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Direitos autorais do texto original copyright © 2024, BRENDA

RIPARDO, OBSESSÃO DO MAFIOSO

Capa: L.A Design


Diagramação: Brenda Ripardo
Preparação de texto/Editor: Graci Rocha
Leitura sensível: Saulo Moreira
Ilustração: Úrsula Gomes

Esta é uma obra de ficção. Nomes, personagens, lugares e


acontecimentos descritos são produtos da imaginação da autora. Qualquer
semelhança com nomes, datas e acontecimentos reais é mera coincidência.
Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desse livro pode ser
utilizada ou reproduzida sob quaisquer meios existentes — tangíveis ou
intangíveis — sem autori-zação por escrito da autora.
A violação dos direitos autorais é crime estabelecido na lei nº
9.610/98, punido pelo artigo 184 do Código Penal.
Este livro segue a norma-padrão do novo acordo ortográfico da
língua portuguesa, mas há muitas abreviações como o "tá", "tô", “pra” e
"pro", de forma que o texto fique o mais natural e verossímil possível.
“— Você não é um monstro.
— Eu sou, Cristallo. Você apenas não percebeu ainda.
— Então, se é um monstro, que seja o monstro que eu amo,
Matteo. Se for para ser um, que seja o meu.”
Nascido nos corredores sombrios de uma família poderosa, Matteo
Salvatore é um mafioso de linhagem nobre. Criado pelo tio, Alberto
Salvatore, depois da morte traumática da sua mãe, Matteo carrega o peso de
um passado obscuro que o assombra até os dias de hoje.
Quando ele cruza o caminho de Hadassah, uma jovem com um
sorriso gentil, ela desperta em Matteo um instinto primal de proteção.
Agora, Matteo se vê envolvido em um jogo perigoso de amor e
lealdade, onde cada passo o leva mais fundo nos segredos de sua própria
família.
Hadassah Zohar é uma jovem batalhadora que encontra refúgio na
arte da patinação no gelo. Apesar das dificuldades na vida, trabalha duro em
um supermercado local para sustentar a família.
Foi criada em um ambiente hostil e sofre constantes abusos do seu
pai e irmão mais velho, mas ainda assim, mantém a determinação e
coragem inabaláveis.
Com um primo atrás das grades, Hadassah valoriza cada respiração
de liberdade e luta diariamente pela sua independência.
À medida que seu destino se entrelaça com o de Matteo, ela
descobre que o amor pode ser a única força capaz de iluminar até mesmo os
corações mais sombrios.
No mundo da máfia, onde o amor é um luxo perigoso, Matteo e
Hadassah se veem presos entre o dever da família e a chama de uma paixão
avassaladora. E entre lealdades divididas e perigos iminentes, os dois
descobrirão se o amor pode realmente triunfar sobre todas as adversidades.
Este é um romance hot que tem como pano de fundo a máfia
italiana, mas se você espera encontrar cenas de extremo abuso, uma história
DARK, detalhes sobre as negociações dentro da máfia e burocracias ou
torturas extremas, este livro NÃO corresponderá às suas expectativas.
O foco aqui é o nosso casal principal e a construção do
relacionamento deles.
No entanto, é importante ressaltar que a trama inclui gatilhos para
tentativa de suicídio, desmembramento de pessoa, menção a escravidão e
abusos físicos e verbais sofridos pela protagonista por parte do seu pai e
irmão. Além disso, há temas delicados como álcool, drogas, violência e
consentimento questionável, juntamente com linguagem imprópria e
conteúdo sexual gráfico.
Apesar do conteúdo sensível, esse NÃO É UM ROMANCE
DARK. Mas é necessário reforçar que por se tratar de uma história sobre a
Máfia Italiana, certas passagens podem ser desconfortáveis ao leitor.
A autora não apoia e nem tolera as ações ilegais e comportamento
de alguns personagens retratados neste livro. A atenção do leitor é
aconselhada. Não leia se não se sente confortável.
A história narrada nas páginas seguintes, foi escrita baseada em
muito estudo sobre a Máfia Italiana, e claro, usando o bom senso da licença
poética e minha criatividade.
ATENÇÃO!
A história do livro se passa na cidade de Chicago, no estado de
Illinois, mas não tem NENHUMA ligação com a Chicago Outfit (máfia de
Chicago). Eu optei por criar minha própria organização criminosa.
Esta é uma obra de ficção destinada a maiores de 18 anos.
Boa leitura!
Como denunciar situações de Violência contra as Mulheres?
No Brasil, existe um serviço de apoio dedicado a mulheres em
situação de violência: a Central de Atendimento à Mulher, por meio do
número 180. Este serviço oferece orientação, acolhimento e
encaminhamento para mulheres que enfrentam qualquer forma de violência,
seja física, psicológica, sexual, patrimonial ou moral.
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para receber assistência gratuita, confidencial e disponível 24 horas por dia,
em todo o território nacional.
Lembre-se, você não está sozinha e há apoio disponível para ajudá-
la a superar essa situação.
"Para todos aqueles que já atravessaram momentos difíceis na
vida: Vocês não estão sozinhos. Que estas palavras sirvam como uma fonte
de conforto e esperança. Espero que, nos dias ruins, vocês se lembrem de
que sempre há luz para iluminar o caminho."
Remy Zero – Save Me
The Beatles – Hey Jude
Billy Joel – Vienna
Lacuna Coil – Falling Again
Eminem – Mockingbird
A Perfect – Circle Passive
Demon Hunter – I Will Fail You
The Verve – Bitter Sweet Symphony
Queensryche – Silent Lucidity
Lana Del Rey – Born To Die
Lana Del Rey – Body Electric
Rain Paris – Lights (Cover Ellie Goulding | Rock)
Chase Atlantic – Slow Down

“Eu sinto que minhas asas se quebraram em suas mãos.


Sinto as palavras não ditas por dentro e elas te deprimem.
Eu darei qualquer coisa que você quiser, você sabe. Você é tudo o
que eu queria.
Todos os meus sonhos estão desabando, rastejando ao meu redor,
ao meu redor.
Alguém me salve.
Deixe suas mãos quentes atravessarem.
Alguém me salve.
Não me importa como você o faça. Apenas fique, fique, vamos lá, eu
estava esperando por você.”
~ Remy Zero – Save Me
O quarto é escuro e silencioso, exceto pelo som do respirar cansado
da minha mãe.
Ela está deitada na cama, muito doente para se mexer ou falar
direito. O câncer a está deixando tão fraca e a verdade é que todos nós
sabemos que ela não vai durar muito mais.
Meu coração dói ao vê-la assim, tão vulnerável e frágil. Eu quero
poder protegê-la, mas o que posso fazer? O que um garoto como eu pode
fazer para trazê-la de volta? Para curá-la?
Nada.
Absolutamente nada.
Tio Alberto está na minha frente, do outro lado da cama, com um
olhar sério e frio no rosto. Ele é o chefe da nossa família, o homem que
todos temem. Ele sabe que, enquanto minha mãe estiver viva, eu nunca vou
ser completamente parte do que ele faz.
Enquanto a mamãe estiver vivendo, eu nunca serei o que ele quer.
No entanto, eu não quero fazer o que ele faz. Muito menos, ser
como ele.
Encaro a mamãe, parte de mim quer tanto que ela se levante e me
proteja do tio Alberto. Só que eu sei que isso nunca acontecerá. Ninguém
poderá me proteger dele.
Nunca.
— Matteo — ele diz, a voz soa como um sussurro frio, arrepiando
os pelos da minha nuca. — Você sabe o que precisa ser feito. Eu não
mandarei de novo. Ela está praticamente morta, você apenas acabará com o
sofrimento dela. Acabe logo com isso, filho.
Meus olhos se enchem de lágrimas e eu começo a tremer, recuando
um passo. Para o meu espanto, ele dá a volta na cama e se coloca detrás de
mim, me impedindo de me afastar mais ainda da cama da mamãe.
— Por favor, tio — imploro, as lágrimas começando a descer pelo
meu rosto. — Não quero fazer isso.
Ele não parece se importar com o quanto estou assustado.
— Não chore — ordena e eu me desculpo com um sussurro. —
Você sabe o que precisa ser feito — ele insiste. — Você precisa provar que
já é homem. Matteo, você é um Salvatore. Um Salvatore não hesita em
fazer o que é necessário pelo bem da família.
Ele coloca uma mão pesada em cima do meu ombro e a outra,
segura o meu pulso, levantando a arma que ele me entregou antes de
entrarmos no quarto. Sinto o peso do seu olhar sobre mim, a pressão é tão
forte, que começa a esmagar meu peito até que mal consigo respirar.
Olho para minha mãe, seu rosto pálido e fraco, e uma onda de
angústia me atinge como um soco no estômago.
Não posso fazer isso. Não posso ser responsável pela morte dela.
O choro sufocado escapa da minha garganta ao mesmo tempo em
que me abaixo ao lado da cama. Minhas mãos tremem quando toco o rosto
da minha mãe, os olhos turvos encontrando os meus com uma tristeza
profunda.
— Me perdoe, mamãe. Por favor...
Antes que possa beijar a sua testa, o tio Alberto me força a ficar de
pé outra vez, resmungando algo sobre ser fraco e mole. Limpo as lágrimas
do meu rosto e como se meu coração estivesse sendo partido em pedaços,
eu aponto a arma para o peito da mamãe.
— Me perdoe, mamãe — repito.
— Tudo bem, querido — ela fala com dificuldade, a voz tão fraca,
que fico na dúvida se ela realmente falou ou foi apenas coisa da minha
cabeça. — Pode fazer.
— Posso falar com a mamãe sozinho? — pergunto ao meu tio, que
fica irredutível por alguns segundos, mas aceita com uma baforada
indignada.
— Tem um minuto. Estarei do outro lado da porta. Não me
decepcione, Matteo.
Dito isso, ele sai de perto de nós, batendo a porta com mais força
que o necessário. Abaixo a arma e encaro a mamãe, que abre um sorriso
fraco.
— Mãe...
— Não se culpe por isso, meu filho. Eu conheço meu irmão, sei do
que ele é capaz.
— Não quero fazer isso — sussurro, balançando a cabeça em
negativa. — Não quero que vá.
— Preciso ir — fala e estende a mão frágil para mim. Eu pego e
aperto com cuidado para não a machucar. — Canta uma música pra mim,
Matteo? Aquela que eu cantava pra você dormir.
— Eu não consigo...
— Você sorria tanto quando eu cantava — sussurra, os olhos
marejados por conta das lágrimas. — Por favor.
Cerrando os dentes, eu assinto. Encho os pulmões de ar e com a voz
embargada por causa do choro, começo a cantar a música que ela pediu:
— Ei, Jude, não fique mal. Pegue uma canção triste e torne-a
melhor... — Depois de me ouvir, mamãe começa a sorrir e mesmo fraca, ela
se esforça para me acompanhar. — Lembre-se de deixá-la entrar em seu
coração, então você pode começar a melhorá-la.
Ela olha dentro dos meus olhos ao cantar devagar:
— Ei, Jude, não tenha medo. — Minha visão fica turva por causa
das lágrimas e eu sinto que meu coração vai explodir. — Você foi feita para
ir lá e conquistá-la. No minuto em que você deixa ela te atingir, então você
começa a melhorá-la.
— E sempre que você sentir dor, ei, Jude, vá com calma. Não
carregue o mundo nos seus ombros... — continuo, chorando.
— Faça, querido.
— Me desculpe.
Olhando nos olhos da mamãe, eu ergo a arma na direção do seu
peito e aperto o gatilho, o impacto me faz recuar e cair no chão. E enquanto
minha mãe se vai, sinto como se uma parte de mim também morresse com
ela.
Eu só queria que as coisas fossem diferentes, mas agora sei que
estou preso em algo terrível, algo que não posso desfazer.
A porta se abre e com ela, tio Alberto entra no quarto com uma
expressão satisfeita e um sorriso que me faz querer vomitar.
— Muito bem, Matteo. Eu estou orgulhoso de você, filho — ele
fala ao se aproximar de mim e pegar a arma das minhas mãos.
Eu nunca conseguirei sentir orgulho de ter matado a minha própria
mãe.
— Agora, você precisa jurar que nunca contará isso a ninguém.
— O quê?
Tio Alberto me puxa pela gola da camisa e me faz ficar de pé. Sem
explicar nada, ele retira um canivete de dentro do bolso da calça social e
puxa meu braço com força para si, me assustando.
— Vamos fazer um juramento de sangue.
— Mas por quê?
— Porque é o certo, Matteo.
Sem me dar a opção de dizer sim ou não, ele faz um pequeno corte
no meu pulso e eu gemo de dor, o que me arrependo no mesmo segundo, já
que ele enfia ainda mais a lâmina do canivete, como se quisesse me fazer
entender que é para aguentar calado.
— Repita comigo — ordena ao me soltar e fazer um corte no seu
pulso também, sangrando, e em seguida, segurar meu braço com força,
colando os nossos pulsos. — Eu, Alberto Salvatore juro manter esse
segredo sob pena da minha vida. Repita dizendo o seu nome.
Com os olhos ardendo, dou uma última olhada para a mamãe morta
em cima da cama e digo:
— Eu, Matteo Salvatore juro manter esse segredo sob pena da
minha vida.
O nosso sangue se mistura e o pacto é selado, um compromisso de
ocultar a verdade sobre a mamãe, não importa o custo. Tio Alberto não se
importa com a minha dor.
Não se importa com a mamãe.
Não se importa com nada.
Ele finaliza o juramento, os olhos brilhando com uma malícia que
me faz estremecer.
Por mais que eu tente afastar a sensação de desespero que me
consome, sei que estou preso, ligado a ele por laços de sangue e segredos
que nunca poderão ser quebrados.
Vinte e cinco anos antes...
Mamãe ama patinação no gelo.
Uma vez, ela me contou que era o seu sonho de criança ser
patinadora de gelo profissional, mas o vovô nunca deixou por causa de
todas as complicações que envolvem a nossa vida.
Mesmo assim, a paixão nunca morreu e os seus olhos claros sempre
brilham quando os patinadores deslizam na pista de gelo e fazem as belas
piruetas e dão aqueles saltos que parecem impossíveis de acompanhar.
Mas desde que o papai se foi, nem isso é capaz de fazê-la sorrir de
novo, embora sempre se force a esticar os lábios quando me vê observando-
a.
Fingindo um sorriso, ela ajeita o gorro em cima da minha cabeça e
prende minha mão pequena entre as suas, depositando um beijo quente na
minha pele gelada por causa do frio do inverno.
Sem dizer nada, mamãe retorna à atenção para a pista de gelo
iluminada e brilhante. Uma música lenta começa a tocar e uma patinadora
entra. Ela é tão elegante e bonita, os seus movimentos são quase flutuantes.
Olho de esguelha para a mamãe e a vejo chorar.
— Mãe? — chamo-a e rapidamente, ela limpa o rosto com os dedos,
esticando os lábios para mim.
Sem dizer nada, ela envolve os braços em mim e me prende contra o
corpo, depositando um beijo no topo da minha cabeça.
No fim da apresentação, vamos embora de mãos dadas. Só que em
vez de caminharmos para saída onde as pessoas estão indo, ela me leva para
outro lado, apressando os passos.
— Mamãe?
— Não olhe pra trás, querido — ela ordena, e eu tento obedecer,
mas meus instintos não permitem.
Giro o rosto no mesmo segundo em que uma mão firme segura meu
ombro com força, me mantendo preso no lugar. Levanto os olhos e encontro
um homem com os dedos em volta do pulso da mamãe.
— Vai há algum lugar, senhorita Salvatore?
— Senhora Manzini — mamãe grunhe entre os dentes.
— Para o seu irmão, você voltou a ser uma Salvatore, então, é
propriedade dele — é o que ele diz, puxando o braço da minha mãe com
força e sinto o peso da sua outra mão no meu ombro, me obrigando a
acompanhá-los.

Dentro do carro, mamãe segura a minha mão o tempo todo, mas


nenhuma palavra sai da sua boca.
Assim que os dois homens estacionam em frente à mansão, eu sei
onde estamos. É a casa do meu tio Alberto Salvatore, irmão da mamãe.
Estivemos aqui há duas semanas e, também, logo depois da morte do papai.
Descemos do carro e eu fico parado em frente à mansão, observando
as grandes janelas cercadas por molduras de pedras, que fazem o lugar
parecer assustador.
Mamãe para atrás de mim e desliza uma das mãos pelo meu braço,
entrelaçando os dedos nos meus. Em passos hesitantes, nós andamos na
direção da porta de madeira escura e enorme, que se abre para nós.
— Largue a mão do menino, Allegra! — a voz grossa e áspera raspa
dentro dos meus ouvidos e faz a minha nuca arrepiar de uma forma ruim. —
Ele já tem nove anos. Se continuar assim, vai crescer mole e será um inútil.
Fraco.
Meus olhos encontram primeiro os pés e quando tenho coragem de
levantar o rosto, vejo o meu tio Alberto há alguns passos de distância.
— Ele é só um garoto.
— Matteo já é um homem — rosna e sou arrancado de perto da
mamãe com força. — Não quero que ele se torne mole como o pai.
Mamãe franze o nariz e eu tento me afastar do meu tio, mas as duas
mãos cravam nos meus ombros, me machucando.
— Não fale do meu marido, Alberto.
— Honestamente, Allegra. Você não me serve pra nada. Não é mais
virgem, é viúva, tem um filho e está morrendo também — cospe as palavras
e eu fico sem entender, só que sinto meus olhos arderem e um aperto forte
contra o meu peito. Depois que o papai morreu, nossa vida mudou tanto. —
Mas, não posso permitir que viva longe de mim e os meus inimigos a usem
contra mim — meu tio continua.
Mamãe começa a rir, mas não parece feliz.
— Como se eu fosse importante pra você.
— Realmente não é — é o que ele diz, e eu trinco os dentes, com
raiva. — Mas, é uma Salvatore. Já escutou coisas demais e não posso
arriscar que destrua o meu Império.
— Império do papai, Alberto.
Meu tio aperta meus ombros e eu espremo os lábios para reprimir
um gemido de dor.
— Ele morreu há um bom tempo. Agora, o Império é meu, querida.
— De repente, meu tio abaixa um pouco o rosto para mim e a sua expressão
raivosa faz o meu coração acelerar. — Engula o choro, pirralho. A partir de
hoje, você não é mais Matteo Manzini e sim, Matteo Salvatore. E os
Salvatore não são homens fracos.

Vinte e três anos antes...


Daria tudo para que a mamãe acordasse.
Daria qualquer coisa para tirá-la de dentro do caixão e impedir que a
enterrassem. Queria tanto que fosse um erro, que meu coração esmaga o
meu peito. Queria tanto que ela não estivesse morta.
Sinto o estômago em queda livre no instante em que os homens
descem com o caixão em mogno, colocando a mamãe num buraco tão
fundo, que se milagrosamente acordar, seria impossível sair de dentro.
Impossível porque ela estava tão fraca e magra, mal conseguia andar
sozinha. E ainda tem o fato de eu ter enterrado uma bala no seu coração,
dando um fim a sua vida por completo.
Forço o caroço dentro da garganta a descer ao mesmo tempo em que
as lágrimas se acumulam dentro dos meus olhos, deixando a minha visão
embaçada.
— Mãe... — murmuro. — Sinto muito.
— Engula o choro, Matteo. Não seja patético — o tio Alberto
ordena, inclinando o rosto para mim com uma expressão dura e áspera. —
Ela já estava praticamente morta.
Faço o que manda e é tão difícil, porque tudo que eu quero no
momento é chorar pela minha mãe, mas desde que viemos para debaixo das
suas asas, eu aprendi que chorar não é certo.
Chorar é um erro.
— Querido, ele é só uma criança. Acabou de perder a mãe — a tia
Eleonora fala, a voz tão doce e angelical, enquanto pousa uma das mãos nos
meus ombros e aperta com força e carinho ao mesmo tempo.
Eu sei que ele ficará bravo, mas não consigo reprimir a minha
tristeza, então, a única coisa que faço é virar o corpo inteiro para enterrar o
rosto na barriga da minha tia, envolvendo as mãos na sua cintura, chorando
e envergonhando o Don da família Salvatore.
Cometendo um erro.
Depois de enterrarmos a mamãe, caminhamos na direção da
limusine que nos espera no cemitério. O pequeno Romeo envolve a mão
livre na minha e me lança um olhar meigo e inocente.
Ele tem apenas cinco anos e por enquanto, é isso que o mantém a
salvo do tio Alberto, o seu pai. Infelizmente, não sei quanto tempo isso
durará, já que Danilo[1] e Giovanni já estão sendo completamente moldados
ao Don.
— Preciso falar com Matteo e você, querida. A sós — tio Alberto
comunica, abrindo a porta da limusine.
— Pai... — Danilo fala, dando um passo para frente, uma tentativa
de se manter entre a mãe e o seu pai impiedoso.
— O que é filho? — o Don rebate, curvando o canto da boca de
maneira desdenhosa. — Cuide dos seus irmãos — ordena.
A tia Eleonora troca um olhar comigo e embora tente esconder o seu
medo, não consegue. Triste demais para sentir algo além disso, me
acomodo no banco da limusine e espero.
As mãos trêmulas dela se entrelaçam de forma insistente e os lábios
se pressionam com tanta força, que ficam brancos.
— Querida, nunca mais me contrarie na frente dos outros — é o que
fala, num tom de voz baixo e ameaçador.
E de repente, um barulho de tapa me faz contorcer no banco do
carro. O corpo da tia Eleonora é praticamente dobrado para o lado e assim
que volta ao normal, vejo o canto do seu lábio sangrando.
Ela chora em silêncio.
— Entendeu, querida? Ou preciso te dar outro tapa?
— Sim, querido, eu entendi. Me desculpe. Nunca mais acontecerá
— ela balbucia.
E, então, ele olha para mim e acerta um soco no meu rosto,
causando uma dor tão insuportável que é difícil de respirar.
— Nunca mais chore na frente das pessoas, Matteo. Além de ser
desprezível, é sinal de fraqueza — grunhe, puxando a minha gravata para
focalizar meus olhos, arrepiando a minha espinha. — Você é um homem
agora, não mais um garoto. Nunca mais vai se esconder atrás da sua tia
Eleonora ou de qualquer outra mulher, entendeu? Se fizer isso, acabarei
com você.
— Sim, senhor — grunho, sem desviar os olhos do dele.
Meu tio abre um sorriso ao retrucar:
— Ótimo.
Ele me solta, empurrando o meu corpo para trás, em seguida, abre a
porta da limusine para os garotos entrarem. A tia Eleonora esconde o rosto,
enquanto Danilo e Giovanni alternam a atenção de mim para o pai com uma
raiva contida, mas não fazem nada.
O que eles poderiam fazer?
Alberto Salvatore é o chefe da família e as suas ordens devem ser
obedecidas.
Quatro anos antes...
Com um aperto na garganta e os olhos ardendo, sobre os patins, eu
deslizo até o centro da pista de patinação. Observo o brilho do gelo polido
debaixo das luzes suaves do rinque e espero “Silent Lucidity” da banda
Queensryche recomeçar a tocar.
Engulo o choro e a sensação é que estou forçando uma bola de tênis
goela abaixo, enquanto alguém esfaqueia o meu coração com força e sem
piedade. A tristeza é tão grande dentro de mim, que meu corpo inteiro dói.
“A culpa é sua, Hadassah” as palavras do papai ecoam dentro da
minha cabeça de uma maneira tão perversa, que vejo tudo girar ao meu
redor. Bato com a palma das mãos na têmpora e balanço a cabeça de um
lado para o outro, me obrigando a concentrar.
Você é inútil, Hadassah.
Você é patética, Hadassah.
Eu preferia que você tivesse morrido com a sua mãe, Hadassah.
Cedo à tristeza e dobro um pouco o corpo, chorando sozinha.
Encaro os meus patins que sempre me trouxeram tanta felicidade e me
pergunto se na verdade, eles são apenas o início do meu pior pesadelo.
A culpa é sua.
Você estragou tudo.
Endireito a postura e limpo os olhos com as costas das mãos,
respirando e fundo ao olhar para os lados, completamente sozinha com a
minha solidão.
Se ela ainda estivesse viva, com certeza, mamãe estaria aqui
comigo. Ela amava patinação. Mas, não tem ninguém aqui além de mim.
Começo a achar que papai tem razão e a culpa de tudo dar errado é minha.
Será que eu estrago tudo mesmo?
A música ecoa pelos alto-falantes, me envolvendo com os acordes
impactantes do piano, sintonizando com os batimentos do meu coração
quebrado.
Deslizo suavemente pela superfície congelada, ganhando o impulso
necessário a cada passada. Meus patins parecem uma extensão dos meus
pés e me guiam de maneira perfeita, me entregando à dança.
Com um solavanco repentino, me lanço no ar para um salto e antes
de conseguir aterrissar com um dos pés na pista, eu caio no chão, sendo
arrastada pelo impacto por alguns instantes.
Fico de pé e continuo patinando sobre o gelo, sentindo o vento frio
secar as minhas lágrimas e o som do piano bombear o meu coração. Preparo
o meu corpo para outro impulso e giro no ar, aterrissando com firmeza,
apesar de um leve tremor nas pernas quase me desequilibrar.
A música vai ganhando mais força e eu tento outros saltos, cada um
é uma ampliação das minhas emoções no momento e por eu estar tão triste
e quebrada, eu caio no chão todas as vezes.
Só que mesmo tão despedaçada, eu insisto quando a música volta a
tocar, me perdendo completamente na minha tristeza. Caindo e me
levantando, embora não faça sentido continuar me esforçando.
Porque a verdade é que se eu não continuar tentando, quando eu
cair, ninguém vai me estender a mão para que eu possa me levantar.
O odor acre do álcool enche o ar, penetrando nas minhas narinas e
estremecendo meu estômago vazio.
O papai está bêbado. De novo.
Uma sensação de apreensão se enrola nas minhas entranhas
conforme eu ouço os seus passos pesados ecoando pelo corredor. Os passos
são como trovões que anunciam a tempestade que está por vir.
Devagar, eu fecho a porta do meu quarto, mas não a tranco, porque
ele odeia quando o faço. Mesmo que seja em vão, me escondo perto da
cama, as mãos trêmulas contornando os meus joelhos, enquanto tento me
tornar invisível.
No entanto, é inútil.
Ele sempre me encontra.
A porta do quarto é arrancada com força, e meu pai entra, os olhos
injetados de sangue fixados em mim com uma intensidade assustadora. Sua
respiração é irregular, os lábios formando uma linha dura que denota a sua
raiva.
— Onde você estava, sua inútil? — ele rosna, a voz carregada de
veneno e desdém. — Eu te chamei várias vezes e você não respondeu.
Encolho-me ainda mais, desejando poder me fundir com as sombras
do cômodo e escapar deste pesadelo.
— Eu estava fazendo o dever de casa — murmuro, sabendo que
qualquer resposta só servirá para irritá-lo mais.
Ele avança na minha direção, o cheiro de álcool impregnando o ar
ao nosso redor. Sua mão agarra meu braço com uma força cruel, os nós dos
dedos cavando minha pele delicada.
— Você acha que pode me enganar, miserável? — a voz é um
rosnado baixo, cheio de ódio. — Você acha que pode sair por aí, se
divertindo enquanto eu trabalho duro para sustentar essa casa?
Engulo em seco, as lágrimas ardendo nos cantos dos meus olhos.
— Desculpe, papai — murmuro, sabendo que não importa o que eu
diga, nunca será suficiente.
Seu punho voa em direção ao meu rosto, o impacto ecoando pelo
quarto enquanto minha bochecha arde com a força do golpe. Caio no chão,
as lágrimas fluindo livremente agora, se misturando com o gosto metálico
do sangue na minha boca.
— Você é patética. Não quero que volte para aquela merda da escola
de patinação no gelo. Nunca vai conseguir nada. Não tem talento.
— Papai, por favor, eu...
Minha voz é silenciada por causa de outro tapa que ele me dá.
— Cale a boca, miserável — retruca antes de sair do quarto, me
deixando sozinha com minha dor, meu medo e coração e sonhos destruídos.
Enrolada no chão, eu me sinto como um pássaro com as asas
cortadas, presa em uma gaiola de gelo do meu próprio desespero. Meu
sonho de patinar no gelo e competir algum dia brilha distante, como estrelas
inalcançáveis do céu noturno.
As lágrimas começam a escorrer pelo meu rosto e eu começo a me
perguntar o porquê da minha vida ser tão difícil. Eu me dedico tanto para
tentar ganhar o afeto do papai e do Yosef, mas parece que tudo o que recebo
em troca é crueldade e desprezo.
Meu único refúgio é a pista de patinação no gelo. Lá, entre piruetas
e saltos, encontro uma fuga temporária desse mundo cruel. As lâminas
cortando o gelo são como uma dança que me liberta das correntes invisíveis
que me prendem em casa, mas até isso o papai quer me tirar.
Ele nunca aprovou as minhas aulas de patinação. Para ele, são um
luxo desnecessário, um desperdício de dinheiro que ele poderia gastar com
as suas bebidas ou as dívidas.
E Yosef, bem, eu acho que preciso me acostumar que ele é apenas
um monstro que se alimenta da dor dos outros.
Quando finalmente canso de chorar, sinto o meu rosto doer e à
medida que a escuridão me consome, só consigo me perguntar se algum dia
encontrarei a coragem para escapar deste inferno que eu chamo de lar.

Algum tempo depois...


