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Canção da vingança
Titãs
Eu nasci para ser o sucessor do meu pai, o Don da Cosa Nostra. Fui
forjado e moldado para um dia estar a frente de tudo aquilo que meus
antepassados criaram e ao longo do tempo, de geração em geração, fomos
tornando o império da Famiglia ainda maior. Meu destino foi selado, assim
como o de minha futura esposa, Allegra Cattaneo, a princesa da Camorra.
Durante muitos anos, uma guerra entre a Famiglia e a Camorra se estendeu, até
que cinco anos atrás, meu pai foi procurado por Humberto Cattaneo, o capo da
Camorra. Aquele velho trouxe um tratado de paz para com a Famiglia,
oferecendo sua única filha para um casamento comigo, também único herdeiro.
O tratado é simples, além da paz e de várias rotas para o transporte dos nossos
carregamentos de drogas e armas que foi assinado, eu e Allegra deveríamos nos
casar assim que ela completasse dezenove anos, quando eu já estaria com meus
vinte e nove anos. Além disso, caso nós dois viermos a ter dois filhos homens,
o primogênito herdará a cadeira da Cosa Nostra e o segundo filho homem será
o próximo capo da Camorra. O velho filho da puta queria garantir um herdeiro
de sangue, já que sua filha jamais poderia assumir o seu lugar e ele não queria
mais filhos depois que sua mulher morreu no parto de Allegra.
Um casamento com vários propósitos e esperado por anos.
Quando meu pai foi assassinado faltando um mês para o casamento, eu
soube que as responsabilidades começariam cedo, mas apesar de ser um dos
chefes mais novos a assumir a liderança da máfia, todos sabem que eu estou
pronto.
Uma das minhas primeiras ordens depois de assumir a cadeira de meu pai,
foi começar uma busca para achar quem o matou, para poder vingar sua morte.
Seu assassino, até hoje desconhecido, ainda sentirá minha ira por ter tirado a
vida de Carlo precocemente. Apesar de não ter sido um exemplo de pai, é meu
dever como chefe vingá-lo, mas enquanto eu ainda não tenho o culpado em
minhas mãos, aqui estou eu, sentado em minha cadeira no escritório, vestindo
um smoking, à espera do início do meu casamento.
Não possuo expectativas altas para essa união, só espero que ela não seja
uma pirralha problemática e fútil, como tantas outras mulheres da máfia. Passei
todos esses anos vigiando de longe minha querida noiva e sei tudo a seu
respeito, só que nunca troquei mais do que cinco frases com ela, em eventos
onde minha presença era necessária. Allegra se tornou uma mulher linda, mas
eu também vi em seus olhos, todas as vezes em que a vi, que ela é uma mulher
que traz consigo uma força imensurável e a teimosia como principal
característica. Que Deus a ajude saber escolher suas lutas e que ela não escolha
justo uma luta contra mim.
Eu fui moldado para ser o que sou e nada nem ninguém vai ficar no meu
caminho. Minha vingança pode demorar dias, ou anos, mas sei que ela vai
acontecer. Ao contrário do que dizem, uma vingança não é um prato que se
come frio, mas sim um prato que você saboreia quando tem a paciência de
esperar o banquete ser servido.
— Chegou a hora. — Meus pensamentos são interrompidos com a fala de
Luigi Collalto, meu consigliere e melhor amigo. — Você deveria estar com um
sorriso no rosto. — Debocha, pois sabe que não sou conhecido por dar sorrisos.
— Quem sabe depois que esse circo que minha mãe montou, acabar, eu
consiga. — Viro o whisky e vou rumo ao jardim da mansão Ruggero, com
Luigi logo atrás.
— Você vai ficar bem, ela parece ser uma mulher dócil. — Ele murmura,
mas não perco o tom sarcástico com que fala.
— E você vai perder os dentes se não calar a boca. — Retruco, mostrando
uma falsa calma.
Assim que eu chego ao altar, cumprimento discretamente minha mãe e me
posiciono ao seu lado. Logo a marcha nupcial anuncia a entrada da minha
noiva, e em minha cabeça, o início de uma nova era.
Suspiro e fecho os olhos com força, na esperança de que seja um pesadelo
e que eu vou acordar e rir de tudo isso. Quando volto a abri-los uma lágrima
silenciosa desce pelo meu rosto. Não é um sonho. Eu estou olhando meu corpo
com um vestido de noiva feito sob medida, pronta para ser sacrificada, sem
direito de escolha. Desde os meus quinze anos, vivo à sombra desse casamento
com Ottavio Ruggero. Fui preparada para ser a esposa perfeita do herdeiro da
Famiglia e ninguém se dignou a me perguntar se eu queria, ou se eu não estava
com medo de me casar com o herdeiro que durante anos foi nosso inimigo.
Minha cabeça fervilha com o pensamento de não saber o que vou enfrentar
depois que disser sim naquele altar. Uma batida na porta me faz desviar o olhar
do espelho e vejo de relance quando meu pai entra no quarto que me foi
disponibilizado na mansão, onde vou morar depois de casada. Aparentemente,
meu futuro marido é apegado a esta casa e não quer deixar a mãe sozinha. Mãe.
Eu nem sei o que é ter uma, já que nunca cheguei a conhecer a minha. Cresci
sendo cuidada por babás, que faziam rodízio entre cuidar de mim e aquecer a
cama de papai.
— Você é a noiva mais linda que essa família irá colocar os olhos. — A
fala de papai me faz dar um sorriso, mas provavelmente não chegou aos meus
olhos.
— Obrigada. — Os olhos analíticos do capo da Camorra estão em mim,
deixando o lugar em um silêncio sufocante. Eu gostaria que pelo menos uma
vez na vida fizesse seu papel de pai. Ele coloca as mãos para trás e começa a
andar em minha direção, me fazendo travar no lugar.
— Lembre-se de que você está fazendo o que nasceu para fazer. Seu
segundo filho será meu sucessor na cadeira da nossa família. — Herdeiros.
Filhos homens são tudo o que papai pensa e diz a todo momento que tem
oportunidade. E se por acaso eu tiver meninas? Uma atrás da outra! Será que
ninguém pensou nessa possibilidade?
— Vou manter em mente. — Respondo, devolvendo seu olhar.
— Não seja malcriada, Allegra. Seja mais do que a mulher de Ottavio.
Mostre para todos o poder que as mulheres da Camorra possuem. Em suas
veias corre meu sangue. Seja o braço direito de seu marido, nós dois sabemos
que você não é o estilo de esposa troféu.
— Eu farei o que preciso fazer, papai. Não se preocupe. — Ele assente e
me pega de surpresa quando me puxa para um abraço apertado. Eu retribuo o
gesto, sabendo que este pode ser o último dia que poderei estar tão perto assim
dele. Creio que Ottavio não vai permitir que eu transite entre os territórios,
apesar da trégua que nosso casamento está trazendo.
— Mostre ao garoto quem é que manda. — Sorrio e me afasto quando
Cosima, minha amiga e dama de honra, anuncia que está na hora.
Reunindo todo autocontrole que preciso, levanto a barra do meu vestido
rodado estilo princesa e agradeço com um sorriso gentil quando Cosima levanta
o meu véu para que eu não pise nele. Casamentos na máfia são sagrados, e
quando envolve duas organizações diferentes, se torna um evento pomposo,
onde as aparências devem falar em primeiro lugar, porque apesar da paz que
esse evento significa, no fundo, cada um sabe que isso pode não durar por
muito tempo, principalmente se eu não tiver os dois herdeiros homens.
Paro na entrada do jardim e vejo minha amiga andar em direção ao altar
com Luigi ao seu lado, então recebo minha deixa junto de meu pai para
entrarmos.
Com a cabeça erguida, lançando meu melhor olhar de indiferença a todos,
dou meus primeiros passos rumo ao altar, mas engulo em seco quando meus
olhos se chocam com os olhos azuis cristalinos do meu noivo. Sério e com as
mãos na frente do corpo, ele me encara duramente, fazendo com que as pessoas
ao redor se transformem em um borrão, quase como se estivéssemos sozinhos.
A intensidade do olhar dele me faz arrepiar. Ottavio é tudo o que eu não queria
em um homem. Porém, cá estou eu, selando de vez meu destino, pois depois de
dizer sim diante de toda a nata das duas maiores máfias da Itália, eu serei
Allegra Ruggero, a rainha da Famiglia.
Mais uma vez durante essa cerimônia que parece não ter fim, olho para o
lado, a fim de ver Allegra com uma postura altiva de que sabe que agora é a
mulher mais importante de duas organizações. Ela parece não estar com medo
de tudo que vem pela frente.
Grandes cargos, maiores são as responsabilidades.
— Façam seus votos. — Escuto ao fundo o pedido do padre sem desviar
meu olhar do rosto da mulher ao meu lado. Ela se vira para me olhar e
lentamente faço o mesmo, ficando de frente para ela. Na máfia, demonstração
de afeto é considerado fraqueza, mas o que poucos não sabem, é que trair sua
esposa é mal visto. Porque aos olhos de todos, se você tem coragem de trair a
mulher que jurou a você fidelidade, você também terá a ousadia de trair sua
organização. Pelo menos este é um ensinamento da Famiglia. Sabemos que na
Camorra é quase uma terra sem lei, e hoje, pela primeira e última vez, vou
expor meu novo calcanhar de Aquiles diante de todos. Pois mesmo não amando
Allegra, ela é minha para proteger e com isso se torna um alvo para meus
inimigos.
— Eu, Allegra, aceito você, Ottavio, como meu marido. Prometo ser fiel a
você todos os dias da minha vida, até a morte. — Sua voz doce, mas firme me
faz ter a certeza de que a mulher na minha frente tem muito a me mostrar.
Aperto suas mãos frias, fazendo-a encarar nossas mãos e depois voltar seu
olhar para meu rosto.
— Eu, Ottavio, aceito você, Allegra, como minha esposa. Prometo ser fiel
a você e aos meus juramentos para com a Famiglia. — Ela engole em seco e eu
sorrio de lado quando o padre termina a cerimônia.
Puxo seu corpo pequeno para junto do meu e a sinto tremer levemente,
então sem dar chance para mais nada, beijo a boca intocável da minha noiva.
Quando nos afastamos, Allegra está corada, o que me faz sorrir como o
bom filho da puta que sou.
— Seja bem vinda, doce Allegra. — Murmuro no pé do seu ouvindo,
recebendo um olhar afiado em troca.
— Obrigada. — Sua resposta é simples e objetiva.
Caminhamos rumo ao outro lado do jardim, onde minha mãe organizou a
festa de casamento. Durante meses, ela e Allegra se empenharam para deixar
tudo à altura do que esse evento representa. É claro que minha querida esposa
queria realizar o casamento em Nápoles, mas eu não colocaria minha mãe e
membros importantes da Famiglia em território inimigo. Por mais que a paz
esteja selada há alguns anos, nunca se sabe quando o estopim pode acontecer
para a guerra voltar ao que era.
Me posiciono ao lado de Allegra e começamos a recepcionar os
convidados.
— Olha só para você, Allegra. Está uma noiva deslumbrante nesse Pnina
Tornai. — Minha mãe fala, sem esconder o entusiasmo. Por outro lado, minha
esposa lhe lança um sorriso doce, mas contido.
Elas se abraçam e logo minha mãe se aproxima, me dá um beijo na
bochecha, deseja felicidades e sai, levando Allegra para apresentá-la a algumas
mulheres. Não tenho tempo para relaxar, pois Humberto se aproxima quando
percebe que estou sozinho e eu coloco minhas mãos no bolso, esperando o que
ele tem a dizer.
— Parabéns pelo casamento. — Sua fala sarcástica me faz olhá-lo
friamente.
— Não aja como se isso não fosse vantajoso para você.
— Mas é vantajoso para todos nós. Seu pai estaria feliz no dia de hoje. —
A simples menção ao meu pai me deixa tenso. Aperto as mãos com força e
agradeço mentalmente por elas estarem dentro dos bolsos da calça.
— Sim, estaria. — O velho me olha como se quisesse dizer algo e está
ponderando se deve. — O que pretende, Humberto? — Ele olha a filha de
longe, entre uma roda de mulheres e volta a me olhar.
— Allegra é uma mulher forte, você não vai conseguir domá-la. — Sua
fala me deixa confuso, apesar de eu não demonstrar isso para ele. Levo meu
olhar para a pequena mulher sorrindo e conversando, tentando entender o que
Humberto quis dizer com isso.
— O que farei com minha mulher não diz respeito a você. — Minha voz
firme o faz semicerrar os olhos para mim. Ela pode ser filha dele, mas preciso
deixar claro que agora eu sou o único a lidar com Allegra. Como se sentisse
que tem algo errado, Luigi aparece falando que a presença do capo é solicitada
em uma conversa com meus generais.
— Mal casou e já quer matar seu sogro?
— Já o queria morto antes de aceitar me casar. — Respondo o meu amigo
tranquilamente.
— Mantenha a cabeça no lugar, Ottavio. Ele não vai te deixar em paz
enquanto não tiver um herdeiro na barriga da filha dele. Pelo o que andei
ouvindo, o velho está com os dias contados. — Analiso o rosto de Luigi,
tentando averiguar se ele não está fazendo mais uma de suas piadas de mau
gosto, mas seu semblante sério é a resposta de que preciso. Humberto está
morrendo. Agora o que preciso saber, é se minha querida esposa sabe disso.
— Como soube? — Ele sorri e toma um gole do champanhe que segura.
— Eu não seria seu consigliere se não soubesse das coisas.
— Quanto tempo? — Pergunto, analisando ao redor para confirmar que
ninguém está nos ouvindo.
— Isso eu ainda não sei, mas quando eu descobrir você será o primeiro a
saber.
— Alguma novidade sobre aquele assunto? — Sem tirar nem por um
segundo os olhos de cima da minha esposa, que agora está sentada com a amiga
em uma das mesas dispostas no lugar. Espero a resposta para a minha pergunta.
— Nada, ainda. Mas aqueles cartuchos não são fabricados em qualquer
lugar. — Ele sussurra e enfim ganha minha atenção total.
— Então precisamos procurar o fabricante, para achar o comprador. Não
quero falhas, Luigi. Deixe isso claro a todos. — A cada dia que passa, eu sinto
que estou perto de descobrir quem é o assassino de meu pai.
Ainda me lembro de cada detalhe daquela noite. Meu pai estava indo jantar
com um dos nossos associados quando seu carro sumiu na estrada. Fizemos
uma busca e depois de horas encontramos seus soldados mais fiéis mortos e 10
quilômetros depois, o corpo dele, com sinais claros de tortura. Nenhuma
organização rival assumiu a autoria do crime, talvez por medo da retaliação,
mas todos são tolos se acham que eu não vou caçar o culpado até no inferno.
Me aproximo de Allegra e a puxo para abrirmos a pista de dança. Mal
espero a hora de podermos subir para nossa suíte e ter nosso casamento
consumado. Eu nunca estive com uma virgem, sempre preferi as mulheres
experientes e putas dos bordéis, mas minha esposa sempre despertou em mim o
interesse de a ter em meus braços.
— O que está passando pela sua linda cabecinha? — Pergunto enquanto
dançamos uma música lenta, depois de perceber que ela está perdida em
pensamentos.
— Estou me perguntando qual vai ser sua primeira ordem quando
estivermos a sós. — Ela diz, me olhando fixamente. Seus olhos verdes estão
me analisando como se conseguissem enxergar minha alma. Talvez até
poderiam, caso eu tivesse uma. Abaixo a cabeça, ficando rente ao seu ouvido
para que ela escute com clareza.
— Minha primeira ordem será que você fique imóvel, esposa. — Ela me
olha confusa e é nessa hora que sorrio por dentro. Eu vou amar corrompê-la. —
Para que eu possa pegar uma das minhas facas e rasgar esse vestido de noiva no
seu corpo, como manda a tradição. — Sinto sua respiração acelerar.
— Você vai me machucar? — Penso em sua pergunta e analiso seu olhar
preocupado.
— Prometo te fazer sentir prazer.
— Quais são suas expectativas? — Sua pergunta sai em um sussurro, como
se não tivesse certeza se é uma boa ideia dizer algo.
— Espero sua fidelidade, Allegra. — Ainda dançando, encaro seus olhos.
— Eu posso ser muitas coisas, mas eu não vou te machucar. Só peço que não
crie expectativas sobre mim, eu não posso te oferecer mais do que proteção e
fidelidade. — Ela abaixa os olhos e fica encarando meu peito.
— Bom dia! — Allegra cumprimenta seu pai quando nos sentamos para
tomar café e sua cara de cansaço é um lembrete da noite de sexo que tivemos.
Depois de fodermos no banheiro, subimos para o quarto, e cazzo, fizemos sexo
até o nascer do sol. Mesmo com a barriga maior, ela vem se superando a cada
foda!
— Espero que tenham dormido bem! — Sorrio pelo comentário de
Humberto, mas minha esposa ao meu lado está claramente constrangida.
— Perfeitamente. — Respondo e Franco se junta a nós para o café.
Mais tarde, deixo Allegra descansando e vou com Humberto e Franco até o
escritório para continuarmos às buscas por Murilo.
— Como pensa em controlar seus homens depois da morte de Murilo? —
Pergunto ao velho Cattaneo sentado na sua cadeira, enquanto aguardamos o
retorno do meu hacker. Mesmo contra o agrado de Humberto, eu decidi usar
meus homens, invés dos seus. Só um cego não vê que seu poder já está com os
dias contados e depois que cheguei e vi em que pé anda, não posso confiar em
ninguém. Esse é um dos motivos pelo qual ordenei ontem mesmo que Luigi
mandasse mais homens para a segurança de Allegra.
— Se não percebeu, eu ainda não morri, Ruggero. Ainda sou o capo e
comando tudo isso. — A arrogância é um defeito que nos torna cegos. Algo me
diz que Humberto vai descobrir isso de uma maneira trágica.
— Se você diz. — Respondo, sorvendo o whisky.
— O que pretende fazer com Murilo? — Sua pergunta me faz fita-lo.
— Pensei que não se importasse com o bastardo do seu irmão. — Minha
fala faz ele me encarar duramente e semicerrar os olhos.
— Como sabe que Murilo é um bastardo? — Me pergunta e depois olha
para Franco sentado ao meu lado, mexendo no celular.
— Eu não seria o chefe se não soubesse de tudo, Cattaneo. Além disso, as
diferenças físicas entre vocês é mais um indicativo. — Enquanto o velho tem
resquícios de cabelos que um dia foram pretos e olhos verdes, Murilo é loiro e
de olhos bem azuis, se eu me lembro bem. Foi preciso uma rápida busca para
descobrir que o pai de ambos teve um filho com uma Russa e depois que o
próprio a matou, trouxe o filho para a Itália e obrigou sua esposa a criá-lo como
seu.
— Existem segredos que jamais podem ser revelados, Ruggero. — Ligo
um alerta com o tom usado por ele. Será que quer dizer algo?
No mesmo instante, o fato de eu ter tido um irmão gêmeo me vem à mente.
Será que ele também sabe? Elisa não me disse ao certo quem sabe dessa
história. Com isso, faço uma anotação mental para quando chegar em casa, ir
atrás de respostas.
— Quer me falar algo? — Pergunto, ainda o encarando.
— Não. Foi só um comentário e mais nada! — Ele responde calmamente.
— Sabe, Humberto, eu nunca gostei de você. — Minha fala faz com que
Franco enfim tire os olhos do celular e me olhe de lado. — Apesar de ser
casado com sua filha, continuo não gostando. Então guarde minhas palavras...
— Me inclino para frente, deixando o copo em cima da mesa de centro e apoio
meus cotovelos nos joelhos, sem perder contato visual com o velho sentado à
minha frente. — Se eu descobrir que você me esconde algo importante, eu vou
matá-lo e depois vou consolar sua filha, dizendo como o acidente que matou
seu pai foi trágico.
Minhas palavras o fazem sorrir abertamente.
— Você puxou seu pai em tudo, Ruggero! — Fala sarcástico. — Mas eu
não tenho nada a te dizer. E mesmo se tivesse, não seriam meus segredos, para
revelá-los a você.
Antes que eu tenha tempo de retrucar, Piero entra no escritório com o
telefone em mãos e sem dizer uma palavra, me entrega.
— Sim.
— Don, ele foi visto pela última vez em um bairro da periferia chamado
Tivolille. Mas o que me chamou atenção, foi ver dois dos conselheiros que
estavam na videoconferência da reunião do senhor de ontem com ele pelas
câmeras de segurança que consegui acesso. — A fala de Ciro me faz olhar
para Humberto e ele já me encara.
Eu estava certo! A Camorra está infestada de ratos e talvez eu devesse
deixá-los brigarem até a morte, me pouparia tempo.
— Ele ainda está lá?
— A última vez que consegui vê-lo, foi há quatro horas.
— Quero uma certeza. — Ordeno, desligo e entrego o celular a Piero, que
me olha ansioso.
— Espere lá fora. — Ordeno e ele assente, saindo.
Humberto me olha calado, enquanto Franco se levanta calmamente com as
mãos no bolso e anda para trás do sofá.
— E então? — O velho pergunta, sem esconder a expectativa.
— Ele está em um bairro da periferia. — Tem algo errado. Minha intuição
me diz e eu costumo ouvi-la muito bem.
— Vou mandar meus homens até lá.
— Poupe seu tempo, Cattaneo! — Uma hora dessas, ele já deve estar
longe. Oculto a informação de que ele estava com alguns de seus conselheiros.
Humberto está velho e cego demais para conseguir agir com a firmeza e frieza
que a situação pede. — Vamos aguardar enquanto meu soldado faz o trabalho
direito. Eu quero ter certeza de que ele continua lá, antes de atacar.
Saio da sala, fazendo sinal para que Franco me acompanhe, passamos pela
porta, a fechando atrás de nós e olho ao redor para ter certeza de que estamos
sozinhos. Piero se aproxima e Franco me olha, então eu repasso todas as
informações.
— Tem algo errado! Murilo estava muito bem escondido esse tempo todo
por conselheiros do velho. — Falo, fazendo os dois homens na minha frente
apertarem os olhos.
— Humberto está sendo traído! — Franco diz o óbvio.
