e girou as exibindo.
—Sou Althea, a maga arcana das treze! Você seria?
—Eu sou o Rolf, o garotinho que vai passar pelo portal
agora se me permite.
—Infelizmente não permito pequenino.
Terceira tentativa de passar pelo portal quase foi sucedida, se
não fosse por ela pessoalmente pegando pela minha gola e me
erguendo no ar e me arremessando com tudo de volta para o início
da trilha, porém enquanto ainda estava no ar ela conjurou de novo a
magia de vento e pousei em segurança. Após isso resmunguei
gritando.
—EU TE ODEIO ALTHEA!
—A GENTE TEM TEMPO PARA TRABALHAR ISSO!
ATÉ O AMANHECER VOCÊ VAI ME ADORAR!

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—EU NÃO VOU FICAR AQUI A NOITE TODA!
VOU PASSAR PELO PORTAL!
—ACHO QUE NÃO, MAS A GENTE PODE
CONVERSAR MAIS, AFINAL ISSO VAI DURAR A NOITE
TODA!
—NÃO VAI NÃO!
Adivinha o que durou a noite toda? Ela ficou me barrando de
jeitos cada vez mais criativos, com cada vez mais magias que me
fizeram criar um trauma a magos. Acabou que o dia começou a
nascer e achei melhor ir para a casa, então chegou a hora deu me
despedir da Althea que naquela hora estava me segurando nos
braços enquanto conversávamos pela última vez.
—Então, sabe aquela floresta do outro lado do campo?
—Você quer que eu te deixe lá? Não é melhor na sua casa?
—Tem um atalho se eu for por ali.
—Ok? Você que sabe.
Ela me levou até a entrada da floresta de onde eu tinha visto a
Bifrost antes e quando se preparou para voar ela se despediu. Após
isso o túnel de árvores se formou e comecei a caminhar de volta para
casa e a Ygg resolveu conversar.
"Então conheceu a Althea? "
—Não pensou em me contar? Espera você a conhece?
"Só de longe, sinceramente achei que você passaria sem
problemas, acho que vai ter que lidar as irmãs aladas a partir de
agora. "
—Todas as vezes que eu cheguei perto do portal foi só
porque ela deixou, nem o frio é problema mais.
"Sua resistência aumentou? Que bom. "
—Não é disso que eu estou falando, mas magia é um
problema tão grande que qualquer coisa é besteira perto disso.

75
"Justo. Vamos dar um jeito jovem. "
Após isso sai na fazenda do Eldrick, passei pela vila, entrei
em casa e deitei na cama me jogando e acordando a Goruberta,
desculpa. Quando o cansaço estava vencendo e estava prestes a me
jogar finalmente no mundo dos sonhos a Bretta resolveu acordar
abrindo a porta bem feliz,
—Bom dia Rolf! Não durmo tão bem faz semanas. Vamos
comer? Hoje é dia de ajudar em outra fazenda.
Ela desceu para preparar o café da manhã e a Goruberta a
seguiu, já eu gritei no meu travesseiro de raiva. O dia seguiu bem
calmo e tranquilo, eu e a vovó fomos em uma outra fazenda da vila
para ajudar, o que foi bem tranquilo devido ao fato do Eldrick ter
me arrastado pelas fazendas para testar minha empatia com os
animais, graças a isso me deixaram bem à vontade. Para compensar a
tentativa falha da noite passada o dia foi bem tranquilo e divertido
com a vovó Bretta me ajudando com os animais, além disso tive
alguns momentos de descanso. No fim do dia voltamos para casa e
enquanto ajudava no jantar conversamos mais uma vez como no
resto do dia com ela puxando assunto.
—Você dormiu bem? Só sei que desmaiei sem mais nem
menos.
—Dormi... dormi, tive um sonho legal onde o vento me
levava pelo céu.
—Nossa! Sonho legal, agora eu fiquei com vontade, mas acho
que a Astrid não iria me fazer esse favor, carregar uma velha cabra
por aí deve estar além do que ela é paga para fazer.
Nós começamos a rir e a minha mente voltou para a noite de
ontem com a Althea e acabei também por lembrar da Astrid.
—A Astrid visita a vila com frequência?
—Por que está perguntando do nada? Gostou dela? Roubou
o seu coraçãozinho?
Ela estava com um sorrisinho idiota quando falou isso.

76
—(...)Eu ia perguntar sobre as irmãs dela...
—Hum, é que normalmente acontece com a maioria do
pessoal, incluindo aquele elfo, acho que você é novinho demais para
ligar para garotas. Ela é a mais nova das treze irmãs, todas se dão
bem e a única que eu conheci além dela foi a Freda, ela era bem
gentil e tímida, a Astrid disse que ela não gosta de machucar
ninguém e é surpreendentemente ingênua.
Quando ela falou do Eldrick deu para ver ela ficando
emburrada, vou pedir mais detalhes para o El depois. Ela só conhece
a Freda, queria saber das outras para me preparar, mas pelo menos
espero que seja essa que eu encontre.
Quando terminamos e formos jantar eu tentei perguntar
sobre o El ter ficado encantado com a Astrid, mas ela desviou do
assunto todas as vezes e achei que se insistisse ela iria ficar chateada.
Fomos dormir logo após a janta deitei na cama e a vovó me deu boa
noite e foi dormir, fiquei olhando novamente para o teto
ponderando se deixava o cansaço da noite passada me vencer, mas
tenho que voltar o mais rápido possível, por sorte parece que a Ygg
aparece sempre na hora certa.
"Pronto para mais uma tentativa? "
—A vovó está dormindo?
"Claro."
—Já estou indo para lá.
Sai da cama em um passo, peguei o cobertor que estava na
minha cama e criei um ninho ao redor da Goruberta que estava
dormindo calmamente no mesmo lugar das últimas vezes e desci
correndo para a casa do Eldrick. Cheguei lá depois de um tempo,
passei pelo arco e fui para o lado do galinheiro e quando eu passei
pela porta da casinha das galinhas e uma voz me parou.
—Quem está ai? Fale agora!
—Oi... El?
—Rolf? Por que você está em pé tão tarde?

77
—Eu... vim deixar um ovo que a Goruberta pôs para você...
"Sério? "
—Sério?
Olhei para a mensagem que apareceu na parede do galinheiro,
só que dessa vez sem o brilho padrão, com um olhar de raiva, se ela
tinha uma sugestão melhor era só falar e falei surrando.
—Me ajuda agora...
"Fala que ele está sonhando. "
—Sério?
Logo depois da sugestão o Eldrick começou a sair da porta
da casa onde ele estava e veio para a minha direção me forçando a
reagir.
—NÃO, NÃO, FICA AI! Não... adianta você vir, você está
sonhando, não adianta vir aqui.
—Isso é um sonho? Beleza, eu vou fingir que eu acredito, vou
te levar para casa, vamos.
Respondeu com uma cara de deboche tremenda. Ele estava
quase chegando e o pânico me fez agir sob pressão.
—Se eu não sou um sonho como eu sei que você sente algo
pela sua amiga.
Ele subitamente parou.
—Eu não sinto nada pela Bretta...
—Eu não disse o nome dela.
—(...)Ah, ok... olha isso é algo muito particular então eu
preferiria não falar sobre isso.
—Prefere falar sobre a porta embaixo da cama? Tem algo ali
que você não quer que eu saiba?
—(...) Não... como que...

78
Ele começou a se afastar de mim bem devagar até chegar na
sua porta e outra mensagem de última hora surgiu
"Manda ele ir dormir e chama ele de novato. "
Olhei para o Eldrick, ambos estávamos tensos, respirei fundo
e falei.
—Melhor descansar um pouco... novato.
Ele subitamente engoliu seco e entrou correndo dentro da
casa balbuciando: "Dorme, dorme, dorme, dorme." e fechou a porta
com força. Logo em seguida segui para meu compromisso. Passei
pela floresta e pela caverna, desci no escorredor da última vez e
quando passei pela barreira que me protegia do frio e notei que
estava um pouco menos pior do que antes, não muito, mas já serve.
Após descer fui até o começo da trilha para a Bifrost, já conseguia
andar normalmente no frio, mas correr ainda era muito difícil.
Comecei a vasculhar todo cantinho ao redor para ver se achava
alguém me vigiando, porém não foi preciso porque quem eu
procurava se mostrou voluntariamente.
—EI!
Olhei para cima do cubo negro e lá estava, uma figura grande
com garras enormes no lugar das mãos e pés, boa parte da pele era
revestida de escamas azuis que faziam contraste com o cabelo preto
de onde saiam dois chifres, tinha asas parecidas com de morcegos e
uma cauda também revestidas das mesmas escamas. Ela olhava na
minha direção e tinha um sorriso maligno no rosto, um sorriso
cheio de dentes afiados que pareciam cortar menos que os olhos de
navalha dela que eram iguais a de serpentes. A figura ficou estoica
me encarando e saltou para o alto pousando no chão fazendo todo
o arredor tremer e me derrubar no chão apavorado. Ela se
aproximou e pude ver seus olhos cinzentos como as nuvens que
cobriam o céu de Helheim, ela se abaixou e começou a me encarar
como se fosse me arrancar a cabeça com os dentes enormes e
quando eu estava para perder a consciência ela começou a falar com
a voz forte e agitada.
—Você é o Rolf?

79
Achava que era impossível suar em Helheim, mas o tamanho
pavor que sentia me dava a sensação de estar suando frio, e piorou
logo em seguida.
—VOCÊ É O ROLF? RESPONDE!
—Eu, eu sou...
—Ah que bom!
Depois de responder ela voltou a ficar em pé e o ar
ameaçador sumiu dando lugar a uma risada e um ar carismático, ela
logo voltou a falar:
—Finalmente você chegou! Os outros que vieram aqui eram
só monstros que não sabiam falar, mas você está aqui! A Althea me
falou que uma criança pequena, fofa e insistente apareceu querendo
cruzar o portal, nunca vi uma criança mortal conseguir passar até
aqui sem equipamentos. Você deve ser bem forte para sua idade.
—Ah... então, eu acho que não. Mas quem é você?
Um sorriso orgulhoso se abriu em seu rosto e ela fez uma
pose ainda mais orgulhosa e falou.
—Sou Gwydion, filha do poderoso dragão azul Gwyn! Sou a
valquíria mais poderosa que existe!
—A valquíria mais forte não era a Astrid?
—Ah droga! Você a conheceu... aquela monstra..., MAS EU
SOU A SEGUNDA!
A postura quase arrogante dela se desfez em uma cara de
vergonha e ela parou de olhar para mim.
—Ah que bom... então foi um prazer conhecer você
Gwydion, por que você não conta mais sobre a raça dos dragões? ou
sobre as suas irmãs?
Falei isso enquanto me levantei bem devagar e fui começando
a andar para pular no portal, só que eu estava muito longe e
claramente eu não era invisível então ela me notou, obviamente. Ela
me pegou pela cabeça com a mão grande de dragão dela e falou.

80
—Ei! Não vai embora, eu vim aqui justamente para te treinar.
—Me treinar? Olha eu não sei o que a Althea disse, mas eu
sou fraco, mais que o normal das pessoas, então acho que eu
dispenso o treino.
—Não seja assim, me candidatei para treinar você para que
consiga derrotar as outras e já desistiu? Não seja assim. Você sabe o
quão grandioso é treinar...
Ela começou a tentar me convencer a treinar com ela, mas não
estava prestando atenção, tentar descobrir como a mão dela é tão
insanamente forte e o fato da mesma não me largar até agora era
mais importante para mim. Minhas tentativas falhas de tentar me
soltar continuaram por um tempo enquanto ela divagava até que
parei para prestar atenção no que ela dizia.
—Porque nós dragões somos incrivelmente majestosos,
temos escamas que protegem todo nosso corpo e dificilmente
ficamos ferido por qualquer tipo de arma e também podemos soprar
uma rajada...
Resistentes? isso é interessante, então ela não se machucaria
muito mesmo se eu usasse uma lâmina? Isso parecia um pouco cruel
de se fazer, mas eu precisava ir para casa e um leve corte não iria
matar ela, pelo menos eu esperava. Coloquei minha mão na
empunhadura da faca, respirei fundo e na contagem de três
arranquei ela dá bainha, joguei o meu braço o mais longe que podia
e em ímpeto cravei ela no pulso da mulher dragão, mas a adaga
voltou...
Olhei para a faca que não tinha uma gota de sangue e meu
olhar não era de nada mais do que espanto, ela simplesmente voltou
como se tivesse batido em uma chapa de ferro, nem mesmo meu pai
conseguiria se defender disso, pelo menos um leve arranhão teria.
Me questionei por tanto tempo que ela me jogou para mais longe
ainda do portal, para a planície que separava as montanhas da
floresta, e falou com uma voz que parecia bem irritada.
—Moleque atrevido... e pensar que você ia me esfaquear
mesmo quando eu gentilmente estava te explicando.

81
—Desculpa, não foi a minha intenção, eu... desculpa, me
desculpa, me desculpa...
Eu comecei a me desesperar, ela estava parada e uma aura
começou a saltar para fora congelando ainda mais a minha espinha.
A aura perigosa me fazia querer correr, não sentia mais nada além de
medo, porém não parou por aí, essa aura começou a gerar raios que
percorriam em torno do corpo dela inteiro. Ela estava em outro
nível, que poder absurdo, quando que por instinto eu ia abaixar a
cabeça e implorar pela minha vida ela gritou.
—VOCÊ ME ENGANOU BEM DIREITINHO!
ENTÃO VAMOS COMEÇAR!
—COMO É QUE É A HISTORIA?
Ela saltou sumindo subitamente e apareceu em cima de mim
preparando um soco que desceu com tudo. O punho pesado dela
descia em minha direção e nessa hora minhas pernas reagiram
sozinhas e me fizeram pegar um impulso ainda no chão para trás,
porém eu não sabia se ia dar tempo de desviar, fechei meus olhos e o
impacto veio.
—BOOOM
Uma cortina de poeira gigantesca foi levantada, comecei a
torci bastante enquanto tinha percebido que não tinha virado parte
da poeira. De repente ouvi as batidas de asas e a neblina de poeira
foi expulsa dando lugar as asas de dragões enormes da Gwydion, ela
estava curvada e com o punho cravado na terra até a metade do ante
braço, ela olhou para mim com os olhos afiados de réptil que eram
as misturar da cor roxa e azul e falou.
—Acho que não peguei leve o suficiente, quase foi demais.
Desculpa, vou pegar mais leve agora.
Ela terminou de arrumar sua postura e desapareceu
novamente para ressurgir em cima de mim. Seus olhos transmitiram
perigo novamente, o medo me preencheu e ela falou.
—Desvia.

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O golpe chegou e em ímpeto forcei meu corpo com tudo e
desvie por pouco novamente. Ela claramente estava pegando leve
comigo, mas ainda assustava bastante, dessa vez o soco nem tinha
enterrado na terra, porém o impacto ainda era tremendo. Ela me
olhou de novo com um sorriso suave dessa vez.
—Acho que achei o ponto certo. Levanta, vai ser melhor se
estiver em pé.
—Isso vai durar a noite toda?
—Por ai... porque?
—(...)Que saudade da Althea...
Um resumo da minha noite foi o pega-pega mais mortal da
história, ela em nenhum momento tentou me matar, não sei se dá,
mas ainda assim foi emoção o bastante pelo século seguinte. Após
isso a Gwydion me deixou na floresta e disse que achou engraçado
fazer eu sair pulando feito um sapo por todo canto. Voltei para casa
com o resto de energia que tinha e não descansei porque a vovó
acordou minutos após eu chegar... de novo...
O dia seguinte pode ser resumido em mais frustração e dor de
cabeça, continuei a ir pela mesma rota de sempre, tirando a parte do
Eldrick. Quando chegava uma nova valquíria se apresentava, porém
Gwydion e Althea estavam observando dessa vez, a minha parceira
dessa vez era na realidade duas, um casal de anãs, seus nomes eram
Thyri e Agnes, eras pequenas como todos os anões, mas em
compensação era visível de longe que eram pessoas incrivelmente
fortes. Respectivamente seus cabelos eram castanho e ruivo, suas
armas um machado de guerra enorme e pesado até para humanos
grandes e um martelo igualmente imenso, suas armaduras idênticas
tinham as cores branca e dourada que já tinha visto. Quando
cheguei elas foram impressionantemente simpáticas e parecia que eu
não iria acabar sofrendo tanto, até que eu levei uma martelada e a
brincadeira delas começaram, em resumo foi um jogo de acerte a
toupeira que obviamente me ocupou o resto da noite.
Quarta tentativa, todas as valquírias de antes estavam me
vendo com o adicional de Freda e Bellatrix, falo melhor delas

83
depois. Já a minha "oponente" era a Hilda, uma sátiro, mesma raça
da vovó. tinha cabelo loiros com as pontas roxas e pele clara com
olhos azuis e a pelagem da parte cabra era branca, a armadura era
mais leve, parecia feita para dar mais liberdade de movimento. O
desafio da noite foi tentar não ser chutado para muito longe, ela
tentava me arremessar para longe só com a pressão do vento do
chute de carneiro dela e quando ia me destruir contra o chão alguma
outra valquíria me pegava. Acho que você pode adivinhar o que
aconteceu.
Decima quinta tentativa, vamos pular as outras, quando eu
finalmente cheguei tinha dez valquírias espalhadas por todo lugar,
um monte de caras novas estavam. Na frente do portal estava uma
humana de pele bem bronzeada, olhos azuis, cabelo castanho com
uma transição para roxo nas pontas. Ela era bem musculosa e
portava duas espadas longas cheia de símbolos, seu nome era
Eleanor. Quando cheguei na trilha ela já estava com suas lâminas
desembainhadas, cada uma em uma mão, um sorriso relaxado
estampava seu rosto.
—Oi Rolf!
—Dez valquírias? Vocês não têm nada melhor para fazer
além de ficar vindo aqui me ver apanhar? Quem está levando as
almas para o Valhalla?
—A gente tem..., mas eles podem esperar na arena até
amanhã. Aqui a gente tem uma desculpa para conversar, e brincar
com você é divertido!
—EU FALHANDO REPETIDAMENTE TE DIVERTE?
—Sim!
A semana já havia sido o cumulo do estresse em si e isso foi a
faísca que me fez explodir. Minha expressão se fechou, faltei ficar
vermelho de tão irritado e estava pronto para partir para cima
depois das últimas quatro vezes então gritei.
—ALTHEA, FREDA E BELLATRIX! ME AJUDA!

84
As três me olharam e cada uma pegou seu respectivo cajado e
lançaram diversas magias, desde aumento de dos meus atributos
físicos até encantar a minha adaga para soltar raios. Entupido de
magia enterrei o meu pé no chão e disparei, não estava acostumado
com o aumento de poder, mas não era hora para isso, precisava no
mínimo conseguir passar por ela. Voei em direção a ela o mais
rápido que podia, me sentia como se fosse uma águia com minhas
duas mãos na minha arma, pronto para atacar com um corte vertical.
A guerreira estava pronta para responder, ainda com um sorriso
desleixado no rosto ela larga a espada da mão esquerda e gira a da
mão direita duas vezes antes de apoia-la nas ombreiras da armadura
como se carregasse o ataque e assim o embate começa. O meu corte
vem cortando o ar e ela em um simples movimento aparar o golpe, o
impacto sucede e junto dele uma explosão de raios que me arremessa
muito para trás, dou um mortal ainda no ar e aterrisso deslizando
pelo chão de terra e neve perdendo o equilíbrio e ficando de joelhos.
A poeira e os raios cessaram e Eleanor estava parada, ilesa, uma
explosão de raios gigantes e ela nem se mexeu, maldita... ela deixou a
pose de defesa e falou.
—Um corte limpo na vertical, uma manobra quase boa, está
melhorando, se continuar assim em dez anos vai poder dar mais de
um golpe.
Me levantei muito puto já pensando enfiar a minha faca no
meio da cara dela.
—É fácil ir para cima contra alguém que não vai te machucar,
e se eu não aprendesse a pousar já teria morrido pela segunda vez
por algum acidente de vocês.
Nesse momento a Agnes gritou de cima da montanha.
—EU JÁ FALEI QUE AQUELA MARTELADA FOI
ACIDENTE!
Respondi imediatamente lembrando do dia que conheci ela.
—EU PODIA TER VIRADO UMA TOPEIRA SUA
ANÃ MALDITA! SE NÃO FOSSE A SUA NAMORADA PRA
ME SALVAR EU NEM SEI ONDE ESTARIA AGORA!

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Ela olhou para a Thyri, a outra anã que compunha as
valquírias, que suspirou e olhou com um rosto de decepção enorme
para a amada. Pulando a discussão do casal e voltando a luta, decidi
ir por terra para o próximo ataque, corri em direção a ela e os
símbolos da espada passaram a brilhar e ela deu um corte na minha
direção e junto com o movimento saiu uma rajada de energia branca.
A magia dela vinha em minha direção me obrigando a saltar para o
lado, e quando terminei de desviar da primeira, diversas vinham em
sequência, comecei as evasões, escapei de cinco ataques e após isso já
estava na área de alcance de sua espada. A hora de atacar chegou
novamente, joguei meu braço para frente afim de na junção da
armadura que tinha entre a barriga e as coxas, porém veio a reação,
um corte vertical veio em velocidade máxima e quando estava rente
a minha cabeça foquei toda a força nas minhas pernas e rolei para a
esquerda deixando a espada bater no chão. Após o rolamento
rapidamente peguei estabilidade e me joguei novamente em direção
a ela mirando na abertura das costelas, minha adaga começou a
libertar raios e para impulsionar ainda mais bati com a palma da
mão esquerda no cabo, o golpe ia acertar em cheio.
Contudo, no momento em que iria atingi-la uma explosão
aconteceu e me jogou na parede com tudo, senti como se todas as
minhas costelas tivessem quebradas, minha visão turvou, antes da
minha consciência se esvair eu vi Eleanor com as mãos na boca
completamente espantada e outras duas valquírias chegando para me
socorrer enquanto outras tentavam segurar a Gwydion que estava
furiosa, consegui ouvir ela gritando meio abafado algo como
"VOCÊ ENLOUQUECEU?" depois disso minha consciência foi
embora
Acordei algumas horas depois encostado na parede da
montanha com a Freda, a clériga das valquírias. Quando me viu
despertar ela se espantou e gritou.
—ELE ACORDOU!
Ainda com os olhos pesados vi minha adaga ao meu lado com
a lâmina estilhaçada, a Monna vai me matar...
—Ótimo, que bom que não aconteceu nada...
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Uma voz familiar veio um pouco ao longe e quando me virei
para a direção vi nove valquírias ajoelhadas com os braços nas costas
e testas coladas no chão, todas em fila, como uma espécie de
punição. Já a Gwydion estava desmaiada um pouco mais afastada
das outras, com uma nova figura em frente a ela. Uma figura alta
que irradiava uma aura amarela, um rabo de cavalo cor de ouro uma
pele clara, portava uma armadura branca com dourado, com uma
roupa preta por baixo, ela tinha um cachecol vermelho, nas costas
uma lança com uma lâmina grande e afiada, ela se virou e mostrou
os olhos cor de rubi que se destacavam, era a Astrid.
—Agradeço a Eir por você está bem, mas acho que me deve
uma explicação.
Olhei para ela de onde estava sentado e via claramente um
olhar triste no rosto, não sentia reprovação ou raiva, era mais um
sentimento melancólico. Tentei falar algo, mas claramente o que
tinha me atingido antes havia causado mais danos do que esperava e
nada saiu, Astrid notou isso e falou após suspirar fundo.
—Ok... já é de manhã, a Bretta deve estar preocupada com
você e claramente não está em condição de falar qualquer coisa.
—As... Astrid... eu só queria ajudar... meu pai...
—Eu sei... vou te levar para casa.
Falei com o pouco de força que juntei e após a resposta ela
me pegou nos braços junto da minha faquinha quebrada, ela
observou o que restou dela por um tempinho e falou.
—A Monna vai te matar... desculpa ter que passar por isso.
—Não... a culpa é minha... elas só fizeram o trabalho delas...
não... por favor...
Olhei para o lado e vi as valquírias ainda de cabeça baixa,
nenhuma atreveu a se mexer, parece que a Astrid não era a mais
forte à toa, ela realmente era a maior autoridade entre elas. Depois
do meu pedido ela suspirou bem fundo e olhou para suas irmãs.

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—Voltem para os postos de vocês, por hora não vão ter
nenhuma punição, levem a Gwydion para o castelo, agradeçam ao
garoto por isso. Já você, precisa de um descanso bem longo.
Ainda enquanto estava nos braços ela com os dedos
indicadores criou um feitiço e encostou na minha cabeça. Minha
mente se entorpeceu novamente, meus sentidos estavam se
desligando aos poucos e quando ia para a terra dos sonhos de vez
ouvi meio abafado.
—Idiota, você é uma cópia da sua mãe...

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OITO
-Revelações sobre o passado e visitas inesperadas-

[Pov: Astrid]
Eu voei, tentei voar o mais rápido que pude, aquela pobre
criança, como ela sobreviveu ao frio fora da barreira? E aquelas
idiotas ainda ficaram usando-o de distração, eu vou mata-las quando
voltar. Quanto mais eu olho para ele mais eu me lembro dela, a
única mulher que de tão fascinante cativou diversos deuses, uma
mulher que de tão gentil e bondosa, fez até a deusa Hel vê-la como
uma amiga.
Um tempo voando depois acabei chegando na Vila Noviça, já
era quase nove da manhã quando pousei no centro da vila alertando
todos que estavam por perto que correram para suas casas, poucos
vieram até mim querendo saber o que tinha acontecido. Perguntei
imediatamente pela Bretta e me disseram que ela havia partido logo
de manhã correndo pela vila desesperada procurando pelo neto,
quando não achou saiu da vila com o Eldrick e a Monna
desesperados, me faltava essa.
Voei até a casa da Bretta rapidamente, fui até o primeiro
quarto e na porta tinha talhado na madeira "Rolf" em uma placa
pregada na porta, a Bretta deve ter colocado nos dias que fiquei fora.
Quando abri a porta uma cama bagunçada com uma pequena
galinha depressiva o esperava, adentrei o quarto e coloquei o
pequeno garoto na cama, a galinha se agitou assim que percebeu que
era ele, parecia estar preocupada.
—Calma ok... ele só precisa dormir, passou, passou.
Tentei acalmar a bichinha e depois cobri o Rolf, fui na
cozinha e achei comida de galinha para colocar no quarto e antes de
sair criei uma tranca mágica na porta e janela da casa, dei uma
última olhada e tranquei a porta. Segui para fora da casa e alcei voou
novamente com o objetivo de achar aqueles três, eles deviam estar
em pânico, principalmente se a Bretta contou de quem o Rolf era

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filho. Conforme atravessava o céu visitando as vilas vizinhas a
principal minha mente se perdeu nos pensamentos, principalmente
sobre o Rolf, quando resgatei aquela criança que apareceu no meio
de uma ponte, quase despencando naquele abismo sem fim, eu achei
que seria só um acaso, a alma se perdeu e não apareceu dentro da
barreira, um caso raro, mas não incomum, porém quando vejo o
rosto daquele garoto é a imagem idêntica da Bella.
Bella a caçadora, era uma humana que surgiu onze anos atrás
na vila Noviça, soube por minhas irmãs que as circunstancias que ela
veio para Helheim eram especiais, mas nunca me atrevi a perguntar,
sempre achei rude perguntar sobre os passados das pessoas, a
maioria não veio parar nas terras da rainha dos mortos por bons
motivos. Ainda lembrava vividamente dela, seus cabelos negros,
olhos azuis, sorriso caloroso, era uma boa pessoa que não parava
quieta, sempre se aventurando com um arco nas costas, sinto
saudade dela...
Depois de divagar e procurar de vila em vila quatro horas se
passaram até conseguir achar a Monna no meio de uma multidão na
vila do Cobre. Cheguei pousando devagar, as pessoas abriram espaço
para mim e quando me viu a ferreira correu até mim.
—PASSARINHA! GRAÇAS A HEL! QUE BOM QUE
TE ACHEI! O ROLF SUMIU, A CABRA TA DOIDA
PROCURANDO POR ELE.
Ela veio arfando até mim com uma expressão de preocupação,
por sorte podia acalmar ela.
—Não precisa se preocupar, tudo deu certo já, traz a Bretta
até aqui.
—O QUE? Cadê ele?
—Deixei na casa dele, trancado com magia, eu realmente
preciso falar com a Bretta.
—Ah, certo, espere só um pouco. CABRAAAAAAA! VEM
PARA CÁ! EU ACHEI O PEQUENINO!

90
Ela saiu correndo me deixando no meio da multidão sozinha,
que logo se juntou me bombardeando de perguntas, tive que
dispersar todo mundo, foi bem cansativo, tanto que nem vi a
Monna voltar com os outros dois. A Bretta chegou ainda mais
nervosa que a orc cinzenta, completamente sem ar e quase
despencando acabou se segurando nos meus braços e com os olhos
tremendo, ela juntou o pouco de folego que tinha e falou
fracamente.
—Cadê... Cadê ele... O Rolf... Cadê o...
—Calma! Ele está em casa, seguro e preso para não escapar,
tranquei o lugar inteiro com magia, agora respire, precisamos
conversar.
Depois da coitada quase cair dura no chão, nós fomos até a
carroça e guiei em direção a casa da sátiro esbaforida. A viagem foi
longa, teria sido mais fácil carregar toda a carroça nas costas e ir
voando, mas acho que ninguém iria gostar. Aproveitei a rota longa e
contei tudo que tinha, falei que estava na Bifrost, finalmente tinha
terminado de pegar todos as coisas que a rainha havia solicitado e
iria aproveitar a noite e passar para ver o meu pai, porém quando
iria ir para Asgard senti uma onda de poder alta vindo do portal de
Hel o que me fez disparar para dentro dele me deparando com as
minhas irmãs lutando, a Gwydion em cima da Eleanor tentando
esmurra-la enquanto outras a seguravam, e na direita um outro
grupo reunido ao redor do Rolf desmaiado. Quando eu vi aquela
criança desmaiada no chão e a Gwydion atacando não consegui me
conter e joguei um soco no queixo dela com potência o suficiente
para jogar ela para o alto e arremessar todas as minhas irmãs que a
seguravam para longe, ela voou para o céu e ainda no ar eu ergui a
minha mão em direção a ela e fiz surgir uma gigantesca bola de
energia acima da valquíria meio-dragão e logo após joguei minha
mão em direção ao chão com tudo fazendo a esfera seguir o
movimento se chocando com minha irmã que foram em direção ao
chão. Uma cortina de poeira subiu e a Gwydion estava desmaiada
no chão toda chamuscada, quando olhei para trás todas as outras
estavam tensas me encarando, a única que não olhou para mim foi a

91
Freda que estava mais preocupada em cuidar do Rolf. Fui até a ela e
o Rolf, vi que ele estava inconsciente e perguntei logo em seguida.
—O que aconteceu aqui?
—Ele só desmaiou, não recebeu um ataque direto, o choque
foi grande, mas ele vai ficar bem. Sinto muito por isso capitã.
Freda me respondeu imediatamente, ela sempre foi a mais
pacifica das valquírias, sempre preocupada com os outros e agora
não era diferente. Ela era uma elfa de luz, com orelhas grandes e
pele clara, tinha um cabelo verde curto e usava óculos redondos,
tinha um porte magro e carregava um cajado branco, prata e
dourado, ela era bem medrosa e tímida, mas era em horas assim que
ela brilhava.
—Continue, só pare quando ele acordar. Já vocês, se alinhem
agora e me expliquem o que aconteceu!
Deixei os dois de lado e fui até perto das outras que se
alinharam uma ao lado da outra, elas estavam suando frio e
engolindo seco, pareciam crianças quando eram pegas fazendo
besteira.
—CONTEM AGORA!
Elas começaram a falar todas de uma vez, interrompendo e
tornando impossível entender alguma coisa, não ia chegar em uma
conclusão nunca com isso.
—BELLATRIX!
Todas se calaram e a necromante da guarda real deu um passo
à frente. Sua aparência era parecida com a Freda, mas os cabelos
eram negros e longos com várias mexas brancas, ela tinha olheiras
enormes e diversas sardas, com olhos verdes claro, ela era muito
estudiosa e vivia no laboratório junto da rainha, falava com um ar
irônico e quando não estava pesquisando tendia a ser bem relaxada,
mas não era alguém chata de lidar. Logo após dar um passo à frente
ela falou.
—Senhorita chefona precisa de algo?

92
—Você é a segunda em comando na minha saída, relate
todos os acontecimentos desde a minha partida até agora.
—Cof cof, ok vamos começar. Após a partida da capitã da
guarda o dia seguinte não houve nenhuma anomalia nas atividades,
todas seguiram com seus deveres corretamente, porém no dia
seguinte a essa minha presença foi requisitada por uma divindade de
Asgard.
Olhei para ela espantada, um aesir pediu pela presença dela?
Quem foi? Olhei para as outras e estavam tão surpresas quanto eu,
isso significa que foi algo isolado? Nenhuma delas sabem disso?
Com isso decidir descobrir mais.
—Continue...
—Minha presença foi requisitada pelo deus da caça Uller
para vir a Bifrost, quando cheguei me foi ordenado ficar vigiando a
floresta do outro lado da clareira que separa as montanhas do portal
junto dele. Esperei por alguns minutos quando a criança saiu de
dentro dela e passou a sofrer os efeitos do frio de fora da barreira.
—E você não foi... espere, como ele chegou na floresta? Não
tem barreira lá! A casa dele fica a quilômetros de distância!
—Também estranhei capitã, mas fomos ajudar ele
imediatamente, porém ao chegar lá tinha um helivago que tentou o
atacar, fiz questão de eliminá-lo enquanto vossa deidade protegia o
garoto, porém ao invés de me deixar leva-lo até uma área segura ele
me pediu algo particularmente estranho.
—E o que seria.
—"Memorize o rosto dessa criança e impeça que qualquer
informação sobre ela passe para a Hel, pelo menos por enquanto. "
Foram essas exatas palavras, por isso impedi o avanço de qualquer
informação sobre ele a rainha enquanto toda essa confusão
acontecia.
—E o senhor Uller?

93
—Ficou junto da criança após colocá-lo para dormir e me
dispensou.
—Então ele...
—Sim, muito provavelmente ele o possibilitou chegar até
aqui.
—Então ele sabe que o Rolf é filho da Bella...
—O ROLF É FILHO DE QUEM?
Nessa hora todas as outras começaram a me bombardear de
perguntas, sobre como eu sabia disso, desde quando ele estava em
Helheim e outras coisas assim, respondi logo de imediato.
—E vocês não perceberam? Ele é um clone dela praticamente,
todos os amigos dela reconheceram na hora o garoto.
A feição de choque estampou a cara de todas as outras nove
valquírias que ou ficaram paralisadas ou gaguejavam sem parar.
Eleanor estava com as mãos na cabeça balbuciando coisas como
"Por que eu fiz isso, por que eu fiz isso, por Hel eu podia ter....
caralho que merda eu fiz. ". Após eu ouvir essa confissão assinada
me virei novamente para a Bellatrix e questionei.
—Essa é a primeira vez que ele vem aqui? Se sim por que
todas vocês se juntaram para cuidar de uma criança mortal?
—Então chefinha... acontece que...
Parou de falar subitamente e olhou para as outras que a
encaravam com rostos de choro, quase como se implorassem
misericórdia, pude ouvir claramente o som dela engolindo seco
enquanto a encarava com uma expressão de impaciência.
—(...) Eu acho que é melhor você... perguntar para a Althea...
eu só cheguei na décima quinta vez, ela foi a que falou com ele
primeiro...
—Quinze vezes....
Encarei a Althea que havia se escondido atrás de todas as
outras.

94
—QUINZE VEZES?
Se antes impaciência estampava o meu rosto agora era a mais
completa fúria cega. Comecei a liberar todo o meu poder mágico
para o ar, todas começaram a respirar de forma difícil, Bellatrix
começou a suar frio do meu lado, com toda essa situação dei uma
única ordem.
—Joelhos e cabeças no chão, mãos nas costas, se alguma de
vocês se mexer sem autorização o abismo vai comer algo hoje.
Tirando a Freda que ainda estava tão imersa em acordar o
Rolf que não ligou para nada que aconteceu, todas as outras
obedeceram a ordem imediatamente, menos a Gwydion porque ela
estava em coma... coloquei força demais no soco. Quando iria
perguntar diretamente a Althea o que aconteceu a Freda gritou atrás
de mim.
—ELE ACORDOU.
Após isso contei sobre como levei o Rolf para casa e o deixei
trancado lá e isso concluiu tudo que eu sabia. A Bretta já estava
melhor e estávamos a pouco tempo da vila Noviça, o elfo Eldrick
logo puxou assunto após a explicação.
—Ele ainda pediu para poupar ela após tudo isso?
—É...
—Por Freya até é bonzinho igual a ela. Mudando de assunto
a suas irmãs tem merda na cabeça?
A Monna que estava quieta a viagem toda resolveu falar
também.
—Ele quebrou minha adaga... se ele não tinha gostado era só
falar...
—Não Monna, ele adorou, quem quebrou foi a Eleanor, eu
juro que pago por outra.
—Mas ainda está quebrada, não faz nem um mês que eu dei
para ele...

95
o Eldrick pegou no ombro enorme dela e tentou a consolar.
—Qual é dentucinha não fica assim, a Astrid falou que era
culpa da irmã dela, não leva para o lado pessoal.
—É... ah e se falar sobre as minhas irmãs de novo eu te corto
ao meio magrelo de bosta, só eu posso falar.
—OQUE? MAS POR QUE? ELAS QUASE MATARAM
O MENINO E EU QUE SOU AMEAÇADO?
A Bretta que estava repousando começou a se ajeitar e sentou.
—Se a gente fizesse besteira e alguém falasse da gente você
iria reagir da mesma maneira orelhudo. E foi só isso que aconteceu?
A rainha sabe de alguma coisa?
—Agora ela deve saber com toda essa comoção, tenho medo
de pensar na reação dela.
—Ela não era gentil? A Bella sempre falou bem dela, dizia
que era uma garota fofa e tímida.
—Ela era assim com a Bella, e só com ela, fora isso sempre se
mantém distante e profissional de todos os funcionários do castelo.
A fama dela em Asgard e Vanaheim é a "Rainha Fria e Sádica".
—Que coisa horrível...
—Sinceramente ela só é séria e reservada, comparado aos
irmãos dela que são inimigos jurados dos outros deuses, ela só quer
ficar sozinha, no máximo tem três amigos, quatro se contar a minha
mãe...
—Entendo, imagino como ela reagiria quando visse o Rolf.
A conversa continuou até chegarmos na casa da Bretta,
deixamos a carroça de lado e entramos na casa, logo que passamos
pela porta a sátiro falou para o elfo e a orc.
—Tem certeza que não querem ir dormir? O dia foi longo.
—Não cabrinha, só volto para fazenda quando garantir que
ele está bem, também tenho uma coisa para falar com ele.

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—Eu só volto quando pegar a adaga, preciso fazer outra.
—Você não vai brigar com o menino por causa de uma faca
simples né?
A Monna que normalmente é quieta e inexpressiva respirou
fundo, e deu uma pancada com a mão gigante nela da cabeça do
Eldrick, depois disso ela falou.
—Eu quero ver ele ok? Eu gosto do baixinho, ele vive me
ajudando, não quero que ele se machuque. Está feliz com essa
resposta?
Depois ela se emburrou e se espremeu para entrar na cozinha
completamente envergonhada e começou a resmungar. Depois disso
Bretta e eu olhamos para o elfo confuso no chão e começamos a rir,
até que a Bretta comentou.
—Parabéns! Você conseguiu algo raro, fazer a a Monna
mostrar o lado carinhoso e protetor dela. Serviu para cortar o clima
tenso.
—De fato, uma orc que nem ela que só vive pela forja agir
assim é algo bem raro, obrigado por isso. Eu vou ver como ele tá
ok?
—Claro querida, vou fazer algo para todo mundo comer.
DENTUÇA! SAI DA COZINHA QUE NÃO CABE
NINGUÉM AI DENTRO QUANDO VOCÊ TA!
—VEM ME TIRAR!
Após deixar escapar outra risada subi em direção ao quarto
do Rolf e vi que a minha magia ainda estava ativa, dissipei ela e abri
a porta. A galinha que estava dentro saiu para o corredor em
disparada assim que abri a porta o suficiente e seguiu escada abaixo,
já eu adentrei o quarto, já era quase noite e a luz da manhã ficava
cada vez mais fraca, já podia ver os vagalumes brilhando do lado de
fora, porém o que chamou mais a minha atenção foi que o Rolf não
estava na cama. A manta estava no chão junto ao travesseiro, nessa
hora o nervosismo já subiu a minha espinha, pensei em correr pela

97
porta da casa e já sair à caça dele, mas uma voz fraca e baixa cortou
meu raciocínio.
—Aqui...
Meus olhos se viraram para a direção da voz, no canto da
parede, escondido nas sombras estava o Rolf encolhido com uma
expressão distante, mais pálido do que nunca e bem mais cansado
do que da última vez que eu o vi, seus olhos passavam a impressão
que tinham visto algo muito ruim. Tentei me aproximar dele, deixei
minha lança escorada na parede e cheguei perto me ajoelhando e
quando eu tentei esticar meu braço para encostar ele voltou a falar
com a mesma voz fraca de antes.
—Quanto tempo eu dormi?
A aparência dele já tinha me assustado, mas era muito pior do
que eu imaginava, se quer piscava e tremia bastante. Engoli seco
nessa hora e respondi.
—Cerca de dez horas eu acho.
—Ah ta bom... a vovó está bem?
—Sim, claro, eu fui busca-la e disse que você estava
perfeitamente bem, a Monna e o Eldrick também estão lá embaixo.
Vamos descer que tal? Eles vão ficar muito aliviados de ver você.
Peguei em um dos braços dele que estavam agarrados a perna,
podia sentir claramente ele tremendo, quando ia puxa-lo para perto
ele segurou a minha mão me fazendo parar.
—Astrid... foi você que me colocou para dormir?
—Foi... por que a pergunta?
Ele deu uma pausa.
—Me solta por favor...
—Mas por que?
—Me solta... eu imploro, por favor...

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Seus olhos se encheram de lagrimas, o que me assustou até o
fundo da minha alma, soltei ele imediatamente e me afastei um
pouco, quando notou ele voltou a falar novamente.
—Eu quero ficar sozinho... só por um tempo. Diz para vovó
que eu estou bem e que eu acabei de acordar.
—Mas, eu acho que-
—Por favor Astrid... eu não quero ver ninguém, não quero
que ela me veja assim, não agora.
Depois disso as lágrimas que antes estavam presas aos olhos
azuis passaram a escorrer e ele enterrou a cara contra o próprio
corpo se encolhendo ainda mais. Quando vi minha única reação foi
acatar ao pedido e descer, peguei minha lança e voltei para o andar
de baixo encontrando a Bretta colocando a mesa de jantar e
acendendo todas as luzes que podia. Quando ela me viu veio até a
minha direção já falando.
—Como ele está? Já acordou?
—Ele...
Tive dificuldade de falar para ela, aquilo não era exatamente
bem... ok ele está traumatizado, não acho que seja bom contar isso
para a Bretta.
—Ele está bem, só precisa ficar um pouco sozinho.
—Ah, mas eu tenho que falar com ele, só uma olhadinha.
Ela tentou subir as escadas, mas segurei o braço dela
enquanto olhava para ela com uma cara séria.
—Não sobe, ele não quer ninguém lá, e você também não vai
querer ver como ele está. Precisamos conversar.
Ela olhou para mim com medo e concordou com a cabeça
voltando para a mesa logo em seguida, acompanhei e sentei, ficamos
nós quatro um tempo conversando um pouco até que eu tive que
quebrar o assunto, tinha que confirmar algo.
—Bretta, como foram os primeiros dias do Rolf aqui?

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—Ah bom, foram pacíficos, ele me acompanhava nos meus
bicos, teve um dia ou outro que aconteciam coisas estranhas.
—Tipo?
Nesse momento o Eldrick cortou a sátiro tomando o
controle da conversa.
—Essa parte eu conto!
—Teve um dia que a Bretta me deixou de babá dele e todos
os animais da fazenda se revoltaram e fugiram vila a dentro. Todos!
Como ele fez isso?
Ele me encarou exigindo a resposta, nem sabia que isso tinha
acontecido em primeiro lugar.
—Eu não sei.
—Meh, tanto faz... pelo menos a líder da revolução não mora
mais na fazenda. Eu devia te fritar.
A última frase foi mandada direto para a galinha que comia
na porta da cozinha em um pote com sementes de milho. A mesma
pareceu ofendida quando encarou o elfo de volta cacarejando.
—Hum, galinha safada. Inclusive como ela está se
comportando chifrudinha?
—Ela é um doce, só é complicado comer frango perto dela.
—É... bem justo.
Isso explica a galinha de estimação do Rolf, mas não era a
informação que eu queria saber.
—É, mas em relação à noite, ele dorme normal?
—Ah bom, nos primeiros dias ele tinha constantes pesadelos
e eu ficava acordada ouvindo-o se remexer, mas poucos dias depois
comecei a não escutar mais nada, acreditei que ele tivesse conseguido
dormir normal. Mas aí quando eu perguntei ele disse que não estava
tendo mais e cortava o assunto.

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—Ah merda... eu acho que fiz a pior coisa do mundo, eu sou
horrível, por Hel.
—Calma querida, o que houve?
—Então... quando eu o trouxe coloquei uma magia de sono,
só para garantir que ele não iria fugir de novo...
A Bretta tem uma pele negra, porém ficou imediatamente
pálida, provavelmente sábia como a magia funcionava e imaginou o
que tinha acontecido.
—Puta merda! Tenho que ir ver ele!
Ela saiu correndo da cadeira e se jogou em direção a escada
para subir a toda velocidade, entretanto quando começou a subida
uma barreira azul cheia de runas apareceu cortando o ímpeto dela.
Ela olhou incrédula para aquela parede de energia a sua frente e
antes que eu pudesse falar algo ela soltou um chute carregado, a casa
e o chão tremeram com tamanha violência que senti como se tudo
fosse desmoronar sobre nossas cabeças. Após o tremor passar não
havia nenhum arranhão na barreira, ela se virou para mim e gritou
puxando do fundo da garganta.
—ASTRID TIRA ESSA PORRA AGORA!
—Bretta isso não é meu!
—ENTÃO DE QUEM É CARALHO?
Mal terminou de falar e já estava carregando um chute ainda
mais pesado, aquilo iria destruir a casa inteira se ela completasse.
—BRETTA A CASA VAI CAIR-
Nessa hora o Eldrick saltou da cadeira e voou em direção
dando um mata leão nela e jogando o corpo para trás para obrigar
ela a recuar, tudo isso enquanto gritava.
—DO JEITO QUE ELA TA PALAVRAS NÃO
FUNCIONAM! SEGURA AS PERNAS DELA!
Obedeci ao comando na mesma hora e me joguei entre ela e a
barreira. O primeiro chute veio de baixo pela esquerda que

101
facilmente segurei, já a outra perna veio pela lateral na direção do
meu rosto, barrei com o braço se chocando contra a armadura do
meu antebraço, após o bloqueio enrolei o braço pela segunda perna.
Ela estava presa se debatendo, segurada pelo Eldrick e por mim, ela
se mexia loucamente e só restou a nós dois colocar juízo na cabeça
dela.
—SINTO MUITO PELO QUE EU FIZ! MAS
DERRUBAR A CASA EM CIMA DE NÓS DOIS NÃO VAI
AJUDAR NADA!
—ME SOLTA PORRA!
—BRETTA PELO AMOR DE FREYA, PARA DE AGIR
IGUAL A UM HUMANO DAS CAVERNAS! A MENINA
TEM RAZÃO! O QUE VOCÊ PENSA QUE VAI
CONSEGUIR FAZENDO ISSO?
—EU DEIXEI ELE SOFRENDO TUDO ISSO POR
MAIS DE DUAS SEMANAS! EU PROMETI PARA MIM
MESMA QUE IA CUIDAR DELE! ME DEIXA VER ELE!
Nós ficávamos gritando um com o outro e acho que
ficaríamos nisso por horas até ela finalmente se acalmar, mas algo
foi mais rápido e nos pegou desprevenidos.
TOC! TOC! TOC! TOC!
Paramos após isso, nos encaramos por um tempo e falei bem
baixo.
—Bretta, eu não senti essa pessoa chegando, faz silêncio.
Olhei para ela séria enquanto a colocava no chão, ela acatou a
ordem e eu me posicionei com a lança mirando para a porta pronta
para uma investida. Fiz um sinal, iria atacar em três e eles iriam dar
um jeito de subir logo em seguida, a Monna foi e pegou a galinha e
se escondeu na cozinha, Bretta e Eldrick se preparam para subir com
tudo. Apontei a laça bem para o meio da porta, e contei, um, dois,
trê-

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—Oi... eu sei que normalmente se pergunta se tem alguém em
casa, mas as velas da casa estão acessas e vocês tão gritando alto ao
ponto de ouvir da entrada da cidade... ah e sobre a barreira mágica
eu vou cuidar disso.
Eu abaixei a minha arma e comecei a suar frio, sai da postura
imediatamente e só ouvi um som de um homem gritando de dor do
lado de fora da casa, logo depois a barreira sumiu e as pessoas lá de
fora voltaram a conversar.
—Não precisa bater, já desliguei sua bruta!
—Nem devia ter erguido ela.
—Mas o garoto precisa do tempinho dele!
—Não te dá o direito de levantar barreiras mágicas
indestrutíveis aonde quiser! E agora eles sabem que a gente estava
escutando tudo aqui de fora! Retardado!
—Ah... é, ai eu mereço apanhar...
A Bretta olhou para mim como se buscasse uma resposta para
quem estava atrás da porta, e para o meu azar eu reconheci ambas as
vozes imediatamente, o máximo que pude fazer era concordar com a
cabeça, só ela vendo para acreditar quem era. Nos acalmamos e
ficamos todos no centro da sala voltados para a porta, a Bretta ainda
nervosa olhou para cada um de nós e falou.
—Pode entrar...
A porta se abriu lentamente e do outro lado dela havia uma
mulher, alta e com a pele branca que acompanhava os seus cabelos
da cor da neve dando um ar fantasmagórico a sua presença, seus
olhos com ar melancólicos e cansados eram pintados com um verde
esmeralda brilhante, ela usava vestes justas negras de couro de
serpente infernal com pequenos detalhes em verde espalhados por
toda a vestimenta e uma coroa de espinhos negros. Lá estava ela, a
última mulher que eu esperava aparecer na vila, sua presença era
absoluta, não conseguia ler sua expressão, não saberia o que poderia
acontecer, mas fiz o mais obvio e despenquei ao chão me ajoelhando
e disse.

103
—Saudações, minha rainha.
Bretta, Eldrick e Monna ficaram sem reação ao ouvir as
palavras que saíram da minha boca, nessa hora o único a reagir foi o
elfo que botou as mãos nos ombros das duas e obrigou-as a
ajoelharem junto a ele e disse.
—É uma honra conhece-la rainha Hel. O que traz sua
presença a nossa humilde casa?
Senti a presença dela entrando pela porta e quando olhei a
coroa de espinhos negros que adornava sua cabeça queimou em
chamas verdes e sumiu, ela entrou carregando uma pessoa na mão
esquerda, provavelmente o homem que estava com ela lá fora, ela
cruzou para dentro da casa e falou com uma voz baixa e
desanimada.
—Eu vim para conhecer o Rolf.

104
NOVE
-Histórias do passado sobre uma caçadora solitária-

[Pov: Astrid]
Lá estava na minha frente, a rainha que sustentava todas as
almas do reino de Helheim, que é fundamental para a existência do
Valhalla e é minha chefe. O olhar de nervoso não saiu da cara de
nenhum de nós a partir do momento que ela entrou, mas cortando
meu raciocínio a rainha começou a falar.
—Eu peço perdão por vir tão tarde da noite, mas devido aos
acontecimentos recentes, requisito a presença dele.
Nessa hora a Bretta ainda nervosa com a presença impactante
tentou falar gaguejando no processo.
—Vossa Majestade eu... eu sei que meu neto cometeu um
grande erro, algo imperdoável, mas por favor ele é só uma criança...
eu suplico que tenha clemencia, peço que me de-
—Acho que você entendeu errado, uma criança que é judiada
por minhas subordinadas merece mais um prêmio por aguentar ficar
vivo tanto tempo. Então... ele está lá em cima?
De repente o homem que ela havia trazido começou a se
levantar. Ele era alto, forte, com a pele bronzeada e olhos dourados
tinha um cabelo bagunçado com uma barba rala. Suas vestes eram de
peles de animais e nas costas carregava uma aljava com arco e um
escudo, era o Deus Uller, o “Mestre da caça e da neve”. Ele se
levantou enquanto gemia um pouco de dor, claramente tinha vários
hematomas por baixo da roupa pesada, o que provava a surra que a
rainha tinha dado nele, após se erguer ele pegou fôlego e falou.
—Hel, pelo amor de Odin, não é mais fácil dizer "Onde está
o meu sobrinho que eu quero mimar tanto quanto eu mimei a
minha melhor amiga?". Pelo amor de tudo que é sagrado, deixa de
pose e assuma a sua fofice!

105
A rainha que nunca em todo o período que eu trabalhei junto
dela demonstrou emoção além de melancolia e apatia ficou tão
envergonhada e com raiva que o rosto vermelho parecia que iria
explodir.
—(...) Por que eu trouxe você mesmo?
—Você exigiu que eu pedisse desculpa por deixar ele
desmaiado no frio, também disse que estava torcendo para ele
chutar as minhas bolas.
—Verdade... então eu não disse que VOCÊ PODERIA
FALAR!
Hel ergueu a mão direita e com um simples estalar de dedos
ela selou a boca do Uller, ele passou a resmungar, ela olhou para nós
ainda envergonhada, mas recuperou a postura anterior e respirou
fundo.
—Peço perdão por ele, também peço que parem com o
respeito excessivo, não gosto disso. Sobre o incidente, deixarei a
punição das garotas em suas mãos Astrid, especialmente a Bellatrix,
ela não deveria obedecer a gente idiota.
Ela olhou para Uller de novo com uma cara de desaprovação
e me puxou para falar de canto perto da escada enquanto pedia
licença e deixava o já desilenciado Uller conversar com os outros.
—Então, como ele está depois da confusão inteira?
Minha mente voltou naquele momento, aquela imagem do
Rolf encolhido me causava mal estar, não sei se tinha coragem de
contar para ela o que eu havia feito, tinha que inventar alguma coisa.
—Ele ainda está dormindo vossa alteza.
—(...)Ok, você sabe que eu sou filha daquela pessoa né?
—Sei...
—Vamos tentar de novo.
—Ele...

106
As palavras não conseguiam sair da minha boca, ela por usa
vez levantou a sobrancelha como se estivesse impaciente pela
resposta.
—Eu o coloquei para dormir assim que eu cheguei aqui, só
que acontece que desde que ele chegou aqui ele...
—Eu o que?
Ambas viramos e vimos o Rolf no topo de escada, nos
encarando, os olhos vermelhos de chorar e mais cansados do que da
última vez. Hel ficou perplexa como se tivesse visto um fantasma, a
piada não foi proposital, ela ficou o encarando ainda assustada e
subiu flutuando até perto e segurou o rosto dele com ambas as
mãos. Ela ficou inspecionando o menino de cima a baixo olhando
cada mínimo detalhe possível, depois de uma inspeção que
claramente assustou o garoto ela finalmente falou.
—Pelos céus você é idêntico a ela, é impossível não
reconhecer você
—Eu não quero incomodar, mas a senhora poderia largar o
meu rosto?
—Ah, perdão, fui muito indelicada?
Ela soltou o rosto assim que falou e ficou alternando a vista
entre nós dois. O Rolf olhou para mim por cima do ombro da
rainha com um olhar de confuso e eu respondi com um olhar de
quem já tinha passado por isso milhões de vezes, voltamos o olhar
para ela e falei
—Sim, você está minha rainha, invasiva ao extremo também.
—Ah, perdão, que tal irmos para sala? Preciso falar com você.
Ela olhou para ele que fez um sinal que podia ir na frente, ela
deu de ombros e desceu as escadas de volta pela sala, voltamos a nos
olhar logo em seguida e quando ia falar algo ele me cortou.
—Desculpe por tudo que fiz, eu já me acalmei, não queria
preocupar ninguém, mas é claro que eu fiz o contrário. Sinto muito

107
ter ido para a Bifrost e... eu sinto muito por ter agido daquele jeito,
eu sei que você só quer o meu bem.
Subi as escadas e me ajoelhei para ficar da altura dele e
continuei a falar.
—Não, olha eu que sinto muito, se eu soubesse sobre os seus
pesadelos não teria feito isso.
—Você não sabia deles, nem a vovó sabia deles direito, se eu
tivesse sido mais sincero as coisas não teriam acabado assim. Quem
é aquela mulher?
—Ah... é minha chefe...
—Sua chefe... A rainha? Eu não sei o que rainha significa,
mas eu acho que a mesma coisa que chefe de vila?
—Em uma escala ridiculamente maior, mas sim, é mesma
coisa, seu nome é Hel.
—É eu morri, ela não vai me dar nem chance de me despedir
da vovó...
Uma cara de pânico e tristeza estampou a face dele
momentaneamente, minha única reação foi segurar a risada e dar um
peteleco leve na testa dele que me olhou com raiva.
—Ela nem te conhece e te adora, hoje é só conversa, vamos
descer, dá a mãozinha.
Segurei na mão dele e descemos até a sala, a Bretta estava
tentando ter uma conversa casual, ênfase em tentando, com a Hel
até que ela nos viu e veio correndo conferir se estava tudo bem com
o Rolf, os outros dois vieram logo em seguida bombardeando-o de
perguntas enquanto as duas divindades observavam com um olhar
distante, como se já tivessem visto antes. Após acalmar todas as
preocupações, iriamos nos preparar para sentar, mas a mesa era
pequena demais para sete pessoas, esse problema foi rapidamente
resolvido graças a proeficiência de gelo da rainha e do caçador que
criaram uma mesa maior e mais assentos em simples gestos, além de
iluminar o lugar fazendo parecer de dia. Sentamos todos e um

108
silêncio rondou o ambiente por um tempo até que a Hel tentou
iniciar a conversa.
—Então, você não será punido de nenhuma forma, não sou
doida a ponto de punir uma criança, mas como tudo isso aconteceu?
A Bretta olhou direto no fundo dos olhos do Rolf e
aproveitando a brecha deixada pela rainha com uma fúria interna
claramente visível ela perguntou.
—Verdade, como você foi dia após dia até a Bifrost toda a
madrugada? Como você conseguiu ficar inteiro fora da barreira das
vilas e com qual objetivo você foi para lá?
O Rolf chegou no ápice do nervosismo e encarou todos na
mesa como se buscasse ajuda, qualquer que fosse.
—Então, no dia após a Astrid visitar a gente, quando eu fui
ajudar no galinheiro, a Goruberta estava do lado de fora da cerca
perto das árvores, quando eu peguei ela as árvores criaram um
caminho e umas mensagens estranhas apareceram brilhando só que
eu não conseguia ler, mas na minha cabeça dizia que me levaria a
Bifrost, e levou. Sempre que volta lá o caminho se refazia depois que
encontrei aquele homem ficou mais fácil não sentir frio.
Quando ele citou o homem ele apontou para o Uller, mas
isso não importava, quando ele falou que mensagens estranhas
apareceram brilhando, seus significados surgindo na cabeça da
pessoa... puta merda. Minha expressão congelou, não era possível, só
tem uma coisa que tinha esse comportamento e poderia agir em
Helheim sem alertar nenhuma das divindades daqui, mas não podia
ser isso. Do meu lado a rainha estava também com uma cara
descrente, tanto quanto a minha, seu olhar melancólico agora estava
focado, ela se virou e olhou diretamente para Uller, acompanhei o
olhar e encarei o deus caçador, ele estava olhando para a mesma
direção que nós duas, evitando nosso olhar, nessa hora eu e Hel
falamos respectivamente bem baixo.
—Senhor Uller... não é quem eu penso que é não é?
—Eu juro por meu pai que vou te matar...

109
Enquanto nosso choque acontecia a Bretta dava uma bronca
no Rolf por ele ter obedecido umas mensagens estranhas de alguém
que ele não conhecia e afirmando que era perigoso, até que ela
notou o nervosismo de nós três e perguntou.
—Algo aconteceu vossa majestade? É alguém muito perigoso?
Hel ficou em silêncio e eu aproveitei para tomar a dianteira
da situação.
—Não, nada disso Bretta, é alguém muito bom, muito bom
mesmo, não consigo pensar em alguém mais bem intencionado.
Uller seguiu me ajudando, tentando evitar o pânico enquanto
gesticulava.
—É, exatamente como a menina falou, é uma pessoa
incrivelmente boa, só é muito raro ela se interessar por alguém, isso
só mostra como ele é um menino especial.
Após isso a Bretta suspirou aliviada e passou a mão na cabeça
do Rolf fazendo carinho, logo após eu olhei para o Uller e disse.
—Você precisa explicar melhor essa história depois...
—Eu vou, eu vou, pelos deuses, cadê a postura de respeito
excessivo de antes?
—É difícil de manter quando você esconde que aquilo
resolveu acordar do nada...
—Meh... sorte sua que eu prefiro assim.
Nessa hora a rainha que tomava um copinho do chá servido
anteriormente pelo Eldrick cortou nosso pequeno dialogo.
—Vocês poderiam por respeito a nossa anfitriã parar de
conversar entre si mesmos.
Subitamente seus cabelos brancos como neve se cobriram
com uma energia verde e começaram a flutuar enquanto ela nos
olhava bem irritada, nos ajeitamos e ficamos em silêncio em resposta
ao olhar homicida de vossa majestade. Ela se acalmou e voltou ao

110
seu estado neutro, encarou Bretta, Monna, Eldrick e Rolf e
perguntou.
—Agora que as explicações foram dadas, algum dos três teria
alguma pergunta?
—Ah, bom, gostaria de saber quem foi a pessoa que ajudou o
Rolf, vossa majestade poderia nos contar?
—Não, próxima pergunta.
A resposta imediata e fria da rainha desencorajou todos da
mesa a continuar, mas o Rolf que estava até pouco tempo
respondendo todas as perguntas possíveis resolveu falar.
—Você não vai punir nenhuma das irmãs da Astrid, não é?
Todos olharam para ele e a rainha fez uma cara de surpresa
seguida de uma leve suspirada seguida de um quase imperceptível
sorriso, isso sim me assustou, não sabia que a rainha podia expressar
algum sentimento positivo. Em seguida ela bebeu mais um gole para
esconder a expressão e respondeu.
—A punição ficará em cargo da Astrid, porém ela é muito
frouxa quando se trata delas então não se preocupe, elas ficaram
bem, também vou pedir para elas virem pessoalmente se desculpar,
então voltará a velas.
—Que bom.
Ele ficou aliviado e deu um sorriso pequeno, já dessa vez o
Eldrick se dispôs a fazer a pergunta, muito educado e respeitoso, até
fazendo os outros três o encararam estranhando.
—Vossa majestade, eu sei que a identidade da benfeitora do
Rolf deve permanecer em segredo, mas eu gostaria de saber se ela é
pelo menos uma habitante de Alfheim, dado a um acontecimento
recente.
Uller resolveu responder dessa vez e disse gesticulando e
falando arrastado.
—De certa forma, até que sim eu acho? Por que a pergunta?

111
—Teve uma noite que eu me encontrei com o Rolf durante
uma das madrugadas de fuga dele, nos encontramos e ele falou
algumas coisas remetentes ao meu passado que ninguém saberia.
Eldrick se virou para o Rolf que não conseguia o encarar
enquanto o mesmo cochichava para si mesmo "Ele notou que não
era um pesadelo... porcaria. ". O caçador riu e falou.
—Ai ai, não se preocupe com isso, ela deve ter falado isso
somente pela situação, ela sabe de muitas coisas mesmo, mas o
menino só deve ter dito o que ela mandou na hora.
Terminou apontando para o Rolf que concordou acenando
com a cabeça, já o elfo deu de ombros e aceitou a resposta, apesar de
que parecia esperar mais. Por último a Monna que estava calada
desde o início das perguntas levantou a mão gigantesca como se
pedisse licença e Hel deu permissão para ela falar, quase como uma
criança na escola. De repente a voz roca da ferreira saiu.
—Licença... ah, eu gostaria de saber como vocês conheceram
a mãe do Rolf? É que ela também era no-
O Eldrick voou dando um mata-leão para calar a boca dela,
Hel quebrou acidentalmente o copinho de chá no choque, Uller,
Bretta e eu ficamos sem ar enquanto encarávamos o garoto. O Rolf
estava confuso, parecia que estava pensando se o que ele ouviu era
verdade, ele passou o olho por cada um de nós, até do orelhudo
pendurado no pescoço da grande orc e falou.
—Minha mãe? Vocês sabem quem é minha mãe?
—Então Rolf...
—Pois é lobinho... como a gente te explica isso...
A Bretta e Uller tentaram falar, mas era difícil explicar, ele
nos ficava encarando em busca de resposta até que Hel tomou a
frente e falou para a Bretta e Rolf.
—Acho que isso teria que ser contado uma hora ou outra
para ele, como você é a responsável deixarei a decisão para você.

112
A sátiro que estava do lado do garoto olhou para baixo
pensativa, ela se virou tentando ficar de frente para ele e respirou
fundo antes de começar a falar.
—Querido, eu sei que vai parecer uma pergunta muito ruim,
mas a sua mãe morreu quando você nasceu não foi?
O menino se espantou, parece que nunca perguntaram isso a
ele, talvez porque todos sabiam. Ele ainda surpreso concordou com
a cabeça e complementou.
—Meu pai disse que o parto foi difícil e que ela rezou para
Deusa Hel para que eu sobrevivesse.
Respondeu olhando de canto para a rainha, que notou e
respondeu.
—Sim, e eu concedi o pedido dela, ninguém reza para mim
então fui pega de surpresa.
—Mas por que?
—Foi um pedido dela, você não era para sobreviver ao parto,
eu disse para ela o preço que isso custaria, mas ela concordou do
mesmo jeito, sinceramente se eu estivesse no lugar dela eu teria feito
o mesmo. Não se preocupe que a morte dela foi tranquila.
—Ah, entendi. Mas como você conheceu ela vovó?
Ele claramente tinha ficado abalado, afinal o jeito
incrivelmente delicado da rainha de falar deixa qualquer um com
vontade de pular de uma janela. Após a descoberta ele ficou calado
por um tempo e voltou a conversar.
—Então ela veio parar aqui? Quem conheceu ela primeiro?
Nessa hora a Monna que já não estava sendo esganada e
estava quietinha levantou a mão e falou discretamente.
—Fui eu. Encontrei ela deitada no chão perto da minha forja,
achei que era uma novata, tanto que ela gritou quando me viu. Orcs
não tem boa fama em Midgard?