Papai realmente cortou as minhas aulas de patinação, no entanto, eu
não posso desistir sem lutar. Eu sei que nunca vou convencê-lo do contrário
e tocar o seu coração, porque seu coração é uma fortaleza impenetrável
quando se trata de mim. Só que se eu conseguir falar com Yosef, talvez, eu
tenha uma chance.
Tenho quatorze anos e meu irmão é dez anos mais velho que eu.
Mesmo que seja triste, a verdade é que ele nunca gostou de mim. As únicas
pessoas dessa família que prezavam por mim era a mamãe e o meu primo
Zane, mas minha mãe se foi quando eu tinha dez anos, e quanto a Zane, ele
está atrás das grades, cumprindo pena pelo crime que cometeu.
Eu estou sozinha.
Estou sozinha desde que me lembro.
Yosef gosta quando eu assumo as responsabilidades domésticas.
Desde cedo, fui ensinada a lavar, passar e manter a casa impecável. Ainda
estou aprimorando minhas habilidades na cozinha, mas sinto que estou
progredindo.
É difícil conciliar a escola, as aulas de patinação e os trabalhos em
casa, mas sempre acordo por volta das quatro horas da manhã para dar
conta.
O aroma tentador da minha mais recente tentativa na cozinha paira
no ar, se misturando com a ansiedade que aperta meu peito.
Mesmo nervosa, eu sorrio, porque sei que dei o meu melhor.
Meu irmão entra na cozinha com passos pesados, os olhos se
estreitando em desgosto quando ele pousa o olhar sobre a refeição que
preparei com tanto cuidado. Os lábios finos se torcem em desdém, e sei o
que está por vir antes mesmo de ele abrir a boca.
— O que é isso? — pergunta, a voz carregada de desprezo.
— Eu fiz o jantar.
— Você chama isso de comida?
Engulo em seco, as mãos tremendo ao mesmo tempo em que me
esforço para manter a compostura diante do seu ódio ardente.
— Eu fiz o melhor que pude — murmuro, desejando poder
desaparecer nas sombras da minha própria vergonha.
— O seu melhor não é o suficiente — rebate e há um sorriso
debochado cravando nos seus lábios.
Ele gosta de dizer isso.
— Essa comida parece lixo — continua e eu respiro fundo, tomando
coragem para pedir o que eu quero. Não acho que a nossa conversa vai
melhorar.
— Yosef...
— O que você quer?
— Pode convencer o papai a me deixar voltar pras aulas de
patinação?
— E por que eu faria isso? Você só gasta dinheiro naquela merda e
não tem talento nenhum.
Engulo em seco.
— Mas é a tia Leona que paga as minhas aulas. Aquele dinheiro não
é do papai — abro a boca para falar e ao ver meu irmão expandindo as
narinas, percebo que eu deveria ter ficado calada.
Ele avança na minha direção, o olhar desafiador e cruel sobre mim.
Os dedos agarram o prato, jogando-o com força contra a parede perto de
mim, fazendo um estrondo ensurdecedor. Os estilhaços voam, se
espalhando pelo chão como confetes escuros de desolação.
— Você é patética. Mora aqui e ainda quer que isso seja de graça?
— grunhe, os olhos faiscando com a fúria contida. — Se quer tanto as aulas
de patinação, arrume um emprego.
— Um emprego? — balbucio.
— Sim. Contanto que não atrapalhe os seus afazeres dentro desta
casa, pode arrumar um emprego. — Ele começa a rir com desdém. — Não
acho que vai dar em nada, você é péssima, Hadassah. Não tem talento, não
vai a lugar nenhum.
Cerro os dentes.
— Vou sim. Eu posso ser...
Ele me cala com uma bofetada.
— Não me responda! — ordena. — Da próxima vez que me
responder, eu quebro todos os seus dentes.
As palavras me cortam como lâminas afiadas, abrindo feridas
antigas que nunca têm a chance de cicatrizar. Lágrimas ácidas começam a
escorrer pelo meu rosto, mas eu as enxugo rapidamente, me recusando a dar
a ele a satisfação de me ver quebrada.
— Desculpe — murmuro, sabendo que ser submissa é a única
maneira de sobreviver aqui. — Não vai mais acontecer.
— Ótimo. Agora limpe a bagunça.
Ele me lança um olhar de puro desprezo antes de sair da cozinha,
me deixando sozinha com os destroços da minha falha.
Observo a comida espalhada pelo chão e as lágrimas começam a
escorrer pelo meu rosto. Eu dei o meu melhor. Lutei com todas as minhas
forças para agradar, mas como sempre, minhas esperanças se desfazem
diante da realidade cruel.
Antes que possa desistir de tudo, as palavras do meu irmão sobre
arrumar um emprego ecoam na minha cabeça.
Talvez seja hora de considerar arranjar um emprego.
Talvez não seja o fim do mundo.
Talvez ainda haja uma chance de manter minhas aulas de patinação.
Preciso manter a esperança, mesmo que frágil, porque se não o fizer,
não há nada para mim aqui.
Nos dias de hoje...
Realmente não foi o fim do mundo quando o papai me retirou das
aulas de patinação, mas, foi o fim do meu sonho de ser patinadora
profissional. Depois que arrumei meu primeiro emprego na loja de
conveniência do bairro, Yosef decidiu que eu era adulta o suficiente e me
obrigou a abandonar a escola.
Todas as despesas da casa caíram sobre os meus ombros e não pude
fazer nada para mudar a minha situação. E eu confesso que tentei.
Tentei fugir duas vezes e deixar tudo para trás, mas papai e Yosef
me encontraram, me deram uma surra e com o tempo, eu aprendi que não
tenho como fugir da minha vida. Não há escapatória.
Algumas pessoas têm vidas boas, outras, vidas medíocres, como a
minha.
Estou prestes a sair de casa quando me deparo com o dono do
prédio. Ele é um homem baixo, gordo, tem uma barba malfeita, é careca e
tem um semblante severo e olhos penetrantes que parecem sondar minha
alma.
— Bom dia, senhorita Zohar — ele começa, seu rosto está sempre
com uma expressão dura, o que faz meu coração afundar com a certeza de
que tenho um problemão a caminho.
— Algum problema?
— Sim. Precisamos conversar sobre o aluguel — dispara e tenta
olhar para dentro da minha casa por cima dos ombros. — Tem alguém em
casa? Que tal eu entrar e nós ficarmos mais à vontade?
Trinco os dentes ao notar seus olhos dançando pelo meu corpo de
maneira depravada.
— Não vou deixar o senhor entrar.
Ele balança a cabeça lentamente, os olhos brilhando com uma
intensidade que me faz estremecer.
— Ok. Então vou direto ao ponto. O preço do aluguel aumentou. E
eu vim aqui buscar a diferença.
— O quê? — retruco, tentando manter a calma apesar de sentir os
nervos à flor da pele. — O senhor não pode simplesmente aumentar o preço
assim.
Meu coração parece congelar dentro do meu peito ao mesmo tempo
em que as palavras dele continuam ressoando nos meus ouvidos.
— O que eu recebo mal dá para pagar o aluguel.
Ele ri com desdém.
— E isso é problema de quem? Exatamente. Não é meu.
— Isso não é justo — protesto, lutando para manter minha voz
firme. — Não tenho como pagar.
Um sorriso irônico se curva nos lábios finos do velho e seu olhar
parece atravessar minha alma, o que me faz engolir em seco.
— Se você não pagar, terei que tomar medidas mais drásticas.
A ameaça paira no ar entre nós, pesada como uma nuvem de
tempestade pronta para desabar a qualquer momento em cima da minha
cabeça. Meu estômago se revira com a possibilidade de perder a casa.
— Pode me dar alguns dias?
— Eu sei que tem dinheiro. Você é sensata, deve ter alguma
economia. Me pague a diferença agora ou rua.
Sinto os meus olhos arderem, mas as seguro. Não vou chorar na
frente dele.
— Um minuto, por favor.
Entro em casa e vou direto para o meu quarto, trancando a porta ao
entrar. Dentro de um dos meus travesseiros, eu retiro o bolo de dinheiro que
estava guardando com tanto cuidado para comprar um par de patins novo
para mim.
Com um suspiro resignado, abro minha bolsa e enfio o dinheiro
dentro antes de voltar para a porta.
— Quanto falta? — pergunto e com um sorriso satisfeito, ele fala o
valor da diferença.
Com dor no coração, conto as notas de dólares e entrego ao dono do
prédio e não sobra muita coisa para mim. O velho cretino faz questão de
contar o dinheiro com uma expressão de satisfação estampada no rosto.
Sinto um nó de amargura se formar no meio da minha garganta, mas
sei que não tenho outra opção se quiser ter um teto sobre a minha cabeça.
— Sabe, Hadassah, se tivesse me convidado para entrar — ele
começa a falar ao guardar o bolo de dinheiro dentro do bolso da calça jeans
larga. — A gente podia ter se entendido.
Ele ergue a mão para tocar o meu rosto, mas instintivamente eu
impeço o contato com um movimento rápido do braço.
— O senhor quer mais alguma coisa? Preciso ir trabalhar.
O velho me olha de baixo para cima, seu olhar pesado e penetrante
avaliando cada centímetro do meu corpo.
— Por enquanto não.
Sinto um arrepio percorrer minha espinha no momento em que ele
gira nos calcanhares e se afasta de mim. Respiro fundo apenas quando o
velho some do meu campo de visão.
A sensação de alívio misturada com uma ponta de medo permanece
martelando o meu peito, enquanto me preparo para ir trabalhar.
Com um suspiro pesado, eu tranco a porta de casa e sigo em direção
as escadas, deixando para trás o desconforto e as preocupações, pelo menos
por enquanto.
Por pouco não chego atrasada para o trabalho hoje. As ruas estavam
congestionadas, e o ônibus mais lotado do que o habitual.
Respiro fundo quando finalmente atravesso a porta do vestiário do
supermercado e bato o meu ponto. Num movimento rápido, começo a trocar
as minhas roupas pelo uniforme de caixa e prendo meus cabelos em um
rabo de cavalo desajeitado.
Antes que eu possa sair do vestiário, Nina, minha amiga misteriosa,
surge diante do meu campo de visão com um sorriso brilhante.
— Então, o que você vai fazer hoje à noite? Qual é o grande plano?
Pra onde vamos? — ela pergunta, a sua animação enchendo o espaço
apertado e precário do vestiário.
Solto um suspiro leve e sorrio, feliz por ela ter lembrado que hoje é
meu aniversário. Antes de vir para cá, tive que dar todas as minhas
economias para o dono do prédio e ontem à noite, papai me deu uma surra
por eu ter dito que não tinha dinheiro para emprestar para ele.
Minha sorte é que depois de tanto apanhar, aprendi a esconder os
meus machucados com maquiagem. Assim, ninguém consegue ver o quão
fodida minha vida é de verdade.
— Na verdade, não tenho nenhum plano especial — respondo ao
dar de ombros e enrugar o nariz, transformando o rosto numa careta. —
Depois do expediente, eu provavelmente vou patinar um pouco.
Nina inclina a cabeça, o olhar curioso fixo em mim.
— Patinação, huh?
Eu dou de ombros outra vez e um sorriso tímido brota nos meus
lábios.
— Quando estou no gelo, tudo ao meu redor desaparece. É como se
eu estivesse livre, mesmo que por apenas um momento.
— Problemas em casa?
— Sempre — respondo, levantando as mãos para me abanar um
pouco por causa do calor. — Sabia que o ventilador do vestiário quebrou?
— pergunto, mudando o foco do assunto.
Nina assente e então, me puxa pelo braço para fora do vestiário.
— Um supermercado desse tamanho e as nossas condições são
precárias.
— Preciso de aumento.
— Todas nós — devolve ao caminharmos na direção dos nossos
caixas. — E as suas economias? Conseguiu comprar o que tanto queria?
Solto uma baforada de ar.
— Não. O dono do prédio aumentou o aluguel. Tive que pagar a
diferença. Vou ter que continuar com os meus patins velhos.
Nina concorda com um balanço positivo de cabeça, a expressão
compreensiva.
— Já pensou em arrumar um patrocinador? Você gosta tanto de
patinar e bem, eu já te vi na pista de gelo e você tem muito talento. Por que
não começa a competir? Quem sabe o que pode acontecer?
Deixo escapar uma risada leve, sacudindo a cabeça em negativa.
— Isso é impossível, Nina. No meu caso, talento não é suficiente.
Perdi anos da minha vida. Pra competir de verdade, eu nunca deveria ter
parado, entende? — Faço um gesto com a mão, abanando o ar. — Mas
vamos deixar isso pra lá. Não quero ficar triste.
Ela sorri, mas não há vestígio de humor.
Nos separamos e tomamos nossos lugares nos caixas, cada uma
diante da outra. Sento-me no meu posto, ajustando a caixa registradora e me
preparando para mais um dia de trabalho.
Um brilho de surpresa enche meus olhos quando vejo um pequeno
pacote embrulhado em papel rosa sobre a minha mesa. Sou incapaz de
conter o sorriso que força os meus lábios a se esticarem.
Meu coração se aquece com a gentileza dela.
Faz um pouco mais de um ano que eu a conheço. Sempre achei ela
misteriosa sobre o seu passado. Mas, quando ela entrou na minha vida sem
aviso prévio, os meus dias se tornaram um pouco melhor.
Apesar de não saber muito sobre ela, Nina tem sido uma
companheira leal e solidária, e por isso sou muito grata por tê-la comigo.
— Feliz aniversário — minha amiga fala, piscando para mim com
um sorriso travesso.
Sem poder conter minha curiosidade, abro o presente com as mãos
ansiosas. Dentro da embalagem, encontro um par de fones de ouvido de
última geração, elegantes e modernos.
— Uau, Nina. Isso não tem cara de presente barato.
— Não começa — ela resmunga, o que me faz rir.
— Obrigada. Eu amei.
Ela sorri e seus olhos se tornam dois tracinhos adoráveis.
Sinto um calor reconfortante se espalhar dentro do meu peito.
Apesar do mistério que envolve Nina, sei que posso contar com ela, assim
como ela pode contar comigo.
Desperto de forma abrupta, o suor frio escorrendo pela minha testa,
meu coração batendo descontroladamente contra o peito. Respiro fundo,
tentando acalmar os tremores que ainda agitam meu corpo conforme eu luto
para me libertar das garras ferrenhas do pesadelo que me assombrava.
É sempre o mesmo.
O mesmo rosto, o mesmo som ensurdecedor do tiro ecoando fundo
dentro dos meus ouvidos, a mesma sensação sufocante de culpa e
desespero.
Mesmo depois de todos esses anos, os fantasmas do passado ainda
me perseguem, me torturando com lembranças que eu preferiria esquecer.
— Tudo bem? Pensei que os pesadelos tivessem acabado — uma
voz suave ao meu lado quebra o silêncio da noite, as palavras soando cheias
de preocupação. Sinto as mãos delicadas tocando o meu peito com ternura,
mas não surte efeito bom sobre mim.
Tudo o que consigo sentir é o aperto implacável da culpa e do
remorso, como garras afiadas perfurando minha alma.
Irritado, afasto-me das mãos que tentam me acalmar e sinto o meu
corpo tenso de frustração e raiva.
— Não devia ter me deixado dormir — retruco, minha voz cortante
e repleta de autodesprezo.
Empurro as cobertas de lado com um movimento brusco e desço da
cama, tomado pela necessidade de escapar do quarto, dos pesadelos, de
Jenna, de tudo.
Acendo o abajur em cima da cômoda ao lado da cama e a luz
ilumina parcialmente o quarto, ainda assim, não é o suficiente para dissipar
a escuridão que se enraizou dentro da minha alma.
Procuro as minhas roupas e as visto ao mesmo tempo em que tento
recuperar o controle sobre mim mesmo. A dor latejante na minha têmpora é
apenas um maldito lembrete constante das cicatrizes invisíveis que carrego
comigo, as marcas deixadas pelos pesadelos que me atormentam desde que
atirei na minha própria mãe.
Mesmo agora, depois de tantos anos, sei que não posso escapar das
memórias dolorosas que me assombram. Elas estão gravadas na minha
mente como marcas indeléveis, me lembrando do preço terrível que paguei
por ter o sangue Salvatore correndo nas minhas veias.
— Fica comigo — Jena pede ao ficar de joelhos na cama, o lençol
cobrindo parte do corpo nu. — Por favor.
— Não vim aqui pra dormir com você.
Os olhos dela brilham com a minha resposta e um sorriso debochado
emoldura o seu rosto.
— Não me trate assim. Eu não mereço.
Jenna é sobrinha de um dos associados mais importantes para a
nossa organização, além do fato de trabalhar para o tio Alberto na
Salvatore's Sapori d'Italia[2], a nossa rede de restaurantes.
Eu a conheço há tempo demais e embora ela não saiba o motivo dos
meus pesadelos, sabe que eu os tenho e isso é mais íntimo do que eu
gostaria. Não deveria ter dado tantas brechas para a Jenna.
No entanto, me enterrar na boceta dela quando estava com a cabeça
cheia de merdas, foi uma solução paliativa para a minha insônia.
Com um suspiro pesado, olhando nos olhos de Jenna, desligo a luz
do abajur, mergulhando o quarto na escuridão. Afasto-me dela e saio do
cômodo, deixando uma mulher linda e disposta a me dar tudo que eu quero
para trás.
Uma sensação de vazio toma conta do meu corpo. É como se fosse
um fantasma perambulando pelos corredores quietos da casa, a escuridão da
noite refletindo a própria escuridão dentro de mim.
É uma merda, porque eu sei que não posso escapar dos meus
demônios internos.
Depois de sair do apartamento de Jenna, pego o celular de dentro do
bolso do terno e digito o número do meu soldado de confiança.
— Vamos trabalhar — é o que digo a ele, sem dar mais explicações.

O ar úmido e gelado de Chicago parece pesar nos meus ombros


como um manto pesado quando desço do carro estacionado. Ao meu lado,
Cesare, meu soldado de confiança, emerge da escuridão, pronto para me
seguir e acatar minhas ordens.
Eu sei que não preciso sujar minhas mãos com certos trabalhos.
Tenho homens para isso, soldados dispostos a fazer o que for necessário em
nome da família Salvatore. Mas, mesmo assim, há uma parte de mim que
anseia pela ação, pelo calor do confronto, pela adrenalina pulsando nas
minhas veias.
Em silêncio, nós dois passamos por um beco escuro e uma viela
estreita, mantendo nossos sentidos alertas para qualquer sinal de perigo.
Cesare caminha ao meu lado, o rosto fechado numa expressão dura
e, também, determinada.
À medida que nos aproximamos do local, sinto a tensão no ar
aumentar. Nós entramos no prédio abandonado, nossas armas prontas em
nossas mãos. O cheiro de mofo e decadência enche minhas narinas ao
mesmo tempo em que avançamos pelos corredores escuros.
Quando finalmente encontramos o alvo que precisa ser eliminado.
Um homem que viu mais do que devia, sinto meu coração acelerar. Cesare
me conhece bem, sabe que não é para fazer nada.
E então, eu não hesito. Aperto o gatilho e os tiros ecoam pelo espaço
vazio, cortando o silêncio. O sangue se espalha pelo chão, manchando mais
ainda a minha alma de sangue.
Mesmo depois que ele cai morto, eu me aproximo dele e disparo
mais tiros, deformando o seu rosto inteiro.
Por um breve momento, eu me permito esquecer.
Esqueço da merda que eu fiz à minha mãe. Apenas por um breve
momento, eu finjo que não fiz o mesmo com ela. Que não mirei uma arma
contra o seu peito e disparei o tiro que fez o seu coração parar.
Mas essa ilusão é passageira.
Assim que a adrenalina desaparece, a realidade vem correndo de
volta para me acertar com toda a brutalidade. Eu sou o que sou, não importa
o quanto eu tente negar. E o sangue que corre nas minhas veias é apenas
mais uma prova disso.
— Limpe tudo — ordeno ao meu soldado.
Saio do prédio para respirar um pouco de ar fresco e meus ouvidos
captam algo estranho e que me faz paralisar por alguns segundos. Uma
melodia suave flutua no ar, uma música familiar que ressoa em algum lugar
nas profundezas da minha memória.
Meu coração aperta e as fincadas na minha têmpora aumentam com
tanta força, que preciso de um tempo para me recompor.
Olho ao redor, buscando a fonte da música. E é então, que minha
atenção se fixa em uma escola de patinação de gelo à minha frente. As
portas estão fechadas e as janelas escuras, mas a música parece fluir de
dentro.
— Algum problema? — Cesare pergunta e noto que ele parou ao
meu lado.
— Não.
“Vá devagar, sua criança louca. Você é tão ambicioso para um
jovem. Mas se você é tão esperto, me diga por que ainda tem tanto medo?
Onde está o fogo? Pra quê a pressa?”
— Consegue ouvir a música? — questiono e Cesare estreita as
sobrancelhas em confusão, mas ao fazer silêncio por um momento, ele
assente. — Fique aqui, vou verificar uma coisa.
Ele anui mais uma vez, embora esteja visivelmente confuso com a
minha súbita mudança.
Sem conseguir conter a minha curiosidade, eu atravesso a rua e
caminho em direção à escola, meu coração batendo um pouco mais rápido
agora. Ao chegar em frente à entrada da escola, empurro a porta e a música
que antes era apenas um sussurro, começa a se intensificar à medida que
entro no local.
A melodia suave e triste acaba me envolvendo e me guia pelo
corredor até a entrada do rinque de gelo. Nem todas as luzes estão acesas,
mas a pouca iluminação é suficiente para eu discernir a cena diante de mim.
Conforme avanço em silêncio, percebo a garota solitária deslizando
de maneira perfeita pela pista de gelo. Os seus movimentos fluem em
perfeita harmonia com a melodia melancólica.
É uma cena de beleza simples, mas hipnotizante pra caralho.
Sento-me em um dos bancos da arquibancada e contemplo a garota.
Ela é tão linda e triste, parece sincronizada com a música que ecoa pelas
paredes.
Enquanto contemplo a patinadora solitária, não posso deixar de
sentir uma conexão inexplicável com ela.
“Vienna” do Billy Joel era uma das músicas preferidas da minha
mãe. Ainda consigo me lembrar claramente de como ela costumava cantar
repetidamente em casa e dançar pelos cômodos.
Antes do papai morrer, ela era tão feliz.
Desde que ela se foi, eu evitei deliberadamente escutar essa música.
Sempre me achei incapaz de controlar o turbilhão de sentimentos que ela
podia evocar em mim. Nunca consegui me livrar dos pesadelos, como faria
com as lembranças boas?
As lembranças boas são uma das piores partes, porque depois dela,
vem o fato de eu ter tirado a sua vida.
Perdido nos meus pensamentos fodidos, eu me deixo envolver pela
beleza da cena à minha frente, ansiando por um momento de paz em meio
ao caos que é minha vida tomada pela culpa.
A música se repete várias vezes, cada nota ecoando através do
espaço vazio, preenchendo o silêncio. Enquanto a garota continua a patinar,
ela cai várias vezes, mas a sua perseverança e coragem começam a
despertar curiosidade em mim.
Não sei por quanto tempo fico ali, mas só me dou conta de que é
tempo demais, quando ela desiste de patinar e sai do rinque de gelo
ofegante. As luzes se apagam completamente e a música é silenciada, e eu
fico parado por um momento.
A maioria das pessoas odeia a solidão, porque é um lugar onde não
há espaço para máscaras ou pretensões, é apenas um vasto vazio. Um
abraço frio e cruel, quase desumano.
Ainda assim, para mim, a solidão se tornou algo doce.
É quase o meu oásis de paz.
Quando eu era garoto, demorou pouco para eu perceber que
conviver com o Don era pior do que a solidão.
Tio Alberto é um homem implacável e me criou com punho de ferro
e me obrigou a engolir os meus sentimentos e esconder as minhas emoções
tão profundamente, que honestamente, às vezes duvido se ainda as tenho
dentro de mim.
Duvido que tenha algo além de raiva e culpa dentro do meu coração.
Eu deixei que o tio Alberto me moldasse à sua maneira e matasse o
Matteo que a minha mãe amava, só que nunca consegui esquecê-la, apesar
de ele tentar manchar tantas vezes a memória dela.
É estranho pra caralho, mas ainda consigo ouvir o som da sua risada
ou ver o brilho dos seus olhos quando assistia a uma apresentação artística
de patinação no gelo. Era o sonho dela, que nunca pôde seguir por causa
das obrigações e regras da máfia.
Embora eu goste da sensação de estar envolvido pela sombra, onde
posso me esconder dos olhos do mundo e das cicatrizes que carrego, eu me
ergo da arquibancada e vou embora.
Quando saio da escola, a brisa gelada da noite toca o meu rosto, me
acordando dos meus devaneios momentâneos. Cesare do outro lado da rua
faz um gesto com a cabeça e antes que possa atravessar a rua, meus olhos
encontram a patinadora solitária.
Ela está segurando uma mochila e os patins velhos pendurados no
ombro. Em uma das mãos, ela carrega um pequeno bolo com uma vela
apagada.
Sou incapaz de deixar de sentir curiosidade sobre ela.
Então, faço um gesto para Cesare em direção a garota e sem que eu
tenha dito nada, ele entende de imediato.
Há algo nela que me intriga, uma aura de simplicidade e inocência
que me atrai de uma forma que eu não consigo explicar. Talvez seja a
maneira como ela carrega aquele pequeno bolo com uma vela, como se
fosse um tesouro precioso. Ou talvez seja a forma triste de como ela dançou
na pista de gelo.
Ou talvez eu esteja completamente louco.
Quando ela entra no metrô, eu a sigo de perto, me mantendo
discreto enquanto ela se acomoda em um dos bancos vazios. O local está
completamente deserto por causa da hora, o silêncio nos envolvendo com
um abraço frio.
A garota olha para cima, como se estivesse buscando algo além do
teto.
— Mãe... — ela começa a falar, a voz doce repercutindo no vazio do
metrô. — Me desculpa por não conseguir realizar os nossos sonhos. Não
vou conseguir me tornar uma grande patinadora.
Sinto um aperto no peito ao assistir a sua dor, a vulnerabilidade
exposta para o mundo ver.
— Eu juro que tentei — ela continua e então, limpa os olhos com as
costas das mãos. — Me desculpa, mamãe. Não fica muito decepcionada
comigo, tá bem? Tá sendo difícil, mas eu vou aguentar. Vou sobreviver. Por
favor, continua me olhando aí do céu, ok?
Ela enfia a mão dentro da mochila que colocou ao seu lado e pega
um isqueiro para acender a única vela do pequeno bolo.
Eu sou tocado pela simplicidade e pureza dela. Seu coração aberto e
vulnerável, a honestidade tão tocante. Não sei nada sobre ela, mas é
estranho, como agora, parece que conheço tudo o que preciso saber.
— Mãe, pode cantar comigo a minha música favorita? — ela pede à
mãe falecida e começa a sorrir, mesmo triste.
De repente, algo muda. Os olhos da garota se iluminam
ligeiramente, o rosto suaviza e ela começa a bater lentamente os pés no
chão, como se estivesse entrando no ritmo da música.
E então, na sua voz angelical, "Hey Jude" dos Beatles preenche
local, enquanto ela canta para o vazio, buscando conforto na memória da
mãe.
Ao ouvir a melodia familiar, meu coração dispara de imediato, como
se estivesse tentando fugir do meu peito. Uma onda de pânico e dor irrompe
de dentro de mim, enquanto as pontadas da enxaqueca se tornam
insuportáveis.
Minha visão fica turva e dentro dos meus ouvidos, ecoa o som do
tiro que disparei contra o peito da minha mãe.
Eu me sinto sufocar, como se o ar estivesse sendo arrancado dos
meus pulmões. O peso da culpa e da dor pressionam o meu peito, fazendo
minhas pernas ameaçarem a ceder. Agarro-me à parede mais próxima e
tento me manter em pé, a respiração ficando cada vez mais difícil.
Levo uma das mãos até a gravata e tento desfazer o nó apertado,
numa tentativa desesperada de aliviar a pressão do meu peito.
Ela continua cantando, agitando tudo dentro de mim. Meu coração
bate tão rápido, que dói. As pontadas da enxaqueca se intensificam, se
transformando em punhaladas brutais de dor.
Não consigo respirar.
O ar parece escasso, como se estivesse sendo sugado para fora do
metrô.
A garota me percebe e, sem hesitação, deixa tudo para trás e corre
na minha direção. Os passos dela são rápidos e no momento em que os
grandes olhos me encontram, sou incapaz de desviar.
São tão azuis. E há tanta bondade neles. E preocupação.
Como ela pode estar preocupada comigo? Ela nem me conhece.
Para a minha surpresa, ela coloca uma mão gentil em meu braço, me
oferecendo um apoio que parece penetrar além das camadas de dor que me
envolvem.
— Por favor, alguém me ajuda! — ela grita para o metrô vazio,
vasculhando com os olhos para os lados, em busca de qualquer pessoa. —
Aguenta mais um pouquinho, senhor. Aqui não é um bom lugar pra se
morrer.
Sinto um leve toque em meu rosto, as pequenas mãos suaves e
quentes contra a minha pele áspera ao mesmo tempo em que os olhos
redondos encontram os meus mais uma vez.
— Respira fundo.
A dor ainda é excruciante, mas, mesmo assim, encontro uma
estranha sensação de alívio ao lado dela.
Tento me segurar na parede, evitando colocar o meu peso sobre o
corpo dela e é então que ouço passos atrás de mim. Cesare surge no metrô,
o rosto endurecido de preocupação.
— O que aconteceu?
— Eu não sei — ela responde, aflita. — Ele começou a passar mal.
Com um esforço concentrado, tento me erguer, me apoiando nos
ombros de Cesare. A garota permanece ao meu lado, a expressão aflita
contrastando com a determinação dos seus olhos.
— Vamos, Matteo. Precisamos sair daqui — Cesare fala, já me
arrastando para fora do metrô.
Sentir o ar fresco da noite batendo contra o meu rosto, é algo que me
faz sentir instantaneamente melhor. Cesare me guia para longe, deixando a
patinadora para trás no metrô vazio.
Sinto uma pontada de culpa ao perdê-la de vista, uma sensação
estranha e incômoda que se aloja no fundo do meu peito, mesmo que eu não
compreenda completamente o motivo disso.
Cesare me encara com a expressão preocupada, os olhos fixos em
mim com uma intensidade que me deixa desconfortável.
— Me dê a chave do seu carro, vou levá-lo para casa — Cesare
pede.
— Não — consigo reunir as forças necessárias para responder,
minha voz soando mais firme e áspera do que eu esperava.
Ele franze o cenho, claramente contrariado pela minha teimosia.
— Não pode dirigir assim. Mal consegue ficar de pé.
— Estou bem — resmungo, saindo de perto dele e atravessando a
rua. — Posso ir pra casa sozinho. Nenhuma palavra sobre o que aconteceu
hoje.
É a última coisa que digo para o meu soldado, minha voz cheia de
obstinação e teimosia. Por mais que eu saiba que as intenções deles são
boas e que ele é um homem leal, não posso permitir que ele me veja em um
estado de fraqueza.
Nunca.
Ainda tentando entender o que aconteceu no metrô, meu olhar segue
o homem misterioso ao ser levado embora por outro homem bem-vestido
que apareceu do nada. Meu coração ainda bate forte, impulsionado pela
adrenalina do momento tenso e uma mistura de preocupação e curiosidade
borbulha dentro de mim, me deixando inquieta.
Fico parada ali, sozinha na plataforma vazia, enquanto os dois
homens desaparecem completamente do meu campo de visão. Somente
alguns minutos depois, que eu percebo algo brilhando no chão ao meu lado.
Curiosa, aproximo-me com passos decididos e percebo que é uma
carteira de couro marrom. Abaixo-me para pegá-la e abri-la, me deparo com
os documentos, um bolo de dinheiro e vários cartões de crédito, todos
revelando os detalhes sobre a vida do homem que quase desmaiou no
metrô.
Passo os olhos pelos cartões de identificação e fotografias, tentando
decifrar quem é o homem.
Matteo Manzini Salvatore, 33 anos.
Apressada, vou até as minhas coisas em cima do banco e pego,
correndo para fora do metrô. Preciso encontrar Matteo e devolver a sua
carteira. Afinal, posso ser pobre, mas não sou desonesta.
Mesmo com toda a frieza das ruas impiedosas de Chicago e a falta
de amor na minha família, sempre teve espaço para bondade e compaixão
no meu coração.
Com a carteira segura em uma das mãos, emerjo para a rua fria e
deserta, me deparando com um monte de nada. Não há vestígios de Matteo
Manzini Salvatore ou daquele homem que o acompanhou. Corro alguns
passos, olhando em todas as direções, mas não há nenhum sinal deles.
Frustrada, decido voltar para o metrô.
Sei que não posso simplesmente ignorar o que tenho em mãos. Pelas
roupas daqueles homens e o tanto de dinheiro na carteira, ele é podre de
rico e isso pode ser um problemão para mim.
A carteira precisa ser devolvida, não importa o quão difícil possa ser
encontrar esse homem. Além de eu estar correndo de problemas, é uma
questão de integridade e honestidade.
E o mais importante, preciso esconder isso em um lugar que meu pai
ou Yosef não possam encontrar.
Nunca.