— Aí é que está, meu caro. Pelo o que sabemos, Frederico já tem seus
aliados e parece que Murilo também. — Falo calmamente, enquanto o
entendimento cai em ambos.
— Eles já estão entrando em guerra para decidir quem vai ficar na cadeira
do capo. — Piero murmura.
— Exato. O que me leva a crer que ninguém mais nessa merda de máfia é
confiável. Os dias de Humberto estão contados, só nos resta saber quem é que
vai atacar primeiro. Frederico ou Murilo. — Falo baixo, mas olhando ao redor.
— Preciso tirar Allegra daqui. — Olho para Piero e ele entende a ordem
silenciosa, saindo em direção as escadas.
— Quem você acha que vai atacar primeiro? — Franco pergunta, me
fazendo olhar para ele.
— O que não tem nada a perder.
Murilo.
— Seja sorrateiro e posicione nossos homens perto do carro. Quando
Allegra sair pelos portões, vão embora sem olhar para trás.
— Eu não vou deixar você aqui. — Fala tenso.
— Piero estará comigo. Preciso fazer algo antes, depois os alcanço.
Em uma corrida contra o tempo, subo as escadas, indo para o quarto e
quando abro a porta, me deparo com Piero jogando as coisas da minha esposa
dentro da mala enquanto a mesma olha para ele com raiva e de braços
cruzados.
— Vamos embora, Allegra. — Minha fala a faz se virar e me olhar.
— O que está acontecendo, Ottavio? Tenho o direito de saber.
— Depois. Agora quero você fora daqui, não é mais seguro. — Respondo,
lhe dando um beijo na testa e olho para Piero saindo com a mala, nos deixando
sozinhos.
— Papai está bem? — Ela me pergunta tensa.
— A Camorra não é mais segura! É tudo o que você precisa saber. —
Engolindo em seco, ela assente e de mãos dadas nós descemos as escadas.
Quando ela faz menção de ir pela porta da frente, a seguro pelo braço e aceno
com a cabeça para que pegue o caminho para a cozinha.
— A casa está vazia. — Ela murmura durante o caminho. — Onde está
papai?
— Allegra, sem perguntas agora. Anda! — Falo firme, fazendo ela apertar
os passos.
Na parte de trás da casa, vejo Franco e Piero ao lado de um carro e ao
redor, os trinta homens que Luigi mandou.
— Tudo certo. — Franco fala no mesmo instante que Allegra estanca no
lugar e me olha.
— Eu não dou mais nenhum passo até você me dizer o que está
acontecendo. — Ela sussurra para que ninguém mais ouça.
— Seu pai foi traído, você mesma disse que a casa está vazia. É uma
armadilha para que matem todos nós. — Seus olhos se arregalam e ela dá um
passo para trás.
— Não, eu preciso ir até ele. — Fala, mas eu a seguro antes que se afaste
mais.
— Porra nenhuma. Você vai sair daqui agora. — Brado, a fazendo me
olhar com os olhos lacrimejando.
— Mas e você?
— Eu preciso fazer uma coisa com Piero antes, depois vamos alcançar
vocês.
— Eu não...
— Vai sim. — A olho firme e depois aceno com a cabeça para Franco a
pegar dos meus braços e colocar no carro. Com ela dentro do carro, ele vem até
mim demonstrando o quanto está tenso.
— Alguns homens vão ficar com vocês. — Ele diz.
— Cuide dela. — É tudo o que eu digo.
Olho mais uma vez para minha esposa sentada no banco de trás do carro.
Seus olhos estão tristes, mas ela não chora. Seu olhar diz todas as palavras que
o momento não permite serem ditas.
Aceno silenciosamente para ela em resposta.
Porque sim, eu vou voltar para ela sempre!
Com o carro longe e a casa ainda sem nenhum funcionário a vista, saco
minha arma no mesmo instante que escutamos um tiro vindo de dentro.
— Você estava certo! — Piero murmura enquanto seguimos o barulho do
disparo.
— Eu sempre estou!
Passamos pela cozinha e entramos no corredor que dá acesso a sala e ao
escritório. Piero vai na frente e eu o sigo, com dez dos meus soldados logo
atrás.
Antes que possamos apontar na sala, um disparo acerta a parede na frente
de Piero e o caos se instala. Mais tiros nos seguem enquanto estamos no
corredor, nos protegendo. Piero e mais dois homens tomam a frente atirando
enquanto eu e o restante voltamos pelo caminho, para entrar pela porta
principal.
Já nas escadas da entrada, encontramos dois homens de vigia e
rapidamente eu atiro em um e meu soldado acerta o outro ao seu lado. Subo os
degraus escutando os tiros do lado de dentro da casa, abro a porta devagar, atiro
na cabeça do homem abaixado atrás do grande sofá de couro marrom que
estava atirando na direção do corredor onde Piero está junto do restante. Dois
homens que estavam com o agora morto se levantam de trás do sofá e
começam a atirar em minha direção, mas são pegos por Piero e os meus
soldados.
— Já disse que odeio essa cidade? — Falo enquanto Piero e o resto se
juntam a mim e vamos em direção ao escritório do imbecil do Cattaneo.
— Não tem soldados do capo na casa. — Um dos meus homens fala alto.
— Eles traíram o seu capo, ratos camorristas. — Piero diz e se cala quando
chegamos em frente a porta fechada.
Olho para meu homem de confiança e balanço a cabeça, em ordem para
que ele abra a porta na sua frente.
Mal passo por ela e sorrio de lado.
— Estava me perguntando se você teria ido embora! — Murilo fala
sarcástico.
— Eu estava fazendo hora por aí... — Retruco e guardo minha arma no
coldre. Meus homens se posicionam ao meu redor com as armas em punho,
apontadas para Murilo, que tem sua arma apontada na cabeça do velho
Humberto.
Patéticos!
— Eu serei o capo da Camorra. — Coloco minhas mãos no bolso,
analisando o nervosismo do homem a minha frente!
— Da última vez que soube, você não estava na lista de sucessão. — Falo
firme.
— Depois que ele morrer. — Aperta a arma na têmpora de Humberto. —
Eu serei o chefe. Allegra não tem nada o que procurar aqui. — A menção ao
nome da minha esposa me faz enxergar vermelho e lembrar do real motivo de
ainda estar nessa cidade.
— Você é um morto vivo andando pelo mundo, Murilo. Nunca deveria tê-
la tocado. — Sinto a veia da minha testa pulsar de ódio ao me lembrar do
relado dela.
Ele sorri de lado, me olhando atentamente.
— Aquela putinha contou! — Cai na gargalhada. Olho para Humberto
imóvel. Ele não disse uma palavra desde que entrei no cômodo, provavelmente
deve ter se surpreendido por ter sido pego facilmente dentro da própria casa.
— Mais uma palavra e eu não terei pena de você, seu bastardo maldito! —
Minha fala fria o faz apertar o olhar para mim.
— Ela nem é do meu sangue. Eu não me importo. — Não o respondo,
porque enfim Humberto resolve se mexer, pegando seu irmão de surpresa e o
acertando com um canivete no braço esquerdo.
Com a distração, a arma de Murilo dispara quando os dois caem no chão e
me aproximo com Piero dos dois homens.
Pego Murilo pelo colarinho e lhe acerto um soco, fazendo seu nariz sangrar
rapidamente. Ele tenta esboçar reação, mas assim como seu irmão, não passa de
um velho gagá.
— Eu te falei para não falar dela. — Brado, o enforcando com minhas
mãos. O desejo de sentir seu pescoço se quebrar entre elas quase me faz perder
o controle e esquecer meus reais planos para a sua morte!
— Don. — Saio do meu transe quando um dos homens me chama em
direção ao sofá onde Humberto está sentado. — Não o mate ainda! — Falo
para Piero e deixo Murilo quase desacordado nas mãos dele.
Me aproximando do velho, percebo que ele foi atingido por uma bala na
barriga.
— Morrer assim é melhor do que morrer por um maldito câncer. — Ele
murmura quando chego a sua frente.
— Parece que seu tempo está acabando, Cattaneo. — Respondo, vendo o
sangue escorrendo pelo sofá.
— Se encarregue de deixar meu neto no comando quando for a hora. —
Fala baixo. — E diga a minha filha que sinto muito. Agora vá embora e faça o
que tem que ser feito. — Ele suspira, jogando a cabeça para trás.
— Vamos embora. — Ordeno, já saindo do escritório. Piero entrega Murilo
a dois soldados, que saem na frente o levando para o carro.
— E quanto a cadeira de capo? O senhor não vai fazer nada a respeito? —
Piero pergunta enquanto andamos.
Eu o olho e depois dou uma olhada ao redor.
— Que eles se matem por essa cadeira de merda!
— O Don não quer que seu filho fique com ela no futuro?
— Você disse tudo! Futuro. Até lá, meu filho irá decidir por si só se quer
esse território, e se for de sua vontade, nós vamos voltar e tomar o que é dele
por direito.
Olho pela janela do jatinho, prendendo o fôlego. A tensão de todos à
espera da volta de Ottavio e de Piero é palpável. Franco está andando de um
lado para outro, enquanto os soldados estão ao redor do jato no lado de fora,
armados até os dentes.
— Cazzo. — Ele xinga, olhando para o relógio. Parei de contar esse ato
depois da quarta vez.
— Desse jeito eu não vou conseguir me acalmar! — Digo e ele me olha,
suspira e senta na minha frente, mas fica mexendo a perna impaciente.
Olho para o lado de fora, me encostando na poltrona.
— Ele vai voltar! — Falo firme.
— Eu não estou duvidando disso, só não gostei do fato de ter que deixá-lo.
— Me olha, dando de ombros. — Sem ofensas.
— Eu acho que estaria mais tranquila se você estivesse com ele também.
— Você está bem, não é mesmo? — Me pergunta e olha para minha
barriga, onde tenho uma das mãos em cima.
— Sim, só ansiosa, assim como todos. — Respondo e seu celular escolhe
essa hora para tocar. Quando olha o visor, suspira e desliga sem atender.
— Eu não me importo. Pode atender a chamada.
— Não é importante! — Fala, fitando os sapatos e eu analiso sua postura.
— Era a Annamaria? — Pergunto, tentando tirar o foco da situação que
estamos.
— Claro que não! Eu não tenho o número dela e duvido que Ângelo tenha
dado o meu para ela.
— Como se a situação já não fosse constrangedora. Por Deus! Vocês já são
noivos, o que custa trocar mensagens. — Reviro os olhos com a atenção
voltada para o lado de fora.
— Por acaso, a senhora trocou mensagens com o Don escondido do seu
pai? — Sua fala me faz encará-lo e semicerrar os olhos.
— Não me chame de senhora. E não, Franco! Mas isso não quer dizer que
eu não quisesse. Se na época Ottavio tivesse demonstrando interesse nisso,
provavelmente estaríamos muito mais familiarizados hoje. — Seus olhos
verdes olham para o lado como se estivesse pensando na possibilidade. — Me
diga uma coisa? — Peço e ele me olha desconfiado. — Você gosta dela, não é
mesmo?
Sua postura fica ainda mais ereta depois da minha fala e ele engole em
seco.
— Amar em nosso mundo significa fraqueza. — Sorrio de lado, pela sua
resposta.
Tolos são os homens que pensam assim, o que seriam deles sem uma
família para voltar?
— Depois que casar, podemos voltar a conversar sobre isso. — Ele
concorda com um aceno e eu me levanto para ir até o banheiro.
Olho minha aparência pálida no espelho e me apoio na parede quando
tenho uma vertigem. Passo alguns minutos respirando fundo de olhos fechados,
mas assim que os abro, escuto uma movimentação do lado de fora.
Abro a porta e dou de cara com meu marido me olhando intensamente e
sem me conter pulo no seu colo, passando minhas mãos pelo seu pescoço.
— Você está aqui! — Exclamo, sem me afastar.
Suas mãos rodeiam minha cintura em um aperto firme, enquanto sinto seu
nariz roçar em meus cabelos, como se ele estivesse o cheirando.
— Eu sempre vou voltar! — Me afasto dele e sorrio de lado, olhando por
cima de seus ombros.
— Onde está papai? —Solto ele e tomo a frente no corredor, mas não o
vejo entre Franco e Piero, só alguns soldados.
Me viro para Ottavio e ele me olha com as mãos nos bolsos da calça do
terno.
— Ele não resistiu, Allegra. Seu pai foi traído.
Suas palavras me fazem suspirar e meus olhos se enchem de lágrimas, mas
não permito que nenhuma role.
“Não quero que chore quando eu morrer, Allegra! Saiba que quando esse
dia chegar, eu estarei em paz. Além disso, você se tornará uma rainha um dia e
rainhas não demostram fraqueza.”
A sua fala vem como um lembrete de como agir nesse momento.
Meu pai morreu, me deixando como a última herdeira viva da Camorra.
Pelo menos até que meus filhos nasçam.
— O que acontece agora? — Minha pergunta quebra o silêncio que tinha
se instalado no local.
— Vamos embora! Você provavelmente não é mais bem-vinda aqui. — Ele
fala, pegando minha mão e me guia até os dois últimos assentos, longe de
todos.
— Eu sou a herdeira disso. — Falo firme, recebendo um olhar atravessado.
— Você é tudo nesse momento, menos a herdeira da Camorra. Mas se te
deixa tranquila, se nosso filho quiser este lugar, nós vamos voltar e reivindicar
o que é dele por direito.
Sem falar mais nada, ele prende meu cinto e se senta ao meu lado quando o
piloto avisa que vamos decolar.
Em minhas aulas quando pequena, eu aprendi que o conceito de família
são pessoas unidas por laços afetivos. Durante minha adolescência, eu vivia
imaginando como era ter uma mãe e um pai que fossem presentes em minha
vida.
Eu sonhava acordada com momentos clichês que lia e via nos filmes, mas
quando eu voltava para a realidade, era assombrada pela vida vazia. A não ser
quando estava com Cosima, que conseguia preencher uma parte importante em
minha vida.
Família...
A realidade me toma e olho para o lado, encarando meu marido de olhos
fechados e com a cabeça encostada no banco.
Ele e nossos filhos são minha chance de ter uma família de verdade e eu
não vou abrir mão de protegê-los. Olho para o lado e me despeço da terra que
um dia chamei de lar.
— Eu vou, mas eu volto! — Falo, olhando a cidade que fica para trás e
olho para o lado quando sinto um aperto em minhas mãos.
— Isso é uma promessa! — Ottavio fala por mim.
Já eram 14h quando chegamos e desde então Ottavio, Piero e Franco estão
sumidos. Provavelmente devem estar com Murilo!
Durante o voo, Ottavio me disse que o trouxe conosco para poder
interrogar ele e depois entregar para Piero. Quão ruim eu sou por não estar
sentindo nada sabendo que meu tio vai morrer? Talvez, outra pessoa em meu
lugar ficaria com a consciência pesada e teria pesadelos, mas eu não sinto nada!
Murilo é um homem desprezível que merece morrer, principalmente depois do
que ele fez a Cosima e ao meu pai. Merece o fim que vai ter e provavelmente
não será nada bonito.
Olho o relógio marcando 23h e cansada de esperar Ottavio para saber o
que aconteceu, saio do quarto para comer algo.
— Olá, querida! — A saudação de Elisa me faz virar para o lado e a ver
sentada no sofá da sala de estar.
— Boa noite. — Cumprimento meio incerta. Ela vem se afastando mais a
cada dia e já não sei como agir em sua presença.
— Eu soube o que aconteceu! — Suspiro com sua fala. — Você quer
conversar a respeito disso?
— Não há o que conversar, eu sou órfã agora.
— Mas não quer dizer que está sozinha. Você tem seu marido e a mim. E
seus filhos muito em breve vão preencher esse vazio na sua vida e no seu
coração! — Concordo balançando a cabeça e ela se levanta, vindo ao meu
encontro para me dar um abraço.
— Eu estava indo comer algo, parece que Ottavio não volta tão cedo. —
Ela sorri tensa.
— Venha, eu vou te fazer companhia.
Com um sanduíche e um copo de suco na mão, me sento na cadeira da
mesa da cozinha com Elisa ao meu lado, tomando uma xícara de chá.
— E como você está? — Pergunto, tirando o foco da morte do meu pai.
— Eu estou bem. Perder um filho é algo difícil. A dor nunca vai embora,
você só aprende a lidar com ela. — Ela me responde com o semblante cansado.
— Eu sinto muito! Se tiver algo que eu possa fazer por você, não hesite em
me pedir. — Ela coloca a mão em cima da minha sobre a mesa e sorrir de lado.
— Você já vem fazendo muito por mim, não se preocupe. — Eu franzo o
cenho, sem entender sua fala.
— O quê? — Arqueio a sobrancelha.
— Meu amor, você vem amando meu filho intensamente! pode não ter
percebido, Allegra, mas todas às vezes que o olha, transmite todo amor e
carinho que tem por ele. Como mãe, eu só posso te agradecer. Eu sei que
Ottavio é muito difícil de lidar. — Fico calada, digerindo sua fala.
Não que seja errado me apaixonar por meu marido, mas porque eu não sei
como ele irá agir quando souber que eu o amo, quando já deixou claro que
jamais poderia me amar. Será que eu seria capaz de amar por nós dois?
Fecho os olhos e suspiro, deixando o lanche de lado.
— Será que ele já percebeu? — Pergunto, encarando seus olhos pretos.
Seu sorriso aumenta enquanto dá tapinhas na minha mão.
— Não, porque ele está ocupado demais sentindo o mesmo por você e
tentando deixar de lado. — Arregalo os olhos, surpresa.
— Ele me ama?
— Claro que ama, só não se deu conta ainda. Eu conheço bem meu filho e
todo cuidado e zelo por você não tem a ver com a gravidez, e sim com fato de
ele realmente sente algo por você. — Meu sorriso me denuncia, mas como não
conter a emoção de saber que talvez Ottavio possa estar aberto para me
escutar?
— Não sei o que fazer. — Confesso baixo. — Eu perdi muitas pessoas em
pouco tempo. Além de estar grávida. Sinto como se estivesse acontecendo tudo
ao mesmo tempo e tivesse perdido o controle.
— Você é uma mulher extraordinária, vai achar um caminho e um modo de
lidar com tudo isso. — Assinto com suas palavras tranquilizadoras. — Mas eu
preciso lhe perguntar algo.
— Diga. — Respondo e mordo um pedaço do meu sanduíche.
— Ottavio não disse mais nada em relação ao irmão? — Sua pergunta
incerta me faz mastigar mais calmamente para ganhar tempo para formar uma
resposta sem que a machuque.
Como dizer a ela que Ottavio está aliviado de não ter alguém como ele
andando por aí e que ele não sente nada a respeito? O que não é de estranhar, já
que até pouco tempo ele achava que era filho único e nada muda o fato de que
mesmo sabendo que tem um irmão, ele está morto há muito tempo.
— Ele não é de falar sobre esse tipo de coisas. — Falo firme. — Você o
conhece, ele se fecha e só fala quando lhe é conveniente, mas ele não disse
nada para mim. Não se preocupe, ainda deve estar remoendo isso dentro dele.
— Ela assente, mas parece não estar satisfeita com minha fala.
— Às vezes eu acho que Carlo e eu erramos em não termos sido
totalmente verdadeiros com ele.
— Você não pode pensar assim. Ottavio é cabeça dura demais, além disso,
vocês fizeram o que achavam certo na época. — Ela engole em seco, olhando
para um ponto fixo na parede a sua frente.
— Só espero que ele não resolva mexer em coisas do passado. — Fala,
ainda perdida em seus pensamentos.
— E o que seria mexer em coisas do passado? — Minha pergunta faz ela
me encarar firme.
— O passado tem uma razão para ser chamado assim. O que aconteceu
anos atrás não pode ser mudado e meu filho vai querer reverter os erros do seu
pai, assim como os meus. — Sua fala enigmática e cheia de mistérios me
deixam em alerta.
Elisa é uma mulher que pelo visto carrega segredos demais para serem
revelados de uma só vez. O que me leva a uma pergunta: O que acontecerá com
todos ao redor quando os segredos que essa mulher guarda começarem a ser
revelados?
Algo me diz que estamos prestes a cutucar feridas que apesar do tempo,
não foram cicatrizadas e provavelmente abrirá novas.
O passado é um peso que só quem carrega, não sonha com o futuro, mas
Elisa Ruggero parece carregar toda a carga de um, ao mesmo tempo em que
almeja um futuro de paz. O sinal de alerta apita em minha cabeça. Preciso
descobrir o que ela ainda esconde de Ottavio e tentar ao máximo neutralizar os
danos.
O barulho da porta da entrada chama nossa atenção e alguns minutos
depois suspiro audivelmente quando Ottavio aparece em meu campo de visão
com a camisa que um dia foi branca, toda vermelha. Nem preciso chegar perto
para saber que é sangue seco.
— Boa noite! — É tudo que ele diz enquanto troca um olhar intenso
comigo, que me faz arrepiar e perceber que esse é um dos momentos onde ele
ainda precisa de tempo para voltar a si depois de um dia tenso de trabalho. E
quando digo tenso, me refiro a alguém provavelmente morto no final. Isso me
leva a pensar como o fim de Murilo deve ter sido trágico, a julgar pelas roupas
de meu marido.
— Boa noite, filho. — Minha sogra cumprimenta e quando fazemos
menção de levantar, ele levanta a mão nos interrompendo.
— Continuem, eu vou tomar um banho.
— Eu subo com algo para você comer. — Respondo, fazendo-o assentir e
sair em passos rápidos.
— Você não tem medo dele! — Elisa afirma com um sorriso de lado.
— Deveria? — Devolvo a pergunta com outra, a fazendo ampliar o sorriso.
— Quando eu conheci o pai de Ottavio, eu era uma menina romântica
estudando moda e que queria abraçar o mundo! — Sua fala me faz arquear a
sobrancelha. — Ele dizia que me olhar depois que chegava em casa em dias
difíceis, era como se eu colorisse o mundo dele novamente. Carlo era o homem
mais temido de toda a Itália e mais, só que comigo era apenas meu Carlo. —
Quando percebe que não sei onde ela quer chegar, se levanta e vai até a ilha da
cozinha e começa a preparar um sanduíche. — Você é a Elisa do meu filho. —
Ela afirma, me fazendo parar e analisar.