113
Disse que era complicado, mas elfos são os que mais tem
ódio contra a espécie dela, ela voltou ao assunto depois disso.
—Ela estava bem perdida depois que se acalmou, ela não
estava triste ou em negação porque morreu, só bem confusa, na
época ela falou algo sobre "Imaginei todos morrendo de frio e
sofrendo horrores, sabe? Algo bem cruel entendeu? Mas aqui é tão
bonitinho. ". Depois disso expliquei como a vila funcionava e fui
apresentando-a para todo mundo, inclusive para o orelhudo que
também tinha chegado só a umas décadas.
O elfo que tinha ido para a cozinha pegar mais comida e
bebida já voltou falando.
—Ela era muito legal, bem energética e prestativa, você é
igualzinho a ela. Inclusive se da tão bem com os animais como ela.
Ele chegou colocando tudo na mesa e fez um carinho na
Goruberta que bicou o fazendo ele dar um gritinho de dor.
—Então a vovó também era amiga da minha mãe?
A cena cômica do Eldrick sendo judiado por uma galinha foi
cortada pela fala do Rolf para a Bretta, e ela de prontidão logo
respondeu.
—De começo, definitivamente não. Eu estava em uma fase
complicada, tinha chegado quase junto dela e ainda estava em um
período de negação violenta, morando nessa casa que estava
abandonada na época.
—E como isso mudou?
—Vai parecer meio estranho, mas ela literalmente me encheu
muito o saco, me perturbava dia após dia, mesmo eu a ignorando.
Eu queria ficar sozinha na minha solidão, mas ela ficava grudada em
mim perguntando como eu estava, se queria uma comida caseira ou
ajuda para limpar a casa, me ganhou pela canseira. Comecei a
conversar com ela e era realmente muito gentil e simpática, foi a
Bella que me apresentou ao resto das pessoas, até veio morar
comigo. O quarto que você dorme tem uma placa de madeira com o

114
seu nome, só que por baixo está escrito "Bella", deixei ele intocado
até você vir morar aqui.
—Sério? Isso é bem legal! E cadê ela? Ela quer me conhecer?
Ele se empolgou, ouvir sobre como sua mãe era ô animou
bastante e esperançoso ele perguntou, porém a resposta foi um
silêncio cruel e absoluto. Quanto mais tempo passava mais a cara
dele mudava de esperança para desespero, ele começou a encarar o
rosto de todos buscando resposta, mas ninguém podia dar, tive que
ser franca com ele.
—Ela está desaparecida a cerca de um ano mais ou menos,
procuramos por ela por todo canto, contudo não tivemos nenhum
resultado.
—Ah... eu... eu entendi COF COF! Eu... eu não... tudo bem,
minha mãe sumiu logo antes deu... morrer... ARF! Eu... é claro... eu
não... EU NÃO CONSIGO RESPIRAR!
O ataque de pânico voltou, droga! Logo agora? Todos nos
levantamos, os três e eu agimos, fui até ele que já estava gritando e se
debatendo, todos nós tentamos o segurar para ele não se machucar
enquanto os convidados surpreendentemente também reagiram.
Uller deu um salto de sua cadeira de gelo passando por todos nós,
logo o Rolf não estava mais sendo segurado por nós, estava
imobilizado nos braços do caçador, suas pernas envolviam o torço
da criança e cada braço segurado por suas mãos, a única coisa solta
era a cabeça, ele se remexia intensamente enquanto o deus gritava.
—VOCÊ DISSE QUE CONSEGUIA RESOLVER ISSO
HEL! ACELERA LOGO!
Hel sumiu dos meus olhos em um pequeno flash de luz verde
e aparecendo ajoelhada em frente aos dois, ela segurou o rosto do
Rolf que estava afogado em lágrimas e pude ouvir ela falando algo
na língua antiga dos deuses, ela falou:
—"Uma canção que pode espantar seus temores, que te
lembre o que conforta, que te leve para o seu lugar seguro e lhe traga
para os meus braços de volta. ~Canção de Ninar~. "

115
De repente pequenas luzes azuis envolveram o Rolf e uma
música leve e doce começou a tocar fazendo ele ficar mais calmo,
sua respiração ficou mais leve e ele lentamente se acalmou, ficou
com uma aparência quase sonolenta. Após isso Uller o soltou e a
Bretta foi direto até ele.
—Querido, está tudo bem? Como você se sente?
—Eu estou bem, desculpa por isso, não queria te preocupar,
desculpa vovó...
Ele suspirou de sono, o olhar parecia ainda mais cansado, mas
estava calmo.
—Ah, não, tudo bem, vamos para mesa de novo.
Ela se levantou e guiou o Rolf até a mesa de jantar de novo,
já eu encarei a feiticeira negra buscando entender que magia foi
aquela, nunca vi esse tipo de magia antes, nenhum daqueles
monstros tinha feito ela até onde sei. Quando olhei para ela seu
rosto estava encarando o chão, pior do que antes, era uma cara de
angustia, quase como se ela estivesse usando todas as forças para
segurar algo dentro dela. Me aproximei e segurei no seu ombro,
tentando a consolar e disse.
—Está tudo bem, minha rainha? Aconteceu alguma coisa?
Como se saísse do transe ela se assustou um pouco e me
encarou espantada, pude ver uma lagrima presa no olho que logo foi
limpa por ela. Recuperando a compostura logo em seguida, sua face
voltou ao normal e ela falou.
—Estou bem, só lembrei de algo ruim.
—Ah claro... vossa majestade poderia me dizer que magia era
aquela? Nunca vi ela na minha vida.
—Ah, ela é uma magia autoral, se você está se perguntando se
sua mãe já sabe eu já te adianto que não, nunca ensinei para
ninguém. Criei para ser uma magia conjunta com a magia de sono,
para que fosse impossível ter pesadelos, o efeito quando é usada sem
o complemento é algo parecido com um calmante de alta eficiência.

116
—Como você sabia que ele tem pesadelos constantes?
Ela me olhou e arqueou a sobrancelha respondendo logo em
seguida.
—Ele tem? Essa magia tem uns séculos de existência, criei
para outra pessoa, mas se ele tem é uma boa solução para isso.
Uma magia para evitar pesadelos? isso é bem conveniente,
mas para quem ela criou essa magia? De qualquer forma nós
voltamos a mesa, o Rolf estava muito mais calmo, tinha voltado ao
normal e estava respirando fundo, todos olhamos para ele ainda um
pouco tensos esperando a resposta, até que.
—Então, como a senhora conheceu a minha mãe?
Ele se dirigiu a rainha que ficou desconcertada, apesar de ela
ter começado com a conversa do passado parecia não saber
continuar.
—Ah... bom, para falar a verdade quem me apresentou ela foi
a Astrid.
Ela jogou a responsabilidade para mim?
—Quem tornou possível eu conhece-la foi vossa deidade
Uller.
A atenção geral se voltou para o caçador que estava bebendo
em um copinho quando notou todos o encarando.
—Bom, beleza... eu lembro que eu estava andando pela
floresta, a Hel havia me dado permissão para andar por ai, porque é
assim que funciona com ela.
—Quando você faz as coisas sem me pedir permissão isso
acontece.
Ela apontou para o Rolf enquanto discutia com o Uller.
—Então, eu estava aproveitando minha caminhada pela
floresta quando vi uma mulher perseguindo uma galinha,
surpreendentemente a galinha era muito ágil e tinha ótimo reflexos.

117
Nessa hora, tirando Hel e Uller, todos torcemos os pescoços
em direção a galinha estrategicamente posicionada no outro lado da
sala comendo sua ração em seu potinho. O Eldrick falou
prontamente, sendo acompanhado em seguida pelo Rolf.
—Eu deveria fazer uma sopa com você sua galinha maldita...
—Encoste na minha galinha e eu juro que eu conto tudo.
O elfo olhou no fundo dos olhos do garoto, um clima de
pura tensão foi instaurado momentaneamente, até eu podia dizer
que o Rolf ia entregar qualquer que fosse a informação que ele tanto
temia.
(...) Vai viver mais, passarinho do diabo. Continue por favor.
O deus da caça se levantou um pouco para observar a galinha,
analisando a meticulosamente, deu de ombros e voltou a história.
—Então eu a ajudei a pegar a galinha e ela me agradeceu, por
curiosidade eu perguntei o porquê da perseguição e ela disse que
uma revolta dos bichos havia acontecido na fazenda de um amigo
dela, até perguntou se eu poderia ajudar. Ela foi tão espontânea na
pergunta, imaginei que ela não sabia quem eu era, geralmente a
expressão é mais de pânico e respeito excessivo e chato que eu odeio,
como ela não agia como uma puxa saco babaca eu resolvi ajudar, foi
fácil.
—Depois de ajudar a recuperar a maioria dos animais a gente
foi beber na taverna do... Yorgen, acho que esse era o nome.
Quando ouviu o nome do taverneiro o Rolf teve um leve
espasmo como se um riso tivesse escapado. Voltando a história.
-Aí durante o dia todo eu estava curioso sobre ela, parecia
muito uma caçadora, e de fato ela era, e tinha uma ótima
compatibilidade com os animais.
Nessa hora o menino, o elfo e a sátiro se entreolharam e
falaram.
—Isso explica você ter me arrastado pelas fazendas.

118
—Eu tinha que conferir, era a prova mais concreta do que só
a aparência cuspida da sua mãe.
—Mesmo assim Eldrick, três fazendas? Sério mesmo?
—Me deixa.
Ele o arrastou por três fazendas? Sério? Encarei em
desaprovação o homem magro e com cara de idiota do outro lado
da mesa, enquanto o Uller tentava terminar a história.
—Então... ela ficou bêbada uma certa hora e eu perguntei
como ela chegou aqui. Ela disse que preferiu morrer no lugar do
filho, fez um acordo com a Helzinha aqui e veio parar no lugar dele,
você bem que podia ter feito de graça.
Acabou a frase dando uma cotovelada de leve em Hel que
estava sentada do lado dele, que respondeu no automático, e logo
em seguida eu completei.
—Você sabe que não funciona assim a necromancia.
—Além disso o Odin proibi qualquer interferência fora de
Hel senhor, pelo menos interferências não justificadas.
—Claro, claro. Voltando ao assunto, quando ela me contou
deu uma peninha dela... aí eu pensei em fazer algo divertido. No dia
seguinte eu contei quem era e dei a mesma resistência ao frio que dei
a você para ela como prova só que em um grau maior, porque ela
não acreditou de primeira, falando nisso.
Ele estalou os dedos e o Rolf começou a ter ânsia de vomito
que foi aumentando constantemente até que ele vomitou e de dentro
dele uma energia branca saiu da garganta e se dispersou como
fumaça. Ele ficou tossindo após essa cena desconfortável enquanto a
Monna ia pegar um copo de água para o pobre coitado.
—Desculpa, não tinha uma forma menos desconfortável de
fazer isso. Continuando, depois que sugeri que ela fosse para a
Bifrost, só que ela ficou me enchendo para eu guiar a ela, até tentei
recusar, mas ela apelou para o emocional e disse "Então o grande
deus caçador, não quer guiar uma pobre caçadora novata, mesmo ele

119
próprio sugerindo que eu vá e ainda sim me fornecendo os meios
para ir, o que será que aconteceria se eu me perdesse e nunca achasse
o caminho de casa? "... isso foi baixo da parte dela.
Hum, ela fazia isso né? Saudade disso, ela fazia isso com
todas nós, até a rainha parecia gostar desse lado dela
—Bom, eu aceitei no fim e ela foi para casa e voltou cheia de
equipamentos, veio falando que disse para a colega de quarto que ia
ficar um tempão fora.
—Isso explica o sumiço de dois meses dela.
—Também explica ela ter pego facas e machadinhas, além de
material para flechas e um arco.
A Bretta e a Monna cortaram ele, finalmente as peças estavam
começando a se encaixar na cabeça delas, mas logo o Rolf
interrompeu todos.
—Ok, mas como ela conheceu a Astrid?
—Ah claro! Nós fomos acampando e ela foi me contando
sobre a vida dela, falou sobre você, como ela queria te ensinar a
caçar, a criar armadilhas, também falou do seu pai o Thorfinn, o
Thor e o Magni estão de olho nele, fica ligado nisso. Eventualmente
chegamos a Bifrost no meio da troca de turnos das valquírias e eu
tive um plano incrível.
—Espera um pouco, senhor Uller, se tem aqueles bichos que
me atacaram quando eu pulei para fora da barreira...
—Os helivagos? Sim.
—É. E a barreira mais próxima é longe para um inferno, qual
era o seu plano já que antes você não ia acompanhar ela.
O Rolf o cortou mais uma vez, só que dessa vez ele tinha um
ótimo ponto, um ponto realmente muito bom. Todos voltamos a
olhar para o narrador da história novamente e a cara dele era
indescritível, uma face de que finalmente tinha notado a merda que
tinha feito.
—Meu Odin, você tem razão...
120
—VOCÊ TA BRICANDO COMIGO?
—ENTENDEU POR QUE EU NÃO TE DEIXO MAIS
SEM SUPER VISÃO?
—PARA UM DEUS TU É MUITO BURRO!
—QUAL O TEU PROBLEMA?
—VOCÊ MANDOU A BAIXINHA PARA VIRAR
COMIDA DE ABERRANTE? NÃO! TEM MAIS BICHO QUE
ISSO NA FLORESTA! ENLOUQUECEU?
—POPOOOOPOPOPOOPOOOO!
—Ah pelos deuses, se dependermos de vocês no Ragnarok
estamos perdidos.
Todos estávamos furiosos com a resposta dele, tão furiosos
que foi um xingamento atrás do outro, primeiro foi meu, depois foi
a Hel, seguida do Rolf, após isso a Bretta e por último a Monna, até
a galinha que nessa hora tinha subido na cabeça do Rolf estava
escandalizando, o único que não xingou ele foi o Eldrick, desiludido
com a qualidade das divindades que ele era devoto. Depois de uma
sessão de xingamento que eu admito que durou bem mais tempo do
que eu me permito mencionar aqui, ele continou.
—Olha gente, foi mal, eu estava bêbado, na hora parecia uma
ótima ideia.
—Está permanentemente proibido de andar sozinho a partir
de agora, mesmo fora de Hel!
—CONTINUA A HISTÓRIA!
Depois dele tentar se explicar desastrosamente recebendo uma
patada da rainha e um tapa no meio da nuca, o Rolf gritou e ele foi
terminar a história.
—Ok ok! Eu vou resumir, calma! Chegamos lá e eu achei que
tinha potência suficiente para destruir a barreira que impedia as
pessoas de passarem. Só que...

121
Ele jogou a cabeça na minha direção, minha vez de falar
agora.
—Era o meu turno e eu cheguei bem mais cedo porque eu
não tinha nada para fazer.
—Não se orgulhe disso querida, você precisa de um hobby.
—Eu sei Bretta... bom, eu cheguei lá com ele tentando
quebrar a barreira da Bifrost e levei para o castelo para a Bella ter
uma audição com a rainha e para o Uller apanhar da Hel com
vontade.
—E ele apanhou.
—Após isso eu fiquei conversando com a Bella por um
tempo até chegar a hora da audiência dela com a rainha. Escoltei ela
enquanto a Odara e a Aredhal carregavam o surrado Uller para fora,
depois disso sai, mas antes algo que só pude perceber quando as
duas estavam na mesma sala... é difícil de acreditar, mas tirando a
cor do cabelo, olhos e altura, vossa majestade e a sua mãe são
identificas, facilmente poderia dizer que elas são irmãs separadas na
maternidade.
Todos olharam para Hel e para mim, Uller fechou levemente
a cara enquanto coçava a cabeça tentando esconder o rosto. Nessa
hora a rainha levantou a mão e passou pelo rosto, uma magia cor de
rosa começou a se desfazer no ar e o real rosto de vossa majestade
apareceu, todos entraram em choque, principalmente o Rolf, sua
cara originalmente era mais séria e madura, de certa forma mais fina,
mas agora ficou intensamente mais jovial e tirando as cores, a
semelhança tremenda com o Rolf era clara. Ele saiu da cadeira e foi
andando bem devagar até seu lado, abri espaço para ele que ficou
frente a frente com a mulher idêntica à sua “mãe perdida”, ele só
começou a encarar e falou.
—Minha mãe era realmente assim?
—Sim... mas deixa eu melhorar um pouco
Hel se levantou e estalou os dedos e a cor do cabelo e dos
olhos mudaram ficando iguais ao do Rolf.

122
—Ela era exatamente assim.
—Ela falava de mim?
—Claro... o tempo todo! Mesmo sem te conhecer. Ela deu a
vida por você, você só está vivo por causa dela, você é e sempre será
o mundo dela.
Ela se abaixou e juntou as mãos e entre elas uma pequena
esfera, quase como uma bolha de sabão, essa bolinha começou a
crescer e nela mesma começaram a surgir várias imagens da Bella, era
uma magia de reprodução de memória, eram as memorias da duas
juntas, elas começaram a passar e o nome do Rolf era
constantemente falado, ela dizia o que ela queria o ensinar, como ela
queria passear com ele pela floresta, apresenta-lo para todo mundo
de Helheim entre outras diversas e diversas outras lembranças que
foram passando. Até que finalmente terminou.
—Ela te amava tanto que não conseguia conter dentro dela e
falava para todo mundo, algumas vezes quando a Astrid passava por
perto da sua vila eu usava a mesma magia para mostrar você para ela.
Ela ficou muito feliz que você cresceu a cara dela e com um bom
coração.
O Rolf viu todas aquelas memorias e quanto mais elas
passavam mais ele segurava o choro, porém quando Hel falou ele
não conseguiu aguentar o choro e se jogou em um abraço nela e
como resposta ela também o abraçou, uma cena de aquecer o
coração. Não conseguia parar de sorrir nesse momento, todos
estavam iguais a mim, alguns segurando as lágrimas, entre eles eu.
Eles se abraçaram e enquanto o menino chorava eu pude ver o rosto
melancólico de Hel se transformou em uma expressão gentil e feliz,
como se ela também não pudesse conter seus sentimentos, no fim
ela falou.
—Eu sei que não sou ela, mas... sesculpe por demorar tanto
filho, mas estou aqui agora.

123
DEZ
-Uma promessa entre quase irmãs-

Depois de finalmente ter visto a imagem da minha mãe pela


primeira vez meu coração não aguentou, era uma imagem tão
familiar mesmo eu nunca tendo a presenciado antes, meu corpo se
moveu sozinho e quis ficar perdido naquele abraço para sempre. Eu
sempre tive dúvidas, dúvidas e mais dúvidas sobre os sentimentos
dos meus pais, sempre fui considerado falho, para mim eu não trazia
nada de bom para o meu pai e pensava que se minha mãe me visse
teria ficado decepcionada, mas ouvir que a minha mãe preferiu
morrer para que eu pudesse ter uma chance e que ainda sim falava
tanto de mim, foi como tirar um peso gigantesco do meu peito,
como reação eu só pude abraçar aquela mulher gentil que me
permitiu ver a imagem da pessoa que mais me amou pelo menos
uma vez.
O abraço durou um bom tempo até eu ter coragem de soltar,
tinha chorado tanto que estava com uma dor de cabeça desgraçada e
meus olhos estavam inchados, afinal era a terceira vez chorando no
dia, preciso parar com isso. Depois de largar dela fiquei sentado de
volta no meu lugar com os olhos inchados, já a Hel rapidamente
pegou o manto de pele de urso do Uller de maneira abrupta fazendo
o mesmo cair e se secou falando comigo.
—Se sente melhor Rolf?
Ela falou com um leve sorriso, seus cabelos e olhos já
voltaram as cores exóticas de antes e ela voltou a se sentar enquanto
o caçador agora sem manto se levantava irritado com a atitude da
amiga. Após toda a comoção passar eu ainda tinha dúvidas quanto
algumas coisas, uma delas era sobre o que aconteceu quando elas se
encontraram pela primeira vez.
—Vossa Majestade... como foi o encontro entre você e
minha mãe?

124
—Ah... claro. Com tudo que aconteceu eu me esqueci.
Quando ela entrou na sala do trono onde eu estava a esperando
fiquei em choque no início, por mais que quisesse negar nós éramos
idênticas, sua mãe notou de primeira, mas ficou quieta, já a Astrid...
—Eu já pedi desculpa.
—Eu sei, mas entrar em pânico e ficar alternando em encarar
nós duas e começar a gaguejar não ajudou nem um pouco...
voltando, eu dispensei a gaguejadora e...
Quando ela começou a contar ela mexeu os dedos e esculturas
de neve começaram a se formar na mesa me ajudando a formar a
imagem da cena na minha cabeça, vi minha mãe parada encarando a
rainha Hel em um trono. Hel a encarou em silêncio por alguns
minutos até que começou a falar.
—Que ousadia a sua de tentar atravessar o portão da Bifrost,
ainda mais com um idiota como aquele. Você não é a mesma tola
que a semanas atrás pediu para eu trocar a tua vida pela de seu filho,
se arrependeu e quer voltar ao mundo dos vivos? Acha que aceitarei
isso?
A costumeira cara melancólica e triste de sua majestade foi
trocada por uma de desprezo, como se ela odiasse a existência da
minha mãe já de começo, acho que já tinha passado por milhares e
milhares de situações semelhantes, porém a resposta dela.
—Não minha rainha, eu estava perfeitamente ciente da minha
escolha e fiz ela aceitando toda e qualquer consequência.
Seu olhar era afiado nas palavras de Hel, afiado e selvagem,
não tinha um pingo de receio e mentira naquela visão, era como
uma fera que apesar de intimidada por um predador mais forte
ainda sim permanecia firme. Saindo de seu trono ela foi até próxima
da misteriosa mulher e a encarou no fundo dos olhos e não era
mentira, não importa o quanto ela tentasse perceber o mínimo de
hesitação, tinha confiança nas suas habilidades de detecção de
mentiras, vendo isso ela tinha que perguntar agora com uma cara de
confusa.

125
—Então porquê? Te mandei para a vila Noviça, só vai gente
boa para lá? Faltou alguma coisa?
—Ah não, na verdade é um lugar adorável, achei que ia ter
sofrimento e dor, frio eterno seguido de nossas almas serem
torturadas, mas lá é ótimo, o pessoal é muito caloroso, melhor lugar.
É só que...
—É só que?
—Eu sei que isso é egoísta, mas eu só queria ver meu filho
pelo menos uma vez, fiquei em dúvida se meu marido saberia cuidar
direto dele.
Qualquer mínima dúvida que a rainha teve quanto aquela
humana foi arremessada janela fora e ela não conseguiu conter um
riso fraco. Ficando despreocupada ela decidiu a "punição."
—Se você não queria nada além de ver o seu filho, pode
voltar para casa já, vou pedir para o imbecil que te escoltou para
pedir perdão e tirar a magia que ele colocou em você.
—Ah, espera, espera! É só eu ou você é muito parecida
comigo?
Ela a encarou com um sorriso aberto, largo e gentil que
deixou Hel desconfortável fazendo a reagir.
—Não...
—Mas parecemos, se o seu cabelo fosse preto nós
poderíamos ser gêmeas!
—Não estou interessada em ser gêmea de alguém, peça para a
garota de antes lhe escoltar, se me permite agora.
Tentando fugir para longe dela a rainha seguiu até a
biblioteca a deixando na sala do trono, porém ela seguiu até o
quarto vendo a vasta quantidade de livros que entupiam as paredes.
—Uau, é bem grande aqui rainha Hel, posso pegar algum
livro para ler?

126
—Você me seguiu? Tanto faz, pegue o que quiser, mas se
amassar uma pontinha eu te queimo.
—Ah! Ok... uudo bem, eu vou tomar cuidado. Tem algum
livro de romance?
—Terceiro andar, da quinta fileira até a décima são romances
de diferentes tipos. Aproveite, só não tire nenhum livro daqui.
Ela subiu as escadas da biblioteca até o terceiro andar
deslumbrada com a biblioteca semi-infinita, Hel podia escutar as
reações dela de espanto ao ver que a biblioteca, o tempo passou e
enquanto ela lia sobre magia antiga uma voz veio de cima das
escadas.
—VOSSA MAJESTADE, SÃO MUITAS OPÇÕES! A
SENHORITA PODERIA ME SUGERIR ALGO?
Hel respirou fundo e ponderou se devia ir ou não, talvez se
ela não fosse ela não perturbaria mais, mas caso contrário se ela não
fosse ela poderia agir sozinha e destruir uma porcentagem
significativa da biblioteca que levou oito milênios e meio para ser
construída... ela foi imediatamente voando até sua “convidada”
exotica e se deparou com aquela mulher tão curiosa quanto uma
criança encarando aquele mar de livros. Chegando perto elas
começaram a conversar enquanto Bella empilhava cada vez mais
livros.
Nessa hora o teatro de neve acabou e ela terminou sorrindo
enquanto as bonecas de neve se desmanchavam na mesa. Ela
respirou fundo como se recuperasse o foco e se virou para mim para
falar.
—Então foi isso, ela voltou para casa com alguns livros, no
final você a deixou levar.
—Eu tinha algumas copias disponíveis...
—Vocês só se viram essa vez?
Astrid se pronunciou nesse momento, como se lembrasse de
uma época diferente,

127
—Ah não... ela vivia lá em casa, a trazia a cada dois dias, foi
tanto que de "Vossa Majestade" passou para "Senhorita", depois
"Hel" e por último "Floco de neve"... esse último a rainha não
gostava.
—(...) Minha mãe não tinha medo de morrer mesmo?
—Sim... não que eu fosse matá-la...
—Em defesa dela eu disse que a Hel era bem mansa, e ela é.
O Uller finalmente se manifestou no final e deixou um ar de
desconfiança no rosto da rainha que começaram a discutir de lado
da conversa. Nessa hora a Astrid começou a chamar a atenção
batendo na mesa tentando alertar os outros dois.
—Minha rainha... rainha... Ei, EI! HEL!
—O QUE?
—Já está tarde, ele precisa ainda dormir, precisa descansar
ainda mais.
—(...) Você está certa...
Quando notei que eles estavam se preparando para partir não
pude conter minha angustia, ainda tinha muitas perguntas para
fazer.
—Vocês já vão? Não podem ficar só mais um pouco?
—Querido, eu sei que ainda tem perguntas, mas tem tempo
para tudo.
Antes que eu pudesse sair da cadeira a vovó me segurou,
infelizmente ela tinha razão, já tinha tomado muito tempo deles.
Eles se aprontaram para sair e fomos para fora, os três deuses se
alinharam e Hel fez um círculo mágico ao redor e antes de ativa-lo
cada um se despediu de uma maneira, Uller afagou a minha cabeça,
Astrid se ajoelhou e me deu um abraço pedindo desculpas mais uma
vez e a Hel deu um tímido adeus com a mão de longe, depois disso
uma magia branca levou eles embora. Logo depois foi a vez da
Monna e do Eldrick, cada um me dando um abraço, a Monna em

128
especial levou minha adaga quebrada dizendo que faria uma melhor
e mais resistente.
Nós voltamos para casa depois, estava bem mais vazia e sem
moveis de gelo, a Goruberta estava nos esperando no meio da sala,
ela veio até mim e a segurei, a vovó aproveitou a deixa e ela me
pegou no colo e falou.
—Você tem o tamanho de uma criança de oito anos, como
você tem onze?
—Vocês que são grandes demais... eu sou normal.
Ela riu um pouco e pediu desculpas, me carregando até meu
quarto e me colocando para deitar, ela me arrumou, a Goruberta foi
até a posição de sempre e deu um cacarejo antes de se deitar, como
se dissesse boa noite, após isso se encolheu e começou a dormir. A
vovó me deu um beijo de boa noite e disse.
—Desculpa por não poder conversar mais com você, eu estou
completamente exausta, mas prometo que amanhã eu conto o que
você quiser. Boa noite querido.
Ela foi até a porta e antes de fechar ela parou por um
momento e voltou.
—Rolf...
—Oi vovó?
—Você quer que eu fique até você dormir?
Eu deixei escapar um leve suspiro de felicidade, seria bom se
ela ficasse aqui, mas eu já dei trabalho demais, era hora de me
esforçar para dormir pelo menos.
—Pode ir, obrigado vovó. Boa noite.
—Boa noite pequenino.
Ela fechou a porta, sons dela se dirigindo ao seu quarto e se
deitando antecederam o silêncio da noite. Eu planejava tentar
dormir essa noite, realmente estava cansado, mas tinha medo de

129
voltar aquele inferno de pesadelo, de qualquer forma antes de tentar
eu tinha que resolver outra coisa.
—Pode sair daí...
Uma sombra se moveu do canto do quarto seguido de um
sibilo de cobra, Goruberta ouviu isso e correu para mais perto
saindo dos meus pais para os meus braços.
—Ei, se acalma, é uma cobra, mas é amiga.
Quando terminei de falar, das sombras surgiu uma cobra
saindo do canto do quarto em direção a cama, era pequena e branca
com um pequeno brilho verde nos olhos, mas conforme foi se
aproximando ela foi crescendo, cresceu ao ponto de que a cabeça
dela tinha o mesmo tamanho da minha. Ela se aproximou e levantou
até o nível da minha visão e de repente falou.
—Como sabia que era eu?
Era a voz da Hel. Após perguntar uma névoa verde tomou
seu corpo e ela voltou a forma que tinha visto a um tempo e se
sentou na cama antes mesmo deu dar a minha resposta, mas ainda
achei que devia falar.
—Não sabia... só sabia que você não ia machucar nós dois.
Você não é hostil.
Ela arqueou a sobrancelha e suspirou de leve dizendo em
seguida.
—Você também consegue fazer isso? igual a sua mãe.
—Igual ao o que?
—Sua mãe tinha isso, conseguia ver através das pessoas. Se
uma pessoa ruim agisse como um anjo perfeito em todos os
aspectos, ainda sim era inútil perante a Bella.
—Foi por isso que ela não teve medo de você? Achei que era
por que o Uller disse que você era legal.
—Também, mas ela não confia só na fala das pessoas, pode
parecer boazinha, mas uma loba é uma loba, e você é igual, ou vai

130
me dizer que não foi por causa disso que confiou na Bretta e nos
outros.
Só consegui responder com sorriso de vergonha, enquanto
ficava em devaneio a Goruberta não estava mais com medo e decidiu
dormir embaixo da cama nos dando espaço. Mas quebrando o
silêncio tinha uma pergunta muito importante para fazer, porém
estava com medo da reação dela.
—Senhorita Hel... poderia me dizer, se não incomodar, como
a minha mãe sumiu?
Ela me encarou com um olhar pesado como se fosse algo que
abalasse ela profundamente, aquilo me atingiu profundamente e me
senti obrigado a retirar a pergunta.
—Desculpa, isso é algo ruim, por favor esquece que eu
perguntei.
—Não...não, você merece saber mais que qualquer um, é só
um pouco difícil...
Ela começou a encarar o chão enquanto buscava as palavras
certas, aproveitei e me sentei do lado dela. O tempo se passou e só
silêncio existia, até que ela tomou folego e falou.
—Poucos dias depois do seu aniversário de dez anos, eu notei
que ela estava agindo estranho, estava falando muito pouco e ficou
mais "carinhosa", ela já era, mas chegou em outro nível.... até que
teve um dia que ela chegou e disse uma coisa que eu nunca vou
esquecer. Estávamos no telhado do castelo de tarde, ela ia lá sozinha
para aproveitar o vento e naquele dia resolvi ficar junto dela,
ficamos conversando como normalmente, mas chegou a hora de ir
embora, normalmente eu abriria o portal para lá, mas ela me
impediu. Ela segurou a minha mão e... "Hel, obrigado por tudo até
hoje, para ser sincera eu estava me contendo bastante quando
cheguei, mas passar tempo com todos vocês me ajudou tanto e você
fez tanto por mim... nunca vou poder compensar por tudo, você é a
melhor irmã mais velha que eu poderia pedir." Ela parecia com
alguém que estava prestes a morrer, isso me assustou tanto, eu tentei

131
manter ela no castelo e procurei algum sinal de algo errado na alma
dela, mas não tinha nada...
—E o que aconteceu depois disso?
—Ela se despediu, de cada uma das meninas, dos
funcionários do castelo, só não conseguiu do Uller, ele não estava
em Helheim no dia... ai eu levei ela para a vila Noviça pessoalmente.
Fiquei preocupada ao ponto de ficar disfarçada de vários tipos de
animais a perseguindo, vi ela fazendo a mesma coisa com cada um
dos amigos dela, o tempo passou e a noite chegou, ela jantou e se
despediu da Bretta e foi dormir. Ainda preocupada eu fiz a mesma
coisa do que dessa vez, escondida na sombra vigiando ela, só que ela
me viu. Sentei do lado dela e desabafei que estava preocupada com
ela... e ai...
Hel contando essa história ficou cada vez mais fragilizada,
chegou ao ponto de recuar para mais dentro da cama, até o ponto de
se escorar na parede e se agarrar nas pernas, para acompanhar eu me
encolhi também e encostei no ombro dela, não acho que ela tenha
achado ruim.
—Ela agradeceu por tudo novamente e disse que tinha dois
pedidos egoístas para mim, um que era que eu prometesse cuidar de
você, caso alguma coisa acontecesse que eu pelo menos ficasse de
olho em você... e o outro é que eu dormisse junto dela naquela
noite...
—E você ficou?
—Fiquei... no dia seguinte ela tinha sumido completamente,
eu sai antes que a Bretta me visse e procurei ela por todo lugar, todo
maldito lugar, só para não achar ela...
Ela segurou as lágrimas com toda força que podia, não sabia
o que fazer, já ia entrar em pânico até que ela fez um sinal para eu
esperar e foi se acalmando aos poucos. Ela respirou e soltou algumas
vezes até que se estabilizou.
—Foi isso que aconteceu...

132
—Desculpa por perguntar... eu não sabia que você era tão
próxima dela.
—Ela era minha irmã mais nova eu querendo ou não, minha
família não é exatamente exemplar, meus irmãos nunca falam
comigo, um até que não posso culpar por não me visitar, meu pai é
um bosta que me visita a cada dois mil anos quando quer alguma
coisa e minha mãe passou a me ignorar depois deu nascer... então ela
querer ser minha irmã foi legal...
—É por isso que você veio até aqui? Por causa da promessa?
—Sim... sua mãe fez minha vida mais feliz, ela me fez viver
mais de mil anos em dez, era o mínimo que eu podia fazer por ela.
—Você não precisa fazer isso se não quiser, a vovó cuida de
mim, eu ajudo no Eldrick sempre que posso, minha vida não está
ruim...
Ela segurou no meu rosto como se tentasse transmitir um
sentimento de carinho, mas ela ainda estava machucada demais da
história. Mesmo assim ela tentou
—Rolf isso não é vida, aqui é para descansar, você não tem
porquê descansar ainda... eu já tomei a minha decisão, vou falar com
a sua vó amanhã, está na hora de você ir para casa.
—O que? Como assim? O que vai acontecer? Não ligo, você
não precisa fazer nada, já fez demais.
Ela deu um sorriso, seus olhos ainda seguravam um pouco de
lágrimas.
—Acho que ela me mandou cuidar de você sabendo que ia
acontecer o contrário. Eu sou uma adulta mais que milenar então
não precisa começar a se preocupar comigo, não é você que decide
isso garoto, hora de dormir.
De repente senti meu corpo pesado, era a magia de sono
novamente, droga! Tentei me manter consciente, mas ela com um
único dedo me empurrou para trás me fazendo cair na cama de cara

133
para o teto. Meus olhos ficaram cada vez mais pesados e antes que
pudesse tentar reagir eu pude ouvir a voz da Hel novamente.
—Não se preocupe, não vai ter pesadelos dessa vez, vou
garantir isso. Boa noite Rolf.
Antes de despencar de vez, em um último ato de desespero
me joguei em cima dela e forcei um abraço, mas meus braços
estavam muito fraquinhos para aguentar então acabei caindo para o
lado na cama. Nessa noite eu tive um dos melhores sonhos da
minha vida.

134
ONZE
-Hora de voltar para casa pequeno lobo-

[Pov: Astrid]
Após saímos do círculo de teletransporte me vi de novo em
frente à entrada do castelo de cristal flutuante no qual morava com
minhas irmãs. Quando olhei para os arredores vi que só Uller estava
do meu lado, a rainha havia sumido, comecei a procurar e até entrei
no castelo com o pensamento que ela podia ter entrado
rapidamente, essa hipótese logo foi descartada pela fala do caçador.
—Ela não está aqui, ficou por lá, escondida.
—Ela ficou? Por que?
—"Não podem ficar só mais um pouco?" Ela ficou, quando
eu disse que ela iria fazer o que ele pedisse eu não estava brincando...
—Bom, pelo menos ela vai responder o resto das perguntas...
Me virei em direção a região da vila Noviça, diversas e
diversas outras vilas menores circulavam ela, tentei sem sucesso
achar a casa da Bretta.
—Ei, vou dormir por aqui hoje no quarto de hospedes,
deveria ser melhor você falar com suas irmãs por agora, soube que
você deu um nocaute na Gwydion.
— Merda! Verdade! Desculpe senhor Uller.
—Só Uller, pode ir.
Ele terminou de falar e entrou de vez dentro do castelo, já eu
o segui, enquanto ele passava pela entrada luxuosa e subia uma das
duas escadas que levavam até o segundo andar, eu fui pela lateral
para o pátio interno do castelo, ele servia de campo de treinamento
para a guarda real e dele era possível ter acesso aos nossos quartos
pessoais. Cruzei o campo e cheguei na porta do alojamento, ele era
gigantesco claro, tinha que comportar treze pessoas, por sorte cada
uma de nós tinha o próprio quarto customizdo. Após adentrar me

135
deparei com um salão de descanso com várias das valquírias
esperando, tinha por volta de cinco delas que se voltaram para mim.
—CAPITÃ! VOCÊ DEMOROU PARA CHEGAR!
—Nossos turnos acabaram, não precisa disso.
—Ah é verdade! A irmãzona demorou para chegar!
Quando adentrei a sala Seraphina, que era a única que não
estava na Bifrost quando eu cheguei, veio me cumprimentar, sendo
um gênio no artesanato ela faz vários artefatos mágicos e devia estar
trancada no seu quarto/oficina, nem deve ter notado o que
aconteceu. Sua aparência era a mais diferente de todas, chegando
mais perto da Gwydion... mais ou menos, ela possuía um corpo
humanoide repleto de escamas verdes, é bem baixinha, tinha olhos
pretos e a cabeça era igual a de lagarto, os típicos habitantes dos
desertos de Svartalfheim, sua personalidade era bem alegre e até
infantil e era a segunda mais nova, só era mais velha que eu.
—Você é mais velha que eu...
—Mas você é mais alta e manda na gente, então irmãzona.
—(...)Bom ponto, mas mesmo assim...
Comecei a fazer carinho na minha preciosa irmã, e a única
que não me fez raiva.
—Ei ei! É verdade que o filho da Bella tá aqui?
—Sim, vocês vão conhecer ele amanhã, pelo menos de
maneira apropriada dessa vez.
Terminei de falar encarando as outras que estavam
descansando em uma mesa, vi cada uma engolindo seco.
—Ah ok! Vou dormir então! Consertei o maxilar da
Gwydion junto com a Freda, vai falar com ela. Tchau!
Na mesma velocidade que veio me ver ela foi embora e seguiu
para o próprio quarto, após isso fui falar com as outras quatro, eram
Gwydion, Althea, Bellatrix e Eleanor. Cheguei já inspecionando a
dragoa, estava arrependida da porrada que eu acabei dando nela.

136
—Oi lagartixa, desculpa por hoje mais cedo, você está bem?
—Deixa, tudo bem, eu teria feito pior, você só atacou o alvo
errado...
Ela falou olhando para a Eleanor que estava claramente
tremendo de medo, provavelmente acharia que a punição máxima
estivesse a esperando.
—Mas fora isso nada que a Freda e a Sera não consigam
resolver. Os remédios da Trix também são ótimos, fiquei mole o
resto do dia.
—Ao seu dispor mulher dragão... mantenha-se hidratada.
Bellatrix que estava sentada se apoiando com os cotovelos na
mesa se levantou e pegou uma caneca em uma bancada que tinha
água e jogou para a Gwydion que virou tudo na mesma hora. Vendo
essa cena já sabia o que tinha acontecido.
—Pegou remédio experimental?
—Ia demorar muito calcular a dosagem para dragões, tive que
pegar a versão mais potente, só que eu e a rainha não testamos
ainda.
—Claro... isso super vai dar certo.
—Ah, desculpa interromper, mas podemos aliviar logo os
nervos meus e principalmente os da Eleanor?
Com a fala súbita da Althea todos nós viramos nossa atenção
para a "culpada" do desmaio do Rolf que claramente estava para ter
um troço e cair dura, acho que era melhor falar algo.
—Então gente, o Rolf está vivo, estável, não emocionalmente,
e provavelmente está conversando com a rainha nesse momento.
—Ah bom! Graças aos céus que ele está bem! Isso é, PERA
AI! A RAINHA?
—É...
—A RAINHA QUE MANDA NA GENTE E QUE A
GENTE TEM QUE OBEDECER A QUALQUER CUSTO?
137
—Essa mesmo! Por que a pergunta?
—AQUELA QUE NUNCA SAI DO CASTELO PARA
NADA? SÓ QUANDO O ODIN CHAMA?
—Pois é né?
A cara da Gwydion era de total incredulidade, já Althea só
estava surpresa, Eleanor simplesmente se desmontou na cadeira,
toda a tensão que ela guardou o dia todo foi expulsa e ela parecia
mais aliviada que tudo, a única que nem demonstrou surpresa foi a
Bellatrix, como se ela soubesse exatamente o que aconteceria.
Posteriormente ao choque Althea tomou a frente da conversa.
—Então ela foi mesmo ver ele? Eu sei que elas eram
próximas, mas pensar que iria sair correndo após saber que ele tinha
chegado aqui.
—É, devia ter visto, ela sorriu tanto, parecia como alguns
anos atrás.
—Deve ter sido algo lindo de ver.
—Foi muito. Queria que fosse mais frequente.
Nessa hora a Eleanor já tinha se recuperado e timidamente
esticou o braço, acho que ainda estava com medo de morrer, mas
também era culpa e preocupação genuína com o garoto.
—Astrid... ele realmente está bem?
—Está, não se preocupa, você não vai morrer por conta disso,
além disso ele pediu para pegar leve com vocês.
Peguei na mão dela e tentei a confortar a menina que estava
quase chorando de alívio.
—Que bom! Ele é muito bom! Que Freya abençoe ele.
Quando ela falou esse nome senti minha cara se fechando, na
mesma hora a Althea deu um tapa na nuca dela. Parece que com a
pancada ela lembrou que esse nome era um tabu aqui em casa e
ficou toda desconcertada.
—Desculpa Astrid, eu não tive intenção, você sabe que eu-
138
—Eu sei, eu sei... tudo bem, não precisa bater nela por isso.
Vamos mudar de assunto, ok?
Depois disso nós só conversamos como sempre, tentei manter
minha mente longe daquele nome. Por mais que a deusa Freya seja a
real líder das valquírias e que ela tenha treinado todas as que usam
magia, nosso relacionamento é péssimo, principalmente eu com ela...
Temos nossas questões, portanto prefiro evitar o assunto o máximo
possível. Conversamos até perdemos a noção das horas atualizando-
as de tudo que aconteceu, quando notei o quão tarde era quase pulei
da cadeira.
—Merda! Que horas são?
—Ah... acho que... uma da manhã... a gente exagerou...
—Acho melhor nós todas dormimos... será que a rainha já
voltou?
Quando perguntei as horas a Althea prontamente respondeu e
já se levantou, a Eleanor estava com a cabeça baixa e claramente
roncando, a Althea já colocou o braço dela por cima do ombro e foi
carregando ela para o quarto.
—Boa noite gatinhas, vou levar ela para o quarto.
—Boa noite.
—Noite.
—Boa noite.
Ela saiu carregando a Eleanor se despedindo de nós, que foi
respectivamente respondido pela Gwydion, Bellatrix e eu. Após isso
me levantei da mesa e fui até entre os lugares das duas, a Gwydion
estava com os olhos fechados quase cochilando e a Bellatrix estava
bebendo o café dela, não que ela seja muito de dormir.
—Boa noite dragãozinho, durma bastante, amanhã vai ser a
punição de vocês.
—Boa noite cientista maluca, só durma, durma de uma vez....
DURMA!

139
Dei um beijo do lado da testa de cada uma, a Gwydion estava
muito chapada de sono e a Bellatrix deu um sorrisinho por trás da
caneca de café quente.
—Ahhhhh, eu vou... eu... dormirrrrr...
—Boa noite chefona, se quiser conversar pode me chamar.
—Brigada maluquinha, leva a Gwydion para o quarto, vou
ver se a rainha já chegou.
—Eu vou. Me conta se ela falar qualquer coisa importante.
Me despedi e sai de volta para o pátio interno e fui andando
até as instalações do castelo e quando ia até a entrada uma voz vinda
de trás chamou a minha atenção.
—Astrid? Você não tem que acordar amanhã cedo, o que faz
acordada até tarde?
Quando olhei vi a Hel quase no topo da escada, estava com
um olhar calmo diferente do habitual, também parecia ter chegado a
pouco tempo.
—Minha rainha? Eu só estava sem sono, como foi com ele?
—Ele está bem, acho que vai ter a melhor noite de sonho dele
em dias.
—Isso é ótimo. Eu vou seguir para o meu quarto agora, peço
perdão por passar do meu horário.
—Não! Espere!
Quando ia me virar para voltar ao alojamento a fala dela me
impediu pegando impulso e voando até mim rapidamente. Ela
segurou meu braço e voltou a falar.
—Você tem um trabalho amanhã, iria falar quando
acordasse, mas já que ainda está de pé.
—O que seria minha rainha?
—Amanhã você vai para a região norte de Midgard, ainda
sabe onde é a vila Magni?

140
—Claro minha rainha, é para fazer o que eu acho que é?
—Sim, você vai dizer para o Thorfinn buscar o filho dele, ele
precisa voltar para casa.
—Avisar? Não seria melhor eu traze-lo aqui?
—Seria, para falar a verdade eu gostaria que ele ficasse aqui
com ele, mas ele tem o "Estigma de Valhalla", quando o Uller disse
que o Magni e o Thor estavam de olho nele é porque eles estão, se
ele cruzar para qualquer outro reino que não seja Midgard, ou a
marca perceber energia divina de um deus maior o Thor e o filho
dele viram para cá e...
—E a última coisa que a gente precisa é o imbecil do martelo
destruindo tudo por aqui sem chance para explicações
—Exato...
—Você quer que eu o avise e escolte de longe?
—Só avise, ele consegue chegar aqui sozinho, "Thorfinn o
Ogro" para o nível dos mortais ele é um monstro, até mesmo entre
os monstros. E evite qualquer conflito possível.
—Bom, a Bella e o Rolf comentaram que ele tinha uma força
"Descomunal", mas eu achei que era exagero.
—Não, ele mata um urso com um só soco, ele é considerado
nível “Imperial” quando estava no auge. Hoje ainda deve ser no
mínimo “Xamã”.
Porra...
—Bom, irei para o meu quarto agora, saia amanhã cedo, me
encarregarei de falar com a responsável dele. Já decidiu sobre a
punição das outras?
—Como desejar, minha rainha. A punição delas vai ser dada
assim que eu voltar.
—Certo, irei para o meu quarto... boa... boa noite.
—Ah, boa noite! Durma bem minha rainha.

141
—Irei.
—Espera! Por que só chegou agora?
—Ah... ele acabou dormindo no meu colo e... não tive
coragem de tirar ele de lá, ele parecia muito tranquilo então...
Ela falou isso enquanto evitava contato visual, claramente
estava envergonhada e não queria mostrar o lado frágil dela. Isso é
um feito impressionante Rolf.
—De qualquer forma boa noite.
Após isso ela seguiu seu caminho de volta para o seu quarto e
eu para o meu, durante o percurso minha mente se pegou lembrando
das outras vezes que fui para a vila do Rolf, era bem grande para
uma vila isolada de qualquer cidade, isso só provava que a liderança
do Thorfinn era boa, viviam de pesca, caça e criação de animais.
Sempre que ia lá eu via o Rolf com o pai dele feliz, o Thorfinn era
realmente um bom pai, realmente espero que ele esteja bem após
tudo isso. Cheguei de volta na sala de descanso e não tinha ninguém
lá, fui no quarto da Gwydion e Bellatrix uma última vez só para
conferir se estavam dormindo e chegou a minha vez de descansar.
Entrei no meu quarto e comecei a tirar a minha armadura,
depois tirei a malha de metal e enfim me troquei para deitar. Meu
quarto era bem simples, um armário para roupas, uma cama bem
acolchoada, várias armas encostadas e armaduras, enfim, hora deitar.
Dormi pouco menos de quatro horas e acordei um pouco exausta de
ontem e já comecei a me arrumar, coloquei a minha armadura,
prendi o meu cabelo e sai com a minha lança do meu quarto para a
sala de descanso, a maioria das minhas irmãs estavam se arrumando
ou partindo para tomar o café da manhã. Quando cheguei todas me
encararam ansiosas, como se a vida delas estivessem nas minhas
mãos.
—Eu vou sair para resolver um negócio em Midgard, só vai
ter punição quando eu voltar, até lá estão proibidas de ir ver o Rolf,
por favor trabalhem dessa vez...

142
—Qual é o lance da vez? Pegar mais mercadoria? Ver o
papai? Arrancar o papai da taverna?
Quem me perguntou era a Hilda, ela era uma valquíria
derivada da raça sátiro, seu cabelo era loiro com um degrade para
roxo, olhos azuis e bem musculosa, ela adora chutar, é a lutadora do
grupo.
—Não, eu... eu vou dar uma olhada nele quando voltar. Eu to
indo ver o pai do Rolf. Ele vai voltar para casa.
—Pera? O que? A Hel vai reviver o menino?
—Sim.
Elas começaram a se descontrolar e me bombardear de
perguntas, de novo... até que eu dei um berro para todas ficarem
quietas.
—EI! CALEM A BOCA! É CINCO DA MANHÂ!
—Ei, fica quieta... Pelo amor de deus...
Todas se aquietaram menos a Bellatrix com o grupinho de
ontem no canto do quarto, todas estavam se entupindo de hidromel
para conseguir se manter em pé, deu vontade de dar uma folga para
elas, mas meio que fizeram por merecer
—Desculpa... escutem, eu vou para Midgard e volto depois
de um tempo, até lá estão proibidas de ver o Rolf. Quando
chegarmos todas serão punidas de maneira apropriada. VÃO
TRABALHAR!
—SIM CAPITÃ!
Elas responderam imediatamente enquanto suavam frio, já eu
segui para fora, passei pelo castelo e vi a rainha me esperando na
porta. Me aproximei e dei uma saudação generosa para ela.
—Saúdo a luz eterna de Helheim, como está hoje, minha
rainha? Ira vê-lo novamente?
—Sim, na verdade o Uller ficará com o garoto enquanto eu
converso com a Bretta e explico a situação. Está indo para Midgard?

143
—Sim, quanto mais cedo eu vier melhor.
—Que os ventos lhe guiem de volta para casa.
Concordei com a cabeça e voei em direção a Bifrost, me
desloquei por um tempo até chegar em frente do portal e finalmente
cruza-lo. Quando adentrei me deparei com o cenário de sempre da
Bifrost, o Interior circular gigantesco pintado de dourado e preto,
fluxos de mana correndo pelas paredes por canos ao lado de vinhas
e plantas que decoravam o salão, várias pessoas indo e vindo pelos
portais sendo os únicos completamente vazios os de Helheim,
Asgard, Jotunheim e Muspelheim, até a terra da névoa e dos
monstros Nifheim tinha mercenários se preparando para adentrar.
Estatuas de pedra cinzenta guardavam cada portal e no centro uma
grande árvore branca e sem folhas feita de energia com esferas ao
redor da mesma. Em cima da árvore em uma plataforma uma
armadura completamente dourada e pesada com detalhes em azul,
ela tinha olhos brancos que escapavam das pequenas fendas do
capacete com chifres que se enroscavam levemente, tinha ainda uma
capa azul que se desfazia em chamas etéreas, e por fim, uma espada
enorme, com uma lâmina branca, repleta de runas vermelhas, aquele
era Heindall, o que tudo vê.
Me desloquei rumo ao trafego de pessoas, o portal de Hel ter
sido aberto gerou espanto em todos, raramente ele abria, ainda mais
duas vezes em tão pouco tempo. A medida que andava a multidão se
abria dando espaço para eu passar enquanto me focavam no portal
de Midgard. Depois de uma longa espera na fiscalização eu
finalmente consegui sair pelo portal e senti o ar fresco de Midgard.
Logo que sai observei a grande cidade que foi construída ao
redor do portal da terra dos homens, era uma cidade gigantesca que
se estendia por quilômetros de distância. Decidi por usar magia para
disfarçar minha armadura, e meu rosto, normalmente as pessoas
ficam olhando para mim, com expressões que eu prefiro não
comentar. Andei pela cidade por um bom tempo até encontrar um
lugar escondido para usar uma magia de ilusão para ficar invisível e
poder finalmente soltar minhas asas.

144
Alcei voo subindo em direção as nuvens, finalmente pude ver
melhor a cidade, as florestas que rodeiam ela e localizada logo atrás
da Bifrost, a gigantesca e maior que a cidade, era a inacreditável
árvore do mundo "Yggdrasil", sua casca era de uma cor branca
azulada, era tão gigantesca que passava das nuvens, não era possível
ver a copa da árvore.
—Obrigado por ajudar ele, mas tinha jeitos melhores senhora
Yggdrasil.
Falei só por falar, não esperava que ela fosse responder, mas
de repente um vento forte bateu no meu rosto como se quisesse me
fazer perder o equilíbrio, acho que era a forma dela de dizer que
sabia que eu estava certa... eu espero
Segui em direção à vila Magni, com a velocidade que estava
indo chegaria no dia seguinte por volta das dez da manhã, poderia ir
mais rápido, mas isso inutilizaria a invisibilidade. Após horas e mais
horas de voou com pequenas pausas acabei por chegar nas
proximidades e optei por ir a pé. Não mencionei antes, mas meu
disfarce consistia em uma aparência de uma senhora em seus
quarenta e poucos anos, pele escura com cabelos pretos e olhos
marrons, usando essa nova face tentei adentrar a vila. Diferente das
outras vezes que vim aqui escondida, dessa vez era possível ver que a
vila tinha começado a construir uma muralha de madeira e pedras ao
redor, um projeto em estágio bem inicial, aposto que não fazia nem
um mês direto desde o começo da construção, só tinha um pouco ao
redor da entrada da vila, mas o terreno de construção já havia sido
demarcado, o objetivo seria cobrir tudo provavelmente. Tentei
entrar da mesma forma.
—PARE! VOCÊ NÃO PODE ENTRAR!
Quando olhei para cima em uma torre de vigilância estava um
humano, grande e forte ele me observava com uma flecha preparada
para cravar no meu olho.
—Sou amiga de "Thorfinn o Ogro" e era da esposa dele
Bella, vim para vê-lo, soube que seu filho faleceu a pouco menos de
um mês.

145
—O Que?
De repente ele se virou e pude sentir pelo rastro de mana no
corpo que havia outra pessoa lá em cima com ele, estavam
discutindo, o segundo homem que ainda não tinha visto desceu e
correu vila a dentro, já o outro voltou a falar.
—SE QUISER ENTRAR FIQUE PARADA, VEREI SE
O CHEFE QUER TE VER.
—CLARO! SÓ PARE DE GRITAR, NÃO FIQUEI
SURDA AINDA!
Ouvi um resmungo vindo de cima e ele se recolheu para
dentro do posto de vigilância, um tempo se passou até eu ver um
homem liderando um grupo vindo lá do fundo da vila, nossos olhos
se encontraram e meu sangue já começou a ferver, um homem alto,
fisicamente forte, cabelo raspado dos lados e um rabo de cavalo da
cor castanha e uma barba volumosa, era o Ragnar. Por instinto senti
meu corpo se enrijecer, como se quisesse enterrar o meu punho na
cara dele, mas tinha que me segurar, apesar da descrição que o Rolf
me deu ter sido perfeita ele errou uma coisa, ele não tem olhos de
cobra, era de algo bem mais peçonhento e maldito. Ele se
aproximou e logo de primeira pude ver que ele começou a me
inspecionar de cima a baixo, parecia procurar por armas, marcas ou
cicatrizes, algo que deixasse claro a minha força, mas por sorte o
disfarce era bom, já ele parecia alguém medíocre. Logo depois da
inspeção rápida ele bufou levemente pelo nariz e a voz grave dele
saiu.
—O que uma forasteira quer na minha vila?
—Busco o encontro com o chefe da vila.
—Você está tendo um encontro com o chefe da vila. O que
você quer comigo?
Ele é o chefe? Não, não pode ser, o Thorfinn está vivo, o
nome dele não está riscado no livro dos mortos... o que esse filha da
puta fez?

146
—Quero ver "Thorfinn o Ogro", não você, desculpa não ser
especifica senhor líder...
—Vai ficar de gracinha comigo? Acha que pode mesmo sair
viva daqui se me irritar? Meu irmão não irá vê-la.
Os homens que estavam ao redor durante nossa breve
conversa deixaram sair um pouco da sua sede de sangue e com o
estalar de dedos do Ragnar as armas de todos já estavam
empunhadas.
—Me trate com respeito e talvez eu te deixe sair viva daqui...
Que homem ameaçador... ele parecia uma barata de tão
patético, nem preciso usar meus poderes para bloquear todos os
ataques, e ainda sim ele me olhava com pura arrogância, quase não
dava para segurar a risada.
—Puff... você não vai me deixar ver o Thorfinn de qualquer
jeito, não é? Vou seguir meu rumo, preferia o líder de antes, pelo
menos ele lutava as próprias batalhas ao invés de ficar atrás de um
monte de gente.
Me virei e fui embora já esperando uma reação, depois de
cinco passos ouvi a voz nojenta do Ragnar falando.
—Matem-na.
Ouvi passos na neve se movendo de trás de mim, me virei e vi
todos os homens dele vindo para cima, o primeiro deu um pulo,
estava com seu machado gigantesco e queria me partir em duas
enquanto os outros seguiam não muito atrás. O ataque veio, vi
claramente o vento sendo cortado na queda dele, em seguida o
golpe, me joguei para o lado e desviei facilmente do ataque, o chão
tremeu e a neve foi explodida no local do impactou. Aquele gigante
estava muito puto e assim que desviei pude ver as veias saltarem dos
braços e rasgando a terra ele tentou jogar machado preso contra a
minha barriga, porém antes de me acertar fui mais rápida e dei um
chute alto no meio da cara daquele idiota. Quando o meu golpe
atingiu o som dos ossos do rosto dele explodindo gritaram para fora
do corpo dele que voo direto para dentro da vila passando pelo

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Ragnar, dentes e sangue eram arremessados e todos os que estavam
atrás foram acertados pelo corpo do bárbaro, os poucos que não
foram atingidos começaram a se assustar e ficaram parados no lugar.
—Então, ainda acha que pode encostar em mim? Tenta uma
flechada, vai que dá certo... ah merda, minha bota está toda melada
de sangue...
Depois deles verem que milagrosamente o cara que eu chutei
estava vivo, maldita benção era para isso ter matado ele. A cara do
Ragnar era incrível, mistura de medo e incredulidade transpirava
dele, ele olhou para o bárbaro desmaiado e me encarou com fúria
gritando.
—ESTAVA ESCONDENDO QUEM É DE VERDADE?
SEU MONSTRO! ACHA QUE VAI SOBREVIVER SE
TODOS NÓS ATACARMOS VOCÊ?
—VOCÊ ACHA QUE SE ME ATACAR SÓ COM ISSO
PODE ME MATAR? ADEUS RAGNAR, SÓ NÃO TE MATO
AQUI E AGORA PORQUE SE ALGUÉM TEM QUE TE
MATAR, ESSE ALGUÉM NÃO SOU EU!
Fui embora e resolvi voltar no fim da tarde invisível
novamente, a segurança estava totalmente reforçada, os guerreiros
andavam em bandos pela vila enquanto ele gritava com todos, a
tensão estava no máximo, porém graças a magia de ilusão só precisei
passar por cima, ter asas é muito útil, devia ter feito isso desde o
começo. Passando por cima pude notar as diferenças desde a última
vez que voei por aqui, antes era uma vila pacifica e as crianças eram
ensinadas a caçar e a lutar somente para auto defesa, apesar de ser
mais violento do que o ideal, mas agora parecia mais um fábrica de
assassinos, os menores, até mesmo mais jovens que o Rolf, que
estavam nos campos de treinamento eram ensinados a mutilar e
matar bonecos de linha em forma de humanos, já os maiores
lutavam contra adultos e saiam quase mortos de tão espancados,
eram uma visão revoltante e grotesca, que bom que o Rolf não mora
mais aqui. Tive que conter meus sentimentos quanto aquela situação
e segui para a casa do Thorfinn, entrei por uma janela aberta no
segundo andar, acabei entrando logo pelo quarto antigo do Rolf.
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Quando entrei furtivamente na casa acabei por pousar na
cama, quando olhei para os lados vi pequenas armas de madeira
espalhadas por todo lugar, um armário que quando abri tinha
casacos de neve de vários tamanhos e por fim um lobinho de
madeira muito bem esculpido em cima da mesa no canto do quarto.
Fui até a escada que ligava o quarto diretamente ao andar de baixo e
vi uma luz laranja vindo de baixo, desci bem devagar e vi uma lareira
acesa e um homem sentado em frente a ela, grande, barbudo e
cabeludo. Fui até ele, mantive uma distância para evitar qualquer
reação exagerada e falei.
—Thorfinn, marido de Bella e pai de Rolf, é bom ver que
está bem.
O grande ogro levantou em um pulo, na mesma hora dei um
passo para trás e conjurei uma magia de silêncio que pegasse a casa
inteira. Quando ele se levantou pude claramente ver sua aparência,
seu físico estava desgastado, parecia que mal tinha se alimentado
desde a morte do Rolf, mas ele ainda era o "Ogro", ele pegou seu
machado de cobre que ficava em cima da lareira, o tamanho da arma
era anormal, igual a ele.
—Quem é você? Como ousa entrar na minha casa?
Uma aura saiu dele, para todos os mortais que já tinha visto
aquilo na minha frente era anormal, um homem com mais de dois
metros com um corpo construído e esculpido com suor e sangue,
quando liberava seu poder o fazia ter a aparência de um ogro real.
—Calma! Antes de partir para cima de mim, sou amiga do
seu filho e era amiga da Bella.
—Meu filho se foi, foi morto por mercenários da cidade mais
próxima e eu não lembro de você morar aqui.
—Ele te disse isso... olha, eu sei, eu o conheci a pouco tempo,
calma.
Tirei toda a magia de ilusão que me cobria, inclusive da
armadura, e tentei abrir minhas asas o máximo que dava na pequena

149
cabana. Em completo choque os olhos arregalados do “Ogro”
entregaram o susto que ele tomou, aproveitei para falar.
—Eu vim de Helheim, sua esposa era muito amiga de minha
rainha e seu filho é muito meu amigo, eu vim falar dele.
Ele entrou em choque, olhou para o chão por um tempo e
logo vi seus braços relaxando e seu machado voltando ao chão. Ele
apertou sua cabeça e deu uns leves tapas com a palma da mão, acho
que ele pensa que está alucinando, de repente ele falou.
—Não estou vendo coisas... eu acho. Se não fosse as asas
seria difícil de acreditar... você é amigo da Bella e do Rolf? Como
eles estão?
—O Rolf está ótimo, acho que melhor impossível, Helheim
não é um lugar ruim como todos fazem parecer..., mas quanto a
Bella, ela sumiu a cerca de um ano.
—(...) Ela sumiu? A procuraram? O que houve com ela?
—Procuramos. Acredite quando digo, a própria rainha
procurou em cada centímetro dos nove reinos, ela nunca a achou...
—Eu... tudo bem... como foi a vida dela em Helheim?
—Ela foi feliz, se despediu de todos antes de ir e deixou sua
marca em um monte de pessoas, isso inclui a mim e a rainha.
—Isso é... bom, é bom...
Ele voltou a se sentar, agora de costa para a lareira com um
olhar muito melancólico, cobriu o rosto om uma das mãos e um
leve barulho de choro podia ser ouvido. Depois de um tempo ele
esfregou os olhos e disse.
—Meu filho a pediu para vir falar que ele estava bem? Não,
não importa, posso fazer um pedido egoísta?
Ele se ajoelhou e colocou a cabeça contra o chão.
—Por favor me dê a honra de cortar a cabeça desse humilde
mortal fora. Meu filho é tudo para mim, eu imploro que me deixe
ficar ao lado dele.

150
Parece que perder a mulher e o filho foi demais até mesmo
para um viking tão forte quanto ele, não haviam mais lágrimas, só
um pedido sincero, não precisa se preocupar mais Bella, ele é um
bom pai.
—Claro, posso mandar você direto para lá, mas acho que o
Rolf vai ficar solitário em Midgard sem o pai.
—Como?
—Ah, é que nossa rainha já declarou o desejo dela de reviver
seu filho. Falei que sua esposa deixou uma marca na rainha, ela
adora o seu filho inclusive.
—Então meu filho vai voltar a vida? De verdade?
Ele levantou em um pulo novamente e faltou cair para trás, a
vida parecia ter voltado aos teus olhos, o sorriso bobo e alegre
estampado realmente aqueceu meu coração. Em seguida ele começou
a me encher de agradecimentos, só faltou um abraço, ele é realmente
carinhoso do jeito que o Rolf e a Bella falaram.
—Se acalme, ok, eu sei que você está feliz, mas tem algo que
eu preciso falar. Você precisa ir para a Bifrost, o cubo negro que fica
na base da YggDrasil, sabe onde fica?
—Fui para a cidade de Kgragmor no reino de Jhonsborg
quando era mais jovem. Levarei Ragnar e um grupo de homens, irei
amanhã cedo.
Ele já ia passando por mim, porém segurei seu braço com
força travando seu avanço, meu olhar se afiou e o encarei enquanto
ele não compreendia como eu o segurava tão facilmente. Joguei ele
de volta para trás o mais gentil que eu podia e falei.
—NUNCA JAMAIS CONFIE NO RAGNAR DE
NOVO! ELE MATOU O SEU FILHO!
Ele me olhou incrédulo novamente, como se não acreditasse
no que acabei de dizer. Ele não disse nada, permaneceu em silêncio
enquanto me encarava buscando uma explicação, acho que esperava
que dissesse que era uma brincadeira.

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—Desculpe, eu não sei o que ele te contou e não poderia ligar
menos. Rolf me disse que ele foi caçar junto dele no aniversário, ele
o jogou para os lobos e deu uma flechada no meio dos olhos dele.
—ELE FEZ O QUE? MAS ELE VOLTOU FERIDO,
COM FLECHAS NO CORPO E COMPLETAMENTE
ESMURRADO... AQUELE BASTARDO DE MERDA!
As veias do pescoço e braço saltaram, seus dentes rangeram e
a respiração ficou pesada e acelerada. Rapidamente ele pegou
novamente o machado e disparou para a porta gritando.
—MATAREI AQUELE ARROMBADO NEM QUE
SEJA A ÚLTIMA COISA QUE EU FAÇA.
—NÃO!
Ele disparou para a porta se preparando para explodi-la no
chute, porém eu me joguei em cima dele, dei um mata-leão e me
joguei para trás ficando agarrada a ele no chão.
—ME SOLTA! EU TENHO QUE MATAR AQUELE
MALDITO! COMO ELE OUSA ENCOSTAR NO MEU
FILHO!
—EU SEI QUE VOCÊ TA IRRITADO! MAS SE FOR
LÁ VOCÊ NÃO VAI GANHAR DE TODOS OS HOMENS
DELE! SE MORRER AQUI VAI PARAR NO VALHALLA E
NUNCA MAIS VAI VER O ROLF! NÃO ME FAÇA
QUEBRAR O SEU BRAÇO!
Fiquei segurando enquanto ele enquanto se debatia por um
tempo até que ele cansou e finalmente pude deixá-lo sair. Ele estava
ofegante, cansado depois da confusão que causou.
—Como... como... você é tão forte?
—Fui criada por deuses, esperava o que? Olha você tem que
sair daqui.
—E como eu vou fazer isso? O Ragnar não é burro, se for o
que penso ele fez isso para que eu passasse o posto de liderança para
ele enquanto me recuperava, apesar de não ser fraco a especialidade

152
dele é a inteligência, sempre ganancioso... eu sinceramente achei que
tivesse um limite, que a família fosse esse limite... estava errado...
—Posso te tirar daqui se você quiser, tenho duas opções.
—Fale por favor.
—Posso te tirar daqui voando e te deixar a uma distância
segura, é o máximo que posso fazer com a autoridade limitada que
me deram quanto a essa missão. A segunda é uma pessoa "Não
identificada" sair esmurrando e criando uma confusão na entrada da
vila para você sair escondido, vou ser sincera, eu gosto da segunda.
—Você é meio doida, gosto de você, vou ficar com a
primeira, não quero correr riscos.
—Droga... sendo sincera não poderia fazer a segunda, não
posso usar meus poderes divinos, tenho sorte de não ter magos aqui,
isso facilita usar magia de nível básico.
Nós preparamos para sair pela janela na qual entrei, antes de
ir vi ele se deslocando até perto de sua cama que ficava perto da sala
e a vi levantar com um único braço, após isso ele parece ter tirado
algo de um buraco embaixo do piso da cama. Subimos e antes de
irmos embora resolvi pegar o lobo de madeira na mesa, levantei ele
junto com efeito de ilusão e fomos voando para a floresta mais
próxima. Quando chegamos conferi se estava tudo bem, ele tinha
armas, roupas e disse que podia conseguir mantimentos sozinho
então já iria voltar para casa, mas antes de ir ele me chamou mais
uma vez.
—Ah, senhora...
—Astrid, acho que não me apresentei, sou a líder das
valquírias.
—É uma honra conhece-la, desculpe desonrar sua presença.
—Não desonrou, não se preocupe com isso, mas era só isso?
—Não, na verdade eu queria que você entregasse isso para
ele.