Chego em casa exausta.


A escuridão cobre a nossa pequena sala de estar quando entro,
revelando a silhueta sinistra do meu pai e Yosef, que já estão lá, esperando
por mim. De repente, a luz se acende e o olhar de descontentamento nos
seus rostos é palpável, me cortando como lâminas afiadas.
Sinto meu coração pesado.
— Isso são horas de chegar em casa? — papai vocifera, e o cheiro
de desespero e amargura parece pairar sobre mim. — Onde você estava?
Por que chegou tão tarde? — ele continua gritando.
— Responde, inútil! — Yosef ordena.
— Hoje é meu aniversário e eu fui patinar um pouco depois do
trabalho — tento explicar, mas as minhas palavras parecem se perder no ar
espesso e carregado da pequena sala de estar.
A verdade é que eles não querem me ouvir, não estão interessados
no que acontece ou deixa de acontecer comigo. Para eles, só importa o
jantar que não está pronto, a comida que não está na mesa.
— Sabe que não gosto de atrasos — papai fala, levando até a boca a
garrafa de cerveja que tem nas mãos. — Dê uma lição nela, Yosef. Eu estou
cansado demais para lidar com essa puta maldita.
— Papai...
Antes que eu possa protestar, Yosef avança sobre mim como uma
fera enlouquecida, seus punhos pesados chovendo sobre meu corpo frágil.
Sinto a dor ardente das pancadas, cada golpe me cortando mais fundo do
que o anterior.
Grito de dor, mas meus gritos são abafados pelo silêncio frio e
implacável da casa.
— Você é uma inútil, Hadassah! Sempre foi e sempre será! — Yosef
rosna, cheio de ódio e desprezo.
As lágrimas inundam meus olhos e eu tento me encolher, uma
tentativa fútil de me proteger dos golpes cruéis. A dor física é intensa, mas
é a dor emocional, a dor de ser menosprezada e maltratada por aqueles que
deveriam me amar e me proteger, é que dilacera meu coração em mil
pedaços.
Quando finalmente Yosef se afasta, me deixando caída e machucada
no chão, sinto uma mistura de raiva e tristeza me consumir por inteiro.
— Some daqui. Não quero olhar pra sua cara.
— Espere! — papai berra. — Preciso de dinheiro — é a única coisa
que diz e Yosef curva o corpo para pegar a minha mochila. Quando tento
impedir, levo um chute no rosto.
Meu irmão abre o zíper e joga no chão tudo que há dentro, inclusive
a carteira de couro marrom que encontrei no metrô. Com um sorriso
sinistro, Yosef se abaixa e a pega, abrindo-a sem cerimônia.
— Veja só o que temos. Hadassah andou roubando um ricaço — ele
fala para o meu pai ao ficar de pé e ir na direção dele.
— Não roubei ninguém — balbucio, o rosto doendo por causa do
chute que ele me deu.
Yosef vasculha a carteira, lendo o nome de Matteo em voz alta e
então, entrega os cartões de crédito e o bolo de dinheiro para o papai, que
parece contente, como se tivesse ganhado na loteria.
— Não sei o que fez, mas muito bem, Hadassah. Finalmente você
está servindo para alguma coisa.
Sinto meus olhos arderem.
— O que ainda está fazendo aqui? Suma! — Yosef ordena e eu
busco forças no fundo do meu ser para ficar de pé. Me arrastando, caminho
para o meu quarto, cuidar dos meus machucados é a única coisa que posso
fazer agora.
Meu coração dói, porque eu sei que nesta casa, neste mundo cruel,
estou sozinha. Sozinha e indefesa contra as marés furiosas que insistem em
me arrastar para baixo.
— Eu poderia matar você, sabia? — minhas palavras cortam o ar
frio da sala e meus olhos se estreitam ao dirigir a atenção para Cesare, que
trouxe o Dr. Donovan até minha casa, desobedecendo minhas ordens diretas
de não o trazer até aqui.
O silêncio se instala por um momento, antes de Cesare quebrar o
vácuo com uma resposta firme. A expressão do meu soldado permanece
séria, mas há uma determinação silenciosa no seu olhar.
— Sim, senhor. Mas, eu estava preocupado com a sua saúde. Não
pude ficar de mãos atadas. Desculpe a minha intromissão.
Uma sensação de frustração borbulha dentro de mim, o que me faz
soltar uma baforada de ar.
— Tem sorte de ser casado e ter dois filhos. — Faço um gesto
impaciente com a mão, indicando para o Dr. Donovan ir embora. Para o
meu desgosto, ele não vai a lugar algum. — Vá embora, estou bem, não
aconteceu nada demais.
Olho para ele com uma expressão de descontentamento se formando
no meu rosto.
— Você não parece bem, Matteo — o Dr. Donovan comenta, a voz
calma e profissional contrastando com a minha irritação. — Você tem
sentido outros sintomas além das enxaquecas?
— Ele quase desmaiou. Não conseguia respirar ou ficar de pé —
Cesare diz e de imediato, lanço um olhar furioso para ele.
Conheço Cesare desde que sou um garoto. Depois da morte da
minha mãe, tio Alberto o colocou na minha cola para vigiar os meus passos,
garantindo que eu permanecesse na linha reta que o Don designou para
mim.
— Foi um caso isolado — retruco.
— Tem tido muitos pesadelos? — Dr. Donovan quer saber. —
Como andam as suas horas de sono?
— Não, não. Não vamos falar sobre essa merda — grunho entre os
dentes.
— Precisamos cuidar disso, Matteo.
Balanço a cabeça em negativa, um suspiro pesado escapando dos
meus lábios e eu acabo afastando o médico com uma das mãos.
— Tem tomado os remédios que eu passei? — ele questiona e eu
fico em silêncio, cerrando os dentes por causa da indignação. — Você
precisa...
— Não — interrompo-o. — Já checamos a minha cabeça como você
quis e não tem nenhum problema com ela. Estou saudável. Não vou morrer
ou algo parecido.
O médico assente, mantendo o olhar fixo em mim.
— Eu sei. Mas, sabemos que o que vem sentindo não é normal.
Você tem enxaquecas e insônia desde que é um garoto. Precisamos tratar
isso da forma correta. Já pensou em conversar com a doutora Hendrix?
Solto uma gargalhada áspera.
— Você quer me matar? — pergunto ao me aproximar do médico.
— Você conhece o meu tio, o que acha que ele faria se sonhasse que estou
indo ver uma psiquiatra? Ele mandaria meter um tiro no meio da minha
cabeça.
O médico mantém um semblante impassível, a expressão
profissional destoando com a tensão palpável que preenche o espaço entre
nós.
— Ele não precisa saber — ele responde calmamente, com uma
tranquilidade que só alimenta minha irritação. — E a doutora Hendrix é
profissional, manterá toda discrição que você precisar.
Outro riso sem humor escapa dos meus lábios.
— Isso não é suficiente, Dr. Donovan. Se eu me encontrar com ela,
tio Alberto mandará matar nós dois. Talvez, nós três, já que foi você quem a
indicou.
O médico engole em seco.
Giro nos calcanhares, afastando-me dele e indo em direção ao
carrinho de bebidas. Agarro uma garrafa de uísque, desenrolo a tampa e
despejo uma dose dupla em um copo de cristal.
— São oito horas da manhã. Não pode continuar bebendo assim
também.
— Vai se foder, é noite em algum lugar — devolvo de maneira
brusca, minha voz áspera e carregada de desdém, em seguida, tomo um gole
da bebida ardente.
Meus pensamentos se voltam para o tumulto emocional que a
música no metrô desencadeou em mim.
Aquela garota...
Quem diabos ela é?
— Você não pode continuar assim, Matteo — dessa vez, é Cesare
quem insiste, preocupado.
Ignorando-o, eu sirvo outra dose, a sensação de alívio temporário
que a bebida me proporciona é um consolo bem-vindo diante do turbilhão
de pensamentos que invade minha mente.
— Você precisa de ajuda, Matteo — o médico volta a falar, um
pouco mais firme do que antes. — Esses ataques de enxaqueca, esses
episódios... eles não vão desaparecer sozinhos.
Uma risada amarga escapa do fundo da minha garganta.
— Realmente acredita que um punhado de pílulas e algumas sessões
de terapia podem apagar tudo o que aconteceu? — questiono, minhas
palavras ecoando com um tom de desespero mal disfarçado. — Não tem
ideia do problema que há dentro de mim, Dr. Donovan.
O médico não responde de imediato, a expressão refletindo a
ponderação enquanto ele busca por palavras adequadas.
— Tem razão, Matteo — finalmente ele responde, a voz soando
deliberada. — Mas isso é um começo.
— Vá embora. Cansei de falar com você e está perdendo o seu
tempo aqui.
O médico parece relutante por um momento, mas acaba cedendo à
minha ordem. Ele murmura algumas palavras antes de se retirar, mas eu mal
presto atenção, meus pensamentos já voltados para outros assuntos.
Cesare acompanha o médico até a porta e o ar ao meu redor suaviza
conforme eles se afastam. Meio minuto depois, Cesare volta e olha para
mim, a expressão aguardando minhas próximas instruções.
— Você é teimoso — fala antes de qualquer coisa. Ergo os olhos
para encará-lo e vejo que está com uma postura impecável, como se não
tivesse acabado de me desafiar com as suas palavras.
— Acabou?
— Sim, senhor.
— Encontre e descubra tudo o que puder sobre a garota do metrô, a
patinadora.
Cesare acena em silêncio, a obediência implícita enquanto ele se
prepara para seguir minhas ordens. Não há dúvida de que ele realizará as
tarefas com eficiência e discrição, como sempre fez.
— E a sua carteira? Encontrou?
— Não. Ligue para o escritório e diga para cancelar os cartões.
— Sim.
À medida que ele se afasta, eu me recosto na poltrona de couro
macio, deixando minha mente vagar pelos acontecimentos da madrugada. A
presença da garota patinadora continua a impregnar na minha mente, uma
intrusão incisiva nos meus pensamentos mais sombrios.
Eu preciso descobrir mais sobre ela, sobre o que a faz tão especial,
sobre o que a conecta a mim de uma maneira que eu não consigo entender.
Alguns dias depois...
Quando embarco no ônibus em direção à cidade de Suncrest[3], no
Alabama, o sol já está se pondo. Me acomodo confortavelmente num
assento ao lado da janela e observo o horizonte de tons laranja e rosa ao
mesmo tempo em que encaixo nos ouvidos os fones que Nina me deu de
presente de aniversário.
Os primeiros acordes da guitarra iniciam “Falling Again”, da
Lacuna Coil e enchem os meus ouvidos, me cercando com a melodia
melancólica.
“Eu fico olhando minha mão, converso com essas linhas. Esta não é
a resposta. Eu choro e agora eu sei. Olhando para o céu, procuro uma
resposta. Tão livre, livre para viver. Eu não sou outra mentira. Eu só quero
ser eu mesma, eu mesma...”
As horas dentro do ônibus se arrastam devagar, o ronco do motor e a
música dentro dos meus ouvidos se misturam com os murmúrios dos
passageiros ao meu redor. Enquanto o ônibus avança pela estrada, meus
pensamentos vagueiam para o motivo pelo qual estou fazendo essa viagem
tão longa e difícil.
Suncrest foi o lugar onde nasci e morei até os dez anos de idade.
Embora as coisas sempre tenham sido difíceis, vivi momentos bons com a
mamãe antes de ela morrer. Nos mudamos para Chicago depois que Zane
foi preso.
Depois que meu primo matou um homem importante, um líder
religioso que tinha influência sobre todos na comunidade, foi difícil ficar na
cidade, porque todos lá viraram as costas para nós.
As pessoas passaram a nos odiar e aos olhos deles, éramos todos
pecadores.
Mas apesar de tudo, Zane é meu primo, meu sangue, e eu o amo.
Mesmo que o papai e Yosef não gostem dele, eu não consigo simplesmente
abandoná-lo. Eu sei que ele fez algo ruim, mas teve suas razões.
E o mais importante, ele ainda é parte da minha família. A única
pessoa que me restou depois que a tia Leona morreu.
Depois de intermináveis horas de ônibus, chegamos em Suncrest, o
ar quente e úmido da cidade traz de volta memórias dolorosas. Essa cidade
era o meu lar, mas agora é estranho, porque parece distante e hostil.
O presídio fica a muitos quilômetros de distância da cidade, por
isso, embarco em outro ônibus que me levará diretamente à prisão onde
Zane se encontra. À medida que nos aproximamos do destino, uma
sensação de apreensão toma conta de mim.
Quando o ônibus para diante dos portões da penitenciária, respiro
fundo, reunindo toda a coragem que existe dentro de mim e me preparo
para ver o meu primo com um sorriso largo, fazendo esforço para deixar
todos os meus problemas para trás.
Ao entrar na prisão, o ar está impregnado com um cheiro áspero de
desinfetante, uma atmosfera sufocante que parece envolver cada centímetro
do lugar. O som dos portões se fechando ecoa pelos corredores e vibra
dentro do meu coração.
A realidade brutal que permeia esse lugar é tão ruim.
Como Zane consegue? Faz nove anos que ele está aqui. Meu Deus,
é tempo demais. É uma vida.
Sou conduzida por um guarda até uma sala pequena, onde outros
dois guardas me revistam meticulosamente, como se estivessem procurando
algo que eu possa ter escondido. As comidas, os itens de higiene pessoal
que trouxe para Zane, minha mochila, tudo é esquadrinhado, cada
compartimento examinado de maneira minuciosa, até que finalmente me
deixam passar.
— Liberada! — um dos guarda fala, a voz tão ríspida e o rosto com
uma expressão de poucos amigos.
— Obrigada — murmuro.
Outro guarda me guia por um labirinto de corredores da prisão até
chegarmos ao local designado para as visitas. Ele parece impaciente e
pouco disposto a qualquer tipo de conversa, mas eu me mantenho calma e
agradeço mais uma vez quando chegamos.
A sala é austera e fria, com mesas de metal e assentos
desconfortáveis. Observo o ambiente com uma sensação de melancolia,
sabendo que esse é o lugar onde meu primo passa seus dias, longe da
liberdade.
Arrumo os alimentos que trouxe em uma mesa, junto com os itens
de higiene pessoal. Compro um refrigerante na máquina automática e volto
para a mesa, onde me acomodo em uma cadeira dura demais, esperando
ansiosa a chegada do meu primo.
Não demora muito para que Zane apareça, escoltado por um guarda.
O seu rosto ainda continua o mesmo, lindo e másculo, com um pouco de
barba por fazer, mas o pescoço e os braços estão marcados por tatuagens,
quase como se contassem histórias macabras e silenciosas da sua vida na
prisão.
São tantas imagens que nem consigo entender exatamente o que são.
Seus olhos encontram os meus e um sorriso tímido se forma nos
seus lábios, iluminando todo o seu rosto. É um sorriso de reconhecimento,
de amor incondicional.
Eu me levanto, sentindo um misto de tristeza e alegria dentro do
meu coração e então, corro em direção ao meu primo e, sem pensar duas
vezes, envolvo meus braços no seu pescoço, apertando-o contra mim, como
se estivesse tentando protegê-lo do mundo cruel que é este lugar.
— O que está fazendo aqui, Hadassah? — ele pergunta ao nos
afastarmos um pouco, e eu noto que há algo em sua mão, revestido por
papel de revista. — Eu disse que não era pra vir me ver. Esse lugar não é
bom pra você.
Dou de ombros.
— Fiz dezenove anos — respondo, lutando para conter as lágrimas
que ameaçam cair dos olhos. — Faz dois dias. Queria te ver pra comemorar.
Papai nunca me trouxe para visitar Zane, mas quando fiz dezoito
anos, passei a fazer visitas recorrentes ao meu primo, mesmo com ele
protestando sobre a prisão não ser um bom lugar para mim.
Ele me abraça de novo, como se esse simples gesto pudesse
confortar meu coração cansado e ferido.
— Vem, olha só o que eu trouxe pra você — digo ao puxar a mão do
meu primo em direção à mesa.
Os olhos de Zane percorrem os itens dispostos sobre a mesa e ele
parece genuinamente surpreso e grato pelo gesto, e isso aquece meu
coração de uma maneira que palavras não podem descrever.
— Creme dental — ele fala ao abrir um sorriso cativante. — Melhor
presente de todos.
Eu rio.
— E uma escova de dentes nova.
— Você é a melhor, Haddie. — Dito isso, meu primo se senta à
mesa, mas não sem antes erguer a mão e tocar a minha cabeça com carinho,
o que me faz gemer um pouco de dor. — O que foi?
— Nada.
— Hadassah.
— Não vamos falar de mim.
Não quero falar para Zane que no dia do meu aniversário Yosef me
deu uma surra, porque ele já tem problemas demais. Meu Deus, meu primo
está preso. Não quero que ele faça outra besteira depois de sair daqui.
— Vou matá-los quando eu sair daqui.
Prenso os lábios com força.
— Para de dizer isso, por favor. Quando você sair daqui vai fazer
algo de útil com a sua vida.
Ele solta uma risada seca.
— Não existe nada de bom para pessoas como eu, Haddie.
— Existe sim. Foi em legítima defesa e aquele homem era horrível.
— É a única que acredita nisso.
— Você não é mau por ter feito o que fez — digo, tentando me
convencer de que Zane é bom, porque ele sempre foi bom para mim.
Meu primo apenas abre um sorriso de lado, mas não fala nada.
— Fez novas tatuagens.
— Sim.
— Não vai me dizer como consegue fazer isso dentro da prisão? —
pergunto com um sussurro ao inclinar o corpo para frente.
Ele ri, dessa vez, é genuíno.
— Não.
Reviro os olhos.
— Como estão as coisas aqui?
— Estou levando um dia de cada vez. Como está tudo lá fora? —
devolve ao erguer uma sobrancelha loira para mim.
Eu hesito por um momento, sem querer preocupá-lo com os detalhes
dos meus problemas. No final, decido ser um pouco sincera, porque ele é o
único com quem eu posso conversar de verdade.
O único em que eu confio.
O meu irmão de outra mãe.
— As coisas não estão fáceis, mas estou me virando.
Ele assente, o sorriso um pouco triste agora.
— Você é uma garota forte.
— Você também. — A fim de mudar um pouco o clima tenso da
minha visita, arrasto o bolo que eu fiz para Zane e o encaro com
expectativa. — Fiz o seu preferido. Coffee cake.
— É seu aniversário. Tinha que ter feito o seu preferido —
resmunga, ainda assim, parece animado e satisfeito. — Fiz um negócio pra
você — emenda, me entregando o pequeno objeto com embrulho malfeito
que tem nas mãos.
— O que é isso?
Ele dá de ombros.
— Abre.
À medida que desfaço o embrulho, prendo a respiração. É uma
pequena escultura de madeira. Uma patinadora delicadamente esculpida,
com traços elegantes e curvas suaves que capturam a essência da dança no
gelo. Seus braços estendidos, como se estivesse prestes a executar um
movimento gracioso.
Pego o pequeno objeto com cuidado, sentindo a textura áspera da
madeira contra os meus dedos.
Zane sempre teve um talento inato para a arte.
Lágrimas começam a se acumular dentro dos meus olhos, mesmo
assim, eu os levanto para encontrar o rosto de Zane.
— É tão lindo.
— Não é nada demais.
— Que bom que ainda continua com as aulas de artesanato aqui.
— Ocupa minha cabeça.
— Obrigada, é perfeito. O melhor presente de todos.
Zane gira os olhos, fazendo-me rir.
— Não exagera.
— Você estava me esperando. Caso contrário, não teria feito isso pra
mim — zombo e mostro a língua para ele. — Então vou continuar vindo
aqui.
— Você é tão teimosa — retruca, mas abre um sorriso puro para
mim. — Deveria ter feito o seu bolo preferido. Não o meu.
— Bem, vamos considerar como um presente mútuo, então —
brinco e parto um pedaço de bolo, colocando uma fatia da guloseima em
um prato e empurro na direção do meu primo.
Ele pega o prato com um sorriso, os olhos brilhando com gratidão.
Sinto um nó se formar na garganta ao ver a expressão de apreciação
no rosto de Zane. Apesar das circunstâncias sombrias, momentos como este
nos lembram da importância de pequenos gestos de amor e cuidado.
— Temos que fazer o melhor possível com o que temos, não é? —
falo, uma tentativa desesperada de ser otimista com a minha própria vida.
Zane concorda, dando uma mordida generosa no bolo e fechando os
olhos momentaneamente, saboreando o sabor familiar.
— Caralho. Isso é bom.
Enquanto observo meu primo desfrutar do bolo, sinto uma mistura
de tristeza e gratidão. Tristeza por nossas vidas serem tão fodidas, mas
gratidão por ainda termos um ao outro, apesar de tudo.
Juntos, nós compartilhamos o bolo, rindo e conversando como se
não houvesse grades de metal separando as nossas vidas. Por um instante,
esquecemos onde estamos e nós somos apenas uma família.
Depois de um tempo, a visita chega ao fim e eu me despeço de Zane
com um nó na garganta e os olhos cheios de lágrimas ácidas. A sensação de
deixá-lo para trás é sempre difícil e dolorosa demais para mim.
— Não venha mais aqui. Não perca seu tempo comigo — ele pede
com um sussurro melancólico.
— Não vou desistir de você — é a única coisa que falo, e então, vou
embora como sempre vou.
Chorando por ter deixado para trás a única pessoa da família que se
importa comigo.
Estamos todos reunidos na sala de conferências da Salvatore's
Sapori d'Italia, a atmosfera sobre nós é tensa e elétrica. O sol brilha através
das grandes janelas que vão do chão ao teto, mas o clima na sala está longe
de ser ensolarado.
Analiso os membros do conselho enquanto esperamos Alberto
Salvatore, o grande chefão, entrar.
Jenna, a responsável pela agência de publicidade, está mexendo em
seu tablet, revisando os dados mais recentes sobre as campanhas
publicitárias da empresa. Do outro lado da mesa, o responsável pela rede de
restaurantes está folheando um relatório, com a expressão séria e
concentrada. Ao seu lado, o representante do canal de compras na televisão
e internet está discutindo algo com Danilo, que além de subchefe do
Império Salvatore, é o herdeiro sucessor do meu tio Alberto.
Sem nos cumprimentar, meu tio se senta à cabeceira da mesa, com a
postura imponente e o olhar penetrante.
— Bom dia, senhor Salvatore — Danilo dispara com um olhar
incisivo para o pai. Os membros na mesa evitam olhar para os dois, ao
contrário de mim, que fico encarando a minha família disfuncional.
Meu tio abre um sorriso forçado.
— Bom dia a todos — o chefão é obrigado a falar, a sua voz soa
com a habitual aura de autoridade. — Como todos sabem, estamos aqui
para discutir a expansão dos nossos negócios.
Alberto começa a falar, a voz grave ecoando na sala silenciosa. Ele
expõe os seus planos de expansão para abrir uma filial da empresa em uma
cidade próxima. Para o conselho, pode parecer apenas uma forma de
crescimento, mas para nós que conhecemos o verdadeiro Alberto, essa
expansão é mais do que apenas aumentar os lucros. É sobre estender nosso
domínio sobre as famílias pequenas.
Danilo examina tudo com um olhar calculista.
Jenna levanta os olhos do tablet, pronta para contribuir com ideias
brilhantes. Ela sempre tentou conseguir a aprovação do tio Alberto e para
ser honesto, eu nunca entendi o porquê disso.
— Senhor Alberto, já tenho em mente algumas estratégias de
marketing para a nova filial. Podemos focar em promoções especiais para
atrair os clientes locais e fortalecer a nossa presença na região.
Alberto assente, considerando a sugestão.
— Excelente, Jenna. Vamos explorar essa ideia mais a fundo. E
quanto a você, Matteo? Como anda o aspecto financeiro da expansão?
Eu respiro fundo antes de responder, sabendo que minha posição
como vice-presidente financeiro da empresa exige que eu forneça
informações precisas e estratégias sólidas.
— As projeções financeiras indicam que a expansão é viável e pode
trazer benefícios lucrativos para a empresa, mas também devemos
considerar os custos envolvidos e os possíveis desafios logísticos e
operacionais. Precisamos garantir que estamos preparados para lidar com
todos os aspectos dessa expansão, desde a contratação de pessoal até a
logística de transporte e distribuição.
Alberto concorda satisfeito com a minha resposta, e a reunião
continua, cada membro do conselho contribuindo com ideias e perspectivas
únicas. Jenna faz anotações ao mesmo tempo em que os debates se
intensificam, e Danilo observa atentamente, absorvendo cada detalhe.
Depois de uma hora e meia, a reunião acaba e todos são
dispensados. Na sala de conferência, ficam apenas Danilo, o tio Alberto e
eu.
— Não falou muito na reunião — Alberto dispara, os olhos
penetrantes fixos em Danilo, que mantém a postura impenetrável diante do
pai.
— Não estou aqui para discordar de você, pai. Estou aqui para
observar e aprender. Em breve, assumirei seu lugar, não é? Serei o Don da
organização e proprietário da empresa. Estou apenas absorvendo todo o
conhecimento que posso para ser o melhor chefe que o Império Salvatore já
teve.
Os dois se encaram por um longo momento e há uma tensão
palpável pairando entre eles. Confesso que há um respeito mútuo, mas
também, uma rivalidade complexa e latente, uma competição silenciosa
pelo poder que sobressai em cada palavra trocada entre pai e filho.
Há muitos segredos também, enterrados profundamente dentro das
paredes da nossa família. A verdade é que cada um de nós tem uma história
com Alberto Salvatore, uma marca indelével da sua influência e controle.
Ele não é um homem que cria alguém e o deixa ileso.
— Claro, você tem razão, filho — tio Alberto devolve, o tom cheio
de autoridade preenchendo a sala de conferência.
Ele se levanta da mesa com uma forma quase teatral, ajustando o
botão do seu terno impecável. Um sorriso desdenhoso brinca nos seus
lábios antes de ele girar nos calcanhares e sair da sala, deixando um rastro
de imponência no ar.
— Acho que ele não ficou muito satisfeito com o que você disse —
comento, levantando-me também, pronto para retornar à minha sala. — O
que foi mesmo? Estou apenas absorvendo todo o conhecimento que posso
para ser o melhor chefe que o Império Salvatore já teve? Está parecendo o
Romeo.
Rindo de maneira sarcástica, Danilo acompanha meu movimento e
se levanta da mesma forma.
— Acha mesmo que ele quer que eu me torne um chefe melhor do
que ele? — ele responde com um sorriso irônico. — Para o meu pai, o
poder sempre será dele. Mas, Matteo, ele está envelhecendo.
— Eu sei.
Danilo balança a cabeça, parecendo perdido em seus pensamentos
por um momento antes de continuar a falar:
— Ainda assim, pra você, meu primo, ele parece estar preparando o
terreno para passar o bastão?
— Há muitos anos escuto essa história e as coisas continuam as
mesmas — digo, fazendo-o assentir.
— Exatamente. Mas, não se engane, Matteo. Nossa vez está
chegando, e precisamos estar prontos para isso.
Anuo, compreendendo a seriedade das palavras de Danilo. Seja
como for, o legado da família Salvatore é algo que pesa sobre nossos
ombros, uma responsabilidade que não podemos ignorar.
— Farei o que for necessário para garantir que estejamos preparados
— afirmo, determinado.
Danilo assente, os olhos brilhando com uma determinação
semelhante à minha.
— Eu também.
Com essas últimas palavras, saímos da sala de reuniões.