Eu não tenho medo dele.
Eu amo todos os lados do meu marido e estaria mentindo se dissesse que
seu lado brutal também não me atrai. Ver Ottavio com o semblante fechado,
como se fosse matar alguém a qualquer momento, faz meu corpo se arrepiar e o
sentimento de antecipação ganha vida à espera de seus toques brutos. Porque é
isso que acontece, ele me possui bruto e forte, mostrando o quão dominante é,
mas ao mesmo tempo o sinto venerar meu corpo como se fosse algo precioso e
fácil de se quebrar.
— Sim, eu acho que sou. — Concordo e levanto quando ela me entrega um
prato com o sanduíche e aponta para a escada, sem pensar muito eu sigo para o
nosso quarto.
Abro a porta no mesmo instante em que Ottavio sai do banheiro com uma
toalha enrolada na cintura.
— Eu trouxe para você comer. — Ele anda até a mesa do quarto, senta e eu
coloco o lanche na sua frente. Calado, ele come e mastiga sem me direcionar
um olhar, enquanto eu o espero, sentada na sua frente.
— Você não vai perguntar? — Pergunta depois que come o último pedaço
do sanduíche.
— Ele está morto? — Pergunto, entrelaçando os dedos das mãos.
— Até a última vez que o vi, não. Mas Piero já deve ter feito. — Ele
cumpriu o que me prometeu. Entregou Murilo para que Piero o matasse.
— E ele disse algo importante? — Ele me olha e depois se encosta na
cadeira.
— O que eu já sabia e mais algumas coisas.
— Devo me preocupar com algo? — Ele murmura um não, se levanta e me
puxa para fazer o mesmo.
Me toma em um abraço forte, me deixando totalmente aninhada em seus
braços, um dos meus lugares preferidos ultimamente. Meu coração acelera
quando me lembro da minha conversa com Elisa.
Tomando toda a coragem que tenho, afasto minha cabeça do seu peito e
encaro seus olhos vidrados em mim.
— Preciso confessar algo. — Apertando o olhar e suspirando, ele fica
calado e percebo a deixa para continuar. — Eu sei que já conversamos sobre
isso antes, mas é algo que quero falar, porque eu não tenho medo. — Ele se
afasta de mim tenso.
— O que você fez? — Sua pergunta me faz sorrir. Ele sempre espera que
eu tenha feito algo de errado.
— Eu não fiz nada, pelo menos ainda. — Ele cruza os braços e eu fico
ainda mais nervosa. — Eu sei que disse que não me importava, e realmente não
me importo, desde que você saiba a verdade e me respeite por isso. Nosso
casamento desencadeou uma avalanche de acontecimentos nos quais eu não
estava preparada para lidar, mas acabei enfrentando cada um deles com você ao
meu lado, sendo minha força. Você foi inevitável, marido. Eu amo você.
Quando chegamos a Trentotto, o local já tinha sido esvaziado.
Para o que vai acontecer hoje, a boate aberta seria um empecilho e eu
não quero nenhum tipo de distração que possa aparecer.
— Tudo pronto! — Franco me avisa assim que entro no subsolo. O
cheiro de mijo e podridão me dão boas-vindas. A lâmpada acesa mal
ilumina o lugar, mas para mim nem é preciso, conheço cada parte desse
cômodo perfeitamente, posso apontar em cada canto das celas sujas quem
matei e como.
Na parede mofada de frente para a porta, sorrio quando vejo Murilo nu
em pé, com braços e pernas amarrados separadamente em uma cruz de
Santo André, formando um X. Trouxeram a bugiganga a meu pedido. Ela é
revestida de couro e suas amarras em cada uma das quatro pontas tem
correntes com arame farpado.
— A vida é mesmo uma caixinha de surpresas, não é mesmo? — Falo,
me aproximando e tiro meu blazer, mas seu olhar não demonstra nada
enquanto me olha. — Em uma rápida busca pela sua vida insignificante,
descobri que você é apto ao BDSM e que usa dessa prática para dopar e
estuprar mulheres e as coloca em uma cruz como essa. Espero que aproveite
sua estadia. Uma coisa que aprendi, é que tudo que fazemos nessa vida,
também pagamos nela.
— Sua hora também vai chegar. — Ele responde, se debatendo como
se fosse conseguir se soltar das amarras.
— A hora de todos sempre chega, a diferença é a sua postura em
relação a isso. — Seu olhar de raiva desvia do meu.
— Você acha que vai me intimidar falando assim e me prendendo aqui?
Eu não tenho medo de você, Ottavio. Não vou implorar. — Diz, com um
sorriso de lado quando estou cara a cara com ele.
— Eu ficaria decepcionado se você fizesse isso. — Termino de dizer e
lhe acerto um soco, sentindo o estalo do seu nariz se quebrando com meu
punho. — E se serve de consolo, eu não pararia. Aposto que nenhuma das
mulheres que você estuprou foram ouvidas.
— Deveria ter pego aquela putinha da Allegra. — Mesmo com o
sangue saindo do seu nariz e escorrendo pelo corpo, ele parece não estar
com medo suficiente e eu vou adorar fazer com que seu olhar se torne algo
com puro terror. Escutar sua fala sobre minha esposa faz os demônios em
mim serem soltos.
Desfiro uma sequência brutal de socos em seu rosto e abdômen,
fazendo-o arfar e seu corpo ser tomado ainda mais por sangue. Minha
camisa está completamente manchada pelo líquido vermelho quando me
sinto um pouco satisfeito e me afasto. Olhando em seus olhos, o direito nem
consegue se manter aberto por causa do inchaço, enquanto o outro pisca
mais do que o normal.
— Fale o nome dela só mais uma vez e você vai conhecer uma parte de
mim que poucos conheceram, mas nenhum saiu vivo para contar história.
— Falo entre dentes e pela minha visão periférica, vejo Piero e Luigi
entrando na sala.
— Já começou a festa sem nós!? — Luigi fala, fazendo cara de
ofendido quando chega perto da cruz e assobia, vendo a aparência do
homem.
Murilo começa a tossir sangue no chão.
— Eu acho que você quebrou uma costela dele. — Franco murmura,
senta e começa a mexer no celular.
— Não se preocupe, ele vai sobreviver. — Respondo sarcástico e ele
sorri de lado, sem tirar a atenção do maldito aparelho.
Me viro para Piero observando-o encarar o homem amarrado sem nem
piscar. Piero é um soldado fiel, eu sempre tive planos para ele e estava só
esperando ganhar mais experiência, mas a morte de Cosima acelerou o
processo. Seu olhar prometendo uma tortura lenta a Murilo é algo de se
admirar e se alimentar e eu vou usar isso a favor da famiglia muito em
breve.
— Vocês são patéticos. Enquanto estão aqui, a Camorra já deve ter um
novo capo e duvido que ele irá ceder seu lugar para um bastardo da
Famiglia. — Murilo fala, puxa o fôlego e começa a rir como uma hiena.
— Acha que eu ligo para aquela merda? — Respondo firme, segurando
o desejo de cortar cada membro dele para uma morte rápida, mas ele não
merece algo rápido. — Por mim eles podem se explodir, mas eu não fugirei
da guerra se meu filho quiser seu lugar de direito.
— Ele nunca vai assumir aquela cadeira. Não se puderem impedir. —
O homem fala ofegante, fazendo com que meus homens ao redor fiquem
ainda mais atentos as palavras do verme.
— O que você quer dizer com isso? — Pergunto, apertando seu
pescoço e fazendo-o me olhar nos olhos. Sinto cada veia do meu corpo
pulsar enquanto o aperto. Sentir a vida de alguém se esvaindo em suas mãos
é uma das melhores sensações que alguém pode desfrutar.
Ele não responde, o que me deixa mais puto e eu aperto ainda mais.
Após alguns minutos de tensão, onde só o que se escuta é o engasgo de
Murilo, Luigi coloca uma mão no meu ombro, tirando minha atenção do
homem.
— Assim ele vai morrer. — Fala e se afasta. Olho o homem na minha
frente e contra minha vontade, solto ele. Seu pescoço tem marcas da minha
mão e ele tosse descontroladamente.
— Já que não tem nada a falar, não tem serventia para mim.
— Eu vou morrer de qualquer jeito. — Ele fala e abaixa a cabeça.
— Exatamente! Viveu como um verme durante toda a vida e vai morrer
como um rato. Você não é um homem de honra. — Respondo, segurando-o
pelo rosto para que me olhe nos olhos.
— Não há honra em morrer em suas mãos, Ruggero. — Ele retruca
com a respiração rápida.
— Você deveria ter aprendido que aquele que vive a vida sem honra,
tem uma morte sem glória! — Me afasto dele e pego uma cadeira velha,
colocando no centro da sala, onde a iluminação é melhor. — Mudei de
ideia, coloquem ele aqui. — Aponto a cadeira. Franco e Piero desamarram
os pés e as mãos do homem e o colocam sentado. Murilo tem uns quarenta
e cinco anos. Sua forma física impecável me deixa contente, pois ele vai
aguentar muito bem tudo que eu tenho guardado para ele.
Meu olhar encontra o de Piero, imóvel em frente a porta, olhando para
o prisioneiro sem ao menos piscar.
— Logo você terá o que quer, mas antes eu vou brincar com o
convidado. — Pego uma das estacas que uso para o empalamento e vejo o
exato momento em que Murilo engole em seco e seus olhos se arregalam
quando toma consciência do que estou prestes a fazer.
— Não seja covarde. Se eu me lembro bem, você disse que não ia
implorar. — Falo sarcástico.
Franco empurra a cadeira para trás, deitando-a e como o fundo dela é
revestido de uma tela fina transparente e velha, consigo ver a bunda do
infeliz.
— Filho da puta, não faz isso! — Ele grita e Luigi se aproxima,
colocando seus pés na cabeça dele, apertando-a contra o chão.
— Cala a boca. — Meu consigliere fala entredentes.
Cuspo na ponta fina da estaca e a posiciono na tela no fundo da cadeira
e quando forço, rapidamente se abre um buraco penetrando o cu do filho da
puta.
Seus gritos são o alimento para que eu continue mais e mais, só
tomando cuidado para não enfiar muito e acabar perfurando algum órgão
vital.
— Seja homem, porra! — Falo calmamente.
— Está doendo? — Luigi pergunta, aumentando o aperto dos seus pés
na cabeça dele.
— Vão se foder. — Murilo geme e eu enfio mais um pouco da estaca.
Quando acho que já enfiei o bastante, eu começo a girar o pedaço de pau
dentro dele, fazendo com que sangue comece a escorrer.
— Acho que suas pregas não existem mais. — Cantarolo enquanto ele
grita e percebo seu corpo dar uma leve tremida.
— Vo-vocês vão se arrepender!
— Está pronto para falar algo útil? — Franco pergunta, com uma cara
de entediado ao lado de Piero.
— Podem me matar, mas tudo que precisam saber, é que o fim de
vocês está próximo. A vingança demorou, mas será cobrada muito em
breve. — Minha ira aumenta no mesmo instante e novamente enfio
bruscamente o pedaço de pau dentro dele, que grita.
— Eu me cansei de você. Franco, traga uma bacia com água.
Meu subchefe volta minutos depois com uma bacia grande e funda com
água e coloca na frente do rosto de Murilo, que continua praticamente com
a cara no chão. A estaca ainda está dentro dele e por isso ele evita se mexer,
com a bunda para cima.
Vejo um flash e olho em direção a Luigi. Ele está tirando fotos da
posição do homem, então olha para mim e dá de ombros.
— Acho que seria legal enviar uma foto assim para o novo capo da
Camorra. — Fala tranquilamente e escuto Franco murmurar um "maluco"
ao meu lado.
Me abaixo, levanto a cabeça de Murilo pelos cabelos e a afundo na
bacia. Quando estou satisfeito, solto e ele suspende a cabeça buscando ar.
Me levanto e vou até a mesa perto da cruz, que tem algumas facas e pego o
pó branco, fazendo Luigi rir.
— Porra! Você vai mesmo fazer isso? — Pergunta animado, como se
fosse uma criança e tivesse acabado de ganhar um presente.
Jogo a soda cáustica na água, fazendo a mesma borbulhar
instantaneamente. Os ombros de Murilo tensionam e quando ele tenta se
mexer para levantar o corpo, Piero se aproxima e gira à estaca, fazendo o
homem gritar de dor e com isso, enfim eu consigo um olhar de pânico do
filho da puta. Ele me olha, com a cabeça a centímetros da água com o
produto corrosivo e balança em negativa.
— Você não deveria ter falado da minha esposa. — Aviso, me
abaixando ao lado dele.
Sem que esperasse ou respondesse, eu seguro seus cabelos e afundo sua
cabeça na água com a soda. Conto até dez e o puxo de volta.
— Ottavio, seu fodido. — Luigi fala fazendo uma careta e Franco o
acompanha.
O rosto de Murilo está desfigurado e se desfazendo, sua boca aberta
parece querer falar algo, mas os sons são apenas gemidos. Quando levando
sua cabeça para olhar mais de perto, sorrio ao ver sua língua parcialmente
derretida.
— Teve sua chance de falar algo útil, agora não tem mais.
O jogo de lado e ele continua gemendo. Olho para Piero.
— Ele é todo seu! Quando acabar, vamos conversar. — Ele assente
ansiosamente e se aproxima de Murilo.
Geralmente, eu passo um tempo dirigindo pela cidade antes de ir para
casa quando ainda estou com a adrenalina alta, mas depois de dias
cansativos, tudo o que eu quero é ir embora, tomar um banho e me enterrar
dentro do corpo da minha mulher.
Deixar que Allegra me veja nesse estado é uma coisa que não estava
em meus planos quando nos casamos, mas se tratando dela, nada sai como
esperado. Minha esposa demonstrou não sentir medo de mim mesmo
quando estou sujo de sangue que sabe não ser meu, da cabeça aos pés. E
hoje eu estou com sangue de alguém que ela pensa ser da sua família,
apesar de ter deixado claro que o quer morto.
Quando passo pela porta da frente, encontro a sala escura, mas no
momento em que estou prestes a subir as escadas, vejo a luz da cozinha
acesa e decido ir até lá. Assim que paro na porta, encaro minha esposa
sentada ao lado de minha mãe. Seu olhar se encontra com o meu e percebo
o exato momento em que desce seu olhar para minha blusa manchada com
sangue.
— Boa noite. — Cumprimento elas, sem tirar os olhos de Allegra.
Quando fazem menção de se levantar, eu digo para continuarem onde
estão, porque vou me retirar para um banho e só balanço a cabeça em
concordância quando Allegra diz que vai preparar algo para eu comer.
Volto e subo as escadas rapidamente, indo direto para o banheiro do
meu quarto. Tiro minhas roupas e analiso meus dedos machucados,
resultado dos socos que dei. Minhas mãos sujas de sangue me fazem pensar
em Cesare e algo me diz que Murilo estava se referindo a ele quando falou
sobre vingança.
Faço um lembrete mental de colocar em ordem os fatos de tudo que
vem acontecendo desde a morte de meu pai. Tem que haver alguma ligação
que eu deixei passar.
Com esse pensamento na cabeça, ligo o chuveiro e vou tirando todo o
sangue do meu corpo antes de usar um dos sabonetes líquidos de Allegra.
Quando estou limpo, saio e enrolo uma toalha na cintura. Assim que volto
para o quarto, os olhos famintos da mia dea me encontram e seu olhar
repleto de luxúria faz com que meu pau ganhe vida.
Ando até a mesa do quarto quando ela me mostra uma bandeja com
sanduíche e enfim meu estômago reclama pelas horas sem comer nada.
Sentado, como calmamente meu lanche, contando os minutos para saber
quando tempo demorará para que suas perguntas comecem.
— Você não vai perguntar? — Pergunto e arqueio a sobrancelha depois
de engolir o último pedaço do sanduíche.
— Ele está morto? — Sua postura ereta e os ombros tensos mostram
que está nervosa.
— Até a última vez que o vi, não. Mas Piero já deve ter feito. — Seus
olhos brilham como se estivessem admirados pela minha fala, talvez
percebendo que eu fiz o que ela me pediu, o que me deixa inquieto, porque
mais uma vez percebo que não há nada que ela me peça, que eu não seja
capaz de fazer.
— E ele disse algo de importante? — Pergunta e suspira.
— O que eu já sabia e mais algumas coisas. — É tudo o que digo e ela
assente.
— Devo me preocupar com algo? — Digo que não, me levanto e a
puxo para um abraço.
Allegra se tornou meu ponto de paz em meio a vida que levo. Estar
com ela em meus braços faz com que eu relaxe e deixe para depois os
problemas da Famiglia.
Ela afasta a cabeça do meu peito e me olha nos olhos quando fala que
quer me contar algo. Aperto o olhar em sua direção, perguntando o que foi
que ela fez.
Eu simplesmente mal escuto direito até ouvir as palavras.
"Eu amo você."
Fico olhando nos seus olhos por longos segundos. Seu corpo tenciona
em meus braços e pela primeira vez na vida não sei como agir, mas a
verdade é que eu a amo também. Eu amo a mulher forte e decidida que ela é
e sua força para enfrentar tudo sem medo.
— Não vai dizer nada? — Ela tenta se afastar, mas eu não a deixo.
— Eu não sou idiota para não perceber que as coisas no nosso
casamento mudaram há muito tempo. Amar em nosso mundo pode
significar fraqueza, mia dea. Mas você é algo inevitável. — Seus olhos
verdes se arregalam quando ela processa minha fala.
— Eu não quero te pressionar, mas precisava ser verdadeira com você.
— Fala, passando os braços ao redor do meu pescoço e se colocando na
ponta dos pés.
— Um homem como eu deveria ter medo de ter algo precioso como
você, porque a primeira coisa que irão fazer para tentar me machucar, é te
usar e não há nada que eu não faça nesse mundo para te ter bem e salva,
Allegra. — Minhas palavras a fazem engolir em seco e eu aumento meu
aperto ao redor da sua barriga.
— Eu não tenho medo se você estiver ao meu lado.
— Eu sempre estarei, é uma promessa. — Eu nunca fui um homem de
promessas, mas desde que me casei fazer promessas a ela se tornou
corriqueiro.
— E quanto aos nossos inimigos? A Outfit ainda é um perigo. — Sua
preocupação faz meu coração se apertar e as veias do meu corpo pulsar.
— Que Deus proteja quem tentar te machucar, porque eu não vou ter
piedade. — Falo com firmeza, sem desviar de seu olhar. Se eu tenho uma
certeza nessa vida que levo, é que eu jamais vou deixar que algo aconteça
com ela.
As írises verdes dilatadas me olham intensamente. Existem as mulheres
fortes e as que ainda não descobriram sua força. Allegra sem dúvida está
descobrindo a sua a cada dia, fazendo com que eu sinta orgulho dela, e mais
uma vez, eu vejo a rainha predestinada que ela é.
Pela primeira vez desde que assumi o cargo de Don, tivemos meses
calmos. Cesare e o seu executor sumiram do mapa, ocupados em arrumar
Chicago depois da destruição que De Luca causou com vários ataques. Eu sei
que mais cedo ou mais tarde o capo de Nova York vai cobrar o favor, mas eu
não estou preocupado com isso agora e apesar de não gostar de estar em dívida,
o resultado foi bastante satisfatório.
Depois da morte de Murilo, o novo capo da Camorra cortou relações com a
Famiglia, deixando claro que não cederia seu lugar para o neto do velho
Cattaneo. Allegra se mostrou possessa com a situação, como era de se esperar e
quando finalmente a notícia de que estamos esperando os herdeiros foi
revelada, fomos ainda mais enaltecidos.
Claro que passei os últimos três meses formando novas alianças e
estreitando outras importantes dentro e fora da Famiglia. Além disso, permiti a
entrada de novos associados que tem muita influência na política e isso será de
grande ajuda futuramente. Também tratei de cuidar da segurança de minha
família. Com seus seis meses completos de gravidez e uma barriga enorme,
Allegra está fazendo mais repouso para que não tenha complicações com os
bebês, mas hoje, por ser o casamento de Franco, depois de adiantarmos a data
para que ela participe sem maiores problemas, minha esposa está feliz e para a
sua segurança eu decidi realizar o casamento no jardim da mansão, onde eu
posso ter mais controle de todos que entram e saem.
— Os convidados já estão chegando. — Me viro quando escuto sua voz e
fico hipnotizado quando a vejo em um vestido preto de cetim, em um estilo
mais solto nos quadris, deixando marcada sua barriga. O decote generoso vai
até abaixo dos seios e as tiras grossas passam pelos seus ombros. A mulher é a
porra da perfeição de qualquer jeito.
— Belíssima! — Falo, indo ao seu encontro na porta do meu escritório.
Passo as mãos pela sua cintura e lhe dou um beijo na testa.
— Já estão nos esperando.
— Eles podem esperar. — A puxo para dentro do escritório, fecho a porta
e recebo um sorriso travesso.
— Senhor Ruggero, não somos os noivos para nos atrasar. — Diz, me
olhando intensamente com um sorriso de lado.
— Eu sou o Don, foda-se o resto. — Antes que eu possa a tomar em meus
braços, batidas na porta me fazem bufar.
— Eu disse. — Ela murmura.
Quando a porta se abre, Luigi e minha mãe entram no escritório
sorridentes.
— Filho, os convidados estão esperando. — Elisa fala, trocando olhares
entre mim e Allegra.
— Acho que eles estavam ocupados, Elisa! — O bastardo murmura,
tentando segurar o riso e Allegra fica vermelha.
— Nós já estávamos indo, só estava me certificando que minha esposa está
bem. — Ganhando um sorriso cúmplice de Allegra, saímos todos do escritório
direto para o jardim, onde de longe avisto Ângelo conversando com Franco e
os dois parecem tensos.
— Acho que Franco já está levando uma dura do cunhado. — Luigi fala
sarcástico, também olhando para os dois.
— Não fique muito animado. — Falo e vou até os dois, mas não sem antes
me certificar de que Allegra está bem e sentada ao lado de Elisa em uma das
mesas dispostas embaixo da tenda.
Assim que percebem minha aproximação, os dois se calam e esperam
minha chegada.
— Algum problema? — Pergunto, olhando de um para outro.