153
Ele tirou do manto de frio dele um casaco de pele, era
pequeno demais para ele, da cor cinza e rebarbas peudas, tinha uns
bolsos estranhos no capuz que quando prestei atenção percebi que
eram orelhas.
— Um capuz com orelhinhas?
—Era da Bella, o símbolo da família dela era o lobo, quero
que entregue para ele, para saber que estou indo.
—Vai ser um prazer, quanto tempo acha que demora para
você chegar lá.
—Vou tentar ser o mais rápido possível, mas acho que em
três meses.
—Desculpe não poder te levar, mas seria problemático eu o
fizesse, irritaria uma pessoa que tem muito interesse que você vá
para o Valhalla.
—Entendo... bom, meu filho vai voltar a vida, você e a rainha
já fizeram demais por mim. Obrigado, vou começar a andar.
—Até logo Thorfinn. Prometo que vou tentar pensar em
algo para que você e ele possam ficar em Helheim quando chegarem
suas horas.
—Muito obrigado, de verdade, não tenho como agradecer.
Concordei com a cabeça e sai voando rumo ao meu lar,
cruzando o céu, só chegaria na Bifrost no dia seguinte, mas depois
de uma burocracia desnecessária finalmente voltei para casa. Cheguei
um pouco tarde, provavelmente o Rolf já teria ido dormir então fui
direto para o castelo. quando cheguei acabei por coincidência entrar
logo após a rainha.
—Minha rainha!
—Você voltou. Como foi?
—Ele está vindo, provavelmente vai demorar três meses para
chegar, tive que fazer algo arriscado, mas acho que deu certo.
—Algo arriscado... fala agora.

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—Dei uma surra em um dos homens do autor do assassinato
do Rolf e tive que imobilizar diretamente o Thorfinn algumas
vezes, mas eu me contive o máximo que pude.
—Eu enfatizei que você devia tomar cuidado e chamar o
mínimo de atenção possível. De qualquer forma boa noite.
—O que? Sem nenhuma punição, minha rainha?
—A surra que você deu, quão forte foi?
— A cara dele amassou para dentro com meu chute.
—Então tenha a melhor das noites Astrid
—O mesmo para você minha rainha... ESPERE! COMO
ESTÀ O ROLF?
—Ah... ele... eu planejava te contar amanhã... aconteceu
algumas coisas... Freda e Althea estão lá nesse momento e a Bellatrix
está revirando minha biblioteca de cabeça para baixo, estou indo
para lá agora.
—O que aconteceu?
—A magia de sono, usei ela e a magia da canção de ninar,
para dar a ele uma boa noite de sono, mas fui um pouco gananciosa
e alterei a magia de última hora, era para ele ter acordado no dia
seguinte descansado e alegre...
—Mas...
—Ele não acorda faz dois dias...

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DOZE
-Um bom sonho-

A Hel me colocou para dormir, senti meu corpo despencar e


mergulhar em um sono profundo, diferente das outras vezes não foi
um pesadelo, não tinha sangue, neve ou o Ragnar me perseguindo,
na verdade não tinha nada, só acordei no meu quarto. Me levantei
da minha velha cama, na minha velha casa, minha mesa, minhas
armas de madeira e o meu lobinho de brinquedo, na realidade de
bem mais brinquedos. Sai da cama e segui para a escada direto para
o andar de baixo e quando cheguei lá vi meu pai sentado na cama
dele perto da lareira, ele olhou para mim e falou empolgado.
—Bom dia guerreirinho! Finalmente acordou para o seu
aniversário. Dormiu bem?
—Ah... eu... eu... sim, eu dormi pai, tá tudo bem? O senhor
também dormiu bem?
Eu entrei em choque assim que o vi, meu pai na minha frente,
achei que estivéssemos mundos de distância, desci o resto da escada
de começo tive medo de chegar perto, mas assim que ele abriu os
braços para um abraço não consegui me aguentar e corri em
disparada para dar um grande abraço apertado.
—Ei ei, o que aconteceu? Está tudo bem filho? Você parece
para baixo.
—Eu menti, tive um sonho ruim.
—Ah, ok... está tudo bem agora. Vamos, você pode conversar
comigo e com a sua mãe sobre ele se quiser.
Ele me pegou pela gola da camisa e me carregou acima do
chão até fora de casa, após isso me jogou nos seus ombros, sentia
falta de andar nos ombros do meu pai. Quando formos lá fora
percebi que não era a vila Magni, era a vila Noviça, só que muito
mais colorida e bonita que normalmente, tinha ainda vários elfos,
anões e outras diversas raças espalhadas por todo lugar, e a medida

156
que fomos andando reconheci muitos rostos, não tinha ninguém da
minha antiga vila aqui.
—Pai, cadê todo mundo? Não vejo nem o Magnus, Bjorn ou
o Valkes, nem o tio Ragnar.
—Tirando o seu meu irmão, não reconheço nenhum desses
nomes. Ragnar morreu a muito tempo, ele te levou um dia para
aprender a rastrear, mas a sua mãe não confiava nele e acompanhou
na surdina, quando ela viu que ele iria te machucar ela te tirou de lá
e eu fiz questão de... garantir que ele nunca mais aparecesse.
Vi sua fala vacilando por um segundo, acho que ele não
achava bom falar sobre essas coisas para mim.
—Você o matou então?
—(...) Às vezes eu me esqueço que você é esperto para sua
idade... sinto muito a gente ter saído daquela vila só quando você
tinha nove anos, não importa se eu era o líder, eu sou seu pai antes
de tudo.
Parece que eu sai de lá depois dos nove anos de idade,
diferente dos onze anos, meu pai parece arrependido de ter deixado
as pessoas de lá me maltratarem. Quando ele falou isso abracei a
cabeça enorme dele e como resposta ele pós a mão na minha cabeça
enquanto ainda estava em seus ombros. Nós saímos andando e as
pessoas reconheciam a mim e a meu pai, como se ele morasse aqui a
muito tempo, passamos pela fazenda do Eldrick e vi a vovó
ajudando o elfo a cuidar dos animais do celeiro, meu pai deu um
aceno que foi correspondido, mas logo seguimos o nosso caminho e
encontramos duas figuras conversando embaixo de uma árvore
isolada maior que as demais e que criava uma bela sombra. Essas
duas pessoas estavam sentadas conversando e rindo, era a mamãe e a
Hel, mamãe estava vestindo um casaco cinza com pelo na borda do
capuz, tinha botas de neve e estava sorrindo enquanto conversava, já
Hel estava com uma roupa diferente da primeira vez que a vi, ao
invés de um manto preto era uma roupa mais parecida com a de
uma moradora de vila comum, só que a maior parte ainda era preta.

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Chegamos perto e a minha mãe já se levantou correndo e encontrou
a gente no meio do caminho.
—Meu bebê chegou! Vem cá! To com falta de abraço!
Quando ela se aproximou finalmente pude notar o tamanho
real dela, extremamente baixinha é o termo correto para descrever
sua altura, enquanto perto do meu pai a Hel era só um pouco mais
baixa, minha mãe estava abaixo dos ombros do meu pai. Ela veio e
ficou dando uns pulinhos para tentar me alcançar enquanto falava.
—EI! ME DA ELE! EU QUERO MEU LOBINHO!
—Calma querida, o menino acabou de acordar e você já quer
esmagar ele como sempre?
—Claro? Eu sou a mãe dele, posso fazer o que bem entender
com ele, isso inclui esmagar ele de amor e carinho.
—Fiquei sem argumentos... pega ele. Boa sorte filho.
Meu pai me pegou com uma só mão e me jogou nos braços
da minha mãe que me agarrou em um grande abraço apertado que
retribui na mesma hora.
—FELIZ ANIVERSARIO FILHO!
—Obrigado... mãe, to feliz em ver você!
—Também to querido.
Ela foi me carregando até perto da Hel enquanto meu pai a
acompanhava, Hel encarava a gente com um sorriso gentil no rosto,
ela se levantou na mesma hora que nós chegamos, minha mãe ainda
me carregando falou para ela.
—Olha quem chegou!
—Oi Hel.
—É tia Hel para você. E sim querida, vi o teu surto ali do
lado. Feliz aniversário Rolf, está tudo bem?
—Sim, muito bem, como a senhora está?

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—Muito bem. Desculpa não trazer o seu presente, entrego a
você amanhã, prometo.
—Obrigado tia Hel, não precisa
Ela pegou do lado do meu rosto e afagou o meu cabelo um
pouco, após isso ela soltou e se afastou falando.
—Então... acho que é bom eu ir para casa, volto mais tarde
para ver vocês.
—Pode ficar se quiser tia Hel.
—É, não tem problema Floco de Neve.
—Não, vocês dois tem que passar um tempo juntos, pelo
menos uma vez.
O que? Como assim pelo menos uma vez? Olhei para ela
espantado e ela só colocou o dedo nos lábios como se dissesse para
eu fazer silêncio... sábia... ela se virou e foi andando para dentro da
vila passando do lado do meu pai e falando com o mesmo.
—Vamos Thorfinn, deixe-os só .
—Mas eu também quero passar um tempo com o meu filho.
—Thorfinn...
—(...)Sim vossa majestade...
Meu pai travou um pouco após o segundo pedido e
concordou relutante seguindo-a todo murcho. Minutos depois deles
irem minha mãe deu uma leva bufada e me arrastou para perto da
árvore e se sentou me colocando entre as pernas dela e apoiando o
queixo na minha cabeça.
—Então meu lobinho, como você está? Dormiu bem?
—Eu dormi... na verdade eu tive um sonho estranho, bem
estranho... as coisas não aconteceram da mesma forma que
aconteceram até agora.
—Tipo um livro que é narrado de uma forma diferente?
—Não sei o que narrado quer dizer..., mas acho que é isso.

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—Hum... não vou mentir, é interessante. O que aconteceu de
diferente?
Com essa última fala eu comecei a contar tudo que tinha
vivido até agora, como fiquei até os onze anos, sobre como eu
morri, sobre todo mundo que conheci, sobre a conversa com a Hel.
Conforme eu contei pude notar as expressões dela mudando, de
choque para raiva, tristeza e por último alivio. O abraço dela ficou
cada vez mais apertado à medida que eu terminava de contar,
quando finalmente acabei de falar deu para sentir ela tremendo um
pouco antes de começar a falar.
—Eu sinto tanto que você tenha que passar por tudo isso...
—Mas foi tudo um sonho, não é? Igual a agora...
—(...)Você notou rápido, queria que aproveitasse o seu
aniversário um pouco melhor... você não podia puxar pelo menos
um pouco a lerdeza do seu pai?
—É meio difícil de acreditar quando eu não lembro de
nenhuma lembrança com você. E não ouviu a parte de quebrar uma
ripa de madeira na cara do Magnus?
—É, você puxou o que é importante, violência não é a minha
principal resposta, mas gostaria de ter visto isso.
—É, não foi tão legal, ele me espancou, o Ragnar que parou
tudo.
—Nunca gostei dele, era como enxergar uma cobra
peçonhenta com veneno escorrendo, mas admito que demorou mais
do que eu esperava para fazer alguma coisa.
—É... só uma pergunta, é você de verdade? Tipo, é realmente
você?
—(...)Não...
—Eu sabia, a Hel não iria ficar daquele jeito se você só
estivesse escondida.

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—Não sei não filho, você nunca a viu mentindo, a família
dela tem uma pré-disposição tão alta para atuação que você não iria
acreditar, mas não, realmente não sou.
—Então o que é tudo isso?
—Lembra daquela música que tocou quando você teve aquele
ataque de pânico? Ela é uma magia que pode acalmar a mente de
quem for atingido, mas ela tem um efeitozinho bem especial quando
usada com a magia de sonho, te impede de ter pesadelos.
—Então por isso eu não to sonhando aquilo? Com o papai
morrendo?
—Sim, só que a Floco de Neve é muito boa no que ela faz,
ela fez o sonho ser bem especifico, pegou todas memorias sobre
mim, misturou um pouco das delas e algumas outras coisas, tentou
criar uma simulação de como eu seria. Ela planejou isso desde que
ouviu que você tinha pesadelos.
—Ainda sim parece muito pouco tempo.
—Rainha de Helheim é rainha de Helheim, sua tia é incrível.
—Entendi... ainda sim é bom, não tenho como agradecer a
ela.
Me enterrei mais um pouco no abraço dela e ela respondeu
com um beijo no topo da minha cabeça. De repente ela se levantou
e me deu a mão para eu fazer o mesmo, o que fiz, após isso ela
alongou as costas e disse.
—Então, pronto para um aniversário melhor?
—Pronto.
Sorri e respondi na mesma hora e nós partimos para o resto
da vila. Foi um dia incrível, um dia que pareceu durar uma semana,
então durou duas, três e cada vez mais. Nós andamos, conversamos
mais ainda e ela tentou me ensinar a caçar, não que eu tenha
conseguido dar uma flechada naquele javali parado, mas tanto faz...
maldito javali. No fim de tudo teve uma pequena festa com todo
mundo, me encheram de presentes, com armas de madeira, comida,

161
roupas e mais um monte de coisas, a Goruberta também estava
presente e me deu um ovo... não vou ter coragem de comer esse ovo.
Após a festa meu pai já estava hibernando na cama e todos já
estavam indo embora, comecei a sentir muito sono, muito sono
mesmo, quase ao ponto deu tombar, minha mãe viu isso e me pegou
para carregar no colo e chamou a Hel para acompanha-la.
—Ei Hel, me dá uma ajudinha?
—Ah, eu?... claro, por que não?
Minha mãe me carregou até meu quarto com a Hel nos
seguindo, ela me levou até a cama e me embrulhou na coberta e se
sentou do meu lado.
—Pronto, hora de dormir.
—Espera, mãe. Eu não posso ficar só mais um pouco? Só
mais um dia?
—(...) Seria bom, mas...
Ela se virou e olhou para a Hel que esperava na porta do
quarto, a mesma veio até a cama e se sentou do lado da mamãe e
começou a falar.
—Mas a magia só está programada para funcionar por um
tempo e você já está fazendo ela durar mais que o necessário, na
realidade muito, a minha eu verdadeira deve estar desesperada nesse
ponto. Poderia te manter aqui, mas isso é o que isso é, um sonho,
não é a vida.
—Mas é muito bom aqui.
—Eu sei, fiz com esse objetivo, queria que tivesse pelo menos
uma boa lembrança com ela
—Obrigado.
—Eu que agradeço.
—Então agora eu vou dormir?

162
—É, hora de voltar para o mundo real pequenino, mas antes
a sua mãe deve ter uma coisa ou outra para dizer a você, e para isso
vocês dois precisam de privacidade.
Ela se levantou e foi para fora do quarto e deu uma despedida
antes de fechar a porta. Minha mãe se voltou de volta a mim e
começou a falar.
—Hora de dormir querido, precisa de mais alguma coisa?
—Eu vou voltar para cá?
—Não, não sei na verdade... mas vamos nos ver de novo, eu
faço parte de você agora, sempre vou estar nas suas lembranças,
prometo que não vai ser a última vez que você vai me ver.
Eu segurei a mão dela e fiz uma última pergunta.
—Mãe?
—Sim filho?
—Quando eu acordar eu vou ficar bem?
—Vai, claro que vai, confie na Bretta e nos outros, eles são
família igual ao seu pai e eu. Sei que você tem medo de confiar em
qualquer um que não seja daqui, mas você vai encontrar boas
pessoas e por isso eu peço que confie nelas, você também vai
encontrar pessoas ruins, e você vai ter que lidar com isso, mas
sempre vai ter um lar para voltar, nunca feche seu coração, porque
ele é a melhor parte de você.
—(...) Ok mãe, eu prometo que vou tentar.
—Eu sei que vai.
Ela se aproximou e deu um beijo na minha testa.
—Boa noite filho.
—Boa noite mãe.
A última coisa que eu vi foi o sorriso gentil e caloroso da
minha mãe para mim antes de fechar meus olhos. Passaram alguns
minutos e sem conseguir dormir tentei abrir meus olhos novamente,

163
porém não conseguia, eles estavam muito pesados, levei algumas
tentativas até abrir os olhos, sentia meu corpo duro e minha cara
estava toda amassada, perto da porta entre aberta estava a Goruberta
que correu em minha direção quando percebeu que acordei, ela deu
um salto na cama e se jogou em cima de mim, tive que acalma-la.
—Está tudo bem, eu só dormi um pouco, passou, passou.
Ela logo se aquietou e se aninhou no meu colo para eu fazer
carinho nela após me sentar. Minha cabeça voltou para tudo que
aconteceu antes, realmente foi um sonho, um sonho lindo, lindo
demais para ser verdade, quando olhei para a janela a vila estava
menos colorida e essa não era a casa do meu pai, de repente as
palavras da minha mãe ressoaram na minha mente:
"Eu faço parte de você agora, sempre vou estar nas suas
lembranças, prometo que não vai ser a última vez que você vai me
ver."
Olhei para o teto por uns segundos e senti água escorrer pelos
meus olhos, só um pouco, duas lágrimas solitárias, tenho que
agradecer a Hel depois, terminei meu pensamento com um último
adeus.
—Tchau mãe, até a próxima vez, foi um bom sonho.

164
TREZE
-O melhor presente de aniversário-

Demorou um tempo até eu conseguir sair da cama e logo


após isso tive que me alongar, por quanto tempo eu dormi para o
meu corpo ficar assim? Fiz os alongamentos que meu pai me
ensinou a muito tempo e fui capaz de me mover um pouco melhor,
notei que tinha um casaco no cabideiro, ele era idêntico ao que
minha mãe usava no sonho. Olhei para o lado e também tinha o
lobinho de madeira que eu brincava quando era criança em um
pequeno banquinho, peguei ambos e fui para a porta. Segui para a
escada e a Goruberta me acompanhou calmamente por cada passo
visivelmente preocupada, desci bem devagar a escada ouvindo cada
articulação minha estalar de dor, até que no meio da escada vi uma
figura sentada de maneira comportada perto da janela, uma garota
lendo um livro no meio de uma pilha outros milhares estudando
com muito foco. Cabelos castanhos e bagunçados, pele intensamente
bronzeada com sardas claras, olhos verdes e uma armadura branca,
era a Althea. Ela estava imersa em seus estudos o que me fez ter que
chama-la a atenção.
—Althea?
—Ah? POR FREYA VOCÊ ACORDOU! FREDA!
—O QUE HOUVE?
Vi a Freda saindo da cozinha, uma elfa orelhuda com um
cabelo curto um pouco ondulado que mal chegava nos ombros,
eram de cor verde, seus olhos eram pretos e se escondiam atrás de
óculos redondos, além disso tinha um porte bem magro, mais magra
que eu e isso é bem difícil. Ela saiu da cozinha carregando xícaras de
chá quente correndo com uma cara de espanto e logo que olhou
para mim ela deixou a bandeja que carregava cair, mas logo no meio
do ar ela os pegou novamente. Ela correu para a mesa e no pequeno
espacinho que não era lotada de livros ela colocou a bandeja, logo
após ela correu para a escada e me pegou pela cintura me carregando
para o meio da sala e me inspecionando.

165
—Eu estou bem, não precisa disso tudo.
—NÃO ME IMPORTO, SUA PLENA SAÚDE É MAIS
IMPORTANTE PARA MIM DO QUE QUALQUER COISA!
—Eu só dormi...
—O PROBLEMA É ESSE!
—E QUE PROBLEMA É ESSE?
Nessa hora a Althea fechou seu livro e veio até perto se
agachando para ficar na minha altura, e ajeitando o meu cabelo
bagunçado com as mãos ela falou.
—Lobinho, o problema é que você dormiu por quatro dias!
Quando a Hel soube que a magia durou mais de um dia ela nos
mandou para aqui, estivemos te vigiando por todo esse tempo,
graças aos céus você finalmente acordou!
—QUATRO DIAS? QUE PORR- ARRRHH!
O choque da notícia me fez me virar de uma vez travando a
minha coluna e me fazendo cair no chão.
—Ai por Eir! Pera me deixa te consertar!
Enquanto a Freda dava ordens para a Althea sobre como
concertar minha coluna meus pensamentos se voltaram para a nova
informação, eu dormi por quatro dias? Isso explica a dor no corpo e
os olhos pregados, mas como as coisas da minha casa vieram parar
aqui? Espera... e a vovó? Meu deus ela deve estar surtando, tenho
que achar ela.
—Arrhhh- Eu preciso ver a minha vó, cadê a vovó?
—Ela está bem, vigiamos você o dia todo enquanto ela
trabalha e quando ela chega nós voltamos para casa. Vamos te levar
para ela assim que você conseguir andar, ela obviamente está
preocupada, mas tudo no seu tempo, você voltar a andar é mais
importante lobinho.
—Lá vai!

166
Enquanto a Althea me explicava sobre a situação Freda
tentava concertar o meu corpo, de repente ela fez um pouco de força
e senti todas as articulações explodirem, uma grande dor correu pelo
meu corpo, seguido de uma sensação atenuante, podia me mover
agora. Levantei com todas as minhas forças, notei que o lobinho de
madeira e o casaco estavam no chão, as catei rapidamente e corri
para a porta abrindo com tudo e seguindo para fora, porém, meros
dois passos depois senti alguém me pegar por trás e me levando para
os céus e quando vi Althea me carregava enquanto a Goruberta ia
carregada pela Freda, vendo isso gritei.
—O QUE? PARA ONDE ESTAMOS INDO?
—VAMOS TE LEVAR PARA VER A BRETTA!
PRONTO PARA UM PASSEIO?
Seguimos voando pela vila Noviça, porém não fomos para
nenhum lugar da vila, fomos para bem mais alto e vi a vista de toda
Helheim, era como se o mundo fosse divido em quatro partes
gigantescas, montanhas e vales rochosos com cavernas aos longe e
várias pequenas vilas construídas pelas mesmas. A vila Noviça e
outras vilas menores que cresciam ao redor da principal, mas
também tinham pântanos e outras áreas espetaculares na distância. A
terceira parte era um deserto, tão grande que desaparecia no
horizonte, espinhos negros cresciam da areia, como ossos de costelas
gigantescas, porém no centro algo que não entendia, uma torre
escura, muito escura que era bem destacada e por algum motivo me
deixou com uma sensação desconfortável. Por último tinha uma
pequena clareira com poucas árvores, era de longe a menor área,
tinha uma cadeia de montanhas uma caixinha preta, era a Bifrost.
Por fim, no centro de tudo havia um abismo gigantesco,
monumental, tão estranho e misterioso que me entorpecia, já tinha
estado próximo a ele antes, no meu primeiro dia aquilo me chamou
para perto, para saltar para dentro dele.... É impossível ver o fundo
daquilo, parecia que a luz nunca jamais iria chegar lá. Acima disso
um castelo gigantesco, não tanto quanto o abismo, abaixo dele uma
montanha de terra com cristais de gelo saindo dele junto de raízes,
ele pairava em cima do abismo, quase como se estivesse esperando

167
para despencar em cima de algo que saísse de lá, e era para lá que
iríamos.
Chegamos no castelo de cristal azul e logo notei que não era
cristal, era opaco e sólido e conseguia sentir o frio saindo da
estrutura.
—Não é cristal...
Deixei meu pensamento escapar e a Althea que ainda me
segurava ouviu e soltou uma pequena risada.
—Não, não é, é "Gelo Eterno", uma das especialidades da
rainha, é um tipo de gelo especial que não derrete, só sob condições
especiais.
—Que condições?
—Se a rainha quiser, se alguém com um poder equivalente ou
maior quiser destruir isso ou um fogo primordial também.
—Entendi, mas por que gelo?
—É um material forte, resistente, a cor combina com o lugar,
é fácil de modificar caso queira fazer uma reforma no castelo e... foi
de graça...
—A rainha é bem econômica sabe. Não que seja mão de vaca,
só não gosta muito de gastar com nada, não que achemos ruim nem
nada, tudo que precisamos está disponível. Aqui pequenina, pode
descer.
A última fala foi da Freda que tinha se agachado para deixar a
Goruberta descer. Ela se levantou e foi até a porta dupla enorme que
dava para entrada do castelo e abriu com facilidade. Althea
finalmente me deixou descer para que eu pudesse entrar no castelo e
quando passei pela porta vi um enorme salão azul com mais de
quatro metros de altura, tinha uma escadaria dupla que levava até o
segundo andar e uma segunda porta dupla que provavelmente ligava
ao resto do castelo, havia uma porta a esquerda das escadas e duas
portas ao lado da outra escada. Fui andando enquanto girava
olhando para todos os lados, era um lugar espetacular e surreal

168
comparado as casas de madeira que normalmente via, fiquei um
tempo olhando para tudo até que a Freda me cutucou me fazendo
voltar a realidade. Ela me perguntou sorrindo.
—Quer um tour pelo castelo?
—Eu posso?
—Claro! Eu adoraria mostrar! Althea, você poderia ir avisar a
Astrid que ele acordou?
—Posso sim! Vou logo então. Ah, eu vou ficar com o casaco,
devolvo mais tarde.
A Althea se despediu pegando o casaco da minha mão me
deixando só com o lobinho de madeira e seguiu pela segunda porta
da direita e desaparecendo.
—Ali fica a entrada para o salão de jantar e para o
dormitório dos funcionários do castelo, também conecta para o
pátio, vamos lá depois. A porta ao lado é para o subterrâneo, lá fica
o laboratório, infelizmente não posso te levar lá, tem muita coisa
perigosa, mas para qualquer outro lugar eu adoraria te levar.
Primeiro fomos para a porta da extrema esquerda, aquela que
eu não fazia ideia de onde levava na verdade era o caminho para a
cozinha e para o armazém, lá era cheio de pessoas, elas usavam
roupas estranhas, a Freda disse que eram ternos e vestidos de
empregada, o que quer que seja isso. Eles ficaram me encarando com
estranheza e conversavam de canto, não consegui ouvir nada do que
eles falaram, mas a Freda deu uma bronca enorme para pararem de
fofocar e disse que eu era um convidado especial, depois disso eles
se apresentaram brevemente e perguntaram se gostaria de comer
algo, agora que eu parei para pensar faz quatro dias que eu não
como, vamos aproveitar então!
Depois de comer o equivalente a oito pessoas e me desculpar
por abusar da gentileza deles um senhor mais velho se aproximou,
era um anão, um pouco maior que eu, tinha um bigode longo e
grisalho que se conectava ao cabelo igualmente acinzentados, seu
corpo era grande, porém compacto com braços e pernas grossos e

169
mãos grandes, por fim tinha um monóculo no olho esquerdo. Ele
saiu do meio dos empregados se dirigiu até minha frente e se curvou
levemente.
—Saudações jovem Mestre Rolf! Me alegro com a chegada
do filho da amada Bella, você lembra muito ela. Sou Darius, o chefe
dos mordomos, é uma honra conhece-lo.
—Ah! Obrigado, desculpe novamente por comer tanto
senhor.
—Não se preocupe com isso, toda a comida do castelo está a
sua disposição. Apesar de sua vinda nos ser informada com
antecedência, noto que deveria ter sido a três dias. O jovem mestre
se encontra bem?
Nessa hora a Freda se intrometeu na conversa e falou por
mim.
—Ele acabou de acordar, tem dormido desde a visita da
rainha a ele.
—Compreendo, então o que a rainha disse era verdade, isso
explica o apetite impressionante dele, isso é bom, crianças devem
comer bastante para se desenvolverem.
—Sim, não se preocupe e coma bastante.
A Freda afagou a minha cabeça enquanto eu comia uma maça.
—Mas então Darius, elas ainda estão aqui?
—Sim, senhorita Freda, a senhorita Bretta e vossa majestade
estão no segundo andar conversando.
—A vovó está aqui? Eu posso vê-la?
—Claro que pode! Vamos para lá agora, se despeça do
Darius e vamos direto para lá.
—Ah, ok! Obrigado por tudo senhor Darius.
Me curvei tentando imitar o que ele fez anteriormente e ele
deu uma leve risada e disse que eu era muito educado, depois disso
seguimos de volta ao salão e seguimos para as escadas e acabamos
170
passando por várias salas, desde um escritório, uma biblioteca
gigantesca com três andares, até passamos pelas janelas e eu vi
algumas das valquírias no pátio, elas falavam com funcionários ou
simplesmente treinavam, até que chegamos no segundo andar.
Fomos para uma varanda e lá estava a Hel e a vovó sentadas em uma
mesinha bebendo um chá, assim que me viu a vovó saltou da cadeira
e correu para cima de mim atropelando a Freda que estava na frente
e me amassando em um abraço.
—GRAÇAS AOS DEUSES! QUE BOM QUE VOCÊ
ACORDOU! ESTAVA TÃO PREOCUPADA! TA TUDO
BEM COM VOCÊ?
—Eu to bem vovó! Desculpa por preocupar você.
—Não importa, só estou feliz que você está bem!
Ela me deu um abraço muito apertado, podia sentir o quão
sincero era a preocupação dela e tentei abraçar com a mesma força.
Depois do abraço nós nos sentamos junto da rainha que esperava
pacientemente e que claramente estava aliviada de me ver, quando
nos sentamos ela voltou a falar.
—Fico muito aliviada em vê-lo acordado, sinto muito por
colocá-lo em uma situação tão desconfortável.
—Na verdade eu gostei, conheci a minha mãe, foi o melhor
mês de aniversário de todos, obrigado tia Hel.
—(...) Me chamou de que?
Nessa hora pude ouvir a Freda parada em frente da porta
engasgando e a vovó perdendo completamente o ar, não entendi o
porquê dessa reação. Fiquei alternando meu olhar entre as três até
que a vovó decidiu falar.
—M-Minha rainha... peço perdão pela forma imprudente que
meu neto-
—Calada Bretta. Do que você me chamou Rolf?

171
Ela estalou os dedos e a boca da vovó foi selada com gelo,
olhei para o lado e a Freda estava tremendo, ainda sem entender
nada eu resolvi falar.
—Chamei de tia, você me pediu para falar no sonho.
Desculpa, acho que só a você do sonho gosta, sinto muito rainha
Hel.
—Eu perguntei do que você me chamou, não disse que não
gostei. Repete.
—Ah... tia Hel?
—Gostei disso, pode continuar. E perdão Bretta.
Ela estalou os dedos de novo e o gelo da boca da vovó cabra
sumiu, nessa hora eu a ouvi balir assustando todo mundo no
recinto. A Freda estava embasbacada, como se tivesse visto algo
impossível, pude ver ela trocando olhares com a vovó e parecia estar
se perguntando se aquilo realmente tinha acontecido, os únicos
normais eram eu e a Hel. O tempo se passou conosco conversando,
o assunto principal era sobre o sonho que tive, até que alguém
chegou pela porta da varanda, era a Astrid ela chegou com o casaco
cinza que eu tinha dado para a Althea na mão. Ela adentrou se
curvando para a rainha enquanto dizia.
—Vossa majestade.
—Pode falar Astrid.
—Vim informar que irei distribuir a punição de todas agora
que o Rolf acordou, também vim entregar isso. Inclusive...
Ela olhou para a Freda que suspirou e saltou voando da
varanda e subindo por cima do castelo com um rosto depressivo.
Logo após a saída da clériga, a chefe das valquírias esticou o braço
com o casaco da minha que agora era quase do meu tamanho, a Hel
olhou para ele e soltou um pequeno sorriso e logo depois olhou
para mim.
—Vá ver se serve.

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Concordei com a cabeça e saltei para fora da cadeira em
direção a Astrid, ela gentilmente colocou o casaco em mim, ficou
um pouquinho largo e confortável, até coloquei a toca, as orelhas
ficaram caídas, fiquei me virando e remexendo para ver como tinha
ficado em mim.
—Ficou bom?
—É, você é a coisinha mais fofa que existe. Que bom que
acordou, fiquei preocupada.
Ela se agachou e enquanto dava um sorriso de canto de boca
ela apertou a minha bochecha, depois ela se virou e foi até a Bretta a
cumprimentou com um abraço.
—É bom te ver ruivinha, finalmente vai dormir tranquila,
—É, tenho que agradecer a Althea e Freda por cuidarem dele.
—Deixa que eu agradeço, inclusive posso pegar o Rolf
emprestado?
—Claro? Mas para que?
—Minhas irmãs precisam pedir desculpas para ele.
—Ah, claro, claro, pode levar, só fica de olho nele para não
parar do outro lado do mundo... de novo.
Ela terminou de falar e me olhou de canto de olho, parece
que a vovó não confia mais em mim... eu fiz por merecer. Enquanto
elas conversavam fiquei conferindo o casaco e notei que ainda estava
segurando o lobo entalhado de madeira.
—Vovó, quem fez esse lobo de madeira?
—Ah, foi a Astrid que trouxe querido.
Me virei para a Astrid e ela parecia confusa, como se fosse
para eu saber alguma coisa.
—Vocês... não contaram para ele ainda?

173
Ela disse isso se direcionando para a Hel que balançou a
cabeça gentilmente e colocou o dedo na boca em sinal de silêncio e
deu um sorrisinho.
—Hum... claro, entendi. Vamos Rolf!
—Ok Astrid! Tchau vovó! Tchau tia Hel!
Nós já íamos saindo até que quando ela ouviu "tia Hel" o
andar da passarinha travou, ela me encarou e se virou encarando as
outras duas, até que.
—Rolf...
—Sim.
—Você me deve uma explicação...
—Pode ser no caminho?
Enquanto eu seguia do lado da Astrid para o alojamento das
valquírias fui contando meu sonho para a Astrid que era uma ótima
ouvinte e parecia feliz deu ter tido um bom momento com a minha
mãe.
—Que bom que pode ter várias memorias com ela, gostaria
que ela tivesse te visto pessoalmente, ela estaria completamente
realizada
—Também queria, mas vocês me ajudaram tanto, não tenho
como agradecer.
—Não é nada, você merece muito mais.
—Obrigado! Mas onde você achou o casaco da minha mãe e
esse lobo.
—Ah... bom, acho que posso te contar parte do segredo, só
promete que não vai falar nada paras as duas ok?
—Prometo, me odiaria se arrumasse problema para você.
—(...) Você é fofinho assim mesmo ou te ensinaram?
—(...) Não sei responder isso.

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—Imaginei... então, sabe o seu pedido? Querer avisar ao seu
pai sobre o Ragnar e tudo mais? Fiz isso, visitei sua antiga casa.
—Sério? Obrigado! Eu não tenho como agradecer!
Me joguei e tentei dar o abraço mais apertado que eu pude
nela, apesar das placas de metal da armadura não deixarem, como
resposta ela afagou a minha cabeça.
—É, você é fofinho de nascença mesmo. Disponha, ele me
pediu para entregar isso para que você se lembrasse dos dois, foi
logo depois deu tirar ele de lá.
—Sério? E como ele está?
—Mais magro do que o normal, mas ele vai ficar bem.
Deixei-o bem longe daquela vila horrível, está ainda pior do que
você falou, deixei ele bem longe.
—Obrigado Astrid, nunca vou conseguir agradecer.
—Você não precisa, vamos para o campo logo, tive uma
ótima ideia de punição para elas, mas preciso de você.
Fomos andamos até o pátio do castelo, era bem grande, tinha
uma casa do outro lado dele com uma grande árvore saindo pelo
teto, certeza que é o quarto da Odara, alvos e bonecos de treino e
algumas árvores e arbustos espalhados, tinha várias das valquírias
por todo lugar. Logo que entramos vi um leve sorriso maligno se
formar no rosto da Astrid e uma leve aura dourada começou a sair
dela, e não foi só eu que notei, vi algumas das garotas se virando
para nós e engolindo seco.
—Pronto Rolf?
—Você está... vazando... um pouquinho... isso é normal?
—Ah, perdão, vou ajeitar isso.
A aura dourada se retraiu de volta para o corpo dela e ela me
puxou para seguimos para o centro do pátio. Ao chegarmos lá
algumas das meninas se juntaram, mas ainda faltavam algumas e a
Astrid as chamou da maneira mais delicada que eu já vi.

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—SAIAM DAI SUAS APROVEITADORAS DE
MERDA! HORA DO CASTIGO!
Muitas que estavam dentro dos dormitórios e outras que
estavam simplesmente escondidas começaram a sair e se juntaram ao
nosso redor. Quando as doze se juntaram com um simples comando
da sua capitã elas se alinharam, todas me olharam de canto de olho
até que a Astrid voltou a falar.
—Todas vocês serão punidas por saírem de seus postos e por
quase matarem o convidado de sua majestade. Normalmente eu
daria a todas uma rodada de treinamento pesado ao estilo do papai
comigo, porém a vítima dos seus crimes pediu para que eu pegasse
leve... tem certeza disso?
Ela se virou para mim e eu assenti com a cabeça, então ela
continuou.
—Graças a isso, eu não vou matar vocês... ainda. Então eu
sentencio vocês a quinhentas mil flexões toda manhã e toda noite
por dois meses, além disso estão proibidas de se atrasarem para seus
compromissos, saírem de Helheim pra qualquer coisa mesmo em
folgas e o pagamento também foi suspenso pelo tempo da punição.
Todas ficaram pálidas, algumas começaram a reclamar e
outras engoliram a frustração a seco, nessa hora eu olhei para a
Hilda. Ela era uma sátiro loira e com olhos azuis e chifres pequenos,
as pernas cobertas de pelo branco revestidas com a mesma armadura
das outras, ela estava apertando os olhos e suando frio, resolvi
perguntar.
—Hilda?
—Hum? Que foi pitoco?
—Isso é muita coisa?
—Ah...bom... é que...
Vi o olhar dela subir, de mim para a Astrid e voltando para
mim, ela falou logo em seguida.

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—Nãooooo... é bem pouquinho, a gente só gosta de reclamar
mesmo.
—É coisa para caramba né? Astrid!
Eu bati na perna dela e a encarei achando que ela entenderia
de primeira.
—Você não quer que eu diminua né?
—Sim, é muito! A culpa foi minha!
—Rolf, elas são adultas de no mínimo oitocentos anos, você
tem onze, não vai rolar.
—Então eu vou fazer junto com elas! Eu tenho tanta culpa
quanto elas!
—(...) Você não aguenta cinquenta, até parece que vai
conseguir acompanhar elas.
—NÃO É TÃO FÁCIL! E se eu consigo ir para Bifrost
sozinho, consigo fazer flexão! Além disso, nunca mais vou falar
contigo.
—Pode ficar de birra, te conheço nem a dois meses, não
pense que pode me manipular tão facilmente.
—ME TESTA ENTÃO!
Encarei ela com raiva e ela me encarou de volta com uma cara
séria, ficamos assim por uns segundos até que ela deu um suspiro
cansado, juntou os punhos ao rosto e começou a grunir de raiva e
por fim gritou.
—TÁ! BELEZA! VOCÊ TEM SORTE QUE EU GOSTO
DE VOCÊ SEU PESTINHA! QUATROCENTOS MIL! TA
FELIZ?
Dei outro soco na perna dela.
—(...)Duzentos...
Outro soco.
—(...)Cem mil... não diminuo mais que isso.

177
Eu olhei para as garotas e elas balançaram a cabeça dizendo
que estava bom então eu concordei. Mudei a cara de volta para um
sorriso e agradeci.
—Obrigado!
Ela fez uma cara que era mistura de um sorriso e uma cara de
emburrada e puxou a ponta do meu capuz para baixo tapando meu
rosto. Todas as valquírias começaram a suspirar de alivio como se as
tivesse livrado do maior dos problemas, pelo menos em parte, apesar
disso a Astrid estava insatisfeita.
—Vocês têm sorte demais... ah! Antes que eu esqueça, a
Freda só precisa fazer cinquenta mil.
—OBRIGADO ROLF!
O grito da Freda veio de trás de todas as outras, e junto dele
resmungos e reclamações sobre injustiça, mas logo foram cortadas
pelo argumento da Astrid.
—EI EI! QUIETAS! ELA FOI A ÚNICA QUE SE
PREOCUPOU EM CUIDAR DO ROLF QUANDO ELE
DESMAIOU! O RESTO COMEÇOU A SE MATAR OU NÃO
FEZ NADA! E JÁ QUE TA TÃO RUIM ASSIM A
SERAPHINA NÃO TEM QUE FAZER NENHUMA!
—POR QUE?
—PORQUE ELA ERA A ÚNICA QUE ESTAVA
TRABALHANDO DIFERENTE DE VOCÊS!
Após a declaração a Seraphina, a única valquíria que eu não
havia conhecido apareceu, com uma cabeça de lagarto com focinho
longo, escamas verdes e olhos pretos. Ela era baixinha, batia no
peito da Astrid, ela chegou andando bem animada e parou do meu
lado me deixando entre ela e a Astrid. Ela se virou para mim, e
estendeu a mão e apresentando.
—Você é o Rolf? É o filhote da Bella?
—Sim! Você é a Seraphina?

178
—Sou! Gostou do casaco? Eu ajustei o tamanho, ele sempre
vai caber em você.
—Sério? Obrigado!
—Disponha novo amigo!
Ficamos conversando enquanto as outras começavam suas
punições, demoraram umas duas horas para terminar as cem mil
flexões, a primeira que terminou foi a Gwydion que fez tão rápido
que levantou muita poeira do chão, nem consegui ver ela fazendo, já
as outras apesar de não estarem tão empenhadas quanto a mulher
dragão eram ridiculamente rápidas, algo que definitivamente um
humano não conseguiria, todas terminaram com os braços
destruídos, a única que continuou foi a Bellatrix, de acordo com a
Astrid é porque de todas ela é a mais improdutiva, uma palavra
carinhosa para preguiçosa. Todas foram obrigadas a trabalhar
depois de fazer as flexões, inclusive a Seraphina, ela disse que teria
que ir para a Bifrost, pois era a vez dela de vigiar, senti pena das que
receberam a punição, mas acho que já tinha interferido demais.
Quando todas foram embora a Astrid me levou de volta para
o castelo, após entrarmos para o salão de entrada, vimos a vovó, Hel
e Darius, todos na entrada, com a porta entreaberta, nós
caminhamos até lá juntos até que a rainha notou nossa presença.
—Hum? Vocês demoraram? Qual foi a sentença?
—Cem mil flexões ao amanhecer e mais cem mil ao anoitecer,
durante um mês, sem permissão para atrasos e nem saírem do reino
em dias de folga.
—Isso parece pouco, pensei que fosse manter o seu papel de
líder mesmo se tratando de suas irmãs, não foi o que você falou
quando pediu a vaga de capitã da guarda?
Nesse momento a Astrid começou a suar frio e estava
totalmente desconcertada, ela começou a gaguejar tentando explicar
o que aconteceu, mas parecia mais que a situação iria piorar.
—Tia, eu disse pra ela não ser dura com elas porque a culpa é
principalmente minha.

179
Ela se virou para mim com um olhar levemente serrado e
disse.
—Você falou?... certo, então tudo bem Astrid, vigie para que
a punição seja cumprida apropriadamente.
Nessa hora a cara de nervosismo virou uma cara de espanto
gigantesca, a boca aberta, os olhos arregalados, ela ficou parada
assim por uns segundos até que.
—Foi tão fácil assim?
—Ela não é assim normalmente?
—Nem um pouco... quer morar aqui? Tem vários quartos
disponíveis, pode ficar com o meu se quiser.
Enquanto a Astrid tentava me convencer a virar colega de
quarto dela, ouvi um pouco da conversa da vovó.
—Então são três meses mesmo? Não acredito que ele vai
embora depois disso, é tão pouco tempo...
—Quem vai embora?
Os três lembraram da minha presença e olharam ao mesmo
tempo para mim e voltaram a se entre olhar e Darius falou primeiro.
—Vossa majestade, senhorita Bretta, é apenas uma sugestão,
mas acho que deveriam contar a ele o quanto antes.
—É, acho que você está certo... Rolf, querido, temos uma
novidade muito incrível para você. O seu pai, Thorfinn, está indo
para a Bifrost de Midgard, ele está vindo para cá buscar você.
A vovó se aproximou de mim e me levantou no colo para dar
a notícia que caiu como uma bomba. Eu estava sem expressão, todos
olhavam para mim esperando eu dizer algo, mas como poderia
responder isso? Meu pai está vindo para cá? Eu vou sair daqui? Isso
é sério? Eu... eu...
—Eu não sei o que dizer...
—"Obrigado tia Hel" seria um bom começo. Feliz
aniversário Rolf.
180
Senti as lágrimas tentando escapar dos meus olhos
novamente, tentei esfregar os olhos para impedir, mas não consegui,
estava feliz demais para aguentar. Depois de me acalmar eles me
explicaram muita coisa, eu iria embora depois de dois meses e seria
entregue a meu pai que estava já a caminho da Bifrost vindo o mais
rápido que podia. Nesse meio tempo eu continuaria a morar com a
Bretta e poderia visitar o castelo sempre que quisesse até o dia de ir
embora. Por fim eu iria viver até que voltasse naturalmente para Hel
quando fosse mais velho. Depois de uma longa explicação ainda
tinha algumas dúvidas sobre tudo.
—Tia? Acho que isso vai parecer uma reclamação, mas não é,
eu não tenho como agradecer pelo que você está fazendo por mim,
muito obrigado de novo.
—Não se preocupe, pode falar o que quiser, crianças tem que
fazer perguntas.
Nessa hora estávamos na sala de jantar e a Hel estava
bebendo um chá que havia sido servido por Darius.
—Eu e meu pai não poderíamos viver na vila Noviça? É um
lugar seguro, tem pessoas legais aqui e-
—E você está com medo de voltar para Midgard porque só
tem o seu pai e você lá... sinceramente, sim eu gostaria muito que
seu pai morasse aqui com você... só que o seu pai infelizmente é
muito mais forte do que parece.
Olhei para ela confuso, o mesmo olhar apareceu no rosto da
Bretta que estava sentada do meu lado.
—Minha rainha, poderia me explicar o que “mais forte do
que parece” significa?
—O que vocês sabem sobre o Ragnarok?
A palavra "Ragnarok" me atingiu profundamente, várias
memórias de histórias da minha vila começaram a surgir na minha
mente, de repente as palavras começaram a sair da minha boca.

181
—No fim de tudo, aqueles que provarem a sua força para os
céus iram para os salões de Odin, comerão banquetes fartos,
beberam tudo e deitaram com quantas virgens desejarem, mas só os
fortes, aqueles mortos em batalha serão aceitos... por isso nos
forçam a treinar desde os seis anos.
Todos me encararam com uma cara triste, como se ouvir
aquilo sair de mim fosse tremendamente desconfortável. O silêncio
continuou por um tempo enquanto todos olhavam atônitos para
mim, até que o clima foi quebrado pela Hel.
—Ah, que droga! Sua vila é horrível, deveria ter mandado a
Astrid te buscar depois de conhecer a Bella, demos sorte que você
não foi estragado por eles.
O corte de clima súbito dela meio que tirou o ar de tristeza
da situação um pouco. Ela pegou a xícara de chá e entregou para o
Darius que prontamente pegou antes de sair para fora da sala. Após
isso Hel voltou a falar.
—Então, é exatamente o que ele falou, por isso pessoas fortes
são selecionadas, meio que uma garantia que elas vão para o
Valhalla independente da forma que eles morram. Seu pai foi
escolhido pelo Thor e pro desmiolado do filho dele, o Magni.
—Entendo, a Bella dizia que ele era forte, mas nunca
imaginei isso...
—Meu pai é chamado de monstro por qualquer pessoa fora
da vila, mas eu não achei que era tanto...
—Não se preocupe que enquanto você estiver fora daqui eu
irei dar um jeito de fazer o seu pai ficar aqui com você, nunca gostei
disso, tirar a opções das almas nos pós vida. Agora, já está chegando
no horário do almoço, tem algo que queira comer Rolf?
Ela terminou de falar com um leve sorriso para mim e depois
disso ela ordenou que o almoço fosse entregue. Após terminarmos
de almoçar o dia seguiu, conversamos mais e eventualmente a Astrid
nos deixou em casa e fomos ajudar a Monna e o Eldrick. Quando
chegou o final do dia ajudei a vovó a fazer a janta e comemos

182
juntos, fomos dormir depois disso, ela me deu um abraço e um beijo
de boa noite antes de ir para o seu quarto. A Goruberta estava
deitada nos meus pés e já começou a cochilar. Um tempo se passou
comigo tentando pegar no sono até que ouvi um barulho na janela.
TOC! TOC! TOC!
Quando olhei para o lado vi a Astrid na janela, ela deu um
leve aceno, abri para ela entrar e ela mergulhou para dentro e sentou
na cama calmamente para não acordar a galinha.
—Boa noite Rolf! Como está? O dia foi divertido?
—Eu... eu estou bem? O que você está fazendo aqui? Está
muito tarde, você precisa descansar.
—Primeiro, "Boa noite Astrid! Você está linda hoje!" seria
muito bom. Segundo, vim te colocar para dormir, a Hel me ensinou
o feitiço da “Canção de Ninar”, ela teria vindo, mas estava ocupada
com algumas coisas e eu me ofereci.
Deixei escapar um riso curto e respondi.
—Desculpa, desculpa, você está sempre linda, não tem como
estar linda só hoje!
—(...) Se você herdar totalmente a beleza da sua mãe você vai
dar um trabalho...
—Não entendi.
—Esquece o que eu disse. Além de te colocar para dormir eu
vim te dar umas novidades, conversei com vossa majestade e com a
Bretta e concordamos em algumas coisas, era para termos contado
de manhã mesmo, mas a conversa foi meio longa, a partir de amanhã
você vai ter algumas aulas particulares. Serão aulas com a rainha, ela
insistiu que fosse ela que ensinasse, será para você aprender a ler e
escrever a "Língua Islandesa", que é a que você já fala normalmente,
além de algumas outras coisas. A segunda aula será de combate
corpo a corpo simples, para você conseguir se defender melhor sem
depender do seu pai, suas professoras serão eu e as meninas, vamos

183
tentar te ensinar o máximo que pudermos nesses dois meses. O que
acha? Gostou da ideia?
—É claro! Eu adoro passar tempo com vocês! Vocês são
muito legais, é só que...
Comecei a olhar para baixo, tinhas dúvidas na minha cabeça,
principalmente depois do sonho, as coisas tem dado tão certo apesar
de tudo, está tudo tão perfeito, perfeito até demais...
—Está tudo bem Rolf?
—Por que vocês são tão bons comigo? Me deram casa,
família, comida, amigos e agora aulas, ainda vão me deixar voltar a
vida... por que estão fazendo tudo isso? Vocês mal me conhecem e
vocês não tem o que ganhar de mim com isso...
—Qual é, você é só uma criança, crianças merecem ser
mimadas e bem criadas, não precisa compensar por nada.
—Mas isso é demais, vocês não fazem isso por todo mundo
aqui. Parece até o sonho que eu tive, tudo da tão certo, todo mundo
é gentil demais comigo, não consigo parar de me sentir ansioso.
—(...) Rolf... por que você pensa que não pode ganhar
tratamento especial?
—De onde eu venho se você não é útil, se você não faz algo,
você não merece nada em troca, nem sequer estar vivo, aí eu venho
parar aqui e tudo é o contrário, parece tão errado, a qualquer
segundo sinto que vou ser cobrado a qualquer segundo.
—(...) O estrago foi maior do que eu pensava... olha Rolf,
você não deve ter percebido, mas eu reconheci você assim que te vi,
porque já te conheço, todo ano eu ia te ver e apesar de não poder
interferir de maneira alguma, vi muita coisa. Vi um garoto que é
muito esforçado, que tem bom coração e que esconde os hematomas
e não fala sobre as surras que leva para o pai cansado porque não
quer preocupa-lo... conheço você desde que nasceu, e só por ser você
merece um tratamento especial. E eu tenho certeza que esse seu
jeitinho conquistou todos, NÃO É BRETTA?

184
—É QUERIDO! A GENTE AMA VOCÊ!
Depois da longa fala da Astrid ela soltou um leve grito e
revelou que a vovó estava escutando tudo, a mesma gritou pela porta
e confirmou a sua presença. Depois disso a Astrid começou a rir e
eu respondi.
—VAI DORMIR VOVÓ! JÁ ESTÁ TARDE!
—TA BOM! SINTO MUITO!
Ouvi os passos dos cascos se distanciando depois disso,
aproveitei e voltei a conversar com a Astrid.
—Obrigado por dizer isso, agradeço muito de novo. Tem
algo que eu possa fazer para compensar tudo que vocês estão
fazendo.
—Hum... cresça forte e continue sendo gentil, fora isso não
precisa fazer mais nada, se você continuar sendo assim sei que no
futuro vai fazer mais que o suficiente para merecer tratamento
especial pelo resto da vida.
—Obrigado Astrid! Você é a melhor amiga que eu podia ter!
Abracei ela que retribuiu na mesma hora com outro abraço e
depois um afago no meu cabelo. Depois disso ela disse.
—Se você acha que aqui está sendo um sonho significa que
estamos fazendo um bom trabalho apesar de tudo. Falando nisso,
está pronto para dormir?
—Ah, claro! Estou pronto!
Ela começou a cochichar em uma língua estranha no centro
da mão direita dela começou a juntar várias pequenas esferas azuis
que giravam e dançavam.
—Até amanhã na sua primeira aula!
—Até amanhã Astrid! Boa noite!
Ela colocou as mãos no meu rosto em um sinal de carinho
enquanto dava um doce sorriso, meu corpo ficou pesado e acabei
despencando de volta para a cama, meus olhos começaram a coçar
185
implorando para se fecharem e finalmente antes da minha
consciência ir embora eu ouvi.
—Boa noite Rolf, veja se não dorme demais.

186
QUARTOZE
-Até mais Rolf! Sentiremos sua falta-

[Pov: Hel]
Acordei de madrugada no dia da despedida do Rolf, fiquei
pensando nos últimos três meses e como eles passaram muito
rápido, desde que informamos que o garoto iria para casa ele passou
a nos visitar cada vez mais. Ele teve aulas comigo para aprender a
falar nórdico e para aprender algumas outras coisas que
naturalmente ele iria aprender se tivesse frequentado uma escola,
felizmente ele gosta bastante de ler e tem muita curiosidade sobre
biologia e geografia, principalmente animais, o que fez ele aprender
bem rápido. Teve outras aulas além das minhas, teve autodefesa,
com a Astrid e as meninas, e aulas de caça com o Uller, essas últimas
só aconteceram porque o Uller ficou com ciúme quando descobriu
sobre as outras duas no meio do primeiro mês.
Ele aprendia e se esforçava bastante, parecia querer nos
impressionar, era encantador ver a dedicação dele, mas ele iria
embora daqui a algumas horas e eu estava com uma sensação ruim
no meu peito. Me levantei da minha cama e fui descendo até a
cozinha, quando estava prestes a passar pela porta ouvi um barulho
vindo de dentro e quando entrei vi a Astrid e Uller bebendo
hidromel e conversando. Quando entrei eles se viraram para mim
cumprimentaram.
—Oi Hel! Como você está? Acordada a essa hora da noite?
—Boa noite minha rainha, algo a incomoda para não
conseguir dormir?
O Uller me cumprimentou com a empolgação de sempre, já a
Astrid foi mais respeitosa, acho que o cansaço a ajudou.
—Por que estão acordados as... quatro da manhã?
—Já são quatro? Uau, não esperava que a gente tivesse tanto
tempo para matar.

187
—Vossa deidade, você tinha tempo para matar, eu gosto
bastante de dormir.
A capitã da guarda levantou e me chamou, enquanto eu
sentava ela foi buscar uma caneca e perguntou o que eu queria beber.
Ela foi pegar e nos deixou conversando.
—Então, por que você está acordado? Por acaso fez alguma
besteira e ficou com medo demais deu descobrir para dormir?
—Não.... eu só estou ansioso, meu aluno vai para casa daqui a
umas horas. Inclusive eu-
—Por que você fez uma pausa?
—Fiz esse pequeno escudo charmosinho para dar para ele.
Era um pequeno escudo de madeira com alguns reforços de
metal, tinha uma serpente branca tribal desenhada nele em um
fundo pintado de um verde bem claro e suave, por fim o tamanho
do escudo era claramente grande demais para ele, provavelmente é
algo para ele usar quando crescer.
—Ficou bom o escudo Uller, só você pensou em dar um
presente para ele por acaso? Além disso porque a da pausa?
—Não, não, a Bretta, Monna e Eldrick vão dar roupas novas
para ele, e as meninas também vão dar algumas coisas para ele, né
Astrid?
Nessa hora a Astrid chegou com a minha caneca de uísque e
se sentou com uma cara irritada.
—Precisava contar né..., mas sim, nós fizemos umas luvas
com braçadeiras com lacrimas carregadas com magia para ele usar
quando achar melhor, cinco de fortalecimento físico e cinco de
magias. Também tem a bolsa com magia dimensional para ele
guardar o que ele quiser, tem mil vezes mais espaço do que o
normal.
—Isso é um presente muito bom Astrid, agora fiquei em
dúvida do que dar...

188
—(...) Prefiro mil vezes mais o meu escudo seu pombo
exagerado.
—Inveja senhor Deus maior da caça?
—Não, mas você pode ir já, a Floco de Neve me faz
companhia.
—Se assim deseja senhor, rainha?
—Pode ir Astrid, durma um pouco mais.
Ela saiu da cozinha com um sorriso convencido enquanto o
Uller fazia a cara emburrada dele, não consigo resistir.
—Você tá verde de inveja Uller, achei que essa cor só
combinasse comigo, mas não ficou tão ruim em você.
—Blá blá blá! E você, vai dar o que?
—(...) Não sei... para ser sincero a ideia de ele ir embora
daqui me incomoda profundamente, não consegui dormir por causa
disso.
Nessa hora o Uller, que sempre tem um ar selvagem, solto e
alegre, ele simplesmente se fechou, sua cara ficou seria, seu olhar
serrado e ele me encarou.
—Hel... o que você quer dizer?
—É só que, talvez ele preferisse morar aqui com a gente, só
um pensamento que tive.
—Ele não é...! Desculpa, quase disse algo que iria me
arrepender. Olha, eu sei que você se apegou muito a ele e é ótimo te
ver assim, eu também adoro aquele menino, e você nunca esteve
mais alegre, nunca sorriu tanto, mas você não pode pensar isso.
—Eu sei... eu não tenho direito e eu sei disso, foi só um
pensamento que passou pela minha cabeça. E você pode falar sobre
ele também, gosto de você por que é sincero comigo.
—(...) Eu sei pelo que você passou Hel, não consigo nem
imaginar como deve ter doído perder ele, mas o Rolf não é o

189
Hellbram, e você não é a Bella, e nenhum de nós poderia ser o
Thorfinn.
—Eu sei, é só que passar tempo com ele me lembrou sobre
como foi ser uma mãe e eu só tive um pensamento egoísta...
—Eu sei, eu sei...
Ele se levantou veio até o meu lado da mesa e me abraçou
dando um beijo do lado da minha cabeça, me encaixei no abraço e
ele voltou a falar.
—Você e eu sempre seremos o tio Uller e a tia Hel, somos
importantes para ele, você querer fazer isso só mostra que você
realmente se importa com ele, não é só egoísmo, só tente não
exagerar nisso ok.
—Obrigado Uller.
—Sempre que quiser...
Nós ficamos assim por um tempo até que subitamente o
Uller parou de me abraçar e afagou a minha cabeça dizendo.
—Aí aí, acho melhor você ir lá fora, ela provavelmente tem
algo a falar sobre isso.
—Ela ficou ouvindo? Não consegui sentir ela.
—A Astrid é capitã por um motivo, além disso rastreamento
e detecção é minha especialidade. Vai lá vai.
Me levantei e segui até a porta, me virei e o Uller fez um sinal
de mão para ir enquanto bebia meu uísque. Passei pela porta e
encontrei do lado dela encostada na parede a Astrid, a mesma deu
um pequeno aceno envergonhado, comecei a falar logo em seguida.
—Você deve achar que eu sou podre e egoísta por pensar em
tirar o garoto do pai dele, e que eu sou igual aos imbecis de Asgard e
Vanaheim...
—Na verdade não, tudo que eu consigo pensar é que o Rolf
é muito sortudo.

190
—Como? A vida dele não era um belo pedaço de merda até
vir para cá.
—Era, deixa eu terminar. Sinceramente tenho um pouco de
inveja dele, ele tem pais dispostos a tudo para proteger ele e uma
deusa se apegou tanto a ele que não quer que ele se vá. Enquanto
isso eu tenho uma mãe que preferiu não me ver e age fria comigo e
com as minhas irmãs...
—Astrid, você não entende, a Freya-
—Eu sei... eu sei, elas sabem, nós sabemos, mas esse não é o
foco. Peço permissão para ser franco com vossa majestade.
—Só fala logo Astrid, eu também não gosto disso.
—Hel... todo mundo vai sentir falta dele, todas adoraram
passar tempo com ele, o reino do gelo é muito monótono e ele
parece irradiar uma energia boa sempre que passa, treinar ele foi
uma ótima mudança de rotina. Nesse curto tempinho cada um
passou a se importar muito com ele, mas isso não nos dá direito a
decidir tirar ele de perto do pai, ele vai voltar para cá na hora certa.
Além disso, eu sei que você não quer substituir ele pelo Hellbram,
você sofreu demais quando perdeu ele para cogitar fazer isso.
—Como você sabe dele, ainda estava em treinamento quando
ele morreu.
—As meninas disseram, além disso o papai me contou que
você havia perdido o seu filho, que ele tinha morrido de repente,
fora isso nunca perguntei nada.
—Obrigado...
—Não é nada, também não quero que ele vá embora, é a
primeira pessoa que me apego tanto fora a Bella.... Acho melhor
dormir agora, e se ainda quiser dar algo para ele tente pensar com o
coração ao invés da cabeça.
Depois disso ela seguiu para seu quarto e eu fui para o meu,
no meio do caminho passei pela porta do quarto do Hellbram, um
quarto que eu nunca mais entrei desde a morte dele. Encarei a porta

191
e vi que não havia divisão na porta dupla do quarto e lembrei que a
selei, o pensamento de abrir e entrar depois de tantos anos passou
pela minha cabeça, mas não tive coragem e fui direto para o meu
quarto.
As horas se passaram novamente e quando dei por mim já
eram quase nove da manhã, acabei ficando demais na cama. Me
levantei lentamente e troquei as vestes de dormir por meu manto
negro com magia para poupar tempo, logo após segui descendo as
escadas novamente até o salão principal, lá encontrei Darius me
esperando. Ele estava esperando calmamente enquanto polia seu
monóculo, ao notar minha presença ele prontamente se apresentou.
—Lhe desejo um belo dia vossa majestade, notei que dormiu
um pouco além de usual, algo a incomoda?
—Peguei o Uller tarde da noite assaltando o armazém e
bebendo o hidromel.
—Ah, isso explica os dois barris a menos, terei que pedir uma
reposição do estoque.
—Faça isso. Onde ele e a Astrid estão?
—Madame Astrid saiu cedo para confirmar a presença de
Thorfinn, já a deidade Uller não está no castelo, imagino que esteja
na vila Noviça, minha rainha.
—Nesse caso irei garantir que ele não arrume qualquer
problema. Quando a Astrid voltar mande relatar a mim de imediato.
Ele se curvou e logo depois seguiu de volta para o seu
trabalho. Após sua saída me preparei e conjurei um portal
instantâneo para perto da casa da Bretta, quase certeza que aquele
caçador imbecil está perturbando o Rolf. A energia saiu da minha
mão em forma de uma esfera branca que se distorceu e virou uma
porta rodeada de runas que ligava o castelo a entrada da casa da
Bretta. Cruzei o portal e dei de cara com o amigo elfo da Bretta,
acho que o nome dele era Eldrick, ele estava sentado em um toco de
madeira com uma pequena faca talhando alguma coisa, assim que
passei pelo portal ele caiu para trás em um susto, mas logo se

192
recuperou e me encarou espantado, quando notou quem era ele já se
curvou e saudou.
—É uma honra vê-la, minha rainha! Peço perdão por minha
ação desrespeitosa, o que devo a honra de sua presença?
—Onde está o Uller?
—O deus da caça saiu, disse que ia dar uma última aula para
ele.
—Pelos céus... vou procurá-los. Avise a Bretta que a Astrid
foi confirmar a presença do Thorfinn, ela tem que se preparar para
ele partir.
—Certo, mas minha rainha, com todo respeito, acho que é
impossível ela se preparar para isso.
—(...) Eu a entendo. Vou sair logo...
Voei afim de procurar ambos, infelizmente o Uller é quase
impossível de achar, como ele é referência quando o assunto é
rastrear pessoas ele também é referência em sumir da vista. Logo
quando sai vi o elfo de luz me olhando voar e entrando na casa da
Bretta em seguida, pensei em ficar para ouvir um pouco, saber a
reação dela, mas isso seria demais então voltei a minha busca.
Procurei por pouco mais de meia hora até achar algo no meio da
floresta, uma movimentação estranha, ao descer acabei por achar o
Uller, ele parecia estar procurando por algo. Me aproximei e ele
antes mesmo de encostar no chão respondeu.
—Demorou para me achar Floco de neve. Então, você pode
me ajudar a achar o Rolf?
Ele se virou para mim suando frio com um sorriso
envergonhado na casa, estava suando frio e ficava dando voltas
rápidas, como se tentasse escutar algo. Não acredito que ele o
perdeu.
—Não acredito que você o perdeu! Como um deus perde um
moleque de onze anos?