Eu estou na minha sala, sentado na cadeira de couro confortável,


observando a cidade agitada através das grandes janelas de vidro, quando
Cesare entra no meu escritório com um ar sério.
Pelo reflexo do vidro, consigo enxergar o seu olhar duro, que me
avisa de que ele tem algo importante para me dizer. Eu me viro para encará-
lo, preparando-me para o que quer que seja.
— O que você descobriu? — vou direto ao ponto que me interessa.
Cesare respira fundo antes de começar a falar, os olhos fixos no
papel marrom que trouxe com ele. Meu soldado abre o envelope e retira as
folhas brancas e abre a boca para começar a ditar as informações.
— O nome dela é Hadassah Zohar.
Hadassah Zohar.
O nome soa como uma melodia suave, fazendo-me sentir
curiosidade sobre essa garota misteriosa que cruzou meu caminho.
— Ela é americana, mas tem descendência israelense.
— Israelense? — repito.
— Sim. O bisavô paterno dela era israelense, veio para os Estados
Unidos quando criança e morreu aqui. — Cesare pigarrei e faz uma
pequena pausa. — Ela tem 19 anos. Nasceu em Suncrest, no Alabama, onde
morou até os dez anos de idade. A mãe morreu quando a garota tinha
apenas oito anos de idade, desde então, ela mora com o pai e o irmão.
Assinto.
— A mãe dela morreu de quê?
— Suicídio.
Fico um pouco surpreso e não tenho nada para falar, então, Cesare
continua a me falar o que descobriu.
— Ela é uma boa patinadora, teve aulas desde os quatro anos de
idade, mas nunca competiu. Não terminou o ensino médio e trabalha como
caixa num supermercado.
Coço o queixo e concordo com um aceno de cabeça.
— O que mais?
— Ela tem um primo preso, que foi visitar ontem no Alabama. Ela é
a única pessoa da família que o visita.
— Qual é a relação deles? — quero saber, de repente, me sentindo
meio incomodado com essa nova informação.
— Ele está na prisão há um pouco mais de nove anos. Hadassah era
uma criança quando tudo aconteceu. Acredito que a relação seja de irmãos.
Não digo nada, mas sem saber o motivo, me sinto um pouco mais
aliviado.
— Ela mora em South Lawndale, na pequena Vila.[4]
As palavras de Cesare vibram na minha cabeça conforme eu
processo as informações. Ele me entrega os papéis sobre o envelope e eu
observo a foto que ele tirou de Hadassah descendo de um ônibus.
Coloco tudo em cima da minha mesa, lendo todas as informações
que ele juntou para mim.
— Esse bairro ainda não é nosso — informo ao erguer as vistas para
Cesare, que assente em silêncio, e há um brilho preocupado em seu olhar.
— O que foi?
— O que o senhor pretende fazer?
— Não sei ainda.
South Lawndale permanece como um território desafiador para
nossa organização, ainda fora do nosso controle devido à presença
dominante de uma gangue latina e seu comércio de drogas na região.
A pobreza é visível em cada esquina do bairro, com muitos
residentes vivendo em condições precárias, em habitações superlotadas e
malconservadas. Os serviços básicos, como educação, saúde e transporte,
são escassos e inacessíveis para a maioria dos moradores.
Além da pobreza, lá tem altas taxas de crimes violentos, incluindo
tiroteios e assaltos. A gangue latina exerce uma influência grande sobre o
bairro inteiro, o que torna difícil para qualquer um se estabelecer na área.
O clima tenso no escritório é cortado pela entrada inesperada de
Jenna, que irrompe na minha sala sem bater na porta.
Cesare, o único presente além de mim, pede licença e depois que eu
autorizo, ele vai embora, me deixando a sós com Jenna. Observo o olhar
curioso dela ao mesmo tempo em que a sua atenção se fixa na foto que
repousa sobre a minha mesa.
A imagem de Hadassah na fotografia desperta a atenção dela, e não
consigo deixar de notar o brilho de ciúmes em seu olhar.
Não posso culpá-la, a garota é linda.
— Procurando uma nova secretária, Matteo? — ela não hesita em
lançar a sua provocação.
A irritação toma conta de mim instantaneamente, e sinto a
necessidade de refrear a raiva que ameaça transbordar. Engulo em seco
antes de responder, mantendo a voz firme:
— Não, Jenna. Não estou atrás de uma secretária. E se estivesse,
isso não diz respeito ao seu departamento.
Minha resposta é dita com um tom gélido, deixando claro que não
tolerarei as suas insinuações. Seu olhar de desafio quase me faz perder a
paciência, mas me controlo, sabendo que não é o momento nem o lugar
para um confronto.
Jenna solta uma risadinha forçada, como se não acreditasse em mim.
— Ah, claro, Matteo. Então, o que você está fazendo com a foto de
uma mulher bonita na sua mesa? Planejando uma nova estratégia de
negócios?
Reviro os olhos, frustrado com a insistência em criar conflitos onde
não existem.
— É uma questão pessoal, Jenna. E como eu disse, não é da sua
conta.
Outra resposta direta e firme, deixando claro que não pretendo
discutir minha vida pessoal com ela. Jenna parece contrariada com minha
resposta, mas decide não pressionar mais, se afastando da mesa e mudando
de assunto abruptamente.
— Vamos jantar hoje à noite. Você e eu.
— Não. Tenho muito trabalho.
Ela estica o pescoço para tentar ler alguma informação sobre a
Hadassah, mas eu pego os papéis e tiro do seu campo de visão, escondendo
dentro da minha gaveta com chave, dando o assunto por encerrado.
— Quero assumir o nosso relacionamento para o seu tio Salvatore
— dispara e lentamente, levanto os meus olhos para Jenna, incrédulo.
— Como é que é?
— Isso que você ouviu. Nós estamos juntos há anos. E não vamos
fingir que eu não sei o que você é. O que vocês são. Tudo bem, estou pronta
para dar esse passo na minha vida.
Deixo escapar uma risada sarcástica.
— Saber o que somos e fazer parte disso, são coisas completamente
diferentes, acredite em mim.
— Não me importo, Matteo. Meu pai e o sr. Alberto Salvatore eram
grandes amigos, ainda tem o meu tio, é claro.
— Meu tio nunca foi amigo de ninguém.
— Para de arrumar desculpas para nós.
— Não existe nós, Jenna! — berro, incapaz de controlar a minha
irritação. — Não existe nenhuma relação entre nós. Apenas sexo, e até isso
você acabou de estragar.
Os olhos dela cintilam por conta das lágrimas e num rompante, ela
ergue o queixo e vira de costas para mim, saindo da minha sala, pisando
duro e batendo a porta mais forte que o necessário.
O ar no supermercado está pesado, carregado de aromas de produtos
de limpeza e comida pronta. Estou quase no final do meu turno, contando
os minutos para ir para casa e me refugiar no conforto do meu pequeno
quarto.
Mas então, algo acontece.
Ao virar num corredor, meu coração dá um salto no peito e uma
onda de calor sobe pelo meu corpo. Lá está ele, Matteo, o homem do metrô,
parado entre as prateleiras, examinando cuidadosamente os produtos.
Uma sensação de pânico misturada com excitação percorre minhas
veias e me deixa sem fôlego.
Meu primeiro impulso é recuar, me esconder atrás das caixas de
cereais, mas algo dentro de mim me incita a ficar onde estou. Talvez seja a
curiosidade, ou talvez seja a esperança de que ele se lembre de mim
também.
Examino-o discretamente, tentando não chamar a sua atenção.
Seu rosto é esculpido como se fosse uma obra de arte, tem barba
bem-feita e sexy, os olhos são claros, um tom de azul chamativo que irradia
mistério. E a sua postura transmite confiança e uma autoridade inexplicável
e da qual não estou acostumada.
Mesmo em meio ao ambiente comum do supermercado, ele parece
estar em seu próprio mundo, isolado do resto de nós.
E é claro, a julgar pelas roupas, ele parece ser alguém de uma classe
social muito mais alta que a minha, mas há algo nele que não se encaixa
completamente nesse ambiente.
Talvez seja a maneira como ele se move, com uma leveza e uma
elegância que contrastam com a simplicidade do local.
Mesmo com todas as minhas preocupações e dores, não posso
deixar de notar como ele é incrivelmente bonito.
Um leve sorriso brinca nos meus lábios.
Mas então, a realidade volta a me atingir. Eu não posso me dar ao
luxo de me envolver com estranhos, especialmente considerando a situação
na minha casa e a minha família problemática.
A dor física da surra que recebi e as palavras duras de meu pai e
irmão ainda estão frescas em minha mente.
O que aqueles dois fariam se soubessem que estou levemente
interessada em um homem como Matteo?
Seria perigoso para ele, porque no fundo, eu sei que meu pai e irmão
não mediriam esforços e fariam de tudo para arrancar dinheiro de alguém
como ele, mesmo que isso fosse me destruir no meio do caminho.
Meus pensamentos são interrompidos quando ele finalmente se vira
na minha direção. Seus olhos azuis profundos encontram os meus por um
breve momento, e sinto meu coração dar outro salto.
Será que ele me reconheceu?
Será que ele se lembra de mim?
Por um instante, o tempo parece congelar, e estamos apenas nós
dois, presos em um olhar intenso. Mas então, ele abre um pequeno sorriso
que ilumina o seu rosto inteiro e faz o meu estômago se contorcer de
nervosismo e expectativa.
— Venha aqui, me ajude — ele ordena.
Com as pernas bambas e as mãos trêmulas, eu me aproximo dele,
sentindo cada batida do meu coração tremer dentro dos meus ouvidos.
Enquanto me movo na sua direção, consigo sentir o aroma dele se enrolar
ao meu redor, mais intenso do que no dia do metrô.
É fresco e revigorante, como o cheiro de chuva no fim de uma tarde
de verão. Calmo e temperado.
Cada passo que dou na sua direção é uma batalha interna entre a
ansiedade e a excitação. Mas, apesar do medo que me consome, algo em
seu sorriso gentil e misterioso me tranquiliza, me fazendo acreditar que
talvez, apenas talvez, eu possa confiar nele.
Ao parar na frente dele, o homem me encara com uma expressão
determinada, mas ao mesmo tempo, é doce, como se esperasse algo de
mim. Minhas mãos ainda tremem e eu faço um esforço para escondê-las
atrás do corpo, tentando disfarçar meu nervosismo com um sorriso
hesitante.
— Oi... Como posso ajudar o senhor? — pergunto, minha voz
soando mais fraca do que eu gostaria.
Seu sorriso se alarga mais um pouco e ele aponta para a prateleira à
nossa frente.
— Eu preciso de uma sugestão. Estou procurando algo para fazer
um jantar. O que me sugere?
Meus olhos se iluminam com a pergunta e um lampejo de excitação
percorre meu corpo. Apesar da minha vida em casa ser complicada, eu
sempre amei cozinhar, embora papai e Yosef não apreciem muito as minhas
habilidades culinárias.
Com um sorriso mais confiante, começo a examinar os itens na
prateleira, pensando em algo que seja simples, mas delicioso.
— Que tal um risoto de cogumelos? É fácil de fazer e sempre
impressiona. Você só precisa de arroz arbóreo, caldo de legumes,
cogumelos frescos, um pouco de vinho branco e queijo parmesão. E, é
claro, temperos como alho, cebola e salsa para dar sabor.
Ele me olha com interesse, parecendo genuinamente interessado na
minha sugestão.
— Parece ótimo — sussurra, a sua voz soa grossa e áspera de um
jeito provocante contra os meus ouvidos. — Vou levar esses ingredientes
então. Me ajude a escolher cada item — ordena.
— Claro.
Afasto-me um pouco para pegar uma cestinha e noto que ele não tira
os olhos de mim. Volto a me aproximar de Matteo e começo a escolher os
ingredientes para o seu jantar, sentindo uma pontinha de curiosidade.
Um homem aparentemente tão rico sabe cozinhar?
E o mais importante, será que ele lembra de mim? Deveria, quase
desmaiou nos meus braços.
Ao acompanhá-lo pelos corredores do supermercado, não posso
deixar de notar o seu olhar fixo em mim, o que me deixa um pouco
desconfortável, mas ao mesmo tempo intrigada.
Enquanto passamos pelos corredores, escolhendo os ingredientes
para o jantar, minha mente está dividida entre o presente e o passado. O
homem ao meu lado parece tão distante daquele momento, com a sua
elegância e charme, mas algo me diz que ele é muito mais do que aparenta
ser.
Chegamos ao caixa e, como ele carrega apenas uma cesta pequena,
me ofereço para passar as compras. Fico surpresa quando ele pega um maço
de cigarros, uma escolha que me parece incompatível com a imagem que
ele transmite.
Sem pensar duas vezes, deixo escapar as seguintes palavras da
minha boca:
— Você não deveria fumar. Talvez seja isso que esteja afetando a
sua saúde — depois de comentar, desvio a atenção para evitar seu olhar
penetrante, o que é quase impossível, porque caio em tentação e o encaro.
Ele estreita as sobrancelhas, como se ponderasse minhas palavras, e
então se aproxima um pouco mais.
— E você está preocupada com a minha saúde por quê? —
pergunta, a voz grave e intrigada faz os pelos do meu pescoço se
arrepiarem.
Engulo em seco, me sentindo um pouco sufocada com a intensidade
do olhar dele.
— Não lembra de mim? Sou a garota do metrô. Você quase
desmaiou e deixou sua carteira cair — falo antes que meu cérebro processe
as palavras.
Ao perceber o que eu acabei de dizer, fico ansiosa e arrependida
também.
Droga.
Será que eu deveria ter mencionado a carteira?
Mas antes que eu possa me desculpar ou explicar, ele me interrompe
com uma expressão séria.
— Então é você quem está com a minha carteira?
Engulo em seco mais uma vez, sentindo o peso da minha confissão.
Meu coração parece martelar no peito, e a ansiedade toma conta de mim ao
mesmo tempo em que tento encontrar as palavras certas para explicar a
situação.
— Estava, mas fui roubada. Vou devolver o dinheiro que tinha nela.
Eu prometo, só me dê alguns dias. Por favor — começo a implorar, olhando
nos olhos dele em busca de compreensão e, também, por perdão, embora
ele não saiba que foi minha família que o roubou.
De longe, percebo o olhar reprovador do meu chefe, que já está
impaciente com a minha conversa prolongada com um cliente. Sei que
preciso encerrar essa conversa o quanto antes ou serei demitida, mas não
posso deixar as coisas sem resolução com Matteo.
— Sinto muito por isso. Vou fazer o possível para recuperar o que
foi perdido — acrescento rapidamente, direcionando um sorriso nervoso a
ele.
— Não precisa se preocupar com isso. É apenas dinheiro — fala
tranquilamente ao colocar as compras na sacola de papel.
Fico surpresa com a calma dele diante da situação e sou incapaz de
conter a minha incredulidade.
— Sério?
Ele ergue os cílios para mim, e por um momento, me perco na
profundidade do seu olhar azul penetrante e lindo. Uma sensação
arrebatadora me invade quando nossos olhos se encontram, e
involuntariamente umedeço os lábios, capturada pela sua presença
magnética.
— Sim — ele responde, o tom de voz suave e tranquilizador. Um
sorriso quase imperceptível brota nos seus lábios enquanto acrescenta: — E
sim, eu lembro de você. Tem um rosto lindo demais para ser esquecido.
As palavras dele ressoam na minha mente, me deixando atônita e
não consigo formular uma resposta adequada. Observo quando ele se afasta,
me deixando sozinha no caixa, com o coração acelerado e uma torrente de
pensamentos tumultuando minha mente.
A troca de palavras, embora tenha sido breve entre nós, consegue
deixar uma marca permanente em mim, alimentando uma sensação de
expectativa e incerteza em relação ao que o futuro poderia me reservar.
Será que um dia eu vou vê-lo de novo?
Depois que Matteo vai embora, os minutos se arrastam como horas
e eu luto para manter a concentração no caixa do supermercado.
Cada som de moeda que cai na registradora, parece ecoar como um
martelo dentro da minha cabeça, me lembrando da vida que eu levo e das
minhas obrigações que me prendem aqui.
Finalmente, o relógio marca o término do meu turno. Com um
suspiro de alívio, me despeço dos meus colegas e dou um abraço em Nina,
e então, corro para fora do supermercado.
Meus pés voam pelas ruas movimentadas até chegar ao ponto de
ônibus e eu consigo alcançar o coletivo momentos antes de ele partir.
Depois de pagar minha passagem, escolho um assento próximo à janela e
me acomodo, observando o mundo passar embaixo do céu tingindo de tons
alaranjados pelo pôr do sol.
Gosto de dias como hoje. Apesar de ser um pouco difícil acordar
mais cedo que o normal, sair no final da tarde me dá tempo para aproveitar
a pista de patinação, meu refúgio secreto.
Toda vez que o ônibus faz uma curva, eu sinto um peso sendo
levantado dos meus ombros.
Depois de uns vinte minutos, chego à escola de patinação e
cumprimento o dono, um homem gentil que sempre simpatizou comigo.
Com um sorriso, ele me dá permissão para usar o rinque de gelo.
Nosso acordo é que mediante a um pequeno pagamento mensal,
depois que todos os outros patinadores vão embora, eu posso usar o local à
vontade.
Não tenho um professor como os outros alunos, nem um horário
tradicional de treino. Mas isso não importa. Aqui, na solidão da pista de
gelo, sou livre para dançar ao som da minha própria melodia.
Depois de colocar a minha música para tocar nos alto-falantes, eu
troco de roupa e amarro os meus patins. Sinto um arrepio de euforia
percorrer por todo o meu corpo ao ouvir a música ecoando alto.
Esta é a minha chance de escapar dos meus problemas, das minhas
dores, de voar livremente pela pista, longe das preocupações e
responsabilidades do mundo.
Entro na pista de patinação, o som dos meus patins deslizando pelo
gelo e repercutindo no ambiente vazio. Aqui é um lugar familiar para mim,
um abrigo onde posso me perder nos meus pensamentos e sentimentos mais
profundos.
Ao som de "Save Me" do Remy Zero, eu me deixo levar pela
música, cada batida ressoando dentro da minha alma. Deslizo pela pista, os
movimentos fluindo naturalmente, como se fossem uma extensão do meu
ser.
É como se o gelo se fundisse com a minha essência, criando uma
conexão única entre o meu corpo e a mente.
“Alguém me salve. Não me importa como você o faça. Apenas fique,
fique, vamos lá. Eu estava esperando por você.”
Por incrível que pareça, dessa vez, não cometo nenhum erro. Todos
os meus passos, as minhas piruetas, cada giro é executado com precisão e
graciosidade. Sinto-me em êxtase, perdida na música e na dança, como se
eu pudesse tocar as estrelas com os dedos.
Enquanto me movo pela pista, não consigo evitar de pensar em
Matteo.
No encontro inesperado no supermercado, no seu rosto, na sua voz,
na sua presença forte e enigmática... ele ocupa meus pensamentos de uma
maneira que não consigo explicar.
É como se ele fosse parte integrante da música que ressoa dentro da
minha cabeça, uma nota dissonante que me faz querer conhecê-lo melhor.
Mas conforme eu danço, sei que nossos mundos são completamente
diferentes.
Ele é rico.
E eu?
Eu sou apenas uma garota toda quebrada, tentando encontrar meu
lugar no mundo.
É uma distância que parece intransponível, mas mesmo assim, não
posso deixar de sonhar com aqueles olhos azuis intensos.
À medida que a música continua a tocar, eu me deixo levar pelo
ritmo, entregando-me completamente à dança.
Por um breve momento, eu me esqueço de tudo ao meu redor,
perdida na beleza e na liberdade que encontro na pista. E ao deslizar pelo
gelo, sei que, mesmo que apenas por esse instante, sou livre de verdade.

Quando chego em casa depois da minha sessão de patinação, uma


sensação de apreensão se instala contra o meu peito assim que ponho os pés
para dentro do apartamento.
Ainda é cedo, mas a sala está iluminada pela luz amarelada das
lâmpadas e vibra com o som das vozes de homens.
Um leve susto percorre meu corpo quando vejo meu pai, meu irmão
e o dono do prédio junto com mais dois homens desconhecidos sentados ao
redor da mesa de centro da sala com cartas espalhadas diante deles.
A cena me faz revirar o estômago.
Evitando cruzar o olhar com o dono do prédio, que me observa com
os olhos predadores, tomo uma respiração profunda e antes que possa
caminhar em direção às escadas e ir para o meu quarto, sou interrompida
pela voz de Yosef,
— Hadassah, vá preparar algo para nós comermos — ele ordena,
com sua voz áspera e autoritária que eu conheço tão bem.
Sem ousar questionar ou protestar, apenas assinto e com passos
rápidos, eu atravesso a sala em direção à cozinha, me desviando habilmente
dos homens reunidos em torno da mesa de pôquer.
Já na cozinha, a sensação de impotência me oprime, no entanto, não
posso fazer nada além de começar a preparar a refeição para os homens. O
som das cartas sendo embaralhadas na sala ecoa como uma batida constante
dentro dos meus ouvidos, lembrando-me da vida injusta que eu levo.
Enquanto corto os vegetais com precisão, me pego pensando na
mamãe.
Eu nunca a culpei por ter decidido pôr fim à sua própria vida. Na
verdade, compreendo-a melhor do que ninguém. As surras implacáveis e o
desprezo cruel do papai foram demais para ela suportar.
Eu sempre tento acreditar que de alguma forma, ela encontrou a paz
que lhe foi negada nesta vida de tormento.
Sinto algumas lágrimas escaparem dos meus olhos, mas respiro
fundo e pisco com força, tentando mantê-las no lugar.
Quero ser forte.
Preciso ser forte.
Eu preciso.
Minha mente começa a vaguear para lembranças dolorosas do
passado. A imagem da minha mãe, com seus olhos tristes e seu sorriso
cansado, tudo sobre ela surge na minha cabeça, como um espectro que me
assombra mesmo nos momentos mais mundanos.
Mas, ao mesmo tempo em que a compreendo, também me espanta a
perspectiva de seguir os seus passos.
Será que eu, um dia, sucumbirei à pressão avassaladora da minha
vida cruel?
Será que um dia perderei a vontade de lutar e simplesmente
desistirei de tudo?
Será que vou aguentar?
Uma última lágrima solitária escorre por minha bochecha, traçando
um caminho doloroso pela minha pele.
Respiro fundo, tentando conter as emoções tumultuadas que
ameaçam transbordar de dentro de mim. Quero ser forte, quero resistir, mas
às vezes parece que toda a vida conspira contra mim, me empurrando direto
para o abismo.
Ainda assim, seguro firme a faca e continuo a cortar os vegetais,
decidida a não permitir que as sombras do passado ofusquem a minha
vontade de sobreviver e encontrar minha própria luz no fim do túnel escuro
que é a minha vida.
Depois de alguns minutos, com um suspiro resignado, termino de
preparar a refeição e a sirvo na mesa da sala, onde meu pai, irmão e os
outros homens continuam seu jogo de pôquer, alheios ao fardo que eles
impuseram sobre mim.
Por fora, mantenho uma expressão impassível, mas por dentro, o
fogo da determinação continua a queimar, alimentando minha esperança de
um futuro melhor, mesmo que pareça impossível à primeira vista.
Enquanto sirvo a comida, uma mão repugnante e indesejada se
atreve a passar pela minha cintura, descendo até a minha bunda, invadindo
meu espaço pessoal de maneira vulgar e indecente.
Assustada, olho para o lado e vejo o dono do prédio. Ele sempre foi
um homem repulsivo e dominador, com um sorriso desagradável no rosto.
— Não me toque — peço com a voz trêmula e sinto a vista embaçar,
mas ele apenas começa a rir, enquanto meu pai e irmão parecem
desinteressados na cena, que observam sem o menor indício de preocupação
ou repreensão.
Não me surpreende. Eles nunca me defenderam, não começariam
agora.
Sinto meu coração se apertar de dor e indignação diante da completa
falta de proteção e respeito por parte do homem que deveria ser meu
guardião.
Engulo em seco, lutando contra as lágrimas que ameaçam inundar
meus olhos, e, sem dizer uma palavra, viro-me abruptamente e saio
correndo da sala.
Subo as escadas e me tranco no meu quarto e, enfim, libero as
emoções que vinham se acumulando dentro de mim. As lágrimas caem
quentes e pesadas, ao mesmo tempo em que os soluços de dor ressoam pelo
cômodo.
Sinto-me tão impotente e sozinha, é como se estivesse aprisionada
em um mundo onde minha dignidade e meu direito à segurança são
constantemente violados.
No silêncio sufocante do meu quarto, desejando desesperadamente
por um refúgio seguro onde possa encontrar paz e proteção contra as
injustiças cruéis do mundo que eu vivo, eu começo a pensar:
Será que preciso seguir o mesmo caminho da mamãe para
encontrar a minha salvação?
Depois de pagar minhas compras, caminho até o meu carro no
estacionamento a céu aberto, carregando a sacola de papel comigo. Ao
alcançar o veículo, deposito-a com cuidado no banco do passageiro.
Com um movimento suave, abro um pouco a janela do carro,
permitindo o ar fresco da noite entrar, enquanto acendo um cigarro,
deixando o fumo se misturar à brisa do começo do fim da tarde.
Enquanto espero o fim do expediente de Hadassah, minha mente
começa a divagar, perdida em pensamentos sobre a imagem doce dela,
dançando na pista de patinação, despertando uma curiosidade intensa e uma
sensação inexplicável de conexão dentro de mim.
Conforme o cigarro queima lentamente entre os meus dedos,
observo o movimento ao meu redor, me deixando levar pelo silêncio. A
espera é tediosa, mas a expectativa de vê-la outra vez é suficiente para
manter minha atenção aguçada e meu interesse vivo.
O sol está se pondo quando ela sai do supermercado, meio agitada.
Devagar, eu a sigo com o carro até o ponto de ônibus e a observo entrar no
veículo. Acompanho o ônibus, me sentindo confuso, ainda assim, algo me
impulsiona a continuar a seguindo.
Minha curiosidade é aguçada ao vê-la descer em frente à escola de
patinação. Estaciono o carro e decido segui-la, mantendo uma distância
segura para não chamar atenção.
Eu a espero entrar primeiro no prédio e me mantenho do lado de
fora, espreitando discretamente.
Uma parte de mim sabe que deveria ir embora. Mas outra parte,
mais instintiva, me diz para ficar.
Respiro fundo antes de seguir seus passos e entrar de maneira
sorrateira na escola de patinação, me mantendo nas sombras da
arquibancada ao mesmo tempo em que a busco com os olhos.
Não demora muito para a melodia de "Save Me" preencher o
ambiente, e logo avisto Hadassah entrar na pista de patinação. Os seus
movimentos são leves, quase hipnóticos, e por um momento eu me perco na
beleza dela.
Uma onda de fascínio me envolve e sou incapaz de desviar o olhar
dessa garota. É como se uma sensação estranha se apoderasse de mim, mas
sinto que há algo mais por trás da dança de Hadassah.
Ela parece tão vulnerável e ao mesmo tempo tão forte, como se
estivesse lutando contra algo que nem mesmo eu consigo entender. Um
aperto no peito me assola, uma sensação de que ela está pedindo socorro de
alguma forma, mas não sei ao certo do que se trata.
A presença dessa garota frágil exerce uma espécie de fascínio sobre
mim, e por um momento, eu esqueço de todo o treinamento que meu tio me
ensinou sobre manter as emoções sob controle.
Sinto uma inquietação crescer dentro do meu peito e uma parte de
mim deseja entrar e oferecer ajuda, mas como ajudá-la se eu sou tão
fodido?
Permaneço ali, admirando, tentando decifrar os enigmas que
envolvem Hadassah. Não sei por que estou tão intrigado por ela, mas algo
me diz que não posso simplesmente deixá-la ir.
Talvez, no fundo, eu também esteja procurando por algo, alguma
conexão que preencha o vazio dentro de mim.
De repente, Hadassah para de dançar e olha ao redor, como se
sentisse minha presença, mas não me vê nas sombras onde me escondo. Um
calafrio percorre minha espinha enquanto ela retoma os seus movimentos.
Depois de quase uma hora, Hadassah deixa a pista de patinação. Sou
incapaz de desviar a atenção dela quando se afasta, e sinto uma sensação de
urgência se instalar dentro do meu peito.
Com os olhos, eu a acompanho discretamente até o ponto de ônibus
e só então, entro no meu carro. Vejo-a entrar no veículo mais uma vez e a
sigo até vê-la descer perto do prédio onde mora.
Quando ela entra no prédio e some do meu campo de visão, uma
onda de alívio e ansiedade se misturam dentro de mim. É como se um peso
tivesse sido tirado dos meus ombros, mas ao mesmo tempo, uma sensação
estranha aperta meu coração.
Com um último olhar na direção da entrada do velho prédio, me
permito relaxar um pouco antes de pisar no acelerador e me afastar. As ruas
de Chicago passam rapidamente ao meu redor, mas a sensação estranha
persiste, como uma sombra me seguindo.
Não faço ideia do que está acontecendo com Hadassah ou comigo.
Por que sinto essa necessidade urgente de protegê-la?
Talvez seja porque nunca consegui proteger minha mãe.
O sentimento de impotência que experimentei naquele dia, quando
fui obrigado a seguir as ordens do tio Alberto, ainda ecoa dentro de mim,
alimentando essa necessidade de cuidar de Hadassah, mesmo sem conhecê-
la.

Quando entro na mansão Manzini, tenho a mesma sensação familiar


e estranha de sempre.
Esta casa foi o lar dos meus pais e não consigo reprimir as
lembranças que vivem aqui, mesmo assim, agora, depois de tantos anos, ela
parece ter perdido um pouco do seu antigo esplendor e a sinto cada vez
mais vazia.
Faz uns cinco anos que voltei a morar aqui. Tio Alberto não gostou,
é claro. Ele queria me ver debaixo das suas asas, por perto, para poder me
controlar.
Mas este lugar ficou abandonado por anos. E ficar aqui é uma forma
de me sentir conectado com os meus pais, por mais que sinta que não
mereço esse tipo de coisa.
Depois que meu pai morreu, todos os homens da família Manzini
foram para o controle de Alberto Salvatore. E então, meu tio arrastou a
mamãe e eu para viver com ele.
Essa casa ficou abandonada por anos, mas ainda assim, é a minha
casa.
Domênica, a governanta que trabalha aqui há anos, é a primeira a
me receber. Os olhos se arregalam de surpresa ao me ver com as sacolas de
compras, uma reação compreensível, considerando que não costumo fazer
compras de supermercado.
— Matteo, você fez... compras? — ela pergunta, o rosto cheio de
curiosidade.
— Precisava de algumas coisas para casa — respondo, tentando
parecer o mais casual possível, embora eu saiba que ela está curiosa para
saber o motivo por trás dessa mudança na minha rotina.
Domênica assente, mas sei que ela não vai desistir tão facilmente,
porque ela é muito sagaz e sempre atenta a todos os detalhes e
acontecimentos na mansão.
Caminho pela casa, passando pelos corredores e pelas salas vazias, e
ela me segue. Ao chegar à cozinha, deixo as sacolas sobre a bancada e
começo a guardar os mantimentos, apesar de não ter a mínima ideia se
estou guardando nos lugares certos.
— Eu faço isso, menino — Domênica me interrompe com um
sorriso gentil e eu acabo me afastando. — Você quer comer risoto de
cogumelos?
Dou de ombros.
— Talvez.
— Eu fiz espaguete à bolonhesa, mas posso preparar um risoto
agora mesmo.
Nego com a cabeça.
— Outro dia.
— Você me parece diferente.
Solto uma baforada de ar.
— Não faça isso. Não fique me analisando.
Ela balança a cabeça de maneira positiva.
— Tudo bem.
— E como está a minha menina? — questiono, paralisando minha
governanta por alguns segundos.
— Alimentada.
Abro um meio sorriso.
— Depois de tantos anos, você ainda não gosta dela?
— Calíope me dá medo — é a única coisa que ela fala e eu solto um
meio riso sarcástico. — Não podia ter um gato ou um cachorro de
estimação?
Bato os nós dos dedos na bancada de mármore e nego com a cabeça
em resposta, e então, caminho pela mansão até chegar à sala de estar, onde
está o terrário de vidro de Calíope, minha cobra píton de sangue de
estimação.
Ela é uma das poucas companhias que tenho nesta casa solitária,
mas há algo reconfortante na presença silenciosa dela.
Abro a porta do terrário e me deparo com Calíope, enrolada
confortavelmente em seu canto. Ela me encara com os olhos penetrantes,
como se pudesse ler meus pensamentos.
— E aí, garota? — murmuro, estendendo a mão para acariciar a sua
cabeça. Calíope se contorce ligeiramente, apreciando o toque familiar.
Alguns minutos depois, Domênica aparece atrás de mim,
observando com uma expressão indecifrável. O seu medo de Calíope
sempre foi uma fonte de entretenimento para mim.
A cobra pode parecer intimidante à primeira vista, mas ela é
inofensiva, desde que você saiba como lidar com ela.
— Ela ainda é uma cobra, Matteo. Não importa o quanto você a veja
como um animal de estimação — Domênica murmura, o que me faz abrir
meio sorriso. Já estou acostumado com a sua aversão à minha companheira
reptiliana.
— Calíope é tão inofensiva quanto um gatinho, Domênica. Você
deveria tentar conhecê-la melhor. Acredito que seriam grandes amigas —
respondo, sem me deter na minha interação com a cobra.
Acaricio Calíope por mais alguns momentos antes de fechar o
terrário e me virar para encarar minha governanta.
Domênica ainda parece desconfortável, mas não diz mais nada
enquanto eu a deixo na sala de estar e subo as escadas em direção ao meu
quarto.