— Estava conversando com Franco sobre como deve tratar minha irmã. —
As palavras de Ângelo me fazem arquear a sobrancelha.
— E eu apenas disse que ele não vai me dizer como devo tratar minha
esposa. — O tom áspero de Franco não passa despercebido.
— Ângelo, depois de casada, sua irmã não é mais sua responsabilidade. —
Olho para Franco, que fulmina o futuro cunhado com os olhos. — E Franco,
isso não quer dizer que Annamaria não terá minha proteção. — Meu subchefe
assente quando entende minhas palavras. Caso ele faça algo contra a moça, vai
se ver comigo!
— Já pararam de tentar medir os egos? — Luigi, que estava calado até
então, pergunta. — Precisamos ir, Allegra está acenando para nós.
Olhamos todos para minha esposa já de pé no altar. Rapidamente olho ao
redor e percebo os olhares de muitos homens em cima dela. Apesar de estar
grávida de gêmeos, Allegra está mais sexy do que nunca, com os seios fartos e
uma bunda que me faz querer enterrar meu pau dentro sempre. Também
percebo os olhares de algumas mulheres em cima dela, o que é normal, a
maioria das mulheres presente só pensam em status, dinheiro e na cadeia de
membros da máfia. Allegra Ruggero está no topo, ao meu lado. Eu nunca tinha
visto uma mulher que tivesse nascido para ser uma rainha, até Allegra. Sua
postura é a personificação do poder enquanto distribuí seu olhar frio e
desinteressado para todos que seu olhar cruza.
Mia dea é alguém que pode colocar medo até nos homens mais corajosos.
Me coloco ao seu lado no altar e levo minhas mãos possessivas para sua
cintura, sentindo os pelos do seu corpo se arrepiarem.
— Com frio? — Pergunto perto de sua orelha, sem tirar minha atenção de
todos ao redor.
— Talvez com outra coisa. — Seu olhar se encontra com o meu, me
dizendo que frio é a última coisa que ela está sentindo.
— Provavelmente, vamos sumir durante a festa.
— Mal posso esperar para isso.
Nos calamos quando Franco ocupa seu lugar alguns degraus abaixo e
nossa atenção se volta para a entrada da tenda, onde Ângelo aparece de braços
dados com sua irmã. Allegra suspira ao meu lado, apertando sua mão mais
ainda no meu braço.
— Ela está tão linda! — Murmura, talvez para si mesma, porque seu olhar
não se desprende da noiva entrando com um sorriso no rosto.
— Você estava mais. — Minha fala a faz virar o rosto e me olhar, sorrindo
ainda mais largo.
A cerimônia aconteceu sem qualquer imprevisto, a não ser quando Franco
beijou Annamaria. Achei que Ângelo fosse sacar sua arma para atirar em meu
subchefe, mas foi contido por sua esposa.
Allegra e eu passamos rapidamente para cumprimentar os noivos e
caminhamos para nossa mesa para nos sentar.
— Ver o casamento deles me fez lembrar do nosso.
— O que exatamente?
— O casamento arranjado. Não que eu seja romântica, mas Franco e
Annamaria desde que colocaram os olhos um no outro, foi química à primeira
vista. Eles serão felizes, tenho certeza. — Afirma, depois pega uma taça com
água e toma pequenos goles.
— Quando exatamente nos vimos e você percebeu que teríamos química?
— Minha pergunta a faz corar, porque se eu bem me lembro, eu a vi poucas
vezes antes do nosso casamento acontecer e não me recordo de receber nenhum
olhar dela.
— Eu era uma menina boba, Ottavio. Mas assim que vi você quando vim
tratar do casamento com Elisa pela primeira vez, eu soube que química seria
algo que não nos faltaria.
— Eu sempre a olhei de longe, sabia? — O clima descontraído ao redor e a
conversa leve com minha esposa me faz relaxar, apesar de ainda manter o
semblante fechado.
— Como assim? — Me olha de olhos arregalados.
— Mia dea, eu sou um possessivo bastardo! Desde que ficamos noivos eu
tinha alguém tomando conta de você, me reportando tudo o que fazia. — A
surpresa em seus olhos me faz sorrir de lado e olhar ao redor para ter certeza de
que ninguém tem a atenção em cima de nós dois.
— Mas como eu nunca vi isso?
— Meus homens são bons no que fazem. Proteger a futura esposa do Don
era uma questão de honra. — Os olhos dela brilham com minhas palavras e não
perco quando ela tritura o lábio inferior.
— Eu acho que você merece até um agrado por isso. — Sua fala maliciosa
me faz sorrir de lado.
— Eu não acho que você aguente muito com essa barriga. — Ela aperta os
olhos, brava com minha provocação. Mas infelizmente é inevitável, já que
Allegra às vezes se esquece que carrega dois bebês dentro dela e acaba
extrapolando em nossos momentos íntimos, fazendo com que eu seja o sensato
e fuja dela. Dio mio, como tem sido difícil. Elisa se aproxima, senta ao meu
lado me deixando entre as duas.
— Cansada? — Pergunta, abaixando a cabeça para falar com Allegra, que
responde um mais ou menos. Com a aproximação de Annamaria e Katarina, me
retiro e deixo o quarteto conversando. Um garçom passa e me serve uma dose
generosa de whisky, ao mesmo tempo em que Fabio Lucchese se aproxima e
me cumprimenta.
— Um belo casamento! — Olho o homem na minha frente, sem responder,
mantendo minha cara de indiferença, mas por dentro me perguntando onde ele
quer chegar com isso.
— Querendo se casar? — Ele dar de ombros e tomo um gole da minha
bebida.
— Eu acho que chegou a hora. Estou comandando Ancona muito bem,
meu território está tranquilo, talvez casando eu consiga fortes emoções. — Ele
sorri de lado pelo seu próprio comentário.
— Se você teve o trabalho de vir falar comigo, é porque já escolheu sua
noiva!
— Sim, e não. — Ele afrouxa a gravata no pescoço.
— Vou perder minha paciência. — Aviso, suspirando. Odeio pessoas que
tem dificuldades de irem direto ao assunto.
— Eu quero me casar com a Sabrina Collalto. — Poucas coisas conseguem
me surpreender e esse é um dos raros momentos. Fabio é um dos poucos capos
jovens da Famiglia. Aos 29 anos ele conseguiu colocar em ordem um território
que sofria ataques de gangues pequenas. Com um trabalho duro e muito sangue
derramado, ele limpou Ancona e a fez se transformar de uma cidade falida, a
uma das mais prósperas e ricas da Famiglia.
Apesar do trabalho excepcional, Fabio sempre me deixou com o pé atras.
Ele é uma pessoa curiosa demais que esta sempre presente nos territórios ao seu
redor oferecendo ajuda. Dizem que quando a esmola é demais o santo
desconfia e isso tem alguma certa razão.
— Por que ela? — Minha pergunta é válida, desde que a menina só tem 17
anos e é uma das moças mais protegidas da Famiglia.
Luigi é protetor quando se trata da irmã mais nova e duvido que ele fique
satisfeito com o pedido de Fabio. O que me leva a entender o motivo dele ter
vindo falar comigo, ele sabe que se eu ordenar e disser sim ao noivado, Luigi
não pode fazer nada a respeito, a não ser aceitar minha decisão.
Não passa despercebido os ombros tensionados de Fabio, além das olhadas
sobre meus ombros, me fazendo olhar para trás e encontrar Sabrina com sua
atenção voltada para nós dois.
Me viro de frente para o homem, mantendo meu olhar analítico.
— Eu a vi no seu casamento e procurei saber mais, desde então achei uma
boa possibilidade. Além disso, está com a idade para firmar um noivado. —
Sua voz firme não me deixa dúvidas de que ele está certo sobre isso. No
entanto, Sabrina é uma pessoa importante para Luigi e se eu quero manter meu
consigliere sossegado não é dando sua irmã mais nova em casamento que irei
conseguir.
— Pelo o que eu percebi, você já falou com ela. — Ele olha sobre meus
ombros e depois encontra meu olhar firme.
— Nos encontramos uma vez por coincidência e eu perguntei se era noiva,
ela disse que não e se mostrou interessada.
— Lucchese, caro mio! Você acha que vai me enganar com esse papo
furado? — Arqueio a sobrancelha e ele finge não entender minhas palavras. —
Só preciso saber se ela está grávida, ou não! Porque se bem me lembro, Sabrina
tem 17 anos e isso seria um escândalo, do qual Luigi poderia pedir sua cabeça
em uma bandeja de prata e com certeza eu não iria me opor.
Sua postura corporal me diz que ele vai mentir e eu me preparo
mentalmente para não esfolar meu capo no meio do salão de festas. Pela visão
periférica, vejo Franco se aproximando calmamente com as mãos no bolso,
fazendo com que Fabio mais uma vez afrouxe a gravata no pescoço.
— Acho melhor termos essa conversa amanhã no meu escritório na La
Citta, Lucchese. — Meu tom não deixa brecha para uma recusa, faço um sinal
com a cabeça para que Franco me siga e saio de perto de Fabio.
— O que está acontecendo? — Meu subchefe pergunta quando estamos
sozinhos perto da mesa de doces, tendo uma visão ampla da mesa onde nossas
mulheres estão sentadas, conversando.
— Fabio quer a mão de Sabrina em casamento e dada a troca de olhares
que presenciei, posso afirmar que eles já têm algo. — Informo enquanto olho
Allegra passar a mão na barriga. Quando volto minha atenção para Franco,
vejo-o de olhos arregalados e com a cara de surpresa.
— Quando Luigi souber...
— Ele vai pedir a cabeça do Lucchese em uma bandeja, eu sei! — Coloco
o copo vazio em cima da mesa ao meu lado e encaro meu subchefe. — Ele não
disse com todas as letras, mas pediu permissão para casar com a garota e ela a
todo momento nos encarava a distância, parecendo ansiosa por isso.
— Você acha que eles já estão se encontrando às escondidas.
— Sim, eu acho isso, acontece que não é a melhor hora para arranjar
problemas internos e Luigi vai fazer disso uma tempestade no copo d’agua.
Além do mais, Fabio tem algo que me incomoda muito. — Franco me olha
confuso. Talvez por saber de todos os feitos de Lucchese em seu território.
— Que seria?
— Ele está em todo lugar a todo momento. Você nunca se perguntou como
ele consegue ser sempre o primeiro a chegar quando um carregamento nosso é
roubado ou apreendido? Longe ou perto, não importa. Fabio sempre chega
primeiro. Com o passar dos tempos isso vem despertando minha curiosidade.
— Será que ele está nos traindo? Entregando nossas rotas? — A pergunta
me faz refletir. Sem dúvidas Fabio poderia estar sim fazendo isso.
— Eu preciso ter certeza, mas de uma coisa eu sei. — Olho para Sabrina
sentada na mesa ao lado de Luigi. A garota é ingênua demais e me pergunto se
ela sabe o problema que pode ter se metido. — Fabio não vai ter Sabrina.
— Não imaginei que meu casamento seria tão movimentado. — Franco
fala descontraído, quebrando a tensão.
— Daqui uma semana me conte como anda seu casamento movimentado.
— Digo, o que faz com que ele sorria largamente.
— No dia que estávamos te esperando na Catania, Allegra disse a mesma
coisa. — Minha atenção se volta para minha esposa conversando seriamente
com Annamaria.
— E as coisas devem ficar bastante animadas para seu lado, tendo em vista
que Allegra deve estar, nesse momento, dando conselhos para a sua esposa. —
Meu tom de deboche faz Franco me olhar com os olhos apertados e depois
olhar para as mulheres conversando.
— Elas se aproximaram muito nesses meses! Devo me preocupar com a
influência de Allegra?
— Oh, meu caro! Conhecendo minha esposa como eu conheço, eu diria
que você está ferrado!
Chego a Lá Citta cedo, apesar de ser domingo e de eu ter deixado uma
esposa grávida e emburrada em casa não podia cancelar minha conversa com
Fabio. Seu comportamento ontem no casamento de Franco me chamou a
atenção para coisas que estava deixando para depois, mas que agora não da
mais para fingir que não está acontecendo.
— Bom dia! — Franco, adentra meu escritório. Ele sabia da minha
conversa e mesmo em lua de mel quis vir. Observo seu semblante cansado e
aperto meu olhar quando percebo que está tenso.
— Deveria estar com sua esposa agora! — Digo e arqueio uma
sobrancelha.
— Você também deveria e se me lembro bem o Don também trabalhou no
dia seguinte do seu casamento. — A resposta é direta e com ironia. Tamborilo
meus dedos na mesa observando sua postura. Definitivamente há algo de
errado com ele.
— Noite difícil? — Pergunto decidindo ir para outro caminho. Franco
sempre foi um homem reservado, guardando pra si tudo que escuta e vê ao
redor, mas desde que se tornou meu subchefe ele vem tendo mudanças sutis.
— Minha esposa ficou um pouco histérica com a nossa noite de núpcias,
então eu prometi que não iria toca-la ate que estivesse pronta, dormi no sofá de
dois lugares do meu quarto porque não queria que a família dela que esta
hospedada em minha casa soubesse disso. Sim, minha noite foi difícil. — A
resposta franca me pega de surpresa. Eu não imaginava algo do tipo.
Annamaria foi criada pelos princípios da máfia e sabe perfeitamente o papel
que uma esposa deve cumprir.
— Você tem sorte que a tradição dos lençóis foi extinta por Carlo. —
Afirmo sorrindo de lado.
A anos meu pai acabou com aquela merda de tradição arcaica, no inicio os
conservadores da famiglia não aceitaram muito bem, aqueles velhos idiotas
gostavam de contar vantagem sobre os lençóis em competições sobre qual
mulher sangrou mais. Aquilo era deplorável e se Carlo não tivesse extinto, eu
teria.
— Tenha paciência mio caro, ela vai te procurar no momento certo. —
Respondo dando de ombros, mas agradecendo por Allegra não ter feito algo do
tipo. Eu teria a matado no momento em que me negasse.
— Até lá, fazer voto de castidade é minha única opção. — Murmura
soltando um suspiro cansado.
— Não se da segunda chance para traições meu amigo. Seja nos negócios
ou no casamento! — Afirmo sério. Franco conhece como ninguém nossos
mandamentos. Trair, mesmo que a esposa lhe negue é uma traição imperdoável.
Outros podem fingir que não fazem nada, mas eu não lido bem com traições de
nenhum tipo.
Nossa conversa é interrompida quando Fabio manda uma mensagem
dizendo que já chegou e Franco se levanta para recebe-lo.
— Buongiorno! — Fabio entra e logo se senta na cadeira a frente da minha
mesa. Franco está sentado ao seu lado.
— Buongiorno, Fabio. Não vamos nos demorar. Eu tenho uma esposa
grávida em casa para lidar. — Sou direto ao ponto. Não quero dar a chance para
que ele me enrole.
Fabio sorri de lado ajeitando a postura na cadeira.
— Como eu disse ontem, gostaria de pedir a família Collalto a mão de
Sabrina em casamento. — Afirma me olhando nos olhos. Fabio está decido,
decidido ate demais eu diria.
Me recosto na minha cadeira ficando em silêncio por alguns minutos,
apenas o encarando.
— Sabrina é uma moça importante para nossa famiglia, Lucchese. Eu não
havia recebido pedidos pela sua mão ainda apesar de já estar com dezessete
anos. Luigi é um tanto protetor com ela. — O sorriso de lado que ele me lança
me deixa irritado. — Sabe, Sabrina é a única jovem com idade para se casar,
deveria ser usada em outras oportunidades. Você quer se casar? Ótimo! Mas
escolha outra moça. — Aos poucos o sorriso vai morrendo enquanto me escuta.
— Mas eu quero Sabrina. — Afirma convicto fechando as mãos em
punhos. Inclino a cabeça para o lado observando sua reação e me deliciando
com a percepção de que estou enfim o descontrolando.
— Querer não significa que pode ter. Sabrina terá sua hora em breve.
— O Don já escolheu alguém para ela? — A pergunta sai ríspida e quando
percebe isso, engole seco desviando o olhar do meu.
Me levanto e dou a volta me recostando na mesa para ficar a sua frente.
Cruzo os braços e solto um suspiro audível. Olho para Franco que balança a
cabeça rapidamente deixando claro para mim que também percebeu que Fabio
está alterado.
— Talvez se falar a verdade eu posso pensar na possibilidade de um
casamento entre vocês. — Ele volta a me olhar e posso ver em seus olhos que
em uma luta interna. — Você é um bom homem Fabio. Sempre presente,
sempre pronto para ajudar os outros capos. Vem cuidando muito bem do meu
território e sou grato por isso, mas isso não significa que você pode ter tudo.
Tire Sabrina da cabeça. Escolha outra moça, você tem quatro meses, depois
disso eu mesmo farei a escolha por você.
— Eu tenho sentimentos por Sabrina. — A fala me faz apertar o olhar. Me
inclino para frente ficando cara a cara com ele.
— Tocou naquela garota, Lucchese? Se eu mandar Sabrina fazer alguns
exames para comprovar que ainda é virgem, terei aborrecimentos com o
resultado? — Pergunto num sussurro observando a tensão espalhando pelo seu
corpo. Seus olhos dão uma leve arregalada enquanto ele parece nem respirar.
— Eu não toquei em nenhum fio de cabelo dela. — Mentira. Posso ver em
seus olhos que isso não é verdade. Fabio é um mentiroso por natureza e agora
que sei disso, vou deixa-lo sob vigilância constante.
— Perfeito! — Me afasto voltando a me sentar na minha cadeira. — Agora
que já terminamos a reunião pode ir Fabio. — Ele assente e se levanta, quando
abre a porta eu o chamo e me olha. — Fique longe da Sabrina, se eu souber que
você está colocando ideias erradas na cabeça daquela menina vamos ter um
problema enorme. — A ameaça velada é recebida.
Quando já estamos a sós Franco solta um suspiro afrouxando a gravata.
— Ele está mentindo. Você vai querer mandar Sabrina para algum exame?
— Pergunta.
— Não quero expor a situação ainda. Pedir exames iria gerar
questionamentos demais. — Respondo dando de ombros. — Quero que fique
de olho nele, mande dois soldados da nossa confiança o vigiar dia e noite,
relatórios diários nada pode passar.
— Considere feito.
Franco se despede e aproveito o momento sozinho para fazer uma ligação.
— Algum problema? — A voz grossa me atende do terceiro toque.
— Isso é você quem vai me dizer! Luigi sumiu ontem depois do
casamento. Onde ele está? — Pergunto acendendo o charuto.
— Bebeu ate cair, ele vai ficar bem.
— Você sabe alguma coisa sobre Sabrina? A menina está prestes a
explodir a porra de um problema em nossas cabeças. Preciso que fique de olho
nela.
— Quando eu disse que cuidaria de Luigi a irmã pirralha não estava no
pacote Ottavio, eu tenho uma vida para cuidar e trabalhos fora para realizar.
Não sou seu cão de guarda. — Rosna. Sorrio tragando o charuto deixando toda
a nicotina fazer seu efeito enquanto penso na sua fala.
— Sabe, eu poderia ter te trancado na minha masmorra para você
apodrecendo lá, mas eu fui benevolente em te deixar solto apenas com a missão
de o vigiar. Permite que entrasse para a agência e ainda forneci informações
que te ajudaram a subir de cargo. Não teste até onde minha paciência com essa
situação pode chegar. Luigi não é descartável ao contrário de você.
— O que a pirralha fez? — Sorrio.
— Ela está se envolvendo com Fabio Lucchese. O problema que ele não é
de confiança e tenho planos onde esse casamento não está incluso.
— Vou investigar. — Afirma e desliga.
Me recosto na cadeira apreciando o silêncio. Apesar de alguns imprevistos
tudo está saindo exatamente como planejei.
DIA DA LOJA
Sinto que estou deitada em algo confortável e presumo ser minha cama. A
primeira coisa que vejo quando abro os olhos, é Ottavio em pé de frente para a
janela do nosso quarto. Seus ombros tensos são perceptíveis, suas mãos nos
bolsos da calça do terno cinza e a veia pulsando em sua testa são indicativos
que ele está em uma luta para não perder a cabeça.
Como se sentisse meu olhar, ele vira a cabeça em minha direção e por
longos segundos ficamos nos encarando. Engulo em seco quando ele vem
andando a passos calmos para ficar perto de mim.
— Está sentindo algo? — Sua pergunta soa calma, mas ele trava a
mandíbula como se estivesse sendo difícil falar.
— Eu estou bem. — Respondo baixo e sorrio de lado para tentar quebrar o
clima estranho.
— O médico veio examiná-la e disse que você está bem, deve ter sido
somente um susto. — Fala, me olhando nos olhos.
— Foi só um mal-estar.
— Annamaria disse a Franco que vocês nos ouviram no escritório. —
Fecho os olhos e suspiro com a acusação. Quando os abro, olhos azuis intensos,
capazes de queimar, me encaram afiadamente.
— Eu fiquei assustada com o barulho de algo se quebrando e quando fui
abrir a porta, eu ouvi Luigi falar. — Termino de falar, ele tira o olhar de mim e
encara a vista do lado de fora. Sua veia na testa pulsa enquanto a mandíbula se
contrai. Sua postura ainda está rígida e ele com as mãos ainda nos bolsos deixa
claro que está lutando para não brigar comigo.
— Percebe a sucessão de erros que você cometeu? — Fala e me olha
duramente, me fazendo encolher.
— Eu... — Tento argumentar, mas sou interrompida.
— Allegra, eu não sou seu pai para te dar broncas, mas parece que não
tenho saída! — Ele tenta falar baixo, mas saiu como um rugido. Suspirando, ele
me dá as costas e tira o paletó, o jogando em cima da cama.
— Eu fiquei preocupada com você! Achei que poderia te ajudar em algo.
— Me ajudar em que, mulher? — Fala e aponta para minha barriga. —
Você está carregando nossos dois filhos dentro de si. Quando você escuta
algum barulho suspeito, você corre na direção oposta desse barulho, Allegra.
— Irritado, ele anda de um lado para o outro, tirando o relógio do pulso e
jogando no sofá, depois para de frente pra cama e me olha frustrado. — Per
l'amor di Dio.