193
—Nós estamos brincando, como um treino sabe, e eu não to
mais encontrando ele, acho que ensinei ele bem demais.
—(...) Uller, você acha que eu sou idiota? Primeiro, É
impossível você ter ensinado em um mês e meio como se ocultar
tanto ao ponto de enganar um deus. Segundo você tem um cacoete
quando mente, você fecha a mão com o polegar para dentro, para
tentar disfarçar você joga o braço para trás.
Nessa hora ele soltou um sorriso aliviado e corrigiu a postura,
secou o "suor" no rosto e começou a se alongar falando a verdade
dessa vez.
—Bom, ainda é difícil achar ele isso é verdade, por ser uma
alma ele não solta mana, me obriga a usar meus ouvidos e nariz... se
bem que ele disse que isso não iria funcionar...
—Ele me conhece, diferente de você. Cadê ele?
Ele fez um sinal discreto apontando para cima e na mesma
hora ouvi um grito de criança familiar, me virei e segurei quem
estava prestes a cair na minha cabeça, era o Rolf. Ele estava com
roupas diferentes do habitual, uma camisa de linha preta, botas com
pelos, um colar de madeira com o símbolo de meu reino e por fim o
casaco cinza que outra hora era de sua mãe. Ele pulou de cima de
uma árvore, mas não era rápido o suficiente para me surpreender,
peguei ele no ar e ele estava com um largo sorriso enquanto olhava
para mim.
—Oi tia Hel! Te assustei?
—Não, você é péssimo! Nunca vai me enganar se usar
truques desse inútil.
—EI! Respeite meus talentos!
—Funcionou por acaso?
Enquanto o Uller ficava resmungando ajeitei o Rolf no colo,
ele realmente é pequeno para a idade, me pergunto se é porque a
Bella era baixinha e ele puxou a ela. Seguimos para a vila, quando a
adentramos por algum motivo as pessoas começaram a nos encarar

194
com um cara de espanto, outros pareciam confusos e estavam
fofocando um com os outros, resolvi perguntar para o Rolf.
—Aconteceu alguma coisa? Você fez algo?
—Não? Ficaram assim quando cheguei, mas parou depois,
agora eu não sei.
Nós ficamos refletindo o que poderia ser até que o Uller que
nos acompanhava por trás falou com um tom debochado.
—Não sei, deve ser porque a temível Floco de neve que
nunca sai do castelo está andando por aí e ainda está segurando uma
criança como se fosse uma mãe qualquer, mas não deve ser isso né?
—Ah... eu deveria fazer com que eles parassem de encarar
tanto?
Estralei meus dedos e comecei a focalizar um pouco de
energia, afim de fazê-los pararem de me encarar.
—NÃO! SÓ VAMO PARA A BRETTA!
Antes mesmo deu tomar uma ação o Uller me impediu e
começou a me empurrar para chegarmos mais rápido na casa da
sátiro. Chegamos na frente da porta da casa dela e batemos, um
tempo depois a porta se abriu e o Eldrick estava do outro lado, a
mesma cara de espanto nos moradores se mostrou na dele, já que ele
não respondia entrei para dentro, deixei o Rolf descer e fui me
sentar com os outros na mesa. A Bretta chegou da cozinha logo em
seguida e o Rolf foi abraçar ela, logo depois eles vieram para nós
conversamos.
—Bom dia Bretta.
—Bom dia senhorita Hel.
—Bretta, eu já pedi para ser informal comigo, você sabe que
me incomoda.
—É um pouco difícil, estou quase conseguindo.
De tantas visitas que tenho feito, acabei por pedir para a
Bretta me tratar de forma mais informal, só que ela estava com

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muita dificuldade de conseguir fazer isso. Deixei isso de lado e
ficamos conversando, inclusive sobre a reação da vila, a mulher cabra
disse que queria ter visto isso, um tempo se passou enquanto
conversávamos até que uma pessoa abrindo a porta nos alertou. A
Astrid entrou pela porta com um manto marrom acabado, ela nos
olhou com um sorriso um pouco forçado e falou.
—Bom dia minha rainha, Bretta, Eldrick, Uller. Eu voltei, já
está na hora, o Thorfinn está pronto.
—Ah... bom... Rolf?
—Está tudo bem tia?
—Tudo ok, você quer se despedir das meninas antes de ir,
não é? Elas até tem presentes para você.
—Sério? Eu realmente posso me despedir? Não tem
problema?
—Claro que não. Leva ele Astrid, eu levo os outros para a
Bifrost.
—Obrigado tia!
Ele veio correndo até mim e me deu um último abraço antes
de ir para o castelo com a Astrid, logo após isso a Bretta disse que
iria buscar a ferreira, a Monna, e seguiu junto do elfo deixando-me e
o Uller sozinhos. Minha primeira reação foi enterrar a cabeça na
mesa e soltar um grande suspiro. Ouvi o Uller se levantando do meu
lado e saindo da sala, ele voltou logo depois colocou uma caneca na
mesa e disse.
—Achou que iria demorar mais, não é?
—Achei que iria demorar mais...
Levantei a minha cabeça e vi o Uller enchendo a caneca com a
garrafa de uísque que eu bebi um pouco ontem.
—Guardou a garrafa?
—Imaginei que aconteceria isso, sei que isso não vai te deixar
bêbada, você bebe mais que o babacão.

196
—Você é um amigo bom.
—É eu sei, bebe aí até eles voltarem, vou ir ver eles.
Ele deu um beijo no lado da minha cabeça de novo e seguiu
para o lado de fora me deixando de companhia a garrafa que logo
esvaziei. Enquanto bebia me perdi em meus pensamentos, aquela
coisinha me fez ficar tão apegada a ela que não quero mais que ele
vá, quem sabe em outra vida...
O tempo passou comigo pensando até que todos voltaram,
trouxeram a enorme orc cinzenta, ela trazia um cinto com duas
bainhas e duas adagas, já o Uller trazia um escudo pequeno, que
para o Rolf seria grande. Me virei para ele e depois para a Monna
perguntando sobre os presentes.
—O escudo é bom?
—Feito de casca de árvore andronêsia de Vanaheim.
—Bom, e as adagas Monna?
—Liga de mitral com oricalco azul, obrigado pelos matérias
rainha.
—Fique com o que sobrar... ainda não sei o que dar para ele.
Nessa hora o Eldrick passou por de trás deles e perguntou
para a Monna.
—O que é mitral mesmo? oricalco eu já usei, mas foi o verde
ou o amarelo?
—Mitral é um metal forte, mas extra leve, feito para não dar
peso nenhum, o oricalco azul é exclusivo de Helheim e Nilfheim, a
arma tem um efeito de gelo.
—Uau! Eu até falaria alguma coisa, mas é Midgard, o menino
tem que ir armado até os dentes mesmo.
—Esse foi o pensamento das meninas também. Vamos logo?
Ele já deve estar lá.
Terminei a conversa e eles concordaram e ir logo, os levei
pelo mesmo portal que vim e quando chegamos na Bifrost lá
197
estavam o Rolf e todas as treze valquírias. O Rolf estava com o
capuz na cabeça, as braçadeiras e uma bolsa pequena na cintura,
assim que nos viu ele correu para nos ver. A Monna assim que o viu
se abaixou e apontou o punho fechado e ele respondeu batendo
também com o punho fechado, após isso teve uma breve conversa.
—Está fofinho com a roupa nova pequenino, mas falta a sua
fiel arma.
Ela puxou as adagas e mostrou para o Rolf que logo se
ajeitou para grande ferreira ajustar nele. Após terminar ele tirou as
duas adagas e pude finalmente ver a aparência das lâminas, eram
duas adagas azuis, o fio delas era prateado igual aos detalhes como
se fosse feito de aço, uma leve energia fria era emitida. Ele juntou as
duas deixando-as paralelas uma à outra e disse.
—Eu posso testar Monna?
—Se não testasse eu iria te bater, vá em frente!
Ele começou a cortar o ar, não era algo digno de um mestre
guerreiro, mas em dois meses sair de alguém que não sabe nada para
alguém que passou do nível de iniciante, que monstrinho. Ele
guardou as lâminas depois e o Uller o puxou e prendeu o escudo nas
costas dele e falou.
—Você é pequeno demais para usar, mas vai ser útil para o
seu velho, ele pode pegar emprestado por um tempo.
—Obrigado Tio Uller. Não sei como agradecer todos esses
presentes.
Nessa hora a Astrid chegou por trás e falou.
—Já dissemos mil vezes que você não precisa. Viva bem
muito e nos conte histórias legais quando voltar.
—Pode deixar professora!
Eles ficaram brincando um com o outro enquanto nós
seguíamos para mais perto do portal. Quando chegamos todas as
valquírias me saudaram e o Rolf começou a se despedir um por um,
primeiro foi as valquírias, depois a Astrid, depois o Uller, Monna,

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Eldrick e Bretta em seguida, eu fiquei por último. O Rolf veio até
mim e me abraçou falando.
—Obrigado por tudo tia Hel, por ter me ensinado, por ter
me mostrado minha mãe, por me levar de volta para o meu pai, eu
nunca vou conseguir dizer o quanto eu sou feliz por conhecer você.
As palavras dele bateram bem no fundo do meu coração, a
única reação que eu tive foi pegar ele nos braços e dar um beijo na
testa, decidi qual ia ser o presente que eu iria dar o "Estigma de
Hel" para que não tivesse perigo dele ir para o Valhalla e que eu
pudesse saber sempre que ele estivesse em perigo, ao mesmo tempo
comecei a magia de ressureição. Luzes verdes começaram a se juntar
ao redor dele cada vez mais, de repente seu corpo começou a brilhar
em uma luz que ofuscou a todos, até que quando passou algo me
assustou. A magia de ressureição faz o corpo voltar do mesmo jeito
que ele havia sido morto, mas com qualquer ferimento fatal curado,
o Rolf que antes estava perfeitamente bem, estava com o rosto
inchado como se tivesse levado vários golpes no rosto e no meio da
sua testa estava uma cicatriz vertical de onde a flecha havia atingido.
Todos estavam espantados, inclusive eu, e o Rolf notou.
—Aconteceu alguma coisa? O que foi essa luz?
—Ah, não foi nada, é a reação a magia que eu usei para que
você pudesse voltar a vida, é normal.
Não o deixei olhar para os outros com receio dele se assustar
e curei as feridas dele, passei o dedo pela cicatriz na cabeça dele de
cima para baixo fazendo ela queimar e sumir. Depois disso deixei ele
descer e a Astrid veio e pegou na mão dele e conjurou a magia de
invisibilidade o fazendo sumir da vista de todos, menos a minha e
do Uller, ambos foram até o portal e antes de dar o passo para
dentro da Bifrost ele se virou e levantou a mão dando um pequeno
tchau e sumiu na energia azul da porta dos reinos voltando para
Midgard.
—Tchau Rolf, vou sentir saudade...

199
QUINZE
-O reencontro mais esperado-

Atravessei o portal e me vi em frente ao interior da Bifrost


que tanto quis entrar uma vez, o interior parecia feito de ouro e
tinha muita vegetação cobrindo as paredes do lugar, além da mesma
energia azul circular por dentro do interior que não era um cubo era
um círculo, havia muitas pessoas que encaram eu e a Astrid, fiquei
um pouco nervoso pelas quantidades de olhos em mim, até que
lembrei que estava invisível. Astrid andou calmamente, pude sentir
um pouco de aura sendo liberada de seu corpo, como se ela quisesse
que as pessoas se afastassem, ela usava um manto de couro marrom
para esconder que segurava minha mão para me guiar durante todo
o trajeto. Vi várias raças iguais às de Helheim que estavam entrando
e saindo constantemente dos portais, esses mesmos portais tinham
armaduras de pedra gigantescas que pareciam vigia-los, mas tinha
algo diferente, no centro da sala tinha um disco enorme, e parecia
ter uma árvore branca feita de energia no centro dele e várias bolas
coloridas rodeando ela, a árvore não tinha folhas o que tinha acima
dela era um segundo disco de ouro que encima tinha uma armadura
gigantesca igualmente dourada, tinha algumas partes azuis, vi dois
olhos brancos saindo da fresta do capacete e pude jurar que aquilo
tinha olhado para mim, sua capa parecia feita de fogo azul e ele se
apoiava em uma espada enorme branca com entalhes em vermelho.
Quando a Astrid finalmente parou de andar prestei atenção
no que estava na minha frente, tinha dois anões bem fortes com
lanças e armaduras bloqueando a passagem, eles se direcionaram a
Astrid e falaram.
—Você não pode passar.
—Posso saber o porquê?
O anão da direita, o que estava mais próximo de mim, mirou
a lança direto para o meu rosto como se ameaçasse me perfurar a
qualquer segundo e disse.

200
—Não somos tão bons quanto as valquírias, mas não é uma
relês magia de ocultação que vai nos enganar.
Ouvi a Astrid bufar levemente e apertar de leve a minha mão,
por instinto segurei uma das minhas adagas. De repente o anão
voltou a falar.
—Você está autorizada a deixar Helheim, mas o intruso terá
que ficar conosco.
Ele avançou a lança contra o meu rosto me fazendo recuar a
cabeça para trás, mas ele não me acertou, parou a poucos
centímetros. Vendo essa cena comecei a suar frio, mas a Astrid
tomou a dianteira da situação, ela esticou o braço que estava livre, e
entortou facilmente a lança para que a ponta apontasse para o anão
armadurado, depois disso ela falou.
—A própria rainha autorizou a saída dele de Helheim, não
são dois anões qualquer que podem ir contra uma ordem de alguém
do alto escalão de Asgard.
—Hel não é uma asgardiana, as ordens dela e merda são a
mesmas coisas para nós.
Com uma leve risada irritante o outro anão finalizava o
deboche, o mesmo andando até nossas costas e apontou a lança para
mim novamente. As pessoas começaram a se amultuar tentando
entender o que estava acontecendo, mas a Astrid logo agiu.
—Não sei quem vocês pensam que são, mas eu só preciso da
porra de um golpe para explodir os corpos de vocês dois. O
Heindall não irá protege-los, não de mim.
Sua aura sumiu e outra coisa pareceu no lugar, não era mais
poder bruto, era como se um monstro faminto saísse dela e só
ficaria satisfeito após engolir os dois anões, vi suor escorrer e ambos
os dois guardas tremerem de medo, porém algo interrompeu. Uma
batida forte chamou a atenção de todos no salão, inclusive da
multidão recém formada, a armadura dourada bateu a espada no
disco em que estava, ele se virou e pude sentir a Astrid apertar a
minha mão mais forte ainda, também vi uma gota de suor descendo

201
pela lateral de seu rosto, o clima ficou tenso até que uma voz
profunda e poderosa saiu do fundo daquela estatua viva de ouro, ela
disse.
—LIBEREM A PASSAGEM DE MIDGARD
IMEDIATAMENTE!
Todos tremeram, incluindo nós e os guardas, com esse
simples comando os anões guardaram suas armas e liberaram
passagem, as pessoas começaram a aparecer novamente, entrando
pela Bifrost, já a fila de trás começou a se agitar e eles começaram a
tentar nos empurrar para passar. Enquanto éramos espremidos a
Astrid me puxou e por instinto fechei os olhos enquanto
passávamos pelo portal, quando voltei a abrir vi que estava no céu, a
Astrid estava me segurando e parecia também estar com a magia de
invisibilidade. Enquanto a Astrid parecia perdida em seus
pensamentos olhei para baixo e vi uma enorme cidade, muito maior
que a vila, as casas pareciam ser feitas de pedra e elas pareciam se
estender até o horizonte, me virei e vi uma árvore branca imensa na
qual o cubo negro da Bifrost estava enfiado, ela era tão gigantesca e
inacreditável que eu não conseguia ver as folhas do topo,
simplesmente sumia nas nuvens. Fiquei por tanto tempo admirando
a cidade que a Astrid saiu do transe dela e falou.
—Está tudo bem Rolf? Você está se debatendo muito.
—Eu só to vendo a cidade, é maior que a vila Noviça. Essa é
a árvore do mundo que vocês falaram?
—Ah, é, ela mesma, é uma árvore bem especial... você está
bem? Lá atrás foi um momento complicado.
—Eu to bem, foi um pouco assustador, mas está tudo bem.
Quem era eles?
—Eram os guardas, eles controlam mais o fluxo de pessoas
que entram e saem, quem lida mesmo com as ameaças são aquelas
estatuas de pedra, já aquele cara na armadura dourada...
—Se não quiser contar não tem problema.

202
—Não, está tudo bem, era o Heindall, ele só é um cara muito
obcecado faz tudo que o dono da Bifrost manda, mas graças aos
céus ele não nos impediu.
—Ele é mais forte que você e a tia?
—Eu não consigo ganhar, já a Hel eu teria pena dele.
Ela começou a descrever de maneira engraçada a surra que ele
levaria se lutasse contra a tia Hel, desde que ela jogaria uma
montanha nele até uma chuva de estacas de gelo que cairiam sobre
ele. Após terminar a história ela me carregou pela cidade e fomos até
uma casa no limite da cidade, quase fora dos grandes muros que
cercavam a cidade. Fomos até as várias janelas do segundo andar e
começamos a procurar de janela em janela pelo meu pai, teve uma
que eu não tive tempo de ver porque a Astrid tapou meus olhos e
voou às pressas para a próxima com uma cara de vergonha, depois
de cinco delas nós vimos quem estávamos procurando. Um homem
grande, enorme, até maior que a Astrid que já era alta, uma grande
barba e cabelo cor castanha, olhos azuis, várias tatuagens, era um
verdadeiro monstro que também era o meu pai.
A Astrid bateu no vidro da janela e logo após usando magia
para destrancar e abrir fazendo meu pai reagir, ele pegou o machado
e se posicionou próximo a porta, até que nós dois falamos,
—Oi pai! Você parece bem!
—Sério Thorfinn? Eu sei que eu apareço do nada, mas atacar
uma janela já é demais.
Meu pai olhou para a janela extremamente atordoado, acho
que por ouvir minha voz, entramos pela janela e a magia foi desfeita
nos mostrando para ele. Assim que me viu meu pai perdeu as forças
e tombou ficando de joelhos, disparei para ele tentando segurar, mas
ele me agarrou em um abraço que quase deu fim as minhas costelas.
—Meu filho! Por favor me perdoe. Se eu soubesse eu nunca
teria deixado você com ele! Eu sinto muito! Me perdoe!
Enquanto estava sendo esmagado pelo abraço de urso senti
algumas lágrimas caindo no meu cabelo, meu pai nunca chorou na

203
minha frente, a única vez que vi algo parecido foi quando encontrei
ele no meu aniversário de madrugada perto da lareira, ele realmente
sentiu a minha falta.
—Não precisa pedir desculpa. To feliz em te ver pai,
obrigado por vir.
Abracei ele o mais forte que pude, mal pude segurar as
lágrimas e comecei a chorar de novo. Depois de um tempo ele
finalmente me soltou e finalmente começamos a conversar.
—Eu to tão feliz de te ver meu filho, você parece tão
diferente.
—Eu treinei um pouco enquanto estava lá, a Astrid foi minha
professora.
Ele arregalou os olhos e se virou para a Astrid dizendo.
—VOSSA DEIDADE ENSINOU AO MEU FILHO?
COMO... Você está bem?
Quando ele disse a última parte me virei para ver o que estava
acontecendo e a Astrid estava com a mão cobrindo os olhos e eu
pude ouvir uma fungada.
—Astrid, você está bem? Aconteceu alguma coisa?
—Não, não, está tudo bem, eu só preciso de um momentinho
para me recuperar desse momento. Vou ficar bem, continuem
conversando.... respira Astrid...
—Ok... como foi o caminho até aqui pai?
—Ah, foi tranquilo, ninguém me seguiu e eu cheguei ontem
de madrugada na cidade, tive que cobrar uns favores de conhecidos
para chegar mais rápido. E você filho? Como esteve?
—Foi muito bom! Conheci todos os amigos da mamãe! Tem
a vovó Bretta, o Eldrick, a Monna e a Tia Hel!
—Que bom saber que a Bella- TIA HEL? A DEUSA DA
MORTE HEL?
—É, por que?
204
Meu pai travou por um tempo em choque, acho que a notícia
que a mamãe é amiga de uma divindade não foi aceita muito bem
por ele, enquanto ele estava processando a informação fui ver a
Astrid e ela já tinha voltado mais ou menos ao normal, resolvi falar
com ela enquanto esperava o meu pai voltar.
—Melhor?
—Melhor. Parece que ele teve a reação normal ao saber que a
esposa é amiga da rainha dos mortos.
—Essa é a reação normal?
—É, você que é anormal lobinho, mas isso é bom.
Ficamos conversando por três minutos até finalmente voltar,
a gente ficou debatendo se contava que ela também era amiga do
deus da caça ou se a gente contava aos poucos para ele ir se
acostumando, no fim ficou para depois contar isso. Quando voltou
ele voltou a agradecer a Astrid.
—Muito obrigado por ensinar meu filho! Eu não tenho
como agradecer tamanha benção!
—Não precisa disso Thorfinn eu que me ofereci, além disso
ensinar ele foi ótimo, uma boa quebra de rotina. Deve estar
entrando no nível intermediário de esgrima de duas mãos, é bem
talentoso, se contratar um professor ele pode se desenvolver
bastante, técnica funciona com ele, não força bruta.
—Ah, entendo, farei como diz. Infelizmente na vila só tem
especialistas em armas pesadas e até eles desenvolvem mais a força
do que artes marciais, mas resolverei isso.
—Sei que ira, ainda temos outras coisas a discutir, mas você
tem dinheiro Thorfinn?
—Um pouco, por que?
—Astrid! Lembrei de uma coisa.
Nessa hora eles viraram para mim e eu comecei a mexer na
bolsinha que eu ganhei, procurei um pouco até que achei uma sacola

205
de couro cheio que era duas vezes maior que a bolsa e mostrei para a
Astrid que pegou e abriu.
—(...) Quem te deu isso Rolf?
—A Gwydion, por que?
—Tem duas vezes o meu salário em moedas de ouro aqui.
Meu pai chegou mais perto do saco de couro e viu a
quantidade de moedas.
—Da pra comprar uma casa aqui com isso...
—O almoço está garantido pelo menos. As vezes esqueço que
aquela lagartixa é rica.
Ela pegou algumas moedas de ouro e disfarçou a armadura
dela com roupas mais comuns, após isso me devolveu o saco e
arrastou nós três para almoçarmos na taverna em que meu pai estava
hospedado. Literalmente destruímos a cozinha daquele lugar, a
Astrid comeu mais que eu e meu pai juntos, depois disso fomos para
um festival gastar um pouco da fortuna que eu tinha agora, também
aproveitei para contar tudo o que aconteceu, apesar da Astrid não
ter me deixado falar sobre a parte da Ygg, meu pai ficou feliz em
saber que o reino de gelo era um lugar tão pacifico e que a mamãe
tinha feito bons amigos. Chegou uma hora em que nas barracas do
festival tinha um de tiro ao alvo com facas, eu quis participar então
enquanto ia jogar os dois ficaram conversando de lado.
—Então Thofinn, para onde está pensando em ir com o
Rolf? A vila de Magni não é opção.
—Não, claro que não, enquanto o Ragnar controlar aquele
lugar... e se eu tiver correto um exército do reino de Teamor deve ter
chegado lá.
Acertei o centro de um dos alvos.
—Teamor? Um dos reinos do leste? Por que eles ajudariam
uma vila pequena no norte de Midgard?
—Nascemos lá, eu e ele, mas para falar a verdade é mais
complicado.
206
Acertei o centro do segundo alvo.
—Não vou perguntar, não é da minha conta, mas você deve
contar para o Rolf, caso o Ragnar queira terminar o serviço. Então
vocês iram para onde?
Acertei o centro do terceiro alvo.
—QUEM ACHA QUE O MENINO ACERTA OS
CINCO ALVOS? APOSTAS ABERTAS!
—Acho que para o reino de Zidorva no Oeste. Tem uma
comunidade de caçadores bem grande e desenvolvida, a família da
Bella ainda deve estar por lá.
—É um ótim-
—EI PORRA! ESSE MOLEQUE TA TRAPACEANDO!
Eu tinha acabado de acertar o quarto alvo no centro e um dos
homens que também estava jogando ficou puto e me pegou pela
gola da camisa e começou a gritar, como reação eu peguei uma das
minhas adagas e cortei o braço dele me soltando, nessa hora eu vi
que a adaga que a Monna me deu era muito forte, eu nem senti
resistência nenhuma quando joguei a faca no braço dele e o corte foi
bem feio, quase deu para ver o osso no braço, uma camada de gelo
começou a crescer fechando o ferimento e triplicando a dor do
idiota. O homem gritou de dor e olhou para mim com uma cara de
ódio puro, ele largou o braço banhado em sangue e sacou sua
própria adaga para me atacar, ele avançou contra mim e quando eu
já ia ativar a magia de fortalecimento da braçadeira um soco veio.
De trás da multidão veio o meu pai com seu punho enorme que
cortou o ar e estraçalhou a cara do homem, pude ouvir os ossos dele
se partindo antes mesmo do corpo sair voando e destruindo a
barraca de tiro ao alvo. Depois da porrada assustadora que meu pai
o desferiu parou na minha frente.
—Ta tudo bem filho?
—Eu estou! Que soco!

207
—Claro, depois a gente treina. Você acertou mesmo os
quatro alvos?
—Sim! O tio Uller me ensinou a atirar.
—É o Uller que eu to pensando?
—É sim! Inclusive o escudo que eu to nas costas ele disse
para te emprestar até eu crescer.
Guardei a adaga e ele me levou para perto da Astrid que tinha
acabado com os amigos do imbecil de antes, apesar de nós termos
chamado atenção ninguém mais quis chegar perto. O dia foi
passando e quando chegou a noite voltamos para a taverna onde
meu pai estava hospedado, antes mesmo de entrarmos a Astrid nos
impediu.
—Eu tenho que ir agora Rolf...
—Sério? Mas já?
—É, tenho que aproveitar que está cedo para ver se meu pai
tá bem.
—Ah, ele ta na taverna de novo?
—Sim... de novo... para variar... eu vou arrastar ele pra casa e
voltar para o castelo.
—Entendi, boa viagem. Vou sentir sua falta.
Ela me olhou com um olhar triste por um momento, se
agachou e me puxou para um abraço bem apertado, depois ela me
deu um beijo na testa e saiu andando para o caminho dela. Depois
dela sumir na multidão de pessoas meu pai pegou na minha cabeça e
fez um afago e falou.
—Você fez uma boa amiga filho, é sua primeira amiga, não é?
—Ela é, vamos comer, tenho que te contar de tudo, toda a
verdade.
—Verdade?

208
Eu segui para dentro da taverna e meu pai foi logo atrás, nós
comemos, conversamos, meu pai entrou em uma disputa de bebida
com um anão, ele perdeu, seguimos para o quarto depois disso.
Quando entramos ele disse.
—Então filho, o que você queria falar?
—Eu ouvi enquanto atirava nos alvos que a gente não vai
voltar para vila e sim para a antiga casa da mamãe, certo?
—É claro filho! Não tem porque voltar lá enquanto o Ragnar
dominar tudo, nunca vou deixá-lo chegar perto de você de novo.
—Não é só por isso que eu não quero voltar.
Meu pai me olhou com um rosto confuso e eu comecei a tirar
as braçadeiras, o casaco e a camisa, nas minhas costas tinha cicatrizes
de golpes e pancadas que eu tinha levado de todas as agressões que
as crianças e alguns dos adultos tinham feito em mim ao longo dos
anos. A cara do meu pai se tornou em uma de espanto, ele se
aproximou e começou a examinar as minhas costas, ele esticou a
mão para tocar mais hesitou.
—Filho, desde quando?
—Desde do dia que a benção da vila não despertou, antes era
só xingamentos, mas depois disso começaram a me bater...
—Por que você não me disse? Eu poderia ter resolvido isso.
—Você vive ocupado o dia todo, chega em casa cansado, não
tem que lidar com o seu filho fraco que não consegue se defender.
—Rolf... você não é fraco, nunca foi e eu nunca vou ta
cansado demais para você, eu sinto muito não ter percebido isso. Foi
só essas marcas?
—Não, na maioria eram hematomas e socos, eles evitavam
me dar mais cicatrizes com medo de ficar aparente, o pai do Erick, o
treinador, ele assegurava que eu não corresse risco de vida e me
tratava até parecer algo que eu conseguiria depois de esforçar demais
no treino.

209
—Eu sinto muito não ter visto isso antes, se eu tivesse sido só
um pouco mais atento poderia ter evitado muito disso. Eu sou um
péssimo pai...
—Não é, é o melhor pai do mundo, você veio até aqui
mesmo sem ter certeza que me veria de novo, mas mesmo assim
veio. A Astrid falou que você pediu para que ela levasse você até
mim, obrigado.
Abracei o meu pai e ele hesitou por um segundo antes de me
apertar em um abraço de urso, ele passou a mão na minha cabeça e
respirou fundo.
—Eu prometo que não vou deixar isso acontecer de novo.
—Obrigado pai, te amo.
—Também te amo filho.
Depois do abraço eu me vesti e fui dormir na cama, meu pai
insistiu em dormir em uma poltrona, a noite passou tranquila, não
tinha mais motivos para ter pesadelos então dormir que apaguei
completamente. No dia seguinte acordei mais cedo que meu pai que
ainda estava roncando e babando na cadeira dele, peguei umas
moedas trocadas que consegui ontem e fui para o andar de baixo
comprar o café da manhã e pagar o quarto, um tempo se passou e
meu pai desceu todo sonolento e se juntou comigo para comermos,
logo após seguimos para fora da taverna.
—Dormiu bem filho?
—Sim! Não tenho motivos mais para me preocupar, e você?
—Sempre preferi uma boa cadeira a uma cama.
—Não sei como suas costas e pescoço aguentam...
—Elas são travadas desde um acidente que aconteceu quando
eu cai de uma árvore com vinte e três, uma cadeira não é nada,
—Você precisa pegar mais leve...
—Sua mãe dizia a mesma coisa, ela estava certa, talvez se eu
cair de outra árvore...

210
Ele estralava suas costas flexionando os braços para trás
enquanto andávamos pela cidade, após dar um estalo que chega
assustou todos ao redor ele falou.
—Quanto espaço tem na sua bolsa? Tem algo além do saco?
—Acho que muito, para falar a verdade tem algumas facas e
poções que a Astrid disse que poderiam curar ferimentos.
—Elas te equiparam bem, acho que a gente pode colocar os
suprimentos para a viagem na bolsa, se importa se gastarmos o
dinheiro que sua amiga deu?
—Claro que não! Ela me deu para gastar, disse até que era
para comprar uma casa em um lugar bom e seguro.
—Como ela tem tanto dinheiro?
—Ela disse que dragões gostam de acumular ouro e joias, o
porque eu não sei.
—Dragões, nobres e comerciantes têm muita coisa em
comum...
Gastamos algumas moedas de ouro depois disso comprando
suprimentos para a viagem, desde corda, comida, óleo para
lamparina, uma lamparina para usar o óleo né, arco e flechas,
também alugamos lugares em uma carroça que partiria para uma
cidade ao oeste de Kragmor, perto da travessia do rio da serpente.
Nós partimos no dia seguinte subindo em uma carroça um pouco
lotada que saia da cidade para Nayru, ao longe ainda conseguia ver
bem pequeno o cubo preto da Bifrost, olhei para ele enquanto me
afastava cada vez mais pensando quanta falta ia sentir de todos.
—Tchau gente, vou sentir saudade...

211
DESESSEIS
-Tentaram roubar um Ogro e um pequeno lobo-

No fim do primeiro dia de viagem a carroça nós paramos


para fazer um acampamento em uma pequena clareira na floresta, o
dono da carroça parou e montou um pequeno acampamento para
ele e a escolta dele. Eram duas carroças, uma que levava os
passageiros e outra que levava toda a mercadoria que ele planejava
vender na cidade. Após eles se aprontarem foi a vez do grupo que
estava com a gente, eram dois homens e uma mulher, o pai disse que
podiam ser mercenários ou aventureiros, eles se aprontaram e
montaram suas coisas, mas um deles veio até nós. Ele era alto e
magro, tinha uma espada na cintura e vestia uma roupa de couro
reforçado, tinha cabelo e barba espetados da cor ruiva e uma faixa
azul na testa, ele veio até nós e falou.
—Opa! Tudo bom? Vi que é só você e o seu filho, estão
viajando?
—Sim, estamos.
Meu pai respondeu sério, não em um tom ameaçador, mas em
um tom que ele fala com pessoas desconhecidas.
—Vocês não parecem estar muito equipados para passar a
noite, se quiser podem passar conosco, não nos importamos.
—Vocês têm certeza?
—Claro! Duas pessoas a mais não são nada demais.
Meu pai olhava para ele enquanto arrumava as madeiras para
a lareira, ele se virou para mim que estava comendo carne seca, o
encarei e minha vista se virou para o homem.
—E aí carinha? Ta com raiva? Eu fiz alguma coisa?
Enquanto ele se virava para o meu pai com sua dúvida eu me
foquei em olhar para ele, parecia um cara bom, carismático e com
boas intenções, mas não era isso que eu estava vendo. Enquanto
falava o vi olhando de canto de olho para mim frequentemente,
212
também via uma aura cinzenta saindo dele e tomando forma atrás
dele, isso nunca aconteceu antes... estava tomando a forma de um
rato! Era gigantesco e feioso, ele ficava esfregando as mãos e parecia
rir enquanto uma aura suja e hostil emanava dele. Olhei para o meu
pai e balancei a cabeça em sinal de não.
—É... estamos bem, meu filho e eu não gostamos de dar
trabalho, vamos ficar bem.
—Ah, ok! Caso mudem de ideia basta avisar.
Ele se virou para voltar a seu grupo e pude ver sua cara se
fechando em desgosto, olhei para o meu pai e ele também tinha
percebido, decidimos dormir mais afastados e armados hoje. A noite
foi passando e logo as fogueiras foram apagadas e todos
repousamos. No meio da noite ouvi barulhos de galhos quebrando e
quando abri meus olhos estava no meio da floresta, meu pai estava
me carregando e fez um sinal para eu fazer silêncio, ele me deixou
em um arbusto e seguiu para dar a volta pela clareira. De cima do
monte onde eu estava dava para ver tudo, o comerciante e a escolta
estavam rendidos e amarrados, tinham dois outros homens, um
enorme, do tamanho do meu pai e outra mulher. Ouvi bem baixo
aquele cara de antes com a faixa azul falar.
—Procurem aqueles dois, a Liv já saiu, se juntem a ela!
A mulher e outro cara baixinho se dispersaram, porém na
hora que ele foi entrar no mato ele voou para o outro lado da
clareira e do lado onde foi lançado saiu o meu pai, muito puto. Ele
se virou para os outros três e saltou em ímpeto para nocauteá-los,
ele se jogou e carregou o punho e quando ia se chocar o grandão
sacou um martelo enorme e tentou acertar o meu pai que de última
hora se defendeu, o golpe era pesadíssimo, porém meu pai foi
acertado diretamente e foi jogado contra uma árvore que quebrou
com o impacto. Me assustei nessa hora, mas ele levantou como se
nada tivesse acontecido, só com um hematoma leve no braço, os três
olharam para ele assustados e sacaram suas armas, já o cara do
martelo tirou o capuz mostrando que era um elfo negro e falou.

213
—Esse cara é um monstro... você não me disse que tinha
alguém nesse nível aqui!
—Como caralhos eu ia saber? Não consegue matar ele?
—Não disse isso. Vai ser divertido!
De repente ele arrumou a sua pose e uma aura de perigo
saltou para fora do corpo dele, era como se um monstro enorme
tivesse aparecido no meio do campo de batalha, mas meu pai não
ficou quieto. Ele sacou o machado enorme dele das costas e uma
aura centena de vezes maior saiu dele, chegava ao ponto de afetar o
ambiente, eles saltaram um para o outro e as armas se chocaram em
um estrondo, o cara de mais cedo saltou para trás com medo e a
outra nem pensou em se aproximar. Enquanto a disputa se
desenrolava vi que o elfo era cada vez mais pressionado, ele
começava a suar cada vez mais até que meu pai fez um corte em
direção a cabeça dele que desviou no último instante e fez ele perder
o controle, meu velho girou o machado no fim do ataque e conectou
com um gancho que rasgou a armadura e fez um corte no peito do
ladrão, o mesmo caiu sem ar no chão e tentava desesperadamente
parar o sangramento.
Depois de derrotar o elfo meu pai se preparou para dar cabo
dos outros dois, mas enquanto olhava senti um braço envolver o
meu pescoço e começar a me esganar, tentei gritar, mas uma mão me
impediu e a voz do raptor saiu.
—EI SEU MONSTRO! SE AJOELHA AGORA SE NÃO
QUISER QUE SEU PIRALHO MORRA!
Ela chegou mais perto da beira e me exibiu como um troféu,
meu pai ficou paralisado e obedeceu a se ajoelhando. A outra
mulher foi ajudar o elfo que surpreendentemente ainda estava vivo a
estancar o sangramento, já o de lenço azul que veio até nós no
começo da noite começou a rir de alivio.
—PUTA MERDA! Que porra foi essa! Beleza grandão!
Ele pegou a espada dele e fez um corte superficial nas costas
dele.

214
—Cadê aquele saco cheio de moedas de ouro?
Eles estão atrás do dinheiro? Como eles sabem dele? Meu pai
estava puto, mas depois de me pegarem e do corte ele estava
vermelho de raiva, ele falou com a voz ainda mais grave, quase um
rugido.
—Não sei do que você ta falando.
—Não se finja de idiota, desde Kragmor vocês têm
comprado coisas com moedas de ouro, teríamos pegado antes, mas
você tinha aquela mulher monstra com você, ela não estar aqui é um
sinal de que esse dinheiro é meu por direito, então passa essa porra.
—Não to com dinheiro nenhum caralho!
Ele fez outro corte nas costas do meu pai, ainda mais
profundo do que antes, meu pai grunhia de dor.
—Caralho! A carne desse cara é pior que ferro, não dá para
fazer um corte profundo... ideia melhor, quebra o braço da criança,
assim ele fala.
—NÃO! ELE NÂO!
Ela soltou a minha boca e me jogou no chão e se preparou
para quebrar o meu braço esquerdo, mas antes de quebrar a mulher
falou.
—Última chance, libera o ouro, se não a próxima parte vai
ser o pescoço.... 3
Minha chance estava chegando, tentei olhar para o meu pai na
esperança dele entender, mas só fúria e preocupação estampavam seu
rosto.
—2...
Merda, to ficando sem tempo, pai se você for realmente tão
incrível quanto a tia Hel disse que você é, hora de provar.
—1!
—RELÁMPAGO!

215
Meu braço iria ser quebrado, mas de repente eu senti um
calor ao redor dele e uma explosão de raios cobriu a mulher fazendo
a me soltar e gritar de dor.
—AARRRRRRRRRRRRHHHHHHHH! PORRA!
ISSO DOI! CARALHO!
Olhei para ela e apontei a mão esquerda, a braçadeira tinha
cinco cristais, cada um com uma magia para várias situações, sendo
de um uso por dia, uma já tinha ido. Enquanto apontava a mão
esquerda ela se virou depois dos efeitos da magia passarem, tinham
várias queimaduras ao redor do corpo e parecia que seus olhos iam
explodir, ela se jogou para tentar me esganar só que eu não ia deixar.
—EU VOU T-
—BOLA DE FOGO!
Ela jogou os braços para cima de mim, porém a magia saiu e
explodiu na cara dela a jogando floresta dentro. Um grito
desesperador era ouvido de dentro da floresta. Apôs me soltar meu
pai em um movimento extremamente rápido girou e enquanto
berrava, parecia que ele havia se transformado em uma fera! Ele deu
um soco que estraçalhou a cara do chefe dos bandidos, pude ouvir
todos os ossos do crânio dele quebrando de tão alto, após isso meu
pai se jogou em cima dele e começou a socar o corpo morto dele.
Quando vi isso olhei para a parte de baixo das minhas braçadeiras,
na da esquerda das pequenas cinco joias duas estavam escuras, já no
braço direito estavam todas brancas e normais, vendo isso eu falei
enquanto pulava do moro.
—Reforço nível 2!
Senti meu corpo ser envolvido por uma energia e uma aura
azul passou a sair do meu corpo, cai no chão e saquei as minhas
adagas. A mulher que estava ajudando o elfo olhou para mim, sacou
uma besta e atirou na minha direção, a flecha veio e percebi que não
ia dar para desviar, usei as adagas para bloquear, o impacto veio e
me jogou para trás, senti o choque quase quebrar as minhas mãos
enquanto rolava, mas as armas estavam intactas. A mulher olhou

216
assustada para mim e veio com a própria faca para me matar, só que
usei a terceira magia que tinha disponível.
—Globo de luz!
Uma esfera de luz muito forte surgiu na minha mão e a cegou
me dando tempo para fugir para a floresta, ela me seguiu. Fui mata a
dentro e me escondi no meio da vegetação baixa, ela adentrou já
carregando a besta, subi em uma árvore e tentei me aproximar bem
devagar, fazendo o mínimo de barulho possível, estava quase
chegando e ela falou.
—Vamos lá garotinho, pode sair! Só queremos o dinheiro,
prometo que vamos embora depois disso.
—Pelo menos não espuma de raiva quando falar isso piranha!
Ela se virou a atirou em mim direção, a flecha passou por
pouco e quebrou um galho um pouco atrás de mim, deveria ter
ficado quieto. Ela espumou de raiva e começou a carregar a besta
novamente, desci, peguei algumas pedras no chão e fui jogando
enquanto andava pelo mato para confundi-la, acho que deu certo ela
começou a olhar para todos os lados tentando procurar qualquer
indicio meu. Um tempo se passou enquanto fiquei segurando-a na
floresta, andando devagar e furtivo igual ao jeito que o Uller me
ensinou, esperando um momento para arrancar aquela besta dela, até
que um grito veio.
—UUURRRRRHHHHH!
Um rugido de monstro veio da clareira e logo em seguida um
barulho como se uma rocha fosse destroçada, isso pegou ambas
nossas atenções, quando vi que ela estava distraída saltei em direção
a ela. Quando ataquei meu alvo era o braço para ela soltar a besta,
mas em uma reação de último segundo ela levantou e a besta foi
partida ao meio, ela aproveitou a chance e sacou o facão para me
apunhalar, só que consegui desviar, travar o braço dela e com um
golpe com a adaga esquerda dei um gancho e arranquei o olho
direito dela. Sangue jorrou e cobriu meus olhos me fazendo a largar.
ela urrou de ódio e deu um chute na minha cara que me jogou
longe, ela pegou a arma dela do chão e partiu para cima de mim

217
tentando me apunhalar, só tive tempo de bloquear com as
braçadeiras.
Ela começou a tentar me apunhalar, mas de algum jeito eu
consegui me proteger, os golpes batiam no couro e a arma parecia
arremessada para os lados até que ela carregou o golpe para ir direto
na minha cara, nessa hora eu gritei.
—REFORÇO MAXIMO!
Senti meus músculos explodirem em força mais uma vez,
encolhi meus pés e chutei o peito dela que saiu voando e bateu em
uma árvore, ela caiu sentada e estava gorfando sem ar, o sangue do
olho ainda escorria feito um rio, mas eu não parei, ela tentou
levantar uma última vez. me levantei e tirei o escudo da minha bolsa,
corri em ímpeto e dei na cara dela com tudo! Ela desmaiou...
Depois que ela desmaiou me senti muito cansado, o feito das
duas primeiras cargas de reforço estava passando e a fadiga dos
golpes estavam vindo. Quando cheguei na clareira tinha uma cena
assustadora me esperando, tinha um corpo completamente
esmagado junto com restos de uma árvore, tinha um lenço azul em
cima dos restos do cadáver, o elfo negro estava com braços e pernas
quebrados, o seu martelo de pedra completamente destruído e por
último a cabeça, ela estava esmagada com um pé completamente
ensanguentado em cima, era o pé do meu pai.
Meu pai estava esmagando os restos da cabeça do elfo negro,
ele estava intacto, os bandidos não conseguiram se quer arranhar ele
depois de se levantar. Meu pai estava bufando de ódio, sua pele
estava vermelha e ele suava bastante, o grupo do comerciante que eu
só fui lembrar agora da existência estavam calados em um canto
tremendo, mas ainda sim calados. Aproximei do meu pai que parecia
mais um bicho, encostei nele de leve e ele se virou com uma cara que
não era humana, mas não me atacou, ele só colocou os braços ao
meu redor sem encostar, coloquei a mão esquerda no braço dele e
disse.
—Canção de Ninar.

218
A mesma música, as mesmas luzes, tudo aconteceu e meu pai
ficou mais calmo, ele pegou na própria testa e respirou fundo.
—Mar que porra... oque houve... ta... ta tudo bem filho? Por
quanto tempo eu apaguei?
—Você apagou? Pai?
Olhei para ele confuso e ele estranhou, após isso ele começou
a olhar para os lados, quando viu os cadáveres, principalmente o
embaixo dele, ele tomou um susto.
—MEU DEUS! Desculpa filho! Vocês está bem? Eu te
machuquei? Isso são cortes?
—Ah! Isso não foi você, foi a mulher que estava cuidando
desse cara aqui embaixo, eu os solto ali?
Apontei para o comerciante que estava ainda tremendo, meu
pai concordou e me ajudou a solta-los. Eles começaram a nos
agradecer em um misto de gratidão e suplica para mantê-los vivos.
Meu pai pegou uma pá da carroça deles e começou a cavar túmulos
enquanto eu arrumava as coisas com eles, o dono das carroças se
aproximou de mim.
—Você é um mago muito talentoso jovem senhor! Pensou
bem rápido com aquela mulher.
—Não sou mago. Sou um caçador.
—Ah! Perdão pelo meu erro. O que você fez com o seu pai
naquela hora?
—Acalmei ele, pode me dar um pouco de espaço?
Ele se afastou, a escolta estava com medo de chegar perto de
mim e do meu pai.
—Mas como fez ele ficar tão forte ao ponto de quebrar o
martelo daquele elfo negro? Foi alguma magia?
—Ele fez o que?
Olhei para o meu pai enquanto ele empilhava os corpos e
cavava um grande buraco para enterra-los.
219
—Eu não fiz nada... você queria compensar de alguma forma
né? Pega um pouco de carne seca e dá para o meu pai comer, cerveja
também.
—Claro, irei pegar.
Ele partiu para dentro da carroça pegar o que pedi enquanto
eu continuava a arrumar as cordas que prendiam parte da
mercadoria que era carregada, fiquei nisso por um tempo até ouvir
um gemido de dor vindo da floresta. Olhei para o lado e vi uma
mulher com a mão no olho direito, o braço estava com uma grande
queimadura de gelo que devido ao sangue tinha se tornado
vermelho, ela cambaleava e respirava com muita dificuldade, quando
a vi falei.
—COMO VOCÊ TA VIVA?
A escolta veio para ver e quando viram a situação que a
mulher que tinha me perseguido estava eles começaram a me encarar
tremendamente assustados, mas foram vê-la, ela estava à beira da
morte, mas eles disseram que conseguiriam a estabilizar. Meu pai
chegou depois de jogar todos os corpos no buraco e ajudou, ele
ajudou a estancar o sangramento do olho e após colocar o ouvido
nas costas dela ele falou.
—As costelas dela estão destroçadas, é um milagre não ter
sangramento interno. Bom trabalho filho! Tem certeza que o
treinamento que você recebeu era só o básico?
—Tendo em vista o que elas podem fazer, acho que sim.
—Bom ponto.
—Quer um pouco de carne e cerveja?
—Não dispenso.
—O dono da carroça vai dar para gente para compensar por
tudo.
—Ah, que bom! Pelo menos economizaremos na comida
Ele foi até a parte de dentro e voltou comendo uma carninha.
Depois de prendermos a única sobrevivente dos ladrões e
220
enterramos os corpos como meu pai queria, finalmente conseguimos
dormir. Passou algumas horas e já tinha amanhecido, hora de voltar
para a estrada.

221
DEZESSETE
-Os três reis demônio finalmente se mostram-

Depois da tentativa de assalto da noite passada nós seguimos


caminho parando em algumas pequenas vilas no meio do caminho,
acabamos virando um reforço para a escolta do comerciante que
estava nos dando carona, mas não teve nenhum conflito tão grave
quanto aquele, só uma tentativa de assalto que meu pai cuidou
sozinho. Fora isso sempre que parávamos em algum lugar eu e meu
pai inventávamos alguma coisa, pescamos em um lago, meu pai
entrou em um campeonato de luta agarrada e em um campeonato de
bebedeira com outro anão, ele perdeu de novo o de bebida. Vários e
vários dias foram passando e estávamos finalmente próximos de
Nayru, a cidade portuária, meu pai disse que a parte oeste do
continente era separada da região central, por isso pegaríamos um
barco.
Chegamos na cidade e nos despedimos do vendedor, um dos
aventureiros contratados para escolta até tentou pedir para viajar
conosco porque queria que meu pai o treinasse, mas a gente explicou
que ia para uma vila pacifica na região oeste e ele desistiu. Deixamos
eles ficarem com a recompensa que tinha pela ladra que nós
capturamos e fomos procurar um barco que levasse a gente até o
porto do outro lado. Enquanto íamos até o porto resolvi perguntar
sobre a parte da família da minha mãe, não tinha perguntado até
agora.
—Pai?
—Oi filho? Quer algo?
—Queria saber uma coisa. Como são os meus avós?
—Bom, eu cresci sem a sua vó estar presente, seu avô é um
maldito e espero que uma árvore caia em cima dele.
—(...) Que violento, prefiro a Bretta como minha avó...
Ele bagunçou o meu cabelo e deu um leve sorriso.

222
—Ela parece legal, prefira ela mesmo.
—Sim! Mas eu estava falando dos pais da mamãe.
—Ou! É... sobre isso...
Ele se desconcertou inteiro, ficou batendo o punho fechado
contra a mão e ficou gaguejando sem me deixar entender nada, ficou
nisso por uns cinco minutos até ele conseguir falar.
—Então... os seus avós maternos meio que me odeiam
muito... eu e a sua mãe fomos visita-los antes de nos instalarmos na
vila de Magni junto do Ragnar, para ser sincero lá foi a primeira
opção de morada para nós, porém quando fomos lá foi bem
problemático.
—O que aconteceu?
—Bom, eles acreditam fortemente que eu sou a culpa de sua
mãe ter desertado e "fugido" comigo.
—E o porquê eles acham isso?
—Ela é a irmã mais nova então eles e a seu tio tratavam ela
como se fosse um bebê que nunca podia fazer nada sozinha. Por
isso eles acham que eu a conheci, fiz ela se apaixonar por mim e tirei
ela de lá. Quando eu e ela fomos ver eles, me juraram de morte e
tentaram me matar...
—POR QUE A GENTE TA INDO PARA LÁ MESMO?
A IDEIA NÃO É NENHUM DE NÓS DOIS MORRER?
Gritei tão alto que as pessoas ao nosso redor no cais ficaram
nos olhando, tivemos que entrar em uma taverna para dispersar a
atenção. Entramos e pegamos uma mesa, aproveitamos para comer
enquanto a conversa continuava.
—Não precisa gritar filho.
—Você queria que eu fizesse o que depois do que você disse?
—Eu sei o que parece, mas quando formos visita-los eles já
eram velhos, minha esperança é de eles terem se aposentado e seu tio
ter assumido, ela sabe como sua mãe era de verdade e sabe que saiu

223
por decisão própria. Além disso se eu mostrar você, acho que eles
não me empalam...
—Não to confiante desse plano...
—Sinta-se livre para sugerir outro.
—Não tenho nada... qual foi o real motivo? Eu sei que a
mamãe era bem hiperativa e livre, mas ela não fugiu do nada né?
—Bom, do nada não foi, mas em parte foi pela personalidade
dela. Seus avós queriam que ela assumisse o posto de liderança junto
do irmão, só que o cargo de líder de vila não é exatamente algo que
ela quer.
—Pera... a vovó e o vovô são líderes de vila.
—É, eles são...
Minha expressão murchou e comecei a lembrar das
expectativas que os anciões e adultos, meu pai notou na hora.
—Eba... sou neto do chefe... altas expectativas de novo e
possíveis surras aí vou eu...
—Não, não, não, não vou deixar aqueles três fazerem nada
com você, não vou cometer o mesmo erro de te deixar sofrer de
novo.
Ele saiu da cadeira e veio até mim me dando um abraço com
um braço só enquanto dizia isso. Depois nós comemos e fomos para
fora de novo, ele me pegou com um único braço e colocou em cima
dos ombros, igual na vez que eu sonhei.
—Ta melhor filho? Você gostava disso quando era bem
pequeno.
—To bem melhor, obrigado pai.
Dei um belo sorriso e abracei a cabeça do meu pai, depois
disso nós fomos procurar um barco que fosse até o mais próximo
possível da vila "Garra Negra", a vila da família da minha mãe,
tinha um que partia em três dias então iriamos nessa data. Os
próximos dias foram bem pacíficos, o máximo que nós fazíamos era

224
treinar, sempre mantive a rotina de treino que as valquírias me
ensinaram, mas era a primeira vez que meu pai participava me
ajudando.
O treino consistia em uma luta na qual o meu pai ficava
bloqueando cada ataque que eu realizava. No dia anterior a viagem
de barco nós tivemos um último treino, ativei uma magia de reforço
e comecei disparando para cima e deslizei por baixo das pernas dele
e ataquei por trás, mas ele girou e me deu um golpe que me jogou
para o lado, logo que cai no chão me levantei pronto para a segunda
tentativa.
—Você melhorou muito, a Astrid deve ter lhe ensinado
muito bem.
—Ela disse que eu só não me destaco por causa da benção
idiota da vila, como ela surgiu falando nisso e como isso funciona?
Ninguém nunca me disse.
Avancei de novo e saltei tentando dar um chute na lateral do
rosto do meu pai que bloqueou com o braço, aproveite e conectei
outro chute no outro lado do rosto, que também não deu certo, por
fim tentei socar a cara dele, ele nem se mexeu, só me jogou para
longe novamente.
—Sério? Nem para falarem isso para você... ela surgiu depois
de um tempo que “fundei” a vila, eu e umas pessoas andarilhas e
sem lar também, todo mundo veio chegando e se encaixando onde
dava, inclusive seu tio chegou uns três anos depois do início dela.
—Você fundou com a mamãe?
—Sim. Se eu soubesse o que ele iria fazer eu teria o chutado,
bem que sua mãe disse que tinha algo estranho com ele.... Voltando
ao assunto, pouco tempo depois a benção surgiu para todo mundo,
antes que pudesse ver todos cultuavam o Deus da força Magni e a
mesma cultura de força absoluta se estabeleceu... deveria ter tido
mais pulso firme.
Voltei a atacar uma terceira vez e fiz uma finta, tentei chutar
o joelho dele para desequilibrar e deu certo! ele tombou e caiu de

225
joelhos, meu pai se surpreendeu e eu aproveitei para acertar os olhos
dele, mas ele colocou a mão no meio só que eu não ia desistir. Me
joguei para trás, peguei distancia, tirei o escudo da bolsa e tentei
bater com tudo no saco do meu pai, só que de ultimo segundo ele
socou o chão bem na frente do alvo que eu iria atingir e gritou.
—EPA! AI NÂO! NEM UM DRAGÃO AGUENTARIA
AI!
—Desculpa, desculpa! Exagerei!
Ambos caímos para trás, eu exausto e meu pai aliviado que
defendeu a tempo. Depois de recuperar um pouco o ar eu falei.
—E a benção? Funciona como?
—Verdade! Esqueci de dizer, ela aumenta temporariamente a
força da pessoa por um tempo, além de aumentar a resistência e
“não deixar ficar cansado durante o uso dela”, na realidade vem
tudo de uma vez depois que o efeito passa, então não é tão bom.
—É bem útil, como quem não era da vila conseguiu?
—Acho que precisava cultuar e rezar constantemente o deus
Magni, além de morar na vila, não sei se é só isso, eu não tenho, não
posso dizer se funciona assim.
Nessa hora achei que tivesse ouvido errado, olhei para o meu
pai embasbacado e ele só deu um sorriso irônico enquanto olhava
para cima.
—Surpreso né? Nunca fui de rezar muito, até tentei, mas não
deu certo...
—E aquilo que aconteceu na floresta? Você perdeu o
controle e amassou a cara de todo mundo.
—Ah. sobre isso... aquilo eu não sei explicar... nunca lembro
do que acontece depois que eu volto.
—Me ensina a fazer isso? Pode ser útil.
—(...)Depois... pronto para mais treino?

226
Nos levantamos e o treino seguiu por mais algumas horas até
que enfim escureceu e decidimos voltar da pequena clareira da
floresta onde estávamos para a taverna onde a gente se hospedou.
Fomos até nossos quartos e dormimos preparados para o dia
seguinte, mas no meio da noite um barulho fez nós dois pularmos
da cama.
—BOOOOOOOOMMMMM!
Meu pai e eu saltamos das camas, ele pegou seu machado e eu
minhas adagas, joguei o escudo para ele que vestiu se preparando
para o futuro combate. Abrimos a porta do nosso quarto e vimos o
estreito corredor vazio e escuro, ele foi na frente enquanto eu cobria
as costas, fomos até a escada também vazia, descemos e antes de
entrarmos no salão conseguíamos ouvir vozes e barulhos.
—SAI DA FRENTE PORRA! TA QUERENDO
MATAR A GENTE?
—QUAL A PORRA DO TEU PROBLEMA? PARA DE
EMPURRAR!
Quando chegamos embaixo já tinha uma barricada na porta e
várias pessoas tentando entrar na cozinha da taverna, as mesas
estavam sendo arremessadas para o lado e vários gritos e barulhos de
metais se batendo estavam vindo de fora, vimos o taverneiro
tentando organizar a multidão e fomos até ele.
—Senhor? O que está acontecendo?
—Um ataque, vários soldados chegaram na cidade.
—Soldados? Quantos?
—Uns vinte, talvez trinta, eles usam capacetes com chifres e
capas brancas. A brigada da cidade está os enfrentando, enquanto
isso estamos evacuando as pessoas para a floresta atrás da taverna.
Quando a descrição dos invasores foi dita vi meu pai ficando
pálido, ele quase perdeu o ar e ficou visivelmente nervoso. Ele me
pegou e começou a empurrar as pessoas abrindo caminho para a
saída de trás da taverna na força bruta, algumas pessoas até tentaram

227
lutar contra, mas não eram mais que moscas para o meu pai.
Quando saímos estávamos no meio da floresta escura, meu pai nem
me deixou descer e engatou em ímpeto floresta a dentro. Um tempo
se passou até meu pai parar, ele me desceu e se ajoelhou, sua
expressão era tensa, ele suava mesmo com o clima frio e respirava de
maneira pesada, ele segurou meus ombros e me disse.
—Filho, o que eu vou te falar agora, você não pode entrar em
pânico certo?
Essas palavras não ajudaram nem um pouco a me manter
calma, fiquei tenso de imediato e já pensei em sacar as minhas
adagas e ativar a magia de reforço, parecia que algo terrível ia
acontecer, só que eu não podia imaginar o quanto.
—Seu tio Ragnar está aqui. Achei que ele ia me deixar de
lado depois que eu fugisse, mas parece que ele realmente quer a
minha cabeça.
"Ragnar está aqui" Essas palavras ressoaram em mim fazendo
meu corpo tremer, o sentimento de medo e pânico que sentia nos
pesadelos voltou com o dobro da força. Senti o ar ser expulso do
meu corpo e minha visão tremendo, só consegui agarrar o meu peito
antes de cair de joelhos, felizmente meu pai me segurou.
—Merda... Rolf, eu sei que parece assustador, mas você não
pode deixar o medo te dominar agora, você precisa ter coragem, ele
é só um homem e você está mais forte, forte para não deixar o que
aconteceu da última vez se repetir. Por favor, eu preciso de você
bem só dessa vez, sei que estou pedindo demais, mas por favor.
É isso... eu tenho que me acalmar, as coisas mudaram, eu
tenho armas para me defender, eu não to sozinho, preciso ajudar o
meu pai. Engoli a seco e tentei recuperar as forças nas pernas,
esfreguei meus olhos com força afim de ajeitar minha visão e olhei
para o meu pai falando.
—Eu... eu vou ficar bem... não é só ele né? Desculpa por ficar
com medo.

228
—Medo é algo normal filho. E não, não é o único, eu tenho
um passado, um passado que eu não te contei porque esperava não
contar... só saiba que os homens de manto branco e capacete com
chifres são inimigos, eles não se seguram e não diferenciam crianças
de bandidos, tudo para eles deve ser morto. Evite eles a qualquer
custo.
—(...) Certo, vamos!
Fomos caminhando pela floresta, meu pai a pé e eu com o
reforço indo pelas árvores afim de diminuir o máximo possível de
rastro. Seguimos mais um pouco, porém durante a corrida senti algo
na minha visão periférica e reagi evitando uma por pouco uma
flechada que iria explodir minha cabeça, acabei caindo da árvore,
mas meu pai me pegou no ar e com o escudo que eu tinha dado ele
bloqueou a flecha que vinha na direção dele.
—Merda! Eles nos acharam já?
Meu pai apertou o passo novamente e com toda a força ele
seguiu floresta a dentro e usando tudo que tinha ele estourava as
árvores que bloqueavam o caminho, parece que não adiantava mais
tentar passar despercebido. As flechas continuaram vindo, muitas
erraram, mas as que realmente representavam perigo meu pai
bloqueava de uma maneira quase mágica com o escudo, quase como
se ele soubesse de onde todas viessem, eu estava pendurado nas
costas dele e ajudava tentando ver se alguém se aproximava de nós.
Enquanto tentávamos fugir dos atiradores avistei ao longe
uma coisa no escuro da floresta, a luz da lua passava pelas folhas me
permitindo enxergar algo curvado, parecia um urso que corria em
duas patas, tinha pele exposta avermelhada e eu podia ouvir um
grunhido bestial vindo dele.
—PAI! A DIREITA!
—O QUE? PELOS DEUSES! SEGURA FILHO!
O monstro veio e quando vi mais de perto era um homem
enorme, todo musculoso e deformado com as veias saltando por
todo corpo, além disso ele estava usando uma pele de urso no corpo

229
quase como um disfarce. Ele começou a vir rapidamente na nossa
direção e saltou tentando agarrar meu pai, como resposta meu pai
parou, enterrou o pé no chão, fechou o punho esquerdo e com um
rugido ele lançou um golpe. O punho do grande ogro afundou na
cara do monstro deformado com tamanha força que ouvi mesmo
com o grito os ossos sendo destruídos, seu corpo voou para longe
destruindo oito árvores no caminho, após isso voltamos a correr.
Ainda estávamos fugindo, mas acabamos sofrendo ainda mais
ataques durante o percurso que nos fizeram mudar de direção,
tivemos que desviar até uma clareira. Quando cruzamos para ela
meu pai se jogou dentro de uma caverna afim de tentar despistar
eles, assim que entramos ele começou a pegar ar novamente
enquanto íamos para o fundo da caverna que era bem profunda, ele
me deixou lá e foi de volta a entrada retornando após um tempo, ele
falou baixo comigo.
—Espalhei pegadas para parecer que fomos floresta a dentro.
Vamos ficar até o amanhecer e depois vamos embora, eles já devem
ter nos perdidos até lá.
—Ok.
Nos sentamos e começamos a esperar, de minutos a horas um
bom tempo se passou conosco esperando na escuridão da caverna
até que uma luz roxa vindo de mais fundo chamou nossa atenção.
Quando viramos um olho amarelado de réptil que era envolvido em
chamas roxas estava nos encarando, meu pai olhou espantado e
tentou corta-lo com seu machado o mais rápido possível, mas era
inútil, a lâmina atravessava como se fosse feito de névoa. Após o
ataque ele seguiu para a saída da caverna e pouco tempo depois a
pior voz possível saiu de lá.
—Saia daí Thorfinn, eu sei que você está aí.
Meu pai se levantou e seguiu relutante até a entrada, me
manteve atrás dele, como um escudo humano enquanto seguíamos.
Após voltamos para a clareira dezenas de soldados nos cercavam,
todos usando mantos brancos e capacetes, desde arqueiros a
guerreiros, mas três figuras se destacavam. Um homem de cabelos

230
compridos castanho escuro, esguio, de olhos verdes, e com um rosto
frio e inexpressivo, ao seu lado um elfo negro, pele acinzentada,
barba grisalha longa e desarrumada e cicatrizes na cabeça que faziam
falhas no cabelo também grisalhos, tinha um olho completamente
escuro e outro dourado, era bem acabado com rugas pelo corpo e
usava um manto negro com um cajado de ferro com um cristal roxo
tão escuro que quase poderia ser confundido com um carvão na
ponta, era um mago, e parecia ser bem experiente. Por último uma
figura odiosa, um humano alto, branco com cabelo castanho escuro
raspado nas laterais, um rabo de cavalo e uma barba bem cheia, ele
tinha um manto vinho, mas usava roupas de pele de animal por
baixo do mesmo, também tinha uma espada longa no cinto, era o
Ragnar. Ele encarou o meu pai com um sorriso de deboche
enquanto aquele olho flamejante se desfazia na mão do mago, ele
chegou mais perto e começou a falar.
—Bom te ver irmão, devo te dar um crédito por conseguir ir
tão longe, me fez ter que apelar para o ancião louco.
O velho começou a dar uma risada fina e falou.
—Você se gabou tanto de suas habilidades, mas não
consegue achar um brutamonte e uma criança, parece que o louco
que se acha útil é você.
—Calado escória élfica, quer que eu quebre seus braços? E
Como assim criança?
O velho começou a gritar e resmungar em uma língua
estranha, já Ragnar moveu sua cabeça para o lado e acabou me
vendo, encarei ele com ódio, mas o nervosismo de antes tinha
voltado, por mais que eu odeie admitir eu estava com medo.
Quando nossos olhos se encontraram ele deu um passo para trás e vi
ele suando frio, de repente ele gritou.
—QUE PORRA! EU TE MATEI! COMO VOCÊ ESTÁ
VIVO?
Senti a aura do meu pai saltando para fora do corpo, ele
estava furioso

231
—Então admite mesmo que você matou meu filho seu
bastardo ingrato... eu deveria ter te matado antes de sair de lá.
—Me chamou de que Thorfinn? Seu saco de músculos inútil,
acha tanto que por ser forte pode fazer tudo... e agora "irmão"?
—Acha que realmente pode me matar? Nem se eu tivesse
desnutrido você teria chance!
Ragnar fingiu conter uma risada de deboche, como se tentasse
provocar uma briga.
—Realmente não posso te matar, mas posso matar o seu
filho, você não consegue salvar ele nessa situação.
—Filho de uma puta... não é à toa que teu pai te jogou fora...
O sorriso sumiu e no lugar uma cara de desprezo e nojo
tomou conta de sua face, ele olhou sério para o meu pai e falou.
—Derruba ele mago idiota.
Vi o ancião levantando o cajado, mas na mesma hora o meu
pai sacou o machado e tentou cortar o pescoço do Ragnar, porém
os arqueiros começaram a mirar em mim e atiraram. As flechas
rasgaram o ar e viam em minha direção, gastei a última carga de
reforço que tinha e joguei minhas magias para me defender, eram
cinco flechas, para as da direita eu joguei uma bola de fogo, para as
da esquerda eu joguei cristais de gelo enormes que atingiram os
arqueiros desavisados, por último uma vinha por cima do monte e
outra das árvores, a da árvore eu consegui defender sacando minhas
adagas e usando de escudo, mas a de cima não daria tempo, ela ia
me atingir na cabeça, quando eu estava tentando virar para ela vi um
braço do meu pai chegando e quebrando a flecha no meio. Ele me
cobriu como se fosse uma fortaleza. Quando me dei conta a cara de
espanto de Ragnar impagável.
—O moleque é um mago... e essas armas... foi aquela velha
não foi seu verme! Ela te salvou naquele dia, aquela monstruosidade!

232
Não respondi, estava nervoso demais para se quer pensar em
algo além de me defender e buscar uma saída. O mago negro que ia
lançar uma magia parou e começou a coçar sua barba.
—Fufufu, um pequeno mago... interessante, mas na realidade
é o equipamento dele que emite essa energia, gostaria de ver mais ele
em ação, mas a situação não permite.
Ele entoou diversas magias na mesma língua de antes, de seu
cajado saiu três, um raio negro que atingiu o corpo do meu pai que
se contorceu de dor agonizando, logo após correntes de energia
vermelhas brotaram do chão e prenderam ele por completo
enquanto ele estava desacordado e por último quase como se eu
fosse puxado por uma mão invisível eu fui arremessado em direção
aquele cadáver ambulante que se chamava de mago.
—Hummmm, você é um garoto interessante... sinto inúmeros
cheiros e energias vindo de você.
Ele pegou meu braço e viu os cristais onde a magia ficava
armazenada, viu que tinha três cristais brancos e dois negros, ele
pegou meu outro braço e viu todos os cristais escuros, por fim ele as
arrancou de mim e me jogou na direção do meu pai, olhei para ele e
gritei.
—VELHO DE MERDA!
—Que língua afiada seu primata, você tem um belo
equipamento, isso é de qualidade anã... como você conseguiu isso?
—Vai logo pro caixão Drauger de bosta!
Draugers são mortos vivos, corpos de pessoas que após anos e
anos apodrecendo e absorvendo mana, voltam a "vida" e podem
atacar pessoas desavisadas. Apesar do xingamento ele só me ignorou
e voltou a estudar as braçadeiras, Ragnar vinha na minha direção
desembainhando a espada, tentei pegar as minhas adagas e notei que
elas tinham caído no puxam, enquanto ele chegava mais perto eu
tentei procurar elas na neve, quando ele levantou a espada para me
matar eu achei.

233
Ele atacou, na mesma hora eu peguei a adaga e fiz um corte
na horizontal, de repente a maior parte da lâmina do Ragnar voou e
caiu longe de nós, o que sobrou em sua mão começou a congelar o
fazendo largar a lâmina. Ele se assustou o que me deu tempo para
pegar a outra adaga que estava um pouco mais distante, empunhei as
duas e saltei gritando.
—TRAIDOR DE MERDA!
Tentei cravar as duas nos peitos dele, mas ele era muito mais
rápido que eu e deu um soco na minha barriga, me agarrou antes de
voar e quebrou o meu pulso direito e me jogou de cara no chão. A
dor da minha mão era agonizante, apesar disso ainda conseguia
levantar, mas o Ragnar botou o pé no meu pescoço me deixando
sem ar.
—Você é uma barata mesmo, não importa quanto o mundo
tente te matar, você continua enchendo o saco... faça um favor a nós
dois é só morra ok?
—Vai... pro inferno... verme...
Quando via a morte vindo me buscar novamente alguém tirou
o de cima de mim, quando vi três soldados o tiraram de perto de
mim e o homem de cabelos longos que ainda não tinha falado nada
se aproximou, abaixou-se apoiado no joelho e começou a me
observar.
—Interessante...
—O QUE ESTÁ FAZENDO NERO! MANDE ELES
ME SOLTAREM!
—Calado Ragnar. Você me arrastou até esse fim de mundo,
atrás de um homem e de uma criança que estavam fugindo de mim
dizendo que eles seriam ameaças. Pensei que tivesse feito eu perder
tempo, mas tem algo realmente interessante aqui.
Ele tinha uma voz baixa, mas imponente, em nenhum
momento a voz dele se elevou, me olhava com um ar de
superioridade, mas percebi que estava pensando em algo
profundamente, de repente uma imagem se formou, sua aura era

234
negra e confusa, difícil de decifrar, pude ver um corvo sendo
projetado dele na minha frente. Ele se virou para o mago que
finalmente parou de olhar minhas coisas e devolveu o olhar para o
homem.
—Levem os dois vivos daqui. Slyterin, garanta que o
selvagem não fuja de nenhuma forma e estabilize a criança.
—Como desejar majestade.
Ele se afastou e dando um último aviso.
—Se o matar, farei questão de minha espada ser banhada com
teu sangue Ragnar, então não me desobedeça.
—Sim... meu rei...
Ele falou resmungando e foi solto logo em seguida, ele veio
até mim enquanto eu já estava tentando ficar em pé e me deu um
chute na cara que me mandou voando para longe, a última coisa que
vi foi o corpo do meu pai começar a flutuar e os soldados de manto
branco vindo me buscar, depois disso eu apaguei.

235
DEZOITO
-Sonhos confusos que não me deixam relaxar-

[Pov: Astrid]
Depois de me despedir de Rolf e Thorfinn segui para casa,
era um pouco longe de ir a pé, mas me deu a oportunidade de
aproveitar melhor a cidade. Fui andando até a Bifrost e peguei a fila
para passar pela alfandega, demorou pouco mais de trinta minutos,
por sorte estava sozinha, isso fez ser mais rápido. Quando entrei na
Bifrost uma presença se chocou e me fez suar frio, era a visão de
Heindall sobre mim, parece que só eu sentia isso, então ele estava
realmente focando em mim, porém não deixei de andar e voltei para
minha casa.
Passei pelo portal e vi ele vazio, ninguém estava vigiando,
normalmente uma das meninas estariam aqui, onde eles se meteram?
Voei para a vila Noviça, queria ver como estava o trio de lá, após
um tempo voando cheguei na frente da casa da Bretta, ela estava
toda apagada, olhei pela janela e não vi ninguém, ela provavelmente
deve estar com o Eldrick, o Rolf me disse que ele estava apaixonado
por ela, deve estar a confortando. Fui até a fazenda também estava
vazia, fui andando pela vila e vi uma taverna aberta, resolvi entrar vai
que sabiam de algo né.
Quando passei pela porta a visão que eu tive foi
surpreendente, um salão grande, com várias mesas e todas as minhas
irmãs, minha chefe e o Uller, enchendo a cara e virando os barris de
bebida do taverneiro.
—O que ta acontecendo aqui?
—ASTRID VOLTOU! ELA VOL- BLLLÉÉÉ!
—Bom te ver Hilda... estão bebendo desde quando?
Assim que notaram minha presença algumas das minhas irmãs
e a Hel se viraram para mim e cumprimentaram, a Hilda até demais.
Fui até minha irmã vomitada e fiz um carinho na cabeça dela para

236
confortar, as outras vieram aos poucos perguntar como eu estava e
se tinha dado tudo certo, apesar de que elas não tinham consciência
restante para ouvir como foi meu dia. Depois de falar com a maioria
fui para o Uller e para a Hel que estavam sentados no balcão.
—Por que vocês estão aqui mesmo? Vir em pequenos bares
não é geralmente uma rotina que todo mundo aqui faça.
—Pois é passarinha, como eu te conto isso.... todo mundo
meio que ficou deprimido pelo Rolf ter ido, aí a gente resolveu
beber um pouco para comemorar o fim do treino dele e tal... só que
acabou todo o álcool do castelo...
—É, isso aconteceu Astrid.... inclusive acabou o da taverna de
novo, sua vez de buscar Uller.
—Ta bom, ta bom, já to indo!
O Uller se levantou e seguiu para fora da taverna,
cambaleando de leve, parece que não estava ainda totalmente
afetado, mas estava chegando lá, já a rainha estava perfeitamente
bem.
—Saudações, minha rainha.
—Oi Astrid, como foi lá?
—Ocorreu tudo bem, entreguei ele para o pai dele, eles
tiveram um momento de reencontro que me fez chorar um
pouquinho, aí a gente passou o dia aproveitando o festival. Deixei-
os na hospedaria e vim para cara depois de tudo.
Ela deu um sorriso meio murcho enquanto encarava a caneca
vazia.
—Que bom! Fico feliz que deu certo.
—(...) Não tem problema sentir falta dele, também vou sentir
falta dele.
—Obrigado por aquela noite, precisava daquilo.
—Sempre que quiser, minha rainha. Posso perguntar algo?
—Claro, o que você quiser.
237
—Você pagou por tudo né?
Me virei e vi outra de minhas irmãs vomitando e outra
quebrando uma cadeira quando tentou sentar. Os funcionários da
taverna que eram um draconio que aparentava estar bem nervoso
enquanto limpava as canecas sujas, um anão que carregava os barris
de cerveja vazios para os fundos e uma elfa negra que aparentemente
ficaria com a limpeza porque a face de desespero que ela tinha
enquanto olhava para o salão imundo entregava seus sentimentos.
Voltei meus olhos para a rainha que também passou a olhar o
estrago que todos tinham feito e olhou para mim.
—Eu vou pagar o dobro.... talvez triplo.
—Ótimo. Onde está a Bretta, Monna e Eldrick?
—O Eldrick não bebeu, faz pouco tempo que ele foi deixar
as duas em casa, a Bretta estava inconsolável.
—Igual a você?
—Pareço inconsolável para você?
—Não, sua rocha de gelo ambulante, se você fosse mais
sincera você estaria igual a uma cachoeira de lágrimas.
—(...) De onde você arrumou essa coragem para falar comigo
assim?
—Desde que você passou a dar as aulas para o Rolf você
ficou mais gentil e, me perdoe por isso, menos assustadora, apesar
de que eu admito que sou a primeira a ter coragem de fazer isso.
Ela deu uma risada leve de canto de boca e me deu um olhar
afiado, como se dissesse para não abusar, depois disso ficamos
conversando por um tempo, o Uller até voltou com um último
barril de cerveja de sei lá onde para nós duas. Bebemos e
conversamos por mais umas horas e contei o que aconteceu durante
o dia. Quando bateu umas dez horas da noite, a própria rainha
estava começando a ficar afetada pela bebida, por isso sugeri que
fossemos logo para casa antes que ela também vomitasse no piso. A
Gwydion me ajudou a levar todas, levei ela para longe da vila e ela

238
voltou a forma original dela de dragão gigante azul e eu fui
empilhando a minha família nas costas dela, quase deu errado
porque é obvio que elas embebedaram ela, mas chegamos em casa de
algum jeito.
Enquanto eu ia garantindo que ninguém iria cair do lagarto
gigante voador a Hel carregava o Uller enquanto voava. As meninas
pousaram no pátio enquanto os outros dois foram pela porta da
frente. Assim que chegamos já comecei a levar elas de pouco a
pouco para os quartos, por sorte os empregados do castelo estavam
esperando nossa volta mesmo nesse horário e me deram auxilio.
Depois de deixá-las em seus quartos Darius veio até meu encontro.
—Saudações capitã da guarda real, como foi a viagem do
jovem Rolf?
—Muito tranquila, ele e o pai estão ótimos, eles vão ficar
bem.
—Me alegra ouvir isso. Obrigado por se dispor a trazer todos
de volta para o castelo, nos poupou muito tempo.
Ele se curvou levemente após o agradecer e seguiu para os
seus afazeres. Enquanto ele ia ó segui para o castelo e vi os
empregados saindo e entrando da cozinha, aparentemente estavam
limpando o que quer que esses doidos tivessem feito enquanto eu
estivesse fora, já eu segui para ver se a rainha e o caçador estavam
bem. Subi para os andares superiores e vi a porta de um dos quartos
de hospedes aberto, quando olhei estava o Uller destroçado na
cama, com a cabeça fora da mesma quase caindo e para piorar estava
babando, melhor deixar ele quieto. Fui para o quarto da rainha e a
porta estava encostada, quando entrei ela estava na varanda de seu
quarto e parecia preparada para dormir, me aproximei para
conversar mais um pouco.
—Sem sono, minha rainha?
Ela se virou e levantou a mão levemente me cumprimentando
e voltou a olhar para o horizonte, aproximei e olhei junto dela em
silêncio, até que a rainha resolveu falar.

239
—Um pouco, ainda estou preocupada com ele.
—Ele vai ficar bem, ele é um monstrinho e ta andando com
outro que faria os de Nilfheim correrem.
—Que os céus te ouçam... ah, Astrid, eu...
—Aconteceu alguma coisa?
—Eu agradeço por vocês virem morar aqui... eu sei que no
começo fui extremamente relutante contra vocês morarem, mas
agora eu fico feliz que todas vocês vieram morar no meu reino,
apesar de que vocês provavelmente não gostarem.
—Nós gostamos.
—Por quê? Aqui é frio, monótono e eu não sou exatamente
um exemplo de simpatia.
—Nunca faz calor, é meio tedioso, mas a gente se diverte e
não é um ringue de luta como Asgard e a gente sabe que você é
gentil da sua forma. E a melhor vantagem de todas, não preciso ver a
minha mãe nunca.
—Você sabe que ela tem os motivos dela para agir daquele
jeito, deixei vocês morarem aqui exatamente para ajudar ela com
esses motivos.
—Ela pode ter um milhão de motivos que não muda o fato
dela ter evitado ver todas as filhas, nos empurrado para o papai e.....
não ter ido no funeral da Noelle foi a gota d’água.
—É... essa última é difícil de defender ela.
—Pior é ela agir como se não tivesse tudo isso entre a gente,
ela ainda tem sorte de só eu ser “revoltada” assim.
—Nisso você tem um ponto. Obrigado por tudo de novo, no
futuro vou tentar ser menos isolada.
—Obrigado por tudo que tem feito por mim e minhas irmãs.
Depois disso ela pegou no meu ombro, acho que era para ser
um abraço? Já é um avanço dado a como ela age normalmente. Ela
foi para o seu quarto, já eu fiz um último comentário.
240
—Por que você só abraça e é carinhosa com o Rolf?
—Boa noite Astrid.
Ela se jogou e se enfiou embaixo do grande lençol de sua
igualmente grande cama que ela estava deitada. Já que ela iria dormir
era a hora deu fazer o mesmo, segui para o meu quarto, tirei a
armadura pesada, coloquei um pijama e despenquei na cama, já que
foi um dia muito longo. A noite foi estranha, o meu sonho
principalmente, me vi em Asgard, mais especificadamente no castelo
do lorde Odin, tinha voltado a ser uma criança, pequena e sem asas,
caminhei para dentro do salão e vi diversas figuras de luz nas mais
diversas cores elas corriam pelos corredores a dentro como
estivessem sendo convocadas para o que parecia ser o salão do
trono. Andei em direção a ele tentando não esbarrar em ninguém,
porém quando cheguei no grande salão circular a multidão de luzes
começou a fazer uma roda ao redor de algo, algo que estava os
deixando bem animados, ouvia o som de magia e metal batendo
com muita força, talvez um duelo?
Enquanto tentava com o meu pequeno tamanho passar para
ver o que acontecia acabei por ser pega por uma das entidades, uma
azulada, ela me pegou nos braços e me levou até outra, uma um
pouco maior de cor dourada e que parecia não ter o braço direito, a
que estava me segurando me colocou nos ombros da dourada para
que eu ficasse ainda mais alta, assim finalmente pude ver o que
acontecia. Tinha uma armadura gigantesca em um tom bronze
levemente mais claro do que o normal, era robusta e bem reforçada,
o capacete tinha um par de chifres, a pessoa dentro da armadura ria
e se divertia, todos estavam o atacando e ele continuava a pedir para
continuarem, não era nem uma provocação, era um pedido sincero.
As pessoas continuaram a atacar, mas nada afetava, nem se quer
arranhava a armadura, em resposta ele começou a rir e acabei por
perceber que a voz era bem familiar.
Após olhar por um tempo notei que tinha um buraco na
armadura, entre o peito e o abdômen, um pequeno buraquinho do
tamanho de uma pequena pedra. Quando notei isso ouvi uma
comoção começando, as pessoas começaram a abrir espaço e outra

241
luz acompanhada de uma coisa diferente, uma cobra verde
esmeralda, a luz chegou para jogar algo nele.
Quando ele iria jogar o chão se abriu e eu despenquei em um
mar de branco, tudo havia sumido e eu despenquei em uma
imensidão desesperadora, não sabia quando a queda ia acabar e a
ideia de que ela poderia acabar a qualquer momento estava me
deixando desesperado, até que senti uma coceira nas minhas costas e
minhas asas começaram a brotar, elas saltaram para fora das minhas
costas e as usando pude frear a queda aos poucos. Depois de alguns
segundos pude distinguir um chão, finalmente pousei e percebi que
o cenário tinha mudado novamente. O chão era repleto de água, o
céu era azul e limpo sem nenhuma nuvem no céu, a não ser ao longe
onde tinha uma massa de nuvens negras de tempestade que
descarregava toneladas de raios por toda parte que parecia vir na
minha direção bem devagar. Enquanto olhava para a tempestade ao
longe vi um pequeno animal não muito distante
Era um filhote de lobo negro, ele estava coberto de sangue,
mas não parecia machucado, ele estava chorando de cabeça baixa.
Me aproximei e acabei chamando a atenção dele, ele virou a cabeça
para mim e tentou muito fraco se aproximar de mim. Quando
finalmente nos encontramos ele esfregou a cabeça ensanguentada na
minha perna, como resposta me sentei na água e ele colocou a
cabeça no meu colo, tentei afagar a cabeça dele e uma voz saiu
daquele filhote.
—Me ajuda Astrid, por favor...
—Que?
A fala dele me assustou, de repente de onde ele veio apareceu
um urso monstruoso estava parado, todo cortado e destruído, com
um grande corte no pescoço e um buraco no peito por onde um rio
de sangue escorria. O mundo mudou mais uma vez depois disso, a
água começou a ficar vermelha e diversos corpos de outros bichos
começaram a aparecer ao nosso redor, todos mutilados, destroçados,
esmagados... todos mortos.
—Astrid... Astrid...

242
Peguei o filhote nos braços e sai correndo, a tempestade veio
atrás de nós.
–Astrid!
Corri o mais rápido que pude na minha vida, à medida que
corremos a tempestade de raios parecia nos seguir violentamente, ela
estava quase chegando, ela vai nos pegar, se eu pudesse correr só
mais um pouco.
—ASTRID! ACORDA PORRA!
Eu acordei do sonho, Bellatrix estava em cima de mim
faltando me espancar, na porta do meu quarto estava a Freda com
um olhar preocupado.
—Exagerou para variar Trix...
—Ela parecia em coma, é raro ela se atrasar.
Me exausta e sentei na cama com uma dor de cabeça absurda.
—O que aconteceu? Para que tudo isso?
—Bom, são quase dez da manhã! Você nunca se atrasa,
achávamos que tinha algo de errado, fiz até teste toxicológico.
Bellatrix olhou para o lado me fazendo acompanhar e dando
de cara com um kit químico portátil dela.
—São dez horas? Pelos deuses o que aconteceu? Ta tudo
bem?
Nessa hora a Freda se intrometeu e meio que mandou a Trix
para passear e começou a falar.
—Está todo mundo bem, não aconteceu nada de ruim, você
dormiu demais, a rainha também não acordou ainda.... e tem a
árvore!
—Árvore? Freda você não fala que tem uma árvore do nada
sem falar o contexto! O último problema que eu tive com árvores
foi o Rolf com a Yggdrasil!

243
——É justo... bom, uma árvore surgiu no pátio de treino, ela
é branca com folhas verdes, é bem estranha e diferente. A Seraphina
ta estudando-a junto da Odara, mas aparentemente é uma árvore
“normal”.
—Beleza.... e a Hel?
—Ela não saiu da cama ainda. Acho que ela só virou a noite
de novo.
—É... Desculpa por não acordar, vou fazer os meus afazeres
agora.
—Não, não, não! Fica! Você cuidou da gente ontem, é o
mínimo que a gente pode fazer, só coma alguma coisa e descanse
pelo resto do dia, você claramente não estava bem.
—Como eu estava?
—Seus olhos estavam tremendo e você suava frio, acho
melhor tirar o dia de folga.
—Vocês têm certeza?
—O Darius já permitiu no lugar da rainha, vai ver o papai
ou.... na verdade, você pode ir deixar o pagamento naquela taverna
que a gente foi ontem? Também pode ver se a Bretta e a Monna
estão bem? Elas beberam bastante.
—Ah é né... esqueci disso totalmente, eu vou agora.
Me levantei da cama ainda lenta, nem parece que dormi,
coloquei uma roupa mais leve ao invés da armadura e antes de ir a
Freda fez uma última checagem padrão dela. Fui até o pátio e vi a
nova árvore, ela ficava quase encostada no muro, tinha um tronco
branco estranhamente familiar e folhas esverdeadas levemente
incomum para o padrão do reino de gelo, embaixo da árvore estava
a Odara, a druida do grupo, pele escura, cabelo loiro, poderia ser
confundida com uma humana se não fosse pelas plantas e vinhas
espalhadas pela armadura e flores no cabelo bufante. Estava tão
concentrada que resolvi só deixar ela e fui para dentro, todos
estavam trabalhando normalmente, uma empregada veio e me

244
entregou um saco com um bom punhado de moedas de ouro,
quanto caos elas fizeram?
Peguei o dinheiro e fui direto para a vila Noviça, mais
especificadamente a casa da Bretta, já cheguei batendo na porta, mas
ninguém respondeu, bati mais uma vez e nada, e quando iria bater
uma terceira vez notei que a porta estava destrancada. Entrei na casa
e fui de cômodo em cômodo sem encontrar ninguém, nem mesmo a
Goruberta estava em casa. Resolvi sair para a vila novamente e fui
no próximo ponto, a forja da Monna. Quando cheguei lá ela não
parecia aberta, mas resolvi bater do mesmo jeito, por sorte a Monna
abriu.
—Hoje é meu dia de folga. Não perturbem. Não façam baru-
ah! Passarinha, bom ver você.
A Monna atendeu a porta bem mal-humorada, ela estava toda
acabada, a ressaca parecia não ter passado ainda, ela andou bem
lentamente até sentar em uma cadeira, aproveitei para sentar também
e conversar um pouco, falei bem baixo.
—Então Monna, voc-
—Ssshhhhhhh... fala baixo sua grosseira.
Quase deixei escapar uma risada depois dessa, fui até a
cozinha dela enquanto ela esfregava as mãos na cabeça com
enxaqueca. Preparei uma “vitamina” que meu pai bebe para curar a
ressaca dele, era basicamente quatro ovos crus, suco de laranja ou
limão e gordura de porco... é tão ruim que qualquer outra coisa
parece piada. Levei para a Monna e ela falou.
—O que é isso?
—Elixir cura ressaca valquíriano, formula do meu pai
Ela deu de ombros e entornou tudo de uma vez, ela fechou a
cara, provavelmente efeito do limão, mas contra tudo que eu
esperava ela falou.
—Isso é muito bom, faz mais!
—(...) QUÊ?

245
Ela se levantou já melhor e foi para a cozinha dela enquanto
perguntava os ingredientes, aproveitei para perguntar.
—Então, vocês estão bem? Quando eu cheguei na taverna da
vila vocês já tinham ido.
—Estamos bem, a gente só saiu quando estávamos perto de
desmaiar.
—É, mas a Bretta não estava na casa dela.
A ferreira começou a preparar mais uma garrafa do “““elixir
magico””” enquanto continuava a conversa.
—Não estava? Acho que ela deve estar na fazenda com o
Eldrick.
—Na fazenda? Entendi...
—Ele não contou que gosta dela. Passa a pimenta ali
—Droga! Pera como você sabe disso?
Ela me olhou como se perguntasse se eu estava falando sério,
como se fosse algo tão estupidamente obvio.
—Ele não é bom em mentir ou esconder as coisas, e você?
—O Rolf contou.
—Pestinha.... você vai lá?
Ela finalmente terminou e começou a virar a bebida com uma
cara de satisfeita que não sabia o porquê.
—Eu vou, já ta melhor?
—Muito, isso é um delicia!
—Que bom que gostou, se eu lembrar de outra receita eu te
ensino.
Sai em direção a fazenda do Eldrick e aproveitei para passar
na taverna. Quando cheguei lá a elfa negra que vi ontem estava
largada no chão parecendo exausta e o draconio que era dono da
taverna estava limpando o que a pobre alma não conseguiu. Dei um

246
aceno e deixei o dinheiro, parece que o pagamento era realmente o
dobro de tudo que elas gastaram e quebraram, o dono da taverna
ficou tão feliz que saiu correndo pela vila, bom para ele. Fui para a
fazenda agora, cheguei no arco de entrada e vi ao longe, sentada na
entrada da casa uma simpática mulher cabra ruiva e uma galinha
lado a lado. Acenei para ela que logo me viu e retribuiu, estava
prestes a chegar quando o Eldrick saiu do celeiro correndo dos
búfalos, tive que ajudar ele a se safar.
Depois de uma sessão de derrubamento de búfalo, nós três
nos juntamos para conversar, a primeira que começou foi a Bretta.
—É raro te ver sem armadura querida, você fica ótima assim!
Esqueci que estou usando minhas roupas casuais... devia ter
me arrumado melhor.
—Obrigado! Ganhei o dia de folga para compensar todo o
trabalho que me deram ontem.
Nessa hora parece que o Eldrick tinha feito uma conexão
dentro da sua cabeça, ele falou.
—Isso explica eu ter visto um dragão gigante voando no céu
de madrugada.
—Era a Gwydion.
—Desde que o Rolf veio para cá tenho visto cada coisa
estranha...
Nos duas começamos a rir um pouco debochando do elfo. A
conversa se desenrolou mais um pouco até que eu acabei
perguntando.
—Você resolveu dormir por aqui hoje? Por causa da bebida e
tal?
—Ah! Sim, sim, eu estava quase desmaiando, não ia conseguir
chegar em casa, apesar de...
—Apesar de?

247
—O Eldrick me ofereceu para morar aqui com ele, para eu
não ficar sozinha, to pensando em aceitar.
—Uau! Nossa! Isso parece muito bom, realmente viver
naquela casa afastada e sozinha não é lá tão interessante. Bretta!
Você pode pegar um pouco de água para mim, ainda não bebi nada
hoje.
—Claro que posso! Você precisa beber, não é saudável para
uma jovem menina ficar sem beber água!
Ela seguiu para dentro da casa e eu arrastei o Eldrick na força
bruta para perto do galinheiro.
—Se explica
—O que? Eu só, só.... chamei uma amiga para morar comigo
porque estava preocupado com ela...
—Sério? Parece mais com o fato de você ser apaixonado pela
Bretta e não perdeu uma oportunidade de ouro.
—QUE? NÃO! CLARO QUE NÃO! QUEM VOCÊ
PENSA QUE EU, Ok, eu gosto dela, quem te contou?
—Rolf.
—Claro que foi...
—Não tem problema você querer que ela more com você, só
seja sincero quanto ao motivo ao invés de se fingir de bom
samaritano
—E o que é para eu fazer?
—Só fale com ela, você tem mais de cem anos, não é possível
que está com medo de ser rejeitado.
—Só com medo de tudo dar errado...
—Se acontecer, aconteceu! Vocês dois vão ter que se virar
para lidar com isso. Quando eu sair daqui você converse de verdade
com ela certo?
—Ok, vou fazer isso.

248
Nós íamos voltando para dentro da casa só que algo chamou
a minha atenção, senti a mana elétrica da Gwydion vindo em
velocidade máxima do castelo. Ela cortou o ar e pousou quase
causando um estrondo só com a pressão do vento, a cara dela era de
total espanto, parecia sem ar e aflita, ela veio correndo até perto de
mim e nervosa, sem conseguir gesticular direito ela falou.
—ASTRID! ASTRID! EU! EU NÃO! O SERVO DELE
ESTÁ NO CASTELO! ELE!
—CALMA GWYDION! PRECISO QUE VOCÊ FALE
DIREITO PARA EU ENTENDER! ELDRICK PEGA A ÁGUA
PARA ELA!
Ele saiu correndo sem dizer nada e voltou poucos segundos
depois com o barril de água. A Gwydion virou o barril de água
sozinha, recuperou o ar e disse.
—Hermód o Ágil, servo do Odin, está no castelo! Junto com
o irmão da rainha, Sleipnir também está lá!
—Merda.... só falta o Ragnarok ter começado! Vamos logo!
Nem tive tempo de me despedir, só abri as minhas asas e bati
com toda a minha força. Cruzei o céu em direção ao castelo e entrei
no pela porta da frente, segui pelas escadas e fui para a sala do
trono. Quando entrei lá vi um cavalo descomunal, cinza e de seis
patas, era o irmão de Hel, o Deus dos cavalos e montaria pessoal do
Odin, ele parecia aflito. A seu lado tinha Hermód, um homem alto,
franzino, com cabelos longos prateados amarrados e olhos roxos, ele
tinha um ar arrogante e pomposo, típico da nobreza aesir. Ambos
olharam para mim quando entrei, no trono Hel estava aflita demais
para notar minha presença. Me aproximei e me ajoelhei dizendo.
—Vossa Majestade requisitou minha presença?
Ela enfim levantou a cabeça ainda com o semblante de
preocupação e disse.
—Sim! Sim Astrid.... quero lhe fazer uma pergunta. Teve um
sonho estranho ontem?

249
Nessa hora Hermód deixou escapar uma curta, porém odiosa
risada irônica. Me virei para ele e perguntei o mais delicadamente
que eu podia.
—Algum problema com a pergunta de vossa majestade mero
servo da casa de Odin?
—Para uma reles soldada se atrever a falar comigo é algo-
—Eu sou uma reles soldada em Asgard, aqui eu sou a capitã
da guarda real e posso executar qualquer um que ofenda a mim e
principalmente a família real.
—Como ousa sua mera ferramenta! Não esqueça que você e
sua corja responde diretamente ao Odin e- ARGGG!
Uma mão verde de energia começou a esganar o mensageiro
divino e o arrastou para perto da rainha, ela estava muito irritada,
me foquei tanto em responder ao traste que me esqueci que
paciência não é o forte da Hel. Após puxa-lo para perto ela falou em
um tom bem irritado.
—As valquírias a partir do momento que elas passaram a
morar aqui respondem prioritariamente a mim e enquanto morarem
o Odin não é nada para elas, entendeu?
Ele não conseguia responder, estava lutando para respirar
enquanto a magia apertava ainda mais o pescoço. Ela esperou um
tempo e arremessou ele com uma rajada de vento para a entrada do
salão do trono. Ele ficou caído tentando recuperar o ar, enquanto
isso Hel voltou a falar comigo.
—Então, descreva seu sonho Astrid, por favor.
—Estava no salão do trono do Odin, tinha uma armadura
gigantesca de bronze e uma pessoa nela que ria e exclamava em
alegria para ser acertada mais vezes.
—E não importava o que a armadura não quebrava não é
mesmo?

250
—Sim! Tirando eu mesma e a armadura gigante todos eram
silhuetas feitas de luz, não consegui reconhecer ninguém graças a
isso.
—Você estava nos ombros de uma dessas luzes e inclusive
tinha voltado a ser criança?
Nesse momento eu hesitei, ela estava lá comigo? Ela também
viu aquele filhote e aqueles cadáveres?
—Rainha, você teve o mesmo sonho?
—Creio que seja mais complexo que isso. Acredito que
estávamos presente no mesmo sonho e que o mesmo foi uma
previsão.
—Uma previsão para o que?
—Para a morte de um dos nossos... Baldur “O Belo” está
morto.

251
DEZENOVE
-Morte na família-

[Pov: Astrid]
Sinceramente a notícia da morte de Baldur veio como uma
bomba. O deus mais belo era um dos filhos do Odin e era
conhecido por seu carisma absoluto e bondade, não conheci uma
alma viva que desgostasse do mesmo, então sua morte fazia ainda
menos sentido. Todos fomos para Asgard, o portal foi aberto pelo
Sleipnir já que o caminho pela Bifrost estava completamente lotado
com dezenas de seres indo para lá. Quando passamos pelo portal vi
o cenário do antigo lugar que chamei de lar, uma gigantesca ponte
de cristal repleta de energia nas cores do arco-íris que ligava os
outros reinos em uma ponta, na outra era para um muro gigantesco,
monumental, parecia que mesmo o maior dos gigantes teria
dificuldade de atravessá-lo, era impecavelmente perfeito e tinha
diversos guardas armados para atacar tudo que se aproximasse sem
permissão. Junto de nós tinha diversos outros deuses e criaturas
magicas que se dirigiam para dentro dos muros. Após entrarmos me
deparei com uma cidade dourada e majestosa no meio de um campo
verde, com montanhas que se localizavam dentro dos muros de
defesa de tão enorme que era.
Continuamos andando rumo ao castelo do Odin, a segunda
maior construção, cinco vezes maior que o castelo onde morava já a
primeira ficava bem afastada, era indescritível, ocupava bem um
quarto de todo o terreno, era os salões do Valhalla. Logo entramos
no salão e fomos recebidos pelos funcionários da morada do pai de
todos, eles disseram.
—Divindades e seres notáveis, é uma honra recebe-los aqui
hoje. Infelizmente como sabem uma tragédia aconteceu e a vida de
Baldur, Deus bondade e beleza masculina, foi morto ontem à noite.
O funeral será realizado em algumas horas, mas antes é solicitado a
presença dos “Dez Grandiosos” no salão do trono, onde o
assassinato ocorreu.

252
Sete deuses deram passos à frente de toda a multidão, os
“Dez Grandiosos” são dez deuses de maior poder em todo o
panteão, tendo a maior influência. Esses deuses eram, Hel, a Deusa
da morte e da necromancia, Uller, o Deus da caça, neve e escudos,
Thor, Deus do trovão e campeão dos deuses, Heindall, o Deus
guardião da Bifrost e aquele que tudo vê, Sif, Deusa da beleza
feminina e do casamento, Frey, o Deus da fertilidade e rei dos elfos
e Freya. Todos seguiram para dentro enquanto o resto de nós
ficaram, antes da porta que era caminho para a sala do trono a Hel
mandou uma mensagem para todas as valquírias.
“Provavelmente vocês devem ficar por um tempo parados
sem fazer nada, vão ver o pai de vocês, aproveitem a oportunidade.”
A porta se fechou após a mensagem, todas nós quase ficamos
eufóricas, apesar de ser um enterro, era raro termos uma
oportunidade de todas vermos o nosso pai já que o velho Odin
sempre mantinha ele ocupado, nós quase começamos uma cena, mas
Gwydion e Bellatrix nos controlaram rapidamente e nos impediram
de passarmos vergonha... e também desonrar o Baldur claro. Pouco
tempo depois o funcionário de antes voltou a falar com um
comunicado.
—Senhoras e senhores, o funeral ocorrerá após a reunião na
sala do trono, até lá estão livres no território divino para aguardarem
o chamado pela “Corneta das Eras”.
A corneta das eras é um artefato mágico criado por anões
para alertar todos de Asgard quanto a um comunicado, acontece que
por ter sido feito pelos três irmãos Ivaldi, ferreiros lendários, o som
da corneta alcança Midgard se for soprado com força total. Com
isso dito a multidão se dispersou, alguns ficaram no palácio, outros
formaram grupos para andar pela cidade divina, já eu e minhas irmãs
seguimos a procura de nosso pai, fomos seguindo pela cidade
dourada até uma casa na encosta de uma montanha, uma pequena
casa completamente isolada, a única de madeira, ferro e pedra ao
invés do chique mármore e ouro, essa a minha casa de infância.
Chegamos já batendo na porta e escutamos uma voz grave e
irritada vindo do outro lado da porta.
253
—Porra! Para de bater! Já estou indo para o funeral!
Todas nós sentimos um grande sentimento de vergonha e
decepção tomar conta de nossos corpos, ele não age assim com todo
mundo né? Esperamos até ele abrir a porta e quando ele finalmente
apareceu.
—Eu juro pelos céus que eu... meninas?
Nosso pai era alto, tinha o cabelo enorme e bagunçado, mas
diferente do Uller sem aquele aspecto selvagem, era mais um aspecto
vagabundo, era todo amassado e seco, tinha uma barba enorme que
eu já nem mais sabia dizer o tempo que ele não a fazia, ele vestia
uma camisa de linho que um dia já havia sido branca, mas estava
manchada de cerveja e hidromel, um físico fora de forma com uma
grande barriga de chope. Ele abriu uma porta com uma caneca de
madeira na mão que quando finalmente notou que éramos nós
acabou por solta-la, usando sua mão esquerda, sua única, por que ele
não tinha o braço direito, ele nos puxou para dentro e quase
chorando disse.
—Pelos céus! Vocês todas vieram! Que milagre! Eu estou tão
feliz de ver vocês!
Ele tentou abraçar o máximo de pessoas possíveis, mas só
conseguiu duas de nós, Hilda e Thyri, mas logo pulamos todas para
abraçar nosso pai que não víamos a anos e mais anos. Apesar de as
vezes uma de nós visitar para ver se ele está vivo, todas nós de uma
vez é algo que nunca acontece, o Odin não permite que todas nós
saímos de Helheim, tirando nesse tipo de situação e muito menos
deixa o papai sair de Asgard. A única que não o abraçou foi a
Gwydion, ela ficou afastada, olhando e se sentindo meio deslocada,
depois do abraço o pai foi até ela e deu um abraço seguido de um
beijo na testa que logo foi retribuído.
—Também é maravilhoso de ver Gwydion. Como está o seu
velho, ele está se cuidando?
—Obrigado tio Tyr. Também é bom te ver! E essa pergunta
eu que deveria estar fazendo não acha?

254
Ele riu e afagou com vontade o cabelo negro da Gwydion,
após isso começou a chuva de reclamações nossas sobre o estado
dele, fizemos ele colocar uma roupa limpa de tanto que reclamamos.
Colocamos o papo em dia depois disso, ele perguntou dos estudos
da Trix, sobre a Thyri e Agnes se elas tiveram outra briga de casal,
se a Seraphina inventou algum aparelho novo e assim foi, cada uma
contou as novidades e ele ouviu cada uma de nós, preferi ser a
última a falar com ele. Ele falou com todas e enquanto todo mundo
abria garrafas para beber um pouco o pai veio até mim e me chamou
para o campo de treino onde eu aprendi tudo que sei hoje em dia,
era a céu aberto, tinha equipamentos encostados na parede mais ao
fundo e algumas árvores nas bordas criavam várias sombras onde se
podia descansar, ele me chamou, me jogou uma espada de madeira
mágica e pegou outra para começarmos a lutar, era assim que
conversávamos, começamos a lutar.
—Então? Fala ai as novidades! Notei que todas evitaram falar
de um certo assunto, apesar da Gwydion ter deixado escapar que fez
amizade com uma criança que lembra muito o irmão mais novo
dela.
—Droga sua lagartixa...
Ele avançou contra mim, mas bloqueie com a espada, ele
respondeu tentando dar um chute no meu joelho para me
desequilibrar, mas eu joguei a espada como um escudo.
—Bom começo pequenina! Mas e aí? Quem é esse menino?
—Lembra daquela mulher que eu falei muitas vezes? A
mortal que era a cara da Hel?
—Lembro.... era Bella né?
Ele girou para dar um golpe horizontal no meu torso, mas eu
dei um giro e passei por cima do golpe e dei uma estocada direto no
rosto dele, mas dando um mortal para trás ele evitou o ataque e deu
um chute muito forte no meu braço fazendo a espada voar de
minhas mãos. Minha visão focou na espada que estava no ar, essa
distração deu uma brecha para o meu pai avançar em um golpe fatal
na diagonal, não tinha como defender, merda! Oque eu faço? Vou

255
apostar tudo no ataque! Me joguei para cima o surpreendendo,
bloqueie o braço do ataque com o braço direito e carreguei o
esquerdo para um soco com potência máxima, o soco bateu com
tudo nas costelas e jogou meu pai para longe, ele caiu rolando no
chão e gemendo de dor.
—CARALHO! ESSA PEGOU BEM ONDE NÃO
DEVIA!
—É isso que dá pegar leve! Quer começar a usar mana?
—Não.... i]sso vai chamar muita atenção, foi um bom
aquecimento.
—Frouxo! Tenho que admitir que mesmo para um deus fora
de forma e pegando leve, quase me ferrei muito ali. O título de deus
da guerra ainda lhe cai bem.
—O título de deusa do combate também lhe cai bem filha,
foi uma boa sacada. Senta aí!
Se apoiando na espada ele sentou de pernas cruzadas e ficou
me esperando, fui até lá e sentei.
—Então? O que tem a Bella? Era Bella né?
—Era... o filho dela morreu e apareceu lá. Ele é gentil e
esperto.
—(...) Qual a idade do garoto?
—Onze anos...
—Coitado... onze anos e já foi dessa para melhor... pelo
menos a Hel transformou o lugar em algo bom, era pior sem ela. O
garoto gostou de rever a mãe?
—Então.... sobre isso pai...
Eu contei tudo que podia, como a Bella sumiu do nada, como
e porque o Rolf foi morto, como ele arriscou tudo para tentar voltar
e salvar o pai, como ele conquistou o coração da Hel, do Uller e de
todas nós, como treinamos ele e como ele voltou para o pai no fim
de tudo. No fim de tudo ele disse.

256
—Uau.... parece que foram meses emocionantes, gostaria de
tê-lo conhecido, ele parece mais interessante que os babacas que
moram aqui. Sente falta?
—Ele foi ontem então.... bastante!
Fiz ele rir, nem eu mesmo me aguentei e comecei a rir, depois
de contar tudo nós seguimos de volta para dentro da casa, quando
passamos pela porta que dava na cozinha vimos na sala todas as
outras sentadas parecendo tensas. Quando avançamos até a mesma
vimos duas pessoas que não estavam lá antes, ao redor da mesa
redonda, perto da lareira, tinha várias cadeiras e poltronas onde
estavam todos sentados, na poltrona de meu pai que ficava próxima
a lareira estava Hel, a outra estava em pé em frente à mesa no centro,
alta, pele clara, loira e de olhos azuis, usava vestes nobres bem
simples, tinha uma camada particularmente densa de mana a
rodeando e por fim uma coroa de louros verdes. Ela se virou para
mim e senti meu rosto se transformar em uma carranca e senti meu
punho se fechar quase ao ponto de sangrar, quando iria fazer uma
besteira meu pai me segurou.
—Não faça algo que vai se arrepender filha...
Nem respondi, só me desarmei forçadamente e tentei falar o
menos grosseiramente possível.
—O que deseja aqui majestade Freya?
Vi o rosto de tristeza que fazia contraste com o meu de raiva,
ela respirou fundo e disse.
—Oi filha, é bom te ver... eu só vim para mostrar o que
aconteceu na sala do trono. Ainda vai demorar algumas horas para
preparar tudo do enterro, então acho que tem tempo.
Ela juntou as mãos e após se concentrar uma esfera de energia
começou a se formar e crescer até um tamanho consideravelmente
grande que passou a flutuar em cima da mesa. Imagens começaram a
passar, era o ponto de vista da própria Freya sobre o que aconteceu
enquanto estávamos fora. A cena a mostrou entrando ao lado da

257
Hel, Uller e os outros deuses dos “Dez Grandiosos” em um longo
corredor em direção a outra porta, ela começou a falar.
—Vocês estão bem? Uller, você parece de ressaca, é raro te
ver assim.
—Bebi um pouco demais ontem com a Hel, só para me
distrair.
—E você Hel?
—Sonho ruim.
—Sonho ruim, bem ruim ou sonho ruim profético?
Vimos Hel apontando para o fim do corredor, para a entrada
do salão do trono respondendo à pergunta.
—Droga...
Eles seguiram para em frente e ao abrir se depararam com um
grande salão, o mesmo que tinha visto em meu sonho, Odin e sua
esposa Frigg estavam em pé lado a lado, Frigg estava se acabando em
lagrimas para o corpo coberto por um lençol com adornos de ouro.
Odin era um homem velho, porém com um físico atlético apesar de
não se destacar entre os guerreiros, usava uma armadura pesada que
cobria o corpo inteiro dourada, tinha uma capa preta, um elmo
prateado com desenhos de assas e chifres negros, por fim portava
uma lança dourada com uma ponta de similar a uma broca com
algumas outras ao redor, ainda tinha uma barba grisalha até a barriga
e uma venda preta no olho direito. Frigg sua esposa também tinha
uma idade avançada, a deusa mãe vestia um manto branco levemente
rosado que só deixava os braços enrugados de fora, seus cabelos
grisalhos cobriam o rosto que chorava desesperadamente, diferente
do marido ela não vestia uma roupa muito detalhada e não portava
arma nenhuma. Os outros deuses se reuniram ao redor dos dois,
todos focados no que estava no centro do salão. Thor se dirigiu e
abraçou a madrasta tentando conforta-la, Uller tentou evitar contato
visual com sua mãe Sif que era esposa de Thor, por tabela ele era
seu padrasto, a própria fora para perto de Frigg com o mesmo
objetivo de seu marido. Um tempo se passou e Odin com uma aura

258
branca de magia e fúria tirou o manto de cima e revelou o que todos
sabiam, o corpo frio de Baldur morto.
Baldur não era conhecido como “O Belo” a toa, ele tinha uma
altura média, cabelos castanhos, olhos de cores diferentes, verde e
azul, uma aparência jovial, tinha várias tatuagens pelo corpo
extremamente definido, por fim uma marca de furo entre o peito e o
abdômen. Odin jogou o pano para longe e falou furiosamente.
—Chamei todos aqui para dar funções a cada um... Heindall,
garanta que ninguém saia de Asgard e faça uma lista de todos que
não vieram hoje, todos que não estiverem aqui são suspeitos. Thor,
tire sua mãe daqui, leve Sif e acalme ela. Frey, organize o funeral,
leve Freya com você. Hel... peço que possa olhar o que restou de
minha criança, Uller ficará com você para caso descubra algum
suspeito...
Nesse momento a visão da Freya se virou para o Thor que
parecia que iria gritar, provavelmente por ele não ter ordenado e sim
pedido a Hel, como se diferente deles ela não devesse o obedecer,
mas Odin levantou a mão e ordenou com uma voz mais imponente.
—AGORA THOR!
Todos se dispensaram, o campeão dos deuses saiu
acompanhando sua madrasta inconsolável, Freya começou a seguir o
Frey para preparar o funeral, ela deu uma olhada para trás uma
última vez para ver Hel e Uller agachados perto do corpo para
começar a investigação. Após isso uma névoa cobriu o orbe e a
magia se desfez.
—Bom.... Foi isso que aconteceu. Por que você queria que eu
mostrasse isso Hel?
A Hel se levantou da poltrona e foi para a cozinha enquanto
fazia um sinal para o Tyr se sentar, ela voltou com uma caneca,
encheu, deu para a Freya que começou a beber, já ela bebeu direto
da garrafa.

259
—A morte do Baldur aconteceu durante um evento,
aparentemente ele e Frigg queriam mostrar um novo poder dele. Ele
era indestrutível.
Nessa hora, todos mostraram uma cara de confusão, menos
Tyr e Freya que já pareciam saber da situação.
—Frigg resolveu fazer um acordo com todas as coisas do
mundo, inclusive a Yggdrasil, para fazer um acordo no qual nada na
existência machucaria o Baldur e todos concordaram. O problema é
que ela esqueceu de uma coisa, pequena e insignificante. Visgo.
Me pronunciei nessa hora, fui para mais perto da rainha dos
mortos e falei.
—Então a armadura era o Baldur? Por isso nada o feria, nem
a magia!
—Sim, mas lembra que tinha um buraco na armadura?
—Lembro.... foi onde ele foi morto, mas como usaram visgo
para matar ele?
—O problema é precisamente esse! Fazer esse tipo de
contrato com a Yggdrasil tem uma consequência enorme, o fato de
o Baldur ter conseguido que tudo jurasse não o ferir é
impressionante, mas também é a ruina dele! Para que aja equilíbrio
todas as coisas que não juraram protege-lo podem feri-lo ainda
mais, como só sobrou o visgo o mesmo virou uma arma divina, algo
digno do Mjonir, só que só para feri-lo.
—Mas por que ela fez o acordo e quem jogaria visgo no
Baldur?
Althea se manifestou como uma aluna de escola, até levantou
a mão antes de fazer a pergunta, sua dúvida foi respondida em
seguida.
—O acordo foi porque Baldur vinha tendo pesadelos,
pesadelos sobre uma era de destruição, escuridão sem fim,
assassinatos, irmãos matando irmãos, até mesmo viu o sol e a lua
sendo devorados por um lobo... no epicentro disso estava o próprio.

260
Nesse momento o silencio tomou conta da sala, todos já
imaginavam para qual lobo Hel se referia, menos eu, quando ela
falou sobre um lobo minha mente voltou aquele sonho, aquele
pobre filhote ferido e coberto de sangue, sendo perseguido por uma
tempestade sem fim. O lobo que Hel se referia era seu irmão, ela era
a irmã do meio de três, diferente de seus irmãos ela nasceu com uma
forma humana, mas os outros dois eram monstros tão poderosos e
assustadores que a mera existência deles fez Odin criar o Valhalla.
Esses eram Jormungund, a serpente do mundo que é tão grande que
dá a volta em Midgard e morde a própria calda, e Fenrir o lobo
gigantesco que foi aprisionado pelos deuses, cujo sonhos proféticos
do Odin mostravam ele sendo devorado pelo mesmo.
A menção do lobo mexeu com o meu pai, ele tinha uma longa
história com aquele monstro, foi ele que levou seu braço. Ele
mostrava uma cara de tristeza profunda que fez minhas irmãs se
levantarem para o consolar. Voltei a falar depois do meu pai
recuperar a postura.
—Ok, isso explica como ele pode ser morto por visgo, mas
quem matou ele e porque visgo?
—Começa a ficar complicado a partir daqui.... quem matou
ele foi o Hod, o irmão cego dele.
Todos, inclusive eu, olhamos para o pai e para Freya que
concordaram com a cabeça. Ninguém sabia o que falar, Gwydion,
Bellatrix, Hilda, todas nós começamos a bombardear eles de
perguntas de como isso se quer era possível. A Freya resolveu
interromper.
—Meninas, por favor! Parem com isso! Acabou de acontecer,
não sabemos de tudo. Agora vocês se sentem, eu tenho certeza de
que ela não terminou de explicar, certo?
—Não tinha... Sentem-se logo para eu terminar.
Nos acalmamos e a Hel finalmente desencostou da parede e
jogou algo na mesa, um dardo verde brilhante melado de sangue
dourado.

261
—Não foi o Hod, ele amava muito o irmão e nem Heindall
acha que é ele, mas ele foi usado como catapulta e o visgo munição,
Hod é muito forte, o suficiente para fazer um estrago desses com
uma “arma” daquele calibre na mão... a questão é quem fez isso.
Perguntamos quem foi, mas nem ela sabia dizer, disse que
Uller estava conversando com Hod e Frigg para conseguir alguma
pista. A discussão continuou por um tempo, até tínhamos uma
suspeita, alguém que sempre estava no meio de qualquer coisa ruim
que acontecia em Asgard, ou até no mundo em geral, mas não
falamos por que era um assunto delicado de se falar na frente da
rainha. Depois de um tempo consegui puxar ela para o campo de
treinamento, eu estava confusa e ela havia notado.
—Ta tudo bem Astrid? Você parece transtornada, aconteceu
alguma coisa quando nos separamos?
—Ah.... como terminou o sonho?
—O sonho de ontem? Você já sabe, teve o mesmo.... você
teve um sonho diferente não foi? O meu terminou com o Baldur
sentindo muita dor e a armadura explodindo em milhões de
pedaços, e o seu?
—Em dado momento eu sumi não foi?
—Sumiu, eu achei que você tivesse só descido, mas o que
aconteceu?
—Eu despenquei muito, quase não achei o chão, minhas asas
brotaram e eu consegui pousar no chão, tinha um céu azul e o chão
era uma camada de água. Ao longo vi um filhote banhado em
sangue, quando peguei ele, vi que tinha outros bichos
completamente destruídos e dilacerados ao redor dele, peguei ele e
tentei fugir, mas nuvens de tempestade começaram a nos seguir e
quando íamos ser pegos eu acordei.
—Um filhote de que?
—De lobo...
—Lobo...

262
Ela ficou em silêncio por um tempo pensando, nessa hora
duas pessoas entraram no campo, Odara e Freya, elas vinham
conversando, quando viu Hel e eu falando em particular a rainha
dos deuses Vanir se aproximou e falou.
—Oi querida! Aconteceu alguma?
Hel ainda estava pensativa, nem chegou a notar a chegada das
duas, sobrou para mim falar com elas.
—Precisa de alguma coisa rainha Vanir?
—(...) Astrid, você não precisa agir assim comigo nessa
situação, não tem ninguém aqui.
—Infelizmente não sei do que está falando rainha Freya.
—Filha, por favor....
Olhei para ela que expressava uma cara de tristeza e um
pouco de medo, como se ela estivesse medindo cada palavra que
falasse. Odara que estava atrás dela fez uma cara de suplica, para que
me esforçasse só dessa vez para ter uma conversa normal. Respirei
fundo e falei.
—Oi mãe, precisa de algo?
Ela deu uma leve olhada de canto de olho em direção a Odara
e voltou rapidamente, depois ela disse.
—Como tem passado? A Hel tem exigido muito de você?
Soube que tem feito visitas a seu pai para ver se ele estava bem.
—As outras já devem ter dito como foram as últimas
semanas. Não, inclusive hoje era para ser minha folga. Sim, venho de
vez em quando garantir que ele não exagerou na bebida.
—Ah... sim, elas falaram, sinto muito pelo sumiço da Bella.
Encontraram algu-
—O que você quer mãe?
—Ah! Eu.... como assim o que eu quero?

263
—Você sabe que não temos uma boa relação, por que
continua tentando falar comigo?
—ASTRID!
—Fica quieta Odara, essa conversa não é sua.
—Astrid.... Você sabe que as decisões que eu tomei não
foram porque eu quis, foi tudo para protege-las. Por que não tenta
entender o meu lado?
—Eu entendo seu lado, sinceramente eu entendo e agradeço
por tentar nos proteger, mas n-
—BRRRRRRRRRRRUUUUUUUUMMMMMMM
A corneta que alertava o começo do enterro de Baldur foi
soada, o barulho era tremendo que chegou a nos atordoar e tremer a
casa. Com o tremor todos da casa começaram a se agitar para ir ao
enterro, já a Hel finalmente saiu do transe de pensamento dela.
Primeiramente ela estava confusa sem entender o clima da conversa,
aproveitei isso para sair dali deixando as duas para trás quase
arrastando ela de volta ao castelo do Odin, pelo menos disse uma
última coisa antes de ir embora.
—Tchau mãe, até aqui a uns anos...
—Tchau Astrid.... vou sentir falta de vocês
Seguimos de volta para o funeral, ele ficou a cargo do deus
Frey, o irmão gêmeo de minha mãe, o funeral foi belíssimo, todos
rezaram em nome da alma dele, os mais próximos dele que viviam
em Breidablik, sua casa, choraram em desespero por sua alma. Seu
corpo após ser velado foi colocado em um barco para ser lançado ao
mar, porém não pode ser jogado, ninguém tinha força o suficiente,
nem mesmo o campeão dos deuses, uma gigante de gelo, maior que
todos no recinto foi convocada, ela usou tamanha força para
empurrar o barco que as torras de madeira que o sustentava pegaram
fogo e o barco foi jogado violentamente no mar.
O barco foi impulsionado com tamanha turbulência no mar
que ele virou e o corpo de Baldur voltou para a encosta do mar.

264
Thor se iriou, gritou que mataria a gigante, mas foi impedido,
ninguém o deixaria derramar uma gota de sangue naquele dia, apesar
disso ele ainda prometeu matar algo para saciar a sua fúria. Baldur
foi pego por quatro deuses e colocado sobre uma pira para ser
queimado, sua esposa Nanna faleceu assim que viu o corpo do
marido e foi posta na pira para queimar junto dele. Após os corpos
queimarem Thor abençoou a pira enquanto mantinha seu instinto
assassino no máximo na direção da gigante que jogou o barco no
mar, seu ódio era tanto que um pequeno anão que passava por perto
para ver mais atentamente a pira foi chutado no fogo, babaca do
caralho, por sorte o anão sobreviveu.
O funeral durou por mais algum tempo, mas nós fomos logo
embora com o peso da morte do deus da luz e da pureza, só podia
significar que tempos sombrios aguardavam os nove reinos. Quando
voltamos a rainha acabou ficando para trás, o Odin requisitou sua
presença então ela mandou nós irmos em frente e dormirmos já que
o funeral havia levado o dia todo. Quando íamos passar pelo portal
vimos que das milhões de pessoas que vieram para louvar Baldur
estavam ocupando a Bifrost, tivemos que voltar para pegar carona
com o Sleipnir, por sorte a Odara serviu de interprete para nós já
que ela tem uma proximidade muito grande com a natureza e com
animais.
Chegando em casa já de noite, aparecemos dentro do pátio de
treinamento, nos despedimos do Deus dos cavalos que voltou para
seu lar. Estávamos cansadas e cada uma foi para seus quartos, já eu
fui saquear o armazém de comida, entrei na cozinha e passei reto
para a porta do armazém e peguei um monte de coisas para me
encher e quando sentei na mesa com o monte de carne, fruta, pão e...
salada não. Quando estava prestes a devorar tudo notei que tinha
uma pessoa sentada na mesa um pouco afastado de mim, ele me
olhava com uma cara de espanto, era o Uller, ele olhou para mim e
falou.
—Às vezes eu esqueço o tamanho do seu apetite... eu posso
comer um pouco, fiquei correndo o dia todo procurando uma velha
que a Frigg tinha dito sobre o visgo, não comi nada...

265
—Claro, vou tentar preparar algo para você.
Fui tentar preparar um sanduiche para ele recheado de carne e
queijo para ele e aproveitei para puxar assunto.
—Então... a Frigg contou para uma velhinha de Asgard sobre
o visgo?
—É... não sei que ideia foi essa, mesmo que visgo parecesse
inofensivo ele-
—Nessa situação machucaria mais que o martelo do Thor. A
Hel deu uma luz para gente nesse assunto. Você sabe o que ela ta
fazendo?
—Sei.... sinceramente eu recomendo você não saber de nada
por enquanto, as coisas vão ficar um pouco tensas nos próximos
dias e obrigado pelo sanduiche, estava quase definhando.
—Disponha, pode dormir aqui hoje, pedirei aos servos para
preparar um quarto para você.
—Obrigado passarinha, realmente agradeço.
Comemos bastante e após isso me despedi, passei por uma
serva e pedi para preparar um quarto para o caçador e fui para o
meu quarto. Cheguei no alojamento e minhas irmãs ainda estavam
acordadas, o dia foi longo e com o clima pesado, então fui direto
para cama. Nem troquei de roupa e só me joguei na cama para
dormir, tive o mesmo sonho da última vez, mas só a parte do
filhote, aconteceram exatamente da mesma forma, a diferença foi
que não fui acordado por minhas irmãs, o sonho continuou, eu levei
o filhote comigo para longe dos corpos e da tempestade, à medida
que fomos correndo uma floresta começou a crescer em nossa volta,
árvores altas, vegetação densa, quase não conseguia ver nada a minha
frente, mas não podia parar. Conforme continuava floresta a dentro
senti o filhote ficando cada vez mais pesado, mais e mais pesado,
chegou ao ponto que ele simplesmente caiu dos meus braços direto
na neve a manchando do sangue que carregava em seu pelo. Fiquei
confusa por um momento, mas logo percebi o que aconteceu, meu
corpo estava sumindo, eu estava ficando cada vez mais transparente,

266
quase invisível, o filhote já estava de pé e tentava fracamente andar
para a direção que estávamos indo antes, tentei agarrar, mas senti
meu ser sumir completamente, quando abri os olhos, estava de volta
na minha forma adulta. Não entendi o que estava acontecendo,
tinha voltado a minha forma original, estava de armadura e uma das
pessoas de luz que tinha visto no outro sonho estava do meu lado,
na nossa frente estava o mesmo filhote de antes, mas seu olhar não
era de tristeza, era de ódio, puro e incontrolável ódio, ele não olhava
para mim, mas para algo além, ele estava encostado na parede de
uma montanha. Quando pensei em chegar perto dele, tomei um
choque e uma voz gritou dentro da minha cabeça, uma voz
estridente, furiosa, quase insana, ela gritou.
“NÃO MATE ELES! NÃO OUSE ENCOSTAR NELES!
EU TENHO QUE MATAR ELES! NÃO MATE ELES!”
Fui jogada de volta para a realidade, acordei da calma em um
salto suando frio, olhei para a janela do meu quarto e estava
começando a amanhecer, Me ajeite na cama e comecei a refletir
sobre tudo que aconteceu recentemente, mas o que ficou na minha
mente foi o grito no final do sonho, isso martelava na minha cabeça
e eu só conseguia pensar.
—Quem são “eles”?

267
VINTE
-Novas cicatrizes cobrem o meu corpo-

Fomos capturados, acordei dentro de uma carroça, estava


amarrado e completamente desarmado, armas, bolsa, tudo foi tirado
de mim. Ao meu redor tinha mais seis homens, eles me encaravam
de cima a baixo com desgosto, outros tinham uma cara de malicia
que me arrepiava até a alma, fortemente equipados eles não abriram
a boca em nenhum momento. A viagem durou dias, mas nunca sai
da carroça, só quando ela parava para poder cagar ou mijar, fora isso
comia e dormia lá dentro, não pude ver meu pai nesse meio tempo.
Às vezes durante a viagem, alguém abria a porta, olhavam para ver se
eu ainda estava respirando e se ninguém havia feito nada comigo, as
vezes era o Ragnar que parecia implorar com seus olhos para que
um dos homens me matassem, outras vezes era o mesmo nobre de
antes. Pude dar uma olhada nele melhor graça as remotas visitas, ele
era alto, magro, não tinha porte de guerreiro, cabelos longos presos
por um simples rabo de cavalo, não tinha barba e sempre que
aparecia a figura do corvo engenhoso e estatico aparecia junto dele,
suas vestes eram azuis escuras e claramente ele era de uma família
rica já que possuía diversos adornos em dourado enfeitando seus
trajes, ele me olhava de cima a baixo como se conferisse cada detalhe
para ver se nada estava fora do lugar, depois saia reforçando que eu
não deveria ser prejudicado de maneira nenhuma.
Fiquei naquela carroça por dias, semanas, mais de um mês,
quando finalmente parecia que tínhamos chegado a algum lugar, nós
desembarcamos em um acampamento. Me jogaram para fora e me vi
cercado por tendas, soldados fortemente armados e mais monstros
de pele vermelha que pareciam ser arrastados por correntes como
gado, um muro bem alto de madeira cercava o lugar, parecia que era
impossível fugir dali. Fui levado para uma cabana e amarrado em
uma viga de sustentação que me prendia no teto, fiquei me
debatendo, tentando forçar a madeira a ceder, mas era muito dura,
no meio dos movimentos entrou Ragnar e Nero, o mesmo nobre de

268
antes. Ambos se posicionaram na minha frente, mas foi o Ragnar
que falou primeiro.
—O que você quer que eu faça mesmo?
—Tire informações do garoto, não fui claro o bastante em
minhas palavras?
—Que cacete de informação uma criança teria?
—Ragnar, você me decepciona constantemente, mas sei que
não é incompetente o bastante para não conseguir matar uma
criança, ainda mais uma que você afirmou ser devorada na sua
frente. Não está curioso sobre como ele sobreviveu?
Meu tio traidor parou por um momento e soltou um suspiro,
foi até a parede do meu lado direito e pegou uma faca, quando ia
voltar o nobre falou o nome dele em um tom de repressão e ele
trocou por uma ripa de madeira.
—Não o mate, o mago vira no fim do dia para cura-lo, mas
os poderes dele nesse âmbito são limitados, precisamos do garoto
vivo.
—Entendido, você já me explicou... pode deixar eu fazer
minha parte agora?
Ele foi embora, mas antes ordenou que tirassem todas as
armas de dentro da cabana, sobrou só eu e o Ragnar. Ele puxou uma
cadeira para perto e começou a olhar para mim.
—Vamos acelerar isso certo? Você me fala como sobreviveu,
eu te espanco um pouco para passar a raiva e terminamos por aqui,
que tal?
Eu cuspo nele.
—Vai a merda traidor!
—(...)Ele não pode dizer que eu não tentei.
Ele apertou o pedaço de madeira na mão com muita força, as
veias do braço saltavam para fora e ele me bateu com tudo de cima

269
pra baixo, a cabana tremeu, e eu senti uma dor descomunal, ouvi o
barulho do meu crânio rachando.
—ARRRRGGGGHH! PORRA! BLEEEGG!
Minha boca se encheu de sangue e meus olhos de lágrimas, a
dor latejante se espalhava pelo meu corpo todo e eu gemia de dor
enquanto as gotas vermelhas escapavam pelas frestas dos meus
dentes e pintava o chão de madeira.
—E aí? Aprendeu já a lição?
Usei o pouco de força que eu tinha após a pancada para
levantar a minha cara com puro ódio para ele. Cuspi o sangue direto
dele que me olhou com nojo.
—Pensei que não.
Uma sequência de golpes foi desferida em mim, mais fracos
que o anterior, mas ainda sim muito fortes, eu acho que não
aguentaria dois seguidos daquele, não sei por quanto tempo apanhei,
mas logo que ele se cansou e sentou cansado, sem ar de tanto me
bater e disse.
—Sua teimosia é digna de elogios.... não sei o que deu em
você ou de onde você tirou essa coragem toda, mas eu vou te
quebrar uma hora ou outra.
Ele largou o bastão e saiu da cabana me deixando sozinho, a
ripa de madeira marrom escura estava vermelha de tanto sangue que
impregnou nela. Senti meus olhos inchados por causa das bancadas
finalmente pesarem, mesmo que tivesse desmaiado antes com alguns
golpes, ele me fazia acordar com a dor, mas agora podia desmaiar.
Fechei os olhos e adormeci, quando acordei estava no chão no canto
da sala, estava um pouco escuro, tinha uma lamparina fracamente
acessa em uma mesa do outro lado da pequena sala, tinha uma tigela
com água e pão velho na minha frente. Peguei no meu rosto e senti
um relevo de cicatriz, verifiquei cada área que ele bateu e tinha
cicatrizes em todas. Comi o que tinha para comer, mijei no canto da
sala, tentei arrombar a porta, mas ela tinha sido bem fechada, voltei

270
para meu canto e tentei pensar em algum plano até o amanhecer,
mas nada, eventualmente dormi,
No dia seguinte, acordei com os barulhos da porta, vi uma
oportunidade e me preparei para correr e na primeira abertura de
fresta disparei para porta o mais rápido que pude, empurrei a porta
quase derrubando quem a abria, porém quando olhei para cima vi o
Ragnar carregando um chute. Tentei bloquear o ataque com os
braços, mas ele tinha muita força e fez eu ser arremessado para
dentro da cabana de novo, o chute foi direto no meu estomago e eu
senti meus órgãos revirando e minhas costelas quebrando quando eu
bati na parede. Cai no chão sem ar, o Ragnar chegou logo em
seguida, ele pegou a corda e me puxou para me amarrar para mais
um interrogatório. Fiquei pendurado de novo e comecei a apanhar
novamente, primeiro foi um golpe no lado da minha cabeça, foi tão
forte que fez eu girar na corda, só consegui escutar um som de apito
do meu ouvido. O Ragnar me parou agarrando o meu cabelo e
levantou a minha cabeça me obrigando a olhar para ele, me
encarando com a cara nojenta de orgulho dele, só consegui
responder com raiva e cuspi o sangue que estava na minha boca na
cara dele. Ele se afastou e sentou na cadeira e me olhando e disse.
—Da para você contar de uma vez como sobreviveu aquilo?
Você não tem nada a ganhar escondendo seu “Grande Segredo” de
mim.
Só conseguia ouvir pelo ouvido esquerdo, o que ele não
bateu, quando ouvi o que ele falou juntei forças para retrucar.
—Eu não tenho nada... a ganhar... te contando isso...
—É... muito justo, tenho que dizer, mas olha eu tenho um
argumento que vai te CONVENCER!
Ele voltou a me espancar, a surra durou por um tempo até
que ele largou o bastão novamente, quando se cansou foi embora e
me deixou trancado no escuro, só ai eu voltei a dormir. Acordei de
novo de noite com a mesma lamparina acesa, na minha frente tinha
um pão velho, mas tinha algumas frutas e um balde vazio e outro
com água. Antes de comer comecei a vasculhar meu corpo e vi que

271
mais cicatrizes apareceram, minha audição tinha voltado, me sentia
um fraco, fui até a lamparina e peguei para ajudar a ver meu reflexo
na água, minha cara estava destroçada com diversas cicatrizes dos
golpes e meu cabelo tinha algumas mechas grisalhas, por que estava
assim? Sentei e me recolhi em meu canto para comer a minha
comida, fiz o que tinha que fazer no balde vazio e coloquei o balde
embaixo da mesa da lamparina, me encolhi no meu quanto e tentei
dormir, mas eu não consegui, senti olhos me observando o tempo
todo. Me levantei e procurei no meio do escuro vi um buraco na
parede da cabana, podia senti alguém me vendo, mas logo essa
sensação foi embora, como se tivesse fugido no momento em que a
percebi, não tinha mais o que fazer então voltei a dormir.
No dia seguinte acordei com o mesmo barulho e tentei fugir
de novo, dessa vez joguei a cadeira para fora que foi destruída em
um chute de reflexo do Ragnar que me deu uma abertura para
correr, mas eu fui pego e arrastado pelos cabelos de volta a cabana
para apanhar. No fim do dia mais comida e água apareceu e eu comi
novamente e o ciclo se repetiu por mais dois dias, todo dia uma
tentativa nova de escapar, todo dia eu era pego, até que o sexto dia
chegou. Depois de algumas pancadas comigo pendurado, o pedaço
de pau quebrou contra o meu crânio. Ele largou o que sobrou da
arma, sentou na cadeira e gritou.
—Seis dias... SEIS MALDITOS DIAS! CONTA LOGO
SEU RESTO DE ABORTO! CONTA ESSA PORRA!
Ele levantou violentamente agarrando o meu cabelo e me
esganando, a esse ponto eu estava torcendo para ele passar dos
limites e me matar, tudo na esperança de ir direto para o reino dos
mortos para pedir ajuda. Quando estava perdendo a consciência ele
me soltou me deixando respirar, quando finalmente recuperei o ar e
levantei a cabeça tomado pelo ódio ele gritou novamente.
—ENQUANTO VOCÊ FICAR NESSA BIRRA DE
CRIANÇA DE NÃO CONTAR MAIS TEMPO EU VOU
FICAR PRESO A VOCÊ! ENTENDEU? SE VOCÊ QUER SE
LIVRAR DE MIM! CONTA DE UMA VEZ!

272
De repente só teve silêncio, sentia os olhos dele sobre mim,
nesse ponto minha sanidade estava destroçada, estava cansado e
quando parei para pensar percebi que ele estava tão cansado de ver a
minha cara quanto eu a dele, quando a ficha caiu só pude rir.
—Hehe.... hehe.... HAHAHAHA! Você é muito patético...
tão, tão patético.... não consegue nem tirar uma informação de uma
criança. Ta tão desesperado que ta pedindo para eu cooperar com
você, isso é sério? Você só vai conseguir a merda que quer de mim
quando me matar! TRAIDOR DE MERDA!
Ele sacou a espada no mesmo segundo e jogou um corte
vertical contra a minha cabeça com tudo enquanto gritava, mas o
ataque nunca chegou, ele parou alguns milímetros da minha cabeça.
Ele tirou a espada, cortou a corda e guardou a arma saindo em
seguido me amaldiçoando. Quando ele saiu finalmente consegui
relaxar, só conseguia pensar no quão difícil era morrer, depois da
primeira vez parece que ficou impossível, me levantei e fui para o
canto esperar o dia passar, mas não ia ficar em paz tão fácil. O
Ragnar entrou de novo na cabana e do lado dele o elfo negro ancião
de antes, o mago, ambos entraram na sala, o velhote olhou para mim
sentado no canto da sala e deu uma risada fina e irritante, depois
falou com a sua voz seca e igualmente nojenta.
—Derrotado por uma criança? E você se diz um general
invencível que pode derrotar até o mais forte dos reinos, mas não
derrota uma criança! Que hilário!
—Faça logo o seu trabalho! Vou arrumar quantas cobaias
você precisar se fizer isso!
—Questão de orgulho? Perder para uma criança de fato é
vergonhoso.
Ragnar começou a bufar e reclamar com o mago enquanto eu
encarava essa situação patética.
—Se eu não vou apanhar mais o que os dois pedaços de
bosta querem aqui?

273
Finalmente relembraram da minha existência , o mago deu de
ombros e subiu as mangas do seu manto mostrando seus braços
velhos e enrugados e exclamou.
—Vamos logo com isso!
Ele puxou um cajado de madeira escura que se enraizava em
um crânio todo acabado com uma joia incrustrada. Ele bateu com
ele no chão e senti como se uma mão invisível gigantesca tivesse me
agarrado, em seguida ele puxou para trás e eu senti meu corpo sendo
arrastado com força, parei em pleno ar na frente dele.
—Que tal pularmos para a parte que eu quero. Está
familiarizado com magia mental? É um pouco invasiva hehehe!
Com a outra mão ele deu um cutucão na minha testa e eu
senti como se o meu crânio começasse a rachar. A dor era
insuportável, comecei a me debater em desespero, a dor começou a
se espalhar para as outras partes do corpo, foi o pescoço, depois o
tronco e então os braços e as pernas, era como se meu corpo todo
estivesse sendo rasgado de dentro para fora. Enquanto agonizava ele
dava leves risadas, quando o feitiço tomou conta do meu corpo
inteiro ele pegou o cetro com as duas mãos, encostou de leve na
minha testa e disse.
—Então vejamos o que você esconde tão bem aí...
Ele estava prestes a descobrir tudo, conseguia sentir isso,
porém no último segundo senti algo parar a dor e uma explosão de
chamas verdes arremessou o elfo negro para fora da barraca com
tamanha violência que explodiu as paredes da cabana. A chamas
sumiram após isso, mas conseguiram me libertar das minhas cordas,
Ragnar trocou olhares comigo e com o mago completamente
pasmo, ele correu para ver o colega de trabalho arremessado longe
enquanto eu me levantava com dificuldade. Quando finalmente
recuperei a força nos braços ouvi um grito mais à frente.
—SEU DEMONIO! O QUE VOCÊ FEZ COMIGO? O
QUE INFERNOS É VOCÊ?

274
Sua cara estava queimada, metade dela tinha ido embora
queimada pelas chamas verdes. Tentei achar uma saída e corri pelo
acampamento enquanto o Ragnar tentava acalmar o elfo
enlouquecido, fui correndo enquanto todos estavam focados demais
na confusão e em tentar apagar o incêndio para prestar atenção em
mim, achei um caminho passando por de trás das cabanas e tendas.
Corri por todo canto tentando achar qualquer traço do meu pai,
porém não estava conseguindo encontra-o, pelo menos precisava
achar uma arma antes de tentar sair desse inferno. Acabei entrando
em uma tenda mais arrumada, tinha um grande tapete altamente
detalhado, uma mesa de madeira igualmente bem trabalhada estava
no meio dela, em cima mapas e anotações que dei uma lida por
cima. Eram notas sobre estratégias, rotas de suprimentos,
informações sobre fortes e contratos de mercenários, enquanto
olhava ouvi um barulho vindo do lado de fora e corri para me
esconder atrás de umas caixas. Quando me escondi vi o nobre que já
não via a dias entrando na tenda junto a outro soldado armadurado.
—Maldição! Deixo os dois sem supervisão e quando volto o
garoto sumiu e meu mago imperial está em estado grave!
—Senhor, não sabemos o que a criança fez, mas estamos
vasculhando e logo abateremos ele.
—NÃO! CAPTUREM ELE VIVO! NÃO IMPORTA O
QUE ACONTEÇA!
—Mas senhor? Os danos que ele causou são—
—CAPTUREM ELE VIVO! SEM ELE THORFINN
SERÁ INCONTROLAVEL!
—SIM SENHOR!
O soldado foi embora e ele voltou a postura fria dele, tirou a
bainha da cintura e a apoiou do lado da mesa sentando na grande
cadeira e encarando as anotações logo em seguida. Ele ficou lendo e
escrevendo por um tempo, chegou ao ponto da pilha de papeis na
mesa triplicar de tamanho. Enquanto escrevia ele balbuciava e
grunhia, pude ouvir poucas palavras enquanto me escondia atrás
dele.

275
—Mais uma conquista.... Thorfinn de fato é um soldado
indispensável para meus planos.... em alguns anos eu terei apoio
suficiente.... preciso recuperar o garoto...
Ele está usando meu pai no campo de batalha? Meu pai odeia
lutar! Ele sempre preferiu resolver os problemas dele com conversas,
só levantava os punhos em situações que fugissem do nosso
controle, como na perseguição ou no assalto. Tenho que procurar
uma brecha para tirar a gente daqui! Esperei pacientemente até que
um outro soldado voltou exclamando que um tal de visconde havia
aparecido. Nero se levantou e foi a frente do soldado e nesse tempo
tentei me mover o mais silenciosamente possível para perto da mesa
e peguei a espada. Era uma arma de mão única, mas só conseguiria
usar com as duas mãos, me escondi embaixo da mesa, no espaço
onde ficava as pernas até ele sair, depois voltei para trás das caixas
onde estava escondido.
Desembainhei a espada e esperei para ataca-lo, planejava
ameaça-lo assim que voltasse e sentasse na cadeira, iria obter todas
as respostas que queria ou o primeiro dos três perderia o pescoço.
Um tempo passou novamente e ele voltou com um sorriso malicioso
no rosto, sentou novamente sem notar o sumiço da espada e passou
a focar em seu próprio mundo imerso no mar de papeis e mapas.
Me levantei e aproximei lentamente, ele não tinha me notado ainda,
apertei com toda a minha força a empunhadura da espada e me
posicionei quase que do lado dele e em um movimento rápido pulei
na mesa e joguei a espada contra a cabeça dele como se fosse
esfaqueá-lo e parei poucos centímetros da cabeça dele. O senti
engolindo seco e pude ouvir ele xingar bem baixo, quando ele girou
a cabeça e me encarou suando frio.
Olhei para ele com todo o ódio que tinha acumulado durante
esses dias, todas as agressões e xingamentos que sofri a minha vida
toda, ele era o chefe do Ragnar, se não fosse pelo apoio dele o meu
tio maldito nunca teria nos capturado, vou manda-lo direto para o
abismo mais profundo de Helheim. Enquanto a minha mente
divagava em fúria ele disse.
—Você não é uma criança normal....

276
—Você vai me contar onde está o meu pai, se não eu vou te
matar aqui e agora.

277
VINTE UM
-Passados forjados em sangue, metal e fogo-

Estávamos nos encarando, a espada parada imediatamente


acima da cabeça dele comigo preparado para mata-lo, ele me
encarava de maneira séria, mas claramente estava nervoso.
—Da para resolver isso de uma maneira melhor...
—Você perdeu o direito de resolver isso de uma maneira
melhor depois de eu ser espancado diariamente. Levanta a merda da
cabeça.
Ele se sentou de maneira reta, prestei atenção em cada
movimento dele e no fim pus a lâmina contra o pescoço dele, um
leve empurrão de minha parte ou um movimento descuidado por
parte dele, ambos resultariam no pescoço cortado. Ele passou a me
observar de cima a baixo, parecia focar nas minhas cicatrizes novas e
no meu novo cabelo grisalho, ele respirou com cuidado para que o
fio da espada não lhe cortasse o pescoço e disse.
—Parece que Ragnar lhe deu uma nova aparência.
—Cadê o meu pai?
—Se acalme. O seu pai está em perfeitas condições, está até
melhor do que antes.
—Não perguntei como ele está, eu quero saber onde!
Furei de leve a garganta dele e uma pequena gota de sangue
escorreu do pescoço para as roupas nobres dele e criando uma
mancha na gola.
—Certo! Certo... estou usando o seu pai como um soldado, a
força dele é algo indispensável para o meu plano.
—Que plano é esse?
—Estou planejando tomar um castelo na região leste, o reino
de Teamor, seu pai é tão monstruoso e anormal que seria ilógico da
minha parte não aproveitar aquela oportunidade de recruta-lo.
278
—Não ligo para o seu recrutamento, para o seu castelo ou
qualquer porra dessa. Chame meu pai aqui e agora, se quiser um
soldado envie o bosta do Ragnar.
—Infelizmente isso não é possível, como disse ele é
excepcional demais para eu deixá-lo fora dos meus planos..., porém,
se você me ajudar a fazê-lo cooperar, será muito benéfico tanto para
você quanto para ele.
—Acha que está em posição de negociar comigo?
A visão dele vacilou, antes focava direto nos meus olhos, mas
vi ela se movimentar para o lado três vezes, senti um arrepio na
minha nuca, pensei em virar, mas se tirasse os olhos dele eu perderia
tudo, teria que apostar no meu tempo de reação.
—Se você chegar mais perto, ele perde o pescoço.
Enfiei a lâmina mais fundo na garganta dele, a ponta estava
dentro, não era mais só um leve corte, se eu jogasse a espada para o
lado rasgaria a garganta dele. Ouvi passos atrás de mim, parecia
passos de botas de metal se afastando e uma espada sendo guardada
na bainha, voltei a falar após o som sessar.
—Mande-o trazer o meu pai até aqui e não deixe mais
ninguém entrar...
—(...) Você o ouviu...
O soldado saiu e logo após meu refém voltou a falar.
—Você deu sorte... se fosse alguém de nível “Xamã” ou
acima, você estaria morto. Mesmo assim, é muita frieza para uma
criança...
—Não fale de frieza depois de ter deixado o Ragnar me
torturar por dias seu corvo imundo.
—Corvo?
Outro arrepio na espinha, mas esse era mais intenso, não
escutei nada, mas virei por puro instinto segurando a espada. No
instante em que virei, uma flecha adentrou a barraca apontada direto
para o meu peito, e atingiu em cheio, fui jogado para trás me
279
chocando contra o nobre e caindo um pouco mais ao lado, o mesmo
se levantou levemente danificado e correu para fora da tenda. A
flecha tinha atingido a espada, por sorte consegui segurar a ponta
dela e reforçar a proteção, mas a flecha foi tão forte que empurrou
os meus braços para trás e fez o metal se chocar contra o meu peito.
Meus braços doíam como se tivessem sido explodidos, minhas
costelas como se um buraco gigantesco passasse pelo meu torso, mas
ainda consegui me levantar. Meu único plano de fuga tinha acabado
de fugir, não tinha mais o que fazer, já sabiam que eu estava aqui,
pelo menos posso acabar acelerando minha morte, assim posso pedir
ajuda.
Fui para a saída da tenda me arrastando com a espada e
quando passei pela cortina me vi lá fora, vários soldados me
cercando, Ragnar e Nero me encaravam, Ragnar estava com uma
besta em mãos e completamente assustado por eu ter sobrevivido e
Nero suava frio agarrando o próprio pescoço com a mão cheia de
sangue. Todos me encaravam esperando ordens dos dois principais,
mas eles só me encaravam, o silencio perdurou por um tempo, até
que o som de alguém vindo por de trás dos soldados, era meu pai.
—Filho... já chega...
—O que? Por que? Olha o que eles fizeram com a gente!
Como pode me pedir para parar! Você sabe que posso pedir ajuda!
Ela pode vir e resolver tud-
Ele se aproximou enquanto eu falava e pós a mão na minha
cabeça cortando o meu pensamento.
—Ela não pode filho... e mesmo que pudesse, não sei se meu
coração aguentaria de perder mais uma vez. Já chega, as coisas vão se
resolver logo.
Meu pai tirou a espada de mim e jogou ela para longe. Ele se
virou para nossos raptores e falou.
—Pensei que tínhamos um trato...
—Nós tínhamos, mas claramente seu filho quebrou a parte
dele com essa revolta.

280
—Cicatrizes, cabelo grisalho e sem vida. Tem algo a dizer
sobre isso?
Nero olhou para o Ragnar e sua cara se fechou em raiva.
—Pedi para você cuidar dele, mas parece que foi um erro.
—Fiz o que você mandou, tentei tirar as informações dele,
mas é um desgraçado teimoso e não contou nada.
—Então além de falhar em extrair informações, você deixou
os seus sentimentos pessoais interferirem no seu trabalho?
—Sentimentos pessoais? Fiz exatamente o que me foi
ordenado, você até mesmo deixou o mago a minha disposição para
cura-lo!
—Mas mandei você não exagerar! Os poderes de cura dele
são limitados e claramente ele teve que ir longe para manter o garoto
vivo.
Os dois discutiam ferozmente, Ragnar estava completamente
furioso e faltava rugir enquanto Nero permanecia imponente mesmo
estando ferido. O nobre o dispensou e ele saiu em revolta para fora
do acampamento por trás dos muros, após sua saída o nobre se
voltou para o meu pai e falou.
—De fato, parece que quem quebrou nosso acordo fui eu
deixando tamanho incompetente lidando com ele.
—Que isso não se repita.
A voz do meu pai se enrijeceu e eu pude sentir uma aura que
estava fortemente contida saindo do corpo dele.
—Se quiser continuar com o nosso acordo, garantirei que ele
será alimentado devidamente e ninguém chegará perto dele, nem
mesmo seu irmão.
—E depois que tudo terminar...
—E depois que tudo terminar vocês poderão sair do
acampamento de volta para sua viagem.
—Certo. Para onde levo meu filho?
281
—Você voltará a seus afazeres enquanto ele será escolta-
—Não. Eu levo.
—(...) Faça como quiser, não tenho mais tempo a perder,
você partirá amanhã mesmo para seu próximo alvo.
Ele voltou para sua tenda, não antes de pegar sua espada de
volta. Meu pai me olhou com um olhar pesaroso, não podia
acreditar que estava vendo aquilo, ele sempre foi contra a violência
desnecessária, tentava resolver por conversa, disse que minha mãe o
ensinou a ser assim, e agora era é um soldado? Não consigo acreditar
que ele está o ajudando assim. Fiquei em choque e ele me levou
calmamente até uma pequena tenda que estava terminando de ser
montada para mim, quando entrei lá dentro tinha uma cama
improvisada no chão, uma mesa com um lampião e tapetes que
forravam o chão. Meu pai entrou junto comigo e sentou de pernas
cruzadas e me olhou esperando que eu fizesse o mesmo, hesitei por
um tempo, mas fiz o mesmo e fiquei frente a frente com ele, o
silencio perdurou por um tempo até ele ter coragem de falar.
—Eu... acho que te decepcionei com a minha decisão...
—(...) Não, eu quero acreditar que você tem um motivo para
isso. Apesar de que parece que apanhei por quase uma semana para
nada.
—Eu sei... eu sinto muito, não tenho como compensar isso.
—Não precisa, só me explica o que foi aquilo.
—A cerca de dois dias, ele me ofereceu um acordo, lutar e
conquistar terras e fortes para ele, treinar seus soldados, servir a ele
como seu subordinado, se eu fizesse isso ele manteria você seguro e
bem alimentado.
—Que belo acordo... é fácil me manter seguro depois que ele
mesmo mandou o Ragnar me arregaçar.
—Eu sei, eu sinto muito, eu não posso perdoar ele e nem me
perdoar por não ter feito nada. Mas isso é para o melhor, eu
prometo.

282
—(...) Ta bom pai, confio em você, só que eu não confio
nele, nem você deveria.
—Belas palavras para uma criança que me ameaçou de morte.
Nero estava na entrada da tenda, já tinha uma faixa cobrindo
seu pescoço, ele falava com uma pose relaxada e olhar frio.
—Eu devia ter te matado...
—Se matasse você e seu pai não sairiam vivos... Bom, seu pai
talvez...
—Se eu morresse aí que você estaria fodido.
—(...)Você é uma criança estranha e assustadora.
Meu pai se virou para ele e falou em um tom pesado, quase
deixando escapar a vontade de esmagar o crânio dele.
—O que você quer majestade?
—Você tem trabalho a fazer. Já perdeu tempo demais com
seu filho.
Ele bufou, olhou mais uma vez com um olhar triste para mim
e se levantou seguindo para fora deixando só eu e meu ex-refém.
—Não tem medo de mim?
Comecei a olhar ele de cima a baixo, não tinha armas, os
braços dele eram fracos, não era um guerreiro, seu olhar era frio,
mas eu não sentia sede de sangue vindo dele, ele não está aqui para
me machucar, na realidade, não conseguiria sozinho.
—Consigo ganhar de você.
—(...) Pior que consegue...
—Depois que você conseguir o seu castelo. Vai deixar a gente
em paz?
—(...) Claro, depois que eu conseguir o que quero não tem
mais motivo para continuar mantendo vocês dois presos aqui.

283
Quando ele falou isso vi a mesma imagem se antes se projetar,
um corvo, essas auras aparecerem sempre que tento ver um pouco
mais além nas pessoas, mas isso parece ter evoluído, as formas
animais que parecem ser complementos das pessoas deixavam ainda
mais clara suas intenções, era mais fácil ver o quão podre ele era. A
forma dele era um corvo pequeno que no momento em que ele
negou a vontade dele de manter eu e meu pai presos a começou a se
agitar enquanto a aura escura ao redor dele parecia crescer.
—Mentiroso...
—Tsk! Você é bom, tenho que admitir. Se tiver interesse no
futuro, adoraria ter alguém com tamanha intuição e percepção do
meu lado.
—Que...
Meu sangue começou a ferver, como ele ousa me oferecer
isso? Senti meu corpo enrijecendo, senti algo ruim crescendo dentro
de mim prestes a atacar ele, mas me segurei, segurei o mais forte que
pude essa vontade de rasgar a cara daquele homem que tinha
transformado minha vida em um inferno.
—Você ta pedindo ajuda para alguém que você tentou matar
mais de uma vez?
Vi ele engolir seco e uma gora de suor descer a lateral do seu
rosto mesmo no clima frio, o corvo atrás dele se agitou e tentou
voar para longe dele, mas não conseguia. Ele me olhou por um
tempo e disse.
—Isso sim é assustador.
Depois disso ele saiu me deixando sozinho na tenda. O
tempo passou e eu consegui me acalmar, aquele impulso que eu senti
foi embora e eu fiquei pensando no que fazer o dia todo, em dado
momento um soldado veio e me deixou um pouco de comida e
água, comida decente dessa vez. Quando a noite chegou não
consegui dormir, fiquei encarando a entrada da tenda, esperando
algo acontecer, e aconteceu.

284
Um homem entrou pela tenda, era mais baixo que meu pai,
largo e musculoso, careca e bem forte, ele entrou devagar na tenda
como se não quisesse fazer barulho, mas quando me viu mudou de
atitude.
—Olha só... ainda acordado? Que criança malcriada, não
devia estar acordada a essa hora.
Quando viu que eu estava acordado ele deu um sorriso torto
que fez minha pele arrepiar e foi chegando cada vez mais perto. Eu
levantei em um pulo e me preparei para lutar, não sentia uma
intenção violenta vindo dele, mas o motivo para ele estar ali com
certeza não era bom, a aura dele deu origem a um gigantesco inseto
nojento que esfregava as patas e expelia muco. Ele chegou cada vez
mais perto, bem lentamente, parecia estar antecipando qualquer
tentativa minha de fuga.
—Eu vi o que você fez hoje, você é um garotinho
impressionante, bem forte para sua idade, mas ainda sim precisa de
uma lição para não se meter com os adultos.
Outro arrepio na espinha, meus instintos gritando para eu
correr, fizeram eu disparar para a direita com todo tentei fugir
contornando-o, mas em um pulo ele me agarrou e ficou por cima de
mim. Tentei me arrastar para longe dele e dei uma cotovelada na
cara dele, mas a cabeça dele era tão dura que parecia que eu tinha
batido em uma pedra, enquanto lutava para me libertar ele ficou de
joelhos sobre mim, juntou os meus braços e segurou com uma única
mão e com a outra começou a tirar o cinto das suas roupas. Comecei
a me debater e gritar desesperadamente, lágrimas saiam dos meus
olhos, queria fugir daquilo desesperadamente, mas a minha única
opção era gritar, ele tirou as calças dele e quando ia tirar as minhas
roupas ele disse.
—Não se preocupe, você vai gostar bastante, eu prometo ser
gen- ARHG! BLUUF!
Quando vi ele perder a voz me virei devagar e vi aquele
homem grotesco, a calça estava abaixada e ele parecia pronto para
avançar em mim, mas em seu peito tinha uma espada, a lâmina

285
vermelha pelo sangue era longa o bastante para quase encostar nas
minhas costas. A espada voltou de onde veio e o brutamontes
começou a cuspir litros de sangue, sua cabeça foi agarrada e ele foi
violentamente jogado para fora da barraca por outra figura.
Era um homem velho, parecia estar em seus setenta anos
talvez? Mas seu corpo era forte e treinado ao ponto de fazer os
soldados mais novos parecerem crianças fracas e desnutridas. Ele
tinha pele branca, cabelos e barba longos de cor prateada, um olhar
afiado, ele olhou para mim, por extinto me arrastei até o mais longe
possível ainda processando a cena que acabei de passar. Ele saiu para
onde o corpo foi arremessado e voltou um tempo depois se
ajoelhando próximo a mim, ele me olhou por um tempo e baixo a
cabeça falando.
—Eu peço perdão pelo meu erro, jovem mestre.
—ARF! O QUE? JOVEM? ARF! QUE... SAI DE PERTO
DE MIM!
Ele se afastou e ficou do outro lado da sala, parecia
extremamente perturbado, o silêncio se manteve por um tempo, ele
não falou nada, só encarou o chão, então eu tive que quebrar o
silêncio.
—Por que me salvou?
—Por que eu sou leal ao jovem mestre.
—Nunca te vi na minha vida para você ser leal a mim. Quem
é você?
—Eu fui o vice comandante do exército de Teamor. Jurei
lealdade total ao pai do mestre Thorfinn, Einar o “Titã louco”, seu
avô.
—Eu não conheço nenhum Einar que seja comandante.
—Vocês nunca tiveram oportunidade de se encontrar. Fui
salvo por ele de uma vida de escravidão e tirania, ele viu potencial
em mim, por isso jurei proteger sua família enquanto eu viver.
—(...) Entendi, pode ir embora.

286
Ele se levantou e seguiu para sair, mas quando estava prestes a
sumir na entrada da tenda.
—ESPERA! VOLTA!
O senhor olhou para trás surpreso.
—Como era o meu avô e meu pai?
Ele voltou, se sentou no mesmo canto de antes afastado de
mim e começou a falar.
—Seu avô Einar era um homem simples de entender, forte,
gigantesco, valorizava a força acima de tudo, não só física, como
qualquer tipo de força, contanto que você se mostrasse útil. Ele
também era um general incrível e um guerreiro invencível.
—E se você está aqui significa que ele também está ajudando
aquele corvo maldito?
—Corvo?
—O cara que eu quase degolei.
—Ah! Agora que você falou um corvo realmente lembra
muito a imagem do príncipe Nero.
—Príncipe?
—Sim, ele pertence à família real de Teamor, ele é o terceiro
na linhagem de sucessão... era, ele matou os dois irmãos mais velhos
a cerca de um ano e foi expulso do reino, se refugiando aqui, no
território de um duque aliado dele.
—Por que? Eles não eram família? Por que simplesmente
matar eles? Fizeram alguma coisa?
—Pelo trono. Eles não tinham uma boa relação entre eles,
mas não ao ponto de sangue ser colocado no meio disso.
—Matar a própria família por uma cadeira.
—É o significado da cadeira, não ela em si.
—O significado é bom o suficiente para matar a própria
família?

287
—(...) Para ele sim...
À medida que a conversa foi se estendendo eu naturalmente
fui relaxando mais a minha postura, ele realmente parecia alguém
confiável, não sentia nada de ameaçador vindo dele. A imagem que
ele transmitia era de uma onça, uma criatura que eu só tinha visto
nos livros do castelo de gelo, velha e intimidadora, parecia ter muita
experiência, mas apesar disso, não era mal intencionada.
—Ok, então ele matou os dois irmãos, foi exilado pelo pai, se
escondeu aqui, juntou gente para trabalhar para ele e quando tiver
gente o suficiente ele vai causar uma guerra para virar rei.
—Sim, você entendeu perfeitamente jovem mestre.
—Ta bom... e ele quer usar o meu pai para derrotar o meu
avô? Por isso ele disse que ele é indispensável?
—Não, seu avô já morreu a cerca de dois anos, e mesmo se
estivesse vivo a idade e o fato dele estar aposentado a mais de uma
década não deixaria ele ser uma grande ameaça.
—Que? Pelo jeito que você falou parecia que ele só morreria
se fosse lutando, ou simplesmente não morreria, aposentado não
parece algo que ele faria.
—Ele ficou afetado pouco tempo depois de seu pai ter
fugido daqui com sua mãe, ele ficou bem durante uns anos, mas
após a saída do Ragnar ele despencou de vez.
—Você conheceu minha mãe?
—Sim, uma mulher excepcional assim como seu pai, você é a
cara dela.
—Já me falaram muito isso. Como eles se conheceram?
—Para explicar isso eu preciso dizer que a relação entre o seu
pai e seu avô não eram exatamente de pai e filho, era de general e
soldado. Seu avô exigia que seu pai ficasse cada vez mais forte e mais
forte e mandava ele para diversos campos de batalha, isso fez com
que eles não tivessem uma relação próxima.
—E você e meu pai?
288
—Tínhamos uma boa relação, fui o professor dele até os
quinze anos, depois o professor dele foram os campos de batalha.
—Você parece um bom professor.
—Obrigado, é bom ouvir isso depois de tanto tempo.
Vi um leve sorriso por trás da barba longa dele.
—Gostaria que eu voltasse a contar a história?
—Sim, por favor.
—Por ter essa relação complicada eles nunca foram
próximos, e apesar de tentar bastante ele não conseguia se aproximar
do Ragnar que constantemente se isolava. Então um dia ele foi agir
como reforço em uma vila de um barão que estava sendo atacado
por dezenas de mercenários, nesse dia teve uma luta complicada, era
um grupo grande de guerreiros treinados e seu pai tinha levado
poucos homens, o que tornou difícil resolver a situação rápido,
muitas pessoas inocentes foram mortas ou usadas de refém, chegou
uma hora que a própria família do barão foi capturada. Não tinha o
que fazer, um passo errado e todos morreriam, seu pai não era
rápido o bastante para salva-los, se avançasse o chefe dos bandidos o
seguraria, ele não tinha uma saída, até que aquelas flechas
apareceram?
—Flechas?
—Sua mãe era uma arqueira habilidosa, com um movimento
ela disparou três flechas que atingiram os três mercenários que
guardavam os reféns. A morte deles deu tempo de seu pai agir e
lutar com tudo contra o chefe deles, depois de finaliza-lo e garantir
que a família nobre estava bem ele se virou para onde as flechas
viram e nas palavras dele, ele viu a mulher mais linda de todas, ele
me fez prometer não contar isso nem para ela na época e nem para
ninguém. Uma bela mulher, baixa, com longos cabelos negros, dois
olhos grandes azuis parecidos com uma fera, roupas de um caçador
com um manto cinzento por cima portando um arco longo de
batalha. Você se parece demais com ela.
—Obrigado.

289
Deixei escapar um pequeno sorriso e ele também em
retribuição.
—Seu pai tentou desesperadamente recrutar ela, só pensava
como um soldado na época, chegou até desafia-la valendo ela entrar
no exército dele.
—E como terminou isso no fim?
—Qualquer pedido formal era completamente negado por
ela, qualquer tentativa de duelo forçado era evitada fisicamente
também.
—Como assim?
—Seu pai é um prodígio, isso é fato, mas sua mãe também
era, e em uma floresta ela era intocável para ele, só teria uma chance
se ele devastasse a floresta toda e se fizesse isso provavelmente eles
teriam lutado até a morte e você não nasceria.
—Boa pai..., mas como eles ficaram juntos?
—Bom, pelo que ele me disse sua mãe se divertia
provocando-o, ela chegou a fazer um trato com ele, se a pegasse em
uma perseguição na floresta, ela entrava no exército dele. Quando
eles começavam essa brincadeira deles, digamos que ficava obvio que
mestre Thorfinn não era um exemplo de inteligência, sua mãe o
fazia bater a cara em troncos, cair de pequenos penhascos e sair
rolando morro abaixo.
—Isso parece divertido.
—Ele também achava, o destino os fez se encontrarem
diversas vezes e acabaram virando amigos. Bella era uma viajante que
não queria ficar em um lugar só, principalmente em um lugar que
“glorifica a morte” como o reino de Teamor.
—Ela não gostava de lutar? Achei que todos quisessem ir
para o Valhalla, ela não acreditava?
—Acreditava, só não gostava da ideia, lutar pela eternidade
nas palavras dela parecia cansativo, e hoje posso concordar com ela.

290
—Também não parece uma boa ideia, eu prefiro ficar com a
vovó...
—Vovó? A mãe da senhorita Bella?
—É... mais ou menos... continue.
—A amizade deles se firmou depois de tantos encontros,
enquanto ela visitava todas as regiões do reino de Teamor ele serviu
de guia para ela, só que chegou a hora dela ir embora, eles se
despediriam em uma colina que ficava um pouco afastado da capital,
quando descobri os segui. Seu pai fez uma última tentativa de
manter ela lá, um último pedido de duelo, e diferente dos outros ela
aceitou.
Nessa hora era como se a cena acontecesse na minha frente,
eles estavam em uma colina na madrugada, iluminados pela luz da
lua, meu pai portava seu machado de bronze pesado, já a minha
mãe, só uma espada simples e um bom arco. Antes das lâminas se
cruzarem meu pai falou.
—Se eu vencer, você ficará aqui! Esse é o acordo.
—Eu sei Thorfinn... mas eu não vou perder esse duelo.
Começou o duelo, meu pai partiu para cima em um golpe na
diagonal de cima pra baixo, mas ela rolou encarou de frente e rolou
no último segundo. Quando recobrou a posição ela se agachou e
mirou na coluna dele, só que em um movimento o ogro girou seu
poderoso machado em um corte horizontal cortando ela ao meio,
mas era só uma imagem residual, a verdadeira estava em cima dele. A
velocidade da caçadora era insana, ela estava em cima dele pronta
para descarregar toda a potência dela em um ataque direto no rosto
dele, não tinha como desviar. Ele bloqueou o ataque, o choque do
impacto afetou todo o ambiente, a neve ao redor explodiu, Thorfinn
foi arrastado contra a terra e Bella saiu voando para longe, ambos
terminaram em extremos opostos do campo de batalha.
—VOCÊ NÃO CONSEGUE ME ATINGIR BELLA!
ADMITA A DERROTA!

291
Ela não respondeu, na realidade disparou para cima dele, no
meio do caminho arremessou a espada na direção dele com muita
força. O ataque veio fazendo meu pai bloquear com o machado,
quando ele voltou a olhar para minha mãe três bolas cinzentas
vinham em direção a ele que atacou instintivamente, eram bombas
de fumaça. Elas explodiram e cobriram tudo, ele perdeu a visão de
tudo, mas o cheiro era estranho, ele já tinha sentido isso antes, ao
longe ele viu uma fonte de fogo chamando atenção em meio a nevoa
escura, a fonte chegou cortando a fumaça e parando perto do pé
dele, foi aí que ele notou, era pólvora.
BOOOOMMMMMM!
Tudo explodiu, o dano que ele sofreu foi enorme e veio de
todos os lados então não dava para bloquear, mas isso não o matou,
nem o derrubou, uma voz veio por trás da nova cortina de fumaça.
—É MAIS FACIL MATAR UM JAVALI GIGANTESCO
DO QUE VOCÊ! EU NÃO ESPERAVA QUE VOCÊ
DESMAIASSE MAIS ISSO É DEMAIS!
Thorfinn se virou para a direção da voz e sentiu o ataque
vindo, ele fez um ataque e sentiu ter encostado em algo. Ele parou o
ataque e foi direto vê-la, mas só tinha um manto cinzento com
orelhinhas costuradas no capuz, de repente alguém pulou nas costas
dele. Bella pulou nas costas dele e tentou aplicar um mata-leão, meu
pai começou a se debater loucamente, mas sentiu uma faca furando
sua pele, ela tinha puxado uma faca e colocado bem onde tinha a
passagem de uma artéria vital. Bella venceu o duelo.
Ela pulou das costas dele, foi até o casaco dela, pegou do
chão. Meu pai estava incrédulo encarando o chão, tentando entender
como ele perdeu a luta. Minha mãe vestiu o casaco e se preparou
para ir embora, antes ela parou e deu uma última olhada no
Thorfinn que estava ajoelhado no chão ela falou.
—Tchau Thorfinn, vou sentir muito a sua falta ursão.
Ela se afastou dele, mas ela ouviu uma voz fraca e voltou.
—Por que eu perdi?

292
—O que?
—Por que eu perdi? Eu treinei a minha vida toda, eu queria
tanto ganhar... por que eu não posso ganhar?
O senhor me disse que era a primeira vez que ele viu o
Thorfinn tão fragilizado, mesmo que ele já tivesse perdido lutas
antes, essa parece ter sido a que mais destruiu ele. Parecia também a
primeira vez dela vendo isso, ela se abaixou e deu um abraço, depois
ela se levantou de novo e disse.
—Tem dois motivos para você não ter ganhado esse duelo.
—Eu sou mais fraco que você?
—Não, muito pelo contrário, se tivesse lutado sério eu teria
perdido muito fácil, mas você não queria me machucar, não queria
nem ao menos lutar não é mesmo?
Ele ficou em silencio, parecia estar refletindo, mas já que não
iria responder ela continuou.
—Eu convivi com você por quase um ano e eu tenho certeza
que essa foi a primeira luta que você teve que não foi ordenada pelo
seu pai, ou alguma espécie de superior, algo que nunca aconteceu até
onde eu sei. Essa foi uma decisão tomada por você porque você
queria algo, mas ao mesmo tempo que você queria me manter aqui,
seu coração não queria levantar sua arma, mas você só sabe
responder as coisas através disso aqui.
Ela apontou para o machado largado na neve do lado dele e
continuou.
—A segunda coisa é que você não lutou sério, mas eu lutei.
Você não sabe lutar de verdade se não for uma luta de vida ou
morte, toda vez que vai para um campo de batalha, você vai com o
pensamento de matar ou morrer, mas você não queria lutar contra
mim, e como não queria lutar, você não lutou, mas eu sim. Eu
queria proteger a minha liberdade acima de tudo, e você não queria
me perder, a diferença é que só um de nós dois sabia como dizer
isso.

293
Ele finalmente se sentou e começou a pensar e falou.
—Você nunca poderia ficar em Teamor, não é?
—Não, é um reino que glorifica a destruição, que cresceu
atrás da destruição dos outros, não é algo para mim, também não
acho que seja para você. Espero que um dia você possa tomar as suas
próprias decisões, pense se é realmente isso que você quer no futuro,
e se não for, vou adorar a achar o seu futuro com você.
Ela deu um beijo do lado da cabeça dele e sumiu na noite, já
Thorfinn o Ogro, ficou parado, derrotado e desolado, ele não sabia
mais o que fazer da própria vida.
—E foi a última vez que a vi.
A história tinha acabado? Mas como eles se encontraram de
novo? Não podia ser só isso, me recuso a aceitar que não tem um
final correto.
—O que aconteceu depois? Eu sei que ele não ficou em
Teamor.
—Bom, ele chegou um dia para mim, disse que ia embora,
disse que pensou bastante depois do dia do duelo. Falou que ele não
era um soldado do pai dele e que ele queria mais do que brandir
uma arma, ele a queria, queria estar com ela, era só o que importava,
e ele foi encontra-la
—Só isso?
—Sim. Rezei para que eles se encontrassem novamente, você
é a prova de que minhas preces foram atendidas.
—Parece uma história de livro, acho que uma amiga da
minha mãe gostaria desse livro.
—Acho que sim, meu coração pesa por não poder ajudar
vocês a sair dessa situação. Se eu pudesse mataria aquele mago, ele é
a principal ameaça a fuga de vocês, mas ele é simplesmente forte
demais.
—Você faria qualquer coisa para me tirar dessa situação?

294
—Sim! Imediatamente!
—(...)Me mate.
—O que?
A expressão dele ficou pálida, quase como se tivesse ouvido o
pior dos pecados.
—Eu disse para me matar. Se fizer isso eu acho que resolvo a
situação em um dia ou dois no máximo.
—Como? Jovem mestre eu não posso fazer isso! Como mata-
lo resolverá tudo? Não! Eu imploro, tudo menos isso! Eu jurei
proteger sua família, não a terminar!
—Mas deixa eu explic-
—Não! Eu não posso de nenhuma maneira! Farei qualquer
outra coisa!
Ele não vai vacilar, se ele próprio treinou o meu pai significa
que a lealdade dele é de mais de meio século, ele não vai pensar
direito. Mesmo que eu explique não tem garantia que ele vai
acreditar, fiquei sem opções...
—Me traz minhas armas...
—Suas armas?
—Duas braçadeiras com cinco cristais na parte de baixo delas
e duas adagas com a cor azul bem forte. Se trouxer elas para mim,
talvez tenhamos uma chance de escapar, são itens mágicos.
—O mago realmente estava estudando itens mágicos que
foram confiscados, mas eu não imaginei que eram seus. Trarei
amanhã pela manhã, seu pai e eu iremos sair pela tarde para mais um
ataque a afim de pegar a força o apoio de outro nobre da região.
—Ok... irei esperar.
Ele abaixou a cabeça e se levantou em um passo, e foi
rapidamente sair da tenda, mas eu ainda tinha uma pergunta.
—Espera! Qual o seu nome mesmo?

295
—Askeladd, jovem mestre, sinto muito por não saber o seu.
Mestre Thorfinn não abriu a boca após nosso reencontro.
—É Rolf.
—Melhor nome impossível.
Ele saiu da tenda e eu fiquei sozinha, fiquei repensando a
história, a imaginando na cabeça diversas e diversas vezes, vendo
como meu pai era diferente, uma máquina de matar virou um
homem que não gostava de lutar, isso era o quanto ele foi mudado
por ela. Outro pensamento correu pela minha cabeça, se Askeladd
realmente conseguisse meus equipamentos de volta, eu tinha uma
chance de escapar, porque aquelas braçadeiras tinham um segredo
que só eu e a Seraphina sabemos. Eu precisava lutar com todas as
minhas forças amanhã, para meu pai e eu escaparmos.

296
VINTE E DOIS
-Como reviver um Deus-

[Pov: Hel]
Mesmo depois do funeral de Baldur não pude descansar,
Odin me chamou na sala do trono para discutir um assunto em
particular. Ao entrar novamente na sala do trono agora a mesma
estava fazia, ainda tinha uma mancha poça de sangue gigantesca no
centro do salão, no trono o pai de todos encarava a mesma poça, ele
estava sozinho, não havia serviçais, nem sua esposa Frigg se
encontrava. O velhote encarava a poça com uma visão tão pesada
que parecia desejar que o centro do salão explodisse, mas logo
quando eu me posicionei em sua frente se endireitou e disse.
—Você sabe o porquê a chamei aqui?
—Se for para explicar sobre o "Pacto de imortalidade" que
sua esposa fez, é bem simples.
—Já tenho conhecimento perfeito sobre o pacto, não preciso
que você me explique nada.
—Então por que me chamou?
—Quero que reviva meu filho.
—O que?
Meu sangue frio em anos não fervia, ele conseguiu me irritar
só com míseras cinco palavras. Não consegui conter a minha aura,
senti meus cabelos flutuarem e as chamas esmeraldas da minha mana
se espalharem pelo meu corpo. Olhei para ele que não expressou
uma mísera mudança e disse.
—Você acha que funciona assim? Quando um dos seus
preciosos deusinhos morre eu posso somente trazer ele de volta? JÁ
DISSE UM MILHÃO DE VEZES QUE A MORTE PARA
DEUSES E GIGANTES NÃO FUNCIONA ASSIM!
—Não ligo, traga ele de volta! É uma ordem!

297
—Uma ordem? Haha! UMA ORDEM? A IDADE DEVE
TER DESTRUÍDO OS SEUS MIOLOS VELHOTE, VOCÊ
NÃO MANDA EM MIM! TEMOS UM TRATO DE
CONVIVÊNCIA, NÃO PENSE QUE PODE ME DAR
ORDENS!
—Pirralha ingrata! Só estou pedindo para trazer meu amado
filho de volta! Baldur era a luz de Asgard! Ele er-
—Eu não ligo se ele é a própria encarnação da bondade. EU
NÃO VOU REVIVER O SEU FILHO! PORQUE EU NÃO
POSSO FAZER ISSO! ENTENDEU AGORA?
Ele bateu sua lança no chão e uma onda de energia
descomunal percorreu por todo o ambiente, algo que transcendia a
minha noção de lógica, aquele velho ainda é um monstro. Senti suor
descendo pelo meu rosto, era a primeira vez que suava fria em
décadas, mas eu ainda sou a rainha dos mortos. Meu poder saltou
do meu corpo, chamas esmeraldas se espalharam pelo ambiente e
criaram uma barreira que impedia a aura de energia de me afetar. Eu
invoquei a minha foice, uma lâmina escarlate, metade inferior do
cabo era preto e a segunda metade era formada por uma espinha
humanoide avermelhada que seguia até o crânio, da nuca do mesmo
uma gigante lâmina carmesim saia, uma arma feita pelos irmãos
Ivaldi a partir do corpo de um lich, antigo rei dos domínios da
morte que foi destroçado por mim na infância.
O pai de todos me encarou com um olhar pesado, ele ainda
estava sentado, não se moveu um centímetro após aquele
movimento, mas eu estava tensa. A aura dele enfim se aquietou e
como resposta me controlei também, após um breve momento de
silêncio ele disse.
—E pensar que eu criei você para no momento de
necessidade você virar as costas... que decepção...
—Me criar? Você me arrancou da minha mãe, atirou um dos
meus irmãos ao mar e prendeu outro sem prova nenhuma de que ele
faria algo ruim, ainda me colocou para ser ensinado pela vaca da sua
mulher, você se importou em algum momento comigo?

298
—Te tirei das garras dos gigantes! Te dei um lar entre os
deuses.
—E me chutou para o reino da morte na primeira
oportunidade, a sua sorte foi que eu gostei do quão longe e
inalcançável pela sua influência aquele reino é! Já chega Odin! Não
tinha nada contra o Baldur, mas se quiser o teu filho de volta
suplique para a Yggdrasil, eu não tenho nada a ver com isso.
Joguei a foice por cima do meu ombro e me virei para ir
embora, precisava descansar depois de um dia longo, ainda estava
preocupada se o Rolf estava bem. O velhote resmungava enquanto
seguia para fora do salão, até que quando eu abri a porta para sair
Heindall estava do outro lado, ele pediu licença e passou, na mesma
hora o rei dos deuses se levantou. Ele gritou de seu trono enquanto
Heindall caminhava para perto do mesmo.
—HEL! SE TEME PELA VIDA DAQUELA CRIANÇA
FAÇA O QUE EU ORDENO!
Paralisei, ele disse sobre uma criança, não pode ser o Rolf
certo? Tyr e Freya ouviram falar da Bella, mas nunca a viram
pessoalmente, como ele sabe? Depois de parar voltei a abrir a porta
para seguir meu rumo, porém fui interrompida novamente, só que
pelo Heindall.
—Senhorita Hel, sugiro que fique para ouvir isso, afinal se
trata de seu protegido, aquele que saiu do reino dos mortos dois
dias atrás.
Nem pensei, saltei em direção aos dois com tudo que eu
tinha, saquei minha foice e mirei na cabeça do Odin com toda
minha força e gritando.
—“DESTRUIÇÃO SOMBRIA”!
O velhote nem se mexeu, ia receber o ataque completo, tinha
anos que eu queria rasgar a cara dele e agora que ele ousa ameaçar o
meu sobrinho me deu motivação extra para destruí-lo. A lâmina
desceu com tudo e estava prestes a rasgar a cara dele, mas vi um
brilho no canto do olho e uma espada cortou o movimento e

299
bloqueou o ataque. A mana residual do ataque foi desviada para os
lados deixando o trono onde Odin estava sentado ileso, o ataque
tremeu e destruiu o salão inteiro. Olhei para quem tinha interferido
e era Heindall estava segurando sua espada rúnica, seus braços
tremiam e ele parecia ter absorvido uma quantidade do dano. Tirei a
foice de cima dele fazendo o Guardião da Bifrost cair de joelhos
esbaforido, Odin de trás dele falou.
—Está pronta para negociar agora?
—Tem muita coragem de me ameaçar... ainda mais que eu
posso acabar com o seu exército de almas com um estalar de dedos.
—Pensa em quebrar nosso antigo acordo por conta de uma
criança mortal? Ele deve ser precioso.
—(...) Não. Me. Provoque...
Nessa hora senti meu instinto disparar e teleportei para o
lado milímetros antes de algo me atingir, quando me dei conta vi
quase encostado na cara daquele velho desgraçado um grande
martelo de cabo curto, era todo desenhado com runas, tinha sangue
seco e arranhões em toda a extensão, uma arma que foi usada a
exaustão. Aquele era o Mjonir, o martelo do campeão dos deuses
Thor, apelidado “carinhosamente” por mim por Babacão, ele tinha
arremessado o martelo para me atingir, o mesmo voltou para a sua
mão instantes depois. Ele olhou para mim completamente puto e
começou a carregar a um ataque de raios e arremessou o martelo de
novo em minha direção com três vezes mais força. Nessa hora eu
gritei.
—“AUMENTAR GRAVIDADE”!
Aumentei a potência da magia ao máximo e fiz o martelo por
pouco ficar grudado no chão. Após ele perder a arma disparei na
velocidade máxima com magia de vento, girei com a foice para
aumentar o dano e golpeei o Thor com tudo. Uma explosão
destruiu o que restava em pé do castelo dourado, quando a poeira
abaixou consegui ver um campo de força que separava eu e o
campeão babaca, o escudo parou tanto a minha foice quanto o soco
dele.

300
—EI! EI! EI! ENLOUQUECERAM?
Quem parou o nosso ataque foi o Uller, só ele teria uma
barreira tão forte para bloquear tamanho ataque. Recuei em um
pulo e me reposicionei, Uller tentou ficar entre nós dois para
impedir que a luta fosse mais distante.
—Hel! Para com isso! O que quer que ele tenha feito não
justifica destruir o castelo inteiro! Tem gente inocente aqui!
—Eles sabem dele...
—Dele? Como assim de-... Que...
O tom dele mudou e se virou direto para o Odin que ainda
estava sentado observando a luta, vários deuses, servos e outras
criaturas começaram a chegar uma após a outra. Todos se voltaram
contra mim com exceção do caçador, uma luta de todos contra mim,
me preparei e carreguei diversas magias, até que.
—JÁ CHEGA!
Odin finalmente se levantou de seu assento de maneira
imponente e seguiu até nós três calmamente passando por Heindall
que já tinha ficado em pé.
—Recupere seu martelo filho. Admito que tamanha
destruição foi inteiramente minha culpa, provoquei a rainha dos
mortos a um ponto que não tinha volta.
A população ao meu redor começou a se irar, eles estavam
prestes a pular em mim. Thor saiu disparado até seu pai, seu
tamanho era anormal, Odin tinha quase dois metros, mas seu filho
ostentava mais de três, ele disse furiosamente.
—MAS PAI, COMO PODE DIZER PARA EU PARAR!
ELA O ATACOU E DESTRUIU NOSSA CASA! SÓ
DESISTIREI QUANDO O CRÂNIO DELA FOR
ESMAGADO!
Odin pegou sua lança e tocou com a ponta da lança no chão,
uma magia dourada começou a se espalhar e aos poucos o castelo
dourado foi reconstruído bem aos poucos.

301
—Como disse, eu a provoquei para me atacar, e sobre o
castelo, nosso lar logo voltará em ordem. Você não fará nada meu
filho, entendeu?
Thor concordou com a cabeça relutantemente, seu pai seguiu
para perto de mim, no meio do caminho parece ter se irritado com
as constantes reclamações dos deuses irritados, então ele resolveu
isso de maneira pratica.
—DECLARO QUE AQUELE QUE TIVER UM
PROBLEMA COM A RAINHA DOS MORTOS
RESOLVERA PESSOALMENTE COMIGO! CASO
CONTRARIO VOLTEM AS SUAS ATIVIDIDADES.
A massa ainda revoltada queria brigar, mas um leve impulso
de energia fez os mesmos irem embora. Ele veio até mim, parou
aproximadamente a cinco passos de mim e falou.
—Se quiser que o seu protegido continue bem, melhor fazer
o que eu digo garotinha, você não pode ganhar de todos e proteger
ele ao mesmo tempo.
—(...)Prometa... prometa que você nunca vai encostar um
dedo nele, nem a sua família ou servos.
—Como queira, vamos?
—O Uller vem comigo...
—Não. Tenho um trabalho melhor para ele, Heindall
explicará a situação. Meu filho, vá e fique com sua mãe, a console
pela perda de seu irmão.
Thor se levantou, concordou novamente com a cabeça e saiu
em silêncio, normalmente um poço de arrogância e prepotência,
Odin era o único que podia tirar esse tipo de reação dele. Ele foi até
a porta e me esperou acompanha-lo, segui furiosamente, minha
vontade assassina não conseguia ser contida. Conforme andávamos o
castelo se reconstruía e eu tinha visto o alcance dos meus estragos e
o quanto aquele velho era poderoso para restaurar tudo sem ao
menos se concentrar, seguimos para o andar de baixo, para o
subterrâneo do castelo. Ao chegarmos nas catacumbas do castelo,

302
lugar onde passei parte da minha infância antes de ser “presenteada”
com o reino dos mortos, ele me levou até meu antigo quarto e abriu
a porta. Lá dentro tinha uma visão familiar, uma cama, uma mesa e
vários e vários livros, a diferença é que ramos de galhos da árvore do
mundo invadiam pelas paredes e os livros eram de tradução das
runas da Yggdrasil e antigos livros de estudo sobre todos os tipos de
magias possíveis. Após entrar ele fechou a porta dizendo.
—Leve o tempo que precisar.
Ele fechou a porta me deixando sozinha no quarto, estalei os
dedos e vários cristais pequenos, parecidos com vagalumes se
espalharam e iluminaram o quarto. Peguei o livro de tradução das
runas, encostei nos galhos para tentar me comunicar com a árvore,
quando encostei senti um fluxo de enorme de pureza absoluta, mas
não senti uma consciência vindo da árvore, se ela estava lá, não
queria falar comigo. Joguei o livro na mesa de volta e me sentei na
cama, toda a adrenalina de momentos atrás finalmente tinha passado
e o peso de todo o cansaço e aflição veio e meu corpo parecia pesar
mais de três toneladas. Deitei e tentei pensar em uma solução para
essa situação, admito que quando o Rolf voltou pela Bifrost eu
esqueci totalmente do Heindall, não achei que ele fosse ligar para a
Astrid e para ele, que merda que eu fiz. Resolvi dormir, talvez
amanhã apareça um milagre.
No dia seguinte comecei a mergulhar em meus estudos,
precisei de toda a informação possível, afinal eu tinha que reviver
um deus maior. Desde que fui “convidada” a me retirar de Asgard e
ir para o reino da morte, as únicas interações que tive com o Odin
foi ele me pedindo para reviver algum deus que morreu, era sempre
um bando de ninguém, que ele só queria de volta para não perder
números, mas com Baldur foi diferente. O problema de reviver um
deus é que conforme mais forte, conforme ele se enche de poder
divino, o corpo físico da divindade passa a se fundir com o núcleo
de mana e como resultado criasse um corpo espiritual. Um corpo
espiritual garante um poder avassalador, todos os deuses mais
poderosos possuem um corpo espiritual, menos a vaca da Sif que só
entrou no ranking por influência do Thor. A desvantagem do corpo

303
espiritual é que na hora da morte, como sua alma, mana e carne se
tornaram uma só, quando a morte chega à divindade morta se
desmancha e seu poder volta a fazer parte do mundo, em resumo o
Odin quer que eu pegue toda a essência do Baldur espalhada por
todo o universo, reúna em um único ponto e reconstrua o filho
dele... estou fodida.
A primeira semana de pesquisa foi inútil, não estava
conseguindo arrumar uma forma de reunir toda a essência do Baldur
em um lugar. No fim da primeira semana o Uller veio me visitar, ele
entrou no quarto quando eu estava de cabeça para baixo flutuando.
—Oi Hel! Como voc... eu preciso de uma explicação.
—To tentando fazer o sangue subir, no caso descer, para
cabeça.
—Não conseguiu nada né?
—Consegui, claro que eu consegui, agora estou tentando
descobrir agora como abrir essa porta para sair daqui.
—(...) Deixa de ser chata.
Voltei para o chão e sentei na cama, ele veio e sentou do meu
lado junto com uma caixa, ele a deixou no chão colocou o braço por
trás de mim e me deu um abraço de consolo.
—O Odin é doido né?
—Muito... eu já falei um milhão de vezes que não dava para
reviver deuses e até o porquê de não dá, mas claro que ele não liga.
Eu teria ignorado ele, mas ele sabe do Rolf.
—É... isso me pegou desprevenido também, como está o
“Estigma da Morte”?
—Sem reação, pelo menos ele não está mal, mas ainda estou
preocupada. Deixa isso, o que o Odin queria de você mesmo?
—Bom... ele quer que eu ache uma pessoa, o assassino do
Baldur.
—E quem é... esquece eu já sei, é o meu pai não é.

304
—É, todos estamos caçando o Loki desde ontem, mas o cara
é bom em se esconder.
—Que orgulho do meu pai, mata o filho do irmão jurado
dele e depois some do mapa sem deixar rastro deixando toda a
confusão para mim... que orgulho. Ache ele!
—Pode deixar!
Ele se abaixou, abriu a caixa, de dentro ele puxou uma garrafa
de uísque, um feito em Svartalfheim, meu favorito. Ele arrancou a
tampa e estendeu para mim.
—Vira ai!
Peguei a garrafa e virei de uma vez, o gosto forte e amargo, a
queimação na garganta, agora eu estou bem.
—Uller, você nunca vai ouvir isso de mim de novo na sua
existência. Você é foda, gosto de você.
—Já ta bêbada?
—To cansada, mas isso ajuda.
—Que bom que trouxe mais cinco.
Ele se abaixou e puxou outra garrafa, entrei instantaneamente
em choque, quase deixei cair a garrafa. Olhei no fundo dos olhos
dele, depois para a garrafa, peguei ela com a outra mão e falei.
—Eu te amo.
—(...) Uau, ficamos tão íntimos assim?
—To falando com a garrafa.
—AH! BELEZA! ARRANCA ISSO DE MIM MESMO!
VOU VOLTAR A CAÇAR O TEU PAI, VOU APROVEITAR
PARA ENCHER ELE DE FLECHA!
Ele levantou irritado e saiu pela porta e antes de bater à porta
eu disse.
—Obrigado Uller! É ótimo ver você, eu estava... com
saudade.

305
Ele parou a agressão a porta no último segundo, juro que vi a
orelha dele ficando vermelha quando ele disse.
—Também senti a sua falta, venho quando puder.
Depois ele fechou a porta normalmente e eu fiquei com as
minhas amadas garrafas, vou ter que racionar para elas durarem
bastante. Voltei aos estudos e dias passaram, dias que viraram
semanas, semanas que viraram DOIS MALDITOS meses, nesse
meio tempo recebi algumas visitas. Além do Uller, teve o Tyr que
me trouxe um barril de hidromel e disse que não tinha merda de
pista nenhuma. Uma pessoa envolta em uma poderosa magia de
invisibilidade entrou pelo meu quarto e se mostrou ser a Freya
trazendo doces e salgados, me cumprimentou e contou as novidades
sobre a caçada ao meu pai, não acharam ele. A Eir veio também, ela
é uma parceira de negócios, a Deusa da medicina, com a aparência
bem cansada, mas alegre, ela tinha um cabelo bufante e bem
arrepiado para todos os lados com uma trança que cai pelo ombro,
pele morena e um grande óculos redondo, olheiras ainda maiores
que as da Bellatrix e andava sempre com a bebida “Salvadora de
Vidas” nas palavras dela, café. Ela chegou abrindo a porta com tudo
me cumprimentando.
—Oi Helzinha, sobre que o vovô bocó te prendeu aqui com
um perdido absurdo de imbecil! Como ta parceira?
—(...) Oi Eir, como você está?
—Vivendo a base de café e trabalho, inclusive a cura da
diabete ta quase prontinha.
—Você é surpreendentemente eficiente... ah... você passou lá
em casa?
—Passei, todos estão bem, fique tranquila. As meninas estão
trabalhando normalmente, o Darius ta deixando o castelo um luxo,
impecável eu diria.
—Isso é tranquilizante...

306
Ela sentou na cama, eu estava na cadeira imersa nos estudos,
ela começou a ver alguns papeis que tinham caído da mesa e a cara
dela ficou séria.
—Não ta indo bem, não é?
Apontei para o canto da parede e tinha oito diários com
teorias e planos falhos que escrevi e tentei executar repetidamente,
ela folheou cada um rapidamente vendo cada método que eu utilizei
e disse.
—É impossível fazer isso Hel... você teria que-
—Ter infinitos clones, todos com um poder gigantesco para
manipular a essência do tecido do universo, filtrar a essência do
Baldur e focalizar tudo em um único lugar e manipular
perfeitamente para reconstruir o corpo dele garantido que tudo
saísse perfeito?
—Por aí miga.
—É, é impossível ninguém tem poder o suficiente para isso,
teria que ser uma divindade de criação, e a única que a gente tem
disponível NÃO ME RESPONDE!
Eu meti um soco carregado com mana nos galhos que
invadiam meu quarto fazendo tudo tremer. Eir se levantou e foi até
mim e me impediu de continuar.
—Ei, Ei! Relaxa! Ta tudo bem, a gente vai dar um jeito...
—NÃO! NÃO VAMOS! A CADA DIA QUE PASSA ELE
FICA MAIS IMPACIENTE E EU NÃO POSSO NEGAR O
PEDIDO DELE!
—Porque não? Vocês têm uma jura de sangue, ele não pode
te obrigar a nada! A jura não dizia que você tinha total
independência dele e que ele devia te tratar como se tivesse mesma
autoridade que ele?
—Sim... mas ele descobriu meu ponto fraco... o filho da
Bella, ele sabe dele.

307
—Espera? Que? VOCÊ CONHECEU O FILHO DA
BELLA? PORQUE NÃO ME CONTOU?
Ela me virou de frente para ela e me deu uns soquinhos de
raiva, indignada por eu não ter contado sobre a novidade, foi graças
a Bella que eu e a Eir nos aproximamos mais. Eu me preparei para
contar, mas me toquei de uma coisa.
—Primeiro.
Eu estalei os dedos e uma cúpula de silencio que impedia o
som de sair se ergueu ao nosso redor, depois disso comecei a
explicar. A história demorou bastante tempo, no fim dela a Eir
estava embasbacada, puta por não ter conhecido ele, mas
embasbacada, ela colocou as duas mãos tapando o rosto e apoiou os
braços no joelho dizendo.
—Porra... situação complicada, você sabe onde ele ta?
—A Astrid disse que eles iriam para uma vila de caçadores,
onde a Bella nasceu ao oeste da Yggdrasil, mas ela foi lá e não achou
ninguém, e o Uller não pode parar de procurar o meu pai, mas o
meu estigma não está reagindo, acho que ele esta bem.
—Isso é bom. Pelo menos a gente pode ficar um pouco
tranquilo.
—É, mas não é uma solução permanente... COMO QUE EU
VOU JUNTAR TODA A ESSENCIA DIVINA EM UM
ÚNICO LUGAR! ME FALA!
“Beleza, eu falo! ”
—AI CARALHO!
—PUTA MERDA A PAREDE TA BRILHANDO!
Várias runas apareceram na parede, uma voz na minha cabeça
estranhamente familiar apareceu do nada, era a Yggdrasil falando, o
Rolf estava certo, é uma gastura enorme que dá quando ela faz isso.
Me levantei e fui até perto das runas que surgiram na parede, bem
perto dos galhos.

308
—Então você fazia assim? Que curi- Não, não! Foda-se isso!
Como eu reúno toda a essência em um lugar! A vida do Rolf
depende disso!
“Eu sei, por isso eu to aqui. Preste atenção, vai funcionar da
seguinte forma.”
A explicação foi longa, Eir e eu ouvimos/lemos, ela podia
fazer uma coisa só para facilitar, não que isso importe. Aprendemos
em foco máximo tudo que precisávamos fazer para trazer o Baldur
de volta, após a explicação e planejamento eu segui quebrando a
porta para fora do quarto junto da minha parceira direto para os
andares superiores, foram três andares até voltar para a superfície.
Chegando no térreo do castelo dourado, ele já estava reconstruído e
tinha vários construtores que pareciam reforçar a estrutura, acho que
a destruição que causei fez a obsessão do Odin em se fortalecer
loucamente atacar novamente. Andei em direção a sala do trono,
funcionários e alguns deuses e criaturas superiores como dragões,
fadas, ninfas e outros seres me encaravam nos corredores em espanto
enquanto passava.
Cheguei na porta dupla da sala do trono, a mesma do rápido
combate com o Thor que ficou conhecido como “Outro ataque da
rainha louca”. Empurrei as portas para o salão vazio, não tinha
ninguém lá dentro, o trono estava vazio e não tinha um mero sinal
do velhote que me deixou em um quarto escuro, sem janelas e
minúsculo por quase um trimestre. Fui até o meio do salão
enquanto estava prestes a ter uma crise de nervos.
—EU VOU MATAR ELE! ME AMEAÇA E AGORA
SOME! CADÊ ELE?
—Ei ei! Calminha, senta um pouco no trono dele e eu vou
procurar alguém, relaxa ok?
Ela me pegou pela mão e lentamente como se manipulasse
uma bomba me levou até o trono e me sentou nele, após isso ela
saiu pela porta. Um tempo se passou e eu consegui me acalmar, a
porta se abriu novamente pelas mãos da Eir, mas ela não trazia Odin
ou Heindall, era Frigg, a “Deusa Mãe”. A contraparte do Odin,

309
enquanto ele é impiedoso, frio, traiçoeiro e egoísta, ela faz o papel
do lado bondoso, mas isso é só no papel, ela é tão egoísta quanto
ele, a diferença é que ela não é tão capaz quanto ele. A aparência
dela era de uma velha idosa com cabelos grisalhos, alguns traços
ruivos eram visíveis da época que ela não era só uma velha maldita
que desdenha de todos. Ela entrou atrás de Eir, que parecia muito
nervosa, e logo que me viu exclamou.
—O que a filha podre do traidor... não, não é mais correto
lhe chamar de podre, já que mudou a sua cara, o que está fazendo
no trono que não te pertence?
Me levantei logo para não ouvir mais reclamações por parte
dela e segui para mais próximo, era mais alta que ela que tinha por
volta de um metro e sessenta. Nos encaramos com o ódio mutuo
que nós duas sentimos uma pela outra e eu disse.
—Cadê o teu marido?
—Ele é o pai de todos e seu rei! Como ousa se referir a um
ser superior assim?
—Eu sou tão rainha quanto ele desde que vocês me chutaram
daqui. Cadê o Odin?
—É claro que chutamos um ser tão horrendo e asqueroso
como você daqui. Uma das três calamidades não pode viver entre os
deuses, e mesmo não vivendo você nunca terá sua liberdade de
verdade, calamidade da morte.
—Cadê. O. Odin?
Ela se tremeu inteiro, apesar de toda a pose arrogante e
desprezo, ela me temia, apenas abusava do fato de ser esposa do
único cara que é difícil bater de frente. Enquanto ela suava frio vi o
olhar preocupado da Eir por trás, como se pedisse para evitar
problemas, ela sabe que se eu for longe demais vai ser ruim. Respirei
fundo e disse tentando achar a menor paz que fosse dentro de mim
e disse.
—Onde está o Pai de Todos? Vim cumprir o pedido que ele
me fez a dois meses. Eu sei como reviver o Baldur.

310
A cara de desprezo se desmanchou e uma de incredulidade
tomou o lugar, mesmo sendo um ser vivo horrível ainda era uma
mãe, e eu sabia a falta que Baldur fazia. Ela quebrou completamente,
gaguejava desconcertada, nem ao menos conseguia olhar em meus
olhos de tanto que estava nervosa, até que depois de um leve surto
ela disse.
—Odin! Oh pelos céus! Ele saiu em missão para rastrear
Loki, e agora nosso filho... MANDAREI UM MENSAGEIRO
PARA QUE ELE RETORNE O MAIS BREVE POSSIVEL!
SIM! O MAIS RÁPIDO QUE TEMOS!
Ela saiu andando sem olhar para trás para fora da sala do
trono, porém ainda tinha uma última informação para ela.
—NÃO SAIA AINDA!
—O quê? Como assim? Por que eu não posso sair?
—Preciso que ele busque algo para mim antes de voltar, além
disso precisamos nos preparar o quanto antes para reviver o Baldur,
não é algo simples.
—E o que você precisa desesperadamente que impede meu
marido de voltar para casa?
—Loki. Eu sei onde ele se escondeu.

311
VINTE TRÊS
-LOKI-

[Pov: Uller]
Fui designado a buscar o Loki, o traidor dos deuses, foi
descoberto que ele se disfarçou de uma velha senhora e falou com
Frigg durante um passeio, a Deusa mãe estava tão satisfeita que se
gabou de seu feito de ter protegido seu filho de tudo. Ela contou
que o visgo foi a única coisa que ela não havia incluído no “Pacto de
Imortalidade”, se ela fosse mais inteligente teria perguntado a Hel
sobre como ele funciona. Após a morte do Baldur foi ordenado uma
busca para o traidor, Odin trancou minha melhor amiga no
subterrâneo e tem me feito procurar sem dormir, comer e descansar
por semanas. Eu aproveitei para escapar algumas vezes e ver a Hel
ou as pessoas do castelo de gelo, mas depois que o próprio barbudo
veio em pessoa liderar a busca ficou impossível.
Dois meses se passaram de buscas sem fim, mal tinha tempo
para comer, e definitivamente não tinha tempo para dormir. Um dia
um mensageiro chegou, um simples sátiro, novo e aparentemente
inexperiente, vestindo vestes nobres e uma capa cor vinho, ele
chegou nervoso e foi direto falar com Odin que estava próximo a
mim.
—Senhor... vossa majestade Odin! Eu vim entregar uma
mensagem urgente.
—Basta! Estou ocupado demais com a busca, não quero
nenhuma interrupção! Como ousa me perturbar em um momento
crítico? Eu dever-
—Pai de todos! Já chega, ele só está fazendo o trabalho dele.
Por favor, peço que seja piedoso.
Ele olhou para mim de cima do Sleipnir com um olhar sério e
saiu irritado. Ouvi o cavalo rinchar e dizer.
—Obrigado por salvar a vida dele.

312
Suspirei pesadamente e me virei para o mensageiro e disse.
—Então? O que aconteceu? Alguma confusão em Asgard?
Inclusive quer um pouco de a...
Eu olhei para o meu cantil do lado e ele estava vazio,
finalmente eu me lembrei onde estava e o porquê o mensageiro
estava com um manto vermelho escuro, era um manto corta fogo, a
gente ta em Muspelheim, o reino do fogo. Um gêiser de fogo e lava
explodiu relativamente próximo de nós fazendo o novato pular de
medo, conjurei um escudo ao redor do acampamento onde
estávamos para proteger de qualquer coisa que possa cair na gente e
continuei a falar.
—Desculpe, o calor de matar daqui destruiu qualquer
suprimento de água, se quiser posso pedir para algum clérigo ou
mago criar um pouco.
—Não! Não precisa vossa deidade Uller, é uma honra
conhece-lo pessoalmente.
—Não precisa de tudo isso, só “Uller” está bom.
—Ah! Ta... Sim senhor! Eu vim entregar uma mensagem da
rainha Hel e da rainha Frigg.
Me levantei em um salto o assustando, rapidamente eu o
peguei pelos ombros e disse.
—O QUE? O QUE A HEL DISSSE?
—Senhor! A rainha Frigg ordenou que o rei fosse alertado do
sucesso da rainha Hel na tarefa confiada a ela pelo Pai de Todos.
—Ah... que bom! Finalmente ela vai poder ir para casa.
Eu sentei no chão e toda a tensão das últimas semanas foi
embora de uma vez, faltei desmanchar no chão, dado ao calor
infernal eu me surpreendo de não ter derretido antes. Quando estava
para cochilar o jovem garoto falou.
—Senhor Uller, ainda tem uma mensagem direta da rainha
Hel para o senhor.

313
—Ah... claro, o que ela falou?
—Ela disse para lhe entregar essa carta, e disse que só você
deveria saber o conteúdo dela.
Ele me entregou a carta, era um rolo de couro amarrado com
uma pequena linha preta. Desamarei o fio e desenrolei o
pergaminho e prontamente o li.
Caro Uller,
Me foi informado que além de estar com a tarefa infortuna
de caçar o maldito do meu pai, ainda tem que aguentar o velhote
maldito, sinto muito por isso.
Focando no assunto, assumo que o garoto que enviaram,
espero que o Thor não tenha o matado então esconda o se puder,
deve ter dito sobre a minha conquista. Sim, posso trazer o Baldur de
volta. Antes de avisar o Odin e vir correndo peço que capture meu
pai antes, preciso da presença de diversos seres e meu progenitor
idiota é um deles.
Caso não tenham o achado ainda, gostaria de dizer que ele
está em uma casa no encosto de uma montanha perto da praia, em
Jotunheim, a casa tem quatro portas para que ele possa perceber
quando alguém chega por perto, leve um exército para cercar o
lugar. Agradeça a Yggdrasil pela dica, ela também quer proteger o
Rolf.
PS: Quando voltar traga mais uísque, a caixa acabou a um
tempo.
Agradecimentos, Hel.
Li a carta inteira espantado, faz séculos que o Odin pede para
ela reviver deuses e ela sempre declarou que era impossível, mas ela
conseguiu. Hel mencionou a Yggdrasil, provavelmente só é possível
com a ajuda dela, será que foi a Yggdrasil que contou o paradeiro
do Loki também? Ou a Hel sabia da casa de praia? De qualquer
forma deixar essa carta a mostra deve ser um erro, resolvi partir ela
com o meu controle sobre o vento. Joguei o pergaminho no ar e fiz
diversos gestos de corte, cada um virou uma rajada fina de ar

314
suprimido que partiu a carta em milhões de pedacinhos, depois usei
o mesmo vento para jogar em um poço de lava, o que tinha
explodido antes.
O pergaminho queimou na lava enquanto eu me levantei e
fui em direção ao Odin que brigava com o seu filho que estava
criando crateras e chutando anões por frustração. Cheguei perto na
hora em que um pobre anão era chutado a quilômetros de distância
pelo Babacão, nessa hora pude ouvir a voz pesada de Odin.
—FILHO! PARE DE CHUTAR E CRIAR CRATERAS!
MJOLNIR NÃO FOI CRIADO PARA SUAS BIRRAS
INFANTIS!
—PRECISO GASTAR A MINHA RAIVA! JÁ NÃO
BASTA EU TER PERDIDO UM IRMÃO, AGORA TENHO
QUE FICAR NESSA BUSCA INUTIL!
—COMO OUSA! ESTAMOS BUSCANDO PELO
PRINCIPAL CULPADO PELA MORTE DE BALDUR!
COMO ISSO É INUTIL?
—SABEMOS QUEM É O CULPADO! HOD!
—HOD APENAS FOI USADO! ELE NÃO TEVE
CULPA DE NADA! E PARE COM ESSES ATOS FÚTEIS!
—POR QUE EU DEVERIA?
—Por que eu sei onde está o Loki.
Ambos olharam para mim em choque, Sleipnir relinchou em
surpresa também dizendo.
—Você encontrou o meu pai?
Nessa hora falei na língua própria que inventei, uma
linguagem universal para todas as feras que nem mesmo o Odin
consegue falar, porque simplesmente me recusei a ensina-lo.
—A sua irmã conseguiu uma ajuda, ela é boa.
Vi uma expressão de felicidade, ele relinchou alto e se agitou
levemente. Odin estranhou o comportamento do cavalo e disse.

315
—Acalme-se Sleipnir! Às vezes me esqueço que você fala a
língua das feras, ainda se recusa a me ensiná-la?
—Não vou jogar um dos meus trunfos fora. De qualquer
forma eu sei onde o Loki se enfiou.
—SIM! ONDE ELE ESTÁ!
Thor exclamou e veio até mim agarrou os meus ombros com
seus três metros de altura e começou a me balançar. Comecei a falar
no meio da agitação para ele me largar para que pudesse falar, mas
ele não conseguia me compreender.
—Me... Larga... Maluco... Doente... Vou... Vomitar...
Socorro... ODIN!
—Meu filho, coloque o homem no chão! Você está
dificultando a busca, coloque-o no chão imediatamente!
Thor parou de me agitar como uma criança com um
brinquedo e obedeceu. O campeão dos deuses tinha mais três
metros de altura, barba e cabelos grandes e ruivos como fogo, olhos
azuis e uma burrice gigantesca, o que ele tem de força bruta ele tem
de cérebro atrofiado. Ele me colocou no chão com as mãos enormes
dele e deu três passos para trás. Odin se pós entre nós dois junto de
Sleipnir e falou de maneira imponente.
—Fale logo onde Loki está. Não podemos perder tempo.
—Jotunheim, em uma casa de praia na encosta de uma
montanha.
—Reino dos gigantes... é claro que ele está lá. HOMENS!
IREMOS ENFRENTAR OS GIGANTES! VAMOS AGORA!
Odin saiu andando até o centro do acampamento ordenando
que desfizessem as tendas, os mais burros e leais a ele comemoraram
irem para o reino dos gigantes, aqueles que eram sábios o bastante
para saberem o quão perigosos os gigantes eram se mantiveram
amargamente em silêncio rezando para que o maldito “Deus da
Trapaça” esteja em um local isolado. Gigantes, serem tão antigos
quanto os deuses, para falar a verdade, talvez mais antigos, eram

316
conhecidos por seu tamanho descomunal, Surt o gigante de fogo, é
um ser tão gigantesco que Muspelheim é seu trono, por sorte ele
não liga para nós e só fica afiando sua gigantesca espada do outro
lado do planeta, porém os outros não são assim. Odin tem um ódio
mortal pelos gigantes, os muros de Asgard foi construído
exatamente por isso, Jotunheim virou o refúgio da raça que se
trancou nele com magia antiga dada pela própria Yggdrasil, só
Sleipnir podia criar um portal até lá, a outra única opção era ir de
diretamente para lá cruzando o espaço ou escalando a Yggdrasil,
ambos meios complicados.
Os preparativos foram feitos e partimos pelo portal criado
por Sleipnir, ele era capaz de criar uma passagem própria sem
precisar da Bifrost por isso era perfeito para levar o exército
conosco. Partimos em busca de Loki, o reino dos gigantes era
diferente dos demais, tinham em sua maioria montanhas e ravinas
aos quais os gigantes fizeram de lar, a vegetação era bem mais
pantanosa e as coisas tinham uma variância de tamanho
completamente inconsistente. Caminhamos por quase quatros dias,
estávamos quase chegando perto da possível localização da cabana,
estava de noite, Odin planejava a estratégia, informei sobre a
infraestrutura da casa, sobre as quatro portas nas posições cardeais
que serviam para entregar nossa posição. Enquanto descansava na
copa de algumas árvores em forma de águia vigiando ao longe a casa
de Loki, que permanecia com uma luz interna acesa, mas não tinha
movimento. Na base da árvore uma pessoa em baixo me encarava,
um velhinho magro com cabelos e barba gigantescos e grisalhos, era
Kvásir o sábio, um “Deus” da sabedoria que até pouco tempo estava
morto. Desci da árvore para ver o que ele queria.
—Precisa de alguma coisa Kvásir?
—Nada demasiado complexo “Deus da Caça” Uller, só vim a
mando de Odin perguntar sobre a casa ao longe.
—Não, nada.
—Entendo, gostaria de dizer que foi uma ideia certeira vir
para essa casa de praia, consigo sentir o poder divino de Loki vindo
daquela casa, como sabia da existência de tal refúgio?
317
—Loki já se gabou dela por ter uma conexão com os gigantes
ele tinha uma moradia na terra deles.
Queria ter aprendido a mentir melhor, deveria ter pedido
aulas para a Hel. Kvásir balançou a cabeça como se concordasse,
mas disse.
—De fato, ele sempre foi assim... porém não lembro em
minhas memorias ele se vangloriando de suas posses, somente de
suas ações.
—Talvez ele tenha dito durante o período em que você
estava morto. Você perdeu bastante coisa.
Falei isso já me transformando em um pequeno guaxinim e
escalando a árvore, porém o sábio continuou.
—É! Mas talvez a carta que você queimou no gêiser tenha a
resposta, se eu não me engano ela foi enviada por você pela bastarda
de Loki certo?
Bastarda? Estava quase na metade da árvore, mas quando ouvi
saltei da árvore e no meio do ar mudei de um guaxinim para um
gigantesco lobo das cavernas e esmaguei ele contra o chão. A cara de
presunção dele se transformou em uma de puro pânico, bufei na
cara enquanto gritava.
—REPITA ISSO E EU COMO A SUA CABEÇA! VOCÊ
NÃO PASSA DE UMA COPIA DO VERDADEIRO KVÁSIR
FEITO DE HIDROMEL! NÃO OUSE FALAR DA HEL
ASSIM!
Ele começou a balbuciar, implorando pela própria vida. Um
grito foi ouvido de longe e Odin veio para cima de mim portando
sua lança dourada, saltei para longe do sábio de merda e encarei
furioso para Odin.
—Mantenha essa cópia barata longe de mim!
Me enfiei dentro da floresta e sumi pelo resto da noite,
ninguém foi atrás de mim até o dia seguinte. No dia seguinte eu
virei uma águia e sobrevoei a casa enquanto o ataque acontecia, os

318
deuses invadiram a casa por todas as quatro portas, pousei em um
buraco pelo telhado. A casa era simples, uma lareira, uma poltrona
coberta com pele de urso, um tapete que cobria o meio da sala e
uma mesinha do lado da poltrona com um rolo de urtiga e uma taça
com vinho. Os Aesir começaram a investigar a casa, Kvásir começou
a analisar as cinzas da lareira, enquanto isso fui sobrevoar a cascata
perto da casa. Enquanto via o leito do rio, vi que tinha um poço que
ligava a parte debaixo da casa ao rio lamacento. Ao voar por cima vi
uma luz prata nadando por dentro da escuridão das águas, logo ouvi
um estrondo vindo da casa e todos os deuses traziam uma rede de
urtiga gigantesca, Thor segurava um dos lados enquanto todos os
outros guerreiros Aesir seguravam o outro lado. A rede foi jogada na
água turva e cobriu o brilho prateado, porém a rede era muito leve,
o peixe que eu pude ver que era um salmão passou por baixo da
rede. Quando o peixe escapou da rede tentou seguir para o mar
aberto e estava para escapar pela correnteza, mas um brilho dourado
cortou o céu, era a lança de Odin, reluzente como ouro ela foi mais
rápida que Loki disfarçado. A lança perfurou o solo que se partiu
criando uma montanha que fechava o rio fazendo a água se desviar
para os lados, Loki saltou no mostrando ser um salmão e tentou
voltar para perto da cachoeira. Os guerreiros Aesir estavam prontos
para uma segunda tentativa, a corda foi puxada e pedras foram
amarradas para que o traidor não pudesse passar por baixo.
O salmão prateado nadou em rasante em direção a rede de
pesca, Loki se afundou na água escura, mas as pedras não iam deixá-
lo escapar por baixo. Ele logo subiu para a superfície e os deuses
jogaram a rede, mas em um salto ele passou por cima. O salmão
saltou e dançou no ar em direção a base da cachoeira, porém o
campeão dos deuses com seu tamanho avassalador saltou fazendo o
chão tremer e agarrando a calda de peixe do Loki ele o capturou,
tamanho foi o aperto que o aperto que parecia causar uma explosão,
no meio do ar Loki voltou ao normal, suas pernas foram explodidas
no aperto.
—RAAAAAAAAAAHHHHHH! MINHAS PERNAS!

319
Thor pegou o Loki e arremessou contra a casa antes mesmo
de cair no rio, ele jogou e como um projétil ele destroçou a casa de
madeira se chocando com o solo da clareira que cercava a casa. O
traidor começou a cuspir sangue, litros e litros de sangue, mesmo
assim ele tentou se levantar e virar um pássaro para sair voando, mas
eu não ia deixar. No meio da transformação eu cai em cima dele
virando o maior urso que conseguia, cai por cima dele, levantei as
patas de urso e esmaguei os braços emplumados dele. Com as pernas
e braços estraçalhados, o Deus da Trapaça chorava e regurgitava
sangue, ele olhava para mim que já havia voltado a minha forma
humanoide e balbuciou no meio do vomito de sangue.
—Uller! Maldito seja... você virou... um cachorro do Odin?
Nunca lhe fiz nenhum mal!
—Eu sei, e sinceramente não podia me importar menos com
você, mas todos temos coisas que devemos proteger.
Peguei ele pelo pescoço e arrastei o corpo dele até onde o
velhote estava, uma trilha de sangue se formou enquanto eu
caminhava, Loki agonizou de dor por cada instante até chegar aos
pés do Pai de Todos. Coloquei ele sentado, seus braços e pernas
estavam se recuperando rapidamente, mas ele já não podia escapar.
Sleipnir olhava para o pai apreensivo, ele sempre o amou apesar de
ter passado pouco tempo junto a ele, ver ele de tal forma devia
horroriza-lo, mas ele não podia transparecer isso. Os Aesir se
reuniram ao redor do mentiroso o cercando, seus braços e pernas
foram presos, algemas feitas das pedras mais pesadas que se podiam
encontrar. Loki se debatia enquanto era acorrentado, xingando e
gritando com todos.
—COMO OUSAM ME PRENDER! VOCÊS SABEM
QUEM EU SOU? MALDITOS! IREI MATAR TODOS
VOCÊS!
Odin se aproximou junto de seu cavalo, já portando sua lança
que antes foi arremessada, ele desceu e se ajoelhou perto de Loki
agarrando seus cabelos com força.

320
—Você matou meu filho, a mais brilhante das estrelas! Você
o tirou de nós Loki, isso que você está sofrendo pode ser
considerado a mais branda as punições pelo crime que cometeu.
—COMO SE VOCÊ NÃO TIVESSE OUTROS
FILHOS! APENAS FAÇA OUTRO! E NÃO É COMO SE
VOCÊ PUDESSE ME MATAR!
—(...) Não posso, o pacto de sangue que fizemos a muitos
invernos realmente dizia que eu nunca poderia mata-lo, mas eu não
irei. Traga-o Thor, iremos levar ele para sua punição.
Thor o pegou, ele se esperneava tentando se livrar do que o
prendia, apenas o Babacão era forte o suficiente para carrega-lo.
Odin ordenava que seus homens se preparassem para voltar para
Asgard, ele iria designar a punição do ex-companheiro de sangue
antes de voltar, porém chegou a hora de avisa-lo sobre Hel.
—ODIN! EU TENHO UMA AVISO DA HEL!
Odin que já partia pronto para criar um portal parou seu
ímpeto, ele se virou lentamente e com uma cara de descrença e
surpresa disse.
—O que?
— “Posso trazer seu filho de volta, mas preciso de diversos
seres especiais para isso, Loki é um deles.”
Quando ouviu minhas palavras ele trocou olhares com seu
filho e abriu um portal direto para o Asgard, sem nem pensar duas
vezes todos nós pulamos no portal em disparada. Voltamos para a
ponte arco-íris, a ponte ligava o castelo a Bifrost de Midgard,
corremos em direção as muralhas em ímpeto. Odin e Thor quase
explodiram os portões entrando na cidade dourada, já eu entrei por
cima em forma de águia novamente para evitar a comoção. Após
entrarmos no castelo tudo estava uma confusão, os servos estavam
loucos, diversos seres de alta classe que não pertenciam a Asgard
estavam lá, Frigg veio nos recepcionar com lágrimas nos olhos, a
Deusa mãe estava chorando, mas tinha um grande sorriso, ela dizia.

321
—ODIN! MEU AMADO! ELA CONSEGUIU! A
BASTARDA DE LOKI CONSEGUIU! BALDUR VOLTARÁ!
Nos braços de Thor, Loki começou a espernear novamente.
—O QUE? AQUELA FILHA INGRATA ME TRAIU?
COMO ELA OUSA!
Ele gritava e esperneava, resolvi esquecer eles e procurar a
Hel, Comecei a andar pelo castelo abrindo cada cômodo possível.
Enquanto explorava fui cada vez mais achando gente conhecido, vi
um grupo de algumas valquírias que também procuravam sua chefe e
resolveram se juntar a mim. Depois de explorar todos os andares
superiores resolvemos ver o subterrâneo do castelo, no meio da
andança encontramos as outras valquírias e Tyr, eles estavam
fazendo a mesma coisa que nós, quando nos encontramos ele falou.
—Uller! Graças aos céus você voltou! Acharam ele?
—Claro! Cadê a Hel? Ta tudo bem com ela?
—Eu não sei... e Freya e a Eir tão com ela, disso eu tenho
certeza.
—Falaram de mim?
A Eir no fim de um grande corredor escuro apareceu, ela veio
correndo com o jaleco branco e deu um abraço na valquíria Bellatrix
quase jogando as duas no chão. Ela falou entupida de empolgação.
—COMO TA A MINHA APRENDIZ PREFERIDA?
SENTI SUA FALTA!
—Oi Professora... não quebra minha coluna... ta quebrando!
Socorro!
A Astrid e a Hilda levantaram elas e colocaram a Deusa da
Medicina no cuidadosamente no chão.
—Senti tanta falta de todos vocês! Tenho que visitar você
mais vezes! ULLER! TYR! SAUDADE DE VOCÊS!
—Oi Eir, é ótimo te ver, realmente! Bellatrix sempre fala
muito bem de você.

322
—Oi mini médica! Descobriu a cura de mais alguma doença?
—Quatorze para ser mais preciso. E você?
—(...)Porra! Eu só capturei o Loki... falando nisso, cadê a
Hel, eu trouxe o uísque que ela pediu.
—Ah... AH! A HELZINHA! Ela ta por aqui me sigam!
Ela pegou a garrafa e seguiu em frente pelos corredores
escuros das catacumbas do castelo dourado do Odin, quanto mais
profundo íamos, mais escuro parecia, os focos de luz pareciam
iluminar cada vez menos, quando a escuridão quase passou a reinar
chegamos em uma pequena porta de madeira. Eir abriu e eu me
deparei com um imenso salão, iluminado com chamas azuis, três
grandes buracos, um no centro do salão no chão e dois nas
extremidades de cima, deles saia grandes ramos de galhos da árvore
do mundo que se retorciam em direção do centro da sala, no meio
das vinhas, aprisionada com a cabeça baixa como se tivesse
desmaiada, era a Hel.
—HEL! O QUE ACONTECEU?
Me preparei para saltar em direção a ela, Tyr e as valquírias
logo atrás de mim, peguei impulso e disparei para tentar arrancar ela
de lá, mas de repente um grito veio por trás.
—PAREM! VOCÊS NÃO PODEM ENCOSTAR NELA!
—“GRAVIDADE”!
Quando estava a centímetros de encostar nela senti uma mão
gigantesca me puxando para longe, meu corpo se chocou contra a
parede e eu cai juntamente com Tyr, Astrid, Gwydion, Hilda e
Eleanor. Me levantei e vi a Freya dando uma bronca pesada no Tyr
e nas suas filhas.
—COMO VOCÊS JÁ CHEGAM TENTANDO
QUEBRAR TUDO! EU NÃO ME LEMBRO DE MINHAS
FILHAS SEREM TÃO MAL CRIADAS!

323
—COMO ASSIM? COMO INFERNOS VOCÊ ACHA
QUE A GENTE DEVERIA AGIR NESSE TIPO DE
SITUAÇÃO?
—PERGUNTAR O QUE ACONTECEU É UM
ÓTIMO COMEÇO! E NÃO FALE ASSIM COMIGO
JOVENZINHA!
Astrid e Freya começaram a gritar uma com a outra enquanto
o resto de nós nos recuperávamos no impacto, Tyr até tentou para-
las, mas...
—Freya... tente entender, nós não esperávamos encontrar a
Hel-
—QUE NÃO ESPERAVA O QUE! VOCÊ ACHA QUE
A EIR TE TRARIA AQUI TÃO TRANQUILAMENTE?
ALÉM DISSO SEM O THOR E O ODIN EM ASGARD
QUEM CONSEGUIRIA DERROTAR A HEL?
—Mãe... Calma.
Depois ela começou a gritar comigo, admito que desliguei
minha atenção e não ouvi nada do que ela disse. Em dado momento
depois de um ou dois minutos de reclamação a Hel levantou a
cabeça.
—Eu to tentando dormir...
Todos nos viramos em direção a rainha dos mortos que
levantava a cabeça com uma cara de exaustão enorme. Ela olhou
para cada um de nós como se estivesse tentando focar e perceber
quem estava na sala.
—Freya? O que rolou?
—Uller, Tyr e as meninas chegaram, e tentaram de tirar da
dos galhos.
—Hum... não façam isso... a gente iria morrer...
Nessa hora me levantei e caminhei até próximo para
conversar com ela melhor.

324
—O que ta acontecendo Hel? Por que você está presa aí? Ta
tudo bem?
—Eu acabei de explicar isso seu caçador inútil...
Ouvi os resmungos da Freya por trás e me arrependi de ter
ignorado ela. Senti uma vontade enorme de me espancar vindo dela,
belo sentimento vindo da Deusa do Amor, mas até que eu mereço.
A Eir e as valquírias começaram a acalmar a rainha dos Vanir,
menos a Astrid, ela veio a frente parando no meu lado e disse.
—É muito bom vê-la rainha, todos no castelo sentimos sua
falta.
—Também... odeio esse lugar, nunca me abandonem...
Uma Hel carente, isso é novidade. Ela continuou.
—Você conseguiu procurar por ele? Ele está... não, imaginei.
O rosto da Astrid murchou, acho que Hel imaginou que ela
buscaria o Rolf para mantê-lo seguro no castelo, mas não seria tão
fácil.
—Não... Heindall não me deixou se quer sair de Hel mais,
todas ficamos trancadas, até tentativas de sair escalando pela
Yggdrasil ou abrindo um portal também foram impedidas
pessoalmente por ele.
—Imaginei... não se preocupe, Odin é desprezível, mas
cumpre sua palavra, além disso o Baldur é provavelmente o único
que dar para reviver com isso.
—Mesmo assim! Eu só quero...
Nessa hora levantei minha mão e baguncei o cabelo dela, um
sinal de carinho, todos estávamos muito preocupados, eu sabia
exatamente como ela se sentia. Depois de bagunçar o cabelo dela a
capitã das valquírias começou a se ajeitar enquanto eu dizia.
—Relaxa. Do jeito que vocês o treinaram e do jeito que ele é,
eu tenho é pena de quem provocar ele, além disso ele é “só” um
mortal, o Odin não vai se precaver ao ponto de capturar ele,
principalmente tendo nós em cheque.
325
Um pequeno sorriso apareceu no rosto da Astrid. De canto
de olho vi um sorriso ainda mais contido vindo da Hel. Nossa
alegria durou pouco, passos pesados podiam ser ouvidos, o chão
tremia e o cheiro de cerveja já podia ser sentido no ar, o Thor estava
vindo. Dispensei a Astrid e todos fomos para os cantos da sala
deixando um grande espaço entre nós e a entrada da sala. O barulho
cresceu cada vez mais até que quando ele parecia estar na frente da
porta veio o silêncio, poucos segundo de silêncio se passaram e uma
explosão veio destruindo a parede, tijolos, pedaços de madeira e
ferro voando, Thor havia arrombado a parede com tudo, deixando
um enorme buraco. O campeão dos deuses segurava Loki,
amordaçado e preso, atrás dele veio Odin, Frigg e os outros cinco
dos “Dez Grandiosos” que faltava, bom, nove grandiosos.
O Pai de todos entrou e caminhou até Hel calmamente
portando a sua lança dourada, ela parou na frente dela olhou para
ela com o olhar de arrogância de sempre e disse.
—Consegue fazer?
—Sua esposa fez o que eu mandei?
—Perfeitamente.
—Então deixa eu começar...
Odin se afastou e ordenou ao seu brutamonte de estimação
largar Loki em frente à sua filha, após isso o mesmo foi até perto de
sua esposa na beirada da sala, cravou sua lança no chão e começou a
rezar. Thor, Frey, Freya, Frigg, Heindall, Sif, todos começaram a
rezar juntos. Nessa hora eu olhei para a Hel e um fluxo de energia
imenso começou a emergir das raízes direto para ela, ela começou a
gemer de dor, suas veias saltaram por todo corpo em um tom azul
brilhante e forte, ela segurava seus gritos com todas as forças.
Quando ia me mover na esperança de ajuda-la ela falou.
—PARA QUEM EU NÃO TIVE TEMPO DE
EXPLICAR! VAI FUNCIONAR ASSIM! REZEM! PEÇAM
PARA O BALDUR VOLTAR! PALAVRAS TEM PODER!
PRINCIPALMENTE AS NOSSAS! VOU USAR A
YGGDRASIL COMO UMA CANALIZADORA PARA

326
RECOLHER TODA A ESSENCIA DO BALDUR QUE SE
DESFEZ! O DESEJO DE VOCÊS VAI SERVIR PARA DAR
FORMA A ESSA ESSENCIA! RÁPIDO!
Todos que ainda estavam em pé se agacharam para rezar
imediatamente, eu fui logo em seguida e comecei também. No
fundo da minha mente comecei a pensar “Por favor, que o Baldur
volte para nós, e que esse pesadelo acabe.”. Eu rezei, rezei e rezei,
todos rezamos com todas as nossas forças, o fluxo de energia vinda
dos galhos aumentou ainda mais, a Hel estava tremendo, seu corpo
quase explodindo, ela começou a convulsionar e no centro do salão
um círculo mágico enorme surgiu, em cima dele mais quinze em
diversos padrões diferente, todos com uma linguagem tão absurda e
tão repletos de energia que pareciam invocar a mais poderosa magia
da existência. O castelo começou a tremer, focos de luz pequenos
começaram a se formar e se juntar nos círculos, um a um os focos de
luz foram se juntando e formando uma massa. A forma de luz foi
ganhando forma e tamanho, cada vez maior e maior, nessa hora a
Hel gritou.
—PAI! A ÚNICA PESSOA QUE NÃO REZOU FOI
VOCÊ! COMEÇA LOGO! PEDE PARA ELE VOLTAR!
Loki ainda estava com as pernas e braços presos, a pressão o
fez voar para trás, ele tentou se manter o mais de pé possível e
gritou.
—NUNCA! COMO OUSA ME TRAIR HEL? EU LHE
DEI A VIDA E VOCÊ ME TRAI AJUDANDO O ODIN?
—EU NÃO LIGO PRO ODIN! SÓ REZA LOGO! EU
TENHO O QUE PROTEGER!
—EU JAMAIS IREI PEDIR PARA ELE VOLTAR! NÃO
IMPORTA O QUE VOCÊS FAÇAM!
—ODIN!
—LOKI! SE VOCÊ COOPERAR! SE TROUXER MEU
FILHO DE VOLTA... EU PERDOAREI VOCÊ, IREI FINGIR
QUE NUNCA FEZ ISSO!

327
Odin gritou enquanto tentava proteger Frigg, a proposta era
perfeita para Loki, o Deus da Trapaça estava em silencio, trocando
olhares com Hel e Odin, sem falar uma única palavra. Hel gritou
novamente.
—ACEITA LOGO! PELO MENOS UMA VEZ NA
VIDA FAZ ALGO POR MIM E ACEITA LOGO! EU NÃO
VOU AGUENTAR MUITO TEMPO!
Loki abaixou a cabeça todos esperávamos uma resposta dele,
mas quando ele levantou o rosto, os olhos de cobra se apertaram,
um sorriso largo e distorcido apareceu no rosto dele. O traidor se
virou e olhou nos olhos de cada um de nós com aquela face macabra
e disse calmamente.
—Deixa eu pensar... ai ai... não! Não estou afim!
—NÃO!
A forma dourada quase perfeita de Baldur explodiu, um
ataque espiritual, não teve dano. Loki começou a rir
desesperadamente, como um louco, Hel começou a ser solta dos
galhos, ela despencou de cima da parte que prendiam seus braços,
quando iria se chocar no chão dei um impulso e a segurei. Odin
começou a gritar e socar, o chão, Thor se levantou sacando seu
martelo pronto para esmagar a cabeça do maldito mentiroso.
Quando ele ia bater com o martelo a Astrid cortou o movimento do
campeão enterrando o punho na cara do Loki fazendo ele se chocar
contra a parede, Gwydion pulou por cima dela, respirou fundo e
soltou um sopro de canhão de raios na cara dele. Ambas não
pararam de socar o maldito, algumas até se juntaram depois, outra
vieram para apoiar sua rainha, essa cena deixou todos que não
sabiam o porquê da raiva das guardiãs do Valhalla em completo
choque.
Enquanto Loki ficava entre a vida e a morte, Tyr foi até suas
filhas e gritou.
—PAREM COM ISSO! JÁ CHEGA!

328
O grito assustou as guerreiras que se dispersaram, a única que
ficou em cima dele foi Astrid cujo os punhos estavam banhados em
sangue. Ela largou o deus que de tão fraco e tão surrado não podia
se mover e tinha espasmos constantes, Tyr tirou sua filha mais nova
de perto e levou ela até sua mãe que tentou limpar seus braços.
Enquanto essa cena acontecia a Hel falou comigo.
—Me ajuda a andar...
Apoiei minha velha amiga no meu ombro e servi de muleta
para que ela pudesse andar, ela foi andando em direção ao centro da
sala. Enquanto caminhávamos ouvi um pequeno barulho, um
gemido de dor vindo ao longe de Loki.
—Hel... me ajuda...
“Me ajuda”? Como ele tem coragem de pedir uma coisa
dessas? Você destruiu tudo! Eu deveria te matar agora seu pedaço
de-
—Ignora ele, temos coisas mais importantes para fazer.
Hel me puxou de volta a realidade, ela nem virou para ele,
continuou andando devagar até o Odin. Quando recobrei os
sentidos percebi que estava apertando o braço dela, ela nem se quer
mostrou reação, estava focada no que importava, diferente de mim.
Fomos até o Pai de Todos, Hel ainda apoiada em mim baixou sua
cabeça o máximo que pode e disse em um tom de suplica.
—Pai de Todos! Eu imploro, fiz o meu máximo para trazer
Baldur de volta, mas sem o apoio do Deus da Trapaça não posso
fazer nada. Por favor poupe a vida do garoto, faço o que você
quiser.
Hel não implora por nada, desde que nasceu ela pegava tudo
que ela queria, não fazia nada que ela não quisesse e jamais baixava a
cabeça, mas ela estava baixando a cabeça por amor a um menino que
ela enxergava como família, não vou deixá-la fazer isso sozinha.
—Por favor Odin! Eu imploro junto dela, é só uma criança,
só queremos que ele viva uma vida boa e tranquila, poupe-o.

329
Odin ficou calado, seu olhar de fúria virou um olhar cansado,
um olhar de alguém que já não sabia mais o que fazer. Frigg olhou
para Odin confusa, os outros deuses nos encararam, menos Tyr e as
valquírias, preferiram ficar de fora. Thor chegou carregando o Loki
todo ensanguentado e esmurrado e questionou.
—Criança? Que criança é essa? A Hel tem uma criança?
Como assim?
—Acalme-se filho... Hel, você fez o seu melhor, não deve ter
uma opção melhor do que essa, faça o que quiser, não vou atacar
uma criança mortal para descontar os crimes de outra pessoa.
Ele saiu cansado, sua esposa o acompanhou, seu filho junto
de Loki foi atrás com Sif o acompanhando, depois Frey e Heindall.
Após todos saírem só sobraram eu, Tyr, Freya, Eir, Hel e as
meninas, só restou nós naquele grande salão subterrâneo, a Deusa da
Medicina veio apoiar a amiga junto de mim e nos esforçamos para
tirar ela de lá. Freya finalmente tinha terminado de limpar o sangue
impregnado nas mãos da Astrid que parecia preocupada demais para
ligar para antiga inimizade que tinha com a Deusa do Amor, por
fim Tyr guiou suas filhas para fora daquele lugar junto a nós.
Demorou um tempo, mas finalmente tínhamos chegado a superfície,
quando chegamos demos um tratamento devido para a Hel, ela
estava esgotada, querendo ou não ela serviu de catalisador para a
magia de ressureição mais poderosa que já existiu, tinha motivo para
estar tão cansada. Algumas horas se passaram quando ela finalmente
voltou a andar, fomos para a casa do Tyr para que ela pudesse
dormir um pouco, a Astrid aproveitou também para tirar um
cochilo. Algumas horas se passaram e eu contei o inferno que passei
nas mãos do Odin, e sobre o Kvásir e sobre eu ter ameaçado ele, o
Tyr me deu uma garrafa de vinho branco de graça.
Já era quase noite, estava pensando no que fazer para todos
comerem quando Astrid e Hel vieram, as duas tinham acabado de
acordar. Eu puxei algumas frutas para elas comerem, a passarinha
dispensou, preferiu falar.
—O sonho voltou.

330
—Voltou? Alguma novidade?
—Que sonho?
Elas me explicaram, elas tiveram um sonho que previa a
morte do Baldur, mas a Astrid foi mais além, ela me contou sobre
uma pequena fera, sobre os cadáveres que seguiam ao redor dele,
sobre a fuga da tempestade, sobre a o grito de fúria dele, mas tinha
algo novo.
—Teve uma coisa a mais no meu sonho.
—O que foi?
—Da tempestade ao longe, depois dele gritar, a floresta
sumiu e três coisas desceram do céu. Uma cobra gigantesca que
queimava em chamas verdes que se arrastava consumindo tudo. Um
corvo pequeno com uma faca no bico, ele era grande, mas não era
uma ameaça, porém era cercado de centenas de ursos vermelhos e
furiosos. Por fim, um falcão, grande e feroz que tinha uma grande
armadura negra que o protegia, e tinha vários outros animais que o
cercavam como se fossem seus guardas. Os três encaravam de longe
o filhote que olhava de volta com uma fúria descomunal, mas depois
ele começou a crescer, crescer e crescer cada vez mais, ao ponto de
que todos os três parecerem pequenos insetos perante a ele.
—E então?
—Ele disse que iria rasgar todos eles pessoalmente, acordei
depois disso.
—Entendi... amanhã você vai buscar o Rolf, pode trazer o
Thorfinn, eu cuido do babacão.
—Acha que pode ser ele?
—Talvez...
Elas duas conversavam como se estivessem no próprio mundo
delas, talvez elas tenham razão, só vai ser uma confusão levar alguém
com o “Estigma do Valhalla” para o reino da morte, mas a gente dá
um jeito. Elas ficaram conversando mais um pouco e eu me afastei

331
por um tempo e fui conversar com os outros, perguntar como eles
estavam, mas um barulho chamou a atenção de todos.
—ARRRG!
—HEL!
Nós viramos e vimos a Hel caindo da cadeira onde ela estava.
Corremos até ela, suando frio, olhos desesperados, ela apertava o
peito e se encolhia como se algo dentro dela queimasse. Freya e Eir
tentaram diagnosticar, ver que tipo de coisa conseguiriam fazer,
infelizmente é a pior coisa possível, Freya disse.
—Um Estigma?
—O Estigma da Morte do Rolf. CADÊ ELE HEL?
—Leste de Midgard... reino de Teamor... um acampamento...
SALVEM ELE!
—Eu sei quem pegou ele.
Astrid olhou para mim e a única conclusão que eu pude
chegar foi o Ragnar, me transformei em um lobo gigante e destruí a
entrada da casa do Tyr correndo em direção a Bifrost, a capitã
valquíria veio rasgando o céu atrás de mim. Entramos pela Bifrost
atropelando todo mundo que estava pela frente e saímos em
Midgard, virei uma águia e subi para o céu, todos da cidade
começaram a nos olhar, mas isso não importava. Em meio a meu
desespero Astrid chamou minha atenção.
—Me segue Astrid, eu sei onde esse reino é.
Nós partimos para o leste para salvar o Rolf.

332
VINTE QUATRO
-BERSERK-

Amanheceu, consegui dormir sem mais interrupções dessa


vez, a história contada ficou martelando da minha mente, gostaria
de conversar com o meu pai sobre minha mãe, evitava perguntar
antes porque o assunto parecia faze-lo sofrer, mas antes de pensar
nisso preciso pensar em como sair daqui. Askeladd disse que iria
conseguir meus equipamentos, não consigo confiar nele
completamente, mas é a minha melhor opção. Quando acordei, em
minha frente tinha uma tigela com carne, pão fresco e água, parece
que aquele metido realmente quer me manter vivo. Depois de comer
fiquei esperando qualquer sinal de esperança de ver minhas adagas,
mas não teve nada, horas se passaram desde a manhã até depois do
meio dia, eu mesmo tentei escapar algumas vezes, mas era impedido
por algum guarda aleatório, eles não me machucavam, só barravam,
parece que nenhum deles tinha autorização para encostar em um fio
de cabelo meu.
Quando o sol estava perto de se pôr e as tochas prestes a
serem acessas, ouvi um barulho vindo do lado de fora, gritos e vozes
pareciam vindo do mesmo lugar, fui até a entrada da pequena tenda
onde estava e vi pela fresta a pior cena possível. Askeladd jogado no
chão, presos por fios que pareciam de ferro, meu cinto com as
adagas em uma mão e minhas braçadeiras na outra. Em cima dele
estava o mago velho, agora com metade da cara deformada pela
queimadura, um de seus olhos parecia pendurado por uma força
sobrenatural de tão solto do crânio que parecia. Ele estava diferente,
profundamente irritado, ele pisava na cara do velho guerreiro,
pisoteando constantemente enquanto gritava.
—TENTOU PEGAR OS MEUS PERTENCES? ESSAS
COISAS SÃO MINHAS! NÃO OUSE PEGAR AS MINHAS
COISAS!

333
Ele gritava, xingava e esperneava como uma criança de cinco
anos, ele amaldiçoava o mestre de meu pai até que finalmente
perdeu o folego.
—Arf! Arf!... maldito!... arf! Você pegou isso para o garoto,
não é? VOCÊ!
Ele se virou para a tenda onde eu estava e gritou.
—VOCÊ! TRAZ ELE PARA MIM AGORA!
Ele gritou e apontou para o soldado que guardava a porta, ele
por sua vez disse.
—Senhor, infelizmente me foi ordenado que nem você e n-
—EU NÃO LIGO! ME TRAGA AGORA! EU
ORDENO! “ORDENO QUE TRAGA ELE PELO PESCOÇO”!
Suas mãos enrugadas e levemente queimadas se cobriram com
uma leve luz roxa, na mesma hora o soldado foi coberto pela mesma
luz de antes. Ele se virou e entrou a força na tenda, quase que fui
pego, mas por sorte saltei para trás, o homem começou a caminhar
devagar em minha direção. Ele se aproximou de mim e levantou seus
braços em direção ao meu pescoço, mas ele era muito lento, passei
por baixo dos braços dele e dei um soco no saco desprotegido dele.
O soco o fez se contorcer inteiro e cair no chão de lado, o brilho
saiu do corpo dele e ele começou a gemer de dor no chão, aproveitei
a brecha e peguei a espada que ele carregava, saquei ela, era pesada
como toda espada que já tinha tentado pegar, mas dava para usar,
ergui sobre a cabeça e mirei no pescoço dele, mas a espada não
conseguia descer a espada, não conseguia matar ele, por que eu não
consigo? Ele trabalha para o Ragnar! É simples, é só jogar a parte
com corte no pescoço dele e ele morre... Por que eu não consigo
baixar a espada?
O tempo que demorei me perguntando o porquê não consigo
mata-lo fez o cara se recuperar e tentar me agarrar com raiva, no
reflexo eu fiz um corte no braço dele que começou a gritar, no susto
sai correndo segurando a espada. Quando sai vi o mago ainda
pisando no corpo do Askeladd, não tive dúvida, esse eu queria matar

334
com tudo que tinha. Disparei em direção a ele que ainda esperneava
como uma das diversas crianças imbecis que fui obrigado a conviver.
—MAS QUE MERDA! NÃO CONSEGUE LIDAR
COM UMA CRIANÇA! INUTEIS!
Avancei em direção para ele furioso e saltei em um corte
vertical sem o mínimo de hesitação. Quando a lâmina desceu pronta
para partir o crânio do mago ele simplesmente levantou dois dedos
na minha direção e um escudo apareceu. A espada se chocou com o
escudo e ainda no ar ele me atacou, pequenas faíscas de raios saíram
de seus dedos, elas dançaram pela espada e entraram em mim. Senti
minha pele queimar com uma dor lancinante e gritei desesperado.
—AHHRRRGG!
Cai no chão convulsionando e larguei a espada, ele deixou
Askeladd e veio até mim, não conseguia ouvir nada, só um apito
muito alto nos dois ouvidos. O conjurador veio até mim e ficou me
olhando de cima e falando, demorou um tempo até o zumbido sair
dos meus ouvidos e finalmente escutar o que ele tinha a dizer.
—Acho que agora você deve ter voltado a me ouvir... eu
tenho um presente para você garoto, afinal uma criança machucar
um mago de nível imperial é algo digno de uma recompensa.
Ele puxou uma seringa, um negócio que só tinha visto no
laboratório da Bellatrix e da Hel, elas disseram que aquilo servia
para aplicar remédio ou venenos em pessoas de maneira mais
precisa. A seringa que ele tirou tinha um líquido vermelho escuro
que parecia sangue, ele deu dois toques no vidro que compunha a
ferramenta e se aproximou de mim . Comecei a tentar me mexer, o
que quer que fosse aquilo, bom não deveria ser, Askeladd começou a
gritar, parecia que ele sabia o que era.
—SLYTERIN! PELOS DEUSES NÃO FAÇA ISSO!
VOCÊ NÃO SABE O QUÃO PERIGOSO ISSO É!
—CALA A BOCA! ELE SÓ VAI VIRAR UM PET
IRRITADO! NADA QUE EU NÃO POSSA CONTROLAR!

335
Ele me pegou pelo pescoço e começou a aproximar a agulha
enquanto Askeladd gritava para ele parar.
—Sabe garoto? O sangue do seu pai é bemmmm especial! Ele
e pouquíssimas pessoas tem um sangue tão sujo vindo de um
monstro... No início dos tempos um gigante tentou enfrentar o
Thor, ele tinha cem braços e cinquenta cabeças, aquele demônio era
assustador, quase matou o campeão dos deuses, mas ele ganhou por
muito pouco. O corpo daquela criatura caiu de Asgard para
Midgard, destruindo tudo quando bateu aqui.
Ele enfiou a agulha no meu pescoço, quando eu olhei para o
lado vi Ragnar e meu pai correndo em desespero para nós, ouvi ao
longe o grito dos dois.
—SLYTERIN! É UM BERSERKER SEU IDIOTA! O
EFEITO É DIFERENTE!
—ROLF! NÃO! POR FAVOR NÃO!
O elfo negro não ouviu, me olhava com uma face psicótica,
um sorriso largo e olhos que quase saltavam para fora, não dava para
se quer chamar ele de pessoa, era um lunático! Ele continuou a sua
história enquanto apertava lentamente a agulha.
—Quando o corpo daquilo chegou aqui, o poder dele seduzi-
o diversas raças, raças que queriam ser tão invencíveis quanto aquele
monstro. As pessoas beberam aquele sangue, muitas não aguentaram
e morreram, mas aqueles que suportaram herdaram a fúria daquela
besta e viraram monstros. O seu querido papai herdou isso, então
como presente vou te deixar igual a ele.
Ele apertou a seringa cada vez mais e eu senti como se algo
me devorasse por dentro, aquilo estava se espalhando pelo meu
corpo, como se um verme começasse a escavar pelos meus músculos
e órgãos, se espalhando por todo lugar. Senti minha garganta fechar,
meu corpo ficou quente e comecei a tremer. Quando Ragnar estava
chegando desesperado Slyterin disse.
—Que barulheira toda é essa? Não vou deixá-lo morrer! Só
qu- AAAAAAAHHHHHHHHHHH MEU BRAÇO!

336
Quando vi eu estava esmagando o braço dele que me esganava
com a mão, o aperto era tamanho que eu sentia os ossos do braço
dele esfarelando, quando finalmente soltei ele pulou para trás
assustado, suando frio e segurando o braço desfigurado. Me
levantei... como eu me levantei? O choque não devia deixar eu me
levantar... Não, não tem dor, não sinto nada, só estou irritado, tão,
tão irritado, por que eu to tão irritado? Askeladd... Ele está com as
minhas coisas, comecei a andar até ele e peguei a minha faca e
peguei as braçadeiras, ambas. Quando peguei ajustei a adaga na
minha mão e lembrei de algo que a Seraphine me disse:
“Rolf, lembre-se que você pode quebrar as braçadeiras caso
tudo saia do controle, se quebrar as duas eu vou ficar com pena de
quem você enfrentar, mas seja prudente ok?”
Eu comecei a quebrar, dei um apunhalada no cristail e ele
rachou um pouco.
—PARA ELE AGORA SLYTERIN!
—VOCÊ NÃO VAI ENCOSTAR NELE RAGNAR!
Dei mais um golpe.
—NÃO!
Dei mais um golpe.
Quando ia dar o último golpe senti algo chegando perto de
mim, mas não me alcançou a tempo. Bati uma última vez e enfim
quebrou, uma quantidade absurda de energia saiu, algo indescritível,
invencível, eu só pude pensar em uma última coisa.
—“Tempestade de Gelo”.
Depois disso eu não pensei mais nada.

337
[Pov: Ragnar]
DROGA! DROGA! DROGA! DROGA PORRA!
PORQUE ELE FEZ ISSO? MERDA, EU QUASE O
ALCANCEI, MAS O THORFINN ME PRENDEU! MERDA!
MALDITO SLYTERIN! ELE TINHA QUE TER FEITO
TAMANHA MERDA!
Quase alcancei ele porra! Por que o Thorfinn tinha que me
parar! Ele quebrou a braçadeira e uma explosão de gelo gigantesca
destruiu tudo ao redor. Graças a eu estar junto com o Thorfinn ele
absorveu parte do dano, mas quem estava perto morreu na hora.
Quando recobrei os sentidos olhei para a direção do Rolf, mas tinha
uma nevoa cobrindo tudo, quando me levantei ouvi o mesmo
barulho de antes de vidro quebrando e uma marca de mana
gigantesca vindo da fumaça de gelo, vi o Rolf saindo da névoa, seus
olhos eram bestiais, sua pele avermelhada, segurando as duas adagas
azuis e emitindo uma sede de sangue monstruosa, para piorar ele
estava olhando para mim. Eu não tinha um minuto de descanso, já
não bastava um pirralho em modo berserker e aprimorado com
magia até o limite, mas também tinha o Thorfinn que estava caído
no meu lado tinha levantado e estava se transformando.
Saltei e saquei a minha espada ambos saltaram para cima de
mim furiosos, Thorfinn sacou seu gigantesco machado de bronze e
me atacou, um golpe veio para me destroçar. Pensei que iria ser
partido no meio, mas um escudo de energia me protegeu, o impacto
foi monstruoso, o chão embaixo de mim se rachou, junto com a
própria barreira que me separava do ogro, uma explosão de chamas
arremessou meu antigo irmão para longe, Slyterin apareceu com o
braço parcialmente curado e disse.
—MATA O GAROTO! EU CUIDO DO THORFINN!
VAI LOGO!
Diversos círculos surgiram em suas mãos e dezenas e mais
dezenas magias surgiram, Thorfinn se levantou ao longe pronto para
matar o que tivesse na frente, os dois se chocaram e uma luta
lendária começou. Enquanto me distraia Rolf voou em meu
pescoço, desviei e ele acertou o ar por pouco, um corte que fez
338
pressão no ar de tão forte que um leve estrondo foi formado, não
posso ser acertado por aquilo.
A luta contra meu odiado sobrinho começou, não posso
deixá-lo me tocar. Ele avançou contra mim cortando o ar
furiosamente, ele começou com vários cortes, saltei para trás para
desviar, mas ele conectou com uma estocada, consegui desviar o
ataque com meu escudo. Aproveitei a brecha e joguei a espada
contra a cabeça dele, mas o impensável aconteceu, ele girou a adaga
na mão e fez um corte em direção a espada e cortou ela perto da
base, do que essa porra é feita? Quando cortou a minha arma ele
tentou apunhalar a minha cara, dei um mortal no último segundo e
dei um chute na cara dele que fez ele voar para cima, era como
chutar uma rocha, mas ele não parou. Logo após se recuperar ele
veio para cima de mim novamente, tentei fugir para arrumar
qualquer arma, mas ele não dava brecha, gritei para os soldados.
—MATEM O GAROTO!
Meus homens me escutaram, três voaram nele prontos para
mata-los, o primeiro foi rasgado em dois com um corte horizontal,
o segundo atacou, mas o garoto desviou e deu um soco que amassou
o crânio, com capacete e tudo, por último um arqueiro, ele atirou,
mas a flecha foi bloqueada pelas adagas, antes mesmo de pegar outra
na aljava o garoto disparou para frente dele e o decapitou. Enquanto
ele matava todo mundo que chegava perto dele sai correndo em
busca de qualquer arma, qualquer uma.
Achei um machado que estava no chão e quando ia pegar
senti uma sede de sangue em minhas costas, quando me virei o Rolf
fez um ataque que fez um corte na minha cara, passando pelo meu
nariz. Ele conectou o corte com um chute de direita na lateral do
meu rosto, levantei o meu escudo e me protegi do ataque, o escudo
quebrou, o osso do meu braço rachou, mas eu ouvi algo bem alto
quebrando, a perna dele foi mais destruída que meu braço. Tentei
dar um gancho com o machado mirando na cabeça, mas ele se
protegeu com as adagas novamente, não lembro desse moleque ter
tanto treinamento, mesmo com os atributos no máximo não lembro
de ele ser bom lutando.

339
Ele voou para trás e parou em pé, mesmo com a perna
quebrada, esqueci que ele não sente dor. Parti para cima dele
tentando esmagar a sua cabeça, ele bloqueou de novo, ouvi os ossos
dele estalarem. Com pura força bruta ele jogou o meu ataque para
longe, quase me derrubando para trás, e partiu para cima de mim,
quando ia finalmente me matar ele foi atingido por uma flecha no
meio do percurso. A flechada perfurou o ombro dele, a ponta da
flecha entrou pela metade, ele arrancou e partiu para cima do
arqueiro e do grupo de vários guerreiros que o cercavam. Aproveitei
o descanso para correr e ajudar Slyterin na luta contra o Thorfinn.
Ele estava longe, tinha atraído o ogro para fora do
acampamento, a luta deles era brutal, as magias de Slyterin
devastavam o ambiente, enquanto os socos de Thorfinn tremiam a
terra. O mago arremessou uma bola de fogo gigantesca na direção
do bárbaro mais forte, mas ao invés de desviar ele cortou a esfera
elemental com tamanha força que a pressão do golpe fez o formato
da magia se desfazer. Avançando como um touro ele desferia golpes
com seu machado pesadíssimo. Tentei atacá-lo pelas costas
desferindo um corte diagonal, rasguei as costas dele, mas o ataque
tinha sido muito superficial, mal havia o machucado, ele reagiu
girando o machado em um corte horizontal em minha direção, fiz
um rolamento e desviei por pouco, os golpes do Thofinn era
MUITO mais forte que os do Rolf, mesmo com uma armadura
completa e um escudo pesado eu seria partido em pedaços.
A atenção quencapturei de Thorfinn abriu uma abertura na
defesa do titã, o mago agora atrás dele gritou.
— “SANGUE SUGA VAMPIRICO”
Um círculo de sombras se abriu em baixo do mago e dele
brotou diversos vermes que se prenderam no corpo do Thorfinn o
restringindo levemente, ele começou a se debater e gritar, mas era
inútil, elas eram feitas de sombras, então não se desmanchavam.
Uma energia enorme verde saiu do corpo dele e começou a ser
despejada no mago, algo assustador aconteceu. O mago começou a
regenerar seu corpo de forma nojenta, como se sua pele se
deformasse, suas queimaduras anteriores se concertaram e a pele

340
começou a rejuvenescer, seus músculos começaram a crescer e ele se
tornou mais jovial, em contrapartida meu ex-irmão começou a
perder força. Thorfinn ficou com os cabelos e barba grisalhos, ele
começou a perder o ar, até mesmo seu tamanho ficou menor.
Quando o mago estava prestes a chegar no auge de seu corpo, uma
sombra fez um corte em seu peito cessando a magia, o mago
envelheceu rapidamente, mas mantéu parte da energia roubada de
Thorfinn e usou para se salvar do corte fatal, Thorfinn se levantou
furioso pronto para me esmagar. Do lado dele, pousando na neve
com dificuldade, era Rolf, ele estava repleto de cortes por todo
corpo, mas estava banhado em sangue, uma trilha tinha parecia
persegui-lo, quando olhei para a origem do rastro vi uma pilha de
soldados mortos completamente mutilados e com ferimentos de
gelo e lacerações pesadas, aquela criança era um verdadeiro demônio.
Ambos estavam com o mais puro ódio, prontos para me
matarem, não tinha mais nem apoio, no início da manhã Nero saiu
para negociar com nobres de uma região distante e levou qualquer
pessoa que poderia me ajudar contra esses dois. Quando estava para
ser esmagado vi o impensável, Thorfinn deu um soco súbito no
Rolf e enviou voando para dentro de uma cabana que foi destruída
no processo, quando ele virou de costas eu vi um verme translucido
roxo com as patas enfiadas por toda a coluna, a cabeça do verme
estava mordendo a nuca dele. Quando olhei para além dele vi
Slyterin caído no chão ainda cuspindo sangue, ele estava com as
duas mãos erguidas e um grande círculo mágico estava ao redor de
suas mãos, ele gritou vitorioso.
—EU NÃO ACREDITO QUE ISSO FUNCIONOU!
HAHA! FILHO DA PUTA! A MAGIA DEU CERTO!
Ele cuspia sangue enquanto ria desesperadamente, Thorfinn
se movia de maneira dura, claramente estava lutando para se livrar
do controle que o mago exercia, corri até ele e me o apoiei em mim,
nos preparamos para sair, mas ele não quis.
—NÃO! SÓ VOU SAIR DAQUI QUANDO VER O
MOLEQUE SENDO MORTO PELO PAI DELE!

341
—ESQUECE ISSO! ELES VÃO NOS MATAR SE
VOCÊ PERDER O CONTROLE DA MAGIA!
—NÃO!
Os dois começaram a tentar se matar, Rolf estava fragilizado,
mas o efeito de não sentir dor o fazia continuar lutando, já
Thorfinn estava restringido o bastante para não conseguir lidar
facilmente com o filho. Vários cortes foram feitos no corpo do
Ogro pelo garoto, os cortes começaram a criar uma camada de gelo
que travava cada vez mais os movimentos do gigante, ambos
estavam sangrando muito, mas Thorfinn parecia estar ganhando
vantagem. Quanto mais a luta continuava, mas o garoto parecia ficar
fraco, o efeito da magia de reforço parecia estar acabando, logo só
restaria o efeito do berserk que não era o suficiente para lidar com o
Thorfinn. Em dado momento Rolf foi agarrado no meio do ar, ele
o pegou e arremessou com toda força no chão, o chão tremeu, e o
barulho de ossos quebrando foi tão alto que me apavorou por um
momento. O garoto estava derrubado sangrando usando suas
últimas forças para tentar se levantar. Seu pai chegou até perto dele,
travado, levantou seu machado com uma única mão, e tentou
golpear com toda força, mas o machado parou antes de bater nele, o
garoto aproveitou a brecha e deu um último salto de fúria e cravou
as duas adagas no meio do peito do Thorfinn.
—PORRA! NÃO! MINHA MAGIA ACABOU! EU
PRECISO FAZER DE NOVO!
—VAMOS SAIR DAQUI LOGO!
Enquanto eu arrastava o mago para fora dali a última coisa
que eu vi foi o Rolf empalando o próprio pai que queria proteger,
bem feito moleque, é isso que ganha por tentar me matar.

342
[Pov: Rolf]
Minha cabeça ta doendo muito, me sinto tão fraco, mal
consigo respirar o que ta acontecendo? Eu quebrei as braçadeiras
não quebrei? Onde eu estou agora?
—O que? Aonde eu estou? O que está acontecendo? Quem
está na minha frente? Pai?
Vi uma barba castanha e uma pessoa muito grande na minha
frente, porque eu estou esfaqueando-a? Quando olhei para cima vi o
meu pai, ele estava com a pele avermelhada como naquele dia, mas
ele estava consciente, minhas adagas estavam enfiadas no meio do
seu peito, onde estava o coração dele... o que foi que eu fiz...
—Rolf... não é culpa sua ok? Sai daqui... eu vou logo atrás de
você...
—NÃO! O QUE... O QUE EU FIZ! PAI! POR FAVOR
NÃO! NÃO! NÃO! POR FAVOR NÃO PODE SER ASSIM!
—Está tudo bem... as coisas saíram do controle, mas ta tudo
bem... você... você lutou bem, o papai ainda tem que lutar mais um
pouco... eu preciso que você se esconda enquanto ainda pode...
—NÃO! VOCÊ NÃO PODE LUTAR ASSIM! A
GENTE TEM QUE SAIR DAQUI! VOCÊ NÃO PODE
MORRER! POR FAVOR NÃO MORRE! EU NÃO QUERO
FICAR SOZINHO!
—Eu não vou... você só precisa se esconder ok? Se esconde
que... que eu vou garantir que ninguém... vai...
—Pai... para de falar, vamos, a gente ainda pode achar alguém
para te ajudar...
Ele pegou a minha mão e tirou da adaga, ele deixou ela lá e
me afastou dele um pouco.
—Isso... não é sua culpa... por favor fuja filho, você precisa
sobreviver... você é o maior tesouro... por favor... continue sendo
gentil como sua mãe... eu te...

343
Ele parou de falar... seus olhos fecharam, ele só ficou ali,
agachado, se apoiando com o machado.
—Pai... pai! Pai! Por favor acorda! Vamos para casa! Por
favor! Acorda, você não pode morrer, não agora... por favor...
Me joguei de joelhos no chão, agarrei o meu pai e tentei fazer
ele se mexer, mas ele não respondia, tentei bater nele, ele não
respondia, o que eu faço?
—Astrid... tia Hel... por favor... salvem o meu pai... por
favor... me tirem daqui por favor... mãe... cadê você... não quero ficar
sozinho...
Não consegui mais conter minhas lágrimas, já nem me
importava mais com a dor que aumentava cada vez mais no meu
corpo, eu só queria que meu pai acordasse. Infelizmente, eu não
podia chorar, flechas atingiram o chão perto de onde estávamos, e
quando vi ao longe dois arqueiros estavam preparando mais para me
atingir. Meu corpo se mexeu sozinho, corri para longe e deixei meu
pai para trás, meus ossos estalavam a cada passo que eu dava. Corri
para dentro da floresta que cercava o acampamento, passando pela
vegetação densa, meu corpo pesava cada vez mais, até que eu ouvi
um estalo.
—CRACK!
Um barulho alto, seguido de mim caindo de cara no chão, o
osso da minha perna tinha quebrado no meio.... Tentei me arrastar
pelo resto do caminho, cheguei em uma clareira, era na encosta de
um pequeno morro, me arrastei ainda mais, até encostar na parede
de pedra, tentei me sentar, meus olhos estavam pesados... eu... eu
acho que eu vou dormir... só um pouco..., mas não dava tempo deu
dormir, ouvi os barulhos dos arqueiros vindo pela mata.
—ACHEI RASTROS DELE! SIGAM O CAMINHO DE
SANGUE!
Quando olhei de onde tinha vindo vi um rastro que pintava a
neve de vermelho que me seguiu até onde senti. Ouvi um barulho
vindo do alto do morro, eram lobos, idênticos aos que tinham

344
devorado o meu corpo quando morri pela primeira vez, eram cerca
de dez deles. Eles se juntaram ao meu redor, respiravam fundo como
se meu sangue fosse a coisa mais cheirosa do mundo... parece que é
assim que eu vou morrer, mas por que eu estou em pé?
Meu corpo se mexeu sozinho, não estava mais sentado,
apoiando todo o peso na perna que ainda não tinha se partido,
sentido dor em cada centímetro do meu corpo eu me levantei, fechei
os meus punhos, ainda não quero morrer. Os lobos não me
atacaram, viram cada movimento que eu fiz em silencio, após me
levantar, todos soltaram um enorme uivo em direção ao céu, estava
escurecendo finalmente. Os arqueiros chegaram, me viram cercados
pelos animais e se preparam para atirar.
—SEU MERDINHA! COMO OUSA MATAR MEU IR-
Ele não terminou de falar a frase, um flash de luz dourada o
dividiu em diversas partes e seguiu floresta a dentro, o corpo dele
havia se partido em diversos pedaços que se espalharam por toda a
clareira, os lobos vendo isso avançaram e começaram a avançar e
comer os restos do cadáver. Enquanto um era devorado o outro em
pânico tentou fugir, porém uma fera muito maior que as outras
apareceu, um lobo gigantesco, mais de três metros de altura mesmo
sobre as quatro patas, ele não parecia agressivo, me olhou de cima a
abaixo e uma luz azul cobriu todo seu corpo, uma mesma luz que eu
tinha visto antes, a fera se tornou um homem forte, de cabelo
castanho, pele bronzeada e olhos dourados, era o Uller, ele estava
com uma cara de desespero e aflição.
—O que aconteceu com você?
—Tio... Uller...
Eu cai, mas ele me segurou no meio da queda, apoio em seus
braços, com uma feição de pânico ele começou a inspecionar o meu
corpo, me deitou na neve com cuidado e começou a cuidar de mim.
Ele puxou da mochila dele ervas, poções, bandagens, tudo que ele
podia se quer imaginar ele puxou da mochila e usou para começar a
tentar me tratar, ele não parou por um segundo e tentou o máximo

345
que pode tratar todas as minhas feridas, em dado momento outra
pessoa chegou.
—Acabei com eles! Eram só dois arqueiros e outro cara com
uma espad- ROLF!
Aquele brilho dourado, era a Astrid, ela correu passando
pelos lobos e se jogou de joelhos do meu lado, sua face explodia em
preocupação, ela gritava.
—O QUE? MAS COMO? VOCÊ NÃO DEVIA ESTAR
AQUI E POR QUE VOCÊ ESTÁ TODO MACHUCADO?
NÃO! NÃO! NÃO!
—Astrid se acalme! Eu to tentando estabilizar ele, me passa o
que eu pedir.
Eles começaram a me tratar, tiraram as pontas de flechas,
tentaram selar os cortes que sofri, mas não dava para concertar os
meus ossos, nenhum dos dois eram bons com magia de cura. Após
me estabilizarem eu estava quase dormindo, mas a Astrid se
levantou sacou a lança e disse.
—Onde você vai Astrid?
—Tem um acampamento aqui perto... vou matar tudo em
um raio de quarenta quilômetros, não vou deixar nada sair vivo
daqui.
—(...) Pode ir, tenha certeza de que-
—NÃO!
Ambos olharam para mim assustados, eu me levantei
forçadamente, algo dentro de mim gritou quando ela disse que ia
matar aqueles dois.
—NÃO MATE ELES! NÃO OUSE ENCOSTAR
NELES! EU TENHO QUE MATAR ELES! NÃO MATE
ELES!
Minhas feridas começaram a se abrir, a dor tinha voltado,
quando olhei para eles só vi espanto, Uller estava incrédulo, Astrid
pós a mão na boca como se eu tivesse falado algo pecaminoso, eu
346
despenquei de novo após isso, Uller me segurou e depois de um
último pico de energia, eu dormi.

347
VINTE CINCO
-O menino que sobreviveu-
[Pov: Astrid]
O Rolf desmaiou depois de gritar a mesma coisa que o
pequeno filhote tinha gritado no meu sonho... não pode ser, como
eu não entendi isso antes, os três monstros, o Ragnar não estava
sozinho, os corpos ao redor dele... O URSO! THORFINN!
—PUTA MERDA! O THORFINN-
—O Thorfinn era o urso... Astrid! Você fica aqui com ele,
estanque as feridas dele de novo, eu vou buscar o corpo dele. O Rolf
deve ter deixado os equipamentos caírem durante a fuga. Você fica
aqui.
—O que? Mas porquê?
—Não te conheço tão bem assim, mas você conhece o
Ragnar, se você vir ele, você vai atacá-lo.
Ele se levantou depois de ajeitar novamente as ataduras do
Rolf, ele estava com eles nos braços, veio até mim e me deu para eu
o segurar.
—Ele é mais apegado a você, eu sei como é o Thorfinn, vou
lá buscar o corpo dele e os equipamentos. Não saia daqui!
O Rolf estava dormindo tranquilo nos meus braços, nem
parecia que ele estava lutando pela vida a pouco mais de uma hora.
Resolvi me sentar e estalei o dedo para invocar pequenas bolas de
luz para iluminar o lugar. Os lobos que o Uller havia pedido ajuda
para achar o garoto se dispersaram, alguns até vieram perto, apenas
para ver se ele estava bem, cheiraram um pouco e logo foram
embora. Cerca de dez ou vinte minutos se passaram e o Uller voltou
carregando as duas adagas banhadas em sangue, o escudo de madeira
Vanir, a bolsa mágica e estava arrastando algo.
—Tive que roubar a bolsa de um mago doido de merda,
ironicamente o escudo estava debaixo de escombros.
—Cadê as braçadeiras?
348
—Destruídas, não servem de mais nada.
—Então ele usou o recurso de emergência da Seraphina... O
quão feio foi essa briga?
—Bom... se eu dividir por dois o número de corpos que tem
dá por volta de doze vítimas para cada. Que recurso era esse?
—Se quebrar as braçadeiras ele poderia lançar uma magia por
comando de voz e liberar um feitiço de reforço de nível imperial.
—Porque vocês deram isso para uma criança? Não... graças
aos céus que vocês deram... se for assim acho que o Rolf matou mais
que o Thorfinn, tem sinais de um mago de nível imperial nas
redondezas, se o Thorfinn cuidou dele, o Rolf deve ter matado o
resto.
—Mais de vinte vítimas... o que aconteceu aqui?
Me levantei e vi novamente o Uller arrastando algo coberto
por seu manto. Ele estava guardando as coisas na bolsa mágica
dimensional, tentei olhar para o que ele trazia, mas estava coberto,
porém ele logo cortou o mistério.
—É o Thorfinn... as adagas estavam presas no peito dele.
—(...)Merda...
Eu devia ter levado vocês até lá, o que foi que eu fiz...
Uller amarrou a bolsa dimensional na cintura e se sentou na
neve para pensar, acho que nem ele saberia o que fazer.
—Ele não vai aguentar uma viagem em velocidade máxima, as
feridas vão abrir e ele vai sangrar até morrer.
—Eu sei, parece que teremos que ir a pé... espera, cadê o
colar?
—Que colar?
—O Rolf antes de ir embora tinha um colar de madeira
escuro com o entalhe de Helheim, o símbolo do granizo sabe? Não
foi você que deu para ele?

349
—Eu achei que tinha sido uma de vocês. De onde aquilo...
claro... foi ela.
—Árvore do mundo...
Ele se levantou e pediu a bolsa mágica novamente, ele enfiou
a mão e procurou por algo de maneira exagerada e desesperada, logo
ele tirou a mão e junto dela saiu o colar que eu tinha citado antes.
—Aqui... tive uma ideia...
Ele foi até perto das árvores e falou.
—Grande Yggdrasil! Maior das árvores! Oh símbolo da vida!
Por favor apareça e nos ajude a voltar para casa!
—(...) Era para acontecer alguma coisa.
Ele enfiou a mão na cara, acho que era para acontecer algo
além da cena dele falar com o nada. O silencio perdurou por alguns
minutos até que a vegetação começou a reagir, galhos e árvores
começaram a se distorcer, pedras soltas ao redor começaram a
flutuar e um portal rustico se formou em nossa frente. Feito de
galhos, troncos e pedras com símbolos rúnicos, um portal que
emitia a mesma energia que a Bifrost aparece na nossa frente.
“Vocês podem voltar para Helheim por esse caminho. “
—Ok... isso foi além do que eu esperava, bom, de qualquer
forma.
Ele se virou e ergueu o corpo de Thorfinn, mesmo para um
humano ele era enorme, era difícil carregar sem ficar arrastando
nada, era como se ele fosse um... urso enorme. Ele pegou o ogro e
saiu em direção para o portal, mas antes de passar, vinhas e galhos o
impediram de passar, ele tentou empurrar para passar, mas o portal
não aceitava ele, logo entendemos o porquê.
“Devolva o colar para o Rolf, não é para você. “
Uller bufou, tirou o colar do casaco e atirou para mim, eu
peguei no ar e coloquei com cuidado no Rolf que ainda dormia nos
meus braços. A barreira sumiu e o Uller simplesmente atravessou
para dentro, fiquei receosa de entrar em um portal que apareceu do
350
nada, mas eu não tenho lá uma opção melhor, o Deus da Caça já
entrou mesmo. Fui andando calmamente e fiquei em frente ao
portal, respirei fundo e dei um passo para dentro. A visão que veio a
seguir foi espetacular, um cenário lindo, um chão feito de terra com
uma camada de neve, vários galhos gigantescos se espalhavam pelo
horizonte, várias estrelas brilhando e correndo por todo o céu azul
brilhante. Um caminho reto se estendia ao longe, acho que dá uns
dez minutos de caminhada reta, parei para admirar o lugar, a mana
era tão pura e forte que eu me sentia mais viva do que nunca, que
lugar fantástico.
“Fico feliz que achou bonitos meus “Caminhos”, mas peço
que se foquem em voltar para o reino dos mortos. “
—Ah, desculpa...
As mensagens apareciam igual aos relatos do Rolf, letras
perfeitamente esculpidas com uma energia branca irradiando delas,
junto disso uma voz familiar falava diretamente com você na sua
cabeça, era um pouco incomodo, mas tudo bem, ela era muito
educada.
—Está tudo bem Astrid, eu fiquei assim também quando
entrei aqui, me perdi por uma semana.
—Você já esteve aqui?
Começamos a caminhar enquanto conversávamos.
—Já... na real foi um belo de um acidente, eu estava andando
por aí e senti um ponto de flutuação de mana sutil dentro de uma
caverna em Vanaheim, foi aí que achei uma parte exposta da
Yggdrasil. Eu fiquei batendo e mexendo até que algo me engoliu e
vim parar aqui.
“Aprendeu a não me cutucar criança mal-educada? Poderia ter
te mandado para o nível mais profundo de Nilfheim, mas só te
deixei perambulando por poucas horas e te expulsei em Asgard. “
—A Hel não te ensinou a não cutucar tudo que se mexe? Ou
até que não se mexe?

351
—Mas assim não tem graça...
—É por isso que a Hel colocou uma babá para te vigiar.
“É por isso que a Hel colocou uma babá para te vigiar. “
—Vocês são muito chatas... espero que ela reaja bem quando
velo...
—Também espero.
Continuamos andando e batendo papo, ele me contando mais
sobre quando esteve aqui dentro dos “Caminhos”, ele ficou
perambulando e de vez em quando se distraia e ficava se
pendurando por ai como uma criança hiperativa. Essas passagens
conseguem conectar todos os reinos nos mais diversos lugares
possíveis, apesar de quem controlar para onde a gente vai ser a
Yggdrasil. Depois de uma longa caminhada chegamos em outro
portal idêntico ao último, o Uller passou pelo portal primeiro e
logo em seguida fui eu. Quando passei me vi cercada por espadas,
arcos, machados e diversas magias, vi minhas irmãs me cercando
prontas para atacar, nossos olhos se encontraram e suas guardas
baixaram e deram um lugar a um olhar confuso. Finalmente notei o
ambiente que estava agora, era no pátio do castelo em frente a
árvore misteriosa que tinha crescido a meses atrás. Enquanto fiquei
embasbacada com o fato de ter cruzado entre planos de existência a
Bellatrix se aproximou com um olhar sério anormal para ela e
tomou o Rolf dos meus braços, ela nem se quer me encarou, só
pegou no rosto dele verificando a temperatura e disse.
—Você me conta o que aconteceu depois. Freda! Vem
comigo! Nós temos um paciente em estado grave! Pode trazer o
outro também Uller!
—Bellatrix, ele...
—Ele não resistiu, isso foi o que sobrou.
Tentei falar, mas o próprio Uller jogou a verdade como uma
bomba, todas começaram a falar e logo perceberam quem aquele
deveria ser. As duas seguiram castelo a dentro com Uller logo atrás,
quem ficou para apaziguar as dúvidas de todas fui eu, até mesmo os

352
funcionários se aproximaram me bombardeando de perguntas sem
parar.
—JÁ CHEGA! UM DE CADA VEZ! Eu... eu não sei
mesmo o que aconteceu...
Todos se acalmaram, até mesmo se envergonharam pela
tamanha comoção que geraram. Darius saiu de trás da multidão, sua
baixa estatura o camuflou no meio de todos, ele chegou
perguntando.
—Mestra Astrid, aquele em seus braços era o jovem mestre
Rolf?
—Sim...
—(...) Como ele está?
—Muito mal, mas estável, fizemos o que pudermos, a Eir
está aqui?
—Sim, ela veio tratar sua alteza que chegou exausta.
—Ótimo... ela é a melhor possível para isso.
Uma pessoa tomou a frente, era a Althea, ela levantou a mão
para chamar eu e Darius e falou.
—Astrid, o que aconteceu? Quem era aquele que o Uller
carregava?
—(...) Aquele é... não, aquele é o cadáver de Thorfinn o
“Ogro”, infelizmente ele não resistiu a luta...
—Não... então...
—Valhalla... eu não sei muito o que aconteceu, mas eu
prefiro ir logo vê ele e a Hel, depois se eu souber de algo eu venho
contar para vocês ok? Eu já vou.
Segui para o castelo, ninguém tentou me impedir, abriram
caminho e quando eu sai ficaram conversando entre si, o único que
me seguiu foi o Darius que no meio do caminho me disse.
—Não acha melhor se trocar?

353
Estranhei quando ele disse até que olhei para baixo e vi
minhas roupas cobertas de sangue, tinha ido sem armadura e por
tudo que aconteceu eu acabei entupida de sangue.
—Não, está tudo bem... a Hel está acordada?
—Não, no momento ainda está dormindo...
—Leve ela até nós imediatamente após ela acordar e tome
cuidado quando falar sobre nosso retorno.
—Como queira mestra Astrid.
Ele seguiu seu caminho enquanto eu fui para o laboratório,
passei pela porta e desci pela escada até o subterrâneo, à medida que
andava luzes vinda de cristais de energia branca se ascendiam até eu
chegar no laboratório de pesquisas. Era uma sala enorme, já estava
iluminada, vários aparatos de química espalhados por todo lugar,
um paredão com várias gavetas com diversas amostras de espécies
diferentes mortas, vários livros espalhados e artefatos, do outro lado
da sala tinha algumas camas, lá estava todos. Uller e Bellatrix de um
lado analisando o corpo do Thorfinn em uma das mesas analisando
o corpo do falecido, ela tirava sangue dele e começava a analisar em
uma bancada com instrumento, já o caçador analisava os ferimentos.
Cheguei perto e eles me cumprimentaram.
—Ah, Astrid, desculpa te deixar para trás, achei que fosse
melhor resolver isso logo.
—Tudo bem, não tinha tanto o que explicar, como ele está?
—A Eir está cuidando dele, vai falar com ela.
Ele analisava as feridas do corpo dele inteiro, inclusive o
golpe duplo no coração, tinha queimaduras de gelo e fogo, marca de
descarga elétrica, cortes, lacerações e traumas pelo corpo inteiro, mas
o que matou ele foi o golpe no peito. Enquanto olhava por cima
Uller conversava comigo e apontava cada ferida, por último ele
apontou para outra ponta da sala onde estava Eir e Freda tratando o
nosso pequeno paciente.
—Eu vou, mas está tudo bem com o corpo dele?

354
—Sim e não.
Bellatrix que respondeu, ela chegou carregando um livro,
estava com um olhar que misturava seriedade, cansaço e um pouco
de curiosidade. Ela chegou até perto do corpo dele e falou.
—Acho que eu vou ter que disseca-lo, tenho uma suspeita.
—Você não pode! É o pai dele!
—E daí? É só o corpo, a alma dele não está aqui e nem vai
estar acordado enquanto eu faço isso.
Ela se esticou e começou a tirar a roupa do peito e pegou uma
pequena faca cirúrgica para terminar de abrir o buraco que estava
feito.
—Eu não vou deixar você encostar nele.
Segurei a mão dela e apertei com força, a cara dela se contraiu
e ela começou a suar frio, ela respirou fundo e disse.
—Eu ainda sou sua superior, pare com isso imediatamente.
—Olha, calma ok? Eu me expressei errado, tem algo de
estranho com o corpo do Thorfinn, com o sangue dele, só que eu
não consigo fazer isso só com amostras de sangue frio e deteriorado,
eu preci-
—Solta ela Astrid, eu tomo responsabilidade de qualquer
consequência, vai ver o menino.
Uller cortou nossa discussão, eu fiquei sem entender nada,
mas soltei a Bellatrix e ela ficou verificando o pulso.
—Desculpa...
—Relaxa chefinha, eu não faria isso sem motivo acredite...
Deixei os dois a sós e fui ver o Rolf, quando cheguei perto
ambas estavam concentradas, Freda lançava magias de cura enquanto
Eir tomava notas e preparava elixires para injetar nele. Quando
finalmente pararam notaram a minha presença, a primeira a reagir
foi a Freda.

355
—Ah, oi! Achei que você ia se trocar antes de vir aqui. A Hel
acordou?
Lembrei que estava coberta de sangue, me inspecionei um
pouco e continuei.
—Não, ainda não acordou... como ele está?
—Ah! Senhorita Eir?
—Ahn? Ah, sim! Vamos lá que a lista é longa. Diversos ossos
quebrados, tecido muscular destruído quase por completo, cortes,
lacerações, peças de pontas de flecha em feridas que indica que ele
foi acertado, lesões na pele, traumas pelo corpo todo...
—Eu acho que já está bom...
—Hum? Ok então. Espera! Tem um detalhe que eu achei
estranho, a energia vital dele está estranhamente enfraquecida, essas
mechas brancas são a prova disso.
—Que? Então tinha um necromante no lugar?
—Vamos descobrir isso agora.
Todo congelamos, sabíamos muito bem quem era a dona
daquela voz, nos viramos e vimos a Hel com uma camisola larga
roxa, ela tinha acordado a pouco tempo, ela tinha uma cara cansada
com olhos inchados e estava apoiada na porta do laboratório. Ela
começou a andar com muita dificuldade, mas na mesma hora em um
instante o Uller apareceu dando apoio a ela, não deu tempo de nós
reagirmos, ambos vieram para próximo do Rolf com uma pequena
parada no corpo do Thorfinn. Ela se aproximou, puxou uma cadeira
e sentou ao lado da cama e começou a acariciar o rosto pálido do
pequeno lobinho, ela sussurrou baixo.
—Desculpa Bella... eu sou uma péssima irmã...
Uller pegou no ombro dela, depois foi a Eir, eu, Bellatrix, até
a tímida Freda se aproximou, tentamos ao máximo consolar ela, mas
era difícil. Ela respirou fundo, colocou dois dedos na testa dele e
disse.

356
—Eu vou presentear com algo pior do que a morte para
quem fez isso contigo. “Oráculo das Memorias”.
Como se pegasse algo da testa ela apertou e uma gota de água
de luz branca amarelada saiu da testa dele, ela começou a desenhar
um retângulo feito de mana no ar, depois ela jogou a gota no meio
da forma. Após jogar, como se tivesse atingido uma poça d’água
várias ondas foram criadas e uma imagem foi formada na nossa
frente, memorias de tudo que ele passou como uma peça de teatro
em primeira pessoa. A Hel fez o retângulo aumentar a fim de todos
podermos vê o que estava acontecendo e começou a jogar a mão da
direita para a esquerda avançando as memorias, até chegar no dia
que ele se despediu de mim, após isso começamos a ver. Ele se
despediu e no dia seguinte embarcou em uma carroça em direção ao
leste, foram assaltados, mas os bandidos tomaram uma surra de
ambos pai e filho, durante a memória vimos o Thorfinn lutando
como uma verdadeira fera, ele tinha ficado ainda maior, com a pele
avermelhada e brutal, nessa hora ouvimos um grito vindo de longe.
—EI, EI, EI! PAUSA ISSO AI!
A Bellatrix que estava trabalhando no corpo do Thorfinn
enquanto assistia gritou desesperada e veio correndo com as mãos
banhadas em sangue. Ela encarou a tela da memória por um tempo
assustando todo mundo e disse.
—Puta merda, o Thorfinn e o Rolf são Berserkers....
Nessa hora como se a ficha caísse Uller e Hel se encararam, o
estigma do Thorfinn e o massacre causado no acampamento, se
fosse dois Berserkers, um de nível imperial e outro explodindo de
tanta magia seria possível fazer aquele estrago, na realidade aquilo
foi menos que o esperado. Bellatrix começou a tomar notas
enquanto a Eir tomou o lugar dela cuidando dos restos do cadáver,
a necromante das valquírias disse.
—Eu sei que é um péssimo momento, mas finalmente eu
consegui um corpo de um berserker para estudar... vou tentar não
ficar feliz por isso.

357
Ela saiu correndo de volta a mesa, a Eir já estava tentando
guardar o coração do Thorfinn que já estava extraído de volta no
corpo, mas claro que a minha querida irmã mais velha não deixou.
—Vou garantir que ela não vai profanar o cadáver dele...
—Faça isso Freda...
Voltando as memorias vimos o momento em que ele foi
capturado, olhei atentamente para a cara dos três culpados, tentei
relacionar com os monstros do meu sonho, a serpente gigante era o
elfo negro, o corvo era o nobre e o urso armadurado não podia ser
outro além do Ragnar. Enquanto concentrava meu ódio aos três
senti uma sede de sangue poderosa sair do corpo da rainha, ela disse.
—Decore os rostos deles Astrid, traga eles para Hel
imediatamente!
Quando ia responder o Uller cortou.
—Veja até o fim Hel depois você manda a guarda real fazer
alguma coisa.
A rainha olhou para ela com revolta e raiva, mas só recebeu
um olhar sério do amigo, ela olhou para mim e eu concordei com a
cabeça para ela continuar, ela suspirou como se tivesse sem opções e
continuo. Vimos o Rolf preso em uma carroça, a tortura física que
ele sofreu, o quase abuso, o mago injetando sangue de berserker
nele, a luta contra o Ragnar, o massacre e... a morte do Thorfinn
pelas mãos dele, as memorias terminaram com ele gritando antes de
desmaiar por completo, depois disso a projeção sumiu e o caçador
falou.
—Você entendeu agora Hel?
—Tem algo para entender além de que tem três baratas que
eu preciso esmagar?
—O trauma emocional que ele sofreu foi tamanha que isso
vai ficar cravado na cabeça dele para sempre, se você matar aqueles
três eu não sei o que vai acontecer com ele. Essa é a sina dele.

358
—E O QUE EU DEVO FAZER? DEIXO-OS VIVEREM
E DEIXO O ROLF SOFRENDO PELA MORTE DO PAI?
—Uller eu não sei qual o seu plano, mas ele não consegue
matar um mago imperial.
—Eu não disse que ele tem que mata-los agora.
A Deusa da Morte já estava em pé quando começou a gritar,
mas agora ela estava em silencio, seus olhos verdes brilharam e eu
pude sentir a sala ficando cada vez mais escura, Eir e Bellatrix no
canto da sala estremeceram e se prepararam para o possível impacto.
Uma aura saltou da rainha, ela olhava para o companheiro com um
olhar frio e mortal, Uller tentava explicar algo mais não pude ouvir
direito pelo barulho da sala tremendo. Hel iria atacar ele, mas no
momento em que ouvi um gemido de dor fiquei entre eles e segurei
ambos os separando.
—O que você pensa que es-
—Não acordem ele!
A face de raiva mudou para culpa e quando ela olhou para a
cama o Rolf se contorcia de leve e gemia de dor, ela sentou
novamente e segurou a pequena mão dele, como uma resposta
inconsciente o pequeno garoto fez o mesmo e apertou os dedos da
mão dela, ela não falou mais nada, só ficou ali com ele. Virei para o
Uller irritada e disse.
—Vossa deidade, antes de decidir transformar o Rolf é um
caçador sedento por vingança, aconselho a deixar ele mesmo decidir
isso, não você.
Ele me olhou com um olhar sério, mas logo mudou para um
de arrependimento, ele se sentou na cadeira mais próxima e
começou a encarar o chão enquanto coçava a cabeça. Olhei para as
outras duas e elas se aliviaram que tinha parado só nisso, após isso
elas voltaram a trabalhar e todos ficamos na sala por mais um
tempo. Perto do nascer do sol nos finalmente saímos da sala,
primeiro foram as duas legistas, depois o caçador e por último eu, a
Hel ficou ao lado da cama ainda segurando a mão do Rolf no

359
escuro, com um pequeno globo de luz iluminando fracamente o
rosto dele. Eu subi pelas escadas e vi o Darius na porta, ele me
perguntou.
—Ela ainda está lá embaixo?
—Sim, vai ficar lá por um tempo, leve um pouco de comida e
avise os funcionários que devem seguir a rotina normal e que parem
de ficar falando pelo castelo.
—Como queira, quer que eu solicite uma refeição jovem
mestra?
—(...) Sim, vou para o alojamento, mande para lá por favor.
Segui em frente para o alojamento da guarda real, nossos
quartos, o pátio estava vazio então só andei reto até a porta do
outro lado, olhei para a nova árvore que tinha crescido, estava um
pouco maior, uma árvore adulta que parecia estar a anos plantada
ali, já o portal mágico de antes sumiu de vez. Fui para minha casa,
abri a porta e me deparei com o lugar cheio, minhas irmãs estavam
comendo o café da manhã delas, todas conversavam, o assunto de
ontem ainda era o tópico assim que me viram todas se silenciaram
esperando uma resposta positiva.
—Ele está bem, só está dormindo.
Todas suspiraram de alivio, as únicas que não estavam lá eram
a Bellatrix que provavelmente foi dormir e a Seraphina.
—Cadê a Seraphina?
—Se trancou no quarto e está consertando os equipamentos
que ela deu para o Rolf, ela acha que se tivesse feito melhores as
coisas poderiam não ter saído do controle.
—(...) Chamem ela, eu vou contar logo o que aconteceu.
A Hilda foi até lá junto com a Gwydion, depois de um tempo
as duas voltaram com uma trog depressiva nos braços que se
esperneava e colocaram ela para sentar na mesa. Eu me sentei na
mesa e falei.
—Ok, a história é um pouco longa, mas vamos lá...
360
[Pov: Rolf]
Minha cabeça... está doendo muito, meu deus que dor... onde
eu estou?
Me levantei com muita dificuldade, estava muito escuro,
acordei em uma cama macia com um cobertor me cobrindo. Tirei a
manta de cima de mim e olhei para o meu corpo, estava usando
roupas de pano brancas, meu corpo inteiro estava enfaixado até o
pescoço, só o meu rosto estava “limpo”, além disso doía muito.
Tentei sair da cama, o chão era gelado e estava muito escuro para
enxergar, mas assim que dei um passo para fora da cama, uma
pequena luz apareceu na minha frente, peguei ela com as mãos, era
solida e dura como se fosse uma pedra perfeitamente redonda, era
fria e emitia uma pequena luz branca, segurei ela e fui andando bem
devagar pelo lugar até encontrar uma porta. Eu a abri e tinha uma
escada, subi a mesma como podia, depois de um tempo cheguei no
topo abri a porta, passei para um corredor e finalmente cheguei em
um salão.
Era um salão grande azul, duas escadas espelhadas que iam
para o segundo andar, o ambiente era muito frio e tinha um ar quase
fantasmagórico, era o castelo de gelo da Hel. Era de madrugada,
tarde da noite, só vagalumes iluminavam do lado de fora do castelo.
Com a bola de luz nas minhas mãos andei por onde conseguia, a
porta para o pátio estava trancada, decide subir as escadas e explorar
a procurar de alguém, passei por vários quartos, pela biblioteca que
estava vazia e pelo quarto da minha tia, que também estava vazio,
não tem ninguém no castelo? Quando estava prestes a descer de
novo para procurar no primeiro andar vi uma porta aberta, uma
porta que nunca esteve aberta, ela nunca parecia se quer poder se
aberta, como se estivesse selada, mas agora ela estava entreaberta.
Olhei para dentro, vi um quarto até que grande, brinquedos de
vários tipos no canto do quarto, tinha até um cavalinho de madeira,
um berço, um armário e uma cama bem grande com uma pessoa
sentada, adormecida.
Entrei no quarto bem devagar para não acordar quem estava
sentada na cama, quando tive a chance de dar uma olhada melhor

361
em quem era, percebi que era minha tia. Hel estava sentada na cama
com os olhos fechados, uma camisola grande e folgada e as pernas
esticadas na cama. Andei até perto da cama, coloquei a bolinha de
energia em uma mesinha ao lado e saltei para cima da cama. A cama
remexeu um pouco e quando me estabilizei olhei para cima e vi a
Hel com os olhos abertos olhando para mim levemente surpresa.
—Desculpa...
Ela suspirou dando um minúsculo sorriso, se ajeitou indo
mais para o centro da cama, me pegou e colocou no meio das pernas
dela e começou a fazer carinho no meu cabelo.
—Não tem problema, acordou faz muito tempo?
—Não, eu achei essa bolinha quando acordei em um quarto
escuro, eu vim andando, mas não achei ninguém, atrapalhei você?
—Não, não atrapalhou, só estava lembrando de uma pessoa
que eu amava muito...
—Quem era? Ah, não, não precisa contar...
—(...)Era o meu filho... ele tinha sua idade quando morreu.
Esse era o quarto dele.
—Desculpa perguntar...
—Não tem problema... já foi a muito, muito tempo.
Ela enterrou o rosto na minha cabeça, como se tentasse se
esconder, depois levantou a cabeça e ajeito o meu cabelo.
—(,,,) Tia? Eu não consigo lembrar muito bem o que
aconteceu, como eu che-
—Ah! Sobre isso... a gente conversa amanhã, por hoje é
melhor você dormir.
Ela me puxou para eu me deitar nela, ela pegou uma mão e
colocou na minha testa e pequenos brilhos saíram da sua mão.
Minhas pálpebras começaram a ficar pesadas, mas não queria
dormir, me esforcei para ficar acordado, porém era impossível

362
conseguir ficar acordado. Quando estava para desmaiar ouvi a Hel
dizendo.
—Você é parecido demais com ele, não sei se conheci você e
a sua mãe por destino ou só acaso, mas eu não vou deixar mais
ninguém te machucar. Eu prometo.
Depois disso eu dormi.
Tem algo me cutucando, por quanto tempo eu dormi? E
porque tão me cutucando? Quando abri os meus olhos vi uma cara
que não via a muito tempo, a Althea me cutucava com uma cara
inocente e alegre, apesar de ser bom ver ela...
—Precisa me acordar assim?
—Precisa, você tem bochechas cheinhas!
Quando tentei me espreguiçar notei que estava abraçando o
braço de alguém, lembrei que tinha dormido junto com a Hel,
quando vi estava abraçando o braço direito dela e ela também estava
acordando. Esfregando os olhos com a única mão livre ela suspirou
e disse.
—Bom dia Rolf... dormiu bem? O que você está fazendo aqui
Althea?
—Viemos acorda-la minha rainha, na realidade já passa das
oito horas...
—Mas porque não nos acordaram?
—A imagem estava perfeita, estraga-la mesmo que
minimamente parecia um verdadeiro pecado.
A voz do Darius veio do lado, olhamos ao mesmo tempo e
vimos o mordomo carregando uma bandeja de prata com dois
pratos com comida para nós dois. Do lado do chefe dos mordomos
tinha Astrid, Uller e uma mulher de sobretudo branco, todos com
um sorriso calmo e gentil no rosto, as valquírias se empilhavam na
porta para olhar. Enquanto ainda nos espreguiçávamos Darius disse.
—Minha rainha, gostaria que esse quarto fosse limpo agora
que está aberto?
363
—(,,,) Falaremos disso depois, ele precisa comer. Quanto a
vocês, voltem ao trabalho e parem de me olhar, nem vestida
apropriadamente estou. Uller! Onde estão as roupas dele?
Ela me pegou, ajeitou meu cabelo que estava parte amassado,
parte bagunçado, me colocou no chão e desceu da cama logo em
seguida. Ela me pegou pela mão e me guiou até o Uller que tirou as
minhas outras roupas de uma mochila, as que eu estava antes de vir
para aqui tirando o casaco, parece que estava muito sujo e rasgado,
precisaria de mais tempo para ficar pronto, e me deu. Hel expulsou
todo mundo do quarto me dando privacidade para eu me trocar,
quando chegou a vez dela ela só estalou os dedos e chamas verdes a
vestiram instantaneamente. Nós fomos andando de mãos dadas de
novo e fomos comer, depois de alimentados finalmente fui
introduzido a mulher de branco. Seu nome era Eir, ela tinha um
cabelo bem bagunçado e espalhafatoso, óculos redondos, várias
sardas e era bem animada, parecia ter a minha idade quando se
tratava de personalidade.
—OI! EU SOU A SUA TIA EIR! É UM PRAZER
CONHECER VOCÊ! TITIA AMA VOCÊ!
Ela me abraçou com tanta força que comecei a sufocar, mas
por sorte fui resgatado a tempo da minha nova tia me mandar para a
o pós vida, apesar deu estar no pós vida. Eir é a Deusa da Medicina,
melhor amiga da tia Hel, amiga da minha mãe e professora da
Bellatrix. Após nos conhecermos o dia seguiu normal, algo parecia
coçar no fundo da minha cabeça, mas eu não sabia dizer o que era,
como se eu tivesse esquecido de algo. Esse sentimento continuou
mesmo depois do almoço, até de noite, eu queria falar com a vovó,
mas a Hel não me deixou sair do castelo, não me deixou sequer sair
de perto dela, sempre segurando a minha mão. Quando estava
próximo de anoitecer uma pessoa que não tinha visto o dia inteiro
veio correndo, era a Seraphine.
—EU CONSERTEI! EU CONSERTEI!
Ela veio correndo, a Trog da família das valquírias em
disparada carregando várias coisas em seus braços. Quase
tropeçando ela chegou me cumprimentou com muita alegria.
364
—OI! QUE BOM QUE VOCÊ TA BEM! EU
TRABALHEI O DIA TODO, MAS CONSEGUI
CONSERTAR!
Ela me entregou os presentes que eu tinha recebido antes de
partir daqui, uma bolsa mágica que pode guardar tudo, um escudo
grande demais para mim que poderia aguentar até a mais agressiva
das magias dos mortais, duas braçadeiras encantadas e um cinto com
duas adagas guardadas nas bainhas.
—Ah! Muito obrigado! Desculpa por ter... quebrado...
Não lembro de ter quebrado nada... na verdade não lembro
de ter saído daqui, como eu fiquei tão machucado? Foi treinamento?
—Não sou muito boa na forja, mas fiz o que pude com as
adagas, vê ai!
—Eu posso pedir para Monna afiar de... pois...
Tirei a adaga da bainha, meu objetivo era só vela, mas quando
o brilho azul da lâmina saiu e meu reflexo apareceu no metal polido
algo mudou. Senti meu coração apertar como se uma mão o tentasse
esmagar, minha garganta parecia fechar, não conseguia mais respirar,
tudo ao meu redor ficou preto, minhas cicatrizes pareciam se abrir a
força, sangue começou a escorrer da lâmina banhando a minha mão,
em fim levantei a cabeça, arfando sem ar, e vi meu pai na minha
frente, ajoelhado a adaga que estava em minha mão perfurava o seu
peito. Ele estava de boca aberta, pasmo, palavras fracas saiam de sua
boca, mas eu não podia escutar nada, sangue escorria de sua boca e
olhos, nós estávamos no acampamento de novo, pilhas de corpos ao
nosso redor, um céu de tempestade vermelho, minha respiração
ficou mais forte, perdi o equilíbrio e cai no chão, as lágrimas eram
expulsas a medida que a escuridão se aproximava, estava prestes a
me engolir por completo. De repente senti uma mão segurar minha
cabeça, como se fosse um travesseiro, uma voz abafada ressoou e a
escuridão começou a recuar, minha respiração foi forçada a ficar
mais lenta e meu coração foi solto. Olhei para cima e vi Hel
desesperada, as adagas eram pegas pela Astrid e um grito da rainha
da morte era escutado.

365
—TIRA ESSA PORRA DAQUI AGORA!
Via a Astrid sair disparando com algo na mão e a Hel se
voltando para mim, ela me pegou nos braços e me levou voando
castelo a dentro até ao quarto de antes. Ela me colocou na cama e se
afastou enquanto olhava, junto do Uller e da Eir, ambos sérios.
Voltei a olhar para minhas mãos, elas não estavam mais sangrando,
as sensações de antes ainda estavam dormentes, mas pareciam mais
ilusões, eu só conseguia pensar em uma coisa.
—Eu matei o meu pai?
—Lobinho, olha, não foi bem assim.
—Sim, o Uller está certo, você não estava bem, o seu pai
também não, não tinha como controlar aquela situação, ainda mais
que...
Uller e Eir tentaram me consolar, mas mal conseguia ouvir, só
cravei as unhas nos meus braços, sentindo a carne do meu braço ser
furada enquanto gritava. A imagem deu dando fim a vida do meu
pai se repetia infinitamente na minha cabeça, eu tinha um único
trabalho, não deixar o meu pai morrer, proteger ele... e fui eu que o
matei... PORRA! EU NÃO CONSIGO FAZER NADA
DIREITO! PORRA! PORRA! PORRA! PORRA! PORRA! EU
NÃO CONSIGO NEM PROTEGER O MEU PAI! EU... não...
foi o Ragnar... ele o matou, as coisas não acabariam assim se não
fosse por ele, se não fosse por aqueles três... mas eu o esfaqueie, eu
que dei o golpe final... foi o Ragnar que fez isso com a gente... a
culpa é minha... eu tenho que matá-lo... o que foi que eu fiz... eu vou
matar ele.
EU VOU MATAR ELE! EU TENHO QUE MATAR
ELE! EU NÃO VOU DEI-
—Rolf, já chega...
Uma mão encostou na minha cabeça, e como um choque os
pensamentos foram expulsos da minha cabeça, os dois deuses atrás
dela estavam nervosos, parece até que viram uma assombração.
Enquanto olhava para eles senti uma dor imensa nos meus braços,

366
quando vi eu tinha rasgado os meus braços sem perceber, arranquei
parte da minha pele junto com as ataduras, o sangue escorria e
manchava o resto das que me enrolavam, minhas mãos estavam
cobertas de sangue. Antes que eu pudesse surtar a Hel simplesmente
me curou, e limpou todo o sangue com um único movimento, nem
mesmo cicatrizes tinham restado, para falar a verdade todas as
cicatrizes do meu corpo tinham sido curadas.
—Não tem mais nenhuma marca, inclusive o grisalho do seu
cabelo sumiu, não precisa se preocupar.
Ela começou a tirar as ataduras que ainda restavam nos meus
braços, depois ela dispensou os outros dois que saíram meio
receosos do quarto e fecharam a porta. Ela olhou para mim no
fundo dos olhos com um olhar pesado e respirou profundamente.
—Desculpa, eu não quis fazer nada de errado...
—O que? Não, você não fez nada... eu só não sei muito bem
o que fazer, dizer ou qualquer coisa... só queria poder cuidar de você
bem, mas eu não acho que consigo...
Me arrastei da cama até perto dela e dei um abraço, ela se
surpreendeu, mas retribuiu.
—Você é a melhor tia do mundo, eu só preocupei você desde
que vim para cá. Desculpa.
—Não peça desculpa se você não fez nada, mas obrigado,
ouvir isso é muito bom. Escute bem o que eu vou dizer agora ok?
Ela me afastou e olhou no fundo dos meus olhos.
—Eu sei que você não vai acreditar em mim, que você vai
preferir se culpar, mas não é verdade. Você nunca faria mal ao seu
pai, o que aconteceu estava fora de controle, totalmente fora de
controle, aquele elfo negro injetou um liquido em você que fez tudo
aquilo acontecer. Não foi sua culpa, eu sei como você está se
sentindo, mas não é sua culpa...

367
—Mas eu tinha que proteger ele... finalmente consegui
encontrar ele e não consegui fazer nada, ainda quebrei os presentes
que me deram, surtei e coloquei tudo a perder.
—Rolf, você é só uma criança que foi arremessada na
realidade antes da hora, não era para você ter passado por isso, você
só tinha que viver uma vida feliz e pacifica. As vezes na vida as
coisas não vão ser justas, na verdade nunca vão ser, alguém sempre
acaba perdendo quando tomamos uma decisão, nem que seja nós
mesmo que perdemos. Eu só quero que você saiba que o seu pai te
ama, te ama muito, eu o vi, vi nas suas memorias, em nenhum
momento ele se arrependeu e o tempo todo só se preocupou com
você.
—Ele não me odeia?
—Não tem como ele odiar um filho que lutou tanto só para
manter ele seguro. Você fez muito bem, merece descansar agora.
Me enterrei de volta para abraça-la buscando conforto o que
ela prontamente deu, começou a afagar o meu cabelo enquanto me
dizia que estava não tinha mais perigo nenhum.
—Tia Hel?
—Sim?
—Você disse que já passou por isso. O que aconteceu?
—Ah... eu... bom...
—Não precisa contar se não quiser, desculpa por perguntar.
—Não, está tudo bem. Eu tinha um filho... ele morreu de
uma doença quando tinha dez anos, mesmo eu revirando os nove
reinos atrás de uma cura. Me culpei muito por isso, tanto que
mergulhei em estudos sobre medicina e me fechei totalmente, sua
mãe foi umas das poucas pessoas que me tiraram do meu casulo,
mas ela em especial fez eu voltar a me aproximar das pessoas.
—Deuses podem ficar doente?
—Não... por isso foi algo tão impactante, ele morreu em três
dias após contrair a doença... não consegui salva-lo e me culpo até
368
hoje por isso, apesar de todos dizerem que não era minha culpa, que
fiz até o impossível para salva-lo, mas ainda não consigo me
perdoar, não totalemente...
—Sinto muito por ele, desculpa fazer você lembrar de algo
ruim.
—Tudo bem, falar dele me lembra as coisas boas também, ele
era bem parecido com você, eu temia um pouco isso quando soube
de você.
—Hum, qual era o nome dele?
—Era Hellbram, um nome que eu inventei, era para ser algo
como “Aquele que é amado pela morte”, queria ter pensado em algo
melhor...
—É um bom nome, combina com o seu.
—Obrigado coisinha.
Ela começou a esfregar meu cabelo com força, como se
quisesse me irritar, mas depois o carinho gentil voltou. Ela
continuou a falar depois de um tempo.
—Eu... tenho uma proposta Rolf, você tem duas opções,
posso te deixar na vila da sua mãe, seus avós maternos ainda estão
vivos, eu pessoalmente te deixo lá amanhã.
—Eu não os conheço, não conheço ninguém, eu não posso só
ficar aqui, posso morar de volta com a vovó?
—(...)Você pode... Rolf... você não quer morar aqui?
Comigo? Eu posso adotar você.
—O que?
—Não, olha, é que... eu não to tentando substituir sua mãe
ou o meu filho, olha, é que você já viveu aqui por um tempo, todo
mundo lhe conhece e eu pensei que poderia...
Ela começou a divagar, a sempre imponente rainha da morte
estava nervosa e lançava explicação atrás de explicação, como se
sentisse culpada de sugerir isso. Eu poderia viver aqui? Isso é

369
possível? Um mortal vivo morar onde as almas indignas repousam,
ainda mais no castelo? Eu poderia ver a tia Hel, o tio Uller, a Astrid,
as valquírias, a vovó, a Monna e o Eldrick? Eu posso mesmo deixar
tudo para trás e ficar aqui? Eu não sei o que fazer...
—Tia...
—Ah, o que foi? Precisa de alguma coisa?
—Posso ter um tempo para pensar?
—É claro, é uma decisão importante demais... leve o tempo
que precisar.
—Posso ir falar com a minha vó? Acho que ela precisa saber
como eu estou.
—Claro. Achei que seria melhor você mesmo falar com ela,
mas hoje está muito tarde, então amanhã de manhã depois do café
da manhã vou te levar lá, tudo bem?
Concordei com a cabeça e ela me deu um último abraço
tímido e desajeitado e se levantou para ir embora.
—Vou pedir para o Darius trazer seu jantar, você vai dormir
nesse quarto essa noite.
—Posso mesmo dormir no quarto do seu filho?
—É só um quarto... meu filho era mais do que isso, esse lugar
não pode ficar assombrado pelas minhas lembranças para sempre.
Ela saiu do quarto enquanto fiquei encarando a coberta da
cama em silencio, sinceramente o máximo que fiz foi tirar minhas
botas e coloca-las ao lado da cama. Um tempo se passou até que
uma pessoa enfim abriu a porta do quarto.
—Oi lobinho... como você está?
Era a Freda, ela veio carregando uma bandeja de prata com
um prato de comida. Ela se sentou colocou a bandeja na cama e
começou a me inspecionar.
—Não sobrou uma marquinha, como você está lindinho?

370
—(...) Sinceramente uma merda enorme. Muito obrigado por
cuidar dos meus machucados, sempre estou te dando trabalho...
Abaixei a minha cabeça em sinal de agradecimento, mas ela
me impediu, segurou a minha cabeça impedindo de baixar
completamente e disse.
—Não, não precisa... vou cuidar de você sempre que quiser,
não quero agradecimentos por isso.
—Você é boazinha demais.
—Sou mesmo? A Eleanor também diz isso...
Ela ficou um pouco em choque, a reação dela me fez sorrir
um pouco. Ela acabou notando e estampando em sua face alegria,
ela afagou um pouco meu cabelo e disse.
—Comece a comer, você precisa, não come a um bom tempo
e isso não é saudável para o seu desenvolvimento.
—Ah! Certo, vou comer.
Comecei a devorar o prato de comida, quando coloquei a
primeira colherada na boca parece que meu corpo lembro que não
comia em muito tempo, na realidade a última vez que comi algo foi
de manhã cedo, nem cheguei a almoçar. Enquanto devorava tudo
sem parar a Freda ria um pouco do meu desespero, conversávamos
enquanto comia, até que perto do fim ela disse.
—Olha, se você quer compensar por eu ter ajudado você...
bem que poderia me contar sobre o que a Hel e você conversaram...
talvez?
—Como assim?
—A Hel estava meio estranha quando saiu do quarto, um
tanto quanto nervosa sabe, como se estivesse ansiosa por algo e
sinceramente é algo bem incomum vê-la assim.
—Tem certeza que você não vai se ferrar se souber?
—Não vou contar para ninguém.

371
A aura dela estremeceu um pouco, todas as valquírias tinham
auras douradas, menos a Bellatrix, a dela era verde, e a Gwydion que
era um azul claro. A aura da Freda teve uma leve agitação e a chama
dourada queimou em uma cor escura momentaneamente, ela está
mentindo, mas no máximo contaria para as irmãs, posso deixar isso
passar.
—A Hel quer que eu more aqui, ela quer me adotar.
—Ah...
Ela travou por uns minutos após fazer esse barulho estranho e
ficou olhando para todo lado, meio que sem saber o que dizer, tive
que quebrar o silêncio.
—Você quer saber o que eu penso sobre a proposta?
—Eu... na verdade sim... para ser sincera eu esperava que você
aceitasse.
—Hum... não tenho certeza, por um lado tem a minha
família por parte de mãe que eu não conheço e que tentou matar o
meu pai... por outro eu posso só ir morar com a vovó de novo, acho
que ela não vai se incomodar.
—A primeira não parece a melhor das opções... porque
tentaram matar ele mesmo?
— “Seduziu minha pequena e inocente filha! Vou te matar!
Blá blá blá” e outras coisas.
—É... o papai é assim, é por isso que foi um pouco
complicado ele deixar a gente namorar... foi uma confusão do
caralho e ele ainda não deixa a Astrid sair com ninguém, não que
alguns dos pretendentes que tentaram tivessem sucesso.
—Entendi, ela é bem popular lá em baixo na vila Noviça.
—Vai por mim a gente sabe... todas são bem populares...
menos a Seraphina, a gente não a deixa ir lá embaixo sem escolta, ela
é inocente e precisa ser protegida de tarados.
—Concordo com você nisso..., bom, o que você acha sobre o
meu dilema?
372
—Parece simples para mim. Fique no castelo e seja nosso
vizinho ai a gente se diverte junto!
Ela falou isso abrindo os braços para um abraço, mas ainda
estava pensativo e deixei ela no vácuo, então em resposta falei.
—Sinto que estou abusando muito da gentileza de vocês
ultimamente, além disso estou preocupado... ser adotado significa
que vou ser parte da família dela certo?
—Sim? Você seria filho dela!
—Tenho medo dela se arrepender dessa decisão.
—(...) Você precisa relaxar, é só um garoto, e ela não está
esperando nada além de que você seja feliz, na verdade ela que está
nervosa de você se arrepender de aceitar ela como uma mãe.
—É legal ouvir isso...
—Olha só, você fica bem mais fofo quando sorri.
Não tinha notado que estava sorrindo, assim que ela falou
tentei corrigir minha cara, mas não consegui então só a escondi
enquanto morria de vergonha.
—Como era o Hellbram?
—Ela te contou sobre... é claro, o quarto dele, acho que era
inevitável.... Ele era um garoto inocente e bem alegre,
completamente o oposto da mãe, muito curioso e gentil, uma
verdadeira benção, nos deixou cedo demais.
—Entendi, mas não consigo entender por que ela do nada
pediu isso, por pena talvez? Talvez pela promessa dela...
—Não sei que promessa é essa, mas até imagino qual deve
ser, conhecendo sua mãe sei exatamente o que ela deve ter pedido
antes de sumir. Não, não é por nada disso, talvez um pouco pela
promessa, mas na realidade ela te vê como o último membro da
família dela que restou.
—Último parente? Ela disse que tem irmãos e uma mãe e um
pai, como eu sou o último parente dela?

373
—Vamos lá... o pai dela é um demônio em pessoa, uma
criança que gosta de tornar a vida de todos um inferno e só fala com
ela quando quer algo, a mãe nunca ligou para ela, o irmão mais
velho dificilmente quer conversar com ela se isolando no fundo do
oceano em Midgard e por ultimo o mais novo que se recusa a ver
qualquer um na prisão onde ele está... a Bella era literalmente a única
pessoa que ela via como família, e agora você.
—Eu sou o último que restou...
Ela se levantou, pegou a bandeja de comida e me deu um
afago na cabeça seguida de um beijo na testa.
—Pense bastante Rolf, você pode estar com medo de entrar
em uma nova família, de decepciona-la e acha que é melhor escolher
a opção segura de morar com a Bretta, mas não esqueça que ela está
com tanto medo quanto você. Tchau lobinho.
Ela foi embora dando um tchauzinho com a mão e fechando
a porta em seguida. Fiquei encarando o quarto levemente escuro,
tinha vários cristais que iluminavam, mas assim que a Freda foi
embora eles desligaram e só a luz natural da noite de Helheim
restou. Olhei para o travesseiro e uma leve ansiedade subiu pelo meu
corpo, de canto de olho vi as roupas que estava usando quando
acordei, as roupas brancas. Resolvi as vestir, era mais leve então
melhor para dormir, quando olhei de novo para cama e me senti
desconfortável... não vou dormir aqui.
Peguei o travesseiro e sai do quarto, fui andando pelo
corredor e fui até o quarto da minha tia e vi a porta entre aberta.
Adentrei o quarto esperando ver ela dormindo, mas ela estava em
uma varanda, usando a mesma camisola da noite que acordei aqui,
ela olhava para o horizonte. Bati na porta de gelo afim de chamar a
atenção dela.
TOC! TOC! TOC!
—O que? Rolf!
—Oi tia...

374
Ela se virou para mim e parecia estar preocupada, me olhando
de cima a baixo ela viu o travesseiro e parece que entendeu o porque
deu estar ali. Ela veio até mim e me levantou e colocou na cama,
depois ela perguntou.
—Está tudo bem? Precisa de alguma coisa?
—Eu não consigo dormir... posso ficar aqui com você?
Ela deu um suspiro de alivio e concordou com a cabeça
enquanto dava um leve sorriso, ela se jogou na cama de lado e deu
alguns tapinhas na cama chamando para eu fazer o mesmo.
Coloquei o travesseiro perto dela e me deitei de lado também,
virado para ela. Ela levantou a mão e fez um carinho um afago no
meu cabelo, pude ouvir ela falando em uma língua estranha e senti
meus olhos pesados de novo, vi a mão dela me puxando um pouco
mais para perto enquanto minha consciência foi desligando cada vez
mais, ela me abraçou e pude ouvir uma última fala dela.
—Boa noite Rolf, tenha bons sonhos.

375
VINTE E SEIS
-A Criança da Morte-

Hel e eu acordamos quase na mesma hora, ela me levou até


um banheiro do castelo para tomar banho e depois nos vestimos e
fomos comer o café da manhã, quando chegamos na cozinha para
comermos algo os funcionários começaram a nos encarar, eles
estavam claramente confusos com a situação.
—Aconteceu alguma coisa tia?
—É que não costumo tomar café da manhã, então acho que é
normal essa reação.
Darius se manifestou tomando a frente de todos os
funcionários. Ele se curvou um pouco e disse.
—Minha rainha, jovem mestre, posso saber que tipo de
refeição irão querer?
—Algo leve Darius, sairemos logo após comermos, diga para
as valquírias que qualquer assunto que elas tenham comigo que seja
adiado, o mesmo para os meus compromissos.
—Como desejar.
Ele e curvou novamente e os cozinheiros começaram a fazer
rapidamente, eles eram muito eficientes no seu trabalho. Enquanto a
comida era feita nós seguimos para a mesa para sentarmos, quando
tentei sentar senti que tinha algo na cadeira, quando vi tinha o meu
colar de madeira com o símbolo do granizo, quando isso veio parar
aqui? Peguei o colar e coloquei, logo depois nós sentamos na mesa e
enquanto Hel conversava com Darius sobre nossa saída hoje eu
comia o meu café da manhã, era uma salada de frutas bem
gostosinha.
Após comermos seguimos para fora do castelo e na entrada
do mesmo a Hel me pegou no colo e com um estalar de dedos nós
fomos teleportados para frente da casa da vovó, ela me deixou
descer e quando fui bater na porta da casa ela perguntou.

376
—Por que você está batendo aí? A Bretta não mora mais
nessa casa.
—Como é a história?
—A Astrid não te contou? Ela se mudou para a fazenda do
Eldrick.
Elfo... filho... da... puta...
—Eu vou matar aquele elfo desgraçado...
—A Astrid também me contou que você reagiria assim se
soubesse. Isso vai ser interessante.
Ela segurou a minha mão e nós fomos andando pela vila,
claramente atraímos olhares de todos, mas a maioria parecia ignorar
a Hel e se focar mais em mim, talvez não esperavam que eu voltasse
tão cedo. Quando chegamos na fazenda ao longe na varanda da casa
do Eldrick vimos uma mulher gigante, era a Monna, assim que nos
avistou ela tombou para trás quebrando o frágil chão da varanda. O
estrondo foi tão grande que de dentro da casa saiu a vovó e o
Eldrick assustados e assim que nossos olhares se encontraram a cara
da sátiro era de completa incredulidade. Ela correu até nós o mais
rápido que pode e sem falar nada me pegou nos braços e esmagou
em um abraço muito apertado.
—ROLF! O QUE VOCÊ ESTÁ FAZENDO AQUI!
PELOS DEUSES O QUE ACONTECEU!
—Ta tudo bem vovó, aconteceram algumas coisas ruins, mas
eu estou bem agora.
Os outros dois chegaram logo depois, tão preocupados
quanto.
—Rolf! Por Freya! O que... o que houve... o que fizeram com
você?
—Aconteceu bastante coisa, mas estou bem.
—Seu olhar... não é de uma criança.

377
Por um momento não entendi o que ele falou, mas Hel
tomou a frente da conversa e falou.
—Com tudo que ele passou o olhar dele ter mudado é o
mínimo. Podemos entrar? Temos muito o que explicar, viemos aqui
exatamente para isso.
Assentindo com a cabeça todos nós concordamos em entrar, a
Monna no meio do caminho me pegou e colocou nos ombros dela,
acho que queria tentar me animar, mas não conseguiu, ela me pós no
chão logo em seguida e para tentar anima-la um pouco também dei
um abraço nela. Após entrarmos seguimos para a sala, todos nos
sentamos e eu estava me preparando para a conversa difícil que
vinha, antes de começar a falar a vovó falou.
—Por que você está aqui Rolf? Aconteceu algo com o
Thorfinn?
—Bom... meu pai ele... morreu há cerca de alguns dias.
—O que aconteceu?
—Eu vou explicar...
Uma longa história começou, contei tudo que aconteceu
desde que sai da Bifrost, em dado momento, quando cheguei na
parte que minha consciência voltou após a transformação não
consegui mais continuar a história, minha voz não saia mais e minha
respiração ficou pesada. Enquanto estava quase tendo outra crise,
Hel se aproximou de mim e me tranquilizou e finalizou a história.
—E foi isso que aconteceu, teria trazido ele ontem, mas
queria ter certeza sobre a saúde dele, além disso a crise que ele teve
ontem dificultou ainda mais nossa vinda.
—Não, sua decisão foi mais do que correta minha rainha, e
pensar que tudo isso aconteceu...
—Você ta bem pequenino?
A Monna me abraçava com as mãos enormes dela, ela tinha
uma cara de aflição extrema e se recusava a me deixar sair, o abraço
era quentinho então não reclamei. Logo a Bretta me arrancou a força

378
dos braços da orc e começou ela própria a me abraçar enquanto
chorava bastante, o único que se manteve mais sobre controle foi o
Eldrick. Depois de acalmar a vovó finalmente consegui tempo para
falar sobre o real motivo da minha vinda para a fazenda.
—Então... com tudo isso, a Hel me ofereceu me deixar na
vila natal da minha mãe, meus avós ainda estão vivos e eles podem
ser bem receptivos para me receberem...
Desviei o olhar para Hel buscando alguma reação dela, mas
não teve nada, ela ficou completamente fria, mas a aura dela
tremulava de ansiedade.
—Eu pensei em pedir para morar com você de novo vovó,
mas aparentemente não é mais uma opção...
Olhei direto para o Eldrick e ele já começou a suar frio,
gaguejando ele começou a falar.
—Não... espera, é que, eu... eu... posso explicar... aconteceu
porque-
—Nem tenta.
—Ta bom...
O elfo resolveu se esconder na cozinha para tentar se
esconder do meu olhar de ódio. Enquanto ameaçava aquele magrelo
a Hel chegou por trás de mim e com um cutucão na minha cabeça
me fez parar de ameaçar o ladrão de vós.
—Você está liberando sua “sede de sangue”, precisa controlar
isso melhor.
—O que é isso?
—(...) Tenho muita coisa para te ensinar... mas é algo que te
deixa parecido comigo.
—Isso é legal, se eu for parecido com você significa que sou
muito forte né.
—É um jeito de interpretar.

379
Ela deu um leve sorriso após minha afirmação e depois
apertou o meu nariz e balançou brincando comigo e tentando me
irritar. Enquanto tentava puxar o cabelo da tia Hel ouvi a vovó me
chamando.
—Rolf? Podemos conversar em particular?
Concordei com a cabeça e acabamos indo para fora da casa,
deixamos a Monna junto com a tia Hel, a ferreira estava quase
infartando enquanto a gente saia do recinto, ela quase implorou para
ficarmos. Após sairmos seguimos para o galinheiro e quando
entramos uma galinha pulou imediatamente nos meus braços e se
encolheu encostando a cabeça no meu peito.
—Oi Goruberta, também estava com saudade.
Nós nos sentamos de frente um para o outro, as galinhas
ficaram nos cantinhos delas nos fazendo companhia. Comecei a
fazer carinho na Goruberta, não sabia o que dizer, achei que o
silencio ia ser eterno, mas a vovó o quebrou.
—Como você está querido?
—(...) Não consigo parar de pensar que tudo isso é minha
culpa... talvez se eu fosse um pouco mais forte, ou um pouco mais
rápido...
—A culpa não é sua Rolf, nunca foi e nunca vai ser, mas eu
sei que só isso não vai deixar o seu coração mais leve. Então o que
você decidiu fazer? Eu volto a morar na hora com você se quiser, é
só pedir.
—Hum... o Eldrick contou?
—Eu... contou... parece que a Astrid deu um ultimato para
ele em um dia que ela veio aqui.
—Boa garota. Então vocês estão juntos mesmo?
—Sim... estamos... fiquei surpresa de início, mas fiquei feliz
quando ele falou.
—Ele está te tratando bem?

380
—Sim! Ele mal me deixa fazer alguma coisa e faz tudo que eu
peço.
—Não preciso espancar ele então... isso é bom.
—VOCÊ IA ESPANCAR ELE?
—Mais ou menos hehe. Acho que só me sobrou uma opção
mesmo...
—Não precisa ir para a vila da sua mãe se não quiser! Eu e o
Eldrick podemos construir um quarto e você pode morar conosco!
—Não! Não, eu não vou ir morar com um monte de gente
que não conheço... na verdade a tia Hel se ofereceu para me adotar.
—Ou...
Primeiro veio o susto, mas logo depois ela deu um sorriso
leve e alegre, como se estivesse feliz com essa nova informação.
—Vocês realmente se parecem com mãe e filho, antes mesmo
de você partir daqui eu tinha uma esperança bem pequena de que
você ficasse e ela te abrigasse como uma criança dela, desculpa por
isso.
—Tudo bem, eu também queria ter ficado, mas meu pai não
podia ter então... mas acho que agora isso não mais problema.
Meus olhos começaram a se encher de lágrimas, tentei
segurara com as mãos, mas as gotas escapavam pelas minhas mãos.
Vendo isso a vovó me puxou para perto e me abraçou, ela ficou
repetindo dizendo que tudo ia ficar bem. Acho que de tanto tempo
que a gente demorou no galinheiro o Eldrick começou a nos
procurar o que nos obrigou a sair, eu estava com a cara inchada de
tanto chorar, Hel que saiu junto dele quando notou minha meus
olhos inchados disparou e se ajoelhou para me ver melhor.
—Está tudo bem? Teve outra crise? Precisa de alguma coisa?
—Eu estou bem, só lembrei de algo ruim, estou melhor
agora.

381
Dei um abraço nela para acalma-la que respondeu dando um
suspirou de alivio e me abraçando de volta. De canto de olho vi a
vovó com um sorriso de satisfação no rosto, vendo isso acho que é
hora de falar.
—Então, tia Hel, eu tomei uma decisão.
—Agora? Não precisa se apressar... mas qual é?
—Posso morar com você?
Uma lágrima escapou do olho direito dela, quando estava
pronto para entrar em pânico ela me deu um abraço ainda mais
apertado que antes.
—Está tudo bem ti-... mãe? Ta tudo bem mãe?
—Droga... ta tudo bem, não estou acostumada a chorar,
como desliga isso...
Ela estava com o maior sorriso que já tinha visto desde que a
conheci enquanto tentava parar as lágrimas que não paravam de sair
do olho direito dela. Logo ela conseguiu parar de chorar, mas por
sorte o sorriso não foi embora. Nós seguimos para dentro e após
servimos um chá para ela enfim ela se estabilizou.
—Mas então Rolf... o que fez você tomar essa decisão?
—Tive um bom tempo para pensar e... pensei que eu tenho
que ficar junto da minha família, e minha família está em Helheim,
você é minha família.
—(...) Droga, o choro ta vindo de novo.
—Também tem o fato de que o “vovô” não tem um quarto a
mais na casa.
Enquanto Hel tentava segurar o choro e a vovó estava se
acabando de chorar, eu encarei o Eldrick com o olhar mais mortal
que eu tinha, ele suou frio e começou a dar pequenos passos para
trás.
—Eu posso... explicar...

382
—Relaxa, estou só te perturbando, mesmo que não tivesse já
estava pensando nisso, você só facilitou. Cuide bem dela por favor.
—Claro! Tratarei ela como uma rainha.
—Obrigado...
A Monna se levantou da poltrona especial dela, foi feita extra
reforçada e do tamanho dela, e veio direto até mim. Ela se agachou e
olhou no fundo dos meus olhos e disse.
—Você vai ficar mesmo pequenino?
—Vou.
—Obrigado por sobreviver... por voltar para nós...
—Obrigado tia Monna.
Lágrimas de orc são tão grandes quanto eles mesmos, ela
chorou bastante, logo chegou a hora de nós nos despedimos,
estávamos próximos da hora do almoço e além de muitas pessoas
para avisar da novidade, ainda tinham outras coisas para serem
feitas. Nós voamos de volta para o castelo, ambos estávamos
famintos e imaginando qual seria o almoço, porém quando abrimos
a porta vimos TODAS as pessoas do castelo esperando no hall de
entrada... foi um erro ter contado pra Freda não foi...
—Eu sei que é horário de almoço, mas o que vocês estão
fazendo aqui?
—Freda... eu só contei para você, aparece aí.
Uma valquíria de cabelo verde saiu relutantemente de trás das
suas irmãs, ela estava encolhida e tremia, quando os olhos dela e da
Hel se encontraram claramente uma aura hostil saiu do corpo da
minha nova mãe.
—Freda... você está demitida...
—Foi ela que me convenceu a aceitar.
—Readmitida e seu salário vai ter um ótimo aumento.
—OQUE?

383
Ela travou, na verdade todas as valquírias travaram... e ficaram
putas, mas depois de uma pequena confusão sobre o favoritismo da
chefe delas a Astrid notou o que realmente era para notar.
—Espera... isso quer dizer que...
—Sim, mas acho que é melhor ele mesmo se apresentar.
Ela me empurrou gentilmente para frente e disse.
—Como nós praticamos ok?
—Ok... vamos lá... Prazer, eu sou Rolf, sou filho da casa
Laufey e o Principe do Mundo dos Mortos.
Todas as valquírias comemoraram, os funcionários se
curvaram em respeito a mim, o Darius agora vai me chamar de
“Jovem Principe”. Uller e Eir abraçaram eu e a Hel até quase
quebrar nossas colunas, eles ficaram bem empolgados. A última que
me parabenizou foi a Astrid.
—Então você virou meu chefe e meu colega de quarto no fim
de tudo, legal.
—Achou ruim? Prometo que vou ser bonzinho.
—Vou cobrar essa promessa. Bem-vindo ao lar! vai ser muito
bom ter você permanentemente aqui.
—É bom estar em casa.
Ela fechou o punho e esticou para eu bater, o que fiz, depois
disso foi questão de fazer todo mundo voltar ao trabalho, ainda
tinha uma última coisa para fazer. Depois de todos serem
dispensados só sobrou eu, Hel, Astrid, Uller, e Eir, nenhum deles
quis sair de perto de mim, já sabiam o que eu queria fazer.
—Tia Eir, onde está o corpo do meu pai?
—Eu o limpei e preservei perfeitamente.
Ela tirou uma pequena bola de cristal do sobretudo branco
dela e mostrou para mim.
—Pus ele aqui! Para ficar mais próximo de transportar sabe?

384
—Obrigado...
—Mas então carinha, onde planeja enterrar o seu velho?
—Onde a minha mãe foi enterrada... não existe lugar melhor.
—E isso é?
—Vila Magni... mais ou menos, é em Midgard.
Uller me indagou enquanto Eir voltava a guardar o artefato
que protegia o corpo do meu pai. Só tinha um lugar que ele poderia
ser enterrado, no túmulo da minha mãe, era um pouco afastada da
minha vila, mas sabia chegar lá.
—Caramba... tem um problema... como a gente passa pelo
Heindall?
—Ele não vai ser um problema.
Hel já invocou a foice enorme, para usar no mesmo Heindall
de antes da Bifrost, não parecia ser a agressividade padrão dela, com
certeza esse cara a irritou. Enquanto tentávamos fazer ela guardar
aquela arma enorme e assustadora o meu colar de madeira começou
a se mexer, ele começou a flutuar e apontava para o pátio do castelo,
fui seguindo e quando enfim cheguei na nova árvore que tinha
surgido no lugar uma mensagem apareceu no tronco, uma
mensagem que já não via a muito tempo.
“Posso dar uma carona para vocês?”
—Oi Ygg, é bom ver você.
“Também é bom ver você, sinto muito por tudo.”
—Não é sua culpa... pode mesmo nos levar lá?
“Claro.”
Um portal de pedras e raízes começou a se formar, Uller e
Astrid não se assustaram com isso, mas o resto de nós tomamos um
susto. Logo que o portal se formou Astrid e Uller entraram dentro
dele sem medo nenhum, já a mamãe e a tia Eir ficaram com medo
de entrar, peguei nas mãos das duas e me joguei no portal junto
delas. Quando abri meus olhos o cenário era fantástico, um céu
385
estrelado com meteoros rasgando o espaço, galhos se esticavam e
enroscavam até o horizonte, um enorme fluxo de energia nos
circulava e juro por deus que vi um pequeno esquilo ao longe. O
chão parecia ser de terra e tinha uma pequena camada de neve em
cima, era uma estrada reta em uma caminhada de dez minutos.
Durante a nossa caminhada, Hel e Eir ficavam estudando o lugar
completamente deslumbradas com a paisagem, já Uller e Astrid me
contaram a verdade sobre a minha amiga misteriosa, ela era a
Yggdrasil, ou a árvore do mundo, a entidade suprema da vida,
regente da mana, a existência dela cria a conexão e harmonia dos
noves reinos, todo o poder da realidade está presente nela... e eu sou
o favoritinho dela aparentemente... é um pouco assustador para falar
a verdade.
Resolvi não pensar nisso e só aceitei que a Ygg era uma
árvore legal, após a caminhada chegamos em outro portal que
também cruzamos. Após saímos do portal nos vimos em meio a
uma floresta verde e vivida, vários animais fugiram do portal,
quando tentei me localizar em cima de um pequeno morro vi um
tumulo de pedra. Corri até lá o mais rápido que pude e vi um
túmulo com uma plaquinha de madeira pendurada.
“Bella a Caçadora”
“Para mulher mais linda e gentil, obrigado por me amar”
Era um pequeno túmulo de pedra em formato de cone, nele
pendurado por uma corda de couro reforçada tinha uma placa de
madeira grossa, as palavras provavelmente foram entalhadas com
uma ferramenta quente. Me virei para todos que me seguiram até o
todo do morro e disse.
—A gente chegou... como você sabia que era aqui...
“Eu sei de muitas coisas.”
Uma mensagem apareceu no tronco de uma grande árvore
que fazia sombra no túmulo, após isso ela sumiu sem deixar rastros
novamente.

386
—O que o Thorfinn era ruim de decoração era bom de
palavras. Posso mudar um pouco as coisas querido?
—Claro mãe...
Ela começou a recitar rapidamente vários feitiços e o
ambiente começou a mudar, a lápide foi destruída junto da
plaquinha e uma nova lápide foi criada, agora de gelo, que foi
posicionado no mesmo lugar. Do lado do túmulo da minha mãe o
Uller começou a cavar um buraco enquanto estava transformado em
um urso gigantesco, Eir enfim tirou o corpo, ele estava pronto,
coberto e só faltava colocar ele dentro do buraco.
—Oi pai... sinto muito de verdade que as coisas tenham
acabado assim...
Tirei o manto de cima dela e vi o rosto do meu falecido pai,
um rosto calmo, pálido, mas estranhamente pálido... me virei para o
buraco e uma nova lápide de gelo do lado da anterior estava
presente.
“Thorfinn o Ogro”
“Além de um guerreiro, um pai que protegeu seu filho.”
—Perfeito... Astrid, pode me ajudar?
Tentei puxar meu pai, para mais perto do buraco, mas
obviamente era fraco demais para se quer tirar ele do lugar. Astrid se
aproximou e muito facilmente levantou o meu pai e posicionou ele
no buraco, faltava só a terra.
—Tchau pai... te amo...
A terra que Uller havia cavado foi envolvida com o brilho
dourado e ela começou a flutuar e preencher a cova, aos poucos
comecei a ver meu pai ser soterrado pela terra, até que enfim o
buraco foi coberto. Senti meu coração ser apertado de novo, tinha
vontade de gritar, só que segurei o máximo que pude, mas não pude
segurar as lágrimas que escaparam. Senti algo me abraçar por trás,
uma mão na minha cabeça e uma no meu ombro e alguém pegou a
minha mão, quando parei para olhar vi Hel, Uller, Eir e Astrid,

387
todos perto de mim, não falaram nada, só estavam perto de mim.
Meu choro foi o único som naquela floresta, um som que durou por
minutos, mas por fim parei, não tinha mais lágrimas dentro de mim,
por fim me acalmei.
—Vamos voltar Rolf? Tem muitas coisas para fazer ainda.
—Posso ficar aqui sozinho por um minuto?
Hel me chamou para ir embora, mas ainda tinha algo que
precisava fazer, então pedi para ficar, ela por um minuto pensou em
ficar junto comigo, mas Uller com um simples gesto a fez deixar,
contanto que eles ficassem no portal enquanto ficava perto dos
túmulos. Todos os três foram embora, só ficou a Astrid, antes de ir
ela puxou algo de uma pequena bolsa que ela trazia e me deu, era o
casaco cinza da minha mãe.
—Aqui, fui buscar de manhã enquanto você e a Hel tinham
saído, pedi para uma pessoa que é ótima em costura fazer.
O casaco estava perfeito, nem parecia que estava banhado em
sangue e completamente destroçado por cortes e flechadas a uns
dias, vesti ele e por um momento me senti melhor.
—Ficou ótimo como sempre! Vou estar esperando lá
embaixo, volta logo ok?
Ela deu um beijo no lado da minha cabeça e desceu, quando
fiquei completamente sozinho sentei na frente dos dois túmulos e
respirei fundo.
—Pai... não sei se você pode me ouvir, não sei o que você
pensa de mim agora, na verdade eu tenho medo de saber, mas quero
que saiba que sobrevivi... escapei e eu vou ficar bem, não vou
desistir. Mãe... onde quer que você esteja, quero que saiba que a tia
Hel está cuidando bem de mim, vou tentar dar o meu melhor para
não dar trabalho para ela e prometo que vou cuidar da vovó, da tia
Monna e do Eldrick...
Respirei fundo mais uma vez, apertei meu peito e senti uma
raiva enorme crescendo dentro de mim, por fim eu disse.

388
—Ragnar... espero que esteja me ouvindo... eu juro por tudo,
com as minhas mãos eu vou fazer você se arrepender de ter
nascido... eu juro por tudo... VOCÊ VAI CONHECER A
MORTE!

Fim da Parte 1

389

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