Meu coração bate descontrolado contra o peito e os meus olhos se


abrem para a escuridão do quarto. Sinto a minha respiração áspera e
ofegante, e o suor escorre pela minha testa, encharcando os lençóis da
cama.
Um arrepio percorre minha espinha ao relembrar os detalhes vívidos
do sonho, que agora parecem tão reais quanto a minha própria vida.
As imagens ainda estão vivas dentro da minha cabeça, como se
tivesse acontecido há apenas alguns segundos. Hadassah dançando na pista
de gelo, tão graciosa e livre, enquanto a música ressoa nos meus ouvidos.
A visão dela me trouxe uma sensação estranha de conforto, mas
logo tudo se transformou em um pesadelo do qual não consegui escapar.
De repente, eu me vejo como uma criança, a arma pesada e fria
contra a minha mão, apontada na direção da minha mãe. O rosto dela
expressa tristeza, uma imagem queimada na minha cabeça desde aquele dia.
E então, sob o comando do meu tio Alberto, aperto o gatilho,
selando o destino dela com um único disparo.
O cheiro de pólvora ainda paira no ar e meus olhos se enchem de
lágrimas involuntárias. Eu posso sentir o peso do remorso pressionando
meus ombros, mesmo depois de tantos anos.
Ainda remoendo o terror do pesadelo, faço um esforço para voltar à
realidade. A luz fraca do quarto me faz perceber que são três horas da
manhã e sinto a solidão da noite envolver a mansão com um abraço gélido.
Por um momento, me permito afundar no colchão outra vez, as
lembranças dolorosas martelando implacavelmente contra a minha cabeça.
Deixo escapar um suspiro longo e profundo, em seguida, eu me
arrasto para fora da cama, os músculos tensos e a mente turva. Tento
recuperar o controle sobre a minha respiração acelerada, e também,
entender a presença de Hadassah no meu sonho.
A presença dela torna tudo diferente, mais perturbador.
O barulho vindo do andar de baixo me faz franzir o cenho, e eu
acabo seguindo em direção à sala de estar.
Ao chegar no cômodo, sou surpreendido pelo som abafado de
garrafas sendo movidas e o odor azedo de álcool no ar. Romeo, meu primo,
está debruçado sobre a adega, revirando as garrafas em busca de algo que
console a sua agonia.
Seu rosto está marcado por cortes e contusões, evidências claras de
uma briga recente. Eu o observo por um momento, deixando que a
preocupação se manifeste em minha expressão.
— O que aconteceu com você?
Ele se vira para mim, os olhos injetados de sangue e a respiração
pesada. Está na cara que ele já bebeu mais álcool do que deveria.
— Briguei com o velho — responde ele, cheio de raiva contida. —
Acho que ele ainda vai me matar.
Uma sensação de desconforto se instala em mim. Todos nós temos
uma relação conturbada com Alberto Salvatore, isso nunca foi um segredo,
mas as brigas parecem estar se intensificando cada vez mais.
Principalmente entre esses dois.
— Não vamos deixar isso acontecer. Até lá, Danilo já estará no
controle de tudo.
Sem dizer mais nada, Romeo volta a atenção para a adega,
parecendo querer se afogar nas bebidas para escapar dos próprios demônios
internos. Acabo concluindo que não há muito que eu possa fazer por ele,
exceto estar presente, mesmo que em silêncio.
— Não vim aqui pra conversar. Só quero beber e ficar em paz.
Respiro fundo e decido deixá-lo em paz, sabendo que a relação
complicada com o Alberto Salvatore é um fardo de que teremos que
carregar.
O despertador toca, me arrancando de forma abrupta dos meus
sonhos.
Solto um suspiro, relutante em deixar o conforto da minha cama. Os
primeiros raios de sol começam a espreitar pela janela do quarto.
Levanto-me com um bocejo, espreguiço-me e tento afastar o
cansaço do sono. Ainda me sinto grogue e um pouco desorientada, mas sei
que não posso me dar ao luxo de ficar na cama por mais tempo.
Após um banho rápido e colocar um uniforme limpo dentro da
minha mochila, desço as escadas até o andar de baixo, me preparando para
enfrentar mais um dia na rotina cansativa do supermercado.
No entanto, sou recebida por uma cena que me faz revirar o
estômago.
A casa está uma bagunça, com copos e garrafas vazias espalhadas
por toda parte, resultado da noite de jogos que meu pai teve com os amigos
e Yosef. O cheiro de cigarro está impregnado no ar, se misturando ao odor
de álcool, criando uma atmosfera sufocante e repugnante.
Ao ver a desordem ao meu redor, uma onda de frustração e raiva
ameaça transbordar de dentro de mim. Um nó se forma na boca do meu
estômago com a lembrança do nojento dono do prédio passando a mão na
minha bunda durante a noite passada.
Tenho vontade de gritar, mas eu me contenho, porque de nada
adiantará.
Ninguém vai me ajudar.
Sem pensar duas vezes, começo a limpar superficialmente a casa,
recolhendo as garrafas vazias e jogando-as no lixo. Passo um pano úmido
sobre as superfícies sujas, tentando afastar a sujeira e o caos que parece se
espalhar por toda parte.
Depois de terminar a limpeza da sala de estar, me dirijo à cozinha,
onde a pilha de louça suja na pia parece interminável. Começo a lavar os
pratos e talheres, esfregando com força para tentar apagar as lembranças
desagradáveis da noite passada.
Ao lavar a louça, uma sensação de tristeza assola o meu peito.
Esta não é a vida que eu desejava para mim, mas é a única que
conheço. Preciso ser mais forte do que isso. Preciso resistir. Sobreviver.
Quando termino, olho ao redor e vejo que a casa está em ordem,
pelo menos aparentemente. Respiro fundo, tentando encontrar algum tipo
de calma interior antes de sair pela porta da frente e enfrentar mais um dia
de trabalho.

— Vai me contar quem é o bonitão de ontem? — Nina questiona


com um brilho travesso nos olhos ao mesmo tempo em que colocamos os
nossos uniformes no vestiário do supermercado.
Dou de ombros.
— Ajudei ele no metrô outro dia e sei lá, ele veio parar aqui pra
fazer compras. Pura coincidência.
Nina sibila.
— Coincidência? — retruca e força um riso. — Não mesmo.
Homens daquele tipo não fazem compras em supermercados como o nosso.
Acho que nem mesmo com um ano de salário nesse lugar a gente consegue
comprar um sobretudo igual aquele que ele estava usando ontem.
Começo a rir.
— Consegue sim... um falsificado.
Com os cotovelos, Nina me empurra as costelas e nós duas rimos
mais ainda, e eu faço esforço para esconder as minhas dores.
Nunca contei a ela que meu pai e irmão costumam me bater, é
humilhante demais. São tipos de problemas que você não quer que os outros
saibam. Família é quase sinônimo de união e amor.
Mas, a minha veio toda errada.
Trocamos um olhar sorrateiro e depois, nós seguimos para os nossos
respectivos postos no caixa. Enquanto passamos pelos corredores, notamos
uma movimentação estranha perto do dono do supermercado.
Não demora muito para eu reconhecer Matteo, conversando com o
dono à medida que percorrem os corredores.
Um arrepio se move pela minha espinha ao vê-lo ali novamente, tão
perto de mim outra vez.
O que ele está fazendo aqui?
E qual é a sua conexão com o dono do supermercado?
Nina olha para mim, notando a minha expressão tensa. Com um
sorriso provocativo, ela sussurra:
— Coincidência, huh?
Engulo em seco, tentando controlar as emoções. Mordo o lábio
inferior ao observar a cena diante de mim.
Lanço outro olhar para Nina, dessa vez, nervoso. Eu sei que algo
está acontecendo, mas não faço ideia do que seja.
Aos poucos, Matteo e o dono do supermercado se afastam,
desaparecendo pelos corredores. Meu coração acelera e sem saber o porquê,
sinto meus lábios esticarem num sorriso pequeno.

O dia no trabalho é agitado, com boatos correndo pelos corredores


como fogo se espalhando. Todos estão falando sobre a possível venda do
estabelecimento, e Nina e eu não somos exceção, ainda estamos
preocupadas com o que isso pode significar para nós.
Desde que vi Matteo conversando com o dono no corredor, não
consigo tirar a ideia de que ele pode ser o novo proprietário.
Não posso negar que ele é absolutamente lindo e misterioso, mas a
presença dele aqui no meu local de trabalho tem algo de intimidante, algo
que me deixa muito inquieta.
À medida que o dia chega ao fim, eu me sinto cada vez mais aflita.
Quando finalmente me despeço de Nina e saio da loja, tenho a sensação
incômoda de estar sendo observada.
Olho em volta, mas não vejo ninguém conhecido. A rua está calma,
apenas algumas pessoas passando apressadas pelo caminho.
Com o coração batendo mais rápido, sigo em direção ao metrô e vou
direto para casa, tentando ignorar a sensação de que algo estranho está
acontecendo ao meu redor. Caminho pelas ruas movimentadas de Chicago,
me mantendo atenta a cada som e movimento.
A ideia de ser seguida ou observada mexe com meus nervos, e a
imagem de Matteo surge repetidamente dentro da minha cabeça.
Por que não paro de pensar nele?
Qual é o meu problema?
Depois de quase quarenta minutos, eu chego no prédio onde moro.
Subo as escadas e ao chegar no meu andar, prendo a respiração ao ver o
senhorio no corredor, em frente à minha porta.
Sinto meu coração disparar e uma sensação de apreensão se mistura
com o medo, assolando o meu peito ao vê-lo se virar na minha direção.
Odeio o sorriso sinistro que ele abre para mim.
Forço o caroço no meio da garganta a descer, meu corpo tenso de
antecipação.
— Ora, ora, se não é a garotinha bonita do apartamento trezentos e
dois.
— O que o senhor quer?
— Conversar com o seu pai sobre o dinheiro que ele perdeu ontem
pra mim — diz, e as palavras soam como flechas afiadas, cortando o ar com
uma ameaça velada. — Mas acho que ele me deu um bolo.
Meu estômago se revira de ansiedade.
— Não deveria apostar dinheiro com o meu pai. Ele não tem
condições de pagar nada.
O velho ri em deboche.
— Isso não é problema meu. Eu só sei que alguém vai ter que arcar
com as consequências.
Cruzo os braços na altura dos seios de forma protetora.
— Não tenho dinheiro para pagar.
Os olhos doentios dele descem pelo meu corpo, deixando um rastro
de arrepio tenebroso pela minha pele.
— Sabe, Hadassah? Quando se trata de você, por incrível que
pareça, eu não estou interessado em dinheiro. Posso aceitar outro tipo de
pagamento.
Minha cabeça gira em desespero no momento em que ele se
aproxima de mim, as suas intenções claras demais. O cretino me agarra com
força, a mão suja e áspera alcançando o meu braço. É automático, meu
corpo inteiro se enrijece, inundando cada fibra do meu ser.
Não posso permitir isso.
Não posso deixar que ele me machuque ou me humilhe desse jeito.
Recuo instintivamente, horrorizada, mas ele insiste e tenta me beijar
à força. Com uma explosão de energia, consigo me soltar do seu aperto
repulsivo.
— Você é um nojento.
— Seu pai me deve e alguém vai ter que compensar isso.
— Talvez, mas não eu. Você não tem direito sobre mim.
Ele abre um sorriso cínico, como se soubesse de coisas que eu não
sei.
— Do jeito mais difícil, você vai aprender que sim.
Sem esperar por outra investida dele, eu corro para dentro do
apartamento, trancando a porta atrás de mim. Meu corpo treme de medo e
raiva enquanto eu me afasto.
Como uma idiota, as lágrimas começam a escapar dos cantos dos
meus olhos. Mesmo trancada em casa, eu não me sinto segura.
Algum tempo depois...
O jantar na mansão Salvatore é sempre uma cena peculiar.
A pompa e a ostentação contrastam com a tensão implícita que paira
no ar. Estamos todos sentados à mesa, Danilo e Martina, Giovanni, Romeo
e a tia Eleonor, todos reunidos como se fôssemos uma família normal.
Mas, eu sei muito bem que somos tudo, menos isso. Estamos longe
de sermos normais. Ou algo próximo disso.
As coisas por aqui são sempre tensas, especialmente quando o
implacável Alberto Salvatore está presente.
E é claro que hoje não é exceção.
Observo o Don lançar olhares cortantes na minha direção, como se
pudesse sentir a minha insubordinação mesmo antes de abrir a boca.
— Matteo, meu sobrinho... — tio Alberto diz, a voz cortando o ar ao
nosso redor com uma autoridade fria e calculada.
Aqui vamos nós.
Levanto os olhos para encontrá-lo, preparado para o confronto que
sei que está por vir.
— Eu ouvi falar sobre suas recentes atividades. Fiquei bastante
curioso. Você fez uma compra arriscada recentemente. Um supermercado
de bairro, é isso? O que tem em mente?
Todos na mesa param de comer, observando a cena em silêncio. Não
é segredo que a palavra "arriscada" é apenas uma gentileza de Alberto
Salvatore. Se ele quiser, pode tornar a minha recente compra um total
fracasso.
— Sim, é verdade — admito, não havendo razão para negar os fatos.
— Usei parte da minha herança para investir em um novo empreendimento.
Meu tio parece não gostar da minha resposta direta, mas não há nada
de errado nisso. Não que ele possa provar, pelo menos.
Os seus olhos se estreitam, me avaliando como um predador analisa
a sua presa. O Don não gosta de ser mantido no escuro e ele tem total razão,
ele é o chefe dos chefes. Mas a verdade, é que o incomoda pra caralho o
fato de eu ter feito algo sem a sua autorização.
— E por que não me consultou sobre isso? O dinheiro que investiu
poderia ter sido útil para nossos negócios — retruca, soando duro e áspero.
Respiro fundo, mantendo minha compostura.
— O valor que paguei no supermercado é irrisório, tio Alberto.
Além do mais, é um negócio pessoal. Não se preocupe, não afeta em nada a
Salvatore's Sapori d'Italia ou a organização.
— Veremos, Matteo. Veremos — ele murmura e desvia o olhar de
mim, ponderando por um momento.
Para mim, isso é quase uma vitória.
Martina e a tia Eleonor começam a conversar, uma tentativa
desesperada de amenizar o clima. E é lógico que eu me sinto distante,
mergulhado nos meus próprios pensamentos.
Alberto Salvatore pode ser o chefe, mas eu não vou deixá-lo
controlar cada aspecto da minha vida.
Depois do jantar, nos reunimos na sala de estar da mansão Salvatore,
onde o clima é mais descontraído e informal. O aroma suave de vinho paira
no ar, enquanto meus primos e eu nos acomodamos nos sofás confortáveis.
Danilo não demora para trazer à tona o assunto do novo negócio que
eu adquiri.
— Então, primo, o que te levou a comprar um supermercado de
bairro?
Olho para ele, ponderando sobre a melhor forma de responder. A
verdade é que nem eu mesmo sei ao certo o motivo por trás da minha
decisão impulsiva.
— Para ser honesto, Danilo, ainda estou tentando entender.
Martina, que está ao lado de Danilo, me lança um olhar de
curiosidade.
— Mas por que um supermercado? Se fosse um restaurante eu teria
entendido. Só que um supermercado? Não faz o menor sentido.
Suspiro, buscando as palavras certas para explicar.
— É uma longa história.
Os olhares de surpresa surgem nos rostos deles, e sei que estão
curiosos para saber mais. No entanto, hoje, eu não direi absolutamente
nada.
Não tenho a menor intenção de permitir que meu tio Alberto sequer
sonhe que estou meramente interessado em uma garota como Hadassah, que
vive em um mundo completamente diferente do nosso.
Se ele descobrir, certamente fará de tudo para usar isso contra mim.
Ou pior, poderia manipular a situação para machucá-la.
Por isso, mantenho minhas palavras guardadas, mantendo Hadassah
a salvo do alcance nefasto da família Salvatore.
— Deve ter alguma mulher envolvida — Giovanni simplesmente
fala, num tom de sarcasmo.
Martina enruga o nariz e faz uma careta engraçada ao retrucar:
— Jenna não vai gostar de saber disso.
Eu simplesmente dou de ombros, preferindo não alimentar as
especulações.
— Então realmente foi uma mulher? — Romeo questiona ao
levantar uma sobrancelha curiosa para mim.
Com um meio sorriso, balanço a cabeça em concordância, sem
entrar em detalhes.
— Quem sabe...
Dito isso, eu os deixo questionando, mas decido não revelar mais
nada. Desvio o olhar para a minha taça de vinho e respiro fundo.
Algumas coisas são melhores se mantidas em segredo.
O murmúrio no supermercado é evidente desde o momento em que
chego para o trabalho. A notícia se espalhou como fogo em palha seca: há
um novo dono.
Todos os funcionários estão agitados.
Fomos instruídos a chegar mais cedo para uma reunião, e assim eu o
faço. Ao entrar na pequena e abafada sala de reuniões, sinto o peso da
tensão no ar. Mas, apesar do espaço limitado, cada um de nós está curioso
para descobrir mais sobre o novo proprietário.
Não tenho dúvidas de que é ele.
Matteo Manzini Salvatore.
Quando ele finalmente entra na sala de reuniões acompanhado de
outro homem, e se apresenta, meu coração dá um salto descompassado.
Seus olhos encontram os meus por um breve momento, e uma
inexplicável conexão parece se formar entre nós. Sinto meu peito apertar
mais ainda e a minha respiração fica ofegante, apenas por encarar um
homem tão bonito como ele.
Ele abre um pequeno sorriso caloroso e confiante, o que faz minhas
bochechas queimarem.
Nina me cutuca com o cotovelo.
Mais uma vez, os olhos azuis de Matteo se fixam em mim e eu não
posso evitar a sensação estranha de nervosismo e curiosidade.
Ele é tão imponente, como se fosse o senhor de tudo.
Não consigo desviar os olhos de Matteo, mesmo quando ele começa
a falar sobre as suas expectativas e planos para o supermercado. É como se
estivéssemos conectados de alguma forma.
Sinto como se a sua presença exercesse um magnetismo sobre mim
que eu não consigo entender.
Enquanto Matteo continua falando, minha mente se dispersa, e só
consigo me concentrar na intensidade de seu olhar sobre mim.
O que isso significa?
Por que ele está me encarando assim?
A reunião passa como um borrão, e quando termina, me sinto
aliviada por poder sair do pequeno espaço sufocante. Mas a sensação de que
os olhos de Matteo ainda estão sobre mim permanece, me deixando
perturbada e intrigada ao mesmo tempo.
Estou prestes a sair da sala e sou interceptada pelo segurança de
Matteo, que pede que eu fique. O tom de voz dele é firme, mas não
ameaçador. Forço um sorriso e assinto, dando alguns passos para trás.
Ao ficarmos sozinhos na sala de reuniões, sinto um arrepio percorrer
a minha espinha. Demoro um pouco para ter coragem de erguer os olhos e
encará-lo, mas quando o faço, tenho a sensação de poder enxergar o oceano.
— Como posso ajudar o senhor?
— Quero conversar um pouco mais sobre o funcionamento do
supermercado — ele diz, a voz rouca e controlada, mas os olhos brilhando
com uma intensidade que me faz estremecer.
— Ah, claro.
Sinto-me um pouco desconfortável sob seu olhar penetrante, mas
tento manter a compostura.
Ele faz algumas perguntas sobre as condições de trabalho, mas eu
percebo que a atenção está em outro lugar. Os olhos azuis profundos
parecem buscar algo mais em mim.
Alguma coisa que não está relacionado ao supermercado.
— E as horas extras? Você costuma trabalhar muitas delas? — ele
quer saber, mas seu tom sugere que ele não está realmente interessado na
resposta.
Começo a me perguntar por que ele está tão interessado nesse
assunto, quando os olhos repentinamente se fixam em meu braço.
Sinto a sua atenção pesar sobre mim e é automático, eu me lembro
do hematoma que escondi debaixo da manga.
— O que é isso? Você se machucou?
Meu corpo enrijece e a pergunta me pega de surpresa. Mas não
posso deixar que ele perceba que estou desconfortável. Rápido, eu disfarço,
movendo meu braço para fora da sua visão.
— Não foi nada, apenas um pequeno acidente no trabalho — digo
uma mentira, tentando manter a voz firme.
Apesar da minha tentativa de esconder a verdade, sei que ele nota a
minha reação. Matteo continua me olhando por um momento, os olhos
azuis estudando cada detalhe do meu rosto, como se estivesse tentando
decifrar um enigma.
Eu me sinto exposta diante dele, vulnerável e desconcertada.
— Acidente de trabalho? Quem machucou você?
Minha respiração fica entrecortada.
— Se isso é por causa da sua carteira, eu disse que posso pagar. Eu
não sei quanto tinha dentro dela, mas eu posso resolver isso. Por favor.
Matteo semicerra os olhos para mim, inclinando a cabeça levemente
para o lado, me analisando com cuidado.
— Já disse que não me importo com o dinheiro.
Concordo com um aceno de cabeça, desesperada para me afastar
dele. Não quero ter que falar que os machucados em mim são por causa das
surras que recebo do papai e do Yosef.
Não quero me expor tanto.
Aqui, no supermercado, quero ser uma garota normal, mesmo que
seja de mentirinha.
— O senhor ainda precisa de mim?
— Não. Pode ir.
Respiro fundo e me afasto, saindo da sala quase correndo. Uma
sensação de inquietação se instala no meu peito, me fazendo perguntar o
que ele realmente quer de mim.
Será que vai fazer da minha vida um inferno por causa da sua
carteira?
Ah, droga. Eu preciso do dinheiro desse trabalho. Como vou pagar o
aluguel se ele resolver descontar tudo?
Merda.
Merda.
Me ferrei.

Assim que entro na sala de estar, noto que algo está errado.
Papai, Yosef e o proprietário do prédio estão reunidos, com
expressões sombrias estampadas nos rostos, enquanto conversam em um
tom baixo. Duas malas grandes estão posicionadas no pé da escada e meu
coração começa a acelerar conforme eu tento entender o que está
acontecendo.
Sem dizer uma única palavra, o senhorio se aproxima de mim e
agarra meu braço com firmeza, como se eu fosse uma mercadoria a ser
negociada. Tento me soltar, mas a sua aderência é rígida.
Antes que eu possa falar algo, sinto um golpe certeiro contra o meu
rosto. Caio no chão, atordoada e confusa, com o gosto de sangue na boca.
Papai e Yosef permanecem em silêncio, desviando o olhar, sem
vontade de protestar contra a brutalidade do velho nojento.
— O que está acontecendo? — pergunto, minha voz trêmula de
medo e confusão. — O que eu fiz?
Ninguém me responde, mas o senhorio volta a segurar o meu braço,
apenas para apertar com força e me fazer gemer de dor, e então, me
empurra com violência contra o chão de novo, com o único intuito de
mostrar quem é que manda.
— Você agora é minha — o cretino informa, os olhos escuros me
encarando com ganância.
Com a voz áspera, meu pai decide falar, articulando palavras que me
deixam tremendo de medo e incredulidade.
— Vá com o Juan Miguel. Agora, você pertence a ele, Hadassah.
As palavras alcançam os meus ouvidos e eu sinto como se uma
pedra caísse no meu estômago.
Eu pertenço a Juan Miguel? Como assim?
— O quê? — balbucio.
— Você se casará com ele.
— Pai...
Ele me ignora.
— Minha dívida está paga, minha filha é sua — papai fala, cortando
o meu coração. — Estamos quites.
Eu me sinto desmoronar por dentro, meu mundo virando de cabeça
para baixo em um instante. As lágrimas escorrem pelo meu rosto ao
perceber que meu pai acabou de me vender.
Sinto meu coração se partir em mil pedaços e observo o meu pai
entregar minha liberdade nas mãos de Juan Miguel, o meu novo monstro. O
meu novo dono. A sensação de desamparo e desespero me consome tanto,
que nem consigo me forçar a ficar de pé.
— Papai... por favor — imploro entre os soluços, mas ele nem
sequer me encara. Desesperada, lanço meus olhos até o meu irmão,
buscando uma centelha de compaixão na sua expressão dura. — Yosef... eu
prometo obedecer mais. Por favor, não deixa ele me levar.
— Pare de chorar! — o senhorio ordena ao entrelaçar os dedos em
volta do meu braço, a sua pegada como a de um predador capturando a
presa. Ele me puxa contra o próprio corpo e um arrepio de repulsa percorre
minha espinha. — Vai fazer tudo o que eu mandar agora e terá uma vida...
razoável.
Cada palavra que ele profere é como uma sentença, uma
confirmação de que minha liberdade foi roubada e minha vida entregue nas
mãos cruéis de um homem sem escrúpulos.
Eu agora pertenço a Juan Miguel, e não há nada que eu possa fazer
para mudar isso.