— Ottavio. — Ele me olha e suspira, colocando as mãos na cintura. — Eu
me preocupo com você. Só de imaginar que algo possa te acontecer, eu fico
sem chão. — Suspirando derrotado com minha teimosia, ele desabotoa a blusa
sem tirar os olhos de mim e quando tira, joga na cama. Ele vem até mim e se
abaixa, colocando um dos joelhos no chão para ficar da minha altura.
— Eu não posso pensar com clareza e ao mesmo tempo estar preocupado
com suas ações, mia dea! — Fala, passeando a mão sobre meu rosto.
Seu olhar duro, transmite carinho ao mesmo tempo. Meu coração acelera e
quando percebo, estou tombando a cabeça para receber mais do seu toque.
— Me desculpe? — Peço, fechando os olhos. O toque dele sempre é rude,
mas meu corpo já se acostumou e fica em êxtase com a expectativa.
— Não faça mais isso. — A mão em meu rosto desce para minha barriga,
fazendo com que nossos bebês se agitem, como se já sentisse o toque do pai. —
Não se coloque mais em perigo, dea. — Seu pedido parece uma súplica.
— Não vou fazer mais, prometo. Mas precisamos falar sobre seu irmão. —
Automaticamente ele tira as mãos da minha barriga e se levanta, indo em
direção a sacada. Sem esperar, me levanto com cuidado e ando devagar até ele.
— Ele está vivo. — Fala, olhando para o nada. — Há alguns meses pedi
Luigi para vigiar os passos de Elisa. Ela passou muito tempo quieta pelos
cantos, até hoje! — Vira para me olhar e sua postura é indecifrável. — Ela foi
até o hospital e pediu para falar com o diretor, que logo depois a colocou para
conversar com alguns funcionários. Luigi estava longe e quando conseguiu se
aproximar para escutar, ouviu quando uma velha disse que um homem tinha
levado seu bebê e que uma tal de Madalena o ajudou!
Ottavio relata tudo isso friamente, me deixando espantada.
— E o que você vai fazer agora?
— Eu vou achar ele e se for uma ameaça, vou matá-lo.
— Mas é seu irmão. — Falo assustada.
— Eu fiquei 29 anos sem um irmão. Se ele representar um perigo para tudo
aquilo que eu sou e represento, não hesitarei em tirá-lo do meu caminho.
Poucas foram às vezes que eu o vi tão sério, mas olhando em seus olhos
agora, eu pude ver um pouco de emoção cintilar. Ottavio não está sabendo lidar
com a ideia de ter um irmão gêmeo andando por aí, porque até então, esse
irmão em questão estava morto para ele.
— E se ele não for uma ameaça? — Pergunto incerta, recebendo um
semicerrar de seus olhos.
— Eu poderei sentar e conversar civilizadamente. — Sua fala fria me diz
que ele até poderia fazer isso, mas não estaria confortável. — Mas por hora,
mantenha isso para si. Elisa não sabe que eu sei de tudo. — Apesar de achar o
pedido estranho, decido não retrucar para não o irritar mais ainda. Quando ele
entra no banheiro para tomar banho, aproveito para ir até o quarto de Elisa.
— Elisa? — Chamo e abro a porta sem bater, me surpreendendo por
encontrar ela sentada no sofá perto da janela aberta. Seu olhar está focado na
lua cheia no céu, mas surpresa me invade quando a vejo virar uma dose do que
parece ser whisky.
— Carlo foi um homem temível e respeitado pelos seus inimigos, mas para
mim ele foi um bom marido. Todas às vezes em que eu entrava em uma crise
por causa da perda do meu outro bebê, ele me dizia que a passagem do tempo
curava todas as feridas. Mas quanto maior a perda, mais fundo é o corte, e com
isso mais difícil o processo para ficar bem. — Sua fala transmite a dor visível
que está sentindo. Me aproximo dela, ficando em pé ao lado do sofá enquanto
ela mantém o olhar na lua. — Ele dizia que no meu caso, a cicatriz poderia
demorar meses ou talvez anos, mas ela ia cicatrizar e me serviria como um
lembrete do quanto é importante viver.
— Ele parecia ser um homem sábio. — Murmuro.
— Ele era. — Confirma e vira a cabeça para me olhar. Seus olhos tem um
olhar duro e nenhum sinal de lágrimas, só o vazio e a raiva estão presentes. —
Precisa de alguma coisa?
Sem saber o que falar, nervosa, cruzo meus dedos das mãos e os estalo. Ela
arqueia uma sobrancelha, como se me perguntasse o que estou fazendo.
— Anna me disse que viu você chegar chorando. Vim saber se está tudo
bem. — Escolho o lado seguro da conversa, quem sabe assim ela se sinta
confortável para se abrir comigo.
— O tempo de chorar acabou, minha querida. — Seu olhar volta para o
lado de fora e sua voz soa ameaçadora.
— O que quer dizer com isso? — Pergunto sem entender. Afinal, ela
acabou de descobrir que o filho que pensava estar morto, na verdade está vivo.
— Que agora eu vou em busca de vingança. — Sua fala afiada me faz
arrepiar e a lembrança do nome da mulher que Ottavio mencionou me vem à
mente.
Será que Elisa a conhece? Mas antes que diga algo, Ottavio solta um
pigarro, chamando nossa atenção. Ele olha para mãe por alguns segundos e
depois eu sou alvo dos seus olhos cerrados.
— Eu estava te procurando. — Continua parado na porta.
— Eu vim ver como sua mãe está.
— Eu estou ótima, querida. Vá dormir com seu marido. — Elisa fala com
um sorriso que não alcança os olhos, mas decido não retrucar.
O caminho de volta para o quarto é feito em silêncio, mas eu posso sentir a
respiração pesada de Ottavio em minhas costas. Assim que passo e ele fecha a
porta passando o trinco, viro para olhá-lo.
— O que eu faço com você? — Pergunta sem paciência, colocando as
mãos na cintura.
Seu peito está nu e gotas de água descem preguiçosamente pelo seu
tanquinho. Ele usa calça de moletom cinza clara e os pés descalços o deixam
sexy. Sem perceber, me vejo mordendo o lábio com os dentes, deslumbrada
com a cena.
Percebendo meu olhar, ele suspira e aponta para o banheiro.
— Eu coloquei a banheira para encher, vou te dar banho. — Mas do que
depressa, ando para o banheiro e lá tiro meu vestido, ficando apenas com a
calcinha que não é pequena como as que eu costumava usar antes de
engravidar.
Ottavio tem sua atenção na temperatura da água e quando se vira de frente,
passeia o olhar guloso pelo meu corpo.
— Eu sei, minha calcinha é enorme. — Faço um bico. Ele se aproxima e
sem pudor algum, passa a ponta dos dedos em um dos bicos do meu seio,
fazendo o broto enrijecer pelo toque.
— Quem liga para a embalagem, quando sabe que o produto é de
qualidade. — Percebo que não foi uma pergunta e jogo a cabeça para trás,
gargalhando. — Você está mais do que perfeita. Eu vejo uma mulher forte,
carregando dentro dela todos os dias nossos dois filhos, que já provaram não
serem pequenos.
— Sim, eles estão bem grandes. Acho que em breve vou colocar a
plaquinha de despejo para os dois.
Sorrindo de lado, ele se abaixa e me olha de cima a baixo, coloca as mãos
de cada lado da minha cintura e começa a descer a calcinha. Nua, ele pega
minha mão e me guia até a banheira, me ajuda a entrar e me senta
confortavelmente, enquanto me olha sentado na borda.
— Tem espaço para mais um! — Falo manhosa e sorrio quando ele se
levanta e abaixa a calça, deixando seu pênis ereto à mostra.
Ele entra na água, me fazendo ir para frente e quando se posiciona atrás de
mim, me puxa e eu encosto, ajeitando minhas costas em seu peito e gemo
quando sinto seu pau cutucando meu bumbum.
— Você está mais sensível que o normal. — Murmura, despejando
sabonete líquido em minha barriga. Com minha posição, fico quase que deitada
em cima dele. Ele começa a passear suas mãos grandes, espalhando o líquido
pela minha barriga e me fazendo fechar os olhos pela sensação boa. Sua boca
começa a espalhar beijos pelo meu pescoço carinhosamente.
— Achei que estava bravo comigo. — Falo, ainda de olhos fechados,
aproveitando a sensação do seu toque.
— E estou. — Fala baixo no meu ouvido. — Sua sorte é estar bastante
grávida, porque não ia escapar de umas boas palmadas. — Sua fala vai direto
para o meu sexo, me fazendo contrair só com o pensamento de um sexo bruto
com ele.
— Se você não vai fazer isso, vamos mudar de assunto. — Falo, abro os
olhos e suspiro.
— Podemos falar sobre os nomes deles. Eu escolhi! — Viro minha cabeça
para olhar em seus olhos e sorrio.
— Ai meu Deus, até que enfim! — Ele rola os olhos.
— Eu vi sua lista e gostei de um.
— E qual foi? — Pergunto, me aninhando novamente em seu peito.
— Massimo. Em latim significa o maior, então combina com um nome
que eu gosto.
— Você realmente pesquisou os nomes daquela lista, não é mesmo? —
Falo rindo e ganho um beijo no pé do ouvido.
— Sim, mia dea.
— E qual é o outro nome que você gosta?
— Maximiliano. Foi o nome de um imperador romano esperto, que
expandiu o seu império e anos depois foi coroado rei da Germânia. — Me viro
para olhá-lo, impressionada com sua explicação.
— Não sabia que gostava de história! — Ele passa o dedo entre o vão das
minhas sobrancelhas franzidas, sorrindo de lado.
— Eu gosto de estudar grandes líderes. — Faz sentido.
Não precisa ir a fundo para saber que Ottavio além de ser letal, é um
grande líder. Seus homens o olham com admiração e respeito.
— Massimo e Maximiliano — Repito, testando os nomes. — Gostei! —
Ottavio leva as mãos de volta para a minha barriga, acariciando no momento
que os gêmeos chutam ao mesmo tempo.
— Dói? — Pergunta, fazendo uma careta.
— Só quando estão brigando aí dentro. — Brinco e o olho sobre os
ombros. Sorrio ao ver seu sorriso enquanto sente os filhos fazerem
malabarismo. — Qual vai ser a ordem dos nomes? — Ele vira o olhar para o
meu.
— Não importa a ordem, os dois vão nascer para serem os maiores líderes
de toda a Itália. Porque é isso que seus nomes significam: GRANDEZA.
Quando o cansaço vence Allegra e ela adormece em um sono pesado, eu
aproveito para me levantar e ir até o escritório. Visto uma calça de moletom por
cima da cueca e sai do nosso quarto sem camisa e descalço.
No caminho, eu pego o telefone e vejo a hora. Apesar de ser quase
madrugada, mando uma mensagem para Franco e Luigi virem até minha casa
para podermos terminar nossa conversa de hoje à tarde.
Quando Annamaria gritou pedindo socorro, Franco na mesma hora
reconheceu sua voz e saiu às pressas, comigo e Luigi logo atrás, mas quando
chegamos em meu quarto, meu coração se apertou e o pânico quase me fez
travar, coisa que nunca tinha acontecido. Só que ao ver Allegra caída nos
braços de Anna, que chorava e pedia socorro, eu pensei que algo mais grave
tivesse acontecido. Assim que fui capaz de esboçar uma reação, peguei minha
mulher nos braços e ordenei que chamassem um médico. Com cuidado,
coloquei o corpo mole na cama e cobri suas pernas com uma manta.
Por alguns minutos o mundo ao meu redor pareceu não existir, a não ser
aquele momento em que eu pedia para Allegra abrir seus grandes olhos verdes
para mim.
— Ottavio, olhe a pulsação dela. — Luigi me orientou depois que Franco
saiu do quarto com Annamaria aos prantos.
Com minha mão em seu pulso direito, constato que a pulsação não está
lenta.
— Cadê a porra do médico? — Rujo, fazendo Luigi levantar as mãos e se
afastar.
Dez minutos depois, o médico da Famiglia chegou, aferiu sua pressão e
usou um aparelho pequeno, pelo qual disse ter escutado os batimentos dos
bebês e achou tudo certo. Segundo ele, como ela está em uma gravidez de risco
por ser gemelar, pode ter se alterado, então pediu repouso e nada de fortes
emoções, mas se tratando da mulher deitada na cama, seria algo extremamente
difícil.
— A pressão está ótima e os batimentos dela e dos bebês estão normais.
Caso ela acorde e se queixe de algo, leve-a para a médica dela. — Assinto com
o homem e ele sai depois de pedir licença.
Abro a porta do escritório e vou direto para o bar, sirvo meu copo até a
metade e me sento em minha cadeira de couro.
Encosto a cabeça no assento e fecho os olhos, tentando colocar em ordem
tudo que descobri hoje.
Eu tenho um irmão com minha cara andando por aí. Elisa está escondendo
a informação de mim. E o mais importante: quem é Madalena? — Minha
cabeça dá voltas sobre todas as perguntas sem respostas. Tomo mais um gole
do líquido e viro a cadeira para olhar a vista do mar revolto da noite.
— Boa noite! — Me viro, vendo Franco chegar e logo atrás Luigi.
— Cadê aquela garrafa do Master of Malt 105 anos? — Pergunta, indo até
o bar e abrindo as portas de baixo.
— Você não vai abrir meu Master of Malt. — Falo com o olhar cerrado em
sua direção.
— Meu pau que não vou! Eu acabei de descobrir que você tem um irmão e
para piorar gêmeo, andando por aí e fazendo só Deus sabe o quê. — O bastardo
fala, abrindo meu melhor whisky, mas dou razão. O dia de hoje pede algo mais
forte.
Ele e Franco se acomodam no sofá e eu me junto a eles, me sentando na
poltrona na frente.
— Como está Allegra? — Franco pergunta entre um gole e outro.
Sem tirar os olhos do copo cheio em minhas mãos, digo que ela está bem.
— Qual é o primeiro passo? — Luigi pergunta. Levanto meu olhar até ele
e penso no que eu farei.
— Você vai continuar seguindo Elisa. Peça ao Ciro para investigar todas as
Madalenas da Famiglia na época de Carlo. E você... — Aponto para Franco que
tem sua atenção voltada a mim. — Reforce a segurança da casa. Eu não quero
soldados novos, coloque os que foram treinados por mim no penúltimo
recrutamento.
Ele balança a cabeça, como se dissesse que está feito.
— Ottavio, dá para acreditar, porra!? Você tem um irmão com a mesma
cara feia que a sua andando por aí. — Luigi solta suas pérolas.
— Para falar a verdade, eu gostava quando achávamos que ele estava
morto! — Encaro os dois homens a minha frente, sério. — Mortos não trazem
problemas, e algo me diz que meu querido irmão perdido trará uma tonelada
deles.
— Você acha que essa tal de Madalena está com ele? — A pergunta de
Franco é uma das várias que rondam minha cabeça. Viro o líquido e ele desce
queimando pela minha garganta, então me sirvo mais duas doses.
— Eu não faço ideia. São muitas perguntas sem respostas, além do fato de
estar sendo traído pela minha própria mãe. — Os olhares que recebo são de
espanto. Pelo jeito, eu fui o único a pensar que Elisa está me traindo, mas
afinal, não posso abrir uma exceção só pelo fato dela ser minha mãe.
Esconder fatos importantes como este do seu Don é um ato de traição e por
mais que seja algo do passado, poderá afetar seriamente nosso presente e
futuro.
— Mas ela é sua mãe, Ottavio! — Luigi fala duramente, me fazendo
arquear a sobrancelha pelo seu tom usado.
— E somente por isso terá a chance de se explicar. — Respondo, sem
desviar meu olhar do seu.
Franco pigarra, chamando nossa atenção.
— Com tudo o que aconteceu essa tarde, não tive a oportunidade de te
dizer que Marcelo mandou um recado, dizendo que o Galaretto está
praticamente liquidado. Marcelo confirmou que com seus ataques, Chicago
perdeu muitos apoiadores e aliados importantes.
A menção de Cesare me faz pensar em sua vingança pessoal. O que
aconteceu no passado, além do roubo do bebê, para que ele queira se vingar?
As peças do quebra cabeça ainda não se encaixam, mas é questão de tempo
até que eu possa solucioná-lo.
— Ele disse mais alguma coisa? — Pergunto e Franco fala que não, mas
por cordialidade pego meu celular e depois de confirmar que pelo fuso horário
ainda é dia em Nova York, faço a ligação.
Depois de alguns toques, ele me atende.
— Estava me perguntando quando você ia ligar! — Fala sarcasticamente.
Marcelo é um bom homem que esconde um passado sangrento e que
comando a Famiglia ítalo-americana com punhos de ferro, sem deixar os
costumes para trás.
— Eu ando ocupado cavando covas. — Ele solta uma gargalhada do outro
lado da linha.
— Galaretto está sem credibilidade. A Outfit está praticamente em guerra
entre si.
— Isso é uma ótima notícia, mio caro. Então me diga, o que é que quer em
troca? — Tudo na máfia tem um preço e obviamente De Luca não me fez esse
favor por gostar dos meus olhos azuis.
— Não se preocupe, na hora certa você saberá.
Falamos sobre mais algumas coisas sob os olhares atentos de Franco e
Luigi. Quando desligo, Luigi murmura um idiota, me fazendo sorrir de lado.
—Ainda tem raiva por ele ter olhado Sabrina demais? — Minha pergunta
faz Franco me fitar e depois olhar de lado para Luigi.
— Aquele velho filho da puta não merece Sabrina. Aliás, ninguém a
merece, minha irmã é boa demais para esses idiotas. — Sorrio sarcástico pela
sua fala.
Talvez eu devesse contar que Lucchese já está mais do que envolvido com
sua irmã.
— A festa de amanhã está confirmada! Pasquale está bastante animado
com a presença de nós três. — Falo e ambos assentem. — Esse será meu último
evento antes de Allegra dar à luz, então todo cuidado é pouco.
Com o passar da madruga, ambos se vão, me deixando novamente com
meus pensamentos.
Dois dias depois e já em casa, ainda estou remoendo tudo o que aconteceu
e tentando entender como as coisas chegaram a este ponto.
Elisa está trancada no quarto, desesperada pelo sumiço de Otto. Allegra
recebeu a visita da médica e ela nos disse que a qualquer momento os gêmeos
podem nascer, então mesmo contra a sua vontade, está de repouso.
— Ainda bem que está aqui, não queria topar com Allegra. — Franco entra
no meu escritório e fecha a porta. Sentado na minha cadeira atrás da mesa,
arqueio a sobrancelha enquanto ele faz uma careta, se sentando na minha
frente. — Ela está com um humor, que sem ofensas...
— Sim, ela está terrível desde que a coloquei de cama. — Sorrio ao
lembrar a cara de desgosto que ela fez quando eu ordenei que ela não saísse do
quarto.
— Como anda o ferimento? — Aponta para meu peito.
— Melhor. Quase pronto para outra!
— Então podemos falar sobre Pasquale! Ele está na Trentotto, a pão e água
desde que o pegamos.
— E o que fizeram com Stella? — Pergunto, vendo-o suspirar.
— Ela sabia de tudo e compactuou. Luigi a mandou para um dos nossos
puteiros na Catânia.
— Tem certeza de que ele não teve ajuda de outros capos? — Minha morte
seria algo benéfico para muitos.
— Sim. Mas de qualquer jeito, ele ainda está lá à sua espera. — Confirmo
com a cabeça e pego o charuto aceso no cinzeiro em cima da mesa.
Fico em silêncio por alguns minutos, torcendo para que o tabaco faça sua
parte ao tirar um pouco da minha tensão. Sinto o olhar de Franco em cima de
mim enquanto relaxo.
— Como tem lidado com tudo isso? — Quando contei a ele e Luigi toda a
história por trás do sumiço do meu irmão, o choque foi unânime, além da
indignação.
Cesare articulou por anos sua vingança contra meus pais. Criar Otto e fazer
dele um executor, para então mandar em uma missão para matar o Don, homem
esse que era seu próprio pai, foi algo friamente calculado. O figlio di puttana,
soube conduzir tudo perfeitamente, só se esqueceu do instinto materno de Elisa,
que falou mais alto quando viu Otto pela primeira vez.
Saber que ele esteve tão perto dela e de Allegra, me deixou mais tenso. Ele
poderia tê-las sequestrado e usado disso para me matar, e eu não teria pensado
duas vezes antes de me colocar em seus lugares.
— Eu ainda quero matá-lo! — Dou um trago e depois de soltar a fumaça
para cima, continuo falando. — Apesar de saber que o culpado de tudo é
Cesare.
— Isso é compreensível. — Somos interrompidos quando Annamaria bate
na porta, dizendo estar pronta para ir embora. Me despeço dos dois e sigo para
o quarto, sabendo que encontrarei minha esposa uma fera.
Meu corpo anda cobrando o preço de tanta agitação e tudo que eu quero é
uma boa noite de sono. Entro no quarto e admiro mia dea em pé ao lado da
cama!
A visão de Allegra grávida é algo que me agrada muito. Ela sempre foi
linda, mas saber que carrega meus filhos – meus futuros herdeiros – me deixa
completamente insano. Não deveria pensar em sexo com ela podendo dar à luz
a qualquer momento, mas ela não facilita para mim quando deita de lado, com
a bunda virada para mim, mostrando a calcinha vermelha minúscula quase
sumindo dentro de sua bunda redonda. Meu pau sacode dentro da calça.
Me aproximo da cama e deixo um beijo em seu pescoço, notando seu
corpo estremecer levemente e arrepiar. Um gemido baixo saiu de sua boca e ela
empina ainda mais a bunda em minha direção. Eu deslizo uma mão pela sua
coluna, sentindo o tecido fino da sua camisola até alcançar sua calcinha já
molhada de excitação. Minha mulher está com os hormônios em ebulição,
então o mínimo toque já a deixa completamente encharcada e eu não consigo
simplesmente ignorar, por isso levo minha mão até sua boceta, a apertando e
esfregando seu clitóris com o dedo.
― Ottavio... ― Geme, rebolando em minha mão.
― Sim, mia dea? ― Murmuro, já subindo na cama. Ela sorri e se levanta,
ajoelha e fica de costas para mim. Para ter mais firmeza, ela se inclina ainda
mais para frente e apoia ambas as mãos na cabeceira da cama, ficando
praticamente de quatro.
Mordo sua nuca e outro gemido vem do fundo de sua garganta. Allegra
remexe a bunda até ter meu pau encaixado nela e mesmo com minha calça,
consigo sentir o quanto está molhada. Desço distribuindo beijos em sua coluna,
até alcançar sua calcinha. Nem mesmo a tiro, só puxo para o lado antes de
abocanhar com facilidade sua boceta, já que ela está completamente empinada
para mim.
Passo minha língua de baixo para cima, sentindo seu sabor em minha
língua e sou eu quem geme dessa vez, completamente insano, com a porra do
meu pau latejando, quase implorando para invadir seu corpo.
― Por favor. ― Ela rebola em minha boca.
Ajoelho na cama, rasgo sua calcinha e ouço sua respiração falhar, mas nem
dou tempo para outra reação dela, pois tomo sua boceta em minha boca
novamente, chupando, lambendo e mordendo, tirando tudo dela.
Completamente perdido no quanto é delicioso senti-la assim.
Passo meus dentes levemente em seu clitóris e coloco um dedo em seu
canal, sentindo ela o esmagar com suas paredes encharcadas. Fazendo
movimentos de vai e vem, tiro meu dedo e levo seus fluídos até seu ânus. Sinto
ela contrair levemente, mas massageio o local e continuo trabalhando com
minha língua até senti-la relaxar novamente. Introduzo com calma meu dedo e
mais uma vez a sinto contrair.
― Relaxe, mia dea. ― Murmuro contra seu clitóris e ela continua
gemendo, então mais uma vez relaxa.
Volto com os movimentos de vai e vem e logo tenho minha mulher
gritando completamente em êxtase e gozando em minha boca. Tomo tudo dela,
lambendo e me lambuzando de seu gozo.
Me levanto da cama para tirar a calça e a visão que tenho dela ainda de
quatro, relaxada e sua boceta e cuzinho brilhando com seu gozo me faz gemer
alto. Isso parece acender ainda mais sua fome, porque ela leva sua mão por
baixo do seu corpo e se toca. Acelero em tirar minha roupa e logo estou em
cima dela mais uma vez.
― Esse trabalho é meu, Allegra. Tire a porra da mão daí. ― Geme em
protesto, mas tira a mão.
Segurando meu pau, esfrego-o de cima a baixo na sua boceta, molhando a
cabeça com seu gozo. A sensação me faz jogar a cabeça para trás e gemer.
Antes que eu consiga pensar, Allegra se empurra contra mim, fazendo meu
pau a invadir com tudo. Ela grita com a invasão e joga a cabeça para trás.
― Dio... ― arfo. ― Allegra, porra!
― Me foda, marido.
Eu odeio negar qualquer pedido à minha mulher, ainda mais um pedido
assim, por isso a como sem dó.
O barulho da minha pélvis batendo em sua bunda enche o quarto, o cheiro
de sexo e suor já se faz presente e isso parece que só a deixa ainda mais insana,
porque a cada arremetida que dou dentro dela, ela vem contra mim.
Suas paredes internas me esganam como se quisessem sugar minha porra
para fora de mim de qualquer jeito. Minhas mãos em sua cintura tentam
acalmar o movimento dela, mas ela parece querer mais bruto a cada minuto.
Levo uma das minhas mãos para o seu clitóris novamente e manuseio o
brotinho duro e latejante. Os gritos de Allegra aumentam e isso só me faz ir
ainda mais forte contra seu corpo. Quando sinto que ela está chegando ao
limite, saio de dentro dela, ouvindo seu protesto.
Deito de lado na cama e trago seu corpo para frente do meu, encaixando-a
em mim. Allegra ergue uma de suas pernas, me dando fácil acesso. Seguro meu
pau, escorregando-o da sua boceta encharcada até seu ânus. Seus gemidos são
altos e ela não para de rebolar, praticamente me implorando por uma invasão.
Volto minha mão ao seu clitóris, manipulando o brotinho latejante até que ela
esteja relaxada o suficiente. Forço meu pau em seu cu aos poucos, sentindo-a
contrair a cada vez que me sente invadindo mais.
Quando estou completamente dentro dela, gememos em uníssono. Meu
pau está sendo estrangulado pelo canal apertado.
― Porra, Allegra. Apertada pra caralho!
Ela geme alto e murmura palavras ilegíveis. Fico parado por um tempo
tentando me controlar e deixando-a se acostumar, mas logo minha mulher volta
a rebolar, pedindo mais.
― Por favor, Ottavio... ― Pede ofegante.
Começo os movimentos devagar, mas logo estou metendo com força,
sentindo o aperto me levar ao limite. Seus gritos, seu suor escorrendo pelas
costas, seu aperto em meu pau... Tudo me deixa pronto para esvaziar toda a
minha porra dentro dela.
Com a mão livre, seguro seu cabelo com força, deixando seu rosto
próximo do meu.
― Você deveria estar descansando, mia dea. ― Falo em seu ouvido e ela
geme, rebolando com mais veemência em meu pau.
― Eu vou gozar. ― Avisa.
Bato mais fundo dentro de seu cu e ela grita quando goza, se contorcendo e
molhando meu dedo na sua boceta. Logo a sigo, gozando dentro dela e
gemendo contra seu pescoço.
Levamos um tempo até nos acalmar. Saio de dentro dela com calma, e
antes que eu saia da cama para nos limpar, ela se aconchega em mim com o
semblante sereno, não lembrando em nada a mulher que estava pegando fogo
na cama comigo até agora.
― Agora sim posso descansar, marido. ― Diz sorridente e deixa um beijo
em meu peito.
Me pego sorrindo por esse momento terno. Allegra é uma caixinha de
surpresas! A menina que um dia me casei ficou para trás, dando espaço para
uma mulher que não excita só o meu corpo, mas também uma alma que achei
que não tinha mais.
O ambiente familiar é algo que me agrada. Estar no subsolo da Trentotto é
como estar em casa! O cheiro de mijo, mofo e sangue misturados tem o poder
de soltar minha verdadeira natureza, aquilo que eu nasci para fazer e me traz
prazer.
Em passos calculadamente lentos e com as mãos nos bolsos, sigo até a
última cela, das cinco existentes. A luz fraca vinda da única lâmpada disponível
ainda não dá a visão do meu prisioneiro, mas eu posso sentir seu medo daqui.
Enquanto me aproximo, eu começo a assobiar e quando paro em frente a
cela, olho Pasquale, ainda assobiando. Ele está sentado no canto, em cima de
um colchão velho, suas pernas estão esticadas e seus braços cruzados, vestindo
somente uma calça. Ele me olha de olhos arregalados e quando engole em seco,
sorrio de lado.
— Pasquale, Pasquale... Eu realmente pensei que você não fosse tolo o
bastante para um dia me trair. — Falo baixo, mas minha voz é letal. — Não
satisfeito em me roubar, ainda tramou minha morte! Duplamente tolo.
— Me mate de uma vez, Ottavio. — Suspira.
— E perder a oportunidade de passar meu recado a todos? Não, meu caro.
Você servirá como exemplo!
Deixo o homem na cela e volto para o andar de cima, encontrando meus
soldados.
— Tudo pronto, Don! — Aceno para Piero.
A traição de Pasquale me acendeu um alerta. Se esse idiota pensou que
poderia me trair e fez o que fez, outros podem pensar o mesmo, então hoje
tenho uma surpresa para eles. Por esse motivo, eu convoquei uma reunião com
meus capos e ordenei que todos estivessem presentes para que pudessem ver o
que acontece com quem decide trair o Don e a organização que um dia juraram
ser fiéis.
Entro no meu carro e eu mesmo dirijo até meu novo cassino que está sendo
reformado. Escolhi esse local porque além de acomodar todos perfeitamente
bem para o que vai acontecer, terei controle das saídas para qualquer tipo de
contratempo que possa vir a acontecer.
Estaciono minha Ferrari preta na frente do local e saio, cumprimentando
Franco e Luigi já à minha espera na entrada.
— Um bom dia para matar ratos! — Luigi diz e dá um sorriso largo, me
fazendo apertar meus olhos para ele.
— Se comporte. Lembre-se que preciso saber se Pasquale estava com mais
homens ao seu lado, além do que já sabemos. Quanto antes terminar, mais cedo
volto para a casa.
— Fico impressionado em como Allegra conseguiu te domar. O Don
temido, o homem conhecido como o empalador, com medo da sua mulher de
um metro e meio de altura.
— Você deveria tomar cuidado! — Falo e dou um sorriso para ele, que
agora me fita desconfiado.
— É! Quando você casar, vai entender que certas coisas não tem discussão.
— Franco se pronuncia, fazendo uma careta com sua própria fala.
— O inferno vai congelar antes que eu me case. E se eu chegar a me casar,
espero que minha senhora, esteja ciente de que talvez eu não me mantenha fiel.
— Vou me lembrar disso! — Franco diz sarcástico e entra.
Assim que entro no grande salão, observo o lugar que futuramente terá
mesas de blackjack, poker e roleta, mas que hoje abriga cadeiras ocupadas
pelos meus capos. Todos, sem exceções, se encontram aqui. Ando pelo
corredor que se formou entre as cadeiras, tendo a atenção de todos em mim.
Encaro alguns com o olhar frio e gosto do que vejo de volta em seus olhos.
Um Don sem o respeito dos seus subordinados, é um homem em ruínas.
Eu gosto de ser temido por meus inimigos e respeitado pelos meus homens,
pelo simples fato de que o respeito faz com que te vejam e se espelham em
você. Automaticamente, faz com que queiram estar ao seu lado, assim não
cometem idiotices. Já o temer, bom… esse na maioria das vezes faz com que
mesmo temendo, se sinta corajoso o bastante para cometer algum tipo de
traição, como Pasquale.
O imbecil mal conseguia me olhar nos olhos de tanto temor, mas mesmo
assim se achou inteligente o bastante para me trair e agora servirá de exemplo
para os gatos pingados entre nós que também se acham espertos.
Me posiciono na frente dos capos sentados e ainda de pé, dou uma olhada
ao redor.
— Muitos já sabem o motivo de estarem aqui hoje. Pasquale se achou
inteligente o bastante para me roubar e planejar minha morte. — Olho
friamente para todos. — O que vai acontecer aqui hoje, é um aviso do que vou
fazer com quem tentar novamente tal ato contra a Famiglia. Lembrem-se,
senhores, sou eu que represento a Cosa Nostra, um ato contra mim é um ato
contra as leis que um dia vocês juraram seguir. Vocês foram forjados para
serem homens de honra e não ratos traidores.
Faço um sinal para Franco, ele assente e abre uma porta ao fundo, onde um
dia será a cozinha. Todos olham para trás e logo Pasquale passa pela porta sem
roupas. Enquanto caminha até mim de cabeça baixa e algemado, aproveito para
olhar alguns homens. Noto a tensão evidente de alguns e faço uma anotação
mental de ir mais afundo na vida destes.
Franco coloca Pasquale sentado na cadeira atrás de uma mesa de blackjack
ao meu lado e todos têm a atenção em mim.
Ângelo me olha com um sorriso zombeteiro de lado, assim como Lucchese
ao seu lado. Os outros capos nem parecem respirar.
— Eu já disse e volto a repetir: a arrogância torna um homem cego.
Pasquale não foi a mente por trás do atentado contra a minha vida. — Minha
afirmação faz todos se entreolharem confusos. — Pasquale é um arrogante e
com isso não percebeu que estava sendo manipulado. Olhem ao redor! Eu
mandei que todos os meus capos viessem, mas está faltando um em especial:
aquele que influenciou Pasquale!
O burburinho começa, enquanto eles olham para os lados procurando o
culpado. Eu olho para Pasquale e o pego me olhando.
— Vocês acharam mesmo que eu não iria descobrir? — Pergunto. — Foi
só eu dizer que tiraria aquela puta que você chamava de esposa do bordel
imundo que ela está, para ela começar a falar coisas interessantes. — Assim
que soube o que tinham feito com Stella, pedi para Luigi ir a sua procura e
tentasse descobrir informações sobre Pasquale e possíveis aliados no atentado.
Não me surpreendeu quando Luigi voltou dando um nome e contando tudo
que estava acontecendo com Stella, que era a boceta sensação dos soldados
naquele lugar de quinta.
Quando percebo que o local ficou totalmente em silêncio, olho para frente
e vejo Luigi trazendo Antônio Barese.
— Meu outro convidado chegou, enfim. — Falo sarcástico.
Luigi coloca Barese sentado no meu outro lado, me deixando entre os dois
ratos.
— Uma nova era começou para todos nós. Estamos em uma guerra
declarada contra a Outfit e eu não vou tolerar fracos e traidores. — Minha voz
afiada como navalha direcionada a todos no local faz o ambiente se tornar
tenso. — Pasquale e Barese vão morrer, mas podem não ser os únicos hoje!
Franco se aproxima e empurra Pasquale para frente, o tombando na mesa
de blackjack.
— Quietinho aí, velho. — Ele repreende o imbecil quando ameaçou se
levantar.
Com as mãos amarradas para trás, cabeça e tórax apoiados na mesa e em
pé, me aproximo por trás e escuto os suspiros quando pego minha Magno .50,
pois todos os presentes já sabem o que vai acontecer.
— Você deveria ter continuado quieto, Pasquale. De todas, sua maior
estupidez foi tentar me matar e achar que se safaria.
Passo o cano da arma em suas costas e ele grita, implorando para eu não
fazer isso. Olho para Barese a frente e lhe presenteio com meu sorriso sádico.
— Diga, Barese, como foi comer a puta da Stella e depois planejar minha
morte com o marido dela? — O homem me olha de olhos arregalados e quando
abre a boca para falar, levanto a mão, o calando. — Quer saber de uma coisa?
Eu não me importo, não me interessa. Você tramou minha morte, porque desde
que assumi, vem mandando as localizações dos nossos carregamentos para a
Outfit. Você queria mais do que nós tínhamos a oferecer e achou que jogando
nos dois lados, teria o que queria. Você pode até ser um homem milionário
hoje, mas não viverá para desfrutar de um só centavo!
Coloco minha mão na cabeça de Pasquale, prensando na mesa e abaixo
para falar em seu ouvido.
— Não se preocupe com Stella, caro amigo, ela está sendo bem fodida
pelos nossos soldados.
— Ottavio, não faz isso, por Dio... Me perdoa, eu não sabia do que Barese
vinha fazendo com a Outfit. — E aí está! Ratos acuados sempre se desesperam
quando sabem que chegaram no fim.
— Assim fico desapontado, Pasquale. Querendo estragar minha diversão?
— Me levanto quando Luigi e Franco se aproximam e seguram o homem
curvado na mesa. Piero está com uma arma apontada para a cabeça de Barese,
que tem os olhos arregalados e está imóvel.
Dou uma outra olhada para os homens sentados, calados e atentos a tudo
que está acontecendo. Com minha Magno em mãos, a posiciono no cu de
Pasquale, que tenta se mover, mas está sendo muito bem segurado.
— Prefere com lubrificante? — Pergunto sarcástico, o fazendo gritar.
Sem mais, enfio de uma vez só o cano longo da arma pelo seu orifício. O
grito estridente dele me faz sorrir e encarar meus capos. Ângelo tem uma careta
no rosto, enquanto os outros olham para os lados tentando não focar na cena de
Pasquale com uma arma no cu.
— Infelizmente estou sem tempo para brincar com vocês! Mas quero
deixar claro que isso não é nada comparado ao que vou fazer se um de vocês
ousarem me trair. — Falo, olhando os homens calados na minha frente.
Barese se remexe na cadeira, ganhando minha atenção.
— Eu não acabei com você, Barese. Mas preciso que me diga uma coisa
antes de morrer. — Engolindo em seco, ele assente.
— Há quanto tempo você está nos traindo? — Pergunto, girando a arma e
fazendo com que Pasquale grite mais ainda.
— Desde que você assumiu. — Assim que ele termina de falar, eu
engatilho a arma e disparo.
Os praguejos são altos. A bala perfurou o corpo de Pasquale e terminou
sua jornada bem no peito de Barese. Largo a arma e ando até a frente do
cadáver de Pasquale, olhando o buraco que se formou no que um dia foi o nariz
do infeliz. Seus olhos ainda abertos, rodeados de veias vermelhas é uma bela
visão.
Foco em meus capos e continuo falando friamente.
— Aviso dado. Agora cada um irá fazer o juramento novamente na minha
frente. E que todos saibam que eu sempre estou no controle do meu território e
que sei o que acontece na casa de todos vocês. Desde as amantes escondidas,
até mesmo dos filhos bastardos. Eu sei de tudo!
O primeiro a se colocar em minha frente com uma imagem de santa na
mão, é Piero. Me olhando nos olhos, ele fura seu dedo e eu pego minha faca,
fazendo o mesmo, e nos encarando, juntos deixamos nosso sangue pingar na
imagem. Ele ateia fogo e não desvia nem por um minuto o olhar do meu.
— Que minha carne queime como este santo se eu falhar em manter meu
juramento. — Ele profere o juramento enquanto a imagem queima na palma de
sua mão.
Seguindo seu exemplo, Franco, Luigi, Ângelo, Lucchese e alguns outros
capos e soldados presentes fazem o mesmo. Um a um, eles vêm e fazem seus
juramentos diante de mim. Os maiores impérios não são feitos de cimento ou
dinheiro, mas sim de respeito! E nesse momento, em cada um dos meus
homens, eu o vejo e nesse momento sei que a guerra com a Outfit já está
ganha!
Com todos sentados em seus lugares, decido que é o melhor momento para
falar de Otto. Eu sei que vai levantar muitas discussões, mas preciso falar eu
mesmo para não levantar questionamentos depois. Decido ir pelo caminho mais
fácil e só deixar claro sobre eu ter um irmão, deixando os detalhes para os
íntimos, por enquanto.
— Com esse assunto resolvido, agora preciso falar sobre algo que
aconteceu anos atrás e é um dos motivos da guerra contra Cesare. Eu tenho um
irmão que foi roubado quando nasceu! Somos gêmeos bivitelinos e eu sou o
mais velho por questão de minutos! Anos atrás, Cesare mandou que meu irmão
fosse trocado por um bebê morto e com isso, Carlo e Elisa o declararam morto
e abafaram o caso, achando ser o melhor! Recentemente, descobrimos que ele
está vivo.
Os olhares de espanto que recebo me deixam ainda mais tenso com toda
essa situação ridícula. Não digo mais nada. Alguns até me perguntam se eu
estou a procura ou se já sei quem é, mas digo apenas que estou investigando.
Preciso pensar com calma no que farei quando todos souberem sobre Otto.
Muitos vão pedir sua cabeça, e mesmo sabendo que é o certo a se fazer, eu não
sei se darei a ordem.
Chego em casa tarde da noite e antes que possa subir para o quarto,
encontro Elisa me esperando na sala.
— Precisamos conversar. — Seu olhar cansado e corpo tenso mostra que
não tem dormindo bem.
— Só preciso verificar Allegra antes.
— Eu acabei de vê-la. Ela está dormindo, não quis comer, mas eu insisti
para tomar um copo de leite. — Aceno com a cabeça e me sento na poltrona ao
meu lado, ficando de frente para ela.
— Diga. — Tento não soar rude, mas como sei o assunto que ela vai
levantar, é quase impossível não me alterar.
— Tem notícias dele? — Ela pergunta incerta, quase em um sussurro.
— Não. — Seus olhos se enchem de lágrimas enquanto me olha.
— Ele é meu filho, assim como você! Eu o amo Ottavio, e já te disse isso.
— Desvio meu olhar do dela, focando na lareira acesa.
— Você já se esqueceu que ele matou meu pai, o seu marido?
— E você já parou para pensar em como ele deve estar destruído ao saber
que matou o próprio pai sem saber? — Suas palavras me atingem em cheio.
Apesar de ter se tornado o executor, Otto estava cumprindo ordens quando
veio para Itália matar Carlo. Ele não sabia que se tratava do próprio pai, mas eu
não posso deixar que isso influencie demais nas minhas decisões em relação a
ele. Eu não sei se ele ainda é uma ameaça e seu sumiço me deixa inquieto.
— O que você quer de mim, mama? — A olho intensamente. — Quer que
eu o receba e mande preparar uma festa de boas-vindas? Quer que eu aperte a
mão dele? As mesmas mãos que mataram o meu pai? — Minha voz fica alta
sem que eu perceba, fazendo com que Elisa se encolha no lugar.
— Eu só quero abraçar meu filho! — Grita e começa a chorar.
— Eu não sei o que fazer! — Ela se levanta e caminha até mim, e como
quando eu era criança, acaricia meus cabelos, me olhando com carinho, apesar
das lágrimas.
— Figlio mio, vocês dois são parte de mim. Eu vivi anos achando que
tinha perdido metade do meu coração e agora que sei que essa parte estava por
aí perdida, eu preciso recuperar o tempo perdido. Eu amo você filho, mas eu
também amo o seu irmão. — Dizendo isso, ela se vira e sobe as escadas, me
deixando com os sentimentos confusos e conflitantes.
Irmãos.
Um irmão criado pelo meu inimigo!
— Você deveria dar espaço para ela. — Tiro meus olhos do fogo e sigo a
voz que tem o poder de me acalmar.
— Mia dea, pensei que estivesse dormindo. — Ela sorri e se aproxima.
A primeira coisa que faço quando ela se coloca em minha frente, é beijar
sua barriga. Tentando me controlar, fecho meus olhos e colo minha testa nela,
sentindo meus filhos chutarem. Logo, as mãos de Allegra em meus cabelos
começam uma carícia.
— Acordei e resolvi vim ver se você já tinha chegado, aí acabei escutando
tudo.
— Eu não sei o que Elisa quer. — Falo frustrado.
— Oh! Você sabe, meu amor, só não quer admitir. Ele não teve culpa do
destino dele, assim como você também não. Ela só quer um tempo para tentar
conhecê-lo.
— Eu não sei se ele ainda é uma ameaça!
— Ottavio! — Ela me faz abrir os olhos para encará-la. — Ele se mostrou
bastante abalado com tudo o que aconteceu. Estamos em guerra e prestes a ter
dois bebês de uma vez, você precisa trazer seu irmão para o nosso lado. E sobre
seu pai, bom… precisam lidar com isso. O passado não pode ser mudado, então
lide com tudo isso.
Cansado, decido colocar um fim no dia de hoje e ir me deitar com minha
esposa. Assim que nos deitamos e que eu coloco minha mão em sua barriga,
meus filhos começam a se mexer, me dando uma sensação de paz.
O sino da lanchonete toca, anunciando a entrada de alguém. Foco os olhos
na porta e suspiro quando vejo Otto passar. Meu coração acelera com a visão
dele de calça jeans, blusa e jaqueta de couro e todo de preto. Passando os olhos
pelo local, ele olha para mim e o vejo contrair a mandíbula, com o semblante
fechado.
Caminhando a passos lentos até a mesa onde estou, perto do banheiro, ele
parece travar uma batalha consigo mesmo só pela forma que me olha. Assim
que ele se aproxima, me levanto nervosa e abro um sorriso largo, tentando
segurar as lágrimas de felicidade.
— Eu não acreditei quando recebi a mensagem no celular. — Falo animada
quando ele para na minha frente.
Seus olhos azuis como os de Carlo e de Ottavio me analisam brevemente.
— Ele sabe que está você aqui? — Nem precisa dizer a quem se refere,
porque eu entendo perfeitamente que é de Ottavio. Vai ser um caminho longo e
difícil fazer com que os dois pelo menos estejam no mesmo local sem brigar.
— Não, eu saí e ele não estava em casa. Venha, vamos sentar. — Nos
acomodamos nas cadeiras, então a garçonete se aproxima para anotar nossos
pedidos e quando sai, coloco minha mão em cima da dele descansando em
cima da mesa. Seus olhos fitam o contato calado. — Eu sei que deve estar
sendo muito confuso para lidar com os últimos acontecimentos, mas quero que
saiba que estarei sempre aqui por você. Eu... Desde que te vi aquele dia na rua,
eu senti que você era meu filho e corri muito atrás da verdade. — Minhas
lágrimas rolam pelo rosto e não perco seu olhar desconfiado enquanto me fita
calado.
— Eu sou filho do homem que matei? — Sua voz fria me faz arrepiar e eu
o encaro surpresa.
Eu sabia que ele iria chegar a esse questionamento, mas não imaginei que
seria rápido assim.
Abaixo a cabeça ainda mantendo a mão em cima da sua.
— Me olhe nos olhos quando estiver falando comigo. — Fala calmamente,
retirando a mão de debaixo da minha. Levo meu olhar ao seu e as lágrimas só
aumentam.
— Sim. Carlo era o seu pai, o pai de vocês dois. — Ouvindo minha
resposta, Otto fecha os olhos e contrai novamente a mandíbula, respirando
fundo. — Ele e eu na época achamos melhor poupar Ottavio de uma possível
dor por crescer sem o irmão. Então achamos melhor deixar esse assunto no
passado. Eu preciso que você acredite em mim, figlio. — Falo ofegante,
sentindo minha cabeça doer. Cada centímetro do meu corpo treme.
Percebendo meu descontrole, Otto se levanta, joga uma nota em cima da
mesa e me olha.
— Venha comigo. — Acena para a saída e eu o sigo.
Ando atrás dele até um terreno baldio, cheio de mato e mais nada.
Provavelmente, nesse momento Renzo, deve estar à minha procura, já que eu
entrei na loja de Olga dizendo que iria ficar por lá, mas sai pelas portas dos
fundos para vir ao encontro com Otto.
Ele está de costas para mim e respira pesadamente enquanto eu solto um
soluço alto.
— Eu chorei por você todos esses anos e todas as vezes em que pegava
Ottavio nos braços quando bebê, me sentia incompleta. Eu achei que tivesse
enterrado uma parte de mim naquele caixão tão pequeno. — Minha fala se
mistura a soluços agonizantes e choro.
— Tem certeza de que Cesare sabia disso antes de me mandar para esse
país de merda? — Ele pergunta, ainda de costas.
— Sim, ele próprio me confirmou. Aquele maldito me tirou você só
porque o rejeitei quando mais nova, mas eu não sabia sobre a família dele. Eu
nem era da máfia, foi Carlo quem me contou sobre esse mundo e por amor a ele
eu larguei tudo e me casei.
Ele se vira para mim e com isso crio coragem para contar todos os detalhes
do meu passado. Como conheci Carlo, sobre Madalena e Cesare e sua obsessão
em uma vingança na qual eu nem tinha conhecimento. Ele escuta tudo estático,
mas posso ver em seus olhos o quanto sente raiva por tudo isso.
— Ele planejou tudo perfeitamente! — Otto murmura quando eu termino,
seus olhos focados no nada, vazios.
— Co-como assim?
— Eu já era o melhor executor então ele me disse que para crescer mais eu
precisaria realizar uma missão com maestria. Essa era a minha missão: matar o
Don e seu único filho. Depois disso eu seria o número um, poderia fazer os
trabalhos que eu quisesse dentro da organização. — Levo minhas mãos a
cabeça, sacudindo de um lado para o outro.
— Oh, meu Deus! Como ele pôde ser tão covarde? — De olhos fechados,
sinto mãos tocarem meu braço e quando abro, Otto está cara a cara comigo.
— Eu matei seu marido sem saber quem vocês eram. — Afirma.
— Eu sei, meu amor. Eu sei. — Sem controle dos meus atos, levo minhas
duas mãos até seu rosto, sentindo necessidade de tocá-lo.
Sentir seu cheiro para poder gravar na memória, assim como sinto de longe
o cheiro de Ottavio.
— Nós vamos lidar com tudo. Eu vou lidar. Mas por favor, não se afaste de
mim. E-eu preciso de você comigo, figlio. — Dou um abraço desesperado nele.
No início ele não faz nada, mas depois, talvez vencido pelo cansaço,
retribui o abraço, me apertando em seus braços grandes. Otto é alto e grande
como o irmão. Ambos têm o poder de me tranquilizar em seus braços.
Repouso minha cabeça em seu peito, escutando seu coração bater
acelerado e a sensação de bem estar me toma.
— Eu sei que é difícil, mas por favor, você e Ottavio precisam conversar.
Vocês são irmãos, Otto, por favor. — Me afasto do seu corpo e ele me olha
fixamente.
— Eu vou me ausentar. Preciso resolver tudo com Cesare, mas quando eu
estiver de volta você saberá. — Tenta se afastar, mas eu o seguro.
— NÃOOO. Não, por favor! Não vai, meu filho! Ele vai te tirar de mim de
novo e eu não vou aguentar isso mais uma vez. Por favor!
— É preciso, Elisa! — Escutar meu nome saindo de sua boca pela primeira
vez me aquece o coração, mas antes que eu diga algo, uma tontura me faz
fraquejar e só não caio no chão porque seus braços envolveram meu corpo. —
O que você tem? — Sua fala é grave e aflita.
— Eu estou bem, deve ter sido só a pressão. — Foco em sua boca quando
diz algo, mas minha visão escurece e o rosto de desespero do meu filho é a
última coisa que vejo antes de tudo apagar.
Quando Renzo me ligou dizendo que Elisa tinha fugido da sua segurança,
eu soube com que ela foi se encontrar. Passei horas esperando-a chegar, mas
quando a noite caiu comecei a me preocupar com a possibilidade de Otto ter
feito algo a ela.
— Ainda sem notícias? — Luigi pergunta, dando tacadas na mesa de
bilhar.
— Sim.
Depois de mais alguns minutos, meu celular notifica uma mensagem com
remetente desconhecido e um endereço junto de uma frase: “ela está neste
endereço”.
Levanto rapidamente, pego meu terno e Luigi me olha tenso.
— O que aconteceu?
— Eu estou indo buscar Elisa! Fique aqui e proteja Allegra, volto em
algumas horas. — Sem dar chance para retrucar, saio às pressas, dispensando
minha escolta e sigo sozinho pelas ruas de Palermo até o endereço da
mensagem.
Fico surpreso quando vejo que o endereço se trata de uma casa um pouco
afastada do centro. A casa por fora não parece ser abandonada e sim uma de
alto padrão. Antes de descer do carro, verifico minha arma e as munições.
Faço o caminho até o portão analisando ao redor e antes de tocar a
campainha, ele se abre. Olho para cima, notando a câmera focada em mim.
Entro no local sacando minha arma e ando em alerta, a porta da casa está aberta
e as luzes acesas. Assim que entro, levanto minha arma para Otto, que está
parado alguns metros de distância, com as mãos nos bolsos e olhar mortal.
— Onde ela está? — Pergunto, sem abaixar a arma.
— Ela desmaiou. O médico que a atendeu disse que ela está com o
emocional abalado e com a saúde fraca. — Suspiro com a informação.
Os últimos dias não têm sido fáceis para ninguém, especialmente para ela.
— Onde ela está? — Pergunto mais uma vez.
— Pode abaixar a arma, Ruggero. Eu não quero derramar seu sangue, pelo
menos por enquanto! — Aperto meu olhar para ele, que me dá as costas, indo
em direção a uma porta perto da cozinha. Abaixo minha arma, mas a mantenho
em minhas mãos e o sigo a passos calculados.
Quando ele passa pela porta e se coloca perto da janela, ao lado da cama,
tenciono meu corpo. Elisa está desacordada em uma grande cama. Seus
cabelos, antes sempre presos fielmente em um coque, agora estão soltos e seu
corpo coberto por uma coberta até a cintura.
— Se você tiver feito algo para machucá-la....
— Vamos pular essas frases de ameaça, Don. Nós dois sabemos que eu não
vou machucá-la.
— Não, eu não sei disso! Até porque você não deixou claro suas intenções
com a gente. — Ele olha para Elisa por longos minutos e depois volta a me
encarar.
— Eu fui usado durante anos. Tratado como um nada, comendo sobras dos
outros e sendo feito de escravo por Cesare. — Seu corpo está tenso e seu olhar
vazio enquanto fala. — Aos 7 anos eu experimentei o pior que uma criança
nessa idade pode sentir. Eu não tive uma mãe, mas eu sei o quão importante e
sagrado deve ser ter uma. — Volta seu olhar para Elisa e contrai a mandíbula.
— Eu nunca vou machucá-la.
— O que você pretende fazer? — Ando até parar ao lado da cama, o
encarando.
Nós estamos frente a frente, sem qualquer arma apontada, separados
apenas pela cama onde nossa mãe dorme nesse momento. Pela primeira vez
enxergo Otto de verdade e posso afirmar que sua alma já não existe mais. Em
uma única vida podemos ser quebrados de muitas maneiras e Otto com certeza
já experimentou o pior.
— Eu vou me vingar de Cesare por tudo. — Me olha friamente e eu
assinto. — Por ela, por mim e por ele. — O fito atentamente, entendendo a
quem se refere.
Carlo.
Otto está nitidamente sendo consumido pelo remorso de ter matado ele.
— Não seremos grandes amigos, se quer saber. — Falo firme, o fazendo
sorrir de lado.
— Ainda bem! Cuide dela. Eu vou, mas quando retornar eu a procuro. —
Confirmo com a cabeça ao mesmo tempo em que ele sai do quarto sem dizer
nada.
Olho Elisa dormindo tranquilamente e me abaixo para dar um beijo em sua
testa.
Pela manhã, a primeira coisa que faço é ir ao quarto de Elisa para vê-la.
Ontem ela ainda dormia quando a trouxe, então decidi esperar para
conversarmos novamente hoje.
Bato na porta e quando ela me manda entrar, vejo-a ainda deitada. Seu
rosto abatido e agoniado me olhando.
— Bom dia!
— Bom dia! Não vai tomar café conosco? — Pergunto e me sento na ponta
da cama.
— Eu acho que prefiro ficar aqui hoje, não estou me sentindo bem. — Me
olha e sorri triste. — Você me trouxe ontem, não é mesmo? — Confirmo com a
cabeça.
— Eu o vi, se isso te faz ficar mais tranquila. — Seus olhos surpresos me
fitam, esperando que eu continue.
— O que aconteceu?
— Ele disse que partiria e que em breve retornará. Elisa, escute com
atenção, porque eu não vou repetir. — Ela assente e eu me levanto, colocando
as mãos nos bolsos e ando escolhendo mentalmente as melhores palavras para
dizer neste momento.
— Vocês dois têm o mesmo porte, e quando estão pensando contraem a
mandíbula. — Paro estático e a olho, observando seu sorriso triste.
— Nós dois não somos mais crianças e depois de tudo, não será possível
criar um laço que provavelmente já exista em sua cabeça. Em breve, todos
saberão da verdade e muitos vão pedir a cabeça de Otto pela morte de Carlo,
mesmo sabendo que somos irmãos. É meu dever vingar Carlo, Elisa. E mesmo
sabendo que ele não tinha ciência do que aconteceu, ainda assim terei que
tomar uma decisão. — Elisa se levanta da cama e vem até mim.
— Eu espero que você dê a ele a chance de se redimir. Eu daria minha vida
para que vocês pudessem ao menos um dia não se odiarem. Seus filhos estão
prestes a nascer, Ottavio, e quando você os pegar no colo, vai conhecer um
amor maior que tudo que já viu. Seus extintos de proteção dobrarão e você se
verá paranoico com a aproximação de qualquer um perto deles! Eu ninei você
todas as noites quando bebê e depois de grande eu velei seu sono após os
pesadelos e gritos que você tinha sempre que chegava dos treinamentos. Foda-
se qualquer um que queira a cabeça do meu Otto, eles não o conhecem, mas eu
o vi ontem. Eu vi o menino quebrado que ele já foi um dia e também vi o
homem sem alma em que ele se tornou, mas é o meu filho e eu vou matar
qualquer um que se levantar contra ele. — Sem vacilar, sem medir
consequências, Elisa ruge feito uma leoa pronta para defender um de seus
filhotes.
— Por hora, descanse. Em breve ele retornará. — Saio de seu quarto ainda
digerindo suas palavras e vou até meu quarto.
Encontro Allegra fazendo uma careta em pé perto do banheiro.
— O que foi? — Me aproximo e a amparo para se sentar no sofá.
— Eu estou sentindo uma dor chata no pé da barriga.
— Quer ir ao médico? — Ela nega, fechando os olhos.
— Só preciso tomar café da manhã, estou faminta. — Confirmo e saio para
buscar algo para ela comer, a deixando sentada no sofá.
Assim que desço as escadas, Franco e Annamaria passam pela porta,
desejando bom dia.
— Onde está Allegra? — Anna pergunta.
— No quarto. Antes de ir, peça para prepararem algo para ela comer. —
Ela assente e vai em direção a cozinha, então chamo Franco para me seguir até
o escritório.
De portas fechadas, conto para Franco sobre a partida de Otto e ele que se
mostra surpreso.
— Você acha que ele vai matar Cesare? — Sua pergunta é uma incógnita,
já que ao mesmo tempo em que ele disse ter sido maltrato na Outfit, ainda
assim decidiu permanecer depois de grande e fazer um juramento.
— Eu não sei, mas preciso estar preparado para tudo. A leoa lá em cima
está pronta para matar de novo, se for preciso. — Digo, me referindo a Elisa.
— Ainda custo a acreditar que ela matou aquela mulher! Renzo disse que
ela não hesitou nem por um momento.
— Carlo a treinou bem para se defender. O problema é lidar com seu
sentimentalismo materno querendo fazer de nós uma grande família feliz.
— E você não quer isso? — Encaro Franco enquanto viro um gole de
whisky.
— O que eu quero é a cabeça de Cesare em uma bandeja de prata. Talvez
eu mande empalha-la e coloque no meu escritório no cassino, para que todos
que entrarem lá, vejam o que acontece com quem fica no meu caminho.
— Não seria má ideia! — Fala sarcástico.
Somos interrompidos quando Anna abre a porta sem bater, de olhos
arregalados. Nos levantamos e ficamos em alerta quando ela se aproxima.
— O que houve? — Franco corre ao seu encontro.
— A bolsa estourou. Allegra vai ter os bebês!
Saio às pressas para meu quarto e encontro Allegra em pé em uma poça de
água, fazendo caretas.
— Dessa vez é pra valer. — Fala entre respirações ofegantes.
— Franco, mande preparar o carro. Anna, pegue as bolsas no quarto dos
bebês. — Termino de dar as ordens e pego minha esposa gemendo de dor no
colo e desço cuidadosamente as escadas.
Entrando no carro, topo com Elisa e ela diz que vai em seguida.
— Eu não sabia que isso doía tanto. — Allegra geme, sentada ao meu lado.
Piero anda o mais rápido possível pelas ruas de Palermo.
— Respire fundo, mia dea. Logo chegaremos! — Tiro algumas mechas de
cabelo do seu rosto suado.
Ter minha esposa ofegante e tão vulnerável me faz perceber o quanto
preciso me manter vigilante com sua proteção e a dos nossos filhos.
— Eu preciso que você mantenha a calma. Nós já esperávamos que ia ser
uma cesariana. — Apesar de estar sentindo dores insuportáveis e ter um
Ottavio a ponto de colocar o hospital abaixo, rosnando para todas as
enfermeiras por eu estar sentindo dor, tento manter o controle e não surtar de
vez.
Olho para minha médica, Marisa, conversando calmamente comigo.
— Eu quero a anestesia agora. Eu não vou ficar aqui sofrendo, já que vão
fazer uma cesárea. — Falo ofegando e sinto quando meu marido aperta minha
mão, me dando apoio.
— Eu vou preparar tudo, o anestesista deve vir em breve.
— Ele tem 3 minutos, antes que eu saia a sua procura. — Ottavio responde
friamente, fazendo ela apertar o olhar para ele.
— Senhor Ruggero, controle-se, não queremos ninguém nervoso aplicando
uma agulha na coluna de sua esposa.
— Ottavio! — Ralho, ganhando seu olhar.
Marisa sai do quarto para preparar o procedimento.
— Eu deveria cortar a língua dela. — Suspiro com a fala de Ottavio e
gemo quando sinto mais uma contração.
O aparelho ao redor da minha barriga monitora os batimentos cardíacos
dos bebês, me deixando ainda mais nervosa.
— Você pode, por favor, parar de ameaçar todo mundo? — Pergunto de
olhos fechados, respirando fundo.
— Já faz duas horas que estamos aqui e nada de você ser atendida. Vou me
lembrar disso quando me pedirem mais verba para o hospital.
— Ottavio, só cala a boca! — Não controlo minha fala e mais uma vez
gemo.
Passados alguns minutos, o anestesista passa pela porta e tenciona o corpo
quando cruza o olhar com Ottavio, me fazendo suspirar. Me colocando sentada
de frente para Ottavio, o homem pede cautelosamente para eu não me mexer e
que eu coloque minhas mãos nos joelhos.
Após sentir uma picada, fecho os olhos, sentindo uma leve pressão no local
da agulha. Antes que perceba, Ottavio aperta as mãos em meus ombros e eu
levanto a cabeça para olhar para ele.
— Acabou! — Fala baixo e calmo.
— O senhor pode ir se preparar para o procedimento!
— Nem fodendo vou deixar minha mulher aqui indefesa! O que precisar
que seja feito, façam comigo aqui! — Concordando com a cabeça, o homem sai
do quarto ao mesmo tempo que Anna e Elisa entram com sorrisos largos.
— Oh, minha querida! Tudo vai ficar bem, mantenha a calma. Logo meus
netos estarão aqui. — Elisa fala tranquilamente, visivelmente emocionada
enquanto passa a mão em meus cabelos.
— Mal posso esperar para pegá-los no colo! — Anna murmura
animadamente, ganhando meu sorriso.
— Obrigada por estarem aqui! — Agradeço com lágrimas nos olhos.
— Não está sentindo mais dor? — Ottavio me olha preocupado e eu nego
com a cabeça.
— A anestesia já deve estar fazendo efeito. — Elisa o tranquiliza.
Marisa entra com um sorriso aberto e entrega para Ottavio roupas azuis
cirúrgicas e com um olhar para mãe, ele diz muito “não saia daqui”. Cinco
minutos depois estou sendo levada em cima de uma maca para a sala de
cirurgia, com Ottavio ao meu lado o momento todo.
Com um pano tampando minha visão, não enxergo nada abaixo dos seios.
Olho para Ottavio enquanto ele presta atenção em todo o procedimento sem
piscar e faço uma careta.
— Não olhe. — Falo e sua atenção se volta para mim.
— Eu já matei vários homens em minha vida. Já estudei formas e estilos
de tortura incalculáveis. — Seus olhos azuis intensos me olham admirados. —
Eu não tenho qualquer problema em ver o corpo da minha mulher sendo
preparado para me dar aquilo que um homem de honra sempre sonha.
Sorrio como uma boba, talvez por causa do momento de emoção.
Com minha atenção em Ottavio enquanto ele olha tudo, fecho os olhos
quando escuto um choro alto na sala. As lágrimas rolam ao mesmo tempo
quando abro os olhos e Ottavio está com um dos sorrisos que ele me dá quando
estamos sozinhos.
Uma enfermeira se aproxima, coloca o primeiro bebê em meu seio e choro
copiosamente, segurando meu primogênito nos braços pela primeira vez.
— Maximiliano. — Murmuro para meu bebê, sorrindo entre lágrimas e
logo outro choro preenche a sala, me deixando eufórica.
Ottavio deposita um beijo em minha testa quando colocam meu outro filho
em meu colo também.
— Massimo! — Ottavio fala orgulhoso, olhando para nós três.
Olho meus filhos em meu colo entre lágrimas, me dando conta que eu não
sabia o que era ter meu coração fora do peito até este momento.
— Eles são perfeitos. — Falo, olhando para Ottavio, que retribui o olhar
admirado.
— Grazie per quello. — Fala no meu ouvido, me fazendo fechar os olhos.
— Precisamos levá-los para fazer exames. — Marisa fala, se aproximando
com um sorriso no rosto.
— Você não vai tirar meus filhos das minhas vistas! — Ottavio ruge,
olhando ferozmente para a médica e ela arqueia a sobrancelha.
— Ottavio. — Chamo, fazendo-o me olhar. — Está tudo bem, meu amor.
Vá com eles e depois volte os três para mim! — Percebo o seu receio em nos
deixar sozinhos por conta de tudo que aconteceu com sua mãe e irmão.
Contrariado, ele se levanta e me dá um beijo nos lábios, ao mesmo tempo
em que duas enfermeiras se aproximam, pegando meus bebês do meu seio, me
fazendo fechar os olhos, já sentindo falta do calor de seus corpos.
— Guarda solo questo! (Vejam só isso) — Sorrio quando Elisa abre a
porta e fala com Franco, Anna e Luigi logo atrás.
Estou segurando Maximiliano e Massimo e Ottavio está sentado ao meu
lado na cama, com seu braço protetor me abraçando pelos meus ombros.
— Ai meu Deus, eles são perfeitos! — Anna sorri quando se aproxima.
— Você quer pegar? — Ela concorda e eu lhe entrego Max, que tem seus
olhos abertos, presenteando a todos com o azul cristalino de suas írises. Assim
como o pai, os filhos têm o mesmo tom, o que parece ser uma marca registrada
dos homens da família Ruggero.
— Franco, meu amigo, acho que ela já está pensando em ter um. — Luigi
fala sarcástico, fazendo Franco encarar a cena de Anna com o bebê nos braços
intensamente, e pelo o que pude perceber, ele parece se agradar.
— Será que nem aqui você consegue se manter sério? — Ottavio sai em
defesa de Franco.
Luigi ainda sorri quando se aproxima de mim e estica o pescoço para ver
Massimo olhando vidrado para o pai.
— Per l’amor di Dio! Ele é a sua cara, Ottavio. — Fala, fazendo uma
careta
— Eles! Os dois são idênticos. — A voz de orgulho de meu marido me faz
sorrir.
— Saia, Luigi, eu quero pegar meu neto. — Elisa tem um sorriso no rosto
que há muito tempo eu não via e quando pega Massimo de meus braços, o
sorriso parece dobrar de tamanho.
— Dio santo! Eles são Ottavio escrito. Oh, meu filho, é como olhar para
você bebê. — Diz emocionada, fazendo todos sorrirem.
— Dá para acreditar? Eu os carreguei durante meses, sofri dores e eles
tiveram a ousadia de sair a cara do pai! — Murmuro, fazendo um bico e ganho
um beijo de Ottavio na cabeça.
O clima descontraído dura por alguns minutos até Marisa chegar e expulsar
minhas visitas, cobrando descanso. Ottavio rapidamente convidou todos a se
retirarem e depois de eu dar mama aos gêmeos, ele me ajuda a deitar na cama.
— Está sentindo alguma dor? — Afaga meu cabelo, sentado em uma
cadeira do lado da cama.
— Sono, e eu acho que vou aproveitar. — Falo já de olhos fechados,
aproveitando o silêncio
Olho meus filhos dormindo nos pequenos berços dentro do quarto de
hospital. Com as mãos no bolso, suspiro, já imaginando tudo que está por vir
nos próximos anos. Agora Massimo e Maximiliano são bebês, mas já começo a
imaginar quando chegar a hora de iniciá-los, além de preparar ambos para
serem chefes, porque algo me diz que Allegra não vai desistir de recuperar o
poder da Camorra. E pelo tratado com o falecido Cattaneo, Massimo é o dono
daquela cadeira.
Como se sentisse que estou pensando em como será seu caminho,
Massimo começa a se revirar no berço e eu olho para cama, notando que
Allegra ainda dorme pesado. Sem alternativas, pego desajeitado o bebê que
ameaça chorar, mas quando o amparo em meus braços e aproximo sua cabeça
do meu peito, ele logo se cala.
Nino o bebê da maneira que acho correta e sinto meu coração acelerar. Eu
pensei que era completo sozinho, mas hoje percebo que apesar de viver em um
mundo incerto, não há nada que eu pudesse querer mais nesse momento.
— Eu poderia ficar o dia todo vendo você ninar ele. — Olho para trás ao
ouvir a voz rouca de Allegra e ela sorri de lado.
— Eu não queria que ele te acordasse. — Me aproximo e entrego o bebê
para ela, que o recebe de braços abertos.
— Eles não são a coisa mais linda que você já viu? — Pergunta, sem
desviar a atenção do nosso filho.
— Sim.
Batidas na porta nos fazem olhar e logo Elisa entra sorridente.
— Eu mal pude ficar em casa, preciso dos meus netos. — Seu humor
melhorou muito depois que os meninos nasceram. É isso, ou está escondendo
muito bem o sofrimento de dias atrás.
Observo quando ela pega Maximiliano nos braços e sorri amplamente.
Percebendo meu olhar, ela ergue a cabeça e me olha, não me diz nada, mas em
seus olhos eu consigo enxergar exatamente o que se passa em sua cabeça.
Ter os gêmeos perto assim, é como poder viver o que ela não pôde anos
atrás, quando seu filho foi roubado. Maximiliano resmunga em seu colo,
chamando nossa atenção.
— Ele está com fome, querida! — Ela vem até minha esposa e com
maestria troca os bebês para que Allegra alimente nossos filhos.
— A arrumação do quarto ficou pronta? — Elisa murmura um sim para
minha pergunta, ainda com os olhos focados no neto.
— Será que Marisa vai demorar a me dar alta? Quero ir embora logo, estou
cansada dos hospitais!
— Você fez uma cesárea há 24 horas, Allegra. O correto é que fique ao
menos 72 horas, por precaução. — Elisa diz.
— Fique calma, vou providenciar para que você saia o mais rápido
possível. — Digo, lendo a mensagem que acabei de receber de Luigi e ela sorri
pela minha fala.
Saio do quarto, as deixando sozinhas e no corredor encontro Piero e Hugo
fazendo a escolta.
Quando paro na frente deles, agradeço suas felicitações. Olho para Piero,
que depois de toda a tragédia envolvendo Cosima, se tornou outro homem.
Além de estar mais duro, antes ele às vezes conseguia sorrir ou relaxar, agora
sua postura sempre está tensa e ele parece sempre pronto para uma batalha.
— Os outros estão em todos os andares, como mandei?
— Sim, Don. — Assinto para eles.
— Eu vou descer e me encontrar com Luigi. Ninguém além da médica ou
enfermeira entram no quarto. Minha família está lá dentro. — Aperto o olhar
para ambos e eles assentem.
Entro no elevador e mando uma mensagem para Luigi avisando que estou
descendo e é para ele me esperar.
Eu sabia que não ia demorar para que algo acontecesse. Assim que saio do
elevador, Luigi e Franco me esperam tensos, então indico com a cabeça uma
porta onde sei que teremos privacidade para conversar. Entro na sala olhando
ao redor para os vários tipos de remédios arrumados em prateleiras do teto ao
chão, espero que fechem a porta e me viro para ambos.
— O que foi dessa vez? — Pergunto, colocando minhas mãos nos bolsos e
fitando um de cada vez.
— De Luca ligou — Luigi diz tenso. — Ele disse que Cesare está sem
aliados na própria Outfit e que o homem enlouqueceu, seu consigliere está
pronto para assumir tudo.
— Então vamos atacar. — Falo o óbvio. — Eu o quero morto. Enquanto
Cesare estiver vivo, ele será uma ameaça para toda a minha família.
— Você acha que ele fará alguma coisa? — Levo minha mão a barba
grande e a coço.
Franco não precisou citar o nome para saber que ele se refere a Otto.
— Eu não sei. Ele pareceu seguro quando disse que ia atrás de Cesare, mas
ainda é nosso inimigo. — Respondo sério.
— Qual vai ser o plano?
— Cruzar o pacífico, desembarcar em Nova York, reunir o máximo de
homens possível e atacar Chicago. Eu não quero pedra sobre pedra. — Falo
firme para Luigi e ele sorri como se tivesse acabado de ganhar na loteria.
— Eu estava louco para uma diversão.
— Um de vocês dois tem que ficar. — Falo, fazendo ambos se entreolhar e
Luigi rolar os olhos.
— Eu vou. Vocês dois tem esposas aqui para cuidar, ficarei bem sozinho
com De Luca. — Fala sarcástico.
Antes de responder, sinto meu celular vibrar com a chegada de uma nova
mensagem. Pensando ser algo com Allegra e os bebês, pego o aparelho
rapidamente e abro a mensagem.
Seguro Elisa em meus braços quando ela grita mais uma vez e suas pernas
parecem perder as forças. Nego ajuda quando Renzo e Piero aparecem correndo
juntos de outros soldados após os gritos dela.
— EU NÃO POSSO! EU NÃO VOU AGUENTAR! — Seu descontrole
me deixa tenso e sem reação, porque eu não sei como, mas me sinto estranho
desde o momento que soube que ele estava morto.
Uma porra de uma aflição sem fim. É como se algo me atraísse para Otto e
me fizesse acreditar que ele não esteja morto.
Eu não sei como, mas eu só sei.
— Elisa, se controle. — A coloco sentada na cadeira e me abaixo,
colocando minhas mãos em seu rosto para que me olhe nos olhos.
— Luigi e Franco estão neste momento tentando localizar algo. — Nem
que seja um corpo. Penso.
— Não pode ser. Eu quero meu filho, Ottavio. — Nega.
Eu a abraço como há muito tempo não fazia. Na verdade, nem me lembro a
última vez em que a abracei. Fitando Piero e Renzo enquanto ela chora em
meus braços, vejo o exato momento em que os dois escutam algo no
comunicador, se entreolham e saem correndo em direção a entrada da mansão.
O movimento me chama a atenção, me fazendo afastar um pouco de Elisa.
— Fique aqui. — Peço e me levanto, andando o mais rápido possível até a
entrada da mansão, passando pelo jardim.
Assim que tenho visão da entrada, o amontoado de soldados com armas
em punho apontando para algo na rua me chama a atenção.
— O que está acontecendo? — Pergunto alto, me aproximando do portão
e quando tenho a visão que todos tem, minhas pernas paralisaram no lugar.
Meus ombros tencionam ao mesmo tempo em que minha respiração fica
mais pesada. A porra das minhas pernas não se mexem mesmo com meu
cérebro dizendo para saírem do lugar.
Ver Otto parado ainda na rua, em frente ao portão, coberto de sangue da
cabeça aos pés, com a calça completamente rasgada em um dos lados, sem
camisa e de onde estou é possível notar todos os machucados sangrando. Ele
segura um dos braços e quando enfim consigo andar, à medida que me
aproximo, percebo que o osso do braço que segura está exposto. Seu rosto se
encontra completamente desfigurado e roxo.
Um dos soldados faz menção em se aproximar dele.
— Não se aproxime dele. — Me pego dizendo enquanto ando.
Passo o soldado e quando paro, fico frente a frente com o homem que
procurei por tanto tempo e que agora sei que é meu irmão. Troco um olhar que
faz meu estômago embrulhar.
— E-eles vã-vão.. — Antes que termine a fala, Otto caí e eu o seguro em
meus braços no automático, ainda tentando digerir os últimos acontecimentos.
— NÃOOOOO. OTTOOOOO! — Saio do transe quando escuto o grito
cheio de dor de Elisa.
Em poucos segundos a tenho ao meu lado chorando e tentando pegar o
homem.
— Piero, me ajude a levá-lo para dentro. — Sem hesitar, Piero se aproxima
quando Elisa dá passagem e com cuidado passa um braço de Otto pelos
ombros. Eu deixo o braço com parte do osso exposto quieto e o pego
desajeitado pela cintura. — Renzo, chame o médico. O resto, ao trabalho! Eu
quero saber como ele chegou aqui. — Dou a ordem e continuo entrando com
Otto.
— Para onde, Don? — Piero pergunta.
— Para o meu quarto. Leve ele para o meu quarto. — Elisa é rápida na
resposta e no calor do momento apenas confirmo.
Subindo as escadas o mais rápido que podemos, entramos no quarto de
Elisa e colocamos Otto desacordado na cama.
Elisa funga ao se aproximar, enquanto eu olho para Piero e peço que
apresse o médico e mande que todos fiquem calados com a chegada repentina
do executor.
Quando ficamos sozinhos, Elisa corre para o banheiro, volta com toalhas e
começa a passar pelo rosto de Otto.
Enquanto faz isso, chora e reza sem parar.
Eu olho a cena sem me mexer. Não sei o que anda acontecendo com meus
nervos, mas sinto que estão à margem do colapso. Olhar Otto nesse estado me
faz querer sair e matar todos os filhos da puta que o deixaram assim, como se
eu me importasse. Mas de uma maneira estúpida, eu me importo e isso me
deixa sem reação.
— Onde está o médico? Pelo amor de Deus, meu menino não tem muito
tempo. — Ela pede assustada enquanto tenta, em vão limpar, o sangue,
deixando a toalha que um dia foi branca, vermelha.
Não digo nada. Ainda quieto, escuto batidas na porta e logo Franco e Luigi
entram e paralisam, olhando a cena de Elisa tentando limpar Otto.
— Ele está morto? — A pergunta de Luigi faz Elisa o encarar com fúria e
ao mesmo tempo reticente.
— Se não for ajudar, não atrapalhe. — Ela fala ríspida.
Seu rosto está borrado de maquiagem devido as lágrimas e ela parece
totalmente alheia a isso.
Franco, sempre o mais centrado de nós três, se aproxima devagar dela e
coloca as mão em cima da de Elisa, que está trêmula passando a toalha no rosto
de Otto.
— Anna está com Allegra. Por que você não vai esperar com elas? —
Pergunta calmamente, olhando nos olhos dela
— Eu não saio daqui enquanto o médico não o examinar.
— Anna vai ajudá-lo enquanto o médico não chega! — A voz de Allegra,
faz todos se virarem para a porta e a encararem vestida com um hobby preto até
os pés. Seus cabelos estão soltos e ela tem a aparência cansada.
— Porra nenhuma. — Me viro para Franco, que encara sua esposa de olhos
apertados.
— Anna não é médica. — Respondo. — E você deveria estar deitada,
junto com os nossos filhos. — Com um sorriso de lado, ela anda devagar com
Anna a amparando até mim e quando me alcança, se apoia em mim e eu passo
um braço pela sua cintura.
— Maria está cuidando deles enquanto Anna vai fazer os primeiros
atendimentos em Otto. Ela fez um curso de enfermagem, se eu bem me lembro.
— Sua fala firme me faz perceber que ela está tomando o controle da situação,
talvez por perceber que eu já não posso.
Me viro e vejo Anna se aproximar de Otto. O olhar tenso de Franco não
me passa despercebido.
— Por favor, Anna. — Elisa murmura quando a mulher começa a
examinar o braço e olhar o pulso.
— A pulsação está bem lenta. O melhor é levá-lo para um hospital. — Ela
fala enquanto pega a caixa de primeiros socorros que Luigi entrega.
— Ele não sairá deste quarto. — Falo firme e ela assente.
Calados, observamos Anna analisar os vários ferimentos, provavelmente
de facas pelo tórax e barriga de Otto. Quando ela olha o antebraço com o osso
exposto, seu suspiro é audível.
Mario, nosso médico, chega nesse momento. Ele sequer nos cumprimenta
quando vê a situação do homem na cama e já vai ao atendimento.
— A senhorita é médica? — Pergunta para Anna quando ela fala que pode
ajudá-lo.
— Senhora, para você. — Franco rosna ao lado de sua esposa.
— Eu estudei enfermagem, mas nunca exerci a profissão.
— Vai servir.
Mario e Anna passam as próximas horas cuidando dos ferimentos de Otto,
sob o olhar atento de Elisa.
Quando escutamos um choro de longe, eu e Allegra nos retiramos, indo em
direção ao nosso quarto.
Abrimos a porta e encontramos Maria ninando um dos bebês que chora
sem parar.
— Acho que o que ele quer, só a mãe tem. — Fala com carinho para
Allegra, que senta na poltrona perto do pequeno berço e logo recebe o bebê nos
braços.
— Já está na hora da mamada deles. Obrigada, Maria. — A mulher sorri e
se retira, fechando a porta.
Eu permaneço de pé, olhando uma das cenas mais lindas que já vi, mas
com a mente em Otto.
Se dando conta do meu estado, Allegra fixa os olhos nos meus e sorri
carinhosamente enquanto alimenta nosso filho.
— Você está bem? — A pergunta me faz parar e analisar.
Eu estou bem?
Definitivamente não.
Eu não chego nem perto de estar bem. Minha cabeça pensa uma coisa,
enquanto meu instinto quer fazer outra.
Eu não tenho controle da porra do meu corpo.
— Eu não sei. — Sou sincero em minha resposta, porque se existe alguém
em que eu confie para me abrir e mostrar a confusão que me encontro, este
alguém é minha esposa.
— O que está sentindo em relação a ele estar aqui, tão perto de você?
— Eu não sei, Allegra. Mas se posso continuar sendo sincero, depois de
vê-lo nesse estado, minha vontade de ir atrás de Cesare pessoalmente e matá-lo,
triplicou.
Me aproximo do berço e percebo que Massimo está acordando, olhando
tudo ao redor e quando foca os olhos em mim, sorri, abrindo a boca, me
arrancando um sorriso também e sem resistir o pego no colo e levo para
Allegra, que o coloca para mamar no outro peito.
— Eu não posso julgá-los, se pudesse também estaria mamando.
— Ottavio! — Allegra ralha e eu rio.
— Quando eu era criança, às vezes eu sentia umas coisas estranhas. — Me
pego dizendo, ganhando sua atenção.
Sento na outra poltrona diante dela e apoio os cotovelos no joelho, de
cabeça baixa.
— Às vezes eu sentia calafrios e algumas dores inexplicáveis pelo corpo.
Eu achava que era normal. Mas com o tempo só piorou, principalmente quando
fui iniciado aos 13 anos. Houve uma noite em que eu acordei com falta de ar,
acho que tinha uns 7 anos, meu coração acelerado doía e eu cheguei a pensar
que estava infartando. Com o passar dos anos, fui me acostumando a sentir
arrepios aqui, ou calafrios alí. Sempre fizeram parte de mim. — Termino minha
fala e enfim encaro Allegra, que está de olhos arregalados me olhando.
— Você o sentia! — Ela afirma, engolindo em seco.
— Eu nunca vou admitir isso para outra pessoa, Allegra. Mas desde que eu
soube que tinha um irmão gêmeo, esses episódios me vieram como um clarão
na cabeça. Eu acredito em instinto, e por acreditar nisso… Sim, eu acho que
sempre o senti, mesmo nunca tendo ciência da sua existência.
— Ottavio, eu não sei o que dizer. — Ela fala ainda sem poder acreditar
em minhas palavras.
— Quando o homem que eu matei hoje me disse que Otto estava morto, eu
não sei explicar como, mas eu sabia que era mentira, e com raiva de saber que
não era verdade, o matei rápido.
— Olhe para eles. — Olho para Allegra, olhando para nossos filhos em
seus braços, um de cada lado. — Eles passaram semanas dentro de mim, juntos.
Vão descobrir a vida juntos agora. Crescer juntos. Você não acha que a ligação
deles irá ser forte? Que o vínculo que criaram já em meu ventre, é um
sentimento inexplicável e que provavelmente os dois serão cúmplices pelo
resto da vida?
Entendo o que ela quer dizer e nego com a cabeça.
— Ele matou o meu pai, Allegra. E tentou me matar. — Falo friamente.
— Ele matou o próprio pai, meu amor. E depois tentou matar o próprio
irmão. Sem saber. Isso tudo que você cresceu sentindo, Ottavio, só me faz
pensar em como a vida dele deve ter sido difícil vivendo com aquele monstro
do Cesare. Se você sentiu essas coisas de longe, imagina o que ele deve ter
sentido?
— Você está delirando. — Me levanto tenso e apoio os braços no encosto
da poltrona.
— Vocês tiveram uma conexão ainda no ventre da mãe de vocês e isso
falou mais alto. Você o sentia e provavelmente ele também te sentia, Ottavio.
Aquele homem quase morrendo naquele quarto é seu irmão e você não pode
virar as costas para esse fato. Eu não estou dizendo para que passe por cima de
tudo, mas que você saiba que ele não tinha ciência de nada.
A fala dura dela me faz sair do quarto sem dizer mais nada.
Desço as escadas rapidamente para não ter que me encontrar com ninguém
e me tranco no escritório.
Pego uma garrafa de whisky e tomo um gole, dispensando o copo.
Inferno de situação!
— Mais problemas? — Fecho os olhos com força, tentando controlar a
raiva.
Eu só queria ficar sozinho nesse inferno de casa!
— O que você quer, Luigi? — Pergunto, indo me sentar em minha cadeira.
— Nós dois sabemos que sua cabeça deve estar fodida com toda essa
situação. — Me balanço de um lado para o outro na cadeira, encarando o teto.
— O médico já terminou com o... Sei lá que porra devo chamá-lo. — Ele
grunhi. — E aparentemente Franco tem ciúmes até mesmo da sombra da
Annamaria.
— Se não percebeu, eu gostaria de ficar sozinho, Luigi. — Falo sem olhá-
lo.
— Como seu consigliere, eu devo te aconselhar a convocar todos para uma
reunião e informar que você achou seu irmão e que ele é o executor da Outfit.
— Levo meu olhar a ele, tentando entender se ele está brincando. — Diga que
tudo não passou de um plano e que Otto era seu informante na Outfit.
— E quanto a morte de Carlo? Gênio. — Pergunto sarcástico.
— Você dirá que escondeu o fato de que foi Cesare que o matou e que Otto
aceitou levar a culpa para tentar se aproximar de Cesare para que assim vocês
dois tivessem a chance de se vingar.
Volto a olhar para o teto com a cabeça apoiada no encosto. Essa seria uma
das saídas para a história de Otto, pelo menos por enquanto, até que ele se cure,
para assim resolvermos entre nós dois toda essa bagunça depois.
Além disso, eu posso mantê-lo preso e de bom grado ou não, o obrigar a
me contar tudo sobre a Outfit e como consigo achar um ponto fraco no infeliz
do Cesare.
Tudo seria simples, se não fosse o gosto amargo de derrota que sinto agora.
Mas eu preciso admitir que pode parecer medo, covardia, conformismo,
mas às vezes é preciso saber a hora de recuar. O que não significa desistir.
Olho para Luigi e ele me encara com as mãos nos bolsos, esperando uma
resposta.
— Convoque os capos para uma reunião, Luigi. Parece que meu querido
irmão apareceu
Vou dar a todos uma história para se prenderem, enquanto faço a jogada
final para destruir a Outfit por dentro, usando Otto.
DOIS MESES DEPOIS