Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Autora: A G Moore
Revisão: Fabiano Jucá
Diagramação: Juju Figueiredo
Capa: Will Nascimento.
Esta é uma obra de ficção. Seu intuito é entreter as pessoas. Nomes,
personagens, lugares e acontecimentos descritos são produtos da imaginação
da autora. Qualquer semelhança com nomes, datas e acontecimentos reais é
mera coincidência.
Todos os direitos reservados. São proibidos o armazenamento e/ou a
reprodução de qualquer parte dessa obra, através de quaisquer meios —
tangível ou intangível — sem o consentimento escrito da autora.
Criado no Brasil. A violação dos direitos autorais é crime estabelecido
na lei n°. 9.610/98 e punido pelo artigo 184 do Código Penal.
Sumário
Nota da Autora
Dedicatória
Prólogo
Capítulo 1
Rivka
Capítulo 2
Malcolm
Rivka
Capítulo 3
Rivka
Capítulo 4
Malcolm
Rivka
Capítulo 5
Malcolm
Rivka
Capítulo 6
Rivka
Malcolm
Rivka
Capítulo 7
Rivka
Malcolm
Rivka
Capítulo 8
Rivka
Malcolm
Capítulo 9
Malcolm
Rivka
Capítulo 10
Malcolm
Rivka
Capítulo 11
Rivka
Malcolm
Rivka
Capítulo 12
Rivka
Malcolm
Rivka
Capítulo 13
Rivka
Malcolm
Rivka
Capítulo 14
Rivka
Capítulo 15
Malcolm
Rivka
Malcolm
Capítulo 16
Rivka
Malcolm
Rivka
Capítulo 17
Malcolm
Rivka
Capítulo 18
Rivka
Malcolm
Capítulo 19
Rivka
Linda
Capítulo 20
Malcolm
Rivka
Malcolm
Capítulo 21
Rivka
Malcolm
Capítulo 22
Malcolm
Rivka
Malcolm
Capítulo 23
Rivka
Malcolm
Rivka
Capítulo 24
Malcolm
Rivka
Capítulo 25
Rivka
Malcolm
Capítulo 26
Malcolm
Rivka
Malcolm
Capítulo 27
Malcolm
Rivka
Capítulo 28
Rivka
Malcolm
Rivka
Capítulo 29
Rivka
Malcolm
Rivka
Capítulo 30
Malcolm
Rivka
Malcolm
Capítulo 31
Rivka
Malcolm
Rivka
Capítulo 32
Rivka
Capítulo 33
Malcolm
Rivka
Malcolm
Rivka
Capítulo 34
Malcolm
Rivka
Capítulo 35
Rivka
Malcolm
Capítulo 36
Malcolm
Rivka
Capítulo 37
Rivka
Malcolm
Rivka
Capítulo 38
Malcolm
Rivka
Capítulo 39
Rivka
Malcolm
Rivka
Capítulo 40
Malcolm
Rivka
Malcolm
Capítulo 41
Malcolm
Rivka
Epílogo
LIVRO 2 - RIVKA E O ELO PERPÉTUO
Prólogo
Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18
Capítulo 19
Capítulo 20
Capítulo 22
Capítulo 23
Capítulo 24
Capítulo 25
Capítulo 26
Capítulo 27
Epílogo
Agradecimentos
Mais sobre a autora
Outras Obras
Leia esse livro com sua mente aberta.
O enredo não se trata de mafiosos nem é um romance Dark, então
peço com todo amor que esqueça tudo o que já leu desses temas e comece
essa história como se fosse a primeira da sua vida.
Sinta tudo do começo ao fim.
A.G. Moore.
Dedico a Daiane Alves.
O anjo que Deus me presenteou. Esse livro não estaria aqui hoje se
não fosse você.
A densa camada branca e gelada cobria toda a área gramada da
região. Era o ápice do inverno e as recomendações orientavam que ninguém
permanecesse ali naquele local, pois havia risco de avalanches e
soterramentos pelo excesso de neve.
Mas, ainda assim, eles estavam caminhando lado a lado pelo vasto
caminho alvo.
Ele não segurava a mão dela, uma vez que ela mantinha as suas sob os
braços cruzados, enluvados e protegidos.
O trajeto foi silencioso para ambas as partes.
Ouvia-se apenas um som:
O do coração.
Era como se eles fossem capazes de ouvir o coração do outro, que
gritava por socorro.
“Faça alguma coisa!”, dizia um.
“Pense melhor!”, dizia o outro.
Porém, a razão se fingia de surda e ignorava os protestos.
A caminhada seguia firme, sem pausas, sem retrocessos, ambos
compenetrados em chegar ao destino final e acabar logo com o que assolava
suas mentes.
Estar ali era perturbador, mas não havia saída.
Até que chegaram ao ponto de separação e ele disse, sem olhá-la:
— Fique. Agora é só comigo.
A voz dele soou como o alimento que os ouvidos dela ansiavam
ingerir. Imediatamente ela levantou o rosto, antes cabisbaixo, à procura de
algum vestígio nele.
Algo que dissesse o que ela tanto ansiava saber.
Ele, ainda sem olhá-la nos olhos, apenas seguiu adiante sem olhar
para trás, em passos morosos, porém firmes.
O coração que ele enfim havia descoberto em si, batia em intensa
rebeldia ao que sua cabeça ordenava. Mas ele tinha que ir.
Era seu dever.
Enquanto ele seguia, ela mantinha os olhos fitos nele, ansiando que
algo diferente ocorresse e acabasse com toda angústia que reinava dentro de
si.
E aconteceu.
A oitenta metros de distância dela, ele parou e virou.
Ela sentiu frio, um frio que dominou todo seu corpo e imperava sobre
o frio do ambiente. Então ela jurou que viu seus lábios se movendo, num
sibilo claro e simples.
E seu coração se aqueceu ao notar que, ali, o dele também estava
aquecido...
Uma única vez.
Rivka
Hoje é meu grande dia.
Desde pequena ansiei por esse momento. Era algo que minha mente
constantemente elaborava, gerando sonhos.
O dia do meu casamento.
Acredito que toda mulher um dia imagina como será seu enlace.
Casar já foi o maior motivo de nós, mulheres, existirmos, épocas atrás, nos
tempos aristocráticos.
Para mim, hoje, é motivo de intensa felicidade.
Finalmente formarei minha própria família, terei um esposo com
quem poderei contar sempre, gerarei filhos e realizarei muitos dos meus
sonhos de menina.
De frente ao espelho do meu quarto, na mansão onde cresci, uma
lágrima abandonou meu olho sem que eu notasse.
— Feliz, meu doce? — indagou Doralice, a mulher que sempre
cuidou de mim.
A chamo de Dora desde que me entendo por gente. Meu pai contou
que a mamãe faleceu ao me dar à luz, e que, desde então, Dora cuidou de
mim como se fosse sua própria filha.
É como me sinto com ela, como se fôssemos família.
Respirei fundo e a fitei pelo espelho. Dora estava atrás de mim,
afagando meus ombros revestidos pelo elegante tecido rendado.
— Sim, Dora. Você sabe como sonhei em me casar. Parece bobo, mas
— enxuguei a lágrima delicadamente — esse foi meu sonho a vida inteira.
Seus olhinhos iluminados e negros se encheram d’água. De imediato,
me virei e a abracei com todas as forças.
— Sentirei tanto a sua falta. Tanto. — Aproveitei o momento e expeli
os pensamentos que me assolavam.
— Também, meu doce. — Ela se apartou e me encarou firmemente.
— Tenho medo dele não te tratar bem.
Foi quando pensei no meu futuro marido e nas motivações do meu
casamento.
Malcolm Samuels
Ele dizia que eu garantiria o futuro da sua empresa, que lhe daria
orgulho e poderia ser uma mulher muito poderosa, se fosse inteligente. Me
disse que eu precisava ser forte e continuar sendo eu mesma, pois em
hipótese alguma poderia me separar do meu esposo.
Recordo-me como se fosse hoje, o dia em que meu pai e eu fizemos
uma viagem diferente de todas as que costumávamos fazer. Ele me levou em
um local de temperatura baixíssima. Estávamos, com certeza, bem próximos
de algum dos polos terrestres.
Ao chegarmos, alugamos um helicóptero e, só depois de descer em
um campo completamente alvo pela neve, fomos levados por um jipe até uma
casa no meio do nada.
Naquela casa eu o vi pela primeira e única vez antes de nos
casarmos.
Conheci Malcolm Samuels em sua tenra adolescência.
Eu jazia em uma sala de estar, enquanto meu pai havia ido para
algum tipo de reunião. Estava sozinha, mas de repente um menino, que
parecia ter entre a faixa de 15 e 20 anos, desceu as escadas lentamente em
passos sorrateiros, caminhou até onde eu estava e sentou no sofá à minha
frente.
Meus olhos foram de encontro aos dele de imediato e, mesmo ainda
criança, senti algo resfriar minha espinha.
Era medo.
Os olhos dele eram tão azuis que poderiam congelar qualquer um que
fizesse contato direto.
— Você é a filha de Albert, certo? — indagou.
Sua voz denotava a nítida passagem pela puberdade, porém, com
uma firmeza amedrontadora.
Eu, com ombros encolhidos e temendo aquele menino frio, assenti
com a cabeça.
— Ah, não acredito... — Ele meneou a cabeça, parecendo ofendido
com minha resposta. — Não acredito.
Como minha imaturidade não me permitia tomar atitude alguma,
apenas me calei e aguardei enquanto ele levantava, impaciente, e andava em
círculos pela sala. Até que meu pai desceu ao lado de um senhor um pouco
mais velho que ele.
— Você não vai me fazer casar com essa criança, pai! — Malcolm
andou a passos firmes na direção do senhor ao lado do meu pai e o
confrontou.
Eu não entendi muito bem sobre o que falavam, exatamente. Só tinha
oito anos, queria brincar, me divertir. Mas então o homem o fez calar,
puxando o garoto até ficar longe de minhas vistas.
Meu pai andou rapidamente até mim com sua feição preocupada e,
ao beijar minha cabeça, disse:
— Logo te explicarei tudo, minha menina. Logo você vai saber.
Assim que Dora saiu do quarto, eu abri meu armário e peguei o papel
que assinei dias antes, com as explicações de tudo que havia no acordo. Era
uma nota de ciência.
— Sim, eu aceito.
Declarei depois dos longos minutos de cerimônia onde o celebrante
falava sobre amor, união e família.
Malcolm já havia dito sim em seu tom firme e um tanto tenebroso,
mas na minha vez, ele enfim virou o rosto e me olhou com calma.
Após as considerações finais, entrega de alianças e benção, fomos
declarados marido e mulher.
— Pode beijar a noiva.
Nesse instante meu coração quis saltar pela boca.
Notei que comecei a suar frio, estava muito, mas muito nervosa.
Malcolm segurou minhas duas mãos, fazendo-me virar em sua
direção.
Então se aproximou em câmera lenta — ao menos era o que para mim
parecia.
Um passo.
Sua mão percorreu minha bochecha até se acomodar em minha nuca
e, em poucos instantes, o senti perto demais a ponto de nossos lábios
encostarem um no outro.
Ele não sabia.
Ninguém sabia.
Mas aquele foi o meu primeiro beijo.
Rivka
Minha festa de casamento foi maravilhosa. Malcolm me apresentou a
todos os líderes da sociedade, a políticos, a pessoas importantes. Me senti
realmente como uma pessoa especial naquele instante.
Ele ainda não havia dirigido nenhuma frase completa me olhando
diretamente nos olhos, mas eu cria que era devido à correria da festa e à
quantidade de pessoas que deveríamos cumprimentar.
Num dado momento, ele me liberou e eu retornei à mesa dos noivos,
onde meu pai estava conversando com a mãe de Malcolm.
— Ah, minha linda! Que linda minha nora! — Adélia, minha sogra,
levantou e veio me abraçar antes que eu me sentasse.
Meus sentimentos estavam ainda um pouco conturbados, pois eu não
conhecia ninguém. Meu pai era a única pessoa familiar no meio daquele
reboliço e, também, com quem eu poderia contar. Nem Dora foi autorizada a
festejar comigo.
— Obrigada. — Abaixei a cabeça, um pouco tímida.
Ela, porém, tocou meu queixo e elevou meu rosto.
— Rivka, você agora é uma Samuels. Seu rosto jamais, em hipótese
alguma, pode andar cabisbaixo. O mantenha assim, elevado.
Assenti, absorvendo o conselho de ouro, achando que a mulher estava
se referindo apenas ao fato de eu carregar o sobrenome de sua família.
Mal sabia eu que, nas piores situações, deveria manter a cabeça
erguida também.
Meu pai trocou poucas palavras comigo. Eu entendia que ele não
podia demonstrar muita emoção perante as pessoas ao redor, um dia ele
chegou a me contar algo parecido, então compreendi seu afastamento antes
da festa encerrar.
Malcolm não me chamou novamente, mas o vi andando pela festa
cumprimentando as pessoas sempre com a mesma feição congelada e
imparcial, como se não conseguisse expressar emoções ou sentimentos.
Era a mesma face para tudo.
Por fim, as pessoas foram embora aos poucos e logo avistei Malcolm
e um homem que aparentava ter a mesma faixa etária dele, se aproximando.
— A festa acabou — ele disse para mim, mas logo virou o rosto na
direção do homem que o acompanhava. — Romero, leve-a, por favor.
Sem dizer mais nada, se virou e foi andando para fora.
Me senti como se não fosse absolutamente nada. Um enfeite no meio
daquela ornamentação gigante e espetacular. Sabia que estava ali para
cumprir um acordo, mas custava alguma coisa o homem ao menos ser gentil?
Imediatamente, meus olhos começaram a arder, mas contive a vontade de
chorar de raiva daquele ser humano congelado.
— Vamos?
O outro homem, que agora eu sabia que se chamava Romero,
estendeu a mão na minha direção e sorriu, simpático.
Ao menos alguma pessoa sabia sorrir naquele lugar.
— Sim. Obrigada.
Dei minha mão a ele e fui guiada para a limusine que me aguardava
na rua sob o céu nublado daquela tarde. Antes de entrar, ousei deixar minha
curiosidade falar alto.
— Para onde vamos? Quem é você e por que meu marido não vai
comigo?
Romero, que estava com a mão na maçaneta da porta, prestes a abri-la
para que eu entrasse, conteve uma risada e murmurou:
— Malcolm tá mesmo fodido.
— O que disse? — perguntei, pois não estava acreditando no que
havia entendido.
Ele abanou a cabeça e tentou ficar sério.
— Nada, senhora Samuels. Eu pensei alto. — Abriu a porta e
sinalizou com a mão para que eu entrasse, e assim o fiz. — Então quer dizer
que a senhora é curiosa?
Perguntou antes de fechar a porta.
Enquanto ele dava a volta para entrar no local do motorista, eu decidia
se respondia ou não. Havia passado horas sem falar com ninguém, apenas
respondendo cumprimentos e não sabia absolutamente de nada sobre minha
nova vida, além do que havia lido no papel. Nem onde eu moraria me
contaram.
— Sim. Sou curiosa. Poderia responder minhas perguntas?
Ele sorriu de novo e ligou o carro, seguindo para onde deveria me
levar.
.
Rivka
Durante o caminho até a casa onde eu moraria com Malcolm, tive
uma conversa com Romero que me agradou muito.
Ele foi bem claro com muitas coisas que eu não compreendia e me
ajudou a entender melhor quem Malcolm é. Parecia uma pessoa confiável.
— Primeiro, meu nome é Romero, como deve ter ouvido por aí, e
Malcolm e eu somos amigos desde a infância. Eu não fui criado na
organização, mas Malcolm tratou de me inserir como seu segurança pessoal,
pois somos amigos demais e ele precisava de alguém de confiança ao lado.
Estou falando tudo isso para que confie em mim. Provavelmente farei sua
segurança também daqui para frente, então me verá muitas vezes.
Fiquei olhando o trajeto pela janela enquanto ouvia Romero falar. Ele,
ao contrário de Malcolm, mostrou-se gentil e alegre, um bom homem para ser
meu segurança. Precisava de pessoas que fossem assim ao meu lado, não uma
parede de concreto como meu marido. Mudo e impenetrável.
— Estou te levando para sua nova casa. Lá você pegará suas malas
para a viagem de lua de mel que fará com Malcolm.
Isso me despertou o interesse.
— Teremos lua de mel? Achei que nosso casamento era limitado ao
arranjo, não precisava de tudo isso.
Fitei-o pelo retrovisor.
— Teve festa de casamento, terá lua de mel. Para qualquer outra
pessoa fora da cúpula do Patriarcado, é um casamento como todos os
casamentos. Sei que vocês mal se conhecem, mas com o tempo podem se
tornar bons amigos e até cúmplices. Há fatos de casamentos na organização
que os parceiros se dão muito bem com o passar dos anos.
Como?
E o amor, onde fica?
Ele não mencionou a palavra “amor”, nem a expressão “se
apaixonar”. O que há na cabeça dessas pessoas?
— Hã... Sei. — Me limitei a respostas vagas enquanto somente ouvia.
Dora vez ou outra exaltava minha inteligência e a forma sagaz de
como eu descobria as coisas que queria, somente juntando peças no ar.
Percebi que deveria usar esse método a partir do dia em que casei, pois havia
muito que eu não sabia e precisava descobrir.
Essa tal “organização” da qual meu pai faz parte e eu fui uma moeda
no acordo entre ele e a família de Malcolm, é algo que eu ainda não soube
decifrar. Nunca, em todos os meus vinte e cinco anos, pesquei algum furo ou
conversa de papai sobre isso. Havia descoberto há pouco tempo que a
organização se chamava Patriarcado, e apenas sei que se limita a um grupo de
pessoas que regem o mundo.
Romero desatou a falar inúmeras coisas sobre ser uma Samuels, sobre
como aguentar Malcolm sem perder a cabeça e sobre como eu deveria me
portar a partir de agora. Itens que eu ignorei, assimilando somente o
essencial, porque a pergunta que eu fiz antes de entrarmos no carro ainda
martelava em minha cabeça:
Por que meu marido não está indo comigo?
— Desculpe interromper, mas Malcolm já está em casa? Por que não
viemos juntos nessa limusine?
Romero devolveu o olhar que eu havia lançado pelo retrovisor e deu
de ombros antes de se concentrar novamente na pista.
— Logo você vai entender que ele é... peculiar. — Deu uma pausa, e
assim que percebeu que eu abriria a boca para continuar indagando,
prosseguiu: — Nem tudo que Malcolm faz tem um porquê. Não
questionamos o que ele decide. Se ele quis ir antes sem você, é porque ele
quis e ponto. Meu conselho é: evite questionamentos desnecessários com ele.
Um calafrio percorreu minha espinha e alcançou minha nuca, me
deixando desconfortável com a resposta que recebi.
Lá dentro do meu peito, a recordação da menina que presenciou o
garoto dos olhos congelantes a amedrontando somente com o olhar, gritou
alto.
Pressentia que talvez ele pudesse causar medo em mim, mas a mulher
corajosa que habita em mim me impediu de ouvir tais pensamentos por tanto
tempo.
Eu não tinha experiência de vida, nunca lidei com homem algum, a
não ser meu pai, mas isso não dá o direito de ninguém me amedrontar.
Eu sabia argumentar quando queria me defender.
Minha mais nova casa era enorme e tinha três andares. Não deu tempo
de conhecer tudo, pois minhas coisas estavam ainda no quarto de hóspedes do
primeiro andar. Somente na volta da lua de mel, conheceria de fato meu novo
lar.
Já de malas prontas, aguardando somente meu esposo dar o ar da
graça, me mantive andando pela sala, inquieta, sem saber muito o que fazer,
então decidi ir até a cozinha.
Naquela cozinha maravilhosa, toda em inox com ilha central e
acabamento de primeira qualidade, me vi no paraíso. Sempre amei cozinhar,
e torcia demais para que eu conseguisse me adaptar àquele novo ambiente.
De pé e uniformizada, estava uma senhora bem baixinha — mais do
que eu, até —, lavando louças. Seus cabelos eram grisalhos e mantinham-se
sob uma touca feita especialmente para o traje que vestia.
— Com licença. — Me sentei em uma banqueta, apoiando os braços
sobre a ilha no centro da cozinha.
Torci para que ela também falasse português, pois era uma das
línguas em comum que Malcolm e eu tínhamos devido à nossa nacionalidade
dupla.
A mulher desligou a torneira, enxugou as mãos e se virou na minha
direção.
— Qual a sua graça? – perguntou sorridente.
Um sorriso lindo, capaz de iluminar ambientes. Por reflexo, sorri
também.
— Sou Rivka, a esposa de Malcolm. Estou aqui admirando essa
cozinha dos sonhos e te vi. Como se chama?
Ela continuou organizando as louças recém-lavadas na cozinha
enquanto me respondia.
— Sou Linda. A governanta barra faz-tudo nessa casa. — Deu uma
risadinha. — Patrão não gosta de muitos empregados, então fazemos mais de
uma função por aqui.
Eu começaria minha sessão de perguntas curiosas, se não fosse a
chegada de alguém no recinto.
— O que faz na cozinha? — A voz dele perfurou minhas costas. Era
firme demais, como se estivesse dando bronca em alguém vinte e quatro
horas por dia.
Me virei e dei de cara com meu marido na porta. Ele não parecia mais
aquela muralha humana do casamento, vestia algo mais descontraído. Uma
bermuda cargo e uma camiseta preta. O cabelo ruivo, quase loiro, estava
penteado para trás e, bloqueando a visão dos olhos de gelo, os óculos de sol
preenchiam o rosto dele, dividindo a glória somente com sua barba cheia que
mal me permitia ver seus lábios.
Será que aquilo era a sombra de um curto sorriso?
Percebi que o olhava demais no instante que meu marido cruzou os
braços tatuados, esperando minha resposta.
— Ah! É... Eu gosto de cozinhas, e como estava há muito tempo
esperando...
Ele estendeu a palma da mão, dando o sinal para que eu parasse de
falar.
Mas... O quê?
— Entendi. — Focou em Linda e continuou a dizer. — Linda, estarei
fora por três dias. Mantenha tudo sob controle nessa casa. Qualquer urgência,
não tarde em me ligar. No meu retorno gostaria de comer aquele prato. Volto
na hora do jantar.
Fiquei ali no meio, me sentindo constrangida por ter me calado
mediante a somente um gesto do homem, enquanto ele me ignorava e seguia
falando com Linda.
— Sim, patrão. A menina também vai?
Eu ainda estava sentada, só vendo a interação deles. Malcolm já tinha
dado as costas e caminhava rumo à sala.
Uma aflição estranha tomou conta do meu peito, não estava
acostumada a ser tratada daquela forma.
Será que era mania dele, deixar as pessoas falando sozinhas ou cortá-
las no meio de suas frases?
Não deu tempo para refletir, pois Malcolm virou de novo e disse na
sua voz de trovão:
— Ela vem. — Levantou os óculos até a cabeça e fixou seus olhos em
mim. — Venha.
Me levantei e me despedi de Linda com um aceno gentil, caminhando
em seguida até onde meu marido estava.
Nossa viagem foi como esperei: silenciosa.
Ele nada disse durante o trajeto, muito menos eu.
Passei os longos minutos apenas relembrando cada letra composta
naquele contrato de ciência que assinei antes de casar. Mal havia dito sim e já
queria desistir. Então pensei em meu pai e em todo o sacrifício que fez desde
que eu era pequena.
A empresa não era tão requisitada na época que ele firmou o acordo
com o pai de Malcolm. Eu tinha total ciência de que esse “Patriarcado”
investiu pesado para que a empresa de meu pai fosse o que é hoje, e por isso
eu estava ali, solidificando a aliança, abrindo mão de tudo que eu herdaria por
conta do meu pai.
Moramos atualmente em Londres, bem no coração da Inglaterra.
Sempre amei esse país, apesar de não ser inglesa, mas imaginei que na minha
lua de mel talvez viajássemos para outro país.
No entanto, Malcolm decidiu que iríamos para o litoral da Inglaterra.
Viajamos até St Austell, uma localidade na região da Cornualha. Foram
aproximadamente quatro horas de viagem até conseguirmos chegar ao hotel
onde tínhamos nossas reservas.
Eu já conhecia o lugar por fotos e pesquisas sobre as melhores praias
do país. Confesso que sempre desejei visitar o distrito de St Austell, mas
realmente estar ali na minha viagem pós-casamento foi uma surpresa.
— Chegamos — disse ele, enfim, após mais de quatro horas em
silêncio.
Eu adormeci, obviamente, cansada de tanto pensar. Não esperaria que
meu marido engatasse uma conversa comigo sem nenhuma motivação, mas
em pelo menos uma hora da viagem, eu estive acordada e ansiando ao menos
por uma orientação sobre onde iríamos.
Quando acompanhei as placas e percebi em qual lugar estávamos
chegando, fiquei mais calma, e no instante em que ele estacionou e disse
“chegamos”, notei a “empolgação” que ele estava com tudo aquilo.
E isso me esmoreceu um pouco.
— Aqui é St Austell? — perguntei antes de sair do carro com minha
bolsa de ombro.
Ele assentiu e saímos, deixando as bagagens a cargo do serviço de
hotel.
Malcolm foi ágil, firme e imponente em todas as suas ações. Desde a
entrada no hall do hotel, até a forma com que agiu com as recepcionistas,
mostrando que ele tinha tudo sempre sob controle.
— Apenas procure por Samuels em seus registros — ordenou à
recepcionista.
Eu fiquei ao lado, só observando como ele agia e tentando me mostrar
à altura para que fosse ao menos digna do título de senhora Samuels para
quem visse.
Mas estava falhando miseravelmente.
— E a moça, precisa de um quarto também? — a recepcionista
perguntou e em seguida me olhou de cima a baixo.
Não estava em maltrapilhos. Apenas minha cara de sono com os
cabelos um tanto desgrenhados pela viagem poderia ter dado alguma falsa
impressão à atendente.
No momento em que eu abriria minha boca para explicar
educadamente o fato de eu ser esposa e não uma pessoa aleatória, Malcolm
colocou o punho fechado sobre o balcão e aproximou o rosto da
recepcionista, a intimidando.
— Tenho uma péssima notícia para a senhorita. Depois do que acabou
de fazer, está demitida. Falarei com seu superior amanhã pela manhã, pois já
é tarde da noite.
— Hã? Ma-mas eu só-só...
— Somente verifique a maldita reserva, em voz alta. — Seus olhos
congelantes estavam fixos nos olhos da moça.
— S-sim. — Ela abaixou o olhar para a tela e leu: — Senhor Malcolm
B. Samuels e senhora Rivka V. R. Samuels. Oh...
A moça tapou a boca e me olhou espantada. Acho que entendeu
finalmente que se tratava de um casal. Mas não poderia jamais julgá-la. Olha
a forma como meu marido trata a própria esposa?
Quem em sã consciência acharia que somos um casal recém-casado?
Imediatamente ela finalizou o check-in e liberou nossa chave para o
quarto em questão.
Seguimos para nosso andar em silêncio, como se nada tivesse
ocorrido. Enquanto eu digeria a atitude dele, o seguia.
Chegamos no quarto e nossa bagagem já esperava em nossa porta.
Não precisei mover um dedo, pois Malcolm levou tudo para dentro e
posicionou perto do armário. Entrei e fechei a porta, em seguida olhei ao
redor e admirei aquele quarto luxuoso de hotel. Certamente estávamos no
melhor hotel da cidade.
Tudo para mim era novidade, pois jamais fiquei hospedada em hotéis.
Sempre que meu pai me levava a algum lugar, era para negócios, ou então
alugávamos uma casa com empregados para que ficássemos num ambiente
mais familiar.
Aquele cômodo enorme era mais que somente um quarto, tinha tudo
para o pleno funcionamento de uma casa completa, exceto cozinha. O
acabamento das paredes era em tons pastéis e no chão jazia uma madeira
muito valiosa, envernizada. Seu brilho era surreal. Quando meu olhar parou
de vaguear pelo local e encontrou meu marido se despindo andando em
direção ao banheiro, de imediato fechei os olhos e depois os abri devagar até
que a imagem dele com suas diversas tatuagens nas costas tivesse sumido de
minhas vistas.
Bufei irritada, pois percebi que ele simplesmente agiu de forma
indiferente à minha presença. Como posso tentar me aproximar dele?
O que posso fazer para que ao menos sejamos amigos, como Romero
comentou?
Me sentei à beira da cama e comecei a pensar enquanto ele não
aparecia novamente, então a frase de Romero falou alto, lembrando o fato de
eu ser curiosa.
Naquele exato momento, eu tive uma ideia.
Malcolm
Se já não bastasse ter de me casar, ainda preciso lidar com uma
mulher que mais parece uma estátua.
A menina é quieta, sem atitude, simplória demais e — aparentemente
falando — não muito atraente.
Sua beleza é comum. Rivka é bonita, não posso ignorar o fato, mas
não passa do comum. Pele parda, cabelos negros ondulados até um pouco
abaixo dos ombros e corpo magro, sem muitas curvas.
Não estou acostumado com mulheres tão simplórias do lado. Jamais
transei com alguém que não tinha uma carne na bunda para apertar.
Era insano pensar nessas coisas com ela do lado de fora do banheiro
onde eu estava tomando banho.
Mais insano ainda era não me preocupar tanto com os problemas da
organização, que estão pesando em minhas costas. Já tinha dado uma
averiguada em tudo que faria antes mesmo de assumir o posto, desde que
meu pai morreu, há três meses. O Patriarcado não pode sair do meu controle,
lá há pessoas dispostas a tudo para assumir o meu lugar e em hipótese alguma
permitiria que invalidassem tudo que passei a vida inteira para cumprir o meu
dever. No entanto, decidi ouvir o conselho de Romero e esses dias de lua de
mel serão para espairecer minha cabeça conturbada.
Assim que saí do banheiro, já de banho tomado, apenas enrolado
numa toalha, encarei Rivka, que estava sentada no meio da cama, imóvel,
olhando para mim.
Coitada, nunca deve ter visto um homem gostoso como eu na vida.
— Pode dormir — cansado, orientei.
Se a menina esperava que eu a faria minha naquele dia, estava
enganada. Não sou a droga de um adolescente movido por hormônios, tenho
controle.
Me virei e já estava a caminho da sala quando sua voz me fez parar.
— Hã, eu...
Tornei a olhá-la e cruzei os braços, já sem paciência — não que eu a
possua, na verdade.
— Garota, é o seguinte. Estou ansioso para relaxar minha mente e
corpo. Preciso dormir. Amanhã dou um trato em sua carência. Fique com a
cama, estou no sofá.
— Eu quero só que me responda algumas coisas.
O quê?
O dia tinha sido um lixo, meu humor já nem existia mais e ela ainda
queria que eu respondesse perguntas?
Era minha esposa ou uma repórter?
— Não entendo que perguntas quer que eu responda. Amanhã nos
falamos.
Novamente me virei, mas ela foi insistente, me fazendo notá-la mais
uma vez ao me encher de questionamentos.
— Por que não nos falamos direito? Por que não foi comigo do
casamento para nossa casa? Por que age assim, se agora somos casados? Não
foi assim que imaginei viver com meu marido, independente de quem fosse.
Sua voz continha certa revolta, como se realmente imaginasse por
longos anos uma vida de casada. Claro que isso é bobagem, ninguém pensa
nisso.
Essa garota provavelmente deveria ser uma boa atriz, para elaborar
essa cena toda e me fazer revelar tudo sobre a organização.
Azar o seu, linguaruda, eu não confio nem em minha própria sombra.
— Se pensa que pode simplesmente chegar hoje em minha vida
exigindo respostas de coisas que não te dizem respeito, está enganada, garota
falante. Achei que era calada, mas me enganei. — Elevei um pouco o tom
para amedrontá-la. — Não me questione nada de minha vida ou de minhas
decisões.
Eu precisava fazê-la se situar em seu lugar.
Rivka
— É meu direito saber mais da sua vida. Vamos conviver sabe-se lá
quanto tempo juntos!
Ele estava irado. Dava para ver pela forma como sugava o ar de forma
pesada aos pulmões. Tentava se controlar, apesar de externar certo controle.
Não sei se ele é do tipo que agride mulheres e, sinceramente, falhei
em provocá-lo sem nem pensar nessa possibilidade. Mas no instante em que
suas mãos foram simultaneamente ao seu rosto, respirei aliviada.
Malcolm soltou o ar enquanto esfregava as mãos da testa até o queixo,
encarando o teto. Em seguida, me encarou de uma forma letal.
— Olha, entenda uma só coisa, garota: o que temos é um papel
assinado. Isso não te dá direito a nada além de meu nome, minha imagem e
um sexo mais ou menos nas noites que estiver carente. Fora isso, seja apenas
a esposa insossa e calada que estava sendo até minutos atrás.
Aquilo causou uma ardência no centro do meu peito. Foi tão profundo
que o acalentei, levando minha mão até lá.
Senti meus olhos arderem, num prelúdio de que lágrimas viriam.
Nunca fui tratada desse jeito por ninguém. Por que meu pai me sujeitou a
esse casamento?
Engoli o choro e em segundos decidi continuar com minha
insistência, podia revogar o contrato de casamento, mas eu quebraria a
empresa do meu pai. No meu íntimo, aceitei o desafio que estava à minha
frente. Eu o faria ceder, nem que fosse aos poucos.
Tijolo por tijolo.
— Você não me conhece, Malcolm.
Levantei da cama e dei alguns passos até estarmos frente a frente.
— Eu vou ter as respostas que desejo, cedo ou tarde. Posso sim ser a
esposa que você pediu, na frente dos demais, mas saiba que a Rivka é bem
mais que isso. Muito mais.
Ele não se abalou com minha postura de falsa autoritária. Saiu da
minha frente, ignorando-me por completo, pegou um travesseiro no armário e
um lençol e andou até o sofá que tinha na sala daquele "quarto" gigante.
— O que você queria, quando começou a abrir a boca? — A voz dele,
um pouco distante, ecoou.
Eu estava imóvel, apenas acompanhando a cena. Parada no meio do
quarto, escutando a voz de Malcolm estremecer toda a minha mente, com
perguntas idiotas.
Decidi ser sincera.
— Eu só queria que me notasse.
Abaixei a cabeça, ciente de que ele não podia me ver, então virei e
andei até a cama, me jogando nela em seguida.
Alguns segundos longos de silêncio reinaram entre nós até sua voz me
fazer abrir os olhos já fechados, num susto.
— Parabéns. Conseguiu.
Era ele, na porta do quarto. Fechei os olhos novamente, então escutei
a porta ser trancada.
Precisava orar pedindo a Adonai que me desse muita sabedoria.
Esse homem certamente tiraria minha paz.
Amanheceu, mas eu mal dormi durante a noite.
Aparentemente, Malcolm desistiu de dormir na sala e dormiu ao meu
lado na cama, virado ao contrário. Eu não quis pensar na sua proximidade
com meu corpo, mas esperei um tempo antes de ir ao banheiro e tomar meu
banho para dormir definitivamente.
Era estranho ser casada com um homem que não quer você por perto,
que te chama de garota falante e deseja que você seja calada e insossa.
Assim que acordei, fiz minhas orações e percebi que Malcolm já não
estava no quarto. Decidi que me programaria para curtir a viagem com ou
sem ele e me troquei, colocando um biquíni que levei para tomar banho de
praia, junto com uma saída de praia linda e branquinha que ganhei de Dora.
Depois de tudo que precisava fazer, saí do quarto e desci rumo ao
restaurante do hotel. Ainda era cedo, precisava aproveitar o café da manhã.
Chegando lá, foi inevitável notar meu marido já se alimentando em
uma mesa aleatória, sem mim. Esse homem, além de sem coração, ainda era
sem consideração.
Ali, em público, agi da forma como ele queria e não dirigi uma só
palavra a ele, mas notei quando seus olhos repararam no modo como eu
estava vestida.
Ponto para mim.
Depois de comermos em silêncio, me levantei antes dele e segui de
cabeça erguida até o hall do hotel.
Lá eu estava com pose de madame, óculos escuros e chapéu na cabeça
para me proteger do sol com nuvens que fazia lá fora, apenas aguardando
algum táxi próximo à recepção, quando senti um aperto forte em meu braço.
— Aonde pensa que vai? — Pude sentir seu corpo colado nas minhas
costas e seu hálito resvalando em minha orelha.
— À praia.
Respondi sem me virar para olhá-lo. Não queria me sentir congelada
por seu olhar frio e intimidante.
— Já entendi seu jogo, linguaruda. Se pensa que me importo com o
que fará da sua vida, se engana. Vá para sua praia, mas chegue antes do
almoço. Lembre-se de que o seu compromisso nessa maldita viagem é
comigo.
Fechei os olhos e aspirei suas palavras como se fossem aromáticas.
E aquilo não me cheirava nada bem.
Lembrei de todos os ensinamentos que tive sobre a obediência e
submissão que devia ao meu esposo. Não queria me sujar com Elohim por
conta de um homem frio sem coração.
— Antes do almoço estarei aqui.
Então seu aperto em meu braço se soltou.
— Bom.
E logo o percebi se afastar com sua presença pesada, me fazendo
sentir novamente a leveza do ambiente ao meu redor.
Eu curtiria minha lua de mel, mesmo sem meu marido ao lado.
Malcolm
— Siga-a. Não a perca de vista — ordenei ao meu segurança
particular da viagem.
Quando Rivka desatou a falar antes da hora em que eu iria dormir,
percebi algo nítido em sua fala: interesse.
Ela tinha algum interesse implícito em mim, e me restava investigar
para saber qual seria. Sou desconfiado demais, e me enganei quando pensei
que ela seria uma mulher tão fácil de lidar. Quem em sã consciência me
desafiaria na noite de núpcias?
Eu vou ter as respostas que desejo, cedo ou tarde. Posso sim ser a
esposa que você pediu, na frente dos demais, mas saiba que a Rivka é bem
mais que isso. Muito mais.
A frase que ela me disse martelou minha cabeça a noite inteira. E é
como sempre digo: melhor dormir ao lado dos inimigos, do que ser atingido à
distância.
Desisti de dormir na sala, pois algo nela me intrigou. Aguardei por
qualquer tipo de reação durante a noite, mas ela apenas dormiu pesadamente
até amanhecer.
Ainda estou em alerta e, mesmo não tendo atração alguma por essa
menina, a farei minha nessa noite. Rivka precisa entender que deve estar ao
meu lado e não contra mim. Não preciso me satisfazer sexualmente para
preencher meu ego. Aprendi com a vida que o autocontrole pode ser a
ferramenta mais poderosa para manter a sanidade.
Ela foi para a praia, mas meu segurança a seguiu para que nada
fugisse ao meu controle. Romero não veio, pois sabe que não gosto que
participe tão ativamente da minha intimidade, e essa coisa de lua de mel era
um banquete para suas piadinhas e provocações. Quem veio para escoltar-me
são Philip e Roussel, ambos ingleses bem treinados pelo Patriarcado.
O dia estava ensolarado, com as típicas nuvens que jamais abandonam
o céu inglês. Resolvi adiantar algumas negociações em meu laptop, já que
dias de sol não me enchem os olhos. Estaria me apresentando ao conselho de
sócios no retorno da lua de mel, e colocaria em ordem cada função dentro da
organização. Somos o poder acima de tudo e todos, comandamos máfias,
FBI, CIA, Forças Armadas e a política. Sabia que teria muito trabalho pela
frente.
Apesar de estar com minha mente focada em meu dever, precisava
também descansar um pouco. Praia era algo que não curtia muito, mas não
pensei em outro local para passar esses dias, senão onde estou.
— Por favor, poderia falar com o gerente do hotel? — pedi à
recepcionista de plantão.
Não tinha esquecido o vexame que passei na noite anterior. Ninguém
jamais pode desdenhar de um Samuels, seja ele quem for. Com certeza faria a
recepcionista pagar caro pelo modo como me tratou, e depois continuou
tratando Rivka.
“Há negócios pendentes de sua aprovação em seu escritório central.
Precisamos saber com exatidão o horário em que estará retornando da viagem
com sua esposa, para que possamos informar aos responsáveis o tempo que
podem aguardar.”
Meu pai foi um Patriarca muito severo, porém, não tão inteligente.
Muitas das vezes eu via que seus negócios não eram tão benéficos assim para
nós, mas não conseguia entender o porquê.
Quando voltar da viagem porei tudo em seu devido lugar, ajustando o
que resta, para que enfim possa comandar o Patriarcado sem pendências.
Rivka cantava uma canção em sua língua natal, o hebraico. Ela não
havia me visto ainda, pois foi direto para o banheiro ao lado do quarto. Eu
estava na mesinha de escritório ao lado da cama, só escutando enquanto ela
cantarolava.
De fato, era uma garota ingênua e inocente. Seu despreparo era
notório e eu pensava seriamente no fato dela realmente estar ciente ou não
sobre onde está metida. Se soubesse onde estava envolvida, não cantaria nem
expressaria tanta alegria assim.
Me temeria.
Temeria o que pode acontecer com ela no meio de tantas pessoas
cruéis como eu.
Rivka
ֶמֶל ָהעוָֹלם,ּ ֵהינו - ֱ ה' א ָבּרוּ ַאָתּה
Malcolm
Ela dormia serena ao meu lado depois de termos feito sexo pela
primeira vez.
Foi como sempre é. Morno.
Transar com virgens não é meu forte e eu não podia simplesmente
expressar minhas preferências a ela, porque não é uma mulher que
dispensarei amanhã.
É a droga da minha esposa.
Tive que conter meus impulsos, meus movimentos, meu ritmo, para
que ela pudesse entender que aquilo a marcava como minha, mas que, nas
próximas vezes, seria diferente.
Não. Eu não fui o cara que vai lá e leva uma toalhinha para que ela se
limpe. Não foi assim que eu aprendi.
Contra nossas dores só nós podemos lutar, e eu compreendia muito
bem sobre como lidar com sua dor sendo indefeso e frágil.
Quando acabei, eu fui ao banheiro e joguei o preservativo no lixo e
uma água no corpo para dormir. Depois ela entrou e deu seu jeito.
Não houve troca de palavras.
Não houve ultrapassagem de limites de ambas as partes.
E eu fiz o meu dever.
Nosso casamento estava consumado.
Na minha cabeça só vinha meu pai me dando conselhos sobre como
eu deveria agir quando enfim me casasse:
Rivka
Enfim consumamos nosso casamento.
Dizer que foi diferente de como eu imaginava seria uma mentira, pois
eu já estava imaginando que não seria algo bom. Depois que conheci
Malcolm como meu marido naquele altar, já não conseguia esperar que algo
de bom viesse dele.
Mas lá dentro, em meu peito, algo dizia: persista. Não desista.
E minha teimosia e curiosidade em conhecer mais daquele iceberg
não me permitiu ser fraca e chorar ao lado dele depois do sexo doloroso e
triste que fizemos.
Ele não me beijou, apenas tocou em alguns pontos de meu corpo que,
por momentos, me fizeram relaxar, mas depois que o tive inteiro dentro de
mim, foi como se nada tivesse acontecido antes.
Seus olhos azuis se mantinham firmes, hipnoticamente nos meus.
Ele fazia tudo me olhando sem titubear. Eu me segurei, fui forte.
Me senti uma boneca e senti que ele era uma máquina. Fria e sem
vida.
Tomei um banho para me limpar e depois voltei para a cama. Vi que
ele estava deitado de barriga para cima, olhando o teto, e somente dei de
ombros e deitei ao seu lado.
Um suspiro que exalava da minha alma fez com que eu me encolhesse
na cama, triste e solitária naquela noite, pensando seriamente em como eu
lidaria com tudo aquilo numa próxima vez.
Me permiti, ao menos nos sonhos, ter o que eu realmente queria.
Na manhã seguinte aproveitei que levantei mais cedo que ele e pedi
que trouxessem nossos cafés da manhã no quarto.
Enquanto eu aguardava, fiquei andando de um lado para o outro,
ainda de camisola e cabelo bagunçado, sem saber exatamente o que dizer e
como agir.
Eu queria ver o lado bom dele. Queria que ele sentisse ao menos um
carinho por mim, e mesmo que eu o odiasse em dados momentos e minha
alma se partisse ao meio em infelicidade, eu não podia me render.
Era meu destino estar ao lado dele até o fim dos meus dias, então eu
precisava fazer alguma coisa para que não fosse aquela rotina do começo ao
fim.
Rivka
Nosso último dia de viagem foi marcado pelos amplos momentos de
silêncio. Eu não quis provocá-lo, muito menos chateá-lo com perguntas em
todo o tempo, pois tinha em foco o fato de fazê-lo sentir alguma coisa por
mim, nem que fosse compaixão.
Era de se compadecer ter ao lado uma mulher como eu, sem chance
de ser feliz.
Não sou feia, pelo contrário, sempre atraí muitos olhares por onde
andava, desde a adolescência. Meu pai dizia que meu marido seria sortudo
em me ter. O espelho e minha educação nunca permitiram que eu me
diminuísse, então não tinha motivos para me culpar ao pensar no fato de
Malcolm ser tão frio.
Ele era assim.
O defeito está nele.
Servi café da manhã para ele no dia seguinte da consumação do nosso
casamento.
Me ofereci para ajudar a guardar as roupas na mala, pois iríamos
embora no dia seguinte.
Fui cortês e educada, me preocupando em momentos que ele parecia
divagar em pensamentos longe da nossa realidade.
Mas nada deu certo.
Nada o fez sequer falar comigo de modo mais... afável.
Voltamos para Londres depois do almoço no último dia de viagem.
Malcolm comentou comigo que tinha muitas coisas pendentes de ajustes na
nossa cidade e eu compreendi, desejando que fôssemos mesmo embora logo.
Já com todas as bagagens no carro e tudo ajustado, me despedi do
lugar lindo e acolhedor com um olhar triste.
De tudo naquela viagem, a natureza foi a única que me deu alegria.
— Graças te dou, Adonai, por criar tão belo lugar. — Respirei fundo
e entrei no automóvel.
Malcolm estava enviando alguma mensagem no celular, mas assim
que me acomodei, ele deu partida e seguimos rumo à nossa nova vida dali
para frente.
Eu só desejava, lá em meu íntimo, que os dias fossem melhores.
Malcolm
Algo estava errado.
Algo estava muito errado.
Rivka
A gente se atrasou mais de uma hora para chegar à nossa cidade. Não
sabia se o atraso complicaria Malcolm, mas fiquei quieta apenas pensando
em como seria minha rotina a partir daquele dia.
Sabia que amor, carinho e atenção eu jamais teria. Doía constatar isso.
Mas eu tinha meus talentos e minha capacidade de fazer amigos é
alta. Farei amizade até com os empregados, se me permitirem.
Não permitirei que minha rotina seja solitária e obscura por conta do
marido asqueroso que tenho.
Em meio aos pensamentos sobre tudo que viveria dali em diante, mal
percebi que Malcolm xingava trilhões de palavrões ao meu lado no instante
em que subimos à rua da nossa casa.
– Oh, Elohim! – gritei, horrorizada com a cena que se abria a cada vez
que nos aproximávamos do terreno enorme onde ficava a mansão.
Um incêndio de proporções catastróficas dominava o quarteirão
inteiro onde a casa que morávamos se situava.
– Mas que inferno é esse!?
Malcolm bateu com o punho no volante e parou o carro na esquina
dos muros da mansão.
Saiu apressado e correu até onde algumas pessoas estavam
aglomeradas.
Também fiz o mesmo, saindo do veículo e indo até eles.
Linda estava sendo acolhida por alguns bombeiros socorristas
enquanto, mais adiante, o caminhão de bombeiros tentava aplacar as chamas.
No meio das pessoas que tossiam muito por conta da fumaça,
reconheci Romero. O vi correr na direção de Malcolm e dar um abraço nele.
Eles realmente são amigos. Dava para notar de longe.
Fiquei ali, perto de Linda, esperando-a melhorar da tosse e
observando tudo ao redor, quando notei um homem baixo, todo revestido de
preto cobrindo cada pedaço de sua pele e um capuz que não me permitia ver
seu rosto, caminhando rapidamente de braços cruzados para longe dali.
Andei rapidamente até Malcolm para avisá-lo. Poderia ser algum
criminoso.
– Malcolm. – Toquei seu ombro por trás.
Ele falava coisas sobre traição, rebeldia e sei lá mais o que, no
momento em que o toquei.
– Agora não – respondeu sem me olhar.
– É importante – tentei ser sutil.
Romero estava de frente para Malcolm, que estava de costas para
mim, o que o possibilitou me encarar analiticamente e me dar uma força a
mais.
– Amigo. Acho que é realmente importante – ele complementou,
fazendo Malcolm se virar e me olhar.
Respirei fundo e direcionei o olhar discretamente para a direção onde
estava a pessoa que vi.
– Vi uma pessoa parecendo um fugitivo, andando ali.
Malcolm seguiu a pista que eu dei e, junto com Romero, saíram
andando lentamente na direção que eu os indicara.
Fiquei ali de braços cruzados olhando os dois descerem a rua, sem
saber como agir. Então pela primeira vez notei que meu marido mantinha
uma arma escondida em algum lugar na sua roupa, porque ela, de repente,
apareceu em sua mão.
Respirei fundo, temendo e torcendo para que nada de mal os
acontecesse, mas ciente de que essa vida perigosa faria parte dos meus dias
dali em diante.
Rivka
Descobrimos que o incêndio foi proposital. Alguém provocou tudo
aquilo. Havia pequenas bombas inflamáveis instaladas em pontos-chave na
casa, causando o incêndio de uma forma rápida e inevitável. Um de nossos
empregados morreu socorrendo a todos que estavam lá dentro. Era David,
sobrinho de Linda. Ela estava arrasada com a perda de seu parente e eu
também, por ela.
Malcolm deu a ordem de que nos hospedássemos em um hotel
simples da cidade. Segundo ele, os luxuosos estariam às vistas de quem
queria matá-lo.
Pois agora ele tinha ciência de que queriam destruí-lo.
A pessoa que eu mostrei fugindo era realmente participante de tudo.
Malcolm
Eu já não era mais eu.
O ódio me consumia até os poros superficiais da minha pele.
Estavam tramando minha morte dentro do Patriarcado. Estavam
contra mim.
Era de se esperar uma ou duas discordâncias, mas uma rebelião?
Não conseguia compreender os motivos. Somente entendia que os
negócios que estava prestes a romper não eram vantajosos, e os que mantive
estavam alinhados com o que queríamos. É preciso pensar com a razão para
manter a paz mundial e o controle dos povos.
Dentro da organização eu também tinha que lidar com meu único
familiar ainda vivo, meu primo Enzo. Minha mãe, por ser apenas a esposa do
patriarca, não era considerada como parte da organização. Sabia que Enzo me
odiava, mas não suspeitava dele, pois ele me devia sua própria vida.
Estava tudo caminhando bem. Claro que ainda tinha que ajustar
alguns pontos e conversar severamente com alguns chefes de estado, mas
nada que fugisse ao meu controle nas proporções que ocorreram no dia
anterior.
Tive que subornar a mídia de forma absurda para que meu incêndio
não fosse noticiado.
Tive que marcar uma reunião urgente para dali a dois dias, com todos
os acionistas do Patriarcado, para compreender melhor de onde vem esse
problema.
Ainda ontem, assim que Romero e eu pegamos o intruso que Rivka
apontou, o levamos a um dos calabouços que temos nos subsolos da cidade e
lá o fizemos falar sob tortura.
Ele era apenas o executor do plano, não sabia nada mais. Porém, sabia
que a finalidade era matar a mim e aos meus de confiança.
Antes de executá-lo a sangue frio, ele também confessou que eu
estava sendo traído por um dos meus.
Aquilo foi o que sentenciou todo o meu acúmulo de ódio nas horas
seguintes.
Não dormi à noite. Ordenei que todos fossem para um hotel mediano
e eu passei a madrugada vagando pelos esconderijos subterrâneos do
Patriarca. Onde somente eu, meu pai e mais ninguém sabíamos a localização.
Pela manhã voltei ao hotel e fiquei em meu quarto conversando com
Romero, tentando assimilar de onde poderia vir tudo aquilo. Alguém dentro
de minha casa deveria estar compactuando com tais planos.
De imediato pensei em Erick. Não podia ser outro.
Romero pediu que eu me acalmasse e foi buscar uma água com
açúcar, mas não me segurei e segui para o quarto dos empregados; uma vez
lá, acabei me descontrolando.
Tinha que manter meu controle emocional e físico.
Não era um moleque. Era o Patriarca.
Mas, para piorar a situação, Rivka tentou se meter no meio de tudo e
aquilo quase lhe causou problemas, se não fosse pelo meu amigo chegando
na hora exata.
Rivka
Seu olhar diabólico não quis ir embora.
Suas palavras vis, desde que nos conhecemos, iam e voltavam.
Sua forma bruta e cruel de me fazer sua em minha primeira noite com
um homem me causou repugnância.
Eu estava começando a odiar Malcolm.
Rivka
Era manhã e eu acabei dormindo mais do que deveria, por causa dos
remédios receitados pelo médico na noite anterior. Segundo ele, eu tive um
tipo de surto de pânico. Algo que jamais tive em toda a minha vida.
Mas, depois da noite de descanso, acordei bem melhor.
Assim que abri os olhos e me espreguicei, notei que Malcolm não
estava do meu lado. O quarto era nosso e me lembro que ele havia dormido
do meu lado, para me auxiliar caso fosse preciso.
Claro, estritamente profissional. Como se não fosse nada meu.
Mas, ao sentar-me na cama, avistei uma bandeja com suco natural de
laranja e alguns sanduíches sobre o criado-mudo ali do meu ladinho. Sorri e
meu estômago retrucou de fome.
Logo peguei a bandeja e a coloquei sobre a cama, para me deliciar
com calma. Foi então que vi um pequeno bilhete no canto da bandeja. O abri.
Não sei que tipo de anjo deve ter tocado no meu marido, pois eu
jamais imaginaria que ele escreveria qualquer tipo de bilhete. Muito menos
traria bandeja com café da manhã para mim.
O que aconteceu de ontem pra hoje que não me contaram?
Dei de ombros e deixei qualquer pensamento esperançoso para lá. A
realidade de quem Malcolm era já tinha sido revelada a mim. Não tinha
esperanças.
O dia inteiro tive que acompanhar Malcolm em sua rota para escolher
uma nova residência. Estávamos bem disfarçados de casal recém-casado que
desejava um espaço amplo para viver com a família que, segundo a atuação
de Malcolm, seria bem grande.
Fui a esposa que ele sempre pediu que eu fosse. Educada, sem muitas
opiniões e expressões, apesar dele não ter exigido naquele dia que eu agisse
assim. Inclusive, nos poucos momentos que trocou palavras comigo no carro
entre uma visita e outra às casas, perguntou como eu estava me sentindo e se
queria algo para comer.
– Não se preocupe, estou bem – era o que eu sempre respondia.
Uma barreira estava começando a subir em volta do meu coração, eu
desejava com toda a alma que ele gostasse de mim, me tivesse como uma
pessoa com quem pode contar, mas não queria pagar o preço que estava
pagando.
Estava me ferindo demais no percurso.
Já era a quinta casa que visitávamos, quando senti que ali deveria ser
nosso lar. Lembrava um pouco a mansão anterior por dentro. Ao menos nos
cômodos que eu já tinha visitado antes de viajar de lua de mel.
O corretor atendeu um telefonema quando estávamos na sacada do
quarto principal no segundo andar, então me virei para finalmente comunicar
ao meu esposo sobre minha opinião.
– Malcolm – o chamei.
Ele, que olhava inexpressivo para o horizonte, com os cotovelos
apoiados no pequeno muro, se virou e me encarou com curiosidade.
– Diga.
Abracei a mim mesma enquanto caminhava para mais perto dele.
– Eu gostei dessa casa. Acho que é um bom lugar para morarmos.
Ele assentiu e voltou a olhar o nada.
– Achei a casa bastante completa para tudo que ela deve ter. Vamos
comprá-la.
Então se afastou dali e virou rumo ao quarto, para ir embora.
Acostumada com toda essa coisa de ser deixada para trás, o segui um
pouco mais alegre que o fim de cada visita que fizemos antes.
Afinal, já tínhamos encontrado a casa perfeita.
Malcolm
Hoje o dia foi especialmente estressante.
Além de eu ter que lidar com exigências de presidentes fodidos de
países pobres, ainda tive que cumprir alguns acordos.
Estava exausto e com a mente totalmente fora do evento anual de
chefes de estado que o Patriarcado organiza. Seria meu primeiro evento como
patriarca e teria que levar minha esposa-troféu comigo.
Rivka tem se comportado bem, está um pouco mais participativa e
não surta como fazia nos primeiros dias depois do casamento. Parece que
nosso trato está intacto, mas ainda tenho certas limitações quando me refiro a
ela.
Não tenho conseguido ler seus pensamentos através das expressões.
Ela está virando mestre em disfarçar o que sente e pensa, coisa que antes não
fazia.
Está ficando fria, assim como eu, não tem me desafiado nem me
seduzido, o que por um lado é um alívio, pois preciso evitar muito contato
com ela no quesito sexual, a não ser que meu nome esteja em jogo.
E que fique claro: sexo é somente com mulheres. Nem custando
minha vida comeria algum homem.
Mas, ali no salão principal onde o evento transcorria, percebi que ela
estava amável demais e muito sorridente com os chefes que vinham falar
conosco.
– Vida longa ao nosso novo patriarca! – Tirei meus olhos da Rivka,
que também se atentou à voz que me saudou.
Ele se aproximou com aquele sorriso traiçoeiro e abriu os braços para
me abraçar, mesmo sabendo que odeio contatos físicos.
– Como vai, Enzo? – indaguei sem emoção.
Enzo é meu primo legítimo, o segundo na linhagem dos patriarcas. Se
eu fosse morto, ele assumiria, mas mesmo comigo vivo, ele tenta ter mais
destaque que eu em tudo.
É um puta invejoso.
– Enzo não. Sou o próta* do Patriarcado. – Ainda rindo como um
babaca, tentou me intimidar.
– Tá – respondi em toda minha seriedade.
Odiava Enzo com todas as minhas forças. Se pudesse matá-lo, já o
teria feito, mas dentro da organização familiares não podem se executar,
senão toda a família é executada posteriormente para que a raiz podre seja
arrancada.
Pelo modo que ele estava me olhando naquele instante, também sentia
o desejo intrínseco de me ver morto.
Como somos muito conhecidos dentro do Patriarcado, nem que eu
planejasse com muito custo conseguiria executá-lo sem que soubessem no
fim das contas, e da mesma forma ele a mim.
E isso fazia com que eu suspeitasse de que talvez ele tivesse algo
relacionado com o incêndio.
Ainda estava no começo do evento, eu mal tinha chegado no local e
todo o foco das pessoas estava em mim e em Rivka. Precisava tomar alguma
bebida para lidar com tanta gente assim sem perder o senso de civilidade.
Ignorei qualquer coisa que Enzo tenha dito e saí dali a passos largos
até o grande bar que havia no local. Somente bebidas de primeira qualidade
no mundo eram produzidas e servidas ali, e eu não me contive em pedir a
minha favorita.
– Um negroni, por favor.
Pedi e aguardei. Segundos foram precisos para que o presidente dos
Estados Unidos viesse falar comigo.
– É um prazer enfim conhecer pessoalmente um jovem com tanta
honra como o senhor, Patriarca.
Me virei para encará-lo e o analisei dos pés à cabeça. O homem
exalava uma falsa simpatia que podia ser revelada a quilômetros de distância.
Não precisava dominar leitura corporal para isso.
–- O prazer é meu. – Mantive meu tom gélido.
O mal desses presidentes de bosta é achar que qualquer coisa compra
o poder. Ele se tornou presidente recentemente, não nasceu no meio político
nem no meio aristocrático, mas pensa que pode mandar em alguma coisa por
gerir um país economicamente forte, em termos.
Ele começou a querer puxar assunto e forçar uma amizade que nunca
vai existir, mas simplesmente ignorei praticamente tudo que ele dizia. Apenas
um assunto me chamou a atenção.
– Vi que se casou recentemente. – Isso me fez encará-lo fixamente
nos olhos. – Onde está sua esposa? Como é mesmo que se chama?
Ele elevou a cabeça e olhou para o teto, como se buscasse em sua
memória.
– Não me recordo o nome, mas é uma judia – gesticulou e torceu a
boca, se referindo a Rivka. – Uma menina bonita, confesso, mas poderia
talvez ter escolhido uma das mulheres da minha terra. Temos uma variedade
boa de mulheres lindas de raça pura.
Engoli minha bebida em seco.
Ele estava sendo preconceituoso com Rivka descaradamente.
– Temo pela sua vida depois de ter dito algo tão audacioso como o
que disse agora, senhor presidente.
Coloquei minha bebida já finalizada no balcão e procurei Rivka com
os olhos pelo aglomerado de pessoas. Estava saturado daquele homem.
Não era difícil encontrá-la com o vestido vermelho que usava, porém
não a encontrei. Foi como se ela tivesse tomado chá de sumiço.
– Onde está...? – indaguei a mim mesmo, andando pelo amplo salão.
Onde essa mulher se meteu?
Rivka
Ainda não tinha me acostumado com a chuva de olhares que recebi
desde o instante em que cheguei naquele evento. Não sei a real finalidade de
um evento como aquele existir, mas vi ali representantes de diversas nações e
povos.
O salão mais parecia um palácio da realeza, de tão elegante, e eu me
sentia uma formiga com a imensidão do lugar.
Assim que Malcolm simplesmente saiu de perto de mim sem mais
nem menos, o homem que falava com ele soltou uma risada curta e se
afastou. Fiquei ali, plantada, sem saber como agir, então decidi dar uma volta
pelo local.
Quase ninguém me conhecia mesmo, então não sentiriam minha falta.
Caminhando pelos corredores luxuosos da mansão, avistei um amplo
portal que levava até uma varanda muito bonita, onde podia-se ver a área de
trás da mansão com esplendor. Piscinas, árvores frutíferas, jardins e áreas
para esporte preenchiam todo o terreno gigante. Era tudo muito lindo.
De repente uma voz me tirou do transe de admiração pelo lugar.
– Você deve ser a Rivka Samuels. Esposa do nosso querido patriarca.
Quando me virei, dei de cara com o mesmo homem que falara há
pouco com meu marido. O homem era bonito, alto, sorridente e loiro.
Aparência galante e sedutora que faria meninas se iludirem em poucos
minutos.
– Creio que já deve ter me visto, quando conversou com ele há pouco
tempo.
Cruzei os braços segurando minha bolsinha e encostei nos pilares da
varanda, de costas. Ele caminhou lentamente e se aproximou de mim a ponto
de estarmos um palmo frente a frente.
– Sim, eu a vi. Não queria demonstrar as emoções que senti ao ver
mulher tão bela no meio de pessoas tão vazias. Permita-me apresentar.
Estendeu a mão e, como um príncipe, esperou que eu desse a minha.
Como jamais tinha sido tratada com tanto zelo ultimamente, estranhei, mas
decidi dar uma chance ao homem para ver o que realmente queria.
Estendi minha mão e ele beijou delicadamente o dorso.
– Me chamo Enzo. Sou uma das peças fundamentais para o
funcionamento do Patriarcado. Com certeza já deve ter ouvido falarem de
mim.
Como não me lembrava de ter ouvido o nome dele, apenas neguei
com a cabeça. Enzo, porém, manteve sua mão na minha e continuou falando
em seu tom galanteador, me olhando fixo nos olhos.
– Não importa se nunca ouviu falar de mim. Agora é o melhor
momento. – Levou sua mão ao meu rosto e acariciou minha bochecha rubra.
– Como Malcolm te encontrou?
Ao ouvir o nome do meu marido, balancei a cabeça, fugindo do
carinho daquele homem. Era loucura conversar às escondidas com um
homem tão atirado assim enquanto meu marido circulava dentro do salão
cumprimentando as pessoas.
Ele podia até ter audácia para me trair debaixo do meu nariz, mas
minha integridade jamais me permitiria fazer o mesmo.
– Com licença, preciso ir. – Segui rumo à porta de volta ao salão, mas
assim que passei ao lado de Enzo, ele segurou meu punho com força.
Senti um calafrio percorrer minha espinha e meu sexto sentido apitou.
– Calma, princesinha. Sou bem próximo de Malcolm, quase como um
irmão. Jamais seria desrespeitoso com você. Aliás, não precisa dizer nada da
sua vida, eu sei de cada detalhe dela.
Toda a cor do meu rosto já tinha se esvaído, com toda certeza. Eu
estava começando a ficar com medo daquela voz exalando gentileza demais.
E o sorriso? Diabólico.
– Compreendo. Depois conversamos, preciso encontrar meu esposo.
Tentei desvencilhar meu braço da mão de Enzo, porém não consegui.
Ele me puxou em um ímpeto para perto e, quando levei o susto pela
proximidade e ia gritar, sua outra mão tapou minha boca.
– Shiiiu. Sou delicado, carinhoso e posso ser mais homem do que seu
marido é, em todos os sentidos. Sinta. – Ele colou seu corpo no meu, me
encurralando na sacada, e senti um volume incomum sob sua calça. Ele
estava excitado, que doente! – Tenho certeza que Malcolm não te toca como
merece, seus poros exalam um ar virginal. Deliciosa.
Fechei os olhos, sem poder reagir. Então senti Enzo cheirando meu
pescoço e percorrendo seu rosto pelo meu corpo enquanto segurava minha
mão para trás de mim e tapava minha boca com a outra.
– Quietinha, como eu gosto. Aqui é um ótimo lugar, ninguém vem
aqui...
– ENZO!
Abri meus olhos ao ouvir o grito, e o que avistei a partir dali foi
surreal.
Rivka
Malcolm apareceu de repente e berrou o nome de Enzo como um
trovão, fazendo com que o imbecil que tentava abusar de mim soltasse-me
imediatamente e virasse de frente para ele.
– Ah, priminho, estava mesmo falando de voc...
A frase foi interrompida por Malcolm furioso segurando seu primo
pelo pescoço como se pesasse uma pena.
– Maldito invejoso filho de uma puta!
Tapei a boca com as mãos, ainda em choque pelo ocorrido, e me
afastei dos dois. Meus olhos então começaram a encher d’água. Não podia
acreditar no que possivelmente aconteceria se meu marido não chegasse a
tempo.
Malcolm ficou pressionando o pescoço de Enzo por um tempo, até
desacordá-lo. Não faço ideia de como podia desacordar uma pessoa dessa
forma, mas assim que Enzo fechou os olhos e despencou seu corpo, Malcolm
o jogou no chão e pegou o celular.
– Romero. Seu dia de folga acabou. Tenho um trabalho especial aqui
no evento anual. Venha sem alarde.
Enquanto isso, eu ainda estava pálida e em choque ali no canto
daquela varanda tão elegante, sem saber o que fazer. Ao desligar, Malcolm se
virou para mim e se aproximou lentamente sem me olhar nos olhos.
Ao estar próximo o suficiente para sussurrar, disse:
– Sei que não foi culpa sua. Enzo tem um longo histórico.
Por incrível que pareça, eu ainda não tinha pensado na possibilidade
de Malcolm me culpar pelo ocorrido, talvez pela minha ingenuidade em
imaginar que ele seria realista com a cena que se deparou, mas quando disse
aquilo eu confirmei que sim, talvez qualquer homem pensasse que eu pudesse
ter dado alguma condição ou chance para que aquela cena se desenrolasse, o
que ainda não faz com que eu seja culpada, obviamente.
Constatar que Malcolm confiou em mim pela primeira vez desde
nosso casamento, sem eu precisar dizer uma só palavra, trouxe ar aos meus
pulmões.
Elevei o rosto e o fitei com os olhos úmidos.
– Obrigada.
Ele manteve seus olhos firmes nos meus por alguns segundos e eu
senti como se nem ele soubesse o motivo pelo qual confiou em mim tão
prontamente. Mas logo nossa conexão foi interrompida pela chamada
telefônica.
Ele se afastou novamente e atendeu.
– Que rápido. Estou na varanda 12.
Ao desligar, ficou ali olhando para o nada, de costas para mim, apenas
aguardando. Poucos segundos foram necessários para que Romero aparecesse
em sua moto pelo gramado.
Ele estava vestido como uma pessoa normal, nenhum uniforme nem
roupas formais demais. Realmente devia estar de folga.
– O que tu manda, malvadão? – brincou ao subir os degraus laterais
do varandado.
Ele e Malcolm se cumprimentaram e depois só vi ambos conversando
em tom baixo, para que eu não ouvisse.
Enquanto isso, Enzo ainda estava estirado no chão quase como um
morto-vivo.
Malcolm
Tive que controlar todo o ódio que correu em minhas veias para não
matar Enzo ali, na frente de Rivka, e acabar estragando tudo, nos
sentenciando à morte também.
Mas o que ele fez passou de qualquer limite aceitável por qualquer ser
humano, por mais podre que seja. Ele tem beleza e liberdade para conquistar
qualquer mulher que queira, mas quis abusar da minha esposa apenas para me
provocar.
Tudo isso porque é um mimadinho de merda, infeliz.
Meu autocontrole quase foi para o espaço quando vi a forma como
Rivka parecia uma boneca de pano com medo e o maldito pressionando-a de
várias formas agressivas.
Ainda bem que pensei rápido e não o matei. Fiz com que Romero
viesse com urgência para que levasse Enzo para o calabouço. Lá eu trataria
dele pessoalmente depois do evento acabar e de deixar Rivka em casa.
Ainda não tinha entendido como não desconfiei nem por um segundo
da mulher que casou comigo, mesmo sabendo que não simpatizamos um com
o outro. Rivka poderia sim ter procurado algum homem para apenas
satisfazer seu ego, ou sei lá, até desenferrujar técnicas de sedução... Mas algo
lá dentro me dizia que ela não é esse tipo de mulher.
O pouco que já convivi com ela fez com que eu surpreendentemente
compreendesse quem ela era em seu caráter, fazendo com que um pequeno
ponto de confiança entre nós se estabelecesse. Quando ouvi seu
agradecimento tão sincero com os olhos banhados em lágrimas, percebi o
quanto eu era um maldito babaca com ela.
Ela é ingênua e inocente e isso me irrita profundamente, mas ao
mesmo tempo aguça algo que ainda não identifiquei dentro de mim.
Ela não faz meu tipo nem na aparência e nem na personalidade, mas
eu senti como se naquele momento de agradecimento, eu pudesse confiar
nela, para, sei lá... talvez ser uma amiga.
Estava definitivamente louco.
Devia ser toda aquela atmosfera estranha causada pelo evento anual.
De fato, devia.
Rivka
O resto do evento foi em modo automático. Queria que acabasse logo
para me jogar na minha cama e chorar pelo ocorrido até amanhecer. Estava
me sentindo tão suja pelo toque daquele horrendo. Um homem com beleza
tão notória podia ser mais podre até que meu próprio marido, que ao menos
mostra externamente que não tem nada de bom dentro de si.
Sempre tive pavor de pessoas falsas. Elas conseguem mascarar
perfeitamente qualquer pensamento ou sentimento que seu interior as revele,
com uma feição contrastante tão convincente que faz pessoas arriscarem até
suas próprias vidas em prol de sua reputação.
Conheci apenas uma pessoa assim em toda minha vida. Minha melhor
amiga da época de ONGs e atividades sociais.
Yanca era linda, especialmente linda. Sem exageros. Nossa amizade
durou longos sete anos, até eu descobrir, por meio de uma ligação por
engano, que ela sempre teve inveja de mim e até roubava minhas coisas sem
eu saber. Inventava histórias horrorosas sobre mim e contava para todas as
pessoas do grupo que eu prestava apoio. Quando ela percebeu que era eu do
outro lado da linha, quis se justificar de várias formas, até contou que estava
encenando para uma peça beneficente.
Claro que eu acreditei nela, mas comecei a ficar de olho no
comportamento das pessoas ao redor e vi realmente que todos agiam de
forma estranha comigo. Como se eu fosse a pessoa mais suja do local.
A mais digna de nojo.
Então orei a Elohim, o criador de todas as coisas, e pedi que me desse
forças para me afastar de pessoas como Yanca.
Aos poucos consegui cortar nosso laço de amizade.
Foi a única amiga que tive, além de Doralice, que cuidou sempre
muito bem de mim.
Lembro como se fosse ontem o momento em que excluí de vez Yanca
de minha vida.
Malcolm
A garota estava certa e eu me odiava por ter que admitir aquilo.
Ser sempre a razão de tudo fez com que eu jamais esperasse estar
errado.
Rivka conseguiu algo que nunca alguém havia logrado antes: minha
razão.
Assim que ela saiu do escritório, continuei lá e bebi um pouco antes
de ligar para Romero e dar algum comando sobre Enzo.
Precisava entender bem o que tinha ocorrido, explicar como ele era
para Rivka e pensar sobre o que poderia fazer com ele sem ser condenado
pelo Patriarcado.
Muitos pensam que, pelo fato de eu ser o líder, posso fazer o que
quiser e quando quiser, mas não é bem assim quando se trata de leis internas.
Posso ser deposto caso infrinja alguma delas e a última coisa que desejo é
que Enzo assuma meu lugar. Afinal, ele é o primeiro na sucessão patriarcal.
Fora que meu afastamento é sinônimo de morte.
– Opa, irmão, pode falar – Romero atendeu a chamada.
Sempre bem-humorado, mesmo trabalhando na folga.
– Como está o babaca?
– Gritando como uma gazela. Sabe como são esses caras que fingem
ser macho, mas no fundo são princesinhas da Disney, não é?
Só Romero para me fazer querer rir no meio de tudo isso.
– Eu iria pessoalmente até vocês, mas estou com alguns problemas
pendentes. Peço que o torture como um aviso. Pensei em arrancar as bolas
dele, talvez. O que acha?
Não seria de todo o ruim e eu não seria perseguido por isso.
– Acho uma boa ideia, porém, eu no seu lugar cortaria a língua dele.
O idiota só fala merda.
Tive uma ideia.
– Faça-o escolher, Romero. A dondoca vai se mijar toda só de ter que
optar por uma das duas torturas. Dê o seu melhor. Quando concluir, me avise.
Desliguei a chamada e suspirei, cansado.
A proposta de Rivka veio em cheio na minha mente e eu precisava
fazer alguma coisa.
Rivka
Aquela noite fui dormir depois de um banho quente. Precisava relaxar
um pouco. Tinha sido ousada demais, direta demais. O que estava
acontecendo com a Rivka de um mês atrás?
Temia perder minha essência por conta de um crápula desalmado
como Malcolm.
Deitei-me e me permiti sonhar para imaginar que um dia estaria numa
outra realidade e, enfim, viveria meu grande sonho.
Ter uma família de verdade.
Rivka
Romero me mostrou vários lugares lindos, desde campos floridos,
pequenas florestas, colinas, até os rios mais transparentes e refrescantes. De
todos, eu preferi ficar em um lago calmo e escondido. Segundo Romero,
aquele lugar se chamava “lago do segredo” e tinha um acesso escondido que
somente pessoas autorizadas conheciam.
Era como um local privativo, onde a pessoa podia meditar, relaxar,
aproveitar sem medo de ser incomodada. Então ali eu fiquei.
– Vai entrar no lago também? – indaguei a ele, assim que passamos
pelo pequeno túnel rochoso.
Do lado de fora dava para ver somente uma pequena montanha em
rochas, era um milagre da criação divina. Lá dentro era um pouco escuro,
mas quando chegamos ao centro onde havia o lago, vários feixes de luz do
teto rochoso incidiam sobre a água, fazendo com que parecesse um palco
com canhões de luz. A água era cristalina e morna. Maravilhoso.
– Não, senhora. Vou ficar aqui dentro, perto da entrada, aguardando.
Dei de ombros.
– Tudo bem. Mas acho que devia aproveitar um pouco.
Eu via que Romero se dedicava demais ao seu trabalho. Que mal teria
mergulhar um pouco para espairecer a mente?
Independente da escolha dele, eu quis mergulhar.
Confesso que não sou boa nadadora, isso até me influenciou a
escolher um lago e não um rio. Ainda bem que não era tão fundo, assim como
a praia de St Austell, onde passei a lua de mel. Lá consegui ficar na água por
um tempo e mergulhar um pouco, sem riscos.
Fui educada por um pai religioso, mas minha mãe era brasileira.
Nossa família já não era vista como uma tradicional família judia por conta
disso, então meus costumes foram adaptados às diversas ocasiões, mesmo
mamãe tendo falecido quando nasci.
Meu pai dizia que faria tudo comigo de acordo com o que ela faria se
estivesse lá.
Apesar de certos costumes, sempre usei biquini para mergulhar e,
mesmo envergonhada por estar exposta, não sentia que elohim me condenava
por isso.
Também não me condenava pelos braços e pernas descobertos em um
dia quente daqueles.
Tirei a roupa de cima e simplesmente saltei dentro da água.
Queria me refrescar e esquecer um pouco do fato de estar presa numa
realidade completamente oposta a que eu desejei desde a infância.
Permiti que minha mente mergulhasse comigo e imaginei que
protagonizava um daqueles filmes melodramáticos onde a mocinha e o
mocinho fogem para um local secreto e acabam tomando banho em um lago
no meio do caminho.
Eu estava lá, jogando água para o alto e cantarolando canções de
amor, quando ouvi uma risada reprimida.
Abri meus olhos e virei na direção do som.
Adonai, todo poderoso!
Tinha esquecido completamente que Romero estava me esperando na
porta do pequeno túnel, do lado de dentro. Ou seja, ele viu toda minha cena
infantil.
– Ei, do que tá rindo, hein? – perguntei, tentando jogar água na
direção dele.
Foi em vão, ele estava bem distante, há uns vinte metros, quase.
Romero voltou a rir e se aproximou aos poucos.
– Desculpa, Rivka. – Preferia quando me chamava pelo nome, odeio
ser chamada de senhora. – É que eu nunca conheci uma garota tão...
Rolei os olhos, envergonhada, porém orgulhosa demais para admitir.
– Idiota?
Ele prendeu a boca antes de mais uma risada sair e estendeu a mão em
um palmo, pedindo que eu aguardasse.
Eu era motivo de piada, que legal.
Romero estava bem na minha frente, na margem do lago, então
sentou, respirou e se acalmou para não rir mais.
– Quis dizer... ingênua. Estava aí cantando músicas românticas e
dançando de um lado para o outro... Não sabia que era assim. Não sabia que
ainda existiam pessoas que creem nessa coisa toda.
E toda a piada caiu por terra, pois senti que Romero estava falando
sobre seus próprios sentimentos, não os meus.
Apoiei meus braços sobre a borda e os cruzei, pondo minha cabeça
sobre eles enquanto meus pés balançavam na água.
– Já se apaixonou, Romero?
Ele envolveu as pernas dobradas e olhou para qualquer direção
naquele interior rochoso, menos para meu rosto.
– O amor é bobeira, senhora Samuels. Eu aconselharia você a não
esperar que isso aconteça. Não vai acontecer.
Ah, querido, eu já sei disso.
Saber que mais uma pessoa acha que não sou boa o suficiente para
despertar algum sentimento bom em meu marido foi como se uma agulha
congelada espetasse meu peito.
Doía.
– Acho que você pode um dia encontrar o amor, Romero. Não feche
os olhos para algo tão bonito. Não estamos falando de Malcolm e eu aqui.
Estamos falando de você e o que possa ter sofrido.
Então ele me olhou no rosto, respirou fundo, se balançou um pouco,
talvez controlando as emoções, e disse:
– Meu amigo tem sorte em ter você.
Não sei se foi o clima caloroso e amistoso naquele lugar ou a
conversa sentimental, mas eu estava quase chorando por ter ouvido aquelas
palavras saindo de Romero, então, para desviar do tema triste, pedi ajuda para
sair da água.
Ele se levantou e estendeu a mão para mim, só que ao invés de eu
subir... o puxei para dentro da água.
A partir dali os minutos foram apenas de gargalhadas.
Romero tentou revidar me puxando quando tentei fugir da água.
Joguei água na cara dele e ali ficamos brincando como duas crianças por
alguns minutos.
Até que ouvi um pigarro.
– Rum.
Paramos toda a agitação imediatamente e pude sentir meu coração
querer saltar pela boca. Eu tinha perdido toda a cor do rosto quando virei as
costas e dei de cara com Malcolm encostado no montão de rochas com os
braços cruzados e feição taciturna.
Romero, porém, não ficou congelado como eu, e logo saiu da água
tentando se justificar.
– Patrão, eu estava acompanhando a senhora Samuels e...
Malcolm levantou o palmo da mão na direção dele, impedindo-o de
prosseguir sua fala.
– Saia daqui – disse, calmo como um robô.
Imediatamente ele caminhou até o túnel de saída e virou com uma
feição de lamento para mim, mas logo seguiu seu rumo e me deixou a sós
com o monstro.
Malcolm
Foram intermináveis 84 segundos parado dentro daquela caverna
onde havia o lago do segredo, assistindo minha esposa e meu braço direito
brincarem como crianças, molhados dentro d´água.
Estava furioso? Sim, estava.
Queria gritar e amedrontar os dois para que me respeitassem? Sim,
queria, mas fui instruído a saber manipular meus sentimentos e emoções, e
aquele descontrole não podia fazer parte das minhas ações como patriarca.
Então esperei para ver se os babacas me enxergavam e, como pensei,
Rivka foi a primeira.
Traidora filha de uma...
Senti um aperto estranho em meu peito sobre a cena que presenciei, e
aquilo foi uma novidade. Não identifiquei ao certo o que era, mas sabia que
não podia ser bom. Assim que Romero se foi – depois eu lidaria com ele –,
minha esposa saiu parecendo desolada do lago.
Tentei observar bem o modo como ela estava à meia-luz, afinal, o sol
estava indo embora e aquele lugar já não tinha boa iluminação, e não pude
evitar observar o modo como ela estava reagindo ao meu flagra.
Estava enrolando os cabelos negros ondulados de um lado só,
espremendo a água que estava neles enquanto caminhava lentamente com seu
biquini até mim.
– Se me permite falar...
– Não quero que diga nada.
Isso fez com que ela enfim me olhasse nos olhos.
As amêndoas negras de seu rosto se estreitaram. Provavelmente
estranhando minha reação.
– Não vai brigar comigo?
Eu quero brigar sim, Rivka, porque odiei ser o marido que não sabe
onde a esposa está, e quando a encontra a vê agarrada com o melhor amigo.
Minha mente instintivamente elaborou a frase contra minha própria vontade e
ali eu percebi que precisava apenas descansar do dia de merda que eu tive por
conta das lembranças.
Aquela maldita frase na minha cabeça não pertencia a mim.
– Não por agora. Apenas se vista e venha.
Me virei e a deixei lá para que seguisse meus passos até o exterior da
gruta.
Malcolm
Ela estava me deixando confuso.
Não sei qual jogo Rivka começou a jogar comigo, mas estava dando
certo. Nos últimos dias ela se tornou ousada, autoritária e firme em suas
convicções.
Confesso que estava se tornando sexy com aquele porte “senhora
Samuels”.
Eu precisava de distância dela, porque previa que talvez a confiança
que queremos ter um com o outro acabe por desnortear meus propósitos e
convicções.
Assim que ela declarou que não a conheço e foi para o banheiro suíte,
eu deitei na cama e peguei meu celular. Programei minha volta para Londres
em dois dias e faria Rivka ficar por mais uma semana ali na fazenda.
Seria o melhor para ela e para mim.
Dois dias depois.
Acordei novamente pela madrugada e me aproximei de Rivka na
cama. Ela estava ao meu lado, devidamente vestida com seu pijama estranho,
mas seus cabelos exalavam um cheiro inebriante. Eu tinha que me aproximar
um pouco mais.
Assim que consegui aproximar meu rosto dos cabelos dela, o sono
veio com força e então adormeci em segundos.
Rivka
Estávamos há três dias na fazenda. Minha linda sogra era a pessoa
mais amável que conheci no mundo depois de Dora e de meu pai. Não
conseguia entender como conseguiu criar um filho tão insensível como
Malcolm, mas nem tudo tem explicação nessa vida, não é mesmo?
Malcolm começou a ficar estranho. Sempre me dava suas patadas, já
nem me afetava, mas começou a fazer mais questão de estar comigo nos
locais onde eu queria ir e me observava demais, como um analista.
Era estranho.
Não brigamos mais, nem debatemos sobre as coisas que conversamos
duas noites antes daquela manhã gloriosa e quente do terceiro dia, o que para
mim foi um avanço muito maduro.
Eu só tinha vinte e cinco anos e muito gás para me aventurar. Estava
exausta da vida de esposa do Patriarca e minha sogra me deu tanto apoio nos
últimos dias que me senti ainda mais renovada.
– Ah, menina, por que não faz algum curso? Ou uma atividade para
espairecer a mente? – Adélia sugeriu durante aquele café da manhã
maravilhoso.
Malcolm ainda dormia e eu preferia assim. Desci mais cedo e ajudei
as empregadas a fazer o café. Amo cozinhar e já estava sentindo falta de pôr
em prática meus hábitos culinários. Aproveitei e fiz umas panquecas doces
para o desjejum.
– Eu fazia trabalho voluntário um tempo atrás. Ajudava em algumas
ongs, acho que voltarei a fazer isso – comentei enquanto comíamos.
Éramos somente nós duas à mesa e aquilo nos dava algumas
liberdades.
– Quando seu marido era vivo, te permitia fazer coisas assim? –
perguntei.
Ela bebericou seu café e olhou para o alto, buscando na memória a
resposta que pedi.
– Meu casamento não era como os demais do Patriarcado, menina. Eu
sabia que os casais eram arranjados e não tinha amor nem respeito muitas das
vezes. Mas Frederich e eu éramos felizes. Ele nunca me proibiu de nada, nem
me impediu. Fiz o que eu queria fazer, pois nos amávamos e nos
respeitávamos.
Oi?
Pela primeira vez eu compreendi o motivo dela falar tanto de
casamento bem sucedido nos dias anteriores. Ela teve um casamento de
sucesso. Mas... como?
– Como conseguiu a proeza de ser amada pelo patriarca?
Não contive as palavras que fugiram da minha boca, mas logo ouvi
passos. Era meu marido.
– Dia – resmungou com a feição de quem mal tinha dormido.
– Bom dia, filho. Sente-se. Temos panquecas deliciosas hoje.
Adélia disse que Malcolm amava panquecas no café da manhã, então
se ele amasse as minhas sem nem saber que eu fui a cozinheira, teria um
ponto.
Ele se sentou de frente a mim e selecionou tudo que gostaria de
comer, inclusive as panquecas. Adélia continuou bebendo seu café e eu
disfarcei minhas olhadas para ver se ele comeria e gostaria das panquecas.
– Não foi Helga quem fez as panquecas – ele só analisou, continuando
a comer sem dizer mais nada.
Ficamos quietas e eu já imaginei que ele tinha odiado, então finalizei
meu café e já estava pronta para me retirar do recinto, quando ele
complementou:
– Estão deliciosas demais para ter sido Helga.
Helga é a cozinheira oficial da minha sogra. Uma senhora amável e
caprichosa. A comida dela era divina e não tinha defeito algum, mas se
Malcolm considerou minhas panquecas deliciosas e superiores, eu que não
iria negar.
– Com licença, vou dar um pulo no quarto.
Me levantei e andei a passos curtos em direção ao corredor dos quartos, e
mesmo um tanto distante da sala de jantar, pude ouvir Adélia comentar:
– Foi Rivka quem fez as panquecas, filho.
No fundo eu estava feliz, por mais que o motivo fosse algo tão bobo.
Enfim Malcolm gostou de algo que vem de mim.
Estava nos estábulos conversando com Diana, a responsável por
cuidar de cada cavalo ali presente. Queria ajudar em alguma coisa, me sentia
muito parada por só ser uma hóspede.
– Se quiser, mais tarde reporei a comida deles, pode vir me ajudar –
disse amável.
Assenti feliz.
– Venho sim.
Logo o capataz da fazenda se aproximou de mim. Era um homem
jovem de aparentes trinta e poucos anos, porte atlético e pele morena de sol.
Muito educado, preciso ressaltar.
– Senhora Samuels, caso precise de orientações sobre a fazenda, fale
comigo. Sei como funciona cada metro quadrado. – Encostou seu cotovelo
em meu braço, de leve.
Olhei para ele e sorri. Gostava quando as pessoas me faziam sentir em
casa.
– Obrigada.
– Vim para te chamar. O senhor Samuels pediu que fosse ao encontro
dele.
Bati as mãos na calça jeans que usava, limpando os vestígios do
estábulo, e o segui.
– Sim, vamos.
Rivka
Nos quatro dias seguintes à ida de Malcolm para Londres, não tive
nenhuma notícia dele.
Nenhuma ligação, mensagem, nada.
Também, era de se esperar o sumiço. O homem enlouqueceu, me deu
um beijo e foi embora.
Sinceramente eu não estava entendendo mais nada.
No fundo, minha mente sonhadora de menina pensava que talvez eu
estivesse rompendo a fortaleza de gelo naquele coração.
Mas não.
Não mesmo.
Acordei cedo naquela manhã, pois Adélia me pediu para tomarmos
café na sua biblioteca. Ela queria me mostrar algumas coisas da família e eu,
curiosa como sou, não pude negar.
Assim que entrei no ambiente, a vi sentada em uma linda cadeira
acolchoada revestida de couro, com suas roupas sempre tão elegantes. Ela
portava alguns livros enormes nas mãos.
Quando me aproximei mais, notei que não eram livros comuns, eram
álbuns de fotografias.
Antes de sentar-me ao seu lado, não pude deixar de notar as estantes
enormes cheias de livros que envolviam o lugar. Me sentia num mar literário
onde podia viver a vida que quisesse a hora que desejasse.
– Nossa... queria ter visto essa biblioteca antes. Já teria lido muitos
livros durante os dias que fiquei aqui – comentei ainda abobada.
Me sentei e cumprimentei minha sogra que, sempre amável, retribuiu.
– Ah, minha menina, eu sou tão ciumenta com minha biblioteca,
espero ter certa intimidade para trazer alguém aqui.
Me senti importante quando ouvi aquilo. Estava subindo um degrau
na relação com ela.
– Obrigada pela confiança, Adélia.
Sorri.
Tomamos café com calma, enquanto falávamos sobre diversos
assuntos. Não cheguei a conversar com ela sobre a forma como Malcolm e eu
nos tratávamos, mas ela já tinha percebido e vez ou outra me dava conselhos
preciosos. Quando enfim finalizamos o café, ela abriu o álbum enorme que
tinha em mãos e começou a folhear.
– Quero que conheça seu esposo quando era criança. Talvez saiba
identificar um pouco mais sobre ele quando vir a autenticidade no rosto dele
criança. Isso ajuda.
– Realmente é difícil saber o que ele está achando de tudo, pois sua
feição jamais muda. É estranho.
Ela riu e apontou uma pequena foto.
Certamente era Malcolm com os cabelos desgrenhados e loiros ao
vento. Aparentava ter cinco anos ou pouco mais. Estava segurando uma
medalha e em seu rosto havia um sorriso lindo. Seus olhos brilhavam de
alegria e estavam muito arregalados, surpresos com a conquista.
– Aqui ele ganhou a medalha de soletração na escola. Foi antes de
entrar na academia do Patriarcado. Ele tinha seis anos e amava ler e escrever.
Dizia que quando crescesse escreveria muitas histórias.
Levantei o olhar e notei que Adélia se emocionava ao ver a pureza de
seu filho tão nítida na foto.
– Era um menino muito bonito e feliz, com certeza.
Ela confirmou com a cabeça e me mostrou outra foto, naquela ele
tinha cinco anos e era seu aniversário.
– Frederich não gostava de festas. Dizia que não era lícito a família
patriarcal comemorar esse tipo de coisa e eu compreendia. Para todos de fora,
não podíamos nos dar ao luxo de expressar sentimentos. Quanto mais
sentimental você é, mais fraco aos olhos de todos você se torna. Malcolm
estava feliz com o pequeno bolinho e a vela com o número 5. Disse que foi o
melhor aniversário da sua vida.
Alisei a pequena foto. Malcolm olhava concentrado para o bolo cheio
de glacê branco com uma vela enorme com o número 5. Olhava com
admiração, fixo, concentrado. Aquele olhar ele ainda tinha, pois já o vira
daquela forma algumas vezes.
Bem perto daquela foto, tinha outra onde Malcolm estava sério, um
pouco mais velho.
– Nessa foto, por que ele está tão sério? Ainda era tão criança –
perguntei.
Adélia suspirou pesadamente e observou bastante a foto antes de
falar.
– Ele já estava na academia do Patriarcado. Eu não sabia ao certo no
que constavam os treinamentos, mas sabia que ele acabaria realmente se
tornando um menino mais fechado, como todos os homens da organização.
Mas Malcolm não...
Parou de falar, como se não pudesse contar mais.
Só que sou curiosa e tive que pedir pra que ela continuasse.
– Malcolm não gostava de lá por algum motivo que nunca me disse.
Dizia que era horrível e que odiava. Por pelo menos três anos ele chorou
escondido para mim, pedindo, implorando para que eu convencesse Frederich
a tirar ele de lá.
Meu coração apertou dentro do peito. O que será que Malcolm passou
dentro daquele lugar que o deixou do jeito que é hoje?
– E o que o pai dele dizia sobre esse lugar?
– Que só tinha homens. As mulheres eram proibidas e que o ensino
era extremamente rigoroso. Ele devia estar lidando mal com as provas físicas
e as pressões psicológicas, mas que aquilo o faria o homem que ele devia ser.
Então eu apenas aceitei e abracei meu filho por inúmeros finais de semana,
até que ele parou de chorar um dia. E desde esse dia nunca mais o vi
expressando emoção alguma.
E realmente as fotos do resto da infância e adolescência de Malcolm
estavam praticamente iguais. Com o mesmo rosto que ele usa hoje. Imparcial
e inexpressivo.
Malcolm
Puta merda.
Eu não tinha planejado transar com Rivka naquele lugar. Tinha
prometido para mim mesmo que manteria minha esposa no lugar dela e nosso
vínculo seria como sempre foi: um trato.
Mas com essa coisa toda de confiança, o fato dela falar demais e
querer que eu a tenha numa alta conta sempre, fez com que eu desse uma
pequena chance de tê-la, talvez, como uma aliada.
No entanto, algo dentro de mim avisava que mulheres não servem
para essas coisas. E esse algo estava certo.
Lá estava eu, comendo minha aliada sem controle algum. Mesmo
sabendo que a aliada é minha esposa e eu não poderei simplesmente ignorá-la
nas próximas horas.
E que maldição, fiquei sete dias longe dela sentindo falta da maldita.
Eu a queria, era fato.
Eu a desejava. Uma novidade, com certeza.
E eu tinha perdido o controle das minhas ações.
O que me tornava um fraco.
Atitude imperdoável.
No caminho de volta para o casarão eu já estava pensando em como
fazê-la entender que aquilo que aconteceu na verdade não tinha sido nada.
Sou homem. Ela é mulher. Isso acontece.
Ainda mais quando parei de aliviar minha tensão sexual com as
prostitutas que contrato semanalmente.
Sou um homem de palavra e de dever. Achei justo o pedido de Rivka
por fidelidade, uma vez que não desejo ser o chifrudo da história.
Só que as coisas não podiam fugir do meu controle.
Definitivamente, não podiam.
Linda
Estava suspeitando que a menina Rivka estivesse mal de saúde.
Seu rosto estava pálido e sua alimentação não era a mesma há
semanas.
Nunca queria sair do quarto, e quando saía parecia um zumbi.
Falei cinco vezes com Malcolm usando toda a intimidade que tenho
em sua vida, mas todas as vezes ele dizia que veria o que ia fazer.
E não fazia nada.
Mas quando ouvi um barulho vindo da sala, corri assustada já
imaginando que podia ser algo com a patroinha. Eu gostava demais daquela
menina. Era um anjo em pessoa.
– Ah! – dei um berro. – Menina, acorda! – Abaixei ao lado do corpo
dela e dei uns tapinhas leves em suas costas para ver se ela despertava.
Nada adiantou.
Sabia que não podia mexer num corpo acidentado para não piorar a
situação, então levantei e andei o mais rápido que pude até o telefone fixo da
cozinha.
Disquei o número dele e ansiei que atendesse de pronto.
– Diga. – A voz dele ecoou.
Tomei fôlego para contar o ocorrido.
– Sua esposa parece... desacordada. Eu diria que está quase morta.
Venha socorrê-la o mais rápido que puder.
– Maldição...
Desliguei a chamada e fiquei aguardando ao lado do corpo
desacordado de Rivka, torcendo e orando para que Deus não a deixasse
morrer.
– Por favor, Deus. Seja bondoso com essa menina. Ela precisa viver,
ela precisa viver...
Malcolm
Que ela não morra.
Que ela não morra.
Que ela não morra.
Não sei nem a quem eu estava pedindo aquilo, pois nunca acreditei
em divindades, mas torcer pela vida de Rivka parecia certo naquele instante.
Ela estava sendo atendida pelos médicos da emergência e eu estava
andando pesadamente de um lado para o outro naquela maldita sala de espera
há longos minutos.
A voz de Linda começou a ecoar na minha cabeça, lembrando como
fui idiota e infantil em não verificar a saúde da minha esposa por conta das
preocupações que havia tido nas últimas semanas.
Enzo fez uma denúncia contra mim ao conselho do Patriarcado e, até
eu provar que era mentira, quase perdi meu posto, pois as pessoas que
afirmaram que eu matei eram nada mais nada menos que um primo distante
meu e o pai de Rivka.
Não queria que ela soubesse que mataram seu próprio pai, por isso
estava fugindo dela deliberadamente.
Posso não ter coração, mas tenho senso. Sei que ela é sentimental e
isso destruiria sua vida.
Mas parece que acabei destruindo a vida dela mesmo sem querer.
Coloquei um investigador secreto atrás do culpado pela morte do pai
de Rivka sem que o Patriarcado soubesse. O homem já tinha feito serviços
secretos para mim outras vezes e nunca foi descoberto. Sabia que podia
contar com ele.
Sobre a prova de que não fui eu o mandante, a data da morte deles
coincidia justamente com o dia em que busquei Rivka na fazenda.
Enzo acabou se enrolando em provar suas acusações, mesmo
demorando semanas para me avisar do fato. O babaca era um bosta, jamais
seria um bom Patriarca se mal sabia se expressar e amedrontar as pessoas.
Deve ter sido o nerd excluído da academia.
Não passou nem metade do que eu passei.
Se bem que todos os que têm cargo de sucessão no Patriarcado
passaram por coisas iguais ou parecidas. Aquela academia forja nosso caráter,
molda nossa mente e anula nosso coração.
Tem dias que eu olho para trás e penso que podia ter sido outra
pessoa, não eu.
– Sr. Samuels.
A doutora que atendeu Rivka enfim saiu da sala vermelha e me
chamou.
Me levantei imediatamente e andei até ela, transparecendo calma.
– Diga. Como minha esposa está?
– O quadro dela é grave. Anemia, imunidade baixa, pressão arterial
quase como a de um defunto. Atividade cerebral lenta, subpeso, desidratação,
dentre outros detalhes menos importantes. Ela está internada e ficará assim
por alguns dias até tudo se estabilizar. Minha preocupação é somente pelo
fato dela ter tudo isso e ninguém jamais ter notado. – Ela me encarou
desconfiada. – O senhor sabia que sua esposa estava adoecendo?
Passei a mão pelos cabelos desgrenhados e admiti.
– Sabia que ela não estava bem, mas não tive tempo para verificar sua
saúde. Ela estava o tempo todo trancada no quarto dormindo, não pensei
que...
– Perdoe-me, senhor, mas se o senhor não tem capacidade de cuidar
da sua própria esposa, recomendo que contrate um enfermeiro particular para
lidar com ela quando tiver alta do hospital. Pois precisará de
acompanhamento.
Assenti e, mesmo cheio de problemas na minha cabeça, parei para
pensar na saúde de Rivka. Eu não a via apenas como a mulher que tinha que
viver em prol do nosso contrato. Eu sabia que podia confiar nela, e apesar de
tê-la ignorado nas últimas semanas por falta de tempo e – confesso – medo de
estar perto demais e me afetar, tinha que compensar tudo que causei a ela.
Rivka não merecia ser tratada daquela forma.
Eu faria um esforço maior para que ela se sentisse bem e que nossa
aliança de confiança se mantivesse firme.
– Fique tranquila. Ela terá bons cuidados.
Rivka
Suas íris azuis quase cinzas nunca mentiam pra mim, e apesar de eu
ser uma menina tola e iludida, não negava enxergar a verdade crua que seus
olhos demonstravam.
Eles diziam: “Me desculpe, vou tentar ser mais legal. Mas, caso eu
não consiga, só lamento”.
E sinceramente, estava cansada de me importar.
Cansada de esperar algo mais que a migalha que Malcolm me dava.
Minha saúde esteve em risco, minha vida estava frágil e todos os
exames e medicamentos a que fui sujeitada nos últimos dias comprovavam
isso.
E para piorar, foi naquele dia que descobri algo que realmente
transformou meu coração em uma pedra dura de gelo.
Tinha acabado de tomar o café da manhã enquanto Malcolm lia
jornal, sentado na poltrona ao meu lado. Acionei o alarme que chamava a
enfermeira e logo ela apareceu, muito solícita como sempre.
Sabia que nos minutos seguintes minha médica faria o relatório do
meu estado atual. Desde que cheguei ali, pela manhã ela o fazia, me deixando
a par de tudo que tinha acontecido.
E foi o que ocorreu.
Ela entrou com uma prancheta, Malcolm levantou assim que a viu e
veio para perto de mim. A mão dele tocou meu ombro, ansiando também pela
explicação sobre minha internação e as evoluções das últimas vinte e quatro
horas.
– Senhora Samuels, primeiro preciso dizer que está se recuperando
muito bem de sua anemia e sua pressão arterial já normalizou. Ainda precisa
de cuidados que estarei listando na sua alta, mas o que desejo falar agora é
algo que foi uma surpresa para todos aqui.
Imediatamente senti o ar escapar das minhas vias aéreas. O que
poderia ser?
– Pode falar, doutora.
Ela cerrou a boca com força e sua feição se tornou pensativa. Aquilo
só piorava meu estado mental. Estava com medo de ter algo mais grave do
que tudo que ela já tinha me dito no dia anterior.
– Descobrimos que você esteve grávida. Mas, chegou aqui com o
aborto concluído. Não quis alarmar ontem, pois não sabia se seu sangramento
era decorrente de outros fatores, no entanto, exames mais detalhados
relataram que seu útero estava um pouco mais dilatado e seu sangue estava
produzindo os hormônios exatos que se produzem durante uma gestação.
Fora que isso pode ter colaborado para que sua pressão estivesse tão baixa.
Quando ela falou aquilo, meu coração parou. Não consegui reagir.
Simplesmente não consegui.
– Mas temos uma boa notícia, estava bem no comecinho da gestação,
então não te afetará em nada posteriormente. Pode ficar tranquila.
Eu não estava tranquila.
Não estava.
Malcolm
Por que a doutora não me falou da tal gravidez antes de jogar tudo na
cara de Rivka? Será que ela come merda no café da manhã?
Pela feição da mulher ao meu lado, a notícia veio como um balde de
gelo sobre sua cabeça. Rivka, que já estava mais corada, voltou a ficar branca
como um papel.
– Doutora, se me permite, pode me deixar a sós com minha esposa?
Me intrometi mesmo e que se dane.
Doutorazinha louca.
Ela assentiu e se foi. Toquei a mão de Rivka e apertei, enquanto a
olhava com peso.
– Não sei o que dizer.
Ela afundou a cabeça no travesseiro virando o corpo de lado e chorou
segurando minha mão.
Ficou ali, chorando por um longo tempo até que dissesse:
– Já chega. Pra mim já chega.
Sua voz parecia um rugido em meio à dor. Um rugido baixo,
escondido, mas um rugido.
Jamais tinha ouvido tanta amargura saindo da voz dela.
Aquilo desatou tudo o que vivemos depois.
Mais alguns dias foram necessários para que Rivka tivesse alta.
Recebi orientação de todos os procedimentos necessários para que sua
alimentação e bem-estar fossem mantidos, e contratei uma enfermeira
particular para cuidar dela pelo período orientado pela doutora: um mês.
Assim que chegamos em casa, coloquei tudo em ordem para que as
coisas voltassem aos seus lugares como antes.
Todas as minhas reuniões adiadas foram remarcadas, os telefonemas
que repassei, voltei a tomar ciência. Enfim, tomei a frente de todas as coisas
do Patriarcado que tinha deixado de lado. Reassumi.
Romero me manteve orientado sobre o que aconteceu nos últimos
dias, pois o liberei de ser meu segurança para espionar como meus liderados
fariam meu trabalho.
Tudo voltou aos seus lugares.
Menos uma coisa.
Rivka não era mais a mesma.
Sua feição, suas atitudes, o brilho em seus olhos. Nada voltou a ser
como antes.
Rivka
Odeio a minha vida.
Sabe quantas vezes eu falei isso nos dias, meses, anos seguintes?
Muitas.
Tudo tem limite, a gente aprende com cada coisa louca que nos
ocorre, não é mesmo?
Eu tive que quase morrer e matar um feto involuntariamente para
aprender que minha vida não era de nada e que eu não podia mudar ninguém.
Eu não tinha a capacidade de mudar uma pessoa.
Não adiantava eu falar o que queria, agir como pensava que deveria.
Malcolm não mudaria nem por um decreto do homem mais poderoso do
mundo.
Ah, esse homem é ele mesmo.
Então já tinha me conformado.
Ele não mudaria.
Mas ainda que eu soubesse que a vida que eu tenho não era das
melhores, não podia simplesmente jogá-la fora sem fazer alguma coisa.
Foi o que decidi.
Minha vida seria diferente.
Eu me ajustaria ao modo como Malcolm rege o mundo e todas as
pessoas ao redor. Eu agiria como uma pessoa em quem ele deve confiar e
seria a pessoa em quem ele confia.
Vestiria a capa do papel que meu pai sempre quis que eu fizesse, mas
jamais estaria leiga. Eu entraria de cabeça.
Saberia de tudo.
Nunca mais seria enganada.
Malcolm
Soquei a estante, fazendo vários livros despencarem de lá, assim que
Rivka saiu do meu escritório.
Desde quando ela tinha ficado daquele jeito? Eu sabia que ela era
curiosa, queria provar que era digna de confiança e às vezes ficava mandona.
Mas aquela conversa jamais aconteceria com ela antes.
Aquele modo de agir era atípico. Rivka não era assim.
O pior de tudo foi que ela saiu e meu sangue ferveu, desejando-a mais
que nunca.
Desde que ela tinha retornado do hospital eu a visitava todos os dias
pela manhã, falando sobre os acontecimentos gerais e fiscalizando a
alimentação matinal dela. Me sentiria um incompetente caso Rivka adoecesse
novamente. Era meu dever fazê-la se recuperar por completo.
Já tinha notado que ela estava mais calada e às vezes me ignorava
completamente. Foi como se ela tivesse morrido e outra pessoa assumido seu
lugar.
Algumas coisas, notava que ainda eram dela. A forma de impor sua
opinião e de colocar as palavras uma a uma com toda classe não mudou, mas
essa revolta implícita e todo esse autoritarismo... Humm, me fez pensar
coisas absurdamente quentes enquanto ela rebolava até a porta antes de sair.
“Tem até o jantar para me dar uma resposta.”
Quis rir sozinho depois que notei quão maluco eu estava. Tinha me
irritado por ter sido desafiado e encurralado pela minha esposa, mas no final,
vi que ela estava ainda mais sexy e deliciosa.
Tinha que tirar algum proveito disso.
E por que não ensinando algumas coisas para ela, como defesa
pessoal e tiro ao alvo? Apenas o básico, para dizer que ensinei.
Assim mantenho o contrato firmado e ela se satisfaz pensando que
agora sabe tudo.
No fim de tudo, a terei gemendo meu nome em diversas situações.
Rivka não perde por esperar.
“Como disse, esperei sua resposta até o jantar. Como não apareceu,
compreendi como uma negativa. Adeus.”
– Maldita maluca!
E agora, o que eu vou fazer?
Malcolm
– Vamos, Romero. Precisamos achar essa mulher agora.
Desliguei o celular e peguei todo o necessário para ir atrás de Rivka.
Armamentos, cobertores, medicamentos, água.
Sim, eu estava preparado para o pior.
A garota é louca, sabe que não consegue se defender nem de um
mosquito e foge à noite para sabe-se lá onde.
Desci correndo as escadas. Não perco meu controle por nada, mas o
que estava sentindo era completamente estranho. Uma palpitação somada à
preocupação pela vida de Rivka. Em meu íntimo sabia que não podia perdê-
la, nosso contrato não pode ser rompido e, mesmo que ela morresse, ainda
corria o risco de perder todo o império de sua família por conta dos
acionistas. Temos apenas três meses e pouco de casados, eles poderiam
alegar qualquer coisa para justificar a morte dela, inclusive, que estou
envolvido, fazendo com que eu perca tudo que está incluso em contrato, e
com isso também acabe perdendo meu posto futuramente.
Ser o patriarca era uma dádiva e uma maldição.
Até solidificar meu nome e o patrimônio que conquistei por herdar o
Patriarcado de meu pai, todo o conselho era contra mim. Jamais tiveram um
patriarca tão jovem, tenho apenas trinta e cinco anos. Meu pai assumiu com
quarenta e três e teve dificuldades no início, imagine eu.
– Vamos, patrão.
Romero já me aguardava com o carro ligado na garagem. Assim que
entrei, imediatamente acionei os vigias para que liberassem as imagens das
câmeras de segurança nas ruas.
Seria fácil encontrá-la
Tomara que esteja viva.
Rivka
Eu sei.
Sei que não dá pra fugir do homem mais poderoso do mundo.
Sei que não dá pra se esconder da pessoa que tem acesso a tudo e
todos o tempo que quiser.
Então quis apenas dar um susto mesmo, sabe?
Malcolm acha que me tem em suas mãos, mas não imagina que
aquela Rivka tola que ele dominava estava adormecida em um quartinho
escondido dentro do meu coração.
Jamais acordaria ela outra vez.
Peguei um táxi e pedi para me deixarem em um hotel que ficava meia
hora distante da mansão de Malcolm. Cheguei lá e fiz logo meu check-in,
optando pelo quarto mais simples.
Sabia que o controlador do meu marido apareceria em poucas horas,
então não gastaria dinheiro à toa. Há muita gente necessitada no mundo para
que eu desperdice desse modo.
Linda infelizmente reprovou minha decisão. Não contei o que faria,
apenas disse que iria embora. Ela ficou preocupada, mas a acalmei dizendo
que eu sabia exatamente o que estava fazendo.
Ela pediu para que me cuidasse e falou que estaria torcendo por mim.
Pessoas como ela sempre me fazem crer que o mundo ainda pode
ficar bom, mas quando me deparo com espécimes semelhantes ao meu
esposo, a ilusão fica abafada pela realidade crua e dura.
Para quem tinha acabado de enfrentar uma depressão severa, um
aborto e uma experiência de quase-morte, eu queria viver. Queria viver
intensamente e como jamais tinha vivido.
Então não me faria mal enlouquecer Malcolm um pouquinho. Já tinha
me conformado com o fato de que teria que suportá-lo até o fim da minha
vida, então que ao menos seja um pouco mais interessante.
Assim que entrei no elevador, um homem também entrou. Era um
homem normal, vestido como qualquer pessoa se vestiria, mas tinha algo nele
que me fez respirar mais acelerado que o normal.
Medo, instinto, não sei.
Ele cheirava a frutas cítricas frescas e tinha um porte viril e acolhedor.
Parecia um tipo de homem que cuida de sua família e a protege de todo mal.
Me sentia estranha em reparar assim num homem, mas não sei, ele era
diferente.
Estava com o celular na mão, sem nem me notar, então disfarcei e
parei de encarar até chegar no andar onde estaria hospedada.
Andar com Malcolm me fez perceber mais o mundo lá fora. Valorizar
o que há de bom.
Assim que cheguei ao meu andar, segui rumo ao quarto descrito no
cartão de acesso em minha mão. Entrei com minha mala de rodinhas e fiquei
lá, sentada sobre a cama, apenas esperando.
Esperando.
Esperando.
Malcolm
Mal tinha saído de casa e recebi uma ligação.
– Patrão, perdoe ligar esse horário, mas acredito que vi sua esposa.
Disfarcei, pois nem Romero sabia da existência desse detetive e
segurança particular que possuo. O homem é realmente bom e já tinha me
provado isso.
– Aguardo sua mensagem.
Desliguei e fiquei esperando a mensagem com a informação sobre
Rivka. Não falaria nada em voz alta para que Romero não desconfiasse. Ele
conhece toda a equipe de segurança e a coordena. Com certeza odiaria saber
que não o deleguei para certos serviços.
Que fique claro que o motivo não era porque não confiava nele, e sim
porque o Patriarcado jamais poderia saber. Eram coisas absurdamente
internas e particulares.
Um leve tremor em meu celular acusou a chegada da mensagem.
Club Quartes Hotel.
Uma foto.
Nela Rivka aparecia de perfil, e nada mais. Não dava para identificar
o ambiente direito.
Mas era ela.
Imediatamente configurei o GPS para o hotel em questão e seguimos.
– Como soube que era esse o hotel?
Romero perguntou, claro.
– Recebi a informação de check-in em meu aparelho – menti.
Eu receberia a informação do check-in dela, mas o programa atualiza
de doze em doze horas, ou seja, só teria a informação ao meio-dia.
Precisava ajustar os períodos de atualização desse programa
novamente. Pode nos atrasar numa busca emergencial.
– Ah, então vamos.
E seguimos rapidamente. Romero dirigia, pois eu estava com muita
dor de cabeça. O dia tinha sido totalmente maçante e exaustivo, meu corpo
estava pedindo para deitar e descansar. No entanto, precisava buscar a
menina teimosa.
Foi fácil entrar no hotel e pedir uma chave reserva do quarto onde
Rivka estava. Em poucos minutos eu estava em frente à porta, mas sem abrir.
– O que está esperando, malvadão?
Levei o indicador ao polegar exigindo silêncio de Romero. Queria
escutar a movimentação no interior do quarto. Não sei por que tive a ideia de
fazer aquilo, mas... Lembrei que pouco tempo atrás ela tinha me pedido um
namorado.
Talvez estivesse com algum homem, não sei.
Eu nem sabia mais se ela teria essa capacidade, mas preferia não
duvidar de nada. Rivka ultimamente tem me surpreendido.
Uma turbulenta caixinha de surpresas ela havia se tornado.
Com a orelha grudada à porta, não notei movimentos nem barulhos,
então decidi abrir.
Foi somente abrir a porta para que um peso despencasse de meus
ombros. Ela estava lá.
Dormindo, mas estava.
Andei até a cama onde minha esposa jazia deitada de mal jeito, com a
mala ainda feita ao lado no chão, e a toquei pelo ombro.
– Vamos para casa.
Lentamente seus olhos se abriram. Ela os esfregou e me encarou
ainda sonolenta.
– Você demorou – murmurou e bocejou em seguida.
Mas que...?
– Então estava me esperando? – Sentei ao seu lado, confuso.
Ela assentiu. Seu corpo estava mole, devia ter pegado no sono há
pouco tempo.
– Não sou idiota. Sei que me encontraria. Mas não quero voltar
andando, pode me levar no colo?
O que ela pensa que sou? Seu criado?
Romero se ofereceu para levá-la, alegando que eu estava cansado. Eu
estava, obviamente, mas não o deixaria levar Rivka nem por cima do meu
cadáver.
– Vamos.
Levantei e a tomei em meus braços, respirando fundo e tirando forças
de onde não tinha, até que consegui expulsar o cansaço e andei com ela em
meus braços.
Se era esse o pedido para que voltasse para casa, tudo bem.
Descemos pelo elevador e finalizei o pedido do quarto na recepção
por ela. Romero vinha atrás com a mala enorme que ela trouxe e eu seguia
rumo ao carro, carregando-a em meus braços. Rivka dormia como um bebê.
– Como consegue dormir desse jeito? – indaguei sabendo que não
teria resposta.
Em instantes já estávamos dentro do carro. A coloquei deitada no
banco de trás e segui viagem no carona, com Romero ao volante.
Vez ou outra virava o rosto para verificar como ela estava, e assim
como a encontrei, ela permaneceu.
Dormindo como um anjo.
Malcolm
Já era tarde, passava das nove da manhã. Para quem tinha ido dormir
depois das três, eu até que dormi bem. As noites sempre são muito curtas
para mim e os afazeres borbulham na minha cabeça noite e dia.
Nunca pensei que seria tão pesado comandar o Patriarcado.
Era um trabalho exaustivo demais.
Rivka acordou e, mesmo cedendo para ela e agindo como um fraco ao
pedir para que ela ficasse, a louca se foi.
Quem estava começando a ficar louco era eu.
Mas naquele dia não insistiria mais em proximidades com ela.
Evitaria me aproximar dela pelos próximos dias, o máximo possível.
Rivka
Estava empolgada para aprender um golpe que realmente me
defenderia numa situação de catástrofe. Malcolm estava bastante abusadinho
naquele dia, soltando piadas e sendo até mais legal que o normal.
Ultimamente ele mal falava comigo e eu com ele.
Mas não podia deixar passar a chance de aprender mais. Queria ser
independente em tudo, inclusive na defesa pessoal.
– O inimigo vai estar com o corpo armado, pronto para te atacar. Os
braços geralmente na posição que já conhece – em punho elevado na frente
do torso –, mas como você dará um golpe letal com a pessoa pronta para te
atacar?
Ele começou a explicar e me concentrei em aprender passo a passo.
Fiquei na posição que ele disse, com os braços elevados com o punho
na altura do queixo, aproximadamente. Ele pediu para que eu tentasse dar um
soco no rosto dele e eu o fiz.
Então, com um braço ele afastou a mão que o acertaria e com o outro
estapeou a curva do meu pescoço para cima, e quando elevei o rosto por
causa do golpe, ele passou a perna por trás da minha, me desequilibrando e
fazendo com que eu caísse de costas no chão.
Claro que ele me segurou para que eu não caísse, mas foi inevitável
que eu me desequilibrasse.
– Se você cai assim, como uma tábua no chão, pode ter um
traumatismo craniano ao bater a cabeça e morrer. Geralmente as pessoas
morrem com esse golpe.
Ele me puxou para cima e me segurou pela cintura enquanto eu
assimilava cada movimento que ele fez, ofegante e assustada.
Demoraria um pouco até aprender esse golpe, mas era bom, muito
bom.
– Uau.
– Pois é, teimosa. Conseguiu pela teimosia – ele murmurou com o
rosto próximo ao meu.
Se eu não o conhecesse, pensaria que estava interessado em mim. Mas
Malcolm nunca joga para perder. Ele queria apenas satisfazer suas
necessidades sexuais e ponto.
Era para isso que eu servia, na cabeça dele.
– Estou aqui pensando em como vou contar tudo isso para meu pai
quando ele voltar de viagem.
Estava me sentindo uma péssima filha por passar tanto tempo sem
ligar para meu pai, mas ele entendia e eu tentava a todo custo evitar levar
problemas a ele. Queria mostrar que sou uma mulher diferente e que estou
me descobrindo.
Malcolm se afastou e parou com a gracinha, de imediato.
– Acredito que ele ficaria muito orgulhoso – entonou na sua seriedade
típica.
Estranhei o modo como se referiu a meu pai, no passado.
O que estava acontecendo?
– Ele ficará orgulhoso. Quando voltar de viagem, ele...
– Ficaria – Malcolm me cortou, sobrepondo sua voz à minha. – Não
vai ficar mais.
Deu dois passos para trás e encarou o chão.
Como assim “não vai ficar mais”? O que ele queria dizer com isso?
Será que...
Que...
Meu coração começou a acelerar desenfreadamente e, sem nem
pensar, as lágrimas já começaram a se acumular em meus olhos.
– Você não quis dizer isso... quis? – Me aproximei de Malcolm e o fiz
me olhar nos olhos. Ele bufou e levantou o rosto. – QUIS?!!!
Meu marido levou as mãos aos cabelos presos e apertou a cabeça.
Não... ele não agia daquela forma quando algo estava bem. Não agia.
– Malcolm! – soquei seu peito como nunca antes. – Onde meu pai
está?!
Gritei alto, usando toda minha força.
As lágrimas caíam pesadas em seu percurso sorrateiro enquanto
minha pulsação aumentava cada vez mais.
Ele se manteve parado, recebendo meus golpes sem tirar os olhos dos
meus. Suas íris eram tão frias quanto o gelo e aquilo perfurava ainda mais
meu coração.
Não podia ser.
Não podia ser.
– Responde, imbecil! Responde!!!! – Mais socos intensos sobre o
peito dele, até que o choro começou a me dominar e as forças a se esgotarem.
– Meu paaaaaaaaai!!!!
Despenquei já frágil no chão, ciente de que sim, o homem que me
criou com todo amor e me ensinou a ser quem sou já não estava mais nessa
Terra.
A forma como Malcolm me deu a notícia foi tão insensível quanto
ele. Eu não suportaria que ele me visse naquele momento.
– Vai embora daqui! – em prantos, implorei. – Vaaai!!!
Queria ficar só.
Apenas eu e a dor dilacerante que me agonizava.
Malcolm
Já tinha passado da hora de contar para ela que seu pai estava morto.
Estava tentando esperar o melhor momento, mas foi só ela tocar nele dentro
do assunto que já revelei a verdade.
Às vezes é mais fácil ser duro e direto do que tentar passar vaselina
demais.
Ver Rivka gemendo de dor e se abraçando jogada ao chão me deixou
sem ação. Eu não sabia o que fazer numa situação daquelas.
Pelo contrário... quando eu estive numa situação dessas, não obtive
nenhuma ajuda.
Rivka
Não sei o que eu queria naquele momento. Se era morrer, voltar no
tempo ou só chorar até toda a dor passar.
Mas sei que não queria sair daquele lugar até entender tudo.
Meu pai estava morto.
Morto.
E eu nem tive a chance de dizer adeus.
Quando Malcolm me deu a notícia, eu não soube discernir o que
exatamente me deixou pior. Saber de uma forma tão fria, saber depois do
ocorrido ou simplesmente saber.
Não sabia quanto tempo tinha que meu pai havia falecido, mas era
óbvio que Malcolm não me deu a notícia no dia. Ele esperou para me
informar.
Mas era como eu havia dito: nada faria doer menos. A notícia em si já
foi o meu fim.
Espinhos perfuravam minha alma no instante em que me derramei no
chão e do nada meu marido apareceu de novo tentando me consolar.
A última coisa que eu desejava era aturar Malcolm e sua frieza, mas
quando ele compartilhou um pedacinho da sua alma, algo em mim se
quebrou.
– Você não entende o que eu sinto, Malcolm. – Respirei fundo,
contendo as lágrimas. – Não consegue entender. Nunca vai entender.
Ele assentiu e eu deslizei a mão sobre cada cicatriz volumosa de seu
corpo. As tatuagens escondiam bem, pois eu nunca havia reparado antes que
eram cortes.
– Estavam bem escondidas, não é? – perguntou ele.
Sua voz estava rouca, limitada. Dava para notar que era um esforço
descomunal para que ele falasse sobre aquilo.
Quiçá jamais tenha falado antes.
– Muito. São cortes pequenos, fáceis de esconder sob as tintas da
tatuagem. – Elevei meus olhos e me concentrei em seu olhar. – Quanto tempo
faz?
Ele engoliu em seco.
– Muitos anos. – Ele tocou meu queixo. – Imaginei que talvez fizesse
o mesmo a você. Não queria permitir que se machucasse.
Fechei os olhos engolindo não só aquela dor lacerante da perda, mas
também a dor do sentimento que eu guardei no fundo do meu âmago. Eu
estava me apaixonando por Malcolm quando decidi mudar. Quando tudo
aconteceu.
As palavras que ele estava proferindo naquele momento tinham um
efeito avassalador em mim. A sede de estar com ele queria voltar.
Eu não podia.
Não podia ser tão tola novamente.
– Jamais me machucaria, Malcolm. Minhas maiores feridas já foram
feitas. Rasgaram aqui – apontei para meu coração – e está difícil fazê-las
cicatrizar.
Ele inspirou profundamente encarando meu peito, o local onde eu
estava com a mão. Meu coração já tinha sido machucado. Estava um acúmulo
de feridas que não sei se um dia sarariam. A notícia de meu pai deu a facada
final.
Eu precisava ser forte.
Por mim.
Por ele.
Por nós.
Ele tocou por cima da minha mão e fechou os olhos. O observei
atentamente porque não queria ser levada pelo momento de fragilidade.
Malcolm não era dado a sentimentos e aquele instante que estávamos vivendo
foi totalmente movido pela notícia que detonou meu dia.
– Eu não sei o que é isso, Rivka. Não consigo entender o que é.
Do que ele estava falando?
– O coração?
Quando eu perguntei, os olhos dele se abriram e fixaram-se nos meus.
– O que você sente. Essa devoção pelas pessoas que ama. Não
consigo entender.
Então o telefone dele tocou, nos trazendo para a realidade, me
lembrando o motivo pelo qual eu estava chorando até Malcolm vir e me
envolver com sua magia e sua história de homem sofrido.
Logo o poderoso rei da Terra voltou a ser quem era e se foi dali, me
deixando aturdida em sentimentos, pensamentos e lágrimas.
Rivka
Perder meu pai trouxe algo mais na minha realidade.
A certeza de que não teria mais ninguém para correr e pedir ajuda
quando as coisas ficassem feias.
Ser sua única filhinha, cuidada com tanto amor, era o que me dava
esperança caso nada desse certo.
Só tinha vinte e cinco anos! Não era para perder meu pai assim, tão
cedo.
Passei o resto do dia trancada em meu quarto olhando as fotos que
tinha com ele, guardadas em um pequeno caixote no closet.
Mal conseguia respirar em meio a tantas lágrimas, soluços e gritos
agonizantes de dor. Não podia focar em mais nada, só nele.
– Você era jovem, pai. Tinha muita vida ainda para viver.
Falei encarando a foto em que nós dois viajamos quando eu tinha
dezesseis anos. Estávamos nos Estados Unidos, com a Estátua da Liberdade
no fundo. Nossos sorrisos eram amplos, genuínos. Como eu o amava!!!
Linda me trouxe comida nos horários de refeições, mas ninguém me
perturbou. Todos entenderam meu momento, inclusive meu esposo.
Apesar dele ser como é, me admirei pelo modo como tentou me
consolar. Ele não faz ideia de como se consola alguém ferido, então permitiu
que eu soubesse um pedaço do que passou.
Aquilo atiçou minha curiosidade, mas não era o momento para me
preocupar com isso. Precisava viver meu luto.
Malcolm
Assim que saí daquele ambiente onde Rivka estava sofrendo, me
arrependi de ter sido movido pelo momento. Isso jamais tinha acontecido
antes.
Nem minha mãe sabe das minhas feridas, do meu passado.
– Não é possível – sussurrei para mim mesmo, encarando-me no
espelho após tomar um banho naquela noite.
As coisas estavam começando a fugir do controle.
Rivka é culpada de tudo isso. Ela conseguiu acessar algum espaço em
minha mente e não consigo mais ser o mesmo nem no trabalho.
Amanhã terei que ajustar com meus acionistas as visitas periódicas às
bases mundiais e ainda não tinha conseguido pensar sequer em uma solução.
Olhei meu corpo no espelho. As tatuagens. As marcas dos cortes.
– Qual o sentido de tudo isso?
Pela primeira vez a pergunta pairou na minha cabeça.
Qual sentido havia em ter todo o poder, dominar qualquer humano na
face da Terra e ser temido e respeitado, à preço da sua alma?
– Eu quero que você e sua língua gigante vão para...
– Calma, meu adorado primo! – Enzo me cortou antes que as coisas
ficassem piores.
Ele apareceu na minha casa antes de eu sair para encontrar os
acionistas para a reunião. Já tinha pensado em como dividiria os fardos, mas
isso me daria trabalho e levaria tempo.
– Eu queria apenas ver como você está e sugerir algo bem interessante
para sua solução de hoje.
Estávamos no meu escritório e ele tentou jogar algumas piadinhas
sem graça, como sempre. Eu, no entanto, já tinha acordado uma pilha de
nervos.
– Seja rápido. Não tenho sua vida.
Ele se aprumou na cadeira e firmou seus olhos nos meus. Sério e
profissional.
– Nos odiamos e isso é fato. Meu maior desejo na vida inteira é que
você morra para que eu assuma tudo isso aqui – gesticulou sinalizando ao
redor –, mas sejamos sinceros entre nós dois: naturalmente falando, isso não
vai acontecer. Você é esperto e difícil demais de ser enganado. Mas eu sei de
coisas que você não gostaria que ninguém jamais soubesse. E isso tem um
preço.
Meu sangue começou a subir.
O que mais me irrita no mundo é um assunto ser guiado até os
segredos que alguém esconde. E pela forma como Enzo estava levando a
conversa, chegaríamos a isso.
– Prossiga – fui típico, frio.
Ele estendeu o celular e me mostrou uma foto.
– Quero que conheça o Khaled.
Quando meus olhos focaram na foto que ele mostrou, senti calafrios
subindo por minha espinha. Aquele rosto era muito familiar.
Muito familiar.
Não transpareci absolutamente nada para Enzo, apenas olhei
novamente para ele, esperando o fim do discurso.
– Khaled foi criado fora do país, separado do irmão Karl. Irmão esse
que foi brutalmente assassinado aos dezoito anos, dias antes de se formar na
academia do Patriarcado. Rumores percorrem até hoje, sugerindo que alguém
com certa influência pudesse estar envolvido. Khaled está com sede de
vingança e pode talvez desenterrar esse caso esquecido... que pode acabar
chegando em nosso atual patriarca. Afinal, rumores indicam que Karl sempre
te mantinha por perto, apesar de não serem amigos.
Joguei as lembranças para escanteio, não era a hora de me lembrar de
tudo o que passei naqueles anos infernais e tentei pensar rápido.
Se o Patriarcado quisesse investigar esse caso novamente, era fato que
descobririam no fim das contas que eu matei Karl.
Um assassinato dentro da academia é compensado com a morte do
assassino.
Não sei se depois de tantos anos a lei ainda se aplicaria, teria que
averiguar, mas não posso cair na conversa fiada de Enzo.
– Que coincidência. Conheço diversas pessoas que foram vítimas de
um primo meu chamado Enzo. Primo este que cansou de me pedir socorro e
liberdade de julgamentos duros que poderiam custar a vida dele. Acho que
seria uma boa hora para reabrirmos cada caso e rever o verdadeiro culpado. –
Levantei e espalmei as mãos sobre a mesa. – Vá com suas ideias infundadas
para o inferno! Não tenho nada a temer. O que eu devo, eu pago. Não sei o
que estava querendo com essa história, mas aqui você só vai conseguir sarna
pra se coçar.
Ele, inexpressivo, levantou e comentou suavemente, como quem não
quer nada:
– Queria apenas uma posição de privilégio no comando das bases.
Talvez duas ou três para que eu comande. Seria fácil para você, uma vez que
não deseja estar em todas ao mesmo tempo, pois não é Deus.
Soltei um riso seco, sem expressão.
– Eu o conheço. Não é apenas isso o que quer.
Ele sorriu. O sorriso diabólico.
– É, primo. Não é mesmo, não. – Se aproximou de mim e me encarou
com firmeza no olhar. – Quero ser o sortudo no seu primeiro aniversário de
casamento. Quero ter mais ações na empresa e privilégios fiscais. Quero uma
porrada de coisas, Malcolm, nem que pra isso precise investigar até a sua
mãe.
– Você morre antes de ter o que quer.
Ele se afastou e murmurou antes de deixar a sala:
– Bom saber que é capaz de tudo sem medir consequências.
E fechou a porta.
Porra!
Eu o tinha salvado diversas vezes mesmo antes de ser o patriarca, pela
chance de poder cobrar sempre uma dívida. Nem sempre a pessoa que detém
mais poder é admirada. Muitas vezes precisamos manter quem nos odeia
preso por débitos. Era assim que mantinha Enzo em minha mão.
Até aquele dia.
De imediato chamei Romero, que em curtos minutos já estava em
meu escritório.
– O que manda, patrão? – Entrou e fechou a porta.
Romero era quem mais realizava minhas ordens de execução, então
estava mais do que ciente de tudo que eu e Enzo já nos envolvemos.
– Enzo esteve aqui. Inventou um monte de bosta para tentar me
manter em sua mão. Preciso tramar a morte dele o mais rápido possível.
Ele arregalou os olhos.
– Tem certeza? Não podemos talvez fazer algo parecido com a última
vez? O cara ficou sem bolas e ainda quer mais?!
Respirei fundo e apertei as têmporas. Minha cabeça estava
começando a doer.
– Ele precisa morrer. Não posso ser descoberto e também não posso
ter nenhuma ligação com a forma como ele morrerá. Precisamos pensar em
algo rápido.
A reunião foi rápida. Deleguei alguns países a acionistas que me
pareciam mais leais, e aos demais deixei que cuidassem da parte financeira,
aqui mesmo na Inglaterra. A parte financeira era sempre fiscalizada, então
não tinha o que temer. Enzo ficou com apenas um país e como responsável
financeiro. Não daria o que ele pediu nem por um decreto. Qualquer
movimento em prol dele poderia indicar que temo suas ameaças.
Seu rosto se contorceu de ódio, mas que se dane.
Pouco me importava.
Estava aturdido nas minhas funções e tinha que deixar tudo
estabilizado o mais rápido possível.
Naquele fim de semana fui sem Rivka visitar minha mãe. Algo no
discurso de Enzo me trouxe à memória algumas cláusulas no contrato de
acordo de casamento. O Patriarca, para se oficializar como tal, devia
conseguir o maior acordo milionário daquela geração para a organização. O
acordo geralmente é selado com o casamento, ou algum vínculo perpétuo.
Em noventa por cento das vezes, o casamento é a forma mais usada.
Meu pai fechou o acordo com o pai da minha mãe. Eles eram donos
da maior petrolífera do mundo. Minha mãe morava no interior, numa fazenda
no Brasil. Através desse acordo, meu pai casou com minha mãe e,
consequentemente, deteve o poder sobre todo o mercado de petróleo mundial.
O mesmo se aplicou comigo e Rivka. Seu pai era dono da maior
empresa de avanços tecnológicos do mundo. As criações absurdamente
avançadas que eles produzem auxiliam todos os setores da nossa economia
global. Produzem desde pequenos chips rastreadores, até gigantescos parques
movidos a energia sustentável. Tudo que se podia construir, ele fazia o
melhor.
Assim que ele faleceu, por ser o marido de Rivka e termos firmado
contrato antes mesmo do casamento, eu assumi toda a empresa sem que ela
nem precisasse saber, delegando funções aos funcionários que já estavam no
comando anteriormente.
Subornei a imprensa para que não noticiassem absolutamente nada
sobre ele em lugar nenhum e fui levando a história até onde chegou.
Rivka não tinha tanto acesso ao mundo digital e informativo. Ela
apenas assistia aos noticiários pela tevê, nunca gostou de se prender a um
celular ou computador, então não me preocupei tanto, apesar de ser um risco
enorme caso ela procurasse por ele por esses meios.
O que tanto me fez procurar minha mãe naquele fim de semana foi
uma cláusula em especial.
– Ah, Mac. Meu casamento com seu pai foi muito bonito. Nos
casamos lá no Brasil. Eu pedi que fosse na minha terra. Tem o álbum de
fotos, quer ver?
Já estávamos há quase uma hora conversando. Eu criei com cautela
um percurso lento até o tema que eu desejava saber. E – finalmente –
estávamos nele.
Anuí com a cabeça e ela levantou alegre para buscar o bendito álbum.
Em instantes, voltou com o livro enorme e o abriu.
– Olha que lindo. O sítio parecia daqueles de filme de tão enfeitado. –
Mostrou a cerimônia, as fotos deles fazendo os votos, o beijo, a festa, tudo.
Eu acompanhei cada pequena explicação de cada foto, com a
paciência que nunca tive, mas precisava.
– Estou feliz por você finalmente querer ver mais da história da nossa
família. Agora que casou deve estar mais sensível a essas coisas – expressou
alegria ao dizer.
Não quis deixá-la triste, então assenti.
Peguei o álbum nas minhas mãos e o folheei enquanto perguntava
mais.
– E a convivência com meu pai, foi tranquila no começo? Ele era um
cara difícil.
A olhei de soslaio, fingindo ver as fotos. Ela estava encarando o teto,
buscando as lembranças.
– No começo eu cortei um dobrado. Seu pai era um homem
amargurado demais. Eu não era o tipo de mulher que sabia levar um fora, ou
até um tapa.
A encarei um pouco em choque.
– Um tapa? Ele te batia?
Não havia regras para agressão familiar dentro do Patriarcado. Muitos
sabiam que os casamentos não eram felizes nem com sentimentos genuínos,
então às vezes os casais se agrediam. Meu pai sempre me orientou a jamais
agredir a mulher com quem eu me casaria. Ele dizia que eu mostraria todo o
meu valor e autoridade, sem precisar tocar um dedo nela.
“Mulheres não são para ser agredidas. Você as submete usando a
inteligência.”
Era o que dizia sempre.
Então eu realmente fiquei em choque quando descobri que ele bateu
em minha mãe.
– Me agrediu algumas vezes, e como eu era uma maria mijona,
chorava sempre. Até que um dia eu o esfaqueei enquanto dormia.
Aquela história estava começando a ficar interessante.
– E ele não fez nada?
– Pediu ajuda. Estava perdendo sangue e eu podia deixá-lo lá para
morrer se quisesse. Era madrugada e estávamos no nosso quarto. Mas apenas
o orientei dizendo que se ele casou para ter uma escrava sexual e um saco de
pancadas, que conquistasse cada fonte de petróleo com sua própria pá. E se
encostasse a mão em mim novamente, não teria misericórdia com ele outra
vez.
Abri a boca e encarei aquela jovem senhora cheia de ousadia. Quem
acreditaria que minha mãe fez uma coisa daquelas?
– Quando aconteceu isso?
– Estávamos perto de comemorar nosso primeiro ano de casados.
Isso. Cheguei onde eu queria.
– Quando fizeram um ano juntos, comemoraram? Teve algo de
especial?
Minha mãe estreitou o cenho e me encarou cheia de desconfiança no
olhar.
– Quer ideias para fazer com Rivka? Meu filho, eu não sou tão “para
frente” assim a ponto de falar das minhas experiências íntimas.
Contorci o rosto, tentando não imaginar qualquer coisa entre ela e
meu pai. Era absurdamente horrorizante.
– Não digo sobre isso. Mantenha a compostura, dona Adélia – a
repreendi, com uma pitada de humor.
Eram raras as vezes que ela e eu conversávamos tão abertamente.
Tinha até me esquecido qual foi a última.
– Ah, Mac. Seu pai me levou para jantar em um restaurante super
elegante... Mas na volta aconteceu algo...
Então ela abaixou o rosto e respirou fundo com os olhos fechados.
Não... Ela tinha passado pelo que eu esperava.
– Diga.
– Fomos assaltados na rua. Era tarde e não tinha muita gente
circulando pela cidade aqui em Londres. Achei que queriam apenas nos
roubar, mas me levaram junto.
Engoli em seco e fiquei apenas ouvindo, olhando minhas próprias
mãos cruzadas sobre meu colo.
O relato dela confirmaria tudo aquilo que eu sabia, mas temia que
acontecesse novamente.
Dessa vez com Rivka.
Malcolm
– Eram homens encapuzados e muito fortes. Eles estavam com
algumas motos e um deles com um carro mais atrás do nosso. Me colocaram
no carro e taparam meus olhos. Eu chorava de medo, estava apavorada.
Então sua mão, que já tinha soltado a minha, voltou a tocar-me,
segurando com força.
– Logo no dia que comemorei um ano de casada, filho. Fui abusada
por aproximadamente sete homens.
A ira que percorreu meu corpo fez com que eu controlasse a força
bruta que emanava em mim. Queria voltar no tempo e esquartejar cada
maldito que fez aquilo com ela... E só de imaginar que a história poderia se
repetir...
– Sinto muito. Preciso ir – falei rapidamente e me levantei.
Não dava para ficar mais.
Meu pai com certeza sabia o que aconteceria com a mulher dele e
permitiu. Por quê?
Eles deviam se odiar muito.
– Filho!
Ela veio correndo atrás de mim enquanto eu seguia pelos corredores
para fora do casarão. Sua mão tocou meu ombro e respirei fundo antes de
virar e olhar nos olhos da mulher que me criou.
– Diga.
Ela estava com lágrimas nos olhos, provavelmente causadas pela
lembrança dolorida.
– Preciso dizer três coisas. Por favor, Mac. Me ouça – suplicou.
Me mantive parado, fito nela. Se realmente fosse importante eu
jamais esqueceria.
Anuí e aguardei o que ela diria. Sua mão um tanto áspera tocou
lentamente meu rosto e deslizou com ternura até minha barba antes de
proferir:
– Não tenha medo. Seu pai me amou. Não permita que façam o
mesmo com ela.
E me abraçou.
Sem pensar duas vezes, levantei os braços e a envolvi também em um
abraço que quase nunca retribuo. Parecia certo.
Ela sabia muito mais do que eu podia imaginar.
Mas não seria eu quem faria mais perguntas.
Rivka
Há dias eu me mantenho mais calada que o normal.
Não é por nada específico, mas por enxergar que nem tudo precisa ser
dito. Quanto mais nos calamos, mais observamos.
A vida passa sob nossos olhos e muita gente nem vê. Meu pai se foi
num piscar de olhos e eu não percebi. Não vi.
Não soube o motivo e as notícias que busquei também não diziam
nada. Imaginei que poderia ser algo tramado pelo pessoal do Patriarcado.
Eles lidam com vidas como se fossem números, sem valor algum.
Já tinha reparado que pouco se falava nas mulheres dos homens que
atuavam dentro do Patriarcado. O pouco que vi, ouvi e fiquei ciente, só falava
dos homens.
Poder, poder, poder e mais poder.
Patriarcado por isso mesmo, de pai para filho. Homens.
Eu estava no meio de um caos hereditário, sem poder fazer
absolutamente nada. Com o destino escolhido desde a infância, iludida com
uma realidade que jamais poderia mudar.
As princesas da Disney nunca foram tão surreais pra mim após meu
casamento com Malcolm.
Naquela manhã de sábado eu observava os pássaros que circundavam
a mansão. Andavam em bando, harmoniosamente. Depois senti a brisa suave
que tocava meu rosto e balançava meus cabelos na janela do meu quarto.
A vida era bem mais que nossas individualidades.
Não podia deixar de agradecer a Adonai, por toda sua criação perfeita
e harmônica, apesar do homem ter sido uma criação que comete tantas
tolices.
– Obrigada... Obrigada. – Fechei os olhos e deixei a luz fraca do sol
me aquecer.
Tinha compreendido e superado meu luto com fé e esperança de que
eu cumpriria a missão que meu pai tanto dizia.
Logo procuraria saber mais detalhes sobre o acordo feito entre meu
pai e o pai de Malcolm quando eu completei oito anos, mas para aquele
momento eu só queria uma dose de paz.
Fiz minhas orações e desci rumo à biblioteca. Leria um novo livro
naquele sábado.
Assim que entrei naquela terra magnífica dos mundos imaginários,
respirei fundo e comecei minha caça.
Estava selecionando livros para ler o primeiro capítulo e verificar se
me interessavam, quando alguém entrou correndo e chorando no cômodo.
Era Lindsay.
– Meu Deus! – Levei a mão ao peito, assustada.
A menina estava com o rosto inchado de tanto chorar.
Ela me viu e quis fugir.
– Desculpe, senhora.
Virou e tentou sair de lá. Não devia ter me visto quando chegou.
– Não! – a chamei. – Senta aqui, Lindsay. Fica tranquila.
Ela assentiu com as mãos sobre o rosto e veio para perto de mim.
Sentou na poltrona de leitura que havia ao lado da estante em que eu mexia
anteriormente e tentou controlar suas lágrimas.
– Eu n-não sabia que est-tava aqui, dona Rivka.
Coitada. Vê-la daquele jeito me partiu o coração. Abaixei até ficar
face a face com ela e enxuguei uma lágrima teimosa que deslizou na sua face.
– Não precisa ter vergonha de chorar. Fazia tempo que eu não te via
aqui na casa, está tudo bem?
Ela me encarou ainda tristonha e assentiu.
– Eu estava de férias. Linda me deu outros afazeres desde que
retornei, agora eu cuido da área externa e da área de serviço. Não entro mais
aqui na casa.
– E por que tentou se esconder aqui para chorar? Me conta o que
aconteceu.
Ela uniu as mãos, entrelaçando os dedos sobre o colo como num tique
nervoso, e fez de tudo para segurar mais lágrimas que ameaçavam sair.
– Descobri agora cedo que meu namorado me traiu – não aguentou e
se debulhou em lágrimas. – E eu estou grávida dele.
Deus do céu.
Naquele momento olhei ao redor e não via luz no fim do túnel.
Lindsay foi traída e estava grávida. Como viveria naquele momento tão
frágil, sem o apoio do homem que, além de ser seu amor, é pai de seu bebê?
Eu compreendia em partes o que ela sentia, pois passei por situações
parecidas. A diferença é que não cheguei a amar Malcolm e quando descobri
minha gravidez, ela já nem existia mais.
– Fique calma. Vamos averiguar e ver se seu namorado realmente
traiu você. Pode ter sido algum engano, não sei. Mas independente disso,
Lindsay, preciso que se enxergue no meio do que está passando. Você não é
uma figurante, é a protagonista. Está carregando no ventre um ser que
depende totalmente de você. Só você tem o poder de ajustar o destino dessa
história. – Levantei e estendi a mão para que ela segurasse firme com a sua. –
Vamos comer alguma coisa? Depois a gente pensa nas soluções. O que acha?
Os olhinhos dela, vermelhos e inchados, reluziram pela pequena
centelha de esperança que gerei dentro dela.
Mulheres precisam ajudar outras mulheres.
Infelizmente há muitas mulheres sozinhas nesse mundo gigante.
Sozinhas mesmo, sem nada as favorecendo ao redor.
Assim como eu no meio do Patriarcado. Uma mulher que deseja ser
vista e ouvida no meio de uma tradição masculina criada há séculos, passada
de geração em geração.
Não quis saber onde Malcolm estava, apenas estava ciente de que
sairia e voltaria tarde. Sábado geralmente era um dia em que ele trabalhava
em casa e nos víamos mais que o normal, ou íamos a algum evento
corporativo, ou viajávamos em nosso jato para os países próximos para
eventos, reuniões ou qualquer coisa concernente ao Patriarcado.
Eu, como sempre, era o enfeite de mesa em cada lugar que ia.
Ele não me deixava mais sozinha desde o acontecido com Enzo
naquele evento anual, mas também não me deixava a par de tudo que
conversava, muitas das vezes falando em códigos ou enigmas.
Tinha acabado de dar uma caminhada no fim da tarde, quando
retornei para casa e fui tomar um banho relaxante na banheira. Fiquei lá
pensando em toda a minha vida.
Na menina que eu era.
Na que eu estava me tornando.
Senti um calafrio fazendo meu corpo estremecer ao imaginar quem eu
seria no futuro.
– Estou com medo – sussurrei para mim mesma.
As circunstâncias nos fazem mudar. Eu não conseguia mais ter a
mesma perspectiva confiante e iludida sobre tudo, mas não era amargurada
nem má com as pessoas. Eu aprendi que o amor sempre resolve os
problemas, mesmo entendendo que nem todo mundo sabe o que ele significa.
Relaxei minha cabeça para trás, no apoio que havia na banheira, e
fiquei ali sob toda a espuma e água quente borbulhando, apenas aproveitando
o instante de paz.
Não sei quanto tempo passou, mas acabei cochilando ali mesmo, de
tanto que meu corpo estava relaxado.
O que me fez despertar foi a movimentação que senti na banheira.
Abri os olhos rapidamente e, sem pensar, levantei e peguei o vidro de
xampu que estava ao meu lado sobre o suporte, disposta a atacar quem
estivesse ali.
– Vai me matar com um xampu?
O infeliz me deu um susto tão grande, que foi difícil normalizar meus
batimentos cardíacos quando notei que não era ninguém a temer, apenas meu
marido idiota.
Ele já estava deitado do lado oposto do meu. A banheira era enorme,
cabiam umas quatro pessoas confortavelmente. Assim que me acalmei
percebi que estava de pé, nua com o xampu apontado para Malcolm,
enquanto ele fechou os olhos e moveu os braços debaixo d’água, como se não
tivesse quase me matado do coração.
– Levei um susto, seu... seu... – Quis xingá-lo, mas a vergonha falou
mais alto.
Odiava que Malcolm me visse nua sem minha permissão. Odiava.
– Seu marido maravilhoso e gostoso. Já passamos da fase da timidez,
Rivka. Lembra da nossa lua de mel?
Entrei novamente na água, me cobrindo por completo, e lá fiquei, sem
saber como reagir àquela invasão no meu banheiro particular.
– Lembro que você me deu medo. Lembro que me fez ficar nua
apenas para me dizer que sou sua e não tenho o que temer. Muito legal da sua
parte – ironizei. – Agora, se me dá licença, pode sair para que eu finalize meu
banho?
Ele afundou o corpo na água, me ignorando completamente. Depois
subiu, esfregou o rosto e disse:
– Não.
– Se sua prepotência fosse alimento, acabaríamos com a fome em
todo o mundo – resmunguei.
Se ele queria me provocar, que o fizesse. Minha paciência para lidar
com ele estava no subzero.
Então tive uma ideia. Uma ideia que o faria enlouquecer de vez.
Malcolm
Depois de falar com minha mãe, voltei com mil pensamentos em
mente durante o trajeto.
Não sou idiota, pude compreender naqueles três conselhos que ela
sabia sim de tudo. Minha mãe sabia como funcionava o Patriarcado.
Sempre soube.
Então ela sabia o que acontecia comigo na academia.
Será?
Não deixaria as dúvidas me consumirem. Precisava elaborar um plano
diferente de tudo que tenho feito até então. Percebi que jamais agiria como
meu pai. Jamais agrediria Rivka, nem a deixaria ser estuprada apenas para
provar que minhas decisões dentro da organização não são medidas por
sentimentos.
Pois esse era o motivo.
As leis para o líder eram as mais rigorosas.
Não podíamos ser sentimentais em absolutamente nada. Nada. Tudo
sempre devia ser pensado pela razão, pelo dever.
A família era importante, claro, mas as leis vinham acima de qualquer
coisa. O dever dentro da organização não podia ser revogado, anulado,
escapado.
Malcolm
Não sei de onde veio a ideia de contar meu passado para Rivka. Pôr
para fora tudo que passei fez com que eu voltasse no tempo, mas toda aquela
dor estava cauterizada e precisava me concentrar no presente. Na minha
função.
Minha esposa me tirava do foco constantemente e foi o que ocorreu
naquele começo de noite na banheira. O desejo latente me possuiu, e quando
pensei que ela seria minha, a maluca saiu rebolando, me deixando lá a ver
navios.
Já tinha entendido que precisava mantê-la distante de mim, e joguei
limpo ao revelar tudo para que ela enfim entendesse, mas parece que o
ambiente foi envolto por uma aura quente e sedutora, me fazendo ansiar por
possuí-la ao invés de afastá-la.
Nos beijávamos colados um ao outro com ela de costas na parede
enquanto eu a suspendia com meus braços. Era como se o beijo de Rivka
contivesse algum tipo de antídoto que apagava toda e qualquer racionalidade
dentro da minha cabeça.
Eu me encontrava em um estado que jamais tinha ficado antes.
A única coisa que eu queria naquele instante era fazê-la minha.
– Vamos fazer isso direito. – A pus no chão e puxei sua mão até a
cama.
Ela estava corada e ofegante, a visão do paraíso para mim.
Então a empurrei com um pouco de brutalidade para o colchão e ela
caiu de costas com os braços no alto da cabeça.
Os olhos dela brilhavam me analisando da cabeça aos pés, então a
instiguei ainda mais, me despindo lentamente.
Já estava sem a blusa, depois abaixei devagar a calça de moletom que
vestia, me deixando seminu.
– Quer fazer as honras?
Apontei para o foco de todo meu desejo por ela, que ainda estava
coberto pela boxer.
Ela rolou os olhos e riu.
– Como você é convencido. Se acha o gostosão mesmo?
Elevei o canto da boca, sorrindo de viés.
– Eu sou.
Já estava prestes a me despir por completo quando Rivka levantou,
sentando-se na minha frente, com o rosto na direção do único pedaço do meu
corpo ainda vestido.
– Eu tiro – disse ela com uma voz repleta de anseio.
Em seguida posicionou os polegares no canto do tecido sobre minha
cintura e abaixou de uma vez, me expondo por completo.
Vê-la olhando com tanta curiosidade e desejo para minha nudez fez
com que eu ficasse ainda mais excitado.
Então ela colocou a mão...
– Put... Ah... – soltei um gemido inesperado.
Ela não estava mesmo brincando.
Queria que Rivka fizesse tudo que já vi mulheres quase morrerem
para fazer comigo, mas entendia que ela não era como qualquer outra antes.
Era minha mulher. Minha esposa.
E sua inocência por ser intocada antes de me conhecer fazia com que
seus gestos fossem completamente curiosos, como o que fazia naquele
instante.
– Desculpa, eu... – Ela soltou a mão e me encarou assustada. – Peguei
sem querer.
Estava sentindo um puta orgulho dela e me sentia babaca por isso.
– Não fica com vergonha. Do mesmo modo que seu corpo é meu, o
meu é seu. Somos casados.
E para não constrangê-la ainda mais, a deitei novamente na cama e
assumi o comando. Faria com que ela jamais esquecesse daquela noite.
Rivka
Deus do céu! Eu tinha colocado a mão na intimidade do meu marido!
Socorro, Adonai!
Não sabia se era normal esse tipo de coisa, a gente só tinha feito sexo
duas vezes e nas duas eu mal o toquei, então... estava com medo de fazer algo
errado.
Mas pareceu que ele entendeu minha falta de experiência e me deitou
sobre a cama, se posicionando sobre mim e me despindo por completo.
Malcolm deslizou sua barba pelo meu pescoço, me fazendo arrepiar enquanto
nossas intimidades se chocavam. Eu me sentia como um forno no seu pico de
queimada.
– Relaxe, minha teimosa – sussurrou em meu ouvido.
Aquela voz rouca e sedutora que ele fazia me deixava vendo estrelas.
– Sou sua, é? – perguntei provocando.
Ele depositou beijos molhados perto da minha orelha e percorreu um
caminho de beijos até minha boca, em seguida afastou o rosto e disse:
– Só minha. Que não tenha dúvidas quanto a isso.
Sua ordem firme depois de ter me acariciado de modo tão gostoso me
fez sorrir. A pateta sonhadora estava lá dentro ganhando voz.
Antes dele voltar com suas carícias, aproveitei e perguntei também:
– E você também é só meu ou ainda preciso dividir?
Juro que tentei controlar a indignação que estava sentindo ao
perguntar. Mas eu sempre desconfiei que ele ainda me traía, desde a vez que
presenciei o fato.
Ele relaxou um pouco o corpo e abanou a cabeça em negativa, como
se pensasse que o que eu perguntei fosse algo idiota.
E o pior. Ele não me respondeu. Voltou a beijar minha bochecha,
seguindo para meu pescoço e indo até a outra orelha ainda não marcada.
Chegando lá, ele sugou o lóbulo me arrepiando por inteira e depois
sussurrou:
– Sou todo seu desde que me pediu um maldito namorado, linguaruda.
Confesso que saber daquilo me deixou bastante feliz, então trouxe seu
rosto para o meu e, depois de trocarmos olhares, o beijei sem precisar dizer
nada.
Rivka
Malcolm me satisfez de diversas formas, me mostrando que dá para
se ter prazer com uma variedade enorme de carícias.
Suas mãos habilidosas me faziam flutuar naquele colchão macio.
A cada vez que nos beijávamos, era como se um pedaço de um
enorme quebra-cabeças fosse posto no lugar. Sentia sua língua deslizar pela
minha e seus lábios macios me embriagavam como uma bebida forte.
Meu marido logo mostrou toda sua habilidade quando percorreu com
sua boca por todo meu corpo. Meus seios, minha barriga e até os lugares mais
inapropriados.
Ou não.
– Ai... – Fechei os olhos quando o senti em meu ponto mais íntimo.
Não demorou muito para que meu corpo se contorcesse e eu sentisse
como se fogos de artifícios estivessem explodindo dentro de mim.
E, logo depois, um alívio.
Malcolm levantou o rosto e ficou me olhando enquanto eu buscava
minha vergonha em algum lugar onde ela havia se perdido.
– Você fica tão linda em êxtase.
Tapei os olhos com as mãos, envergonhada.
– Meu Deus... não acredito que fizemos isso. – Sorri.
Ele tirou minhas mãos, deixando minha face à mostra, e me
presenteou com seu primeiro sorriso desde o dia que nos conhecemos.
Deus do céu, ele sabia sorrir!
E putz... era lindo.
– Vamos fazer muito mais. Venha.
Malcolm
Estava tentando ir devagar com ela. Rivka não estava acostumada
com a minha intensidade, mas seu pedido ousado me surpreendeu e fez com
que todo meu desejo por devorá-la do modo mais insano possível tomasse as
rédeas da situação.
Então me enterrei com força e mantive a pressão em cada estocada,
enquanto ouvia seus ofegares e gemidos que pareciam músicas aos meus
ouvidos.
Ela se segurava com força e eu já havia perdido completamente o
controle.
Variamos as posições enquanto estávamos ali na banheira, até que me
segurei para não chegar ao primeiro ápice.
Queria cansá-la mais um pouquinho.
A noite foi longa e cheia de êxtases.
Rivka e eu transamos em diversos cômodos da casa, até chegarmos ao
meu quarto. Confesso que não esperava aquela intensidade da parte dela e
isso me fez ficar bastante surpreso.
Estava me secando naquela madrugada após mais um banho e me fitei
frente ao espelho.
– Malcolm Samuels, o que está acontecendo com você?
Era a pergunta que valia um milhão de dólares.
Fui deitar vestindo apenas a calça de moletom que uso nos dias mais
frios, como aquele, apesar de estarmos quase no outono, e ao ver a mulher
que me satisfez nas últimas horas deitada ali em um sono pacífico e tranquilo,
eu suspirei.
Sim, suspirei como um ridículo.
Não queria admitir, mas a menina teimosa estava começando a se
enraizar sob minha pele de um jeito inesperado. Aquilo me dava medo e
preocupação.
Deitei ao lado dela e evitei olhá-la, ficando de barriga para cima,
encarando o teto pelo resto da madrugada até pegar no sono.
1 mês depois
Rivka
Cinco meses que estamos casados e finalmente conseguimos nos dar
bem. Malcolm é difícil, não escuta tudo o que eu tenho para dizer e às vezes
nossas opiniões batem de frente uma com a outra, mas tudo no fim das contas
acaba na nossa cama.
Sim, agora vivemos no mesmo quarto.
Convencê-lo de que não tem necessidade de termos tanta
individualidade assim foi difícil, mas ele entendeu e aceitou quando o
convenci da melhor forma.
Na cama tínhamos uma sintonia surreal, era como se existisse um
mundo separado do real e ali a gente conseguisse se conectar e se tornar nós
mesmos, sem leis, amarras, ideologias ou regras.
Ele às vezes até dizia coisas que jamais falaria fora do quarto.
Aquilo tentava me iludir, mas minha sobriedade foi forte e me
manteve fiel aos meus princípios. Eu nunca mais fui trouxa, pelo menos no
último mês.
Jamais cedi sem exigir o que penso.
Nunca o permiti que me usasse ao seu bel prazer.
O fazia me ouvir, querendo ou não.
Ainda tínhamos um longo trajeto nessa vida de casados para
caminhar, mas o fato de sermos amigos e confiarmos um no outro já estava
de bom tamanho.
Depois de jantarmos, subi sozinha para nosso quarto e ali fiquei
olhando da janela em direção ao portão. Conhecia meu marido quando estava
ansioso, e o modo como ele agiu durante todo o jantar depois de ter ido ao
escritório e voltado era sinônimo de ansiedade.
Algum segurança provavelmente viria entregar alguma informação,
ou algo do tipo.
Fiquei ali pela próxima meia hora, quando ele enfim saiu e voltou
com uma pasta na mão.
Saí da janela e me deitei na cama, fingindo que já estava dormindo.
Poucos minutos se passaram até que ele entrou no quarto. Abri um pouco os
olhos para ver, mas a pasta não estava nas suas mãos.
Uma pulga atrás da minha orelha coçou.
O que tinha de secreto naquela pasta que eu não poderia saber?
Malcolm
Esperaria Rivka dormir profundamente e voltaria para meu escritório.
Sobre meu investigador e segurança particular ninguém saberia, nem ela.
Deitei-me ao seu lado e ali aguardei, pois ela já estava dormindo
levemente.
Quando o sono pesado a atingiu, levantei de mansinho e segui rumo
ao meu escritório, lá tranquei a porta e finalmente abri a pasta antes de me
sentar à mesa e averiguar cada documento.
Fiquei ali lendo cada palavra lentamente para compreender os
fundamentos da investigação e mal pude crer no que descobri.
– Esse infeliz passou dos limites.
Depois que concluí cada página, pude constatar que meu primo seria
capaz de tudo para conquistar minha posição de Patriarca.
Ele é doente, só pode.
Ele foi capaz de envenenar o pai de Rivka, que acabou adoecendo
“naturalmente”, para que não levantasse suspeitas dentro da organização.
Além disso, sua intenção era que Rivka desistisse do nosso contrato
após a morte do pai e que eu perdesse o pagamento para entrada como
Patriarca.
Dentro da organização só assumimos o posto herdado com um acordo
bilionário que favorece a todos, e foi o que fiz ao casar com Rivka.
Se ela desistisse do casamento comigo, perderíamos a empresa
também. O pai dela sempre soube que um dia sua filha seria minha. Foi
através da ajuda do Patriarcado que a empresa dele tomou as proporções que
têm atualmente. Ele nos devia, então foi como se tivéssemos comprado seu
bem mais precioso em troca de tudo que demos a ele.
Mas Rivka tinha o poder de escolha, apesar de tudo. Podia anular
nosso casamento e eu simplesmente morreria.
Literalmente.
Porque ninguém além do Patriarca pode ter ciência de tudo dentro da
organização como eu sei. E se não sou mais o Patriarca, a morte é minha
sentença.
Enzo queria me matar de modo “limpo”, pelos olhos dele.
Segundo a investigação do detetive, Enzo também observava minha
mulher às escondidas e mandava espiões para vigiá-la quando saía. Mesmo
sendo poucas as vezes que ela ia sem mim na rua, sempre ia acompanhada de
algum segurança ou empregado da casa por precaução.
Ainda bem. A partir daquele momento nem isso ela faria sem mim.
Me multiplicaria por mil, mas não a deixaria sozinha.
As informações na folha também revelavam que a intenção de Enzo
era cativar Rivka e conquistá-la para que ela continue sendo esposa do
Patriarca quando eu morrer.
– Idiota. Nunca!
Os registros de conversas telefônicas, investigações corpo a corpo e
análise de dados estavam detalhados em cada página nas minhas mãos. Nem
o detetive mais eficaz de todo o Patriarcado concluiria algo em tão pouco
tempo quanto esse homem fez.
E aquilo me deu uma ideia.
Ele teria uma nova função além de detetive. Seria a segurança do meu
futuro.
Rivka
Oh, Adonai, me ensina a compreender melhor as situações que eu
passo!
Malcolm não me contou sobre a pasta e nem sobre quem veio
entregar. Eu estava preocupada, mas ao mesmo tempo ciente de que ele não
faria nada que pudesse me prejudicar.
Acho...
E era nesse “acho” que eu ficava andando de um lado para o outro no
meu quarto, pensativa. Para não enlouquecer, descia, ia até a cozinha, fazia
alguma das minhas invenções culinárias e conversava com Linda e Lindsay.
Inclusive, Lindsay está com o casamento marcado, disse que a traição
do namorado foi um engano e que ele amou saber que seria pai e a pediu em
casamento. Estava na torcida pela felicidade dela, assim como Linda também.
Minhas tardes eram passadas na biblioteca, quando eu não ficava
atordoada por meus pensamentos doidos. Lá eu lia sobre tudo, e estava
naquela semana lendo sobre serial killers.
Nunca tinha lido algo do tipo, então achei interessante.
Agradecia todos os dias pela manhã ao meu Deus por jamais tê-lo
esquecido nessa caminhada da vida, mas sim aprendido que não podemos nos
sujeitar a tudo aquilo que nos é imposto. Tinha acalmado meu coração e
abafado todo ódio e rancor que estava sentindo por Malcolm ter me ferido
tanto, e estava exercitando perdoá-lo um dia.
Ainda não conseguia, pois quando eu pensava em tudo, doía.
Mas sei que um dia o farei.
Estava sentada na biblioteca, lendo, quando o celular que mal uso
tocou.
Atendi de pronto sem verificar o número.
– Alô.
– Olá, querida esposa do Patriarca.
A voz parecia muito com a de Malcolm, então ponderei por
descontrair e responder com uma brincadeira, ou fingir que não entendia o
que diziam.
Optei por fingir que não entendia.
– O que disse? Quem fala?
– É a senhora Rivka Samuels?
Engoli em seco, estava suando frio de nervoso.
– Sim. Quem está falando?
Um silêncio perturbador reinou na chamada antes do homem dizer:
– O homem mais gostoso do universo, que faz você gritar alto de
prazer.
Ahhhh, idiota!
Fiquei aliviada por saber que era Malcolm, ao mesmo tempo que tive
vontade de esganá-lo pelo susto que tomei.
– Quero matar você. Levei um susto!
Ele riu do outro lado da linha.
Estava sendo bastante rotineiro ouvi-lo rir e vê-lo sorrindo.
– Esperava que fosse outra pessoa? Só eu ligo pra você, linguaruda.
– Pois é, mas não sei, ando muito desconfiada. O que você quer?
– Você. Esteja bastante relaxada hoje à noite, pois estou com muita
fome.
Mas... que abusado!
– Vai chegar que horas, mandão?
– Tarde. Hoje o imbecil do Enzo, junto com os caras dele, estão me
infernizando. Pena que as leis não me permitem matá-lo.
– Fica tranquilo. Vou te esperar.
Desliguei e me afundei na poltrona relembrando a promessa que
Malcolm fez para mais tarde. Se tinha algo que a gente se entendia bem
demais, era nessa fome que temos um pelo outro.
Malcolm
Tive que ir para meu carro estacionado na rua, para me distrair um
pouco falando com Rivka. O estresse estava dominando minha mente e toda a
cobrança que me faziam estava prestes a explodir minha cabeça.
Respirei fundo e contive minha excitação. Só de pensar na minha
mulher totalmente disponível para mim, me acendia.
Voltei para o prédio e enfrentei com força mais aquelas horas
agonizantes ao lado daquelas pessoas.
Malcolm
A cada noite que eu passava com Rivka, me sentia ainda mais
conectado a ela.
Ela me escutava, me dava suas opiniões e depois a gente transava
como se não houvesse amanhã. Quando finalmente fomos deitar, me
posicionei deitado de barriga para cima, olhando o teto com os braços para
trás cruzados sob a cabeça enquanto ela se enredava em mim como um bicho-
preguiça.
– Já parou para pensar em como seria se eu não tivesse perdido o
bebê?
No meio do silêncio pacífico, ela soltou a pergunta no ar.
O sono estava começando a me dominar, mas não podia deixá-la sem
resposta.
– Não. Eu não pensei nesse bebê desde que saí daquele hospital.
A verdade sempre é a melhor opção, e foi ela que decidi contar.
Não tinha desejo de ter um filho, era algo que nunca passou em minha
cabeça e verdadeiramente não sei nem como lidaria.
– Uau. Às vezes esqueço que não tem coração – ela murmurou com a
voz triste.
Tinha se chateado, que merda.
– Eu disse a verdade, Riv. Não consigo imaginar um bebê no meu
mundo. Foi até bom que ele não viesse.
O que eu disse fez com que ela se desvencilhasse do meu abraço e
sentasse na cama. Seu rosto se contorceu e a indignação se tornou nítida no
que ela falou a seguir.
– Como você tem coragem de dizer algo assim? Eu perdi uma das
coisas que mais desejava ter.
Ah, droga. Eu tinha dito algo tão mal assim?
Dei de ombros. Não tinha resposta para aquilo.
Ela respirou fundo e fechou os olhos enquanto sugava e soltava o ar.
– Tá. Eu evito pensar no bebê também para não reviver o momento,
foi doloroso, por isso não gosto de pensar. Mas um dia eu desejo ter um filho
e...
– Isso não vai acontecer. Está se medicando? Não teremos filhos,
ainda não pensei bem sobre esse assunto, mas por enquanto não teremos.
Voltei a sentar, deixando clara minha opinião que devia prevalecer
naquele instante.
– Estou me medicando, mas não entendo o motivo de não querer.
Passei a mão pelo rosto, já cansado da discussão que tinha acabado de
começar.
Odiava discutir com ela.
– Olha a minha vida, Riv. Olha o que eu passei. Acha que desejo que
um filho meu passe pelo mesmo? – expliquei, dizendo o que me veio em
mente naquele momento.
Não precisei pensar, apenas disse, e aquilo fez com que Rivka parasse
de falar e me encarasse em silêncio.
Ainda em silêncio, ela se deitou e foi dormir.
Soltei um lufo de ar, desejando apenas que o dia de amanhã fosse
melhor que o de hoje, e me deitei me entregando ao sono naquela madrugada.
Rivka
Sem que Malcolm sequer notasse, passei a noite chorando.
Simplesmente tudo estava fugindo do meu controle. Me contive em
falar do nosso bebê desde o ocorrido, apenas para evitar mais destroços, e no
momento em que pensei que meu marido já estava mais envolvido na nossa
relação, ele me mostra que não.
Malcolm não sente absolutamente nada por mim, nem por ele mesmo.
Nossa amizade se limitava aos conselhos e ao sexo. Tudo como uma
relação contratual deve ser.
Minha mente voou até a pequena menina de oito anos que viu aquele
garoto revoltado na cabana situada em meio ao gelo.
Eu não sabia no que estava sendo inserida, mas a cada dia tudo ficava
ainda mais claro.
Meu pai me vendeu para que a empresa prosperasse. Simples assim.
O Patriarcado nada mais é que uma empresa controladora de todos os
poderes mundiais possíveis. A empresa que meu pai fundou tinha tudo para
ser a melhor em âmbito mundial e eles viram isso.
Investiram na empresa e, como moeda de troca, eu fui dada a
Malcolm.
No fim das contas eles ficaram com tudo.
Eu não tinha mais nada que era do meu pai. Malcolm me mostrou o
inventário dele depois das nossas infindáveis discussões e lá eu vi que
realmente fui tratada como um objeto.
A empresa somente voltaria para minhas mãos caso me separasse de
Malcolm, com o risco de ser perseguida pelos outros acionistas do
Patriarcado ansiando pela potência bilionária que eu teria.
Minha vida seria um inferno.
Inferno por inferno, melhor viver com meu marido, que ao menos me
dá algo no meio do caos.
Estava estranhando minha frieza para lidar com essas situações, mas o
tempo me ensinou que há fatos que devem ser separados dos sentimentos.
Eu sentia que gostava de Malcolm, gostava de estar com ele apesar de
tudo que passei no início. Estava conquistando meu espaço na vida dele e
também estava gostando da minha nova vida, pouco a pouco.
Meu maior medo era acabar me apaixonando perdidamente e
esquecendo de mim mesma.
Quando citei o bebê, era a Rivka sonhadora quem ansiava por ser
mãe, e eu não podia abrir mão daquilo. Não podia.
Como colocaria na cabeça de Malcolm que um dia quero sentir a
dádiva da maternidade?
Não fomos visitar Adélia nos dias seguintes, Malcolm disse que
estava elaborando uma ocasião especial para que a visitássemos. Com visitas
demais a mãe dele poderia levantar suspeitas de conspirações dentro da
organização.
Eu não entendia muito o que ele queria dizer com aquilo, mas
concordei em esperar.
E assim passamos por mais um mês.
– Quer dirigir?
Malcolm e eu estávamos prontos para pegar estrada até a fazenda da
minha sogra. Sua picape pessoal era enorme e eu me sentia uma formiga lá
dentro, ele ainda queria que eu dirigisse.
– Tem tempo que não faço isso... Não sei.
Guardamos a bagagem e, quando ele fechou a mala, girou o chaveiro
com a chave no indicador, enquanto me olhava curioso.
– Quero ver suas capacidades condutoras.
Bufei.
Quando ele queria algo, ele conseguia. Mas eu era teimosa, não
cederia fácil.
– Na volta eu conduzo, preciso me adaptar com essa máquina enorme
primeiro.
Ele parou de girar a chave e apontou para si.
– Quando diz máquina enorme, se refere a mim ou ao carro?
O deixei falando sozinho e abri o carro, sentando-me no carona
enquanto o aguardava. Ele tinha um ego tão gigante que às vezes me dava
nos nervos.
Era pouco tempo de viagem e, pela primeira vez, eu lidaria com
Malcolm na estrada de uma forma nova.
Agora nós éramos cúmplices, amigos.
Rivka
Minha sogra estava radiante em nos ver. Correu e me abraçou assim
que descemos do carro. Ela dispunha de um porte físico bem conservado para
uma senhora acima dos sessenta.
– Ah, que saudades! – sua doce voz provocou sensações boas em meu
peito.
– Também estava com saudades, Adélia.
Nos afastamos e ela me olhou de cima a baixo, como se verificasse
cada ponto do meu corpo.
– Está bem? Tem se alimentado direitinho?
Sorri.
– Tenho sim, estou no meu peso ideal e com muita disposição, pode
confiar.
– Ô... muita mesmo.
Meu marido, que estava levando a mala para dentro sem pedir ajuda a
nenhum empregado, como sempre, soltou a pérola no ar, me fazendo
enrubescer na frente da mulher que o deu à luz.
– Hã... vamos colocar o papo em dia? Deixa só ajeitar minhas coisas
lá no quarto.
Caminhei rumo à casa com Adélia ao meu lado exalando alegria por
termos ido vê-la depois de cinco meses desde a última visita.
Ela disse que estaria na cozinha dando orientações sobre o almoço
enquanto eu e Malcolm nos ajustaríamos no quarto.
Assim que cheguei ao último cômodo do corredor daquela casa, vi
meu marido já abrindo a mala que trouxemos, retirando as roupas e pertences
de lá, pondo por sobre a cama.
– Hum... prendado – o provoquei depois de ter fechado a porta.
Caminhei até ele e o abracei por trás enquanto ele fazia seu trabalho
de organizar as roupas.
– Vai ficar aí pendurada em mim como um filhote de coala?
Inspirei fundo, mergulhando nas sensações que seu cheiro me trazia.
Malcolm cheirava a masculinidade pura. Um cheiro de sabonete com um leve
toque amadeirado, intenso. Mesmo dirigindo por um tempo longo dentro de
um carro desconfortável, o homem se mantinha cheiroso. Como pode?
– Estou um pouco cansada da viagem, que tal relaxarmos um pouco?
Um banho, talvez?
Ele ficou ereto, deixando as roupas de lado e se virou, pondo-se de
frente para mim.
Elevei um pouco meu rosto para que nos olhássemos nos olhos. Ele
era um tanto mais alto, o que fazia com que minha altura batesse em seu
pescoço.
Malcolm segurou meu rosto com suas duas mãos e depositou um
beijo suave na ponta do meu nariz.
– Conheço suas intenções. Não estamos em casa, que tal darmos uma
atenção à minha mãe por agora e depois nos trancamos aqui – aproximou a
boca coberta pela barba cheia em meu ouvido, fazendo com que seus pelos
me causassem arrepio –, e eu faço tudo o que você desejar?
Não era todo dia que ele estava assim, de bom humor, mas parecia
que o clima caloroso e acolhedor da fazenda de sua mãe o deixava mais...
vulnerável.
Fechei os olhos, suspirando ao imaginar tudo o que eu desejava que
ele fizesse.
Estava me tornando uma maníaca!
Adonai que me perdoe e ajude!
Rivka
Fiquei por algumas horas trancada naquele quarto, chorando, quando
decidi me encarar no espelho do banheiro suíte.
Estava derrotada para quem quisesse me ver.
Usada.
Era como eu me sentia.
Sem alma.
Era como eu desejava ser.
Insensível.
Era a única coisa que pedia a elohim naquele momento.
Que eu não sentisse absolutamente nada por ninguém. Não podia
colocar meus sentimentos em jogo naquele instante.
Era uma decisão racional, precisava ser.
Malcolm assinou o maldito contrato, claro que ele assinaria. Tudo que
passou a vida inteira o preparou para ser essa droga de Patriarca, ele não
deixaria de assinar o que fosse.
Mas eu ainda tinha uma opção.
Deixá-lo para sempre e abrir mão de tudo aquilo que meu pai
construiu com tanto sacrifício. Não me importaria em recomeçar a vida
pobre, sem ter para onde ir ou onde morar. Procuraria por Doralice e pediria
ajuda, não sei.
Eu sairia daquela situação. Não consigo admitir que uma mulher
possa se sujeitar a tantas barbaridades.
Ser abusada por sete homens?
Estar disponível para quem quisesse?
Ser abusada de dez em dez anos apenas para que saibam que Malcolm
não sente nada por mim?
De onde essas regras malditas saíram???
Lavei o rosto, limpando os vestígios de maquiagem leve em meu
rosto que as lágrimas tinham detonado.
Respirei fundo, controlando a vontade de continuar chorando, e me
olhei bem naquele espelho.
– Você não nasceu para isso, Rivka. Seus sonhos morreram por
completo. Não vai realizar nada. Que tal se entregar à morte?
Quando pensei naquilo, uma voz dentro de mim disse:
– Não.
Então me ajoelhei fraca no chão, entregue.
– Adonai... por quê?
Já era noite quando senti braços me carregando no colo e me
colocando sobre um colchão macio.
Tinha dormido no chão do banheiro, após voltar a chorar todas as
lágrimas existentes em mim.
Não abri os olhos, não precisei abrir para reconhecer a pessoa dona do
cheiro inconfundível para minhas narinas.
Apenas me permiti descansar, estava exausta física e emocionalmente.
Malcolm
– Ela vai me deixar. Se ela me deixar, eu vou morrer. Eles irão me
matar!
Entrei desesperado na biblioteca, depois da minha tentativa de falar
com Rivka ter sido um fracasso.
Minha mãe levantou e veio até mim com seu olhar cheio de
compaixão. Eu sabia que ela não tinha revelado tudo para me prejudicar,
queria apenas ajudar.
– Filho, eu queria contar a ela como foi comigo. Como eu e seu pai
conseguimos passar por muitas dessas cobranças. Tivemos que abrir mão de
algumas coisas para que pudéssemos ser felizes e criar você como deveria.
Ela me abraçou e eu retribuí o gesto.
Não conseguia me manter calmo, então logo me desvencilhei e voltei
a andar em círculos com as mãos em punho, abrindo e fechando.
Nunca tinha ficado daquele jeito. Estava fora de controle.
– Ela vai embora, mãe. Vão cobrar tudo que fizeram pela empresa do
pai dela e ela ficará na sarjeta. Enquanto eu serei executado por não cumprir
minha função. Não há piedade e exceções, mãe. Não há.
Minha alma estava agitada, minha mente embaralhada. Eu só queria
que tudo aquilo se fodesse e Rivka me ouvisse.
Não estava me importando tanto com a organização como antes.
Aquilo me chocou na mesma intensidade que o fato de saber que ela
irá embora e eu morrerei.
– Não vai acontecer, filho. Vamos pensar em alguma coisa. Logo ela
se acalma e a gente conversa melhor. Podemos elaborar algum plano, talvez.
Adélia tentava ser confiante, mas eu sabia a verdade: não havia saída.
Rivka
Dentro do meu peito, uma chama ardente me pedia para ficar. Era a
maldita paixão que eu alimentava pelo meu marido. Mas eu dei voz à razão e
continuei firme no que havia decidido.
– O quê?
Ele perguntou, atônito.
Sem dizer nada, eu peguei a mala novamente e comecei a andar até a
porta, rumo à minha nova vida. Em breve não seria mais a senhora Samuels e
conquistaria pouco a pouco a vida que sempre sonhei.
Malcolm, porém, levantou rapidamente e correu até a porta, se
interpondo a ela com o corpo.
– Precisamos conversar. Por favor. Me escuta.
Em outro momento eu admiraria o “por favor” saindo da sua boca,
mas não dava mais para aceitar aquelas migalhas quando sabia que poderia
ser usada como objeto sexual de homens cruéis a qualquer momento.
– Está decidido, Malcolm. Eu vou e você não vai me impedir.
Proferi com todas as forças que consegui reunir e olhei bem fixo para
aqueles olhos azuis. Não queria ficar tanto tempo no mesmo ambiente que
ele, com medo de acabar sendo influenciada por qualquer coisa que ele fosse
dizer.
– Se você for, eu serei morto.
Ele estava sério, sem piscar nem titubear.
– Eu não tenho saída, Rivka. Nossa separação é a minha sentença de
morte. Minha maior falha como Patriarca e, consequentemente, a destruição
do legado do meu pai. Irão me matar e depois matarão minha mãe, por não
ter mais utilidade alguma.
Fechei os olhos e os pressionei enquanto digeria a informação. Não
acreditaria em qualquer coisa, queria provas.
– Não vou me submeter a nada por sua causa, Malcolm. Já não basta
tudo o que sofri para que ao menos me aceitasse? – Respirei fundo,
controlando as emoções. – Nem tudo é sobre você. Seu argumento é apenas
esse, que pode morrer. E eu? Onde eu fico nessa história? Posso ser usada
como uma boneca inflável e tudo bem?! E se eu não tiver filhos homens,
daqui a trinta anos você é obrigado a me matar. Olha que lindo! –
ironizei, sentindo as lágrimas deixando meus olhos sem que eu
precisasse invocá-las.
– Por favor, Riv... vamos dar um jeito.
– UM JEITO? – Elevei minha voz e joguei a mala no chão para me
aproximar daquele babaca. – Você só pode ser doente mesmo.
– Acha que não estou atordoado por conta disso? Pensa que não fico
remoendo esse maldito contrato dia e noite o tempo inteiro na minha cabeça?
Eu passei por tudo o que passei na minha infância, e você sabe bem como foi,
passei tudo o que passei na adolescência e vida adulta para assumir o posto
do meu pai. Desde o começo eu te avisei que o Patriarcado vinha antes de
tudo para mim. É meu dever.
– Foda-se o seu dever! Eu quero ter uma vida normal!
Soquei o peito dele, já chorando como uma criança.
Será que ele seria eternamente esse homem sem coração?
Nada que vivemos até então havia valido a pena?
Qual seria a melhor saída, afinal?
Ele segurou meus punhos e colou seu rosto no meu.
– Vamos dar um jeito. Eu prometo.
Malcolm
Ela não quis me ouvir.
Ela estava decidida a ir embora.
Ela estava pouco se lixando para o fato de eu ser executado assim que
nos separássemos.
Aquilo doeu. Doeu mais do que qualquer dor que eu tinha sentido e
sofrido em minha vida. Foi uma dor nova. Uma dor... profunda.
Rivka saiu do quarto com a mala e eu já não sabia mais o que fazer.
Fiquei parado no meio do quarto, olhando ao redor, buscando na memória o
momento em que eu me perdi.
Estava perdido.
Estava... sem rumo.
– O que vai fazer?
Karl me olhava com medo. Jamais tinha visto medo em suas írises.
Mas daquela vez era eu quem detinha todo o poder.
Tinha só treze anos e sabia que talvez jamais teria a chance de vê-lo
novamente caso ele se formasse na academia. Poderia ser enviado para
algum país e nunca mais teria a chance de me vingar por tudo que ele me fez
nos últimos anos.
– Não importa.
Respondi frio.
Estávamos em um galpão abandonado no final do quarteirão onde
ficava a academia. O segui quando encerramos as atividades de sexta e cada
um foi liberado para ir para suas casas. Eu sabia que ele ia embora sozinho,
estava estudando cada passo dele há anos.
Apenas elaborei a emboscada perfeita.
Lá estava ele, amarrado à barra de ferro no meio do galpão, com as
mãos e pés atados e nu.
– Como deseja morrer? Pedaço a pedaço ou queimado ainda vivo?
Ele começou a se debater, tentando se livrar das amarras. Achou que
eu era idiota e não sabia dar nós. Aprendemos tudo dentro da academia,
desde como amarrar uma pessoa até os pontos mais vitais de seu corpo para
uma possível tortura.
– Eu-eu... Me desculpa! Não quis fazer tudo aquilo com você, eu só
fazia porque...
– Pedaço a pedaço então, certo? – o ignorei e abaixei para pegar as
facas que havia preparado na semana anterior e guardado ali, num
esconderijo.
Quando Karl viu a pequena faca afiada, gritou.
– Socorro! Estou sendo vítima de um serial killer!
Comecei a rir. Sim, eu gargalhei da sua ideia idiota.
– Serial killer? Um garoto de treze anos te torturando é demais para
nossa mídia podre digerir.
– Babaca! Eu devia ter matado você! Te odeio desde o dia que entrou
nessa porra de academia! Eu mandava em tudo. Todos obedeciam às minhas
ordens. Eu era o chefão da academia e se tudo desse certo, sairia com
honras para chefiar grandes organizações criminosas dentro do Patriarcado.
Mas o herdeirozinho do maioral teve que entrar e tirar toda a atenção e o
foco que as pessoas tinham em mim. Era “futuro Patriarca pra cá”, “futuro
Patriarca pra lá”. E eu?
Cruzei os braços e fiquei ali, de frente pra ele, apenas ouvindo.
Minha feição imutável demonstrava que não, eu não estava com dó daquele
maldito.
– Queria apenas mostrar quem mandava em tudo no primeiro dia.
Mas a cada dia que passava você tomava mais o foco. Eu não queria fazer
tudo o que fiz, mas você mereceu.
Fechei os olhos e me forcei a não lembrar as malditas torturas que o
inútil havia me feito.
– Vamos acabar com isso.
Lacrei a boca dele com uma fita rígida e, usando a faca, comecei a
cortar seu peito e seus braços, contando por cada dia que eu fui abusado
física, sexual e psicologicamente.
Depois de contabilizar os mais de dois mil cortes em seu corpo,
comecei a tirar os pedaços dos lugares que ele usava para me ferir. Cada
dedo das mãos foi arrancado, unindo-se a outros órgãos.
Fiquei ali, por horas, fazendo minha obra de arte e executando minha
vingança.
No fim de tudo, ele já não tinha sangue, nem fôlego, nem vida.
– Eu venci – sussurrei ao vê-lo despedaçado perante mim.
Nesse dia eu andei por horas sem rumo nas ruas, fazendo de tudo para
que minha consciência não me incriminasse. Foi minha primeira morte. A
primeira vingança.
Aquilo também me trouxe alívio em saber que não sofreria mais por
causa da existência de Karl no mundo.
E a partir dali fiz uma promessa a mim mesmo: jamais permitiria que
me manipulassem e subjugassem. Eu seria dono de mim.
A sensação de ter o controle sobre mim, de ser meu próprio dono,
estava em risco. Meu peito doía, mais do que nos dias em que fui torturado
em minha infância.
Eu estava morrendo, antes mesmo de morrer.
Fui para o banheiro suíte e tirei minha blusa.
Encarei-me no espelho, inspecionando o tipo de homem que eu era.
– O que você é, Malcolm? Me diga.
A pergunta retórica ficou no ar, e a dor lacerante me consumia mais e
mais.
Pude sentir meus olhos começarem a arder e, por instinto, peguei uma
lâmina de barbear disponível. Observando-me através do espelho, perpassei o
lado cortante sobre meu coração, fazendo um X.
Sabia que minha solução era somente aplacar uma dor com outra pior,
mas a dor da lâmina não chegava aos pés da dor que eu estava sentindo lá
dentro.
– Que coisa maldita.
A lâmina e eu ficamos duelando por toda minha pele, e por onde eu a
passava doía, mas ainda não era o suficiente.
Meus olhos fitaram o chão, quando comecei a sentir as gotas de
sangue escorrendo por meu corpo, mas isso não fez com que eu desistisse de
me ferir.
Precisava me curar daquela dor intrínseca e agonizante.
Já tinha me marcado completamente em meu peito, decidi continuar
nos braços e, se não fosse o suficiente, cortaria minhas pernas e assim por
diante.
– Vamos. Acaba logo!
Era uma súplica à dor da minha alma, que não queria me abandonar.
Quando pensava nela, doía ainda mais.
Queria me ferir até a morte, me fazendo pagar pelo que fiz a Karl,
talvez?
Não sei quanto tempo fiquei ali, mas em um momento me senti fraco
e precisei sentar.
Havia perdido muito sangue.
Rivka
Eu não conseguia parar de chorar.
As lágrimas me desobedeciam, assim como a palpitação forte em meu
peito, me avisando que eu estava me enganando achando que seria feliz um
dia.
Não seria.
Estava presa ao homem sem coração e aquilo me deixava com ódio de
mim mesma.
– Eu te odeio, Malcolm! Te odeio!
Gritei socando o volante de sua picape.
Sabia que ele poderia me encontrar, se quisesse. Mas era tão fraco e
babaca que nem veio atrás de mim. Até o último minuto eu acreditava que ele
jogaria tudo para o alto e diria algo como “vamos fugir juntos, seremos
felizes, vamos recomeçar!”.
Mas não.
Ele ficou lá com seu maldito Patriarcado.
Queria que eu acreditasse que poderia morrer caso nos separássemos,
mas a verdade era que seu ego era tão inflado que não suportaria perder nada,
nem sua mulher. Essa era a verdade.
Era posse, não era amor.
Nunca foi nem nunca seria amor.
Estava quase chegando na cidade vizinha, quando meu celular tocou.
– Alô.
A voz preocupada de Adélia me fez parar no acostamento para prestar
atenção ao que dizia.
– Menina, preciso que me ajude. Meu filho está morrendo, ele está
perdendo quase todo o seu sangue. Volte, por favor. Já chamei meus médicos
particulares, mas eu suplico que retorne. Nunca o vi assim antes. – Então ela
soluçou e continuou, com a voz trêmula de choro. – Ele nunca ficou assim,
menina. Por favor, volte. Não quero perder meu único filho.
O desespero nítido na voz dela causou um reboliço em meu estômago
e uma aflição em meu peito.
Desliguei a chamada sem responder, não conseguia falar nada.
Abaixei a cabeça na altura do volante e respirei fundo.
– Não importa. Não posso voltar. Ele não é mais problema meu. Não
importa.
Repeti as frases curtas como mantras, mantendo minha mente no
controle do meu coração, que retumbava contrariado e preocupado com
Malcolm, e quando menos percebi já estava chorando desenfreadamente,
ligando o carro para fazer o retorno.
Malcolm
O incidente que ocorreu comigo me provou duas coisas:
Eu só morreria quando eu quisesse.
Eu precisava de Rivka mais do que pensava.
Estava cansado de não perceber o quanto ela era importante na minha
vida. Não sabia ao certo o que sentia, mas havia decidido me permitir sentir.
Era um homem completamente destroçado, não sabia lidar com essas
coisas emocionais, mas eu faria de tudo para que ela ficasse por perto.
Constatar aquilo foi difícil, pois ia contra tudo o que levei a vida
inteira construindo. A minha devoção ao Patriarcado e a honra que precisava
dar ao meu pai.
Só que Rivka havia se tornado peça fundamental na minha vida. Não
queria e não podia perdê-la, e não era pelo medo de ser morto.
Eu simplesmente precisava dela.
Ponto.
Rivka fez como eu havia pedido, não saiu do meu lado na cama pelo
resto do dia, e ficou lendo em voz alta um livro de suspense da biblioteca da
minha mãe.
– Está fácil demais de resolver esse mistério. Quem sabe de tudo é a
vizinha velha. Tá na cara.
Comentei quando ela havia finalizado um capítulo, antes de começar
o outro.
– Você é um chato. Quero ler tudo, tem como parar de ficar chutando
as soluções do final da história? O autor pode nos surpreender.
– Livros são previsíveis. Sou perito nessas coisas de achar soluções
em diversas situações.
Rivka fechou o livro e levantou um tanto revoltada, batendo os pés ao
invés de andar normalmente.
– Não quero mais ler por hoje. Você não sabe apreciar uma boa
história.
Ela foi ao banheiro depois de guardar o livro e retornou com todo o
material de cuidados médicos para me tratar.
Era a hora do banho. Que tortura.
– Você faria o mesmo que seu pai fez pela sua mãe, por mim?
No caminho de volta para casa Rivka perguntou, um pouco
amedrontada. Era de se esperar que ela tivesse medo. Tinha descoberto tudo
em poucos dias, sua realidade mudou completamente com isso.
– A pergunta é: você faria o que minha mãe fez, por mim? Porque eu
jamais te obrigaria a fazer. Só que eu preciso que saiba que eu não farei o que
meu pai fez, farei ainda melhor. Ninguém jamais saberá e nem tocará um
dedo em um fio de cabelo seu.
Um embrulho congelante se fez em meu estômago, gerando uma
sensação nova dentre todas as recentes. Medo, insegurança talvez?
Queria que ela respondesse que faria de tudo para estar ao meu lado,
porque, putz! Eu faria até a pior loucura para jamais perdê-la.
Ela estava ainda pensativa, dirigindo concentrada na estrada. Levei
minha mão até a sua e a envolvi.
Precisava daquela proximidade.
– Eu faria – suspirou. – Mas quero que saiba que você não merece.
Sorri e trouxe a mão dela para depositar um beijo.
– Essa é a minha garota.
Rivka
Tinha acabado de comprar vários conjuntos de lingerie maravilhosos
e alguns acessórios especiais. Queria que nossos próximos dias fizessem com
que nosso vínculo se estreitasse ainda mais e que ele pudesse enfim amolecer
completamente para mim.
A gente lutaria contra todas as regras mais absurdas por aquilo que
acreditávamos.
Sim, pode me chamar de trouxa, louca, iludida... Mas eu sabia que
mesmo que meu marido não sentisse o que eu sinto por ele, ele tinha algo que
nunca poderia ser questionado:
Senso de dever. Lealdade.
O que ele prometia, cumpria. Quando ele empenhava sua palavra,
levava até o fim.
Era sincero, real. Não me enganava com falsas promessas, me
mostrava o que era e ponto.
Aquilo no fim das contas me trouxe uma segurança de que um dia
sairíamos daquela situação vitoriosos.
Mas, no momento em que estava andando pelos corredores do
shopping para encontrar Malcolm, fui puxada para dentro de um corredor
estreito lateral.
Lá, um velho horroroso grudou seu peito no meu e levantou uma arma
na minha costela, disfarçando para que ninguém que passasse perto dali visse.
Não deu tempo de eu reagir ou pedir socorro, o susto me tirou todas as ações.
Eu perdi a cor, mal percebia o que estava acontecendo.
– Quietinha.
Estava sentindo falta de ar, medo e desespero. Pude perceber que
suava frio no instante em que ele sussurrou em meu ouvido tais palavras:
– Você vem comigo em silêncio, sem levantar suspeitas. Qualquer
movimento brusco eu ativo esse controle – mostrou um botãozinho pequeno
na mão, que combinava com o outro botão que ele colou no meu braço – e
você simplesmente pega fogo e morre como uma palha seca.
Meu peito subia e descia num ritmo frenético em busca de ar. Não
consegui pensar, apenas obedeci ao que o velho disse, e assim andei ao lado
dele como um robô até o lado de fora do shopping, onde entramos em uma
minivan.
Quando ele me colocou lá dentro, havia outros homens com seus
rostos cobertos me aguardando. No instante em que um me puxou para dentro
como um saco de batatas, o outro enfiou algo no meu pescoço que me fez
apagar em segundos.
Não sei quantas horas haviam passado, mas estava apagada por um
bom tempo. Quando novamente abri meus olhos, já não estava mais presa
suspensa em uma parede. Estava deitada em uma maca fria e desconfortável,
com as mãos algemadas ao ferro lateral da maca.
Elevei um pouco o pescoço para ver minha situação, eu estava
molhada e com um odor terrível, como se tivessem urinado em mim.
A sala não era a mesma, era outra e tinha uma pequena janela
quadrada no alto, que mostrava ser começo do dia ou o fim, devido à leve
escuridão.
Fiquei ali avaliando minha vida e a situação em que me encontrava.
Senti saudades da minha infância, das pessoas queridas que passaram pela
minha vida. Saudades de Dora, que nunca mais vi desde que casei. Saudades
de meu pai, que por mais que tivesse me vendido, nunca me tratou com
desprezo e sempre me deu carinho.
Então pensei em Malcolm e em como ele estaria naquele momento.
Será que estava me procurando?
Será que estava preocupado?
Um soluço solitário saiu da minha garganta, avisando que a
intensidade da tristeza tinha abalado minha alma de tal maneira, que daquela
vez foi ela quem chorou.
Lá dentro, no mais recôndito e oculto, eu sentia minha alma gemer em
dores, chorando por tudo aquilo que eu estava vivendo.
Com certeza Adonai não tinha preparado aquela vida para mim.
Rivka
Não consegui mais dormir.
Percebi que era manhã, quando o sol lá fora se intensificou. Mas eu
ainda estava presa à maca no canto do quarto.
Logo alguém entrou naquele lugar, me assustando.
— Garota. Vai tomar um banho e vestir essa roupa. — Jogou um
conjunto de moletom preto em mim. — Estará livre em poucas horas.
Como?
Estarei livre?
Não quis raciocinar muito sobre o que havia ouvido, apenas aguardei
o homem me soltar das algemas e me ajudar a levantar para ir ao banheiro
que ficava numa portinha quase invisível no canto daquele quarto.
Percebi quão fraca eu estava quando a vertigem me atingiu assim que
levantei.
Estava sem noção de tempo, nem lugar. A dor da fome já nem doía
tanto quanto nas primeiras horas.
O homem me acompanhou somente até a entrada do banheiro e me
soltou. Me segurei no batente da porta para não cair e pedi forças a meu
Deus.
Precisava continuar viva e sóbria.
O banheiro era minúsculo, mas ali consegui tomar um banho gelado,
porém acalentador. Era como se as águas torrentes despencassem sobre mim
e levassem embora cada gemido de dor que tive nas últimas horas.
— Por quê? — soltei em meio à minha aflição.
Minhas mãos mantinham meu corpo firmado ao segurar na parede
enquanto eu sentia a pequena chuva, e rios jorravam de meus olhos fazendo
um mix onde eu não sabia mais o que era lágrima e o que era banho.
A única coisa que eu sabia era que aquilo tinha de acabar.
Malcolm
Estava andando de um lado para o outro dentro daquele maldito
galpão.
Em pouco tempo Rivka seria entregue a mim e voltaríamos para casa
em paz.
Queria poder usar todos os meus poderes e influências para matar
todos os envolvidos um a um, mas não era a hora. Ainda não era a hora.
Não me arrependo do que tive que fazer para que me devolvessem
minha esposa.
Não era justo que ela sofresse ainda mais do que já sofrera nos
últimos meses.
— Vamos... Vamos... Chega logo...
Murmurei ansioso enquanto caminhava ali dentro do local
abandonado. Ótimo lugar para um ponto de encontro. No meio do nada, sem
rastreio do mapa, sem vigias nem vizinhança.
Enquanto aguardava, pude olhar para mim mesmo. Um homem de
preto da cabeça aos pés, com a alma podre e as mãos sujas de sangue. Quem
daria realmente valor a uma pessoa como eu?
A jaqueta de couro que eu usava jamais valorizaria o produto que a
veste, nem a calça das marcas mais caras, ou o calçado de maior valor.
Eu já estava perdido, mas ela me enxergou.
Isso não tinha preço em nenhum lugar do mundo.
Longos minutos se passaram até que uma minivan preta estacionasse
do lado de fora. Me escondi para ver quem estava ali, porém foram tão
inteligentes que apenas enxotaram Rivka para fora e partiram sem nem saber
se havia alguém esperando por ela.
Meu carro estava do outro lado do galpão, fora da visão de quem
chegasse.
Assim que vi a minivan se distanciar o suficiente, concentrei-me
naquela mulher de cabeça baixa e braços envoltos em si mesma.
Ela estava em cacos.
Maldição!
Rivka não se movia. Da mesma forma que a puseram para fora, ela
ficou. Parada no meio do nada, olhando para o chão, sem sentido.
Então eu saí e fui andando até ela, lentamente.
Meu coração retumbava acelerado com a proximidade da mulher que
tinha um poder enorme sobre mim e mal sabia.
Nem eu sabia ao certo quão poderosa ela era.
— Riv?
Parei à sua frente e estendi minha mão, para que ela me notasse.
Seu rosto foi se revelando aos poucos, ao passo em que ela levantou a
cabeça.
Quando os olhos cor de chocolate se fixaram aos meus, ela os
arregalou.
— Malcolm? — perguntou com a voz chorosa, derramando lágrimas
finas pelo rosto. — É mesmo você?
Pude sentir um golpe em meu âmago ao ouvi-la dizer aquilo. O que
tinham feito à minha menina teimosa?
— Sou eu... Sou eu. — A envolvi com meus braços e ela relaxou,
liberando seu soluço entalado na garganta para chorar. — Vai ficar tudo bem.
Eu prometo.
Depositei um beijo no topo de sua cabeça e a mantive sob meu abraço
por um tempo, ela precisava se sentir segura.
E eu precisava me sentir novamente em paz.
Rivka
Algumas semanas desde o meu sequestro se passaram.
Malcolm não me contou como fez para que me libertassem, apenas
disse que foi simples e que faria quantas vezes fossem necessárias.
Ele estava muito cuidadoso comigo, como nunca foi antes.
Era como se meu marido finalmente fosse tudo aquilo que um dia eu
havia sonhado. Malcolm era um novo homem somente para mim.
Ele avisou que delegou várias funções dentro do Patriarcado e não
precisaria mais estar tão presente assim, e falou que conseguiu uma liberação
da cláusula que faz com que eu seja abusada no nosso aniversário de um ano,
invalidando-a.
Sinceramente eu não queria nem imaginar o que ele possa ter feito
para conseguir.
Ninguém conseguiu antes e ele tinha conseguido em dois dias — que
foi o tempo em que eu estive cativa.
Confesso que a curiosidade era grande, mas ele insistia em dizer que
estava tudo sob controle.
Sua mãe ligava mais vezes para nós e eu me sentia muito bem
conversando com ela. É uma mulher forte, cheia de ideais e princípios.
Nossas conversas sempre chegavam no mesmo assunto: livros.
Nossa paixão pela leitura fazia com que a relação sogra e nora fosse
um paraíso.
Já estava há sete meses casada com Malcolm e pela primeira vez ele
lembrou.
— O que faremos para comemorar?
Eu estava preparando as panquecas da manhã antes que ele
despertasse, mas foi só eu sair da cama que o bendito acordou.
Lá estava ele, me agarrando pelas costas trajando somente uma calça
de frio, enquanto eu tentava fazer nosso café.
— Se você me deixar fazer as panquecas, poderemos comemorar
daqui a pouco.
— Rum — resmungou —. Comemorar comendo panquecas? Não tem
algo melhor?
Virei o rosto para o lado e o encarei em desafio.
Esse homem anda muito mal-acostumado.
— Deixa de ser abusado! Só por conta disso vamos comemorar no
ringue!
Ele riu e me largou, murmurando algo como “quero ver se tá pronta
pro que eu quero”, enquanto caminhava até a sala de jantar.
Meu coração era grato por ele ter me resgatado. Não sabia o que seria
de mim caso Malcolm não desse seu jeito, aquilo foi uma grande prova de
que sou importante pra ele, e mesmo que ele não diga com todas as letras, eu
me sentia especial.
Me sentia além do que desejada. Ousaria dizer que me sentia amada.
Ele me pediu perdão por todo mal que me causou no começo do
casamento e eu o perdoei com muita facilidade. A verdade era que meu
coração já o tinha perdoado, mas quando ele mesmo pediu o perdão, foi como
se realmente o peso da mágoa tivesse se libertado de mim.
Finalizei as panquecas e levei até a mesa. Ficamos lá conversando
descontraídos e comendo, até que Linda apareceu.
— Gosto quando vejo vocês assim — apenas comentou e continuou
seu rumo até os quartos onde pretendia arrumar.
Malcolm e eu rimos.
— Ela é um amor — comentei com ele, finalizando minha panqueca.
Ele, que ainda tinha várias no seu prato, engoliu o pedaço que
mastigava e deu de ombros.
— Sempre foi. Linda é uma peça rara, como da família.
Assenti e continuamos nosso desjejum enquanto também falávamos
de assuntos triviais e rotineiros. Malcolm me contou que o Patriarcado
entraria em uma negociação histórica nos próximos meses e disse que
beneficiaria muito nossa vida.
Algo me dizia, bem no fundo, que eu teria alguma surpresa até o final
daquele dia.
Só esperava ansiosamente que, em algum momento, eu e meu marido
ficássemos a sós em nosso santuário particular — vulgo quarto —, porque lá
eu tinha certeza de que não haveria nenhuma pendência a ser resolvida.
Malcolm
Nas últimas semanas fui bastante sigiloso ao preparar a surpresa para
Rivka. Nosso dia mensal, onde comemoramos mais um mês desde o
casamento, era o momento ideal para revelar a ela o que estava elaborando.
Pude contar com a ajuda do homem que ninguém sabia da existência:
meu detetive e segurança secreto. Ele correu atrás de tudo para que pudesse
fazer a surpresa ideal.
Rivka ficaria radiante.
Naquele começo de noite, enquanto ela verificava tudo sobre roupas,
acessórios e outras coisas femininas, eu dei uma saída e me encontrei com
Joshua, meu detetive.
— Sua invisibilidade e eficiência são inacreditáveis.
Comentei assim que o vi, naquele bar nas ruas mais movimentadas de
Londres, servindo bebida.
O homem conseguia se passar por tudo e ninguém o via. Era invisível.
— Obrigado, senhor. Estou com o que me pediu e também carrego a
pasta que contém as fotos do projeto para o local que imaginou.
Ele passava de um lado para o outro, discretamente, servindo as
pessoas.
Quando voltava até mim, continuávamos nosso diálogo.
— Onde posso pegar? Há como colocar em minha maleta? — Mostrei
sem muito alarde a maleta que carregava.
Ele assentiu e pediu licença para ir ao toalete. Como o local estava
abarrotado de gente, esperei um pouco e também fui ao banheiro, mas ele não
estava lá. O que Joshua fez foi simplesmente pegar minha maleta no meio do
tumulto sem que eu visse, e depois me entregou pelos corredores do banheiro
sem que eu também nem percebesse de onde ele estava vindo.
Fui embora dali depois de pagar a bebida e só abri a maleta quando
cheguei em casa, dentro de meu escritório.
Romero estava me acompanhando menos aos lugares. Ele não
aceitava tudo o que eu tinha feito para salvar Rivka e jurou que faria Enzo
pagar com a própria vida.
Enzo me fez uma proposta e eu vi como a melhor da minha vida,
assim como ele tinha dito, mas Romero simplesmente surtou e queria matar
Enzo com as próprias mãos desde então.
Para mantê-lo longe de problemas, não o convoquei mais como antes.
Precisava lidar sozinho com tudo o que seria da minha vida dali para
frente.
Cheguei em casa e, assim que me trancafiei no escritório, respirei
fundo encarando a maleta de couro.
A pus sobre a mesa e a abri rapidamente, desejando que a solução de
tudo estivesse ali.
E mais uma vez Joshua me surpreendeu, fazendo tudo exatamente
como eu havia pedido, sem nenhuma falha.
Encontrar esse homem foi como agulha num palheiro.
— Ótimo.
Verifiquei as plantas, projetos e o pen drive que ele havia enviado
junto.
Liguei o computador e inseri o pen drive, a fim de verificar o que
havia.
Tinha um vídeo.
Era ele, meu detetive, no meio do nada no Canadá.
O lugar onde ele se encontrava estava coberto por neve.
— Senhor Samuels, como pode verificar, esse foi o terreno que
consegui para sua construção subterrânea. Ao redor não há sinal de GPS ou
telefone. Aqui a eletricidade ainda não chegou. Estamos a aproximadamente
trinta e cinco quilômetros de qualquer civilização.
Ele segurava a câmera com um bastão e o levantou para que eu
verificasse o perímetro através da filmagem.
Realmente não havia absolutamente nada ao redor.
— Pesquisei sobre esse local e é uma boa terra para se construir de
modo subterrâneo. O melhor ponto do fim da cidade. Sua obra será
resistente a qualquer desastre natural que possa ocorrer, por estar sob tanta
terra e gelo. A terra no momento não pertence ao governo, é de um
bilionário do Canadá, que apenas a mantém como área de proteção natural.
Já consegui o contato do dono, os documentos estão todos na pasta.
Pausei o vídeo e peguei os documentos.
Eram registros de posse extremamente rigorosos e corretos perante a
lei. Não seria difícil comprar. Eu teria que fazer tudo com cautela para que
não me desse problemas no futuro.
Verifiquei a chave simbólica que ele havia posto como eu pedi e,
depois de averiguar as plantas do projeto do imóvel, fui até Rivka com a
pasta em uma das mãos e a chave em uma caixinha de veludo, na outra.
Adentrei no meu quarto e, assim que fechei a porta, tive a visão do
paraíso.
Rivka estava impecável em um vestido longo num tipo de verde que
simplesmente havia nascido para o tom de pele dela.
Ela pendurava brincos de esmeraldas em suas orelhas enquanto
olhava-se no espelho gigante que havia em uma das paredes quando caminhei
até ela e inspirei seu aroma doce.
— Está caprichando... deliciosa.
A admirei sem atrapalhar. Ela sorriu e aquela curva em seu rosto que
mostrava os dentes alinhados sempre me causava uma inquietação gostosa no
peito.
— Assim vou querer comemorar aqui mesmo. Vá se aprontar,
homem.
Deixei a pasta sobre a cama, escondi a caixinha e, antes de tudo, fui
tomar um banho.
Rivka
Eu estava surpresa.
Surpresa não era exatamente o nome, porque em nenhum pensamento
meu jamais cogitei que Malcolm faria algo semelhante ao que ele tinha feito
naquele dia.
Ele, definitivamente, nunca faria algo tão romântico.
Quem era aquele homem?
Nosso beijo foi terno, carinhoso e gentil. Ele me acariciou meus
cabelos próximo à nuca enquanto sua boca se apossava da minha lentamente.
Nossas línguas se rendiam ao embate que sempre vivíamos, mas que
daquela vez se assemelhava a uma guerra de paz.
Meus braços o envolveram na cintura, agarrando seu corpo musculoso
e firme envolto pela camisa social. O lugar cheirava a romance de livro. Eu
estava vivendo um momento inédito com o homem de gelo.
Ficamos ali nos beijando por um tempo, depois me afastei para tomar
uma boa dose de ar e novamente observar tudo aquilo.
— Bom... estamos aqui para comer, então... — Apontei para a mesa
repleta de iguarias deliciosas.
Malcolm riu e abanou a cabeça em negativa.
— Você é única.
Nos sentamos e começamos a conversar enquanto devorávamos cada
prato disponível. Os que eu mais comia eram as massas. Spaguetti, nhoque,
lasanha, calzone. Também devorei as carnes brancas.
— Deus amado, eu estou no céu. Morri e fui para o paraíso. — Fitei
meu marido, que não parava de me olhar feito um bobo enquanto eu comia
tudo. — O que deu em você para armar algo tão grandioso?
Ele deu de ombros.
— Linda, Lindsay e minha mãe podem ser muito influentes em suas
ideias.
— Poxa, achei que tinha sido ideia sua.
Ele negou com a cabeça.
— Sabe que jamais pensaria em nada disso, não sabe?
Soltei um muxoxo.
— Pois é, eu sei. E sei que meu marido é extremamente verdadeiro,
por isso preciso parar de perguntar tudo se não quero ficar decepcionada com
a resposta.
Ele esticou o braço sobre a mesa, envolvendo sua mão na minha.
— Posso não ser capaz de fazer coisas grandiosas como essa para
você. Ou, talvez, não ser o homem que sempre desejou antes de se casar
comigo. Mas o que você causa em mim é o combustível necessário para que
eu tente.
Firmei meu olhar nas írises semelhantes ao céu aberto, absorvendo o
impacto que aquelas palavras estavam causando em mim.
Eu o amava, sabia daquilo e estava ansiosa para um dia contar, e cada
coisa que ele fazia para compensar tudo que eu passei, só me dizia o quanto
ele se importava e merecia esse sentimento que crescia dia após dia em meu
peito.
Ficamos ali, nos admirando por um bom tempo, até que finalizamos o
jantar.
Malcolm comentou que ainda tinha mais surpresas e aquilo me fez
sorrir pela milionésima vez no dia.
Eu estava uma boba sorridente.
— Oh, Deus... que lindo!
Estávamos no observatório real, ainda dentro do parque. Malcolm
tinha o controle sobre tudo e isso o ajudou para que não tivesse
absolutamente ninguém naquele lugar, só nós dois.
Ali, naquele amplo terraço numa altura considerável, podíamos ver
grande parte de Londres e nos maravilhar com a vista esplêndida.
Eu estava ali debruçada com os antebraços sobre o parapeito, quando
um pigarro me fez olhar para trás.
Malcolm estava com uma mão coçando a nuca, parecendo nervoso, e
a outra mão estendida contendo uma caixinha de veludo.
Oh, céus. Se não fôssemos casados eu imaginaria...
— Quando os casais se pedem em casamento é algo parecido com
isso, certo?
Ele perguntou, me fazendo admirar o esforço com que elaborou
aquilo.
Sorri e peguei a caixinha, mas antes de abri-la o puxei para um
abraço.
Me aconcheguei em seu peito quente já coberto por um casaco bem
grosso, curtindo cada segundo daquele momento tão particular, único e
nosso.
— Não quero que isso aqui acabe nunca — sussurrei de olhos
fechados, sentindo uma leve brisa tocar meu rosto.
Malcolm firmou seus braços ao meu redor e beijou o topo da minha
cabeça com ternura antes de dizer:
— Não vai acabar. Abra a caixinha.
O pedido dele me fez dar atenção ao pequeno cubo de veludo em
minha mão. Assim que abri, uma chave prateada foi revelada em seu interior.
— Uma chave?
Perguntei curiosa. O que ele estava tramando?
— Vem, vamos sentar aqui que te conto tudo.
Caminhamos para perto dali e sentamos sob a luz da lua, com ajuda
das lamparinas que levamos. O chão estava coberto por um colchão fino com
travesseiros ao redor. Tudo minimamente planejado.
Ele pediu que eu deitasse em seu colo e assim o fiz. Malcolm
encostou sentado na parede e fiquei sentada entre suas pernas, com minhas
costas em seu peito, sentindo sua respiração quente no meu pescoço. Ele me
manteve abraçada e inspirou forte.
— Amo seu cheiro. Quero que nunca se esqueça desse dia.
Fechei os olhos e me permiti ser levada pelas sensações que só ele
provocava em mim. Malcolm tinha um domínio sobre minhas emoções e uma
firmeza em suas ações que me faziam apenas desejar unir-me a ele cada vez
que ficávamos a sós.
— Você está mestre em me seduzir, devia me ensinar uns truques —
brinquei em meio ao momento relaxante.
Ele sugou o lóbulo da minha orelha e elevou as duas mãos aos meus
seios.
— Você não precisa de truques. Me seduz sem esforço algum.
Deus do céu, o homem estava pegando fogo e ainda não tinha me
explicado sobre a tal chave. Respirei fundo, recobrando a minha sanidade, e
perguntei:
— O que aquela chave significa?
Logo o vi acalmar um pouco mais os ânimos e voltar a envolver
minha cintura.
— A chave da nossa casa secreta. Vamos construir uma casa secreta
subterrânea no Canadá. Preciso te contar algumas coisas que podem ser boas,
e outras que não serão tão boas assim.
Rivka
Nos aconchegamos no colchão olhando para o céu fechado naquela
noite fria; estava bem próximo de nevar, então aquele dia era um dos últimos
antes da temporada congelante.
Fiquei na posição que mais amava quando deitava com ele, agarrada
em seu torso, como um bicho-preguiça, enquanto ele envolvia um braço ao
meu redor e o outro apoiava na nuca, com seu corpo de barriga para cima.
— Quando você foi sequestrada eu entrei em colapso. Para mim foi o
pior pesadelo que vivi, ainda mais do que dias antes, quando disse que me
deixaria. Mas daquela vez não podia me render. Tinha um inimigo contra
quem lutar.
Fiquei ali atenta, ouvindo o que ele dizia.
— Enzo apareceu de surpresa em nossa casa e, assim que cheguei do
shopping, desolado por não te ver lá, o encontrei sentado como se fosse o rei
do mundo no sofá da minha sala. Ali fomos ao escritório e firmamos um
acordo.
— Acordo? Mas Enzo não presta, ele não pode simplesmente...
— Calma, teimosinha. Deixe-me explicar.
Me calei, inspirei pesadamente e aguardei o que viria. Por dentro já
estava indignada ao cogitar qualquer assunto em comum com Enzo.
— Ele chegou lá com provas incontestáveis que fariam o Patriarcado
me executar a sangue frio. Ele descobriu que matei o irmão de Khaled, Karl.
O cara que abusava de mim na infância.
Levei a mão ao meu peito, angustiada com o rumo daquela conversa.
— Descobriu também que meu pai havia mentido para todo o
conselho por anos, com relação à saúde da minha mãe. Tudo isso foi
descoberto porque o tratamento dela simplesmente acabou depois que ele
morreu. Provavelmente Adélia pensou que não seria mais alvo de
investigações depois que eu assumisse e não continuou com o plano. Não sei.
O plano do meu pai já seria motivo para cortar o mal pela raiz, porém,
somente o fez desconfiar de que eu e você pudéssemos um dia fazer o
mesmo, então ele usou o maldito espião que havia na fazenda da minha mãe
para nos vigiar quando fôssemos lá. O maldito era Richard.
— Oh!
Abri a boca, perplexa com a notícia. Richard era um espião? Como
assim?
— Pois é. Richard nos viu transar na minha cachoeira secreta, ele nos
seguiu e nem faço ideia de como conseguiu entrar. Depois ele me viu
visitando minha mãe sozinho, sem você. Por último ele relatou como fiquei
após nossa despedida, confirmando tudo que Enzo precisava para me ter em
sua mão. Além de ter apoio de 80% dos acionistas e chefes de estado. Eles
desejam Enzo, não eu.
A fúria subiu por minha corrente sanguínea e me fez levantar,
completamente revoltada com o que eu tinha acabado de ouvir.
— Ele não consegue entender que esse Patriarcado é importante pra
você? Que maldição de primo esse homem é? Isso não é ser família! Que
babaca, idiota, quero fazê-lo engolir suas próprias bolas.
Quando virei o rosto, lá estava Malcolm contendo uma risada.
— Qual a graça?
— Você fica extremamente charmosa quando está brava. E Enzo não
possui mais bolas.
Oi?
— Não consigo digerir tudo isso, Malcolm! Ele conseguiu que
tirassem você do poder, é isso? Não pode ser.
Malcolm me puxou de novo para que eu deitasse sob sua proteção e
ficou acariciando minhas costas antes de prosseguir.
— Fique tranquila. Eu estava num momento de dor, de sofrimento.
Você estava cativa e foi ali que eu soube quem havia armado tudo. Enzo se
uniu a Khaled, que desejava se vingar de mim a todo custo. Khaled te mataria
do mesmo modo que matei o irmão dele, enquanto Enzo se encarregaria de
me sentenciar à morte. Mas, com tudo isso em mãos, ele foi muito, muito
inteligente. Me ofereceu a seguinte proposta: eu o daria o Patriarcado e o
domínio total sobre a organização e as filiadas, entregaria sua empresa a ele e
todo o patrimônio que você herdou do seu pai, e em troca ele te pouparia e
me daria seis meses para que eu fosse embora com você para nunca mais
voltarmos. Começaríamos uma nova vida, com uma nova identidade, num
local onde ninguém sequer soubesse quem somos. Tudo pela pequena chama
de misericórdia do próximo patriarca.
O silêncio pairou pelo ar por longos segundos, até que minha
pergunta saiu como um fio de voz.
— Você abriu mão de tudo... por mim?
Malcolm não respondeu, apenas virou seu corpo na minha direção e
roçou o nariz no meu, acarinhando-me.
— Eu também me livro no final da história. Por nós.
Sem ao menos perceber, comecei a chorar desesperadamente, como
um bebê. Não sabia se era de felicidade ou de tristeza. Queria ser feliz com
Malcolm, mas não queria que fosse por uma decisão encurralada como
aquela. Ele praticamente foi forçado a abrir mão de tudo, senão morreríamos.
— Shiu... não chore. — Ele enxugou minhas lágrimas com o polegar,
depois beijou meu rosto molhado. — Não quero que pense que apenas fiz
pela pressão. Já tinha te prometido que faria algo ainda maior, se fosse para
proteger você das malditas regras. Agora as regras não valem mais. Estamos
livres.
Parecia um grande sonho.
Lá no fundo, bem no fundo, eu me questionava se realmente aquilo
aconteceria.
Tentei controlar o choro, mas ainda estava emotiva.
— Então essa casa será nossa segunda chance? — indaguei,
esperançosa.
Ele me fitou com uma intensidade única, que só ele conseguia ter,
depois beijou minha testa, aumentando o aperto do seu abraço em mim.
— Será um recomeço.
Malcolm
Ficamos mais um pouco admirando a vista enquanto conversávamos
sobre nosso futuro.
Todos os documentos e plantas estavam em casa e eu a mostraria
assim que chegássemos.
Rivka era intensa em seus sentimentos. Dava para notar quando ela
ficava feliz ou triste com algo, e quando dei a notícia a ela, pude notar sua
confusão sentimental.
Sua pureza e altruísmo jamais permitiriam que se alegrasse somente
com o que viu de bom em tudo o que disse. Ela se preocupou comigo antes
de tudo, chorou por minha causa.
Não entendia exatamente o que meu coração estava nutrindo por ela,
mas podia desconfiar que poderia se tornar a tal paixão que muitos falam.
Sempre tive receio de sentir algo semelhante a isso, medo, talvez. O
tempo foi me mostrando que sentimentos bons não são ameaçadores, eles
vêm também para ensinar algo. Quando eles nos dominam é para que, além
de toda tormenta da vida, haja momentos de paz.
Dentro de mim algo se confirmava sempre que eu a via, a tocava, a
sentia: tinha tomado a decisão certa.
Rivka
Finalmente contei que o amo. Ele enfim soube.
Não esperei um “eu também” como resposta, pois Malcolm
demonstrava em cada ato de amor o quanto me tinha afeto. Amor eu não
tinha certeza, mas uma paixão intensa era quase que absoluta.
Fizemos amor diversas vezes naquela madrugada e, na última vez,
estávamos na cozinha. Eu teimei em ensiná-lo a fazer panqueca.
Sim, no meio da madrugada.
Lá estava Malcolm totalmente nu, com apenas um avental, na beira do
fogão tentando fazer a massa virar algo comestível. Claro que eu fiquei ali
pertinho observando. Mais precisamente atrás, com a visão de sua linda e
redonda bunda.
— Deve estar gostoso, não sei se ficará bonito, mas gostoso eu sei que
está — ele comentou, concentrado no preparo.
Mal tinha prestado atenção ao que ele dizia, apenas o verificava de
cima a baixo vez ou outra, admirando aquele avental amarrado que dava um
ar totalmente sedutor no corpo nu do meu marido.
— Aham... gostoso sim.
Ele notou que eu estava desligada, aérea.
Virou o rosto com a feição desconfiada. Seus cabelos presos num
coque mal feito o deixavam ainda mais sexy, casando com todo o resto do
pacote.
— Você tem certeza de que está somente com fome de panqueca?
Porque esse seu rosto vermelho e sua pele toda arrepiada me dizem o
contrário.
Ali eu notei que estava dando sinais demais da admiração que tinha
por ele. Malcolm desligou o fogo e deixou a panqueca pronta em um prato
sobre a bancada da cozinha antes de vir andando lentamente até mim,
retirando o avental.
— Suba naquela bancada de granizo — ordenou com toda sua
autoridade.
Imediatamente subi, me sentando na bancada do lado contrário onde
havia o fogão, no caso, atrás de onde eu estive o tempo todo.
Ele me alcançou e tocou meus joelhos, abrindo-me.
— Sua safadeza não acaba, menina teimosa? — perguntou na sua voz
de trovão, me fazendo estremecer.
Ele sabia que eu amava, adorava demais quando ele fazia isso.
No segundo seguinte ele retornou à bancada onde as panquecas
estavam e as despedaçou sobre o prato antes de trazê-las para perto de mim.
Então distribuiu vários pedaços pelo meu corpo, depois abriu o
armário da cozinha e pegou mel.
— Malcolm... — o chamei como se estivesse suplicando por algo, no
instante em que despejou linhas de mel por meu corpo nu.
Ele me faria enlouquecer de tanto prazer.
— Já que estamos com fome, nada melhor que unir as duas coisas que
mais gosto de comer.
Proferiu enquanto continuava sua obra de arte. Eu encostei na parede
às minhas costas e aguardei até que concluísse, fazendo com que eu estivesse
cheia de pedaços de panqueca e mel do pescoço para baixo.
Então ele começou a me devorar, literalmente.
Iniciou pelo pescoço e foi descendo lentamente.
Relembrar aquele dia me fez olhar tudo sob uma ótica diferente.
Romero era mesmo meu amigo. Era leal.
Mas não podia inseri-lo naquele assunto. Era meu plano e precisava
que ele somente obedecesse. Logo ele estaria livre para viver uma vida
normal, fora de tudo isso.
Malcolm
— Estou ligando para dar notícias frescas, querido primo.
Enzo, em sua acidez somada à ironia, me ligou naquele começo de
noite.
— Diga.
— Primeiro. Se deseja me matar, precisa ser mais inteligente. Poderia
matar perto de ter sua liberdade ou, quem sabe, depois que mandasse sua
esposa para algum lugar longe para que ela não sofresse uma possível
retaliação. Mas não... Me manda seu fiel escudeiro de merda para tentar me
matar escondido. Sozinho. — Estalou a língua — Tsc, tsc... Péssimo
Patriarca mesmo, como sempre soube.
— Não mandei Romero ir até você. O que ele está fazendo aí?
Ouvi um eco na sua voz, como se o lugar que estivesse fosse um
galpão abandonado, fechado.
— Ele estava, até pensar que podia fazer justiça com as próprias
mãos. Lembra o dia em que ele arrancou minhas bolas?
Maldição... Que não seja o que eu estou pensando.
— Enzo... — rosnei entredentes. — Onde Romero está?
Rivka me encarava encostada na porta fechada do meu escritório, com
as mãos na boca, assustada. Sabia que ela também gostava muito de Romero,
devia estar tão preocupada quanto eu.
— Fique atento ao vídeo. Seu querido amigo falará por si próprio. Ah,
e que isso seja um aviso para que nosso trato seja levado até o fim.
Desligou a chamada e imediatamente uma mensagem chegou no meu
aplicativo. Enzo mandou um vídeo.
Rivka
Estava feliz, empolgada, animada para nossa nova vida.
Malcolm explicou que as novas identidades fariam com que ninguém
nos encontrasse no futuro e que não precisássemos prestar contas de nada.
Viveríamos bem distantes dos povoados, mas nossa casa era super abastecida
e os alimentos poderiam durar por um ano inteiro.
Planejamos tudo certinho.
Lá temos uma caminhonete e um barco. O acesso à nossa casa é feito
de duas formas. Uma casinha congelada no meio do nada, onde tem uma
porta trancada a cadeados. Dentro há o elevador gerido por códigos de
segurança, que nos leva ao subsolo.
Ou o acesso de emergência que fica a quilômetros dali, já no povoado
mais próximo. Dentro de uma residência abandonada, que também
compramos. No sótão. Malcolm comentou como foi difícil levar energia
elétrica para lá, mas tudo foi feito legalmente, não tínhamos o que temer.
Nosso primeiro dia com a casa já pronta foi duas semanas antes de
fazermos um ano de casados.
Malcolm me carregou no colo porta adentro, dizendo que faria como
deveria ter feito desde o começo.
— Pode me soltar! — Gargalhei porque ele não só me carregava,
também me fazia cócegas.
— Calma, ainda não chegamos na cama.
Continuou enquanto atravessávamos a singela sala azul com uma
decoração mais clean e atual do que o mausoléu da Inglaterra.
A casa era pequena, não havia um corredor amplo, era apenas bem
dividida. Uma sala com cozinha americana, um banheiro social, um quarto
com suíte e um outro quarto. Bem simples.
Mas perfeito para nós.
Assim que chegamos ao nosso quarto, ele me depositou sobre a cama
de casal. Eu estava já em prantos de tanto rir e ele também ria da minha cara,
obviamente.
— Deus amado, não consigo parar! — Tentei controlar a risada, mas
tinha entrado em algum tipo de crise.
Ele deitou ao meu lado e ficou observando-me com um sorriso lindo
no rosto.
Aos poucos minhas risadas foram cessando, dando espaço à imensa
vontade de demonstrar a Malcolm o quanto eu estava feliz.
Tomei sua mão e depositei sobre meu peito. Meu coração batia
frenético.
Respirei fundo a fim de me acalmar, havia acabado de ter uma crise
de riso, queria que ele soubesse o quanto eu estava feliz sem dizer uma só
palavra.
Ali ficamos lado a lado, deitados de barriga para cima, encarando o
teto branco com um lustre maravilhoso cheios de pedrinhas de cristal que eu
escolhi.
A mão dele sobre meu peito queimava como fogo.
— Isso realmente está acontecendo — soltou, depois inspirou o ar
com força e liberou lentamente.
— Não pensei que poderia viver algo assim do seu lado.
Foi quando ele virou o rosto na minha direção e eu também o encarei
com intensidade no olhar. A mão dele, antes no meu peito, capturou a minha
e levou para o peito dele, onde mora o coração.
— Meu coração é o órgão mais leal do meu corpo. Ele não costuma se
enganar, muito menos ser persuadido por qualquer coisa. Hoje ele está
totalmente subjugado, mas nunca foi tão feliz. Sabe por quê?
Abanei a cabeça em negativa, já ansiosa pelo que diria.
— Porque ele obedece somente aos seus comandos. Os comandos da
sua dona.
Fechei os olhos e absorvi a intensidade daquelas palavras.
Era um “eu te amo”, de outro jeito. Malcolm estava aprendendo a se
expressar, a demonstrar seu amor, seu afeto com palavras.
E, céus, ele estava fazendo aquilo melhor do que qualquer humano
que já está acostumado.
O que Malcolm fazia que não era melhor do que qualquer pessoa?
O homem era a perfeição em tudo que se empenhava em fazer.
— Meu amor por você não para de crescer — sussurrei e cheguei para
mais perto dele, tocando seu rosto. — Obrigada por sempre surpreender o
meu coração.
— Não mereço seu amor.
De vez em quando ele vinha com essas ideias.
— Merece sim. Não só o amor, mas tudo que vem com ele. É um
pacote completo.
O beijei de forma casta e ele logo retribuiu. Ali ficamos, nos amando,
saboreando a paz que jamais havíamos tido antes.
Ainda não era o dia oficial da nossa mudança, porém, naquela noite
que passamos lá marcamos cada cômodo, nos amando sem reservas.
“Riv,
- Mamãe!
O menino de fios dourados mesclados aos negros, correu ao enxergar
sua mãe na entrada de sua residência.
Rivka abaixou, sorridente, e abriu seus braços para recebê-lo.
- Amor! – Ela o envolveu com ternura, e aspirou o aroma que exalava
dos cabelos da criança. – Estava com saudades, filho.
Quando o menino se afastou, disse sorridente:
- Aprendi muitas coisas novas com a Zeta hoje. Vou te mostrar.
Antes que ele virasse e fosse em busca de seus trabalhinhos
produzidos na ausência de sua mãe, Joshua apareceu finalmente na entrada da
sala.
- Tio Josh!
Com a mesma empolgação que foi abraçar sua mãe, correu até o
homem que amava a companhia.
Joshua elevou a criança ao ar e em seguida o posicionou sobre seus
ombros, com as pernas alternadas, sentado sobre si.
- Acho que alguém estava com saudades – comentou com o menino.
- Estava sim! – Soltou, animado com a brincadeira.
Joshua perambulou pela sala saltitante com o garoto, o fazendo
gargalhar de tanta alegria.
Rivka sempre admirava a cena da interação de Zion com Josh e sua
mente voava ao homem que deveria estar ali, no lugar dele. Dando atenção e
carinho ao seu próprio filho. Mas o momento nostálgico durou apenas curtos
segundos, pois o tempo não poderia parar. Ela tinha uma missão importante
para cumprir e uma criança para ensinar a vida.
A vida como ela é.
Capítulo 1
“Há pessoas que nos falam
E nem as escutamos;
Há pessoas que nos ferem
E nem cicatrizes deixam;
Mas há pessoas que simplesmente aparecem em nossas vidas
E nos marcam para sempre.”
Cecília Meirelles
Rivka
ANTES
(...)
(...)
(...)
Era seis da manhã quando acordei num susto e me lembrei que era a
data em que Malcolm colocou na carta.
Acendi o abajur perto de mim e peguei a bendita carta no local onde
estava desde a semana anterior.
Ao abrir com os dedos trêmulos, respirei fundo e me sentei.
Queria ter te dado tudo o que merece, o futuro que sonhou, mas a
vida tem dessas coisas. Eu faria tudo de novo se fosse para salvar sua vida.
Com amor,
Malcolm Samuels.
(...)
Ninguém está preparado para o luto. É difícil, muitas das vezes pode
chegar a ser enfadonho, até. Se você nunca perdeu alguém importante, jamais
vai compreender o que meu coração sentiu dia após dia, por meses, anos,
concernente à morte do homem que amei.
Não foi uma morte comum.
Não foi um acidente, uma bala perdida, uma catástrofe natural. Não
foi.
Foi um sacrifício.
E esse sacrifício fora por mim.
Saber que se é o motivo de alguém desejar se entregar a morte para
que fique segura, não é bem uma forma boa de se digerir o luto.
Um ano após aquele fatídico dia, eu ainda estava em frangalhos.
Após meu curto cochilo, despertei e fui direto ao cofre aonde as cartas
estavam guardadas. Não tinham muitas, e as datas nas quais foram escritas
não seguiam uma ordem cronológica da data pelo qual Malcolm exigia que
fossem aberta.
Por exemplo, a última carta, de seis meses, ele escreveu um dia antes
de morrer, porém, a carta de um ano, havia sido escrita dias antes.
Pelo que constava no cabeçalho, assim que abri o envelope.
“Já nem sei como escrever isso. Eu realmente não sei se tenho
coragem o suficiente de cometer a loucura que planejei.
Não. Eu não quero morrer.
Sim. Por você vale a pena a morte, o inferno, o que for! Mas não
quero morrer.
Não passei a vida inteira preso dentro de um sistema de merda para
simplesmente morrer quando consegui enfim me libertar dele.
Essa carta aqui é mais um desabafo do que uma orientação.
Rivka, amor da minha vida.
Nunca deixe que ditem regras sobre como deve viver. Isso é uma
merda.
Desejo sim que lute contra o Patriarcado e que, consiga aprender
tudo que puder com Joshua para que ninguém mais seja uma vítima desse
poder obscuro sobre o planeta, mas, sinceramente... Caso você não queira...
Foda-se.
Viva sua vida.
Estou um tanto cansado, sabe? Eu amo vê-la feliz e me odiaria, onde
quer que esteja, vê-la sofrendo dia após dia, ainda tendo que enfrentar um
amplo exército de sanguinários malditos.
Viva um dia de cada vez. Se permita respirar.
Você precisa estar viva para qualquer coisa que faça. Seja ela
enfrentar o Patriarcado ou simplesmente sumir do mapa e recomeçar.
Precisa estar viva.
Já faz um ano que eu possivelmente morri. A ideia é essa. Eu vou me
sacrificar por você. Você perdeu tanto no instante em que casou comigo
que... Só de lembrar me sinto um maldito babaca.
Queria poder não precisar tomar essa atitude, mas foi a única
alternativa.
Não vou cansar de dizer isso a você.
Já passou um ano, e se está lendo isso hoje, eu não tive nem chance
de escapar com vida naquele dia. O que mostra que tudo aconteceu como
devia ter acontecido.
No mais, seja forte.
Não sei se escreverei muitas cartas depois dessa, eu já escrevi outras
antes, com datas posteriores para que leia, no entanto, só quero pedir que
coloque esse pequeno chip num leitor de cartão e veja o que há dentro dele.
Isso pode ser importante.
Amo você. Sou um maldito por não ter dito em voz alta ainda, espero
que isso tenha mudado antes de eu partir.
Sempre Seu,
M.”
(...)
(...)
(...)
(...)
Chegando em casa, me surpreendi pelo silêncio absoluto que reinava
naquele lugar. Fui deixando as bolsas com as compras no chão da cozinha e
caminhei a passos lentos até o quarto de Rivka.
Ao abrir lentamente a porta, avistei ela e Zion dormindo como dois
bebês sobre a cama. Ela estava com os cabelos molhados, trajando um
shortinho com um top no busto. Provavelmente tinha tomado banho e acabou
dormindo antes de se vestir por inteira.
Verifiquei o aquecedor, para que a temperatura ficasse agradável para
os dois e saí do quarto.
Adentrei meu quarto e abri o notebook no modo de segurança
máxima. Nenhum código ou criptografia daquele meu computador poderia
ser rackeado e isso me ajudava demais em todos os serviços que tenho pelo
mundo.
Ao abrir meu e-mail, verifiquei um que tanto estava aguardando.
Fiz o download da minha mensagem codificada e abri o arquivo,
decodificando em seguida.
“Meu caro.
Segue abaixo a localização de duas organizações rebeldes que podem
estar fora do domínio do Rei do Sul. O endereço final do esconderijo do Rei
do Sul, também está abaixo.”
Finalmente a resposta que eu tanto ansiava havia chegado.
Agora era nos preparar, viajar e fechar esse ciclo.
Capítulo 10
RIVKA
Meses se passaram e muita coisa mudou na minha cabeça, durante
todo o processo de treinamento para as últimas organizações rebeldes que
precisamos alcançar.
Joshua garantiu que seu informante revelou que ainda havia duas
organizações na américa do sul, fora do domínio do Rei do sul, e passamos
dois meses nos preparando para invadí-la e conquistá-la.
Enquanto isso, meu elo com Joshua começou a ficar mais distante.
Nossa amizade se manteve intacta como sempre foi, no entanto ele não estava
mais tão disponível nas noites como era antes. Confesso que eu estava
ficando mal acostumada a sarar dores da minha alma com sexo, mas
ultimamente ele tem sumido e retornado no meio da madrugada, sem me
dizer muita coisa.
Me parece que é um ensaio para o afastamento definitivo e eu me
sinto indiferente a tudo isso. Não é como se eu tivesse desenvolvido
sentimentos românticos por ele, isso não aconteceu. Mas me surpreendo
quando paro e penso que tudo está chegando ao fim. Finalmente poderei em
breve ser feliz com meu filho e viver uma nova vida.
O grande dia enfim chegou e nosso avião particular já foi preparado
para a longa viagem. Seguimos nós quatro: Joshua, Zion, eu e Zeta, para o
Uruguai: Um dos países destino da nossa viagem final.
Conseguimos nos hospedar em uma casa alugada bem reservada,
como sempre fazemos, e de lá, ficamos uma semana firmando e solidificando
o plano, analisando por fora o local onde invadiríamos. Uma fábrica
abandonada de papéis higiênicos. A organização está instalada no subsolo,
como diversas que já nos deparamos durante essa missão.
(...)
Era tudo ou nada.
Não havia saída, ambos estávamos encurralados sem saber como agir.
Tudo tinha saído do controle e do plano. Fingir ser quem não é para criar
alianças dentre organizações rebeldes estava custando caro para nós.
Os homens mascarados daquela sala, estavam com os braços cruzados
em fileira, apenas observando Josh com os braços presos à corrente suspensa
no teto, enquanto faziam questionários. Eu era mantida cativa por um dos
homens daquele grupo, com os braços para trás e boca tapada.
- Não vou perguntar muitas vezes mais. De onde vêm e o que estavam
querendo ao invadir minha base?
O chefe daquele grupo se assemelhava a um militar rebelde. Andava
em passos calculados, como numa marcha. Sua roupa completamente preta
unindo-se à máscara facial denotava a escuridão que havia em seu interior.
- Eu já expliquei, senhor. Sou apenas um pesquisador local. Estava de
visita ao país e por acidente acabei me aventurando por suas terras.
Josh afirmara com o domínio da mentira.
Era perito em disfarces.
Após a afirmação, o olhar dele percorreu a sala obscura até dar de
encontro com meus olhos, que aguardava apenas um sinal para o ataque. Josh
utilizou a linguagem combinada previamente, olhando para o teto e
pressionando os olhos lentamente.
Era um sinal para que eu desse o último argumento para que
pudéssemos ser livres.
- Eu coordeno essa equipe há anos. Estou aqui nessa base há tempo
demais para saber que ninguém chega aqui por acaso. – O chefe, estando no
meio da sala, entre eu e Joshua, apontou para os dois simultaneamente. –
Podem executá-los.
Imediatamente abri a boca e mordi a mão do homem que me calava, o
fazendo liberar meus lábios.
- Por favor, temos um filho! – E comecei a parte mais dramática de
toda a encenação, debulhando-me em lágrimas. – Como ele viverá sem os
pais? Não sabe nem tomar banho sozinho, é apenas uma criança. Perdoe-nos,
não temos a intenção de nada, nos enganamos, senhor!
Esperançosa, me mantive chorando até que o chefe mascarado se
aproximou e me analisou de cima a baixo. Eu estava com meu melhor
disfarce. Cabelos ruivos, e lentes de contato verdes, além de uma roupa no
melhor estilo beata, cobrindo-me do pescoço aos pés, acompanhada de um
óculos fundo de garrafa.
Um dos soldados daquela organização, falou:
- Mestre, os acusados não parecem mesmo culpados. Acredito que
possam ser liberados.
O clima de dúvida sobre executar ou não Joshua e eu pairou pelo ar
por curtos segundos, até que o chefe, sem dizer nada, andou até Joshua e
inseriu a chave na sua algema, liberando-o.
Joshua não era, nem jamais foi homem de perder oportunidades, e
imediatamente usou as correntes que havia acabado de se soltar, para
envolver o pescoço do chefe da organização.
Antes mesmo que seus soldados se alvoroçassem, abaixei, virei o
corpo, aproveitando a distração do soldado que me prendia, e o golpeei na
virilha, fazendo-o gemer e se afastar. De pronto retirei o armamento do coldre
dele e me mantive em posição de ataque para que nenhum soldado se
aproximasse de mim.
Enquanto isso, Josh mantinha o chefe preso pelo pescoço, com sua
arma também em mãos.
- Se vocês se aproximarem de nós, matamos seu chefe – afirmou ele
em seu tom autoritário.
Josh e eu nos entreolhamos e um sorriso cúmplice e sorrateiro brotou
em nossos lábios.
Mais uma batalha vencida.
Depois de fecharmos mais uma aliança praticamente baseada na
pressão, voltamos para nossa casa alugada, onde Joshua imediatamente foi
brincar com Zion, me deixando apenas olhando a cena, imaginando como
seria se fosse Malcolm ali.
Ele seria um bom pai?
Ele daria carinho e atenção para nosso filho?
O Malcolm que me casei talvez não fosse o melhor dos pais, no
entanto o que eu vi morrer por mim, faria de tudo para que fôssemos a
família mais feliz do mundo.
Eu tinha certeza disso.
(...)
(...)
(...)
RIVKA
Eu não iria chorar.
Repeti o mantra cem vezes em mente, desde o momento em que
Malcolm saiu da casa e sumiu de vista.
Já chorei demais por ele, não era para desperdiçar lágrimas sem
motivos adequados. Meu filho precisava de mim.
Sentada no lugar onde ele estava minutos antes, eu fiquei refletindo se
os momentos que passei ali foram mesmo reais. Malcolm era o Rei do Sul.
Ele fingiu que morreu e fugiu pra tentar enfrentar o Patriarcado sem mim.
Algo não estava fechando nessa conta.
Se ele quer enfrentar sozinho, por quê deixou as cartas e mandou seu
segurança me treinar?
Por que não me afastou quando precisava afastar, no começo de tudo?
Suas cartas e orientações me deram esperança, e hoje ele jogou tudo
no lixo.
Eu precisava entender a raíz de tudo isso.
Não iria embora do Brasil até ter a verdade completa na minha mão.
— Tudo bem por aí?
Era Joshua, aparecendo do corredor.
Assenti ainda um pouco absorta nos pensamentos sobre o que tinha
acabado de acontecer. Ele se aproximou lentamente e, pela visão periférica,
mesmo encarando o chão, pude notar que ele estava reticente.
— Eu queria poder matá-lo, mas quando vi que era mesmo ele... —
Enfim o encarei e ele passou a mão pelos cabelos marrons. — Precisava
deixar que tivessem uma conversa.
Minha mente incoerente ainda tentava juntar pedaços do quebra-
cabeça que se formava, mas uma parte de mim começou a se questionar se
Joshua estava ciente de tudo aquilo.
Ele andava sumido ultimamente e um pouco distante, fora os segredos
que ele tem e eu não sei. Não que tenha direito de saber tudo sobre ele, mas...
Aquilo gerava em mim uma pitada de desconfiança.
— Diga, Josh. Você sabia? Sabia que ele não estava morto?
Ainda sentada, esperei sua resposta que demorou a vir. Ele arrastou
uma cadeira da pequena mesa de escritório que tinha perto dali e se sentou à
minha frente, segurando minhas mãos em seguida.
— Olhe para mim. Quero que preste atenção ao que direi. — Ele
começou e eu o obedeci. — Eu posso ter segredos, mas não costumo mentir.
Sou leal às minhas missões e realmente nunca soube do fato dele não ter
morrido. Eu cheguei a suspeitar de que ele possa ter escapado do incêndio,
até investiguei, mas foi bem no começo. Não consegui chegar a nenhuma
conclusão. Se ele arquitetou tudo isso, foi muito inteligente. Muito mesmo.
Alívio me engolfou e em seguida as emoções tomaram conta de mim
sem que eu me controlasse. Lágrimas já corriam por meu rosto.
— Então... Nossa história pode ter sido uma farsa? Até os sentimentos
que ele expressava por mim, tudo? Ele estava arquitetando desde o começo
apenas pra se livrar do patriarcado? Qual seria a intenção? Vingar o pai? As
leis? O que sofreu na infância? Qual seria a intenção por trás de tudo?
Minha cabeça deu um nó e eu só conseguia chorar. Joshua, como um
bom amigo apenas me abraçou, acalentando-me com seus braços sempre
dispostos a ajudar.
— Zion está aonde?
Indaguei com a cabeça no ombro de Josh.
— Estava cansado, deixei ele vendo desenhos e acabou dormindo em
segundos.
Ele respondeu.
Me afastei o suficiente para que nossos narizes estivessem colados um
no outro e pude notar um lampejo de desejo percorrer os olhos do homem
que cuidou de mim por cinco anos, sem querer nada mais do que apenas o
que lhe fora prometido.
— Acho que não podemos mais continuar com... Você sabe.
Sussurrei fitando-o nos olhos achocolatados mais sinceros que já
conheci.
Ele, no entanto, encarava meus lábios com sede.
— Concordo.
Apenas disse, sem deixar de olhar minha boca. Aquele não era um
bom momento para se deixar levar pelas emoções. Eu tinha total controle do
que sentia vontade e do que me movia sentimentalmente. Infelizmente meu
coração nunca bateu mais forte pelo homem que estava na minha frente, e eu,
pela primeira vez, me amaldiçoei por isso.
Seria fácil gostar de Joshua. Ele era leal, centrado, protetor, bonito,
forte, corajoso, educado, gentil e muitas outras qualidades que eu desejaria
em um homem facilmente, se já não tivesse me apaixonado pelo monstro em
forma de gente.
— Eu vou voltar lá. Vou confrontá-lo.
Disse e me afastei, fazendo com que seu olhar enfim focasse nos
meus olhos, transparecendo dúvida.
— Tem certeza? O que ele disse além do que eu presenciei
incialmente aqui?
Contei tudo que aconteceu e Joshua ficou simplesmente transtornado.
Ele levantou com fúria e andou a passos pesados pela sala, xingando e
praguejando de todos os modos e línguas que conhecia.
Me pus de pé e andei até a janela que dava uma bela vista dos campos
gramados ao redor da casinha alugada. Cruzei os braços e fiquei ali, no
parapeito apenas pensando na minha próxima tacada de mestre.
Malcolm acha que vai se livrar de mim sem dar as respostas que
preciso? Está completamente enganado.
MALCOLM
Dois dias se passaram e eu pedi aos meus investigadores que
fiscalizassem Rivka de perto para ver quando iria embora.
O que não aconteceu.
A teimosa continuou na casa e parecia viver uma vida indiferente a
tudo o que demonstrou para mim, no primeiro instante em que me viu.
A cena toda dela se jogando aos meus pés, como se tivesse sentido
minha falta, foi apenas uma encenação, com toda certeza. Ela não parecia
nem uma mulher enlutada ou infeliz, pelas informações que eu recebia.
Estava na minha sala do trono aguardando alguns casos exclusivos
para dar a decisão final, quando Delta correu em minha direção. Ela tinha
saído para almoçar e retornou como se tivesse visto um fantasma.
— Ela está aí, Alfa.
Eu entendi quando ela mencionou “ela”, mas ainda sim, indaguei.
— Ela quem?
De frente para mim em pé, com sua cabeça curvada em respeito a
minha posição, ela elevou a cabeça lentamente para conseguir falar com mais
clareza.
— Sua mulher.
Inspirei com dificuldade e encarei o teto.
Algo dentro de mim dizia que ela não desistiria com facilidade, então
a pequena esperança de que Rivka aparecesse novamente, nem que fosse para
me insultar, me atormentava.
— Diga que não irei recebê-la. Diga que estou em momentos íntimos,
com algumas prostitutas.
Delta engoliu em seco e escondeu seu pensamento sobre o que eu
acabara de dizer, apenas pelo local onde estava, mas eu tinha ciência de que
depois, ela encheria minha cabeça com seu papo de mulherzinha.
— Sim, Alfa.
Ela se virou e eu pude ouvir um curto sussurro sair de sua garganta
dizendo “babaca”.
Não importa.
Ela precisava se manter longe, e eu faria de tudo para que isso
acontecesse.
Assim que minha soldada fiel saiu da sala, outro soldado se
aproximou lentamente e curvou sua cabeça antes de se posicionar à minha
frente e dizer:
— Sei que não sou ninguém, altíssimo Alfa, mas peço permissão para
fazer um pedido pessoal.
Balancei a mão no ar, permitindo que prosseguisse.
— A mulher mencionada por Delta, muito me atraiu aos olhos. Caso
não a deseje mais em sua carteira, peço permissão para que esteja disponível
para mim.
Havia uma carteira de mulheres que satisfaziam o Rei do Sul. Essa
carteira já existe há anos, antes mesmo de eu me tornar Rei. Já presenciei o
antigo Rei sendo agradado por muitas dessas mulheres, mas desde que me
tornei Rei, não tenho visto graça nelas. Já convoquei algumas e foram poucas
as que consegui transar.
Nunca fui um maníaco sexual, sou bem controlado nesse quesito. Não
me movo por vontades, muito menos por impulsos. Gosto de ter tudo sob
meu controle. Tudo mesmo.
O soldado com certeza, pensou que Rivka fazia parte das mulheres da
carteira, pois Delta afirmou que era “minha mulher”, mas o ódio que subiu do
meu peito até minha garganta por ouvi-lo dizer que ela é agradável a ele, me
fez responder de um modo jamais feito antes.
— É minha mulher. Minha. Não é uma contratada, muito menos uma
prostituta. Pertence a mim e a mais ninguém. Saia da minha frente.
Ele logo se afastou e saiu da sala, mesmo sendo um dos soldados que
fazem minha segurança interna. Deve ter ficado com mais medo do que o que
eu queria gerar.
Mal ele saiu, a porta se abriu e Rivka entrou por ela como se fosse a
Rainha do lugar.
Estava com uma calça preta colada em seu corpo bem mais curvilíneo
do que eu me lembrava e sua blusa também era preta, ressaltando cada curva
de seu corpo. Maldita.
Delta entrou correndo logo depois, com os olhos arregalados cheios
de medo.
— Eu tentei impedi-la! — Ela veio se explicando.
Os seguranças partiram para cima de Rivka, mas eu os impedi.
— Deixem-na.
— Olha, você se tornou mesmo um mentiroso de marca maior. —
Bateu palmas. — Meus parabéns, querido. Dizer que estava transando com
prostitutas é uma desculpa maravilhosa.
Respirei fundo enquanto ela andava e chegava cada vez mais perto.
— O que quer?
Rivka cruzou os braços ficando apenas a um metro de distância de
mim, separada apenas pela pequena escadaria que elevava meu trono.
– Respostas.
Capítulo 14
RIVKA
Se me restavam dúvidas sobre o fato do Rei do Sul ser realmente o
homem que amei, todas elas foram sanadas no momento em que enfim
colocamos muitos dos fatos na mesa.
Malcolm pediu que todos os guardas saíssem da sua sala de Rei e, por
último implorou para que a mulherzinha que anda colada com ele, o deixasse
a sós comigo.
Ela não queria que ficássemos sozinhos, me olhava de uma forma
estranha, como se de algum modo, pudesse mediar nossa conversa.
Não queria mediadores. Queria eu, ele e a verdade.
Apenas isso.
Depois que ficamos sozinhos, ele se levantou de seu trono e desceu os
três degraus que o igualava a mim. Caminhou até a saleta onde eu fui
humilhada da última vez e veio de lá com uma cadeira.
— Pode se sentar aqui.
Colocou bem perto do trono dele, basicamente ao lado.
Subi os degraus e me sentei, apenas esperando a pergunta principal
sair de seus lábios. Enquanto isso, fiquei analisando aquele homem da cabeça
aos pés. Os trajes que ocultavam todo seu corpo, as máscaras que mal me
delatavam sua aparência e os cabelos que eu não conseguia ver nem um fio.
Será que ele ainda tem cabelos?
— Me diga. O que deseja saber?
Indagou, cruzando as mãos enluvadas sobre suas pernas, fitando-me
com a intensidade que eu sempre me lembraria, mas não com o mesmo calor
das minhas lembranças.
— Como sobreviveu? Como conseguiu escapar? Por que não me
procurou? Por que me deu orientações para que eu executasse o plano que
hoje é você quem está prestes a executar? Preciso que me esclareça tudo, e só
assim eu irei embora.
Seus olhos se fixaram em qualquer ponto das paredes escuras daquela
sala e foi como se ele retornasse ao dia em questão. Toda a vida havia se
esvaído do seu olhar.
— Eu não quero falar sobre isso. Passei os piores dias de toda a minha
vida e não quero que pense que foi diferente do que você possa ter sofrido.
Eu falei que morri e me sinto um homem morto. O que sobrou aqui foram
restos, apenas restos dispostos a uma vingança épica. Preciso que se afaste
disso. Preciso que me deixe focar.
Engoli de forma áspera a saliva contendo as verdades que eu acabara
de ouvir.
Ele não me diria o que eu queria, ele insistiria em dizer que me deseja
longe.
Por que isso dói mais do que deveria em mim?
Instintivamente levei minha mão sobre a dele e isso fez com que
subisse um calor que há tanto eu não sentia. Me odiava por ainda amá-lo
mesmo que meu amor por ele fosse o maior combustível do meu sofrimento
atual.
— Quero vê-lo. Quero entender o que houve. Eu prometo que irei
logo depois, me deixe só... Vê-lo.
A voz rouca e falha retrucou:
— Para quê? Para ver o que sobrou do homem que ainda se lembra?
Ele enfim virou o olhar para mim e o que vi em seus olhos, me
perfurou por dentro.
— Sua voz...
— Nunca mais voltará ao normal. Minhas cordas vocais foram
danificadas no incêndio. Agora e para sempre vou falar assim.
Assenti, ainda refletindo sobre insistir mesmo em perguntar tudo, ou
deixá-lo em paz. Ele não parecia disposto a me dar as respostas que eu queria
e eu já estava me sentindo mal por fazê-lo se recordar de tudo, inclusive as
coisas ruins.
— Não farei mais perguntas. Quero apenas contar minha versão dos
fatos e então, se ainda achar que devo ir embora, eu irei.
Ele se remexeu em seu trono, relaxando em seguida. Fitou a parede
no fim da sala e ali ficou concentrado enquanto eu prosseguia. Levei seu
silêncio como uma permissão.
— Você me levou até a Groenlândia. Eu vi quando a cabana explodiu
e você morreu. Eu estava lá. Parte de mim se foi quando eu vi que você
nunca mais voltaria pra mim. Então eu li a carta que você me entregou
minutos antes e aquilo me deu forças pra retornar para nosso esconderijo.
Nossa casa secreta.
Notei seu pomo de adão se mover, no entanto os olhos se mantinham
firmes e vidrados para frente, sem permitir que virasse para mim.
— Quando eu cheguei em casa, na nossa casa, Joshua apareceu como
um fantasma no dia seguinte e eu quase o matei, pensando que era um
inimigo. Mas ele estava ali por uma ordem sua. Você o tinha contratado para
me proteger e me preparar para a grande vingança contra o Patriarcado.
— Então, acabaram se envolvendo, transando que nem bichos no cio
e gerando uma criança. Ponto final. Já pode ir embora agora.
Que ódio!
A ira que subiu em mim no instante em que ele disse isso, era o
suficiente para eu agarrar o pescoço do meu ex marido e asfixiá-lo com todas
as forças, mas eu precisava dizer a verdade senão me culparia para sempre.
— Como você é idiota! Deus do céu!
Dei um berro que o fez me olhar espantado.
— Eu odeio você e essa figura abominável que se tornou, mas antes
de te deixar sozinho nessa vida maldita que escolheu, tenho que te contar
tudo. Então cala essa sua boca machista e nojenta pra que eu possa falar!
Ele nada disse, apenas cruzou os braços e relaxou em seu assento.
— Diga, mulher maravilha — debochou.
Me coloquei de pé porque não estava mais aguentando me expressar
sentada numa cadeira, então desci as escadas e fiquei andando pela sala vazia
e mal iluminada, contando o resto da história.
— Joshua ficaria apenas dois anos e meio ao meu lado, conforme o
contrato que você fechou com ele. Eu demorei meses para confiar nele, e
anos para criar realmente um laço de amizade inquebrável. Tudo porque
meus sentimentos estavam esmagados e mortos juntos com o homem que eu
sempre amei. Não demorou muito, para que logo no começo, Joshua
percebesse que havia algo estranho comigo. Eu dormia demais e passava
muito mal. Vomitava e enjoava de qualquer coisa. Então veio a surpresa: Eu
estava grávida.
Como o babaca que eu imaginei que ele seria, Malcolm perguntou:
— Como assim?
— Eu engravidei algumas semanas antes de você ter morrido, seu
inútil. Não parou para reparar no meu filho quando procurou saber da minha
vida?
Ele respirou fundo e encarou o chão, parecendo pensar bem no que
diria.
— Não sou fã de crianças então quando eu soube que tinha um filho...
Não quis saber nome, idade, aparência ou qualquer coisa do tipo. Quando
estive na sua casa naquele dia eu nem olhei para ele.
Levei minha mão até a minha garganta porque saber que o pai de Zion
não se importa com os sentimentos do próprio filho, doía. Era amargo.
Minha voz estava travada na garganta. Não queria falar mais nada. Já
estava machucada demais pela sua rejeição e agora sabendo que ele optou por
não saber nada sobre meu filho... Doeu ainda mais.
— Você... Ao menos... Me procurou desde o começo? Ou realmente
tudo fez parte de um plano?
Um silêncio ensurdecedor pairou no ar, deixando o ambiente denso e
incômodo. Foram longos segundos em que eu fiquei de braços cruzados
andando de um lado a outro encarando o chão apenas esperando a resposta
sair de sua boca.
Mas quando menos esperei, seu sussurro fez-se ouvir:
— Te procurar foi a única coisa que eu fiz desde que percebi que
estava vivo.
Meu coração começou a acelerar e a respiração se tornou intensa e
insuficiente. Ele tinha dito que me procurou, mas... Ele sabia onde eu estava!
— Não consigo entender! — Não queria que a voz embargasse, mas
foi inútil. — Você me colocou em um local onde só você sabia! Como não
me encontrou? Como pôde dizer que estava me procurando?
Ele se colocou de pé e andou rapidamente até mim, puxando-me pelo
braço até uma outra sala próxima ao seu trono. Entramos ali e a luz se
acendeu automaticamente. Era um escritório enorme, com sofá, tapete, mesa,
computadores, armários, bar, entre outras coisas que configuram um
escritório digno de realeza.
Malcolm fechou a porta em todas as travas de segurança e tirou sua
máscara, exibindo seu rosto por completo e enfim eu pude ver seus cabelos.
Estavam raspados e havia somente um moicano com os cabelos loiros
rebeldes aparados. Nas laterais da sua cabeça muitas marcas de queimadura
onde não se podia mais nascer cabelos e algumas linhas também atingiam seu
rosto. A barba comprida tinha ido embora e apenas uma pequena barba e
bigode curto envolvia seus lábios.
Ele estava completamente diferente do que eu me lembrava, mas
igualmente lindo, sem defeito algum aos meus olhos.
— Quer ver mais? — Sua voz continha fúria. Ele estava com raiva e
eu mal compreendia o motivo.
Mas afirmei com a cabeça. Queria ver tudo.
Ele deslizou o zíper do colete que envolvia sua blusa negra que
adornava sua pele e em seguida, levantou a blusa, deixando seu torso à
mostra.
As tatuagens estavam lá. Algumas deformadas com marcas enormes
de queimaduras e outras ainda intactas. Um dos seus braços parecia ter ficado
em carne viva, pois estava totalmente rígido, com uma pele nova sem marca
alguma de tatuagem, apenas a marca de que o fogo o havia maltratado.
— Adonai! — Levei a mão a boca, estupefata com a visão que tive.
Não sabia que ele tinha sofrido tanto e, pelo visto, deve ter ficado
meses inconsciente ou internado.
— Pronto. Agora pode ir embora ciente de que me tornei esse resto
humano. Sobre a criança, ainda não sei como reagir a essa informação, mas...
— Ele foi se vestindo novamente enquanto falava. — Se o menino for
mesmo meu filho, ficará comigo aqui e será treinado desde já. Não quero um
filho fraco e sentimental.
— O quê?
Gritei e impedi que ele colocasse a máscara de novo, eu precisava
olhar cada pedacinho do seu rosto enquanto dava a cartada final.
Segurei em seu rosto e o fiz me olhar com receio. Ele não sabia o que
esperar. Estávamos tão perto que meu coração tolo e infeliz pedia
ardentemente que eu me lançasse sobre ele como uma idiota.
Mas eu não era mais a menina do passado.
— Só quero que me diga uma coisa. Apenas uma coisa. — Acariciei
seu rosto, tocando delicadamente as marcas de queimadura. — Estamos aqui
só eu e você. Sem mentiras. Dois adultos que já sofreram mais do que
deveriam. Me diga se o que vivemos antes da maldita explosão foi mentira ou
foi verdade?
Seus olhos passearam pelos meus, tão penetrantes e límpidos. Por um
segundo eu vi a máscara impenetrável cair por terra e enxerguei um dilema
interno sendo travado nele.
Seu olhar, por milésimos de segundos, passou dos meus olhos à
minha boca e depois ele os cerrou, antes de dizer:
— Já soube demais por hoje. Agora vá.
Se desvencilhou do meu toque e colocou a máscara, finalizando seu
traje de Rei do Sul.
— Eu vou, mas não vou desistir. Vou voltar.
Ele destravou a porta e abriu para que eu saísse, mas assim que pus o
corpo para fora, o ouvi dizendo:
— Eu sei. Eu sei que vai.
Capítulo 15
JOSHUA
Eu estava com Zion caminhando pelo quarteirão enquanto ele
brincava com um cachorrinho que apareceu por ali. Estávamos esperando o
retorno de Rivka da conversa que teria com o Rei do Sul, vulgo Malcolm.
Desde que eu o vi vivo novamente, muitas coisas deixaram de fazer
sentido. A missão que ele me delegou junto com sua esposa, não teria
nenhuma valia pois o homem simplesmente decidiu fazer tudo sozinho e nos
anular da jogada.
O que me preocupava não era tanto a parte estratégica de tudo e sim, a
sentimental.
Jamais me apaixonei ou me deixei levar por sentimentos, mas já tinha
percebido que meu coração começara a alimentar sentimentos involuntários
por Rivka. Eu gostava dela. Não era paixão, muito menos amor, mas eu
gostava demais a ponto de desistir do que eu desejo para que ela fique bem.
O que para mim era um grande perigo. O marido dela estava vivo e a
qualquer momento eles se acertariam. Não estamos vivendo em um romance
comum das novelas, os fatos são mais difíceis do que poderíamos imaginar.
Mas Rivka o ama.
Ela ainda ama o canalha.
Ele não a merece, mas é o dono do coração dela.
Eu só queria saber como lidar com a pontada que sinto toda vez em
que penso em ir embora e deixá-la finalmente sozinha.
MALCOLM
— Não me encha de perguntas, Delta!
Lá estava ela, enchendo minha paciência.
Rivka tinha ido embora e eu executei dois julgamentos, me deixando
livre para um fim de tarde de descanso em minha sala particular. Mas minha
fiel escudeira não conseguia manter a língua dentro da boca.
— Pergunto sim! Sou a única nesse lugar todo que sabe a verdade
dessa história e, se você ficar de lenga lenga pra falar pra ela, eu é quem
direi!
Retirei o meu selo oficial de dentro da gaveta e comecei a selar
algumas leis que ainda estavam em aprovação na política brasileira. Sem
minha aprovação, nada é decidido. Por isso que amo ser o Rei do Sul, todos
os países da América do Sul se sujeitam a mim.
Mas diferente do Patriarcado, aqui não temos leis abusivas para
esposas, crianças ou futuros líderes. A justiça do Rei do Sul é a mais limpa
que eu já vi, apesar de estar por trás de toda legalidade.
— Se interessou pela minha mulher, Delta?
Indaguei encarando os papéis, sentado à minha mesa.
Ela soltou um muxoxo e puxou a cadeira de frente a mim, do outro
lado da mesa. Sentou-se e tamborilou os dedos sobre o mármore.
— Se bem que ela é muito bonita. Mas não furo o olho de amigos.
Dei uma risada sem tanta vida. Não gostava de dizer que tenho
amigos, mas Delta, desde que entrei nessa organização, tem se mostrado
muito leal.
— Diga algo a ela e eu esqueço da sua amizade. Mato você.
— Okay, Okay, meu caro. Sei que tem coragem e não vou insistir,
mas ainda acho que está sendo um idiota. Por que quer que ela acredite que
armou tudo? Quer deixar ela pensando que você não se importa com ela e
com o menino, que eu tenho certeza de que é seu filho. Já viu a foto?
Aquilo me chamou atenção. Ainda não tinha notado o rosto da
criança. Realmente nem reparei.
— Me mostra a foto. — Levantei o olhar para ela, pedindo.
Delta sorriu de canto e levantou com um ar vitorioso, saindo da minha
sala retornando poucos instantes depois com um papel em mãos.
— Teve um dia em que nossos investigadores trouxeram algumas
fotos. Tinha fotos daquele tal segurança lá que toma conta da sua mulher,
beijando-a e logo atrás uma foto do menino. Você simplesmente ignorou as
fotos quando viu a do beijo e nem notou a do menino atrás. Mas eu peguei e
guardei.
Estendeu o papel para mim. No dia em questão, foi o seguinte depois
de Riv ter invadido minha base pela primeira vez e eu tê-la visto depois de
tantos anos. Nunca tinha encontrado seu paradeiro e já até cogitei o fato dela
estar morta. De repente ela aparece e depois eu descubro que tinha se tornado
amante do meu detetive. Mal quis saber da criança.
Segurei o papel e finalmente me permiti olhar a imagem impressa.
Era um menino de cabelos lisos loiros mesclados com castanhos e
olhar tão azul que parecia um céu de verão. O menino era a minha cópia,
quando tinha sua idade.
Era meu filho.
Fiquei por um longo tempo admirando a foto, me permitindo imaginar
como seria, se eu tivesse acompanhado a gestação dela, tivesse visto ele
nascer e segurado nos braços. Aquilo causou um aperto enorme em meu
peito.
Mais um motivo de manter Rivka longe.
Acabei dizendo que treinaria o menino para não ser sentimental, mas
ao vê-lo, com um olhar tão inocente e puro, só desejei que ele jamais
soubesse da minha existência.
Uma criança dessa não pode continuar tão inocente ao lado de um
monstro como eu.
— Preciso que eles vão embora. Só isso, Delta. Não quero que corram
riscos. Quero que vivam, mesmo que para isso eu não esteja ao lado deles.
Delta fingiu um choro falso e depois riu.
— Que nobre da sua parte. E qual dia vai dizer pra ela que você não
se lembra de nada? Que ficou quase um ano em coma graças a um médico
maluco que te encontrou nos escombros antes do fogo te detonar todo? Que
dia vai dizer a ela que sua memória se apagou por meses e não se lembrava
onde ela poderia estar, nem o que tinha feito ou dito a ela desde a última
recordação? Alfa, você tem que esclarecer tudo pra ela!
Soquei a mesa com tanta fúria que Delta saltou em sua cadeira.
— Não entende? Ela precisa viver! Os dois precisam estar protegidos!
Eu já a introduzi nessa realidade de merda uma vez, sabendo que ela não
suportaria! Não posso ser esse idiota outra vez. Se eu contar a verdade para
Riv, ela vai querer ficar ao meu lado. Eu a conheço.
— E sei o quanto é teimosa e blá blá blá...
Ela cantarolou, debochando de mim.
— Agora me deixa em paz. Se eu morrer no fim de tudo, não vou
perder nada que já não tenha perdido uma vez. Agora Rivka e o meu filho
precisam viver a vida que, por minha causa, nunca conseguiram viver.
RIVKA
Uma confusão só era a minha cabeça.
Por um lado, eu queria ir embora. Ser rejeitada e expulsa mais de uma
vez por quem eu esperei reagir de forma totalmente contrária, deveria ser
motivo suficiente pra me mandar pro Canadá novamente.
Mas por outro lado, eu tinha uma pulga atrás da orelha.
Algo me dizia que havia mais nessa história do que somente o que eu
conseguia ver e ouvir.
Assim que cheguei em casa, Joshua estava deitado no sofá
observando Zion que desenhava em seu caderno sentado no tapete bem ao
lado dele.
— Zeta trabalhou hoje?
Foi a primeira pergunta que fiz. Por não termos estado juntos nos
últimos dias lá fora, Josh não tem nem ligado a robô que instrui Zion em
lições escolares.
— Apenas uma hora. Demos uma volta lá fora e fiz ele gastar
bastante energia.
Zion enfim se despertou de sua obra de arte e notou que eu havia
chegado.
— Mamãe! — Levantou os olhos para mim e estendeu os braços.
Fechei a porta da sala com a chave e andei rapidamente até meu
pedaço de céu. Abaixei e o envolvi com um abraço caloroso, depositando
beijos sobre sua cabeça.
— Que saudade a mamãe sentiu, meu amor.
Envolvendo meu filho nos braços, me lembrei da ameaça de Malcolm
contra ele. Ninguém seria capaz de tirá-lo de mim para introduzí-lo a uma
realidade tão cruel quanto a que ele vive.
— Hoje o dia foi muito bom. Até encontramos um cachorrinho
abandonado na rua e brincamos com ele!
Ele me contou empolgado sobre o dia e Joshua, ainda deitado
encarando o noticiário que passava na tevê, me causava uma leve sensação de
familiaridade. Era como se eu tivesse ido trabalhar e retornasse no fim do dia
para minha família.
— O que fizeram com o cachorrinho?
— Achamos um casal que estava caminhando na estrada que acabou
gostando dele e levando pra casa. Eu queria muito um cachorrinho mas o tio
Josh disse que logo voltaremos pra nossa casa e não podemos levar nenhum
animal.
Assenti, fitando os olhinhos azuis mais sinceros do mundo.
— Tio Josh tem razão. Acho que está bem perto a hora de voltarmos
pra casa.
Isso despertou a atenção de Joshua, que enfim me encarou. Eu firmei
meu olhar no dele, deixando no ar que precisávamos conversar mais tarde.
E depois de um banho relaxante, coloquei meu filho para dormir e
chamei Josh, que já estava em seu quarto, para conversarmos sentados à
mesinha na sala.
Assim que nos sentamos, ele foi direto.
— O que ficou resolvido? Não gosto de deixar você sozinha nas
missões, me sinto um inútil.
Rolei os olhos e contei tudo que houve naquele dia, deixando claro o
que pensava sobre Malcolm e tudo o que tinha me dito.
— Eu preciso ter acesso a tudo que Malcolm deixou para mim. Tudo
ficou no Canadá. Tenho que juntar as peças desse quebra-cabeça louco.
Ele assentiu, quieto. Reflexivo.
— Acho que não vai mais precisar dos meus serviços, Rivka.
— O que quer dizer com isso?
Ele desviou o olhar e encarou algum ponto aleatório do cômodo.
— Somos amigos, convivemos por anos e eu gostei de ser útil para
você, assim como você também foi uma ótima companhia. Mas agora,
independente de tudo, é algo que apenas você pode resolver. O último passo é
só seu e o Rei do Sul não é nada mais nada menos do que uma pessoa que
conhece seu potencial. Eu não acho que ele realmente quer o que deixa
transparecer. É quase impossível você passar pela vida de alguém sem deixar
sua marca pessoal.
Quando ele citou essa última frase, meu coração se aqueceu e eu pude
notar certa melancolia no seu tom de voz. Joshua sempre foi tão profissional
e imparcial, mas daquela vez ele demonstrava algo mais. Isso me deixou um
tanto aflita.
— Não precisa ir agora, você pode esperar que ao menos eu consiga
firmar esse acordo ou ao menos esclarecer a Malcolm tudo o que ele mesmo
tinha pedido para mim depois da suposta morte.
Ele deu uma curta risada sem humor e vida alguma.
— Sabe o que vai acontecer? Vocês vão se acertar. Eu vi o quanto
você o ama, vi de perto, por cinco anos. Li cada uma das cartas dele, peço
desculpas, mas eu precisava fazer meu papel de investigador com excelência.
Ele não parece um homem que fingiu tudo aquilo. Quando eu o via
pessoalmente, antes do plano ser executado, os olhos dele brilhavam ao falar
de você. Isso com certeza foi real. Eu preciso estar longe no momento em que
vocês enfim se entenderem. Posso acabar sendo uma pedra no caminho e eu
não fui contratado para isso.
Engoli minha vontade de chorar, porque foi isso que senti naquele
momento.
Odeio despedidas e Joshua tinha conquistado um lugar tão especial no
meu coração, que eu nunca imaginava o dia em que ele iria embora. Não
queria imaginar.
— Posso pedir ao menos um favor?
Toquei sua mão sobre a mesa e a segurei com força.
Ele assentiu, me fitando olho no olho.
— Volte comigo para o Canadá e me oriente da melhor forma. Me dê
os melhores planos e me ajude a arquitetar algo frio, para que, quando eu
voltar ao Brasil, seja para confrontá-lo de uma só vez e enfim concluir a
missão que o homem que eu amei — não esse de agora —, me incumbiu.
Então poderá ir para sempre.
Josh pareceu ponderar minha proposta por longos segundos, mas
suspirou pesadamente antes de assentir.
— Eu ajudo. Não seria o homem que sou se te abandonar antes do
último ato.
Me levantei e o chamei para que se levantasse também. Ali nos
abraçamos, não como adultos que supriam sua carência emocional um com o
outro, ou pessoas que eram meros aliados. Nos abraçamos como amigos leais
e pessoas determinadas a ir até o fim pelo que se dispuseram a fazer.
Capítulo 16
MALCOLM
ANTES
RIVKA
ATUALMENTE
Com certeza Malcolm, ou Rei do Sul, como quiser chamar, pensou
que eu desisti da minha ideia de compreender como tudo aconteceu no nosso
passado.
Mal sabe ele que fui apenas me munir de informações, retornando ao
Canadá.
Joshua e Zion, assim que pisamos em terras canadenses, trataram de
combinar as atividades que fariam juntos assim que chegássemos em casa. Eu
não conseguia tirar Malcolm da minha cabeça, como uma praga.
Alimentei o amor e a perda que sofri por tantos anos, que a ideia de
tê-lo novamente em minha vida era um alento, ao mesmo tempo que ter
ciência de que o homem que amo não é mais o mesmo, me gerou uma onda
profunda de repulsa.
Não dele, mas do que se tornou.
Nunca vi uma pessoa se adaptar tanto ao meio onde vive, como ele.
Consigo lembrar claramente o processo que foi, para que o Patriarca
senhor Samuels jogasse por terra a capa de impenetrável e enfim se
entregasse ao que sentia por mim.
— Meu coração é o órgão mais leal do meu corpo. Ele não costuma se
enganar, muito menos ser persuadido por qualquer coisa. Hoje ele está
totalmente subjugado, mas nunca foi tão feliz. Sabe por quê?
Abanei a cabeça em negativa, já ansiosa pelo que diria.
— Porque ele obedece somente aos seus comandos. Os comandos da
sua dona.
Fechei os olhos e absorvi a intensidade daquelas palavras.
Era um “eu te amo”, de outro jeito. Malcolm estava aprendendo a se
expressar, a demonstrar seu amor, seu afeto com palavras.
E, céus, ele estava fazendo aquilo melhor do que qualquer humano
que já está acostumado.
O que Malcolm fazia que não era melhor do que qualquer pessoa?
O homem era a perfeição em tudo que se empenhava em fazer.
— Meu amor por você não para de crescer — sussurrei e cheguei para
mais perto dele, tocando seu rosto. — Obrigada por sempre surpreender o
meu coração.
— Não mereço seu amor.
De vez em quando ele vinha com essas ideias.
— Merece sim. Não só o amor, mas tudo que vem com ele. É um
pacote completo.
Abanei a cabeça desanuviando a lembrança e impedindo que uma
lágrima solitária deslizasse por meu rosto, enquanto seguíamos todos em um
carro alugado até nosso povoado. De lá, acessaríamos a entrada pela casa
externa.
O trajeto não era tão longo. Já estávamos acostumados a sempre
viajar e, nesses últimos cinco anos eu pensei que jamais viveria outra vida.
Acabei me acostumando.
— Pensando, mamãe?
Zion me fez parar de olhar a pista e encarar seus olhinhos azuis
reluzentes.
— Sim, filho. Pensando em como posso agradar o amor da minha
vida, que é você.
Toquei a ponta do seu nariz e ele riu ao meu lado, ambos sentados no
banco traseiro.
— Pode pensar em fazer alguma comida doce bem gostosa.
Ele esfregou uma mão na outra e estreitou os olhos, como quem
elabora um plano maquiavélico. Ri, abraçando meu pedaço de mim em
seguida e ali ficamos no nosso pequeno mundinho até que chegássemos em
casa.
Joshua, no entanto, se manteve quieto desde o voo do Brasil para cá.
O avião, por ser alugado, não me dava opções de companhia a não ser ele e
Zion, e mesmo assim, a maior parte das horas todos dormiram.
A solidão já me cumprimentava como uma velha amiga, e eu enfim
caí em mim.
Nada do que vivi até hoje, foi totalmente sozinha.
Quando eu não tive mais meu pai, tive Malcolm. Quando não tive
Malcolm, tive Joshua.
Agora Joshua se vai e eu preciso aprender a lidar com o mundo como
ele é, pois só assim meu filho estará sendo formado da melhor forma.
(...)
Dias depois
Passei os dias desde que cheguei ao Canadá, juntando todas as
informações que tinha de Malcolm. As cartas, que estavam em um baú no
cofre secreto, os utensílios que ele deixou preparado para meu uso defensivo
e de ataque, a mala com roupas e itens pessoais dele que eu nunca quis me
desfazer, e por último, uma pequena maletinha que eu escondia a sete chaves
por baixo de todas as roupas antigas de Malcolm.
Nessa maletinha continha uma carta, onde ele menciona um pen
drive, junto com o bendito do item.
Ainda não tinha averiguado o que havia naquele pen drive, mas, assim
que eu retornasse ao brasil, veria em meu notebook pessoal antes de qualquer
coisa.
Tudo isso, depois que Joshua enfim fosse embora.
A frieza que ele tem demonstrado por mim desde o dia em que disse
que sua missão estava chegando ao fim, só me demonstrava o quão
profissional foram os nossos laços.
Eu cria piamente que poderia manter ao menos uma amizade com ele,
mas pelo visto, seria apenas uma amizade de mão única, porque ele jamais
me retribuiria.
Após fechar as malas sobre a cama do meu quarto, para meu retorno
ao Brasil, alguém bateu a porta e abriu em seguida:
— Tudo pronto?
Era Joshua. O chamei para entrar sinalizando com a mão e ele se pôs
corpo adentro.
— Tudinho. Falta apenas as coisinhas de Zion.
Ele alisou a mão nas coxas e sentou, parecendo um pouco reticente
sobre o que falaria a seguir.
— Acho que podemos então elaborar seu plano infalível, não é
mesmo?
Um sorriso amplo e cheio de esperança surgiu em meu rosto.
— Mas é claro! Me dê as coordenadas.
Ele assentiu e tirou do bolso do jeans um papel dobrado. Abriu
lentamente e eu pude perceber que ali estava um mapa.
Mas era um mapa completamente diferente dos que eu vi até então.
Capítulo 17
MALCOLM
ANTES
Já tinham se passado algumas semanas depois do meu retorno à vida.
Ainda não conseguia identificar muitas coisas a minha volta, mas a visão
estava ficando cada dia mais clara.
Logo nos primeiros dias eu arrisquei me recordar do local onde eu
estava, quando me acidentei, no entanto nenhuma lembrança vinha a minha
mente.
Eu não sabia como eu tinha sido queimado vivo e como fui parar
naquele local.
Precisava de muitas respostas.
— Trouxe sua sopa.
O médico que me tratava, entrou no quarto branco onde eu estava
hospedado desde sempre e sentou ao meu lado em uma cadeira também
branca.
— A visão ainda está embaçada?
— Não muito.
Minha voz era um risco trêmulo. Tão rouca quanto se tivesse sido
usada em estádios como um torcedor leal de algum time por longos dias.
Ainda não conseguia me mover completamente, mas ele me ajudava a
sentar para me alimentar. Eu queria sair dali o mais rápido possível porque
algo me dizia que as pessoas que prezo estavam em perigo.
Ao pensar nas pessoas que sentia falta, ela veio em minha mente.
Rivka.
Eu tentava me lembrar claramente de tudo que vivi com ela, mas suas
aparições em minha mente viam sem ordem em flashes inacabados.
Como a cena que veio no momento em que me alimentava naquela
tarde.
– O que está fazendo?
Ela mantinha a mala sobre o colchão e colocava as mudas de roupas,
me ignorando completamente.
– Riv. O que está fazendo? Por que arruma a mala?
Ela então virou o rosto para mim, e notei seu olhar marejado e
cansado.
– Malcolm – fechou a mala e a colocou no chão –, estou pedindo a
você o nosso divórcio. Vou embora agora da sua vida.
Ao recordar aquele momento, meu coração começou a acelerar. Ela
foi embora e... E depois?
O homem de cabelos grisalhos ao meu lado imediatamente percebeu
meus batimentos acelerados pois eu estava conectado a inúmeras máquinas.
— Opa. O que aconteceu aqui? — perguntou amigável.
Eu não confiava nele, mas ele estava me alimentando e me mantendo
vivo. Devia dar algum ponto de confiança, afinal.
— Você sabe do meu... passado?
Eu enfim perguntei.
Perguntei porque eu estava perdido. Perguntei porque ele ainda não
tinha me dito nada além de vagas informações do agora. Semanas internado
não fez com que nada do passado se esclarecesse.
Ele depositou a tigela com a sopa em um cômodo perto dali e
retornou ao lugar de antes: ao meu lado.
— Já quer saber de tudo? Acho que se eu contar tudo o que sei, você
vai querer sair dessa maca hoje e isso vai te matar. Precisa esperar e se
recuperar completamente. — Deu uma pequena pausa encarando as mãos
sobre as próprias pernas. Depois me fitou. — Se lembrou de algo relevante?
Respirei fundo e virei o rosto para a janela na minha esquerda, o lado
oposto de onde ele estava.
— Nada importante.
Eu não entregaria Rivka assim, sem ao menos entender tudo o que
estava acontecendo comigo.
(...)
RIVKA
ATUALMENTE
Estava chocada com a forma tão eficaz que Joshua trabalhava. Ele
simplesmente encontrou o mapa do local onde Malcolm estava morando. Era
uma residência secreta e, segundo ele, apenas o Rei do Sul tinha acesso.
Não perguntei como ele conseguiu tal proeza, mas decorei cada
acesso e cada cômodo, porque era lá, naquele lugar, que eu reapareceria
finalmente com todas as minhas cartas na manga.
E que Elohim me ajudasse, porque se ainda assim eu não conseguisse
o que desejo: Que é destruir o maldito patriarcado com minhas próprias
mãos; Terei de tirar o Rei do Sul dessa jogada.
(...)
(...)
(...)
ATUALMENTE
Para minha infelicidade, Riv estava vestida novamente, sentada na
poltrona do meu quarto lendo todo o conteúdo das pastas.
Ali estavam os noticiários internos e externos do Patriarcado, meus
laudos médicos e fotos de todo tempo que passei naquela casa na Groelândia
com Dr. Goubert.
Também uni nos arquivos meus documentos falsos, meus disfarces e
todas as anotações que fiz sobre os locais que passei e dentro dos relatos eu
sempre mencionava o fato de não ter encontrado Rivka.
Ela com certeza leria uma por uma.
Eu a procurei pelo mundo inteiro, porque por mais que não me
lembrasse dos últimos acontecimentos antes da minha quase-morte, eu sabia
que a amava.
Não tinha dificuldade para assumir isso dentro de mim.
Era claro como água cristalina o quanto ela tem poder sobre mim.
Rivka era, é, e sempre será a minha dona.
E putz, eu não queria que ela se arriscasse por minha causa outra vez.
Doeu demais ter que tratá-la como um lixo para que a mantivesse segura com
nosso filho longe de toda essa bagunça. Mas um traço muito forte da
personalidade dela é a teimosia.
E eu amava mesmo sendo o ser mais cabeça dura que já pisou na
Terra.
— Ainda falta um bocado.
Comentei, sentando ao seu lado.
Acabei enrolando uma toalha na minha cintura. Queria deixar tudo
mais sério entre nós e a nudez poderia ser um impedimento. No entanto,
queria que ela compreendesse que ainda não tinha acabado o que houve há
pouco tempo naquela bendita cama.
Ah, mas não tinha nem começado, na verdade.
— Já disse que vou ler tudo — disse, com os olhos fitos nos papeis.
— Depois tenho perguntas a fazer.
Relaxei o corpo, deitando no colchão macio e encarando o teto.
Um alívio tomou conta do meu corpo, quando eu cedi para ela.
Queria, desde o começo, ter agarrado essa mulher e mostrado o quanto senti
sua falta. Mas as coisas não eram como eu desejava e, mesmo cedendo agora,
ainda tínhamos que estabelecer limites para certos riscos que ela correria.
Todo meu plano teria de ser alterado.
Maldição.
(...)
(...)
(...)
(...)
(...)
Levei alguns dos meus soldados de elite para irem comigo resgatar
Zion. Pedi que Rivka ficasse, mas ela não quis. Disse que mataria todos que
visse pela frente, caso fosse necessário.
Eu desconhecia aquela ousadia toda, pois mesmo sabendo que agora
ela tinha outros posicionamentos, jamais me esqueceria da doce mulher
pacata pelo qual meu coração se envolveu. Eu amava a ambas.
Não demorou muito para que invadíssemos o local que o traidor havia
informado e, como eles não esperavam que eu soubesse da existência deles,
foi fácil entrar lá e logo encontrar meu pequeno desfalecido amarrado a uma
cadeira onde estava sentado.
— Filho! – Riv correu até ele sem pensar.
Enquanto ela corria, eu comecei a atirar em todos os homens que
vinham na nossa direção. Entramos na calada, mas o grito dela alarmou os
que estavam ali, guardando a criança.
— Não adianta tentar. É o fim de todos vocês.
Delta e mais outros soldados me acompanharam, finalizando com
quem viesse nos atacar enquanto seguíamos adiante até chegar em Zion. Riv
já o envolvia protetoramente enquanto uma arma se fazia presente em sua
mão direita, apontada para todos os lados no seu estado de alerta.
Eram doze homens naquele galpão abandonado.
Doze traidores e cupins do Patriarcado.
Assassinamos todos e, graças a Deus, meu filho não viu nada daquilo.
— Delta, dê uma verificada no lugar. Veja se há algo importante que
precisamos levar.
Ordenei enquanto me aproximava de Zion e Rivka, que se mantinham
no meio daquele amplo salão, unidos. Riv tentava desatar os nós das cordas
que prendiam nosso filho e ele, ainda desacordado, não reagia a nada.
— Está respirando?
Perguntei abaixando-me ao lado dela e ajudando a desatar os nós.
— Sim, mas parece que foi dopado.
Não tinha focado no rosto da minha mulher ainda, mas ao ouvir sua
voz trêmula e embargada, notei o quanto daquela menina pura e ingênua
ainda havia em seu interior. Ela conteve os sentimentos até onde conseguiu,
mas ali, no fim de tudo, não conseguia mais reprimir o que sentia.
Lágrimas deslizavam por seu rosto de mãe aflita enquanto livrava
nosso filho das amarras e tocava a pele branca do corpo dele que estava suja,
verificando pulsação e procurando marcas de espancamento.
— Isso tudo vai acabar logo, eu prometo a vocês.
Sussurrei próximo do ouvido dela, em uma promessa.
(...)
Rivka
O maior susto que eu poderia levar depois do sequestro do meu filho,
foi a possibilidade de perder Malcolm outra vez.
Mas graças a meu elohim, isso não aconteceu.
Fiquei orando e com total atenção à escuta desde o momento em que
ele saiu, até a implosão do prédio do Patriarcado.
A imprensa mundial se movimentou em instantes e, em todos os
canais de noticiários mundiais, se anunciava a queda simultânea de prédios
pelo mundo.
O Patriarcado não podia ser divulgado tão abertamente em imprensa,
então apenas ficou no ar um ataque mundial, que abalou milhões de pessoas
ao redor da terra, por não saberem sobre o que se tratava tal atentado.
No fim daquele dia Malcolm retornou para mim, ferido, mas vivo.
E eu tive a plena certeza de que nossos dias a partir daquele, seriam
completamente diferentes. Uma paz invadiu meu peito ao imaginar como
seria nós dois juntos, numa vida sem disfarces e perseguições.
Dar a vida que sempre sonhei ao meu filho, ao lado do pai dele.
(...)
Meses depois...
Retornamos ao Canadá, depois de implantar e inaugurar a RISE –
ORGANIZAÇÃO MUNDIAL. Rise significa Ascenção e pelo fato de
Malcolm e eu estarmos de frente, não tivemos muita resistência dos líderes
mundiais. Acessamos todos os dados do antigo Patriarcado e simplesmente
convertemos tudo à nossa nova organização.
Estávamos buscando tudo que tinha ficado na casa subterrânea e
Malcolm, pela primeira vez desde o incidente, entrou na casa. Ele não se
lembrava daquele lugar, mas quando chegamos no quarto onde tínhamos feito
amor diversas vezes, ele teve alguns lapsos de memória, como sempre.
Ele se recordava apenas de momentos muito marcantes para ele.
Nesses dias no Canadá, lembrei de sonhos que tive em um local de
gelo e todos eles se realizaram ali, durante todos aqueles anos.
Eram sonhos premonições.
Nosso filho já sabia que Malcolm era seu pai, no começo ele não
entendeu exatamente como foi possível o pai morrer e voltar à vida, mas
depois da paciente explicação do pai, ele compreendeu e ficou feliz por saber
que enfim teria uma família como a das crianças dos filmes e desenhos que
assiste.
O médico que cuidou dele no Canadá foi incluído na nova
organização com selo de honra e reconhecimento por manter a vida do chefe
sã e salva. O homem era bondoso e muito inteligente. Um médico cientista
que poderia mudar o mundo.
— O que tanto olha, amor?
Meu marido veio por trás e me envolveu com seu abraço forte e
caloroso naquele frio impetuoso na área superior à casa.
Eu encarava o céu branco e a neve à perder de vista.
Estava me despedindo de um pedaço da minha vida.
— Estava lembrando os momentos que já passei aqui. Me
despedindo.
Minha voz soou melancólica.
Ele firmou seu abraço e beijou meu ombro.
— Tenho notícias do Joshua.
De imediato me virei para encará-lo de frente. Os olhos arregalados,
ansiosos por saber se meu amigo estava bem.
— Ele está bem?
Malcolm tocou meus ombros e assentiu.
— Está bem. Está como segurança pessoal da filha do presidente dos
estados unidos. Não sei se era bem uma missão que ele gostaria de exercer
mas... Parece que ele está se saindo bem.
Tapei minha boca, em espanto.
— Minha nossa! Ele deve estar irritado por trabalhar em algo tão...
Tão...
Ele deu de ombros.
— Eu garanti um trabalho muito lucrativo para ele. Estava ajudando-
o, mas não sabia que seria como babá.
Ali eu soube que ele providenciou a ida de Joshua para sua nova
missão. Era certo que Malcolm não aceitaria que eu morasse com nenhum
homem senão ele, e sinceramente, eu bateria de frente com essa decisão dele
mas... Sentia que Joshua iria mesmo se Malcolm não movesse os pauzinhos.
— Depois mando um e-mail para ver se ele está bem. — ponderei,
sem saber se ele responderia algum e-mail.
— Eu morro de ciúmes dele e peço perdão por me intrometer, mas...
Não vou me opor caso queira manter contato com ele.
Gostei de escutar aquilo e abracei o amor da minha vida com força.
Não tínhamos um relacionamento normal nem perfeito aos olhos da
sociedade. Éramos dois traumatizados, cheios de mazelas da vida e histórias
para contar, mas éramos um quando estávamos juntos.
Nosso objetivo junto sempre foi e sempre será, a harmonia da nossa
família.
E foi ali, me despedindo daquele lugar, que chamei Zion para também
dizer adeus à casa. Nós três deixamos o Canadá e tudo o que ele representou.
Cada dor, cada momento triste cheio de ódio e sede de vingança ficou para
traz.
O que levamos foi apenas a vontade de continuar uma vida abundante
cheia de sonhos a realizar.
Meu filho estava feliz com o pai e comigo, e para mim, isso era o
suficiente.
Estava finalmente vivendo o amor, em toda sua plenitude.
Epílogo
Cinco anos se passaram.
— Mãe, pai!
Zion veio correndo pelo amplo campo gramado da nossa fazenda no
interior da Inglaterra. Governávamos a RISE, mas mantínhamos nossa vida
simples longe de toda a movimentação da cidade grande.
Nosso menino já tinha nove anos e gostava de catalogar insetos. Ele
saía pela fazenda e, cada animalzinho novo que via, queria catalogar.
Compramos uma câmera e deixamos ele livre para fotografar cada um
dos insetos que via.
— Oi, filho.
Malcolm e eu estávamos abraçados sentados sobre um tecido que
forrava a grama naquele fim de tarde. Era fim de semana e gostávamos de
passar conversando sobre qualquer trivialidade que não fosse a RISE.
Já estávamos com uma idade madura, eu tinha 36 e ele 46, mas o
homem não apagava jamais o fogo que sentia quando estávamos entre quatro
paredes.
Era simplesmente insaciável.
— Mãe, descobri um inseto novo, perto do lago! Olha a foto!
Zion mostrou a foto e logo vi correndo pelo mesmo trajeto que ele,
nossa pequena Thalia, de apenas quatro aninhos.
— Papai, Zion me deixou sozinha com os bichos!
Ela correu para o colo de Malcolm, que como um pai protetor que
mimava demais essa criança, abraçou sua filha e caiu na lábia dela de que
havia sido abandonada pelo irmão.
Thalia parecia muito comigo, mas os olhos eram heterocromáticos.
Um era castanho e o outro era azul. Uma raridade que mal se vê hoje em dia.
Ficamos nós quatro ali, conversando com nossos filhos, apenas
vivendo um dia de cada vez, deixando que a felicidade atual simplesmente
apagasse qualquer sofrimento que tivemos no passado.
— Zion, meu filho, sua irmã precisa da sua proteção.
Malcolm alertou ao menino, mesmo usando um tom brando de voz.
— Ela quer fazer tudo que eu faço, pai. Já falei que mexer com bicho
é coisa de criança grande.
Ele retrucou.
— Então vamos fazer assim: Fiquem aqui vendo o sol se por com
papai e mamãe, e depois faremos o que mais gostamos de comer lá na
cozinha...
Os olhos das crianças se arregalaram, brilhando, e quando olhei para
Malcolm com Thalia do meu lado, o brilho dos olhos dele era mais malicioso.
— Panquecas!
Todos gritamos em uma só voz.
Panquecas era a melhor programação em família.
(...)
FIM
Agradecimentos
A Deus.
Obrigada, Senhor.
Obrigada porque sem seu amor, sem sua ajuda, sem sua inspiração eu
nada seria.
Sua graça me trouxe até aqui e, mais uma vez, um livro está sendo
lançado depois de tantas lutas.
Obrigada por ser tão bom comigo, eu te amo!
Obrigada a Poliana e as meninas do grupo do whatsapp!
Obrigada às minhas amigas literárias que sempre me ajudam quando
preciso. Vocês sabem quem são vocês!
Obrigada aos leitores do wattpad, por cada comentário motivador.
Agradeço a Renata que revisou, ao Will que fez a capa e a Alice Lima
que diagramou. Vocês são top!
Mais uma vez, obrigada a você, leitor, por me dar a chance de mostrar
mais uma de minhas obras.
A. G. Moore.
FACEBOOK
GRUPO FACEBOOK
INSTAGRAM
WATTPAD
Último lançado na amazon:
Nosso Acordo.
Até quando uma amizade pode chegar?
Camila e Miguel sempre foram amigos, mas um acordo chegou para
provar que tudo poderia ser diferente num piscar de olhos.
Mais de um milhão de leituras na plataforma Amazon
Série Feelings:
Os livros de romance com drama que te farão suspirar, chorar e se
apaixonar até a última linha lida!
Inesquecível
Imensurável
Irrefreável
Indestrutível
Quatro amigos — Como tudo começou (conto spin-off)
Teorias sobre o amor (conto spin-off)