Meus passos vacilam quando cruzo a soleira do apartamento


decadente na cobertura do prédio. O cheiro de mofo e desinfetante me
atinge como um soco e meu coração martela no peito com uma mistura de
medo e desespero.
Juan Miguel, o monstro, segue à minha frente, indiferente ao meu
desconforto.
As malas são lançadas sem cerimônia em um quarto pequeno e
escuro, que mais se assemelha a uma cela. A sensação de confinamento se
intensifica quando os homens de Juan me seguram com força, me
prendendo contra a parede áspera.
Sinto o ar escapar dos meus pulmões e meu corpo tremer de medo.
— Não, por favor, não façam isso — minha voz sai em um sussurro
trêmulo e suplicante.
Mas, é em vão.
As minhas súplicas caem em ouvidos surdos.
Com brutalidade implacável, eles tentam colocar uma tornozeleira
eletrônica em mim, uma corrente que simboliza minha prisão. Meus punhos
batem ferozmente contra os seus corpos, só que é inútil.
Minha resistência é apenas um eco solitário.
— Não! — explodo em um grito angustiado. — Não vou usar isso!
— minha resistência é feroz, meu corpo se contorcendo em uma tentativa
desesperada de escapar das garras deles.
No entanto, a força dos homens contra mim é avassaladora, e todos
os meus esforços são em vão.
De repente, um golpe atinge meu rosto, seguido por outro e mais
outro. A dor lateja em cada fibra do meu ser, mas ainda assim, eu me recuso
a ceder. Não vou permitir que me prendam como um animal, marcada e
controlada.
Depois que eles se afastam de mim, tento tirar a tornozeleira
eletrônica do meu pé, fazendo os homens rirem.
— Não tem como fugir de mim.
— O que você quer?
— Que seja minha mulher, é claro. A mulher que vai esquentar
minha cama, que vai cuidar da minha casa e me dar muitos filhos — Juan
Miguel fala, simplesmente, e só em pensar em ter filhos com ele, tenho
vontade de vomitar. — Não há mais saída pra você, Hadassah, a não ser,
fazer tudo o que eu quero.
O impacto das palavras cruéis do senhorio reverbera contra o meu
peito, me enchendo de repulsa e pavor. Ainda atordoada pelo choque da
situação, tento processar as informações, lutando para conter o tremor em
minha voz.
— Não...
A despeito da minha resistência, Juan Miguel avança contra mim, a
expressão se tornando ainda mais ameaçadora. Sinto meu coração acelerar,
a adrenalina inundando minhas veias enquanto recuo instintivamente.
— Você vai fazer o que eu mandar, querida — ele sussurra de
maneira sinistra. — Ou vai se arrepender muito.
O medo se insinua nas minhas entranhas, mas ao mesmo tempo,
uma chama de raiva queima dentro de mim.
— Você será minha esposa — informa, os olhos me encarando com
desafio. — A partir de hoje, essa é a sua nova casa. E eu, o seu novo dono.
Dito isso, ele sai do quarto junto dos seus homens, me trancando por
fora. Lágrimas escorrem pelo meu rosto e eu começo a me debater no chão
frio e sujo, a dor pulsando em cada parte do meu corpo.
Com um esforço tremendo, eu tento me levantar, sentindo cada
músculo doer e protestar contra o movimento. A tornozeleira eletrônica
pesa em meu tornozelo como uma corrente invisível.
Envolvo meus braços ao redor do corpo, tentando me proteger do
frio que permeia o ambiente. As paredes parecem se fechar ao meu redor,
me sufocando com a presença opressora.
Como eu vou sair daqui?
Como vou fugir desse homem?
A ausência da Hadassah no supermercado é um detalhe que não
passa despercebido por mim.
Desde que a vi pela primeira vez, algo nela despertou minha
curiosidade de uma maneira que eu não consigo explicar completamente.
Talvez seja o semblante inocente e determinado, não sei.
Mas, essa garota tem ocupado meus pensamentos de uma forma
avassaladora e perigosa.
Ao receber a informação do Cesare sobre o suposto resfriado dela,
ergo uma sobrancelha, cético.
Hadassah não parece o tipo de mulher que cederia facilmente à
doença. Há algo mais por trás disso, algo que não se encaixa no quebra-
cabeça que é Hadassah.
Ordeno ao meu soldado que mantenha um olho vigilante sobre o
prédio onde ela reside, mas as notícias que ele traz não são reconfortantes.
As coisas estão calmas demais, e essa quietude só aumenta minha
inquietação.
Será que ela está apenas se escondendo, ou algo mais sinistro está
em jogo?
Ou talvez esteja apenas tentando se manter afastada, com medo do
que possa acontecer se continuar cruzando meu caminho?
Enquanto meus dedos traçam os contornos do copo de uísque nas
minhas mãos, várias perguntas enchem a minha cabeça. Não consigo
ignorar a sensação de que algo está prestes a acontecer.
— O senhor está preocupado com a garota? — Cesare pergunta. —
Quer que eu faça algo a respeito?
Não posso negar que estou preocupado com ela, mesmo que não
queira admitir para mim mesmo.
— Será que ela descobriu algo sobre o senhor? — meu soldado
insiste e eu dou de ombros.
— Não faz diferença. O que ela pode fazer contra mim? — disparo,
debochado.
— O senhor tem razão.
— A ausência dela não é algo que eu possa simplesmente ignorar —
murmuro, mais para mim mesmo do que para Cesare. É como se minha
mente se recusasse a descansar enquanto Hadassah permanecer um mistério
para mim.
Cesare assente, compreensivo, mas a sua expressão sugere uma
preocupação velada. Ele sabe tão bem quanto eu que até mesmo os
pequenos detalhes podem desencadear eventos imprevistos.
— Talvez seja mesmo um resfriado — ele sugere, mas o seu tom de
voz carece de convicção.
— Talvez — concordo, embora minha mente esteja ocupada com
teorias mais sombrias.
— Nunca vi o senhor interessado em uma mulher como está nela.
Um leve sorriso irônico surge nos meus lábios diante do comentário
de Cesare.
Ele está certo em parte, raramente me interesso por alguém a ponto
de dedicar meu tempo e energia para investigá-la. No entanto, Hadassah
não é uma mulher comum.
— Ela é diferente e desafia as minhas expectativas.
— Estarei atento às nossas fontes e contatos. Se houver alguma
movimentação, serei o primeiro a informá-lo — meu soldado promete.
— Ótimo.
Cesare se afasta para cumprir o seu dever e uma sensação
inquietante assola o meu peito.
De repente, Jenna irrompe pelo escritório com a sua típica energia
contagiante, exalando entusiasmo. Ela traz consigo um sorriso largo e uma
aura de confiança que muitas vezes me irrita mais do que eu gostaria de
admitir.
E especialmente hoje, não estou com paciência para lidar com o seu
otimismo exagerado.
— Matteo, tenho algumas ideias sobre o supermercado. Acho que
podemos transformá-lo em um verdadeiro sucesso — ela declara, a voz
enchendo o espaço com uma determinação que eu não pedi.
Reviro os olhos discretamente, já prevendo onde essa conversa vai
levar.
Jenna sempre teve uma tendência a se intrometer em assuntos que
não lhe dizem respeito, especialmente quando se trata dos meus negócios.
Mas hoje, não estou com disposição para lidar com a sua perspicácia
excessiva.
— Jenna, não estou interessado nas suas ideias sobre o
supermercado. Eu o comprei por motivos pessoais, não para transformá-lo
em um projeto conjunto nosso — respondo, mais afiado do que pretendia.
Ela parece surpresa com a minha resposta direta, mas o sorriso
persiste, como se a recusa apenas a incentivasse ainda mais.
— Mas, Matteo... você sabe que eu posso ser uma grande aliada nos
negócios. Tenho experiência e visão estratégica que podem ser úteis para
você — a mulher insiste, ignorando minha falta de interesse.
Suspiro, cansado da sua insistência. Jenna pode ser uma ótima
parceira em muitos aspectos, mas há momentos em que sua determinação
beira o irritante.
— Nós sempre fomos uma bela dupla — continua, apoiando os
braços sobre a minha mesa, evidenciando o decote. — Não acha
interessante trabalharmos juntos nisso?
Encaro Jenna com uma expressão impassível, embora por dentro
minha irritação esteja alcançando um novo patamar.
Respiro fundo antes de responder, mantendo minha voz firme e
controlada:
— Não.
Ela parece desapontada, mas não desiste facilmente.
— Pense em todo o potencial que poderíamos explorar juntos.
Prometo ser uma parceira imbatível — insiste, inclinando-se ainda mais
para perto de mim.
Ignoro a provocação óbvia e mantenho meu tom frio e objetivo:
— Jenna, você tem suas tarefas e responsabilidades aqui na
empresa. Concentre-se nelas e não tente ultrapassar os limites. Isso é tudo.
Ela recua, claramente descontente com a minha recusa, mas
finalmente se afasta da mesa. Se há algo que não preciso neste momento, é
lidar com os jogos de poder e sedução de Jenna.
— Nossa, que mau humor.
— Se não tiver mais nada a acrescentar, sugiro que me deixe em
paz. Tenho assuntos mais urgentes para tratar — dou um fim à conversa,
esperando que ela entenda a minha posição e se retire.
Os lábios de Jenna se curvam num sorriso desafiador ao mesmo
tempo em que ela endireita os ombros, como se estivesse pronta para uma
batalha que sabe que não irá vencer.
Ela assente, como se concordasse com minha ordem para sair, mas
antes de se retirar, lança as últimas palavras na minha direção.
— Sabe que não vou desistir de você, não é Matteo? Nunca.
A sua voz é suave, mas firme, as palavras ressoam no meu escritório
por alguns instantes antes que ela finalmente se afaste, me deixando
sozinho com meus pensamentos.
Por um momento, eu me sinto incomodado com a intensidade da sua
promessa, mas logo deixo de lado qualquer preocupação em relação a ela.
Jenna pode ter as suas ambições, mas não tem poder o suficiente para
interferir na minha vida.
É apenas tola demais para acreditar que sim.
Estou há dois dias trancada nesta cobertura decadente, presa como
um pássaro em uma gaiola. As paredes empoeiradas e os móveis velhos do
senhorio me cercam como guardiões implacáveis.
Cada minuto aqui parece uma eternidade e a sensação de
claustrofobia só aumenta com as batidas descompassadas do meu coração.
Minha mente está turva devido às lágrimas incessantes que derramei
desde que fui trazida pra cá. O frio que permeia o ambiente penetra até os
meus ossos, me deixando trêmula e vulnerável.
E a dor, essa é constante, seja física, seja emocional.
Tive que ligar para o trabalho e inventar uma desculpa sobre um
resfriado. Não foi difícil mentir, porque a minha voz tremia de tanto chorar.
Eu não podia pedir socorro a ninguém, porque Juan Miguel é perigoso
demais.
Depois de alguns dias de confinamento forçado, a coragem começa
a crescer dentro de mim como uma chama tênue em meio à escuridão. Ergo
a cabeça e tomo a decisão de pedir para voltar ao trabalho.
O simples ato de pronunciar as palavras é como caminhar sobre
brasas, mas sei que é necessário.
Minhas esperanças são rapidamente esmagadas quando recebo um
tapa doloroso em resposta ao meu pedido. O rosto lateja com a dor física,
mas é o golpe à minha dignidade que mais fere.
O que eu podia esperar de um monstro como ele?
— Como ousa me pedir isso? Seu lugar agora é aqui.
— Eu só queria... — murmuro, mas no instante em que ele lança um
olhar cruel para mim, eu fico em silêncio, incapaz de terminar a minha
frase.
— Você só queria? Você não tem direito de querer nada. Você é
minha propriedade agora, entendeu?
— Por favor, eu preciso...
— Precisa? — ele me interrompe com um sorriso cínico. — Você
precisa aprender a sua posição aqui. E a sua posição é fazer exatamente o
que eu mandar, quando eu mandar. Sem questionamentos, sem hesitação.
Compreendeu?
— Sim.
Em um último esforço para encontrar uma brecha na minha pressão,
eu imploro para que pelo menos me deixe pegar meus pertences e acertar as
contas no supermercado. E é claro que eu recebo outro tapa, uma punição
cruel pela minha ousadia de insistir.
— Por que você é tão teimosa? O que tem de tão importante lá?
Um dos homens de Juan Miguel começa a falar sobre o novo
proprietário do supermercado, insinuando que eu estou dando para algum
ricaço.
O senhorio me encara.
— Seu pai disse que você é virgem — rosna, torcendo os lábios. —
Se eu descobrir que ele mentiu, você, seu irmão e o seu paizinho vão
morrer.
Honestamente, eu ainda não sei o motivo de ele não ter tocado em
mim. Talvez esteja apenas se divertindo comigo, como se eu fosse um
ratinho indefeso.
— Eu sou virgem — murmuro com os olhos marejados, sem
entender o porquê de estar tentando provar alguma coisa a esse imbecil.
Juan Miguel assente.
— Sobre o novo dono... quanto dinheiro ele tem?
— Eu não sei.
Juan faz um estalo com a língua, visivelmente desconfiado, os olhos
me perfurando com intensidade. Sinto um arrepio percorrer a minha espinha
conforme a sua expressão se torna mais séria.
— Comece a falar se não quiser apanhar, querida — ordena e uma
onda de pavor me atinge.
Meu coração dói ao pensar em Matteo e em toda a confusão e perigo
que eu posso levar para ele. Mas que escolha eu tenho? Não posso protegê-
lo se nem mesmo sei como fazer isso comigo mesma.
Respiro fundo, tentando controlar a torrente de emoções que ameaça
me dominar, e começo a falar, escolhendo cada palavra com cautela,
sabendo que qualquer deslize pode ter consequências terríveis para mim.
— Acho que muito. Ele se veste bem e sempre anda com um
segurança.
Juan Miguel abre um sorriso malicioso.
— Interessante... parece que podemos ter uma oportunidade aqui de
conseguir um bom dinheiro. Muito bem, minha Hadassah. Você pode ir
buscar as suas coisas no supermercado. Mas lembre-se, eu estarei de olho
em você.
— Sim, senhor.
Com o corpo tenso e passos rápidos, eu saio do prédio. O homem de
Juan Miguel me segue de perto, seus olhos severos cravados em mim, como
se estivesse me vigiando a cada movimento.
No fundo, sei que não posso tentar nada de errado, não enquanto ele
estiver por perto.
Caminhamos em silêncio até o seu carro, onde ele se acomoda no
banco do motorista e eu no banco do passageiro. A tensão no ar é quase
palpável, sufocante, e eu me esforço para controlar o tremor nas minhas
mãos, enquanto o homem liga o carro e seguimos em direção ao
supermercado.
Durante todo o trajeto, a presença opressora dele parece pesar sobre
mim, como se estivesse me lembrando constantemente de quem está no
controle da situação. Não posso deixar de me sentir acuada, mesmo que
tente disfarçar minha inquietação.
Ao chegarmos ao supermercado, ele estaciona o carro e me lança
um olhar severo antes de falar:
— Não se atreva a tentar nada, entendeu?
— Entendi.
Com os dedos nojentos, ele agarra o meu queixo e o projeta para
cima, verificando se escondi bem os meus machucados.
— Deveria ter passado mais maquiagem.
Cerro os dentes e fico em silêncio, controlando a vontade de cuspir
contra o seu rosto.
— Se tentar alguma gracinha, não hesitarei em te trazer de volta
para ele.
— Eu sei.
Com um movimento brusco, ele solta o meu queixo.
— Não quero ter problemas por sua causa. Juan está de olho em
você, e eu estou de olho em você. Não me dê motivos para usar força bruta.
Solto uma risada sarcástica.
— Como se precisasse de algum.
Sinto um calafrio percorrer minha espinha quando vejo o
movimento da mão dele na minha direção. Encolho-me contra o banco, me
preparando para receber o golpe. No entanto, ele não vem.
Ergo lentamente os cílios, encontrando o rosto do homem, e me
surpreendo ao ver que ele parece ter recuado.
— Vai logo. Não temos o dia todo.
A voz dele corta o silêncio do carro, áspera e impaciente, exigindo
que eu me mova.
Tremendo, eu desço do carro e caminho na direção do
supermercado. A dor latejante do meu corpo é ruim, mas a sensação da
pequena liberdade faz meu coração acelerar que nem louco.
Sinto medo e dor em cada passo que dou. E tenho a sensação de que
vou desmoronar.
Sob o olhar do homem de Juan Miguel que me segue, como uma
sombra sinistra, eu entro no estabelecimento. Fico aliviada ao perceber que
ele permanece no carro, embora observe meus movimentos de longe, pronto
para intervir a qualquer momento.
Atravesso o supermercado apressada, desviando dos olhares
curiosos dos clientes e dos meus colegas de trabalho. Agradeço
mentalmente por não ver Nina, não sei se conseguiria mentir para ela.
Meus passos são rápidos e determinados ao me dirigir aos fundos do
estabelecimento, onde sei que posso encontrar uma saída.
Ao me deparar com a porta dos fundos, meu coração martela
descompassado contra o peito. Empurro-a com força, sentindo um alívio
momentâneo quando ela cede sob a minha pressão.
Eu tremo inteira ao tentar me livrar da tornozeleira eletrônica, mas
ela está presa de maneira tão firme que é impossível tirá-la.
Sem perder tempo, eu saio para a rua e vejo um ônibus se
aproximando e, sem pensar duas vezes, corro na sua direção. Minha mente
está turva, meu corpo exausto, mas a vontade de escapar desse pesadelo é
mais forte do que eu.
Minhas pernas estão queimando quando entro no ônibus.
— Por favor, senhor... eu não tenho dinheiro pra pagar a passagem,
mas preciso sair daqui. Por favor, me deixe ficar — sussurro com a voz
embargada de choro.
Por um momento agonizante, ele parece ponderar sobre o meu
pedido, os olhos me estudando com uma expressão indecifrável.
— Sinto muito, senhorita, mas sem passagem, não posso deixar
você entrar.
Minha esperança começa a desvanecer e eu sinto um nó de
desespero se formar no meio da minha garganta. De repente, uma voz suave
e solidária interrompe o silêncio ao meu redor.
— Não se preocupe, eu pago a passagem dela.
Surpresa e gratidão inundam meu peito quando me viro para ver
quem fez a oferta generosa. Uma mulher de meia-idade, com um sorriso
gentil nos lábios, estende a mão para entregar o dinheiro ao motorista.
Meus olhos se enchem de lágrimas.
— Muito obrigada... eu... não sei como agradecer.
Com o coração pesado e a mente turva, me permito afundar em um
dos assentos, evitando a janela. Em silêncio, eu começo a chorar, pedindo à
Deus uma solução e é então, que eu lembro o que minha mãe fez para fugir
da vida com o meu pai.
Eu sei o que devo fazer.
Essa é a única maneira de escapar desse pesadelo, de deixar para
trás essa vida de sofrimento de uma vez por todas.
No fim, acho que esse sempre foi o meu destino.
O único jeito de escapar de Juan Miguel.
Escapar do meu pai.
Escapar do Yosef.
Escapar das surras.
Escapar de tudo.
Chegou o momento de romper com as correntes que me aprisionam
e finalmente encontrar a paz que me foi negada por tanto tempo.
É hora de tomar o controle da minha própria vida, mesmo que isso
signifique sacrificá-la.

O sol já se pôs quando eu chego à Ponte DuSable.[5]


Devagar, eu me movo pela multidão e é estranho como as vozes
murmurantes parecem distantes, como se estivessem abafados pelo peso
dos meus próprios pensamentos.
A ponte se estende diante de mim, majestosa e imponente, as
estruturas de aço e concreto contrastando com o fluxo sereno do rio abaixo.
O vento gelado mordisca minha pele exposta e balança meus
cabelos à medida que eu caminho pela passarela. Ao chegar até a beira, eu
paro os meus pés. Ao meu redor, a cidade continua a sua rotina, indiferente
ao tumulto interno que me consome.
Passantes curiosos lançam olhares de soslaio, alguns até param para
observar, mas eu os ignoro, meu foco está fixo apenas no rio à minha frente.
Respiro fundo e me agarro às grades de proteção, sentindo a dureza
do metal sob minhas mãos trêmulas. Meu coração bate tão rápido, que meus
ouvidos doem.
Existe tanto medo pulsando dentro de mim, mas eu sei que não
tenho outra escolha.
Olho para baixo, observando as águas do rio. Elas parecem
convidativas, como se me chamassem para um abraço final. Um suspiro
escapa dos meus lábios enquanto me preparo para dar o último passo.
Ergo os olhos para o céu cinzento, buscando uma resposta que sei
que nunca virá.
Vai ser aqui, neste lugar de passagem entre o que foi e o que poderia
ser, que vou dar um fim ao meu sofrimento.
Com os dedos brancos de tensão, me agarro ainda mais às grades,
sentindo as lágrimas ameaçarem cair.
Não há mais volta agora.
É hora de deixar tudo para trás.
A brisa gélida corta minha pele, mas eu mal a sinto. Tudo o que
consigo pensar é na liberdade que me aguarda além das águas abaixo de
mim. Cada segundo que passa, o peso da minha existência se torna mais
insuportável, me empurrando na direção do abismo.
Fecho os olhos, tentando encontrar coragem dentro de mim.
Dentro da minha cabeça só há memórias dolorosas, de abusos e
sofrimento. Mas agora, finalmente, estou pronta para deixar tudo isso para
trás. Não haverá mais dor, não haverá mais medo.
Apenas a promessa de paz no fundo desse rio.
Com um suspiro pesado, eu me preparo para me lançar, para me
libertar.
A última coisa que ouço são os murmúrios distantes das pessoas ao
meu redor, mas eles não importam mais, porque agora, eu estou prestes a
mergulhar na escuridão, pronta para encontrar minha salvação no abraço
gelado das águas profundas de Chicago.
— Hadassah!
Na hora que em empurro meu corpo para frente, eu ouço alguém
gritar o meu nome. Não posso impedir da voz masculina despertar uma
centelha de dúvida dentro de mim.
Porém, é tarde demais para voltar a atrás.
— Há muita competição surgindo em certas áreas. Por isso
precisamos discutir a nova distribuição de territórios — Danilo pontua ao
analisar os papéis espalhados sobre a mesa de mogno.
Embora eu ainda não tenha dito muito, estou sentado à mesa, perto
do subchefe e rodeado pelos homens da organização. Danilo lidera a
discussão sobre as estratégias para a expansão dos nossos territórios.
Esta é uma reunião importante, decisões cruciais precisam ser
tomadas, e cada palavra dita aqui terá um impacto significativo em nossos
negócios.
São assuntos que demandam a minha total atenção.
No entanto, mesmo imerso nas discussões vitais, não consigo
ignorar a inquietação que se agita dentro de mim depois de ler a mensagem
de texto que Cesare me enviou.
Hadassah finalmente saiu de casa, mas meu soldado acredita que
tem algo errado.
Meu estômago se aperta com uma mistura de preocupação que não
posso controlar.
Quando entrei para a máfia, jurei lealdade inabalável à organização,
prometi colocá-la acima de tudo e de todos. Mas agora, com o rosto de
Hadassah ecoando dentro da minha cabeça, me faz ponderar se vou mesmo
colocar meus juramentos acima de tudo.
Desde o momento em que a vi pela primeira vez na pista de
patinação, dançando a música preferida da minha mãe... algo dentro de mim
despertou.
Algo que não consigo explicar ou ignorar.
— Me desculpe, Matteo — a voz de Danilo chama a minha atenção.
— A reunião está muito entediante? — emenda com um tom de desdém.
Ajeito o nó da minha gravata e respiro fundo, fazendo um esforço
para me concentrar nas palavras do meu subchefe.
Tento afastar o rosto frágil de Hadassah dos meus pensamentos,
focando na discussão em andamento. No entanto, é inútil. Minha mente está
dividida, minha lealdade sendo testada de maneira direta.
Por que estou tão angustiado?
Por que não consigo simplesmente virar as costas para ela? Eu mal
a conheço.
Num impulso, deslizo meu telefone para o bolso e me levanto da
mesa, atraindo a atenção de todos ao meu redor. Danilo arqueia uma
sobrancelha interrogativa para mim, esperando que eu fale alguma coisa.
— Tem alguma coisa a acrescentar, Matteo? — questiona, sem fazer
questão de esconder a sua autoridade sobre mim.
— Preciso sair — minha voz sai firme, mas ainda assim sinto o
peso da dúvida pairando sobre mim.
Danilo parece não acreditar nas minhas palavras.
— Como?
— Surgiu um problema.
— Que problema? O que é mais importante do que esta reunião? —
rebate, os olhos claros me analisando e noto que a sua expressão é um misto
de curiosidade e irritação.
— É complicado.
— Matteo, lembre-se das nossas prioridades. Nossa lealdade é à
família e à organização. Não podemos nos deixar distrair por questões
pessoais.
— Eu sei.
Danilo fica em pé e então, faz um gesto com a mão, me chamando
para um canto da sala, longe dos ouvidos curiosos dos outros membros.
— O que está acontecendo, Matteo?
Respiro fundo antes de responder.
— Preciso ir atrás de alguém.
Danilo me olha por um momento, avaliando minha sinceridade.
— Vá, mas não faça mais uma cena dessas na frente dos outros
membros da organização. Precisamos manter a ordem e a disciplina em
nossas fileiras — seu tom é firme, mas há uma ponta de preocupação na
voz.
Assinto antes de me afastar e sair em passos apressados da sala de
reuniões para resolver o meu assunto pendente.
Hadassah.

Minha respiração fica presa na garganta quando vislumbro a figura


frágil de Hadassah à beira da Ponte DuSable.
O seu corpo parece pequeno e solitário diante da vastidão do rio e o
choro ecoa no ar, um som de desespero que penetra até os recessos mais
profundos da minha alma.
Agarrada às estruturas de metal, encarando o rio abaixo, os seus
soluços se misturam com a agitação das águas do rio. Uma onda de emoção
me atinge ao vê-la tão vulnerável, tão desolada.
Uma pontada forte invade a minha cabeça, me deixando sem ar.
Sinto a minha visão ficar turva e os meus ouvidos começam a zunir. O
cheiro de pólvora enche os meus narizes e eu escuto a voz da minha mãe.
Com um esforço sobre-humano, eu me forço a concentrar e avanço
em direção à beira da ponte. O vento chicoteia meu rosto à medida que
aproximo do precipício e o rugido das águas abaixo parece me deixar surdo.
Os seus dedos ficam brancos de tanto apertar as grades e o seu corpo
treme sob o peso do choro. É uma imagem devastadora, que me corta mais
fundo do que qualquer lâmina afiada.
E então, ela se impulsiona para frente e um grito angustiado escapa
do fundo da minha garganta ao vê-la se jogar.
— Hadassah!
Ela desaparece e o som do seu pequeno corpo rompendo a superfície
é como uma punhalada no coração.
Quando consigo ter controle do meu corpo outra vez, corro na
direção da beirada da ponte e sem hesitar, eu dou um salto também,
mergulhando no rio.
O impacto da água é como um choque elétrico no meu corpo, mas
eu ignoro a dor e me lanço em direção ao fundo, em busca dela. Minha
mente está em turbilhão, meu coração batendo descontrolado no peito
enquanto procuro por ela.
Quando finalmente meus dedos encontram o seu corpo frágil, eu a
envolvo em meus braços, como se pudesse protegê-la do mundo inteiro.
Lutando contra a pressão das águas, começo a nadar em direção à
superfície.
Ao emergimos, minha respiração está ofegante, mas meus braços
estão firmes em volta de Hadassah. O ar gélido do fim de tarde de Chicago
atinge meu rosto enquanto tento manter a cabeça dela fora d'água.
Com cuidado, começo a nadar em direção à margem, ignorando a
dor nos meus músculos e o frio penetrante que parece consumir meu corpo.
As braçadas são uma luta, mas a ideia de perdê-la mantém minha
determinação intacta.
Assim que alcançamos a segurança da margem, coloco Hadassah
com cuidado em cima da grama úmida. Ajoelho-me e sem ponderar, me
inclino sobre ela, minhas mãos segurando delicadamente seu rosto frio.
Aproximo meus lábios dos seus e pressiono minha boca contra a
dela, transferindo o ar vital para os seus pulmões.
E então, um pequeno gemido escapa dos lábios de Hadassah, como
um sussurro frágil, fazendo meu coração dá um salto de alívio.
— Matteo... — ela sussurra ao encontrar os meus olhos, o corpo
tremendo violentamente por causa do frio.
Sinto uma dor latejante na cabeça quando abro os olhos.
Tudo ao meu redor está confuso e embaçado, como se eu estivesse
tentando lembrar de um sonho distante. Levo alguns instantes para me
situar, para entender onde estou e o que aconteceu.
Devagar, a memória começa a retornar, cruel e dura. Eu me lembro
da ponte, do desespero, da sensação de não ter mais saída e de ter me
jogado. Mas, ainda estou aqui. Viva e respirando.
Meus olhos vagam pelo quarto do hospital, absorvendo os detalhes
ao mesmo tempo em que tento processar tudo o que aconteceu. É então que
o vejo, o homem de meia idade que está ali, me observando com uma
expressão que não consigo decifrar completamente.
Reconheço-o instantaneamente do metrô, o mesmo homem que
sempre está por perto quando Matteo também está. Ele sempre parece tão
sombrio, tão misterioso, e agora ele está aqui, ao meu lado, como se
estivesse esperando por mim.
Uma onda de confusão e desconfiança me envolve.
O que ele quer de mim? Por que está aqui?
Tento me mover, mas uma onda de dor percorre meu corpo, me
lembrando da queda, da dor agonizante que senti quando bati na água
gelada do rio. Então, mantenho-me quieta, encarando-o com cautela,
esperando por uma explicação que talvez nunca venha.
— Como se sente? — ele pergunta, rompendo o silêncio
constrangedor.
— Dolorida.
Ele assente.
— Matteo está conversando com a médica.
Matteo.
Ele me salvou.
Um turbilhão de emoções invade meu peito: gratidão, confusão,
medo. Por que ele me salvou? Por que se importou comigo? As perguntas
ecoam dentro da minha cabeça, mas não consigo encontrar as respostas.
Enquanto tento processar a enxurrada de sentimentos que me
consomem, vejo a porta do quarto se abrir de repente. Meu coração dispara
e, sem pensar duas vezes, fecho os olhos e finjo estar dormindo.
Posso sentir a presença de alguém entrando no ambiente, e uma voz
familiar enche o quarto. Uma mistura de medo e curiosidade toma conta de
mim, e me esforço para manter os olhos fechados.
— Não posso levá-la daqui agora — ouço a voz firme de Matteo,
cheia de frustração. — Ela precisa de uma avaliação psiquiátrica antes,
depois do que tentou na ponte.
A notícia me atinge como um soco no estômago.
Uma avaliação psiquiátrica?
Será que eles acham que estou louca por ter tentado me jogar da
ponte?
Mas é claro que sim.
Respiro fundo e tento controlar as emoções que ameaçam
transbordar.
— Ela será bem cuidada aqui, senhor. O que aconteceu chamou
muito atenção, não tinha como simplesmente não a trazer para o hospital.
— Eu sei, Cesare. Mas não gosto disso. Não posso controlar a
merda desse hospital como controlo os meus negócios.
— Ela está acordada — de repente, o homem me dedura para
Matteo, ainda assim, mantenho as pálpebras bem apertadas.
— Me deixa a sós com ela — Matteo ordena ao tal de Cesare.
O silêncio paira pesadamente no quarto depois da saída de Cesare.
Ouço o som suave da porta se fechando, me deixando sozinha com Matteo.
Instintivamente, mantenho os olhos fechados por mais alguns segundos,
tentando reunir coragem para enfrentar a situação.
— Você está acordada — Matteo murmura, a voz soando próxima
da minha cama.
Com um suspiro conformado, eu abro os olhos lentamente,
encontrando o olhar intenso e penetrante de Matteo. Uma onda de
nervosismo me invade, mas luto para manter minha expressão calma e
controlada.
— Sim.
— Como está se sentindo? — ele pergunta, a voz suave e repleta de
uma preocupação genuína que faz meu coração se aquecer.
— Bem.
É mentira. E Matteo sabe.
Ele se aproxima ainda mais da cama, a expressão séria e
determinada contra mim. As suas roupas caras estão sujas de lama, ainda
assim, ele é o homem mais lindo e elegante que eu já vi na vida.
— O que aconteceu. Por que você fez isso?
Engulo em seco, sentindo o peso das palavras de Matteo sobre mim.
— Por que tinha uma tornozeleira eletrônica? — questiona e ao
ouvi-lo, eu levanto o lençol da cama para verificar e noto que ela se foi. —
Eu a tirei.
Assinto em silêncio.
Se ao menos eu pudesse confiar nele o suficiente para contar toda a
verdade. Mas o medo de Juan Miguel ainda está fresco demais, e eu sei que
revelar qualquer informação sobre a tornozeleira eletrônica pode colocá-lo
em perigo.
— Obrigada.
— O que há com você?
— Eu... eu não sei — murmuro, desviando o olhar para evitar o
dele.
Matteo franze o cenho, claramente insatisfeito com minha resposta
evasiva.
— Hadassah, você precisa me dizer a verdade. Eu posso te ajudar,
mas preciso saber o que está acontecendo.
Uma luta interna se desenrola dentro de mim. Por um lado, quero
confiar em Matteo, mas por outro lado, sei que qualquer deslize meu pode
colocá-lo em perigo. E eu não quero que ele sofra as consequências dos
meus atos.
— Não devia ter me salvado. Devia ter me deixado morrer no fundo
daquele rio.
Um brilho de frustração passa pelos olhos de Matteo.
— Não sou um herói, Hadassah. Mesmo assim, eu tiraria você
daquele rio quantas vezes fosse preciso.
E, então, sem dizer mais nada, Matteo se afasta da cama, me
deixando sozinha.

Matteo retorna para o quarto alguns minutos depois. O seu olhar


sério e severo é um contraste interessante com a suavidade dos gestos ao me
trazer uma bandeja com comida.
Ele a coloca em cima da mesinha ao lado da cama e me encara,
como se estivesse avaliando a minha condição.
— Coma — ordena.
— Eu sei que você agora é meu chefe, mas não precisa fazer nada
disso por mim.
Matteo me fuzila com os olhos e não diz nenhuma palavra.
Sem vontade de comer, eu começo a mexer na comida, tentando
ignorar a sensação de desconforto que se instalou dentro do estômago.
Matteo permanece ao meu lado, me observando com cautela, até que seu
telefone toca, interrompendo o silêncio tenso do quarto.
Ele pega o aparelho e se afasta um pouco de mim para ir atender a
ligação. Há uma troca rápida de palavras antes que ele desligue e noto que
há uma tensão nos seus ombros quando se vira para mim.
— Algum problema? — me ouço perguntando.
— Não. Nada demais. Mas eu tenho que sair por um tempo.
— Ah — murmuro, me sentindo mais triste do que consigo
entender. — Tudo bem.
— Não saia daqui e nem faça outra besteira, Hadassah. Isso é uma
ordem direta do seu chefe.
Eu assinto, tentando disfarçar a decepção que sinto ao vê-lo partir.
Para a minha surpresa, Matteo se aproxima e inclina o corpo sobre
mim para depositar um beijo suave no topo da minha testa. Por um
momento, eu sinto como se ele soubesse o quanto eu estou quebrada e
destruída.
Seus olhos azuis se fixam nos meus por um instante e é como se ele
entendesse cada parte da minha dor, cada fragmento quebrado do meu ser.
Não posso impedir de me sentir exposta diante dele, vulnerável e
frágil. Mas, estranhamente, não sinto medo.
Ele se afasta, me deixando com a lembrança suave do seu toque
reconfortante. É tão estranho que ele se importe comigo, mas é bom saber
que não estou sozinha.
Afundo na cama do hospital e encaro as luzes brilhantes do teto.
Está tudo tão silencioso, exceto pelo suave zumbido dos aparelhos médicos
ao meu redor.
Meu coração está acelerado por causa do beijo de Matteo.
Uma parte de mim fica aliviada por ele ter ido embora, porque ele é
tão intenso e avassalador, como uma força da natureza. Mas outra parte,
bem lá no fundo, sente uma estranha sensação de vazio sem ele aqui.
Cesare entra no quarto e me observa com uma expressão neutra.
— Não se incomode comigo aqui, senhorita — ele diz com a voz
calma e controlada, mas há algo na sua postura que me faz sentir como se
estivesse sob análise constante.
— Impossível — resmungo apenas para mim.
Antes que eu possa protestar mais ainda ou resistir, um enfermeiro
entra no quarto, interrompendo nosso momento tenso.
— Preciso levar a senhorita Zohar para realizar alguns exames. Os
ferimentos pelo corpo dela exigem uma avaliação mais detalhada — o
enfermeiro informa, fazendo meu rosto queimar de vergonha.
Ele está falando sobre os hematomas espalhados pelo meu corpo. A
obra de arte de Yosef e papai, e também, de Juan Miguel.
— Tem certeza de que isso é mesmo necessário agora? — Cesare
pergunta desconfiado, as sobrancelhas franzidas em uma expressão de
cautela.
Algo me diz que ele é do tipo de homem que desconfia até da
própria sombra.
— Absolutamente, senhor. Ordem médica.
— Muito bem. Eu vou com vocês para garantir que tudo seja feito
da forma correta.
— Desculpe, senhor, mas apenas pacientes, médicos e enfermeiros
são permitidos nos setores de exames. É uma política do hospital.
Cesare bufa irritado e lança um olhar incisivo para mim.
— Eu vou ficar bem, Cesare — murmuro e rolo para fora da cama,
nervosa com a ideia de que Cesare tome ciência do que aconteceu comigo
dentro de casa.
Não quero que ele fique sabendo o quão sou humilhada pelo meu
pai e irmão.
— Tem certeza, senhorita?
— Sim.
— Ok. Me mantenha informado. Preciso saber exatamente o que
está acontecendo — Cesare ordena ao enfermeiro.
— Com certeza, senhor. Farei questão de manter você atualizado
sobre o estado dela.
O enfermeiro se aproxima de mim e me acompanha até o elevador.
— Os meus machucados não são nada demais — digo ao cruzar os
braços na altura dos seios, me sentindo nervosa.
— É o que veremos.
As portas de metal do elevador se abrem com um leve rangido e o
enfermeiro a segura para mim. Entro e me sinto um pouco desconfortável
com a expressão enigmática nos olhos dele, mas decido ignorar.
Respiro fundo quando as portas voltam a se fechar.
— Não vai doer.
Franzo o cenho em confusão ao ouvir as palavras do enfermeiro.
— O quê?
Sinto uma pontada de ansiedade acelerar o meu coração e antes que
possa entender o que está acontecendo, uma picada repentina atinge meu
pescoço, e uma onda de vertigem me envolve, fazendo-me desmaiar.
Tento lutar contra a sensação, mas a minha cabeça gira e eu sou
arrastada para um abismo escuro.
Tio Alberto está irritado. Seu rosto está vermelho de raiva e seus
olhos faíscam com uma intensidade selvagem.
Ele bate com força na mesa, exigindo respostas que ninguém parece
capaz de dar. Seu temperamento explosivo não é novidade para mim, mas
hoje ele parece particularmente furioso.
Giancarlo observa o Don com uma mistura de cautela e desconforto.
Desde cedo, nós aprendemos que cruzar o caminho de Alberto Salvatore é
perigoso, mesmo para aqueles que estão ao seu lado.
O pior de tudo é que nem posso culpá-lo. O nome Salvatore está
estampado em manchetes de jornais online, relacionado a um incidente no
qual fui eu que me envolvi. Eu sei que ele odeia ser o centro das atenções
quando se trata de escândalos que possam manchar a sua reputação.
Mas há algo mais que o incomoda, algo que vai além da simples
exposição na mídia.
Ele está irritado comigo, porque saí da reunião da máfia para lidar
com algo pessoal, algo que ele não pode simplesmente controlar. E Alberto
Salvatore, meu implacável tio, o chefe da família, não gosta de perder o
controle.
Seus olhos me fuzilam e eu tenho ciência de que ele espera uma
explicação, mas não tenho certeza de como dar uma sem colocar Hadassah
na mira do Don.
— Eu gostaria de saber que merda você tem na cabeça, Matteo.
Parece que nossos negócios não são mais importantes para você — ele fala,
a voz soa como uma lâmina gelada, cortando o ar com precisão assassina.
— Don Salvatore — começo a articular, mantendo a calma e a
postura ereta. — Houve um imprevisto que precisei resolver. Não vai mais
acontecer.
Ele não se satisfaz com a minha explicação. Alberto Salvatore não é
o tipo de homem que se contenta com explicações vagas. Se eu não puder
convencê-lo de que minha lealdade à família permanece intacta, estarei com
grandes problemas.
— Não gosto de segredos, Matteo. Você sabe muito bem disso. Não
se esqueça que a sua lealdade deve estar deste lado.
Seus olhos queimam na minha direção, exigindo obediência e
submissão. Mas algo dentro de mim não me deixa ceder completamente
desta vez.
— Não me acha leal o suficiente, tio? — retruco e noto os seus
lábios se formarem em uma linha dura ao avaliar minhas palavras.
— Lealdade não é apenas uma palavra, Matteo. É uma promessa
que você fez à organização, uma promessa que não pode ser quebrada por
caprichos pessoais.
Eu sei que ele tem razão. A lealdade é o alicerce da máfia, o vínculo
que nos une e nos mantém firmes, não importa o quão difícil seja o caminho
à nossa frente.
No entanto, hoje, uma parte de mim se revolta com a ideia de
sacrificar o que aconteceu com Hadassah em prol dessa lealdade. Porque,
embora eu deva tudo à família, há algo sobre aquela garota que mexe
comigo.
— Eu não quebrei minha palavra, tio. Apenas... tomei uma decisão
pessoal — digo, soando mais firme do que esperava, uma demonstração
sutil de resistência contra a pressão que ele está exercendo sobre mim.
Seus olhos se estreitam ligeiramente, captando minha determinação,
mas também minha teimosia. Ele sabe que não sou facilmente dissuadido
quando coloco algo dentro da minha cabeça.
— Cuidado, Matteo. Não deixe que sua imprudência ponha em risco
tudo o que construímos — adverte.
Assinto, ainda assim, há uma parte de mim que se recusa a abaixar a
cabeça.
— Vamos manter a calma e a cabeça fria. — Giancarlo finalmente
abre a boca para falar. Desde que entrei na sala do meu tio, o conselheiro
esteve calado o tempo todo, esperando o momento certo para interferir. —
Brigas internas só enfraquecem nossa organização.
Alberto Salvatore solta um suspiro exasperado e sai da sala com
passos firmes, deixando-nos para trás.
Giancarlo se aproxima e coloca uma mão firme no meu ombro.
— Você precisa ter cuidado, Matteo — ele aconselha. — Não sei
qual é a sua relação com a garota, mas a mantenha longe do radar de
Alberto. É a melhor opção para a segurança dela.
Balanço a cabeça de maneira positiva.
Hadassah é uma incógnita para a família Salvatore e seu
envolvimento comigo pode trazer mais complicações do que soluções.
— Eu sei, Giancarlo. Vou tomar as devidas precauções.
O conselheiro assente em aprovação antes de nos separarmos e
seguir cada um o seu caminho.
Enquanto saio da sala do tio Alberto, fico tentando entender como
uma garota conseguiu abalar as estruturas do meu mundo de uma maneira
que eu ainda não consigo compreender.
A imagem de Hadassah à beira da ponte, o som das águas agitadas
do rio, as palavras do tio Alberto ainda vibram dentro dos meus ouvidos
quando encontro Jenna no corredor da Salvatore's Sapori d'Italia.
Seu rosto exibe uma expressão curiosa, claramente ansiosa para
arrancar alguma informação de mim.
— Matteo, o que diabos está acontecendo? Eu li sobre você naquele
site de notícias.
— Me deixa em paz — resmungo.
— Não posso ignorar algo tão grande como você pulando de uma
ponte por causa de uma garota. Quem é ela?
A irritação me consome, mas eu tento contê-la da melhor maneira
possível.
— Jenna, não é da sua conta — minha voz sai firme e controlada.
Não posso me dar ao luxo de revelar mais do que o necessário. — Não
quero falar sobre isso. E você deveria se concentrar nas suas tarefas em vez
de ficar bisbilhotando a vida alheia.
Ela recua um pouco, claramente surpresa com minha resposta
abrupta. Mas, ao invés de se desculpar ou recuar, ela apenas me lança um
olhar determinado, como se estivesse prestes a me pressionar ainda mais.
— Você gosta dela?
Sua insistência só aumenta minha frustração e eu acabo explodindo
em um grito:
— Pelo amor de Deus, Jenna!
Cansado e irritado, eu me afasto dela, deixando-a para trás no
corredor.

De volta ao hospital para checar Hadassah, esperando encontrá-la


exatamente onde a deixei, eu tenho uma surpresa desagradável ao descobrir
que ela simplesmente sumiu.
Frustração e raiva me atingem, e minha primeira reação é descontar
um pouco dessa irritação em Cesare, que estava encarregado de vigiá-la.
— Eu disse pra manter os olhos nela, Cesare!
Cesare abaixa a cabeça, visivelmente perturbado pela sua falha.
— Desculpe, senhor.
— Como essa merda aconteceu? — questiono entre os dentes,
minhas têmporas latejando de fúria.
Ele respira fundo antes de explicar, com uma expressão de
desconforto:
— Um enfermeiro veio buscá-la para fazer exames. Ele se
identificou e disse que era uma solicitação direta do médico. Confiei nele e
os deixei sair, mas... parece que tanto ela quanto ele desapareceram.
A raiva cresce dentro de mim, misturada com a sensação de
impotência.
— Por que diabos você não me ligou? — questiono, tentando conter
o ímpeto de explodir.
Cesare parece encolher diante da minha pergunta.
— Eu liguei, senhor, mas... deu caixa postal.
Um lampejo de culpa me atravessa ao verificar o celular e perceber
que a bateria acabou.
Sinto o peso da responsabilidade me esmagar, sabendo que tenho
que encontrar Hadassah antes que algo de ruim aconteça com ela. Não
posso permitir que a situação saia do controle.
Respiro fundo, tentando acalmar os nervos enquanto coloco a
cabeça para trabalhar. Não posso me dar ao luxo de enlouquecer agora.
Tenho que ser racional, encontrar pistas, seguir qualquer coisa que possa me
levar até ela.
— Já estamos trabalhando para encontrá-la — Cesare informa, mais
como uma promessa do que uma declaração.
— Ótimo.
Concordo com um aceno e eu saio do hospital com a mente a mil,
determinado a encontrar Hadassah, custe o que custar.
A claridade invade meus olhos quando desperto, e por um instante,
me sinto confusa e desorientada.
A visão do quarto limpo e cheiroso me deixa momentaneamente
atordoada, até que ao olhar ao redor, noto a presença de Juan Miguel ao pé
da cama. Meu coração acelera de imediato e eu me sento no colchão,
recuando e encolhendo os meus pés.
As lágrimas começam a embaçar minha visão ao me dar conta de
que estou de volta às garras dele.
Como pude ser tão ingênua, tão tola a ponto de pensar que escapei
dele?
Juan Miguel é como uma sombra que me persegue, sempre presente,
sempre pronto para me puxar de volta para o abismo de onde tentei fugir.
Meus soluços são abafados pelo medo. Mais uma vez, estou presa,
encurralada em um labirinto de terror. Estou de volta ao inferno que é a
minha vida ao lado de Juan Miguel.
Ele observa meu tormento com um sorriso sádico nos lábios, a sua
presença preenchendo o quarto com uma aura opressora.
— Não gostei da sua atitude, Hadassah. Eu confiei em você e o que
fez? Me decepcionou — fala com uma calma assustadora.
Sinto um calafrio percorrer minha espinha ao encará-lo.
— Eu não queria decepcioná-lo. Eu só... não aguentava mais.
Ele se aproxima lentamente, o olhar penetrante perfurando minha
alma.
— Você acha que pode simplesmente fugir de mim? Acha que pode
escapar do que temos juntos? — Ele para diante de mim e minha respiração
fica presa na garganta. — Ainda não entendeu que você é minha? Sempre
será minha. Não importa pra onde você corra, não importa o que faça, você
sempre vai pertencer a mim.
As palavras cruéis ecoam no silêncio sufocante do quarto, me
deixando paralisada, sem esperança.
Meu corpo se enrijece de repulsa quando Juan Miguel se aproxima e
se inclina sobre mim, o hálito quente e repugnante contra minha pele. Eu
me debato, tentando escapar da aproximação invasiva, mas as suas mãos me
seguram com força.
— Por favor, não... — começo a implorar.
Seus lábios tocam meu pescoço e um arrepio de repulsa percorre
minha espinha. Eu luto com todas as minhas forças, mas ele é muito mais
forte. A sensação do seu corpo sobre o meu é avassalador, sufocante.
As lágrimas inundam meus olhos, se misturando com a sensação de
nojo que queima em cada fibra do meu ser.
— Tão linda... e frágil.
— Por favor.
— Não se preocupe, Hadassah — ele sussurra, alisando os meus
cabelos e roçando o nariz na curvatura do meu pescoço. — Vai ficar tudo
bem...
Com um movimento brusco, consigo me libertar temporariamente
do aperto de Juan Miguel, mas ele ainda fica em cima de mim, me
encarando com os olhos frios e um sorriso perverso estampando todo o seu
rosto.
— Para mim, o controle sobre você vai além do físico. É sobre
dominar a sua mente, a sua alma. O ato físico é apenas uma manifestação
temporária do meu poder.
— O quê? — balbucio.
— Eu quero que saiba do que sou capaz de fazer com você e no
fundo, você sabe, ainda assim, eu não o fiz. E isso eventualmente te
manterá na linha, em alerta.
Por isso Juan Miguel ainda me manteve intacta. Ele quer exercer o
seu controle absoluto sobre mim. Esse monstro perverso quer controlar meu
corpo, minha mente, minha alma.
Parece que me manter como uma "virgem intocada" acaba lhe
proporcionando um nível mais profundo de submissão e dominação sobre
mim, alimentando seu ego sádico e a sua sensação de poder sobre a minha
vida.
Ele está adiando me tocar apenas como uma forma de prolongar a
minha tortura psicológica.
— Você é um monstro.
— Sim, eu sou. E estou no controle. Quanto antes perceber que a
sua liberdade está onde eu permitir que esteja, Hadassah, será melhor.
Com o coração pesado e a mente turva, eu observo Juan Miguel sair
de cima de mim, sentindo um misto de alívio e desespero. Os olhos frios
transmitem uma autoridade ameaçadora e sua voz ressoa no meu íntimo
como uma sentença de condenação.
De repente, ele ordena que alguém entre no quarto e uma sensação
de terror toma conta de mim ao ver uma mulher segurando um vestido de
noiva. Meu corpo treme involuntariamente diante da ideia de me tornar
prisioneira para sempre dele.
— Não... isso não. Por favor, não me faça fazer isso.
— Você não tem escolha, Hadassah. Hoje, você se tornará
oficialmente a minha esposa.
— Esposa... — repito a palavra, como se estivesse a testando.
Por um breve momento, considero lutar, resistir até o último
instante. No entanto, uma vozinha dentro de mim sussurra que talvez seja
melhor ceder de uma vez por todas.
— É melhor aceitar a realidade.
— Não importa o que você faça, nunca será meu marido de verdade
— crispo entre os dentes, incapaz de me conter.
Juan Miguel abre um sorriso sádico.
— Veremos quanto tempo você manterá essa postura desafiadora.
Mas por agora, prefiro que você comece a se preparar. A nossa cerimônia
está prestes a começar.

Depois que sou arrumada para o maldito casamento, sou deixada


sozinha no quarto. Com as mãos trêmulas, tento abrir a janela, mas ela
continua imóvel, como uma barreira intransponível entre mim e a liberdade.
Meu coração martela no peito enquanto meu desespero aumenta.
Bato os dedos contra o vidro, desesperada.
O tecido do vestido roça contra a minha pele quando tento forçar a
janela a se abrir mais uma vez e o som do rasgo abrupto ecoa pelo quarto,
quase como uma ferida aberta na superfície brilhante da minha prisão.
Um grito de frustração escapa de entre os meus lábios, ecoando pelo
cômodo.
A porta do quarto se abre com um estalo, revelando a figura
imponente de um dos capangas de Juan Miguel. Seus olhos frios encontram
os meus, faiscando com uma mistura de desdém e crueldade.
Ele avança na minha direção, a mão áspera se fechando com força
em torno do meu braço, me arrancando do quarto com uma brutalidade que
me deixa tonta.
— Seu noivo está te esperando na capela — ele rosna, a voz soando
como uma sentença de morte aos meus ouvidos.
— Não.
— Vamos, garota. O juiz de paz não tem o dia todo.
Meus músculos protestam contra o tratamento áspero, mas eu me
mantenho em silêncio, engolindo o nó de medo que se forma no meio da
garganta.
O aperto é firme, quase doloroso, enquanto ele me conduz para o
meu carrasco, em direção ao meu destino cruel.
Minha respiração fica pesada à medida que andamos pelo corredor,
minhas pernas se movendo mecanicamente sob o comando do capanga de
Juan Miguel. Meus passos são como uma sentença, me levando para mais
perto do altar onde minha liberdade será ceifada em troca de uma união
indesejada.
As sombras dançam ao meu redor, as formas distorcidas parecem se
contorcer e se retorcer, como se zombassem de mim. Sinto um aperto
sufocante contra o meu peito e tenho dificuldade de respirar.
Engulo em seco, reunindo as últimas reservas de coragem que me
restam.
O que eu vou fazer?
As coisas não podem acabar assim. Não podem. Eu não posso
acabar casada com um monstro como Juan Miguel. Esse não pode ser o
meu fim.
Não movo um músculo do meu corpo ao ver o enfermeiro se
contorcer de dor diante de mim.
Minha mente está focada em apenas uma coisa: encontrar Hadassah.
Cada palavra que consegui arrancar dele é como uma peça do
quebra-cabeça, se encaixando devagar para revelar o paradeiro dela.
Sem misericórdia, meus dedos cerram com força em torno do seu
pescoço, pressionando-o por mais informações. Os olhos se arregalam de
medo e eu sinto satisfação ao ver o temor desenhado no seu rosto, sabendo
que estou no controle da situação.
— Quem mandou você levá-la?
O enfermeiro engole em seco quando me afasto, os lábios trêmulos
incapazes de formar uma palavra.
— Eu não sei — ele murmura depois de uma eternidade em silêncio.
— Eu só segui ordens — emenda, as palavras saindo em um murmúrio
quase inaudível.
— Mentiroso — resmungo, voltando a ficar perto dele. — Cesare —
chamo o meu soldado, que se põe atrás de mim. — Me dê a faca. Se esse
inútil não vai falar, não há motivos para deixá-lo com a língua.
O enfermeiro empalidece ao ouvir minhas palavras e gosto de ver o
medo estampado em cada linha do seu rosto.
— Por favor, eu não sei mais nada! — ele grita, implorando.
Ignorando as súplicas, estendo a mão para receber a faca de Cesare.
O peso familiar do objeto na minha mão traz uma sensação de poder e
controle. Sem hesitação, me aproximo do enfermeiro mais uma vez,
segurando a lâmina com firmeza próximo ao seu rosto.
Ele recua na cadeira, os olhos arregalados de pavor, observando
cada movimento meu.
— Juan Miguel — ele finalmente cede e fala algo interessante. —
Ele me pagou para tirá-la do hospital. É tudo o que sei, eu juro.
— Foi difícil falar a verdade?
O enfermeiro cerra os dentes.
— O que vai fazer comigo agora?
— O que você acha?
Ele engole em seco, aterrorizado diante da minha pergunta retórica.
Noto a sua respiração ficar irregular e sem dizer mais nenhuma palavra,
mantenho meu olhar firme no dele.
Com um movimento rápido e preciso, seguro a faca com firmeza e a
pressiono contra o seu pescoço. Observo o seu corpo tenso se contrair em
uma última tentativa de resistência, mas é em vão.
Com um único movimento, deslizo a lâmina afiada através da sua
carne, cortando a jugular em um instante.
Um jorro de sangue escuro esguicha do ferimento, tingindo o chão e
as paredes ao redor. O enfermeiro solta um gorgolejo agonizante, os olhos
arregalados refletindo o horror do seu fim iminente.
A sua vida se esvai rapidamente, deixando apenas o silêncio pesado
e o cheiro metálico de sangue no ar. Sem remorso, retiro a faca do pescoço
do homem agora sem vida e limpo a lâmina na sua roupa.
Cesare observa em silêncio, o rosto impassível revelando pouca
emoção diante da cena que acabou de assistir.
Com a informação que preciso em mãos, entrego a faca ao meu
soldado e me viro para sair da sala escura.
Para o meu desgosto, não posso simplesmente meter uma bala na
cabeça de Juan Miguel e acabar com ele. Nós, os Salvatore e ele temos uma
longa história de desavenças e disputa pelo poder.
Esse velho maldito nunca cooperou com nada e é tão obstinado e
egocêntrico quanto Alberto Salvatore. Em nossos embates pelo poder, ele
nunca abaixou a cabeça quando meu tio tentou dominar o seu território.
— O que está pensando em fazer? — Cesare pergunta quando
chegamos de carro à propriedade isolada de Juan Miguel, onde ele mantém
Hadassah presa. O lugar fica aos arredores de Chicago, silencioso e calmo.
O lugar perfeito para aprisionar uma garota.
— Eu vou pegá-la — digo o óbvio.
Cesare assente, mas parece ponderar.
De longe, eu observo a casa e meu coração acelera ao ver Hadassah
sendo arrastada para fora da propriedade como se fosse uma boneca. Ela se
debate, mas é em vão.
O que mais me choca é o fato de ela estar absolutamente linda e
vestida de noiva.
A raiva cresce em mim como uma chama voraz, queimando
qualquer resquício de calma que restasse na minha mente. Meus punhos se
cerram contra o volante e eu sinto o calor dos olhos de Cesare em cima de
mim.
Eu poderia simplesmente explodir a propriedade inteira com um
único gesto, se isso significasse libertá-la agora.
Sinto uma pontada nas têmporas e minha respiração começa a ficar
rápida quando piso no acelerador e sigo o carro em que Hadassah foi
colocada à força. A estrada estreita se estende à minha frente, mas foco
apenas em alcançá-los.
Em resgatar Hadassah antes que seja tarde demais.
O suor escorre pela minha testa à medida que mantenho os olhos
fixos no carro à frente, buscando qualquer oportunidade de agir, qualquer
brecha que me permita resgatá-la.
Freio bruscamente quando chegamos à capela. Rápido, Cesare pega
a sua arma, me seguindo e resmungando alguma coisa. Os homens de Juan
Miguel causam um alvoroço ao me verem.
Guiado pelo instinto primitivo, forço a porta do carro em que
Hadassah está e a tiro de dentro, deixando com uma expressão confusa e
aliviada.
— Ma... Matteo... o quê... o que está fazendo aqui?
— Venha — ordeno.
Ela não hesita, estende a mão para mim e agarra com força. Tiros
começam a ecoar pelo ar, misturados aos gritos de surpresa e raiva dos
capangas de Juan Miguel.
Sou incapaz de me importar com o caos ao meu redor, apenas enfio
Hadassah dentro do meu carro e me acomodo no banco do motorista.
Cesare se senta no banco do carona e Hadassah começa a gritar,
apavorada.
— Meu Deus! Ele tá sangrando.
Ao olhar para o lado, noto que Cesare tem o rosto contorcido de dor
por causa do tiro que levou no braço. Me sinto culpado por ter agido sem
nenhum plano. Merda. Não costumo ser tão impulsivo e imprudente desse
jeito.
— Eu vou ficar bem — Cesare afirma, mais para Hadassah do que
qualquer outra pessoa.
— Vamos sair logo daqui — murmuro ao engatar a marcha e pisar
no acelerador, deixando para trás os tiros e os homens de Juan Miguel.

Quando entro na mansão com Hadassah ao meu lado e o Cesare do


outro, o silêncio pesado paira no ar como uma nuvem escura.
Danilo, Giovanni e Romeo estão reunidos na sala principal, os
olhares sérios e expectantes me encontram assim que meus pés alcançam o
ambiente. Há uma confusão clara ao verem a garota vestida de noiva
comigo.
— Vá cuidar disso, Cesare — ordeno e ele concorda com um aceno
de cabeça, se afastando e me deixando sozinho com os meus primos.
O subchefe é o primeiro a quebrar o silêncio, a voz ecoando pelo
cômodo com autoridade contida ao falar:
— Matteo, que merda aconteceu lá fora?
É evidente que eles já sabem o que aconteceu há algumas horas.
Afinal, não é todo dia que um Salvatore mexe com o fogo, desafiando as
próprias regras da nossa família e colocando a estrutura da organização em
risco.
— Tive que agir.
O olhar de Danilo contra mim é penetrante, buscando respostas que
talvez eu mesmo não tenha completamente. Mas sei que minhas ações terão
consequências, que a calmaria antes da tempestade agora se rompeu e
estamos todos presos no olho do furacão.
— O papà está furioso. Quando voltar da viagem de negócios ele
falará com você — Giovanni informa e eu assinto. Embora o Don não
esteja presente, sinto a sua presença através da atmosfera carregada de
tensão.
Sua ira é quase tangível.
Respiro fundo, assentindo.
— Imaginei.
— Imaginou? — Danilo retruca, meio alterado. — Qual é a merda
que você tá usando, cara?
Sinto o peso da sua acusação como um golpe direto ao meu orgulho.
Hadassah se encolhe ao meu lado e abaixa a cabeça, amedrontada.
— Meu Deus... o que tá acontecendo? — ela fala tão baixo, que fico
na dúvida se realmente ouvi a sua voz.
Danilo encara Hadassah com um misto de surpresa e desconfiança,
mas rapidamente volta a se concentrar em mim, o rosto crispado numa
expressão de frustração.
— Matteo, você precisa entender que isso vai ter consequências —
ele continua, a voz um pouco mais calma agora. — Ele não vai ficar
satisfeito com essa situação.
Respiro fundo, buscando palavras que possam acalmar a situação,
mas também justificar minhas ações e não encontro.
— O que vamos fazer? — Romeo interrompe, menos incisivo que
Danilo. — Não vamos começar a brigar entre nós agora.
Hadassah parece perder as forças de repente, os olhos se fecham
lentamente e o seu pequeno corpo amolece ao meu lado. Antes que ela
possa cair no chão, eu a seguro firme contra os meus braços, sentindo o
peso do seu corpo contra o meu peito.
— Hadassah...
Encaro o seu rosto pálido e com maquiagem singela, os lábios
entreabertos denotam uma fragilidade que desperta um lado primitivo de
proteção em mim.
— Vou levá-la pra descansar, depois conversamos.
Mesmo diante dos olhares desconfiados de Danilo, não hesito e com
passos firmes, me encaminho para fora da sala, carregando Hadassah nos
meus braços na direção das escadas.
Não faço ideia do motivo de estar tão obcecado por ela, mas sinto
algo dentro de mim se torcer.
Não importa o que aconteça, vou protegê-la a todo custo.
Abro os olhos lentamente, me sentindo tonta e um pouco
desorientada. O ambiente ao meu redor parece estranhamente familiar e, ao
mesmo tempo, completamente desconhecido.
O quarto é luxuoso, decorado com móveis elegantes e uma cama tão
macia que quase me afundo nela. A luz suave da lua que entra pela janela
me faz piscar algumas vezes antes de me acostumar com ela.
Sinto um leve peso sobre o meu corpo e ao abaixar meus olhos, noto
que ainda estou usando o vestido de noiva. Os sapatos foram retirados dos
meus pés, e o conforto momentâneo me faz suspirar aliviada.
Ao lado da cama, vejo um conjunto de moletom e é estranho que
alguém tenha tido a gentileza de pensar no meu conforto.
Será que foi Matteo?
Deslizo meus pés para fora da cama, sentindo um leve
formigamento nas pernas que passa no instante em que o tapete macio toca
os meus dedos dos pés descalços. Ao olhar para a mesa perto da janela, meu
estômago ronca ao me deparar com a bandeja com comida e suco.
Com um movimento hesitante, estico a mão para pegar o copo de
cristal. O líquido fresco desce pela minha garganta, trazendo um alívio
imediato para a minha boca seca.
Depois de saciar a minha sede, troco o vestido de noiva pelo
conjunto de moletom. O tecido macio me envolve como um abraço
quentinho, trazendo um conforto para o meu corpo exausto.
Com passos cautelosos, saio do quarto em silêncio, ainda tentando
entender a situação.
Será que saí de uma prisão e vim parar direto em outra?
O corredor é tão luxuoso quanto o quarto, com paredes adornadas
por obras de arte e fotos elegantes. Minha atenção é capturada por uma foto
em particular. Uma linda mulher, com um sorriso gentil e olhos que
lembram os de Matteo.
Sinto uma pontada de curiosidade.
Será que é a mãe dele?
Continuo minha exploração pela mansão, seguindo o corredor até
chegar a uma sala espaçosa. Sobre uma mesa suntuosa, encontro um enfeite
de patinação no gelo, delicadamente trabalhado e brilhante sob a luz.
Que estranho e incrível.
Uma sensação de nostalgia me envolve ao observar o enfeite,
perdida em pensamentos sobre um passado que parece tão distante agora.
Na sala, meus olhos são atraídos pelo terrário de vidro no canto. Ao
me aproximar, uma visão inesperada me faz dar um salto para trás.
Uma cobra.
Ela serpenteia de maneira tranquila dentro do recipiente, ainda
assim, faz meu coração disparar e, instintivamente, levo a mão à boca para
abafar qualquer grito que ameace escapar.
A cobra é uma criatura fascinante e assustadora com a mesma
intensidade. Seu corpo serpenteante e as cores vibrantes da sua pele me
deixam hipnotizada, mas o conhecimento da sua natureza perigosa mantém
meu medo latente.
Respiro fundo ao ver Matteo deitado no sofá, dormindo. Seu corpo
relaxado contrastando com a tensão no seu rosto bonito. Há uma garrafa de
whisky vazia repousando sobre a mesinha de centro e um copo de cristal
meio cheio.
Com cautela, me aproximo dele, o coração afundando o peito.
Matteo é deslumbrante e é imponente, mesmo em um estado
vulnerável. Meus olhos percorrem cada detalhe dele. O cabelo escuro
desalinhado, a respiração irregular, os músculos tensos sob a pele.
Não sei o motivo, mas parte de mim quer poder afastar os seus
medos, acalmar a sua mente atormentada.
Analiso seu rosto se torcer de dor, os traços suaves delineados pela
luz fraca da sala. O homem deixa escapar um pequeno suspiro de dentro
dos lábios e parece lutar com os próprios demônios.
Com cuidado, estendo a minha mão, tocando levemente a sua testa.
Minha intenção é apenas oferecer um pouco de conforto, mesmo que ele
não perceba minha presença, o que não acontece.
De repente, o homem acorda num pulo, agarrando o meu pulso com
força.
Nossos olhos se encontram e eu fico paralisada, tremendo inteira,
incapaz de desviar o olhar ou de afastar meu pulso da sua mão.
Meu coração dispara e eu sinto um calafrio percorrer meu corpo,
mas por um momento, todo o medo e angústia desaparecem diante da
intensidade do seu olhar.
— Desculpa... eu... eu não quis acordar você.
Seu aperto afrouxa e ele parece levemente surpreso ao perceber
minha presença. Nossos olhares permanecem conectados, como se
estivéssemos em nosso próprio mundo, alheios a tudo ao nosso redor.
E então, ele solta meu pulso, recuando um pouco.
— Você está bem?
— Sim. E você? — devolvo e noto o seu rosto suavizar um pouco
com a minha pergunta. — Parecia que estava tendo um sonho ruim.
— Sim — é a única coisa que diz.
Meus lábios se entreabrem, mas as palavras não conseguem sair. Há
tantas perguntas, tantas emoções conflitantes girando dentro da minha
cabeça. Mas por ora, tudo o que consigo fazer é ficar ali, olhando para ele,
perdida em um mar de incertezas e sentimentos entrelaçados.
— Já comeu alguma coisa? — quer saber.
Não respondo, apenas o observo levar as mãos até as têmporas e
apertá-las com força, quase como se estivesse tentando aliviar uma dor
insuportável.
— Algum problema?
Ele hesita antes de responder:
— Tenho problemas com enxaqueca.
Instintivamente, me acomodo ao seu lado no sofá e seus olhos não
me deixam por nenhum segundo. Com delicadeza, estendo a minha palma,
pedindo a sua mão para mim. De maneira precisa e gentil, pressiono a mão
de Matteo, exatamente entre o polegar e o indicador.
Com os dedos cuidadosamente posicionados, começo a aplicar uma
pressão firme, mas suave sobre o ponto. Os movimentos são circulares e
cadenciados, como se estivesse desenhando círculos de alívio na pele.
Matteo deixa escapar um suspiro lento e aos poucos, a expressão de
alívio vai tomando conta do seu rosto conforme a tensão começa a se
dissipar. Ele relaxa os músculos, o que me rouba um pequeno sorriso.
— Meu primo também sofre com dores de cabeça — explico,
buscando os olhos de Matteo. — Ele dizia que isso ajudava a aliviar a
pressão na cabeça.
Matteo me observa, os olhos azuis intensos capturando os meus de
uma maneira intensa e penetrante. Sinto como se ele pudesse enxergar
através de mim, como se pudesse ler cada pensamento e sentimento que
passa pela minha mente.
Não sei o que se passa na sua cabeça agora, mas eu sinto que há
uma conexão única entre nós, um tipo de compreensão. E é impossível
demolir a sensação de vulnerabilidade que ele causa em mim.
— Por que iria se casar com Juan Miguel? — ele pergunta, de
repente, cortando o silêncio que se instalou entre nós, me deixando
momentaneamente sem fôlego.
Por que iria me casar com Juan Miguel? A pergunta é como uma
flecha direto no meio do meu coração.
Seus olhos se fixam em mim, aguardando uma resposta que parece
impossível de formular.
Acabo soltando a sua mão, mas não me afasto.
— Por que me salvou tantas vezes?
— Eu não sei — retruca com uma sinceridade que me choca. —
Apenas não consigo parar de me preocupar com você.
— Meu pai estava em dívida com o Juan Miguel — começo a
explicar, minha voz tremendo ligeiramente. — E... e ele me ofereceu como
pagamento.
A admissão é como uma faca atravessando o ar, cortando qualquer
ilusão de normalidade que possamos ter tido. De início, Matteo parece um
pouco atordoado e em choque também. Eu diria até mesmo indignado.
E então, ele me olha, os olhos azuis cheios de compaixão e
compreensão, mas também com uma pontada de dor que me faz querer
desviar o olhar.
O homem abre a boca para dizer algo, mas as palavras parecem
fugir dele, incapazes de capturar a magnitude do que acabo de revelar.
As lágrimas começam a escorrer por minhas bochechas, mas antes
que eu possa levantar as mãos para secá-las, Matteo o faz, me
surpreendendo. É estranho e novo, porque nunca ninguém secou minhas
lágrimas antes.
— Você merece mais do que isso. Mais do que ser usada como uma
moeda de troca em uma dívida fodida.
As palavras de Matteo reverberam em mim, tocando uma ferida
antiga que nunca pareceu cicatrizar completamente. Eu sei que ele está
certo, que mereço mais do que as migalhas de amor e afeto que me foram
oferecidas até agora.
E então, em um gesto impulsivo, inclino o corpo sobre ele,
buscando refúgio nos braços de um desconhecido que me acolheu em um
dos momentos mais sombrios da minha vida.
Matteo me envolve em um abraço apertado e firme, os braços fortes
me segurando com uma ternura e segurança que nunca senti antes.
No calor reconfortante de seu peito, eu ouço o seu coração bater em
sintonia com o meu, como se estivéssemos compartilhando um mesmo
compasso, uma mesma melodia.
Essa conexão, essa sensação de pertencimento, faz uma centelha de
esperança florescer dentro de mim, mesmo nos cantos mais sombrios da
minha alma. Por um momento, tudo parece possível, como se o mundo
inteiro estivesse ao meu alcance, apenas esperando para ser explorado.
Eu sei que minhas ações podem ser motivadas pela minha
fragilidade e falta de amor, mas, por um instante, isso não importa. Nos
braços de Matteo, encontro conforto e segurança, uma sensação de lar que
eu nunca tive, mas sempre soube que precisava.
Aqui e agora, nos braços de Matteo, eu sinto que não sou mais uma
prisioneira, uma pessoa sem valor.
Sinto que posso ser uma mulher livre.
O dia amanhece tímido, mas meu coração está um pouco mais leve
hoje.
Depois de tudo que aconteceu ontem, é estranho como estou ansiosa
para conhecer um pouco mais sobre o homem que me salvou. Desço as
escadas de mansinho, sem querer fazer barulho.
Ao chegar à cozinha, me surpreendo com a modernidade e
sofisticação. Os móveis são brilhantes, feitos de madeira escura e metal
polido, refletindo a luz suave que emana do teto embutido. Bancadas de
mármore elegante se estendem ao longo das paredes, dando um amplo
espaço para preparar refeições e servir banquetes dignos de um palácio.
Um fogão de indução ultramoderno ocupa o centro do espaço, a
superfície de vidro preto aquecida por baixo, pronto para cozinhar pratos
requintados. Ao lado dele, uma geladeira de aço inoxidável, com portas
duplas e elegantes.
— Uau... — murmuro e uma voz gentil e feminina diz “bom dia”,
me assustando. — Me desculpe, não sabia que tinha alguém aqui.
Num canto mais afastado da cozinha, há uma mulher de meia idade,
bem-vestida, tem olhos bondosos e um semblante doce.
— Tudo bem. Sou Domênica, a governanta da casa.
— Hadassah... a... bem, não sei exatamente o que eu sou aqui. Eu
cheguei ontem.
Ela ri para mim. É tão acolhedor, que não posso evitar de sentir um
pouco de alívio.
— O que a senhorita quer para o café da manhã? Tem algo
específico? Posso preparar qualquer coisa.
— Não, obrigada. O que tiver pronto já está bom pra mim.
Timidamente, me aproximo dela e observo preparar a ilha da
cozinha para o café da manhã.
— Tem algo que eu possa fazer para ajudar? Sou boa com tarefas
domésticas e gosto de cozinhar também.
— Você é uma convidada do Matteo, não precisa se preocupar com
as tarefas domésticas.
Sorrio e assinto, embora uma parte de mim queira contribuir de
alguma forma, ainda que pequena, para pelo menos ocupar minha cabeça.
Cesare entra na cozinha de repente e um sorriso involuntário escapa
dos meus lábios ao vê-lo. Sinto um alívio imenso ao ver que ele está bem,
apesar do tiro que levou ontem.
Ainda assim, há algo em seu olhar, um mistério que não consigo
decifrar.
Será que tem alguma coisa errada?
Minha mente se perde em suposições enquanto tento entender o que
realmente está acontecendo neste lugar tão peculiar.
Acabo me perguntando o que Matteo realmente é. Ontem aqueles
homens pareciam furiosos por ele ter se metido com Juan Miguel sem um
aviso prévio. Não sei exatamente o motivo, mas algo dentro de mim me diz
que eles são páreos para aquele monstro.
Droga.
Matteo é tão misterioso e enigmático. E a sua presença exerce uma
atração magnética sobre mim que não consigo explicar. Mas, por trás da
fachada de frieza e autoridade, algo me diz que há mais do que aparenta.
Prendo a respiração quando vejo Matteo entrar na cozinha com uma
presença que é ao mesmo tempo imponente e elegante. O terno escuro,
perfeitamente ajustado ao seu corpo musculoso, transmite uma aura de
autoridade e sofisticação.
Os olhos intensos percorrem o ambiente antes de pousarem em mim,
e sinto um arrepio percorrer minha espinha.
Ele se junta a nós na ilha da bancada, um lugar que de repente
parece pequeno demais para a sua presença dominante. Cesare permanece
ao seu lado, leal como sempre, enquanto eu me vejo incapaz de desviar o
olhar daquele homem intrigante à minha frente.
Domênica serve café preto para Matteo e Cesare fala algo, os dois se
referindo ao Matteo como “senhor”.
— Dormiu bem? — ele pergunta para mim, fazendo Domênica e
Cesare trocarem um olhar.
— Sim, senhor.
Domênica prensa os lábios para não sorrir e Cesare encara a xícara
de café em silêncio.
Vejo a silhueta de um sorriso desenhar os lábios bonitos de Matteo e
é estranho vê-lo quase sorrir. Não parece que o faz muito, embora fique
lindo sorrindo.
Suspiro.
— Não precisa me chamar de senhor, Hadassah. Você está muito
bom pra mim.
— Ah, tudo bem. — Coço a minha nuca, de repente me sentindo
como um peixe fora d’água. — E a sua enxaqueca? Melhorou?
— Sim.
Tento decifrar os segredos ocultos por trás dos olhos azuis de
Matteo, mas é difícil, porque ele é um enigma que se recusa a ser
desvendado. A postura é firme, mas há uma suavidade inesperada nos seus
gestos enquanto ele toma café e conversa com Domênica e Cesare.
— Preciso ir trabalhar, mas não se preocupe em ficar aqui, Cesare
estará por aqui o tempo todo e cuidará da sua segurança — informa e eu
assinto, me sentindo capturada pela presença magnética dele, incapaz de
desviar o olhar.
— Não posso sair, não é?
— Não.
— Por quanto tempo eu tenho que ficar aqui?
Matteo me encara e de repente, parece que estamos presos em um
jogo de olhares, cada um tentando decifrar os pensamentos do outro sem
dizer uma palavra.
— O tempo que eu julgar necessário — responde, finalmente, me
fazendo engolir em seco e assentir em concordância.
Na presença deste homem indecifrável e poderoso, eu percebo que
estou diante de algo muito maior do que jamais imaginei. E, no fundo do
meu coração, algo me diz que meu caminho ao lado dele está apenas
começando.

O dia parece se arrastar lentamente na mansão, mas tento encontrar


maneiras de preencher o tempo sem a presença de Matteo.
Calíope, a cobra de estimação dele, é uma companhia inusitada, mas
acabo me aproximando dela aos poucos. Apesar do meu receio inicial,
descubro que ela é mais tranquila do que eu pensei e até aceita a comida
que ofereço com calma, o que foi um pouco estranho de ver, na verdade.
Nunca me imaginei dando um pequeno lagartinho para uma cobra.
Será que isso me transforma numa assassina de répteis? Ou apenas uma
contribuidora para a cadeia alimentar?
Ocupo-me cuidando de Calíope, mas não posso deixar de me
questionar sobre o motivo de um homem como Matteo ter um animal
desses de estimação. É uma peculiaridade que não condiz com a imagem
que ele projeta, mas ao mesmo tempo, parece se encaixar perfeitamente na
aura misteriosa e imprevisível que ele tem.
Tento não pensar muito nisso, focando minha atenção em garantir o
bem-estar da cobra conforme o dia se desenrola. No entanto, mesmo com a
distração que Calíope proporciona, não consigo evitar que meus
pensamentos retornem a Matteo e à curiosidade que ele desperta em mim.
Ao me perder em pensamentos sobre o homem misterioso que agora
faz parte do meu mundo, uma coisa fica clara: há muito mais sobre Matteo
Manzini Salvatore do que posso imaginar.
E talvez, desvendar esses mistérios seja mais perigoso do que posso
aguentar.
Sou surpreendida ao ver um homem entrar na sala carregando
diversas sacolas de grife. Franzo o cenho em confusão e ao reparar na
minha cara, ele explica que veio a mando de Matteo Salvatore e, sem
hesitar, deixa as sacolas cuidadosamente em cima do sofá.
— Obrigada.
Ele assente e se retira, me deixando sozinha. Dou uma olhadela para
Calíope e só então, me aproximo para conferir. Meu coração se aquece ao
perceber que são roupas novas.
É estranho toda essa preocupação que Matteo tem por mim, porque
eu passei a minha vida inteira cuidando de tudo em relação a mim sozinha.
Eu nunca fui cuidada de verdade.
E esses pequenos gestos fazem o meu coração doer, mas também,
ficar muito grato.
Meus olhos miram em uma das sacolas, onde vejo uma seleção de
calcinhas pequenas de tecido macio. Minhas bochechas coram
instantaneamente ao imaginar Matteo escolhendo cada uma delas para mim.
Dentro de uma das sacolas, encontro também um celular de última
geração, o que me deixa chocada. É algo que eu jamais poderia adquirir
com o meu salário do supermercado. Nem se eu trabalhasse muito ou
fizesse todas as horas extras que me deixassem. Com o tanto de coisa que
eu tenho para pagar, um celular desses nunca foi um objetivo.
Seguro o aparelho nas mãos, admirando-o com um misto de fascínio
e incredulidade. A generosidade de Matteo me surpreende e me deixa
intrigada também. Não entendo o porquê de ele fazer essas coisas por mim.
Embora o dinheiro não seja um problema para ele, sempre foi um
empecilho para mim.
O celular vibra, me assustando. É uma mensagem de Matteo
Salvatore.
“Aproveite as roupas e o celular novo”.
Digito uma mensagem de volta:
“Obrigada. Vou pagar tudo.”
Eu teria que assaltar um banco para conseguir pagar Matteo
Salvatore, essa é a verdade. E eu odeio que ele saiba disso. Solto uma
baforada de ar ao ler a mensagem que ele manda para mim.
“Não vai”.
Não poderia me sentir mais pobre do que hoje.
No final da tarde, eu entro na cozinha decidida a fazer algo especial
para Matteo no jantar. Amigavelmente, dispenso a ajuda de Domênica e da
cozinheira, porque quero fazer tudo sozinha hoje.
— Tem certeza? Podemos te ajudar com alguma coisa — Domênica
fala, e eu sorrio, grata por ela se preocupar tanto comigo.
— Se eu precisar, eu prometo que chamo.
Ela assente e as duas saem, me deixando sozinha.
Sou confrontada pela modernidade dos eletrodomésticos e me sinto
um pouco intimidada no começo, sem saber por onde começar ou como
ligar cada aparelho. Mordo o lábio inferior ao olhar o fogão de indução, os
botões e controles parecem complicados demais.
Com um pouco de tentativa e erro, consigo entender como ligar os
queimadores e ajustar as temperaturas.
Confesso que a geladeira também é um desafio. Gente rica tem um
gosto diferente e há tantos ingredientes que eu não conheço, que fico zonza.
Mas, aos poucos, vou encontrando o que preciso: legumes frescos, carne e
ervas aromáticas.
Não demora muito para a cozinha ganhar um delicioso aroma de
comida caseira.
Finalmente, quando os pratos estão prontos, sinto uma sensação de
realização. Mesmo que não saiam perfeitos, são feitos com carinho e
gratidão.
Quando termino o jantar, pondero se uso a sala de jantar ou não.
Decido arrumar a ilha da bancada, no café da manhã, ele pareceu
confortável aqui e parece um pouco mais normal.
Abro um sorriso discreto e nervoso também. Espero que Matteo
goste do jantar que preparei para ele.
Meus pensamentos estão tão consumidos pela expectativa do jantar
que nem percebo quando Matteo entra na cozinha e começa a me observar.
O som do prato caindo e se despedaçando no chão me tira
bruscamente dos meus devaneios, e sinto meu coração disparar quando me
dou conta de que fiz uma bagunça na mansão.
— Me desculpa, eu... eu... nossa, como eu sou desastrada. Sinto
muito, Matteo. Esse prato deve custar uma fortuna. Me desculpa, de
verdade.
Apressada e cheia de vergonha pela minha falta de jeito e pela
confusão que causei, eu me ajoelho para começar a recolher os cacos de
vidro.
— Não tem problema, Hadassah.
— Me desculpa.
— Não faça isso — ele ordena, mas apenas ignoro as suas palavras
e nervosa começo a pegar os vidros com as mãos desprotegidas. —
Hadassah... não faça isso.
Sinto uma pontada de dor ao cortar os dedos com um dos cacos
afiados, mas nem mesmo assim, consigo ignorar a sensação de que eu tenho
que corrigir o meu erro. Em casa, algo assim teria uma consequência
absurda.
Papai e Yosef não deixariam barato.
— Hadassah!
A voz firme de Matteo me tira momentaneamente da minha tarefa e
eu acabo erguendo os cílios para encontrá-lo. Acabo percebendo que ele
está mais perto de mim do que eu esperava.
Seus olhos azuis estão fixos nos meus, parecendo penetrar minha
alma.
— Você se machucou — ele fala, pegando as minhas mãos e ao
descer as vistas, vejo o sangue escorrer pelos meus dedos.
— Me desculpe.
— Por que está pedindo desculpas?
— Eu... eu... sempre achei que era minha culpa — as palavras
escapam da minha boca antes que meu cérebro as processe. — Eu pensei
que eu devia me desculpar por não ser boa o suficiente, por atrapalhar... —
minha voz falha e sinto as lágrimas quentes escorrerem pelas minhas
bochechas.
— Não precisa se desculpar aqui.
— Não?
Matteo me observa com uma expressão que não consigo decifrar,
mas há algo em seu olhar que me faz sentir... compreendida.
— Você parece um cristal quebrado, Hadassah. É lindo, mas ao
mesmo tempo, tão triste.
Olho para as minhas mãos sangrando e não consigo controlar as
lágrimas.
— Me quebraram tantas vezes... não sei se sobrou alguma beleza em
mim.
— Estou olhando pra você agora, Cristallo[6] e acredite em mim,
você é a mulher mais linda que eu já vi na vida.
Ao ouvir as palavras de Matteo, sinto um calafrio elétrico percorrer
a minha espinha e meus olhos se erguem para encontrar os dele. Seu olhar
intenso penetra profundamente na minha alma, e por um instante, me sinto
envolta por uma aura de calor reconfortante.
Ainda ouço a voz dele ecoando dentro dos meus ouvidos, como uma
suave melodia, tocando uma parte de mim que há muito tempo permaneceu
adormecida. Uma chama difusa se espalha por meu peito, dissipando as
sombras da dúvida e da insegurança que sempre habitaram ali.
Meus lábios tremem, incapazes de formular uma única palavra.
— Vamos cuidar da sua mão?
Com um toque gentil, Matteo me oferece a sua ajuda e eu me
levanto do chão. Sigo-o com passos cambaleantes até a sala de estar, onde
ele me conduz até o sofá espaçoso e confortável.
Ele me deixa sozinha por um momento e depois volta com uma
caixinha de primeiros socorros. Matteo se senta ao meu lado e pega a minha
mão com delicadeza, fazendo-me sentir um calor reconfortante irradiar do
seu toque.
Em silêncio, ele começa a limpar os ferimentos, tratando-os com
uma gentileza que me surpreende. Quieta, eu o observo, meio maravilhada
com o cuidado que ele tem comigo.
É estranho como nas mãos de Matteo, eu encontro não apenas
cuidado e cura, mas também, uma conexão intensa. É como se, mesmo em
meio ao caos da minha vida turbulenta, eu soubesse que posso sempre
contar com ele.
O que é louco, não é?
Eu mal o conheço.
— Obrigada — sussurro depois que ele termina. — Você é sempre
tão gentil comigo.
Ele deixa escapar uma risada curta.
— Isso me surpreende também.
— Eu estraguei o jantar, não é?
Matteo afrouxa o nó da gravata.
— Se pedir desculpas outra vez, eu vou ficar irritado com você.
Prenso os lábios e começo a rir.
— Queria agradecer por ter comprado as roupas e o celular pra mim.
Mas, como pode ver, deu tudo errado.
— Foi apenas um prato — ele fala, me encarando. — Um prato não
é nada, Cristallo. Você é mais importante do que isso.
Sinto as bochechas corarem e não consigo articular nenhuma
palavra. Nunca ninguém me deu tanta importância. Bom, tem a Nina e o
Zane, mas é diferente. Não sei, acho que estou ficando maluca.
— Ainda estou tentando entender o porquê de eles maltratarem
tanto você.
Meu coração acelera e meu corpo enrijece.
— Eles quem?
Matteo se inclina para frente, apoiando os cotovelos nas pernas, sem
desviar o olhar de mim.
— Não finja que não sabe do que estou falando.
— Matteo...
— Vai contra todos os meus instintos fingir que eu não vejo os
hematomas em você, Hadassah, mas tentei ser discreto. Quando perguntei
pela primeira vez, mentiu pra mim. Eu já sei a verdade sobre você. Pra ser
honesto, eu sei tudo sobre você.
Engulo em seco.
— Depois que mamãe teve o Yosef, papai queria outro menino.
Mas, ele sempre foi violento e explosivo. Quando ela engravidou, ela
perdeu o bebê por causa das surras e é claro que ele a culpou por isso.
Ainda assim, ele a engravidou de novo e eu nasci. Ele nunca ficou satisfeito
comigo e com o tempo, Yosef aprendeu que me maltratar como o papai era
sinônimo de ser adorado por ele. Então, minha família é o que é —
desabafo, olhando diretamente nos olhos de Matteo.
Sinto um nó se formar no meio da minha garganta, mas também
uma sensação de alívio.
O olhar de Matteo é uma mistura de compaixão e indignação, e por
um momento, posso sentir a intensidade das suas emoções ecoando as
minhas. Seus olhos azuis transmitem uma promessa de apoio e
compreensão, o que me faz me sentir menos sozinha no mundo.
— Nunca mais permitirei que alguém ouse ferir você, Cristallo. Eu
juro.
Sentada na borda da cama, meus dedos traçam o contorno do
curativo que Matteo gentilmente colocou na minha pele machucada. Uma
sensação reconfortante toma conta de mim e eu não consigo conter o sorriso
bobo nos meus lábios.
É incrível como um simples gesto de cuidado pode significar tanto.
Matteo poderia ter simplesmente me deixado sozinha, ignorado a
minha dor como papai e Yosef fizeram tantas e tantas vezes. Mas ele
escolheu cuidar de mim, curar minhas feridas físicas e, de alguma forma,
acalmar as cicatrizes que carrego dentro de mim há tantos anos.
Contemplo o curativo com carinho.
— Talvez você não seja tão rígido como a sua reputação sugere —
sussurro e rio baixo.
Um calor se espalha no meu peito e eu afundo no colchão, me
deitando, sentindo o meu coração acelerar por causa de Matteo Salvatore.
Como pode a simples presença dele na minha vida já ser o suficiente
para fazer meu mundo girar um pouco mais rápido? Isso é loucura.
Rolo de um lado para o outro no colchão, sem conseguir me conter
parada para fechar os olhos e dormir uma noite tranquila de sono. Esse
homem está mexendo comigo de um jeito que nunca ninguém mexeu antes.
Nunca me preocupei com amor e essas coisas. Nunca tive tempo
para isso, na verdade. Só que droga, esse frio na barriga é tão bom. Me faz
sentir viva. E eu nunca me senti assim antes.
É tão diferente.
É tão bom.
E único.
Depois de cansar de tentar dormir e não conseguir, decido descer até
a cozinha para beber água. No corredor, um som sutil vindo do quarto de
Matteo me atrai. Acabo me aproximando da porta e coloco meu ouvido
contra a madeira fria, tentando captar os ruídos.
O som suave do gemido de dor de Matteo ecoa através da porta e
alcança os meus ouvidos, me enchendo de preocupação. Paraliso por um
segundo, incapaz de decidir se devo entrar e tentar acordá-lo ou
simplesmente deixá-lo em paz.
A ideia de deixá-lo sofrer sozinho é insuportável demais e faz meu
coração afundar contra o peito. Mesmo que não sejamos tão íntimos, não
consigo mover os meus pés e dar as costas para ele.
Não depois de tudo que ele fez por mim.
Não depois de ele ter me salvado tantas vezes.
Com cuidado, giro a maçaneta e entro no quarto, a penumbra me
envolve e tento me acostumar com a escuridão. Quando meus olhos
encontram Matteo deitado no sofá, tão vulnerável, tão humano, meu
coração se parte em mil pedacinhos ao vê-lo assim.
— Mãe... eu sinto muito — ele geme ao se contorcer, virando de um
lado para o outro. — Me perdoa.
Aproximo-me dele e fico de joelhos de frente para o sofá, sem
hesitar, eu encosto a minha mão na sua testa quente e suada, tocando de
maneira suave, uma tentativa desesperada de despertá-lo.
— Matteo... — eu o chamo. — Matteo, acorde, por favor. Você está
tendo um pesadelo. Isso não é real.
Seus olhos se abrem, desfocados e confusos, e por um breve
instante, vejo o que parece ser um lampejo de gratidão em seu olhar antes
que a fachada de frieza se reafirme e ele volte a ser o homem que eu
conheço.
— Cristallo... — ele sussurra, a voz grossa, mas fraca.
— Está tudo bem, Matteo. Foi só um pesadelo. Você está bem agora.
Matteo olha para mim, os olhos sonolentos revelando uma
vulnerabilidade que ele raramente deixa transparecer. Ele se perde por um
momento nos meus olhos antes de assentir lentamente, como se estivesse
aceitando minha presença ao seu lado.
Ele se senta no sofá e passa os dedos entre os cabelos bagunçados,
penteando para trás, em seguida, lança as vistas para a garrafa de whisky
em cima da mesa de centro perto de nós.
Vejo-o hesitar por um momento antes de finalmente ceder com um
suspiro cansado e esticar a mão para pegar a garrafa de bebida e encher o
copo de cristal com o líquido marrom.
Eu sei que não devia me meter, mas não consigo vê-lo sofrer. Não
consigo vê-lo piorar.
— Não acho que o álcool ajude nesse momento — murmuro,
mantendo meu tom suave e reconfortante. — Talvez seja melhor tentar
outras coisas para lidar com os pesadelos. E usar a cama de vez em quando.
É mais confortável do que o sofá. Pode ajudar dormir em travesseiros
macios.
Matteo observa o copo na sua mão por um momento, como se
ponderasse minhas palavras. Finalmente, ele assente, colocando-o de volta
na mesinha de centro com um gesto decidido.
— O álcool não ajuda — ele admite e ergue os olhos para mim, me
atingindo em cheio com a sua intensidade. — Nada ajuda. Nada.
— Como está a sua cabeça? — pergunto ao me sentar do seu lado
no sofá e sem pedir permissão, pegar uma das suas mãos entre as minhas
para pressionar o ponto específico entre o polegar e o indicador.
— Doendo como sempre.
— Pare de beber antes de dormir — peço. — Por favor. Pode fazer
isso? Pode tentar?
Matteo hesita, os olhos azuis se conectam nos meus por um segundo
tão longo, que meu coração acelera.
Apesar de me sentir nervosa na maioria das vezes, eu gosto como
Matteo sempre me olha nos olhos ao falar comigo. É como se me
enxergasse de verdade. É como se soubesse que eu importo de alguma
forma.
— Os pesadelos... eles são parte de mim há tanto tempo, Cristallo.
Às vezes, parece que não consigo escapar deles. Beber é a única forma que
eu aprendi a lidar com eles.
Uma onda de compaixão me inunda ao ouvir a confissão de Matteo.
Eu posso sentir a dor e a solidão que ele esconde por trás da sua fachada
impenetrável, e isso me machuca tanto.
Nem sei o motivo.
Por quê? Por que vê-lo sofrer dói tanto em mim? Por que meu
coração se comove tanto com esse homem?
— Todo mundo consegue escapar. — Dou de ombros e abro um
meio sorriso. — Eu escapei de algo terrível também, lembra? Você me
salvou várias vezes.
Ele curva os lábios num sorriso.
— Acho que não tem solução pra mim.
— Se quiser, eu posso te fazer uma xícara de chá — sugiro, meu
coração acelerando com a esperança de poder proporcionar um pouco de
conforto a ele. — Às vezes, ajuda a relaxar antes de dormir.
Matteo franze o cenho, incrédulo.
— Chá? Está me pedindo para trocar o whisky pelo chá? Não sou
adestrável, Cristallo.
— Não estou tentando te adestrar, estou tentando ajudar.
Matteo considera minha oferta, o seu olhar esquadrinhando o meu
rosto como se estivesse tentando decifrar os meus pensamentos. Então, para
minha surpresa, ele assente levemente, uma expressão de resignação
cruzando os seus traços másculos.
— Ok. Vamos de chá então.
Decido fazer chá de camomila para Matteo.
Enquanto começo a prepara tudo, ele me observa em silêncio, os
olhos azuis e penetrantes seguindo cada movimento meu com uma
intensidade que me deixa sem fôlego e tremendo.
Ele se acomoda na banqueta da ilha e uma das mãos massageia as
têmporas para aliviar as dores.
Deixo a água ferver no bule e vou procurar um pano limpo para
molhar com água gelada. Depois de fazê-lo, me aproximo dele e meio
hesitante, coloco o pano sobre a sua nuca, sentindo sua pele quente sob os
meus dedos.
Um gemido escapa de entre os meus lábios quando ele toca a minha
mão, sem desviar os olhos de mim. Seu toque faz os pelinhos da minha pele
arrepiarem e um calor familiar subir pelo meu corpo.
Ele se inclina para frente, incendiando todos os meus sentidos. O
calor que irradia dele me envolve, fazendo-me esquecer de tudo ao meu
redor. É como se ele fosse uma chama ardente e incontrolável e eu estivesse
sendo consumida por ele.
— Matteo...
E, então, num instante que parece durar uma eternidade, ele se
aproxima mais ainda, os lábios macios grudam nos meus, me esmagando
com força e vontade. A sua língua é rápida e exigente, pede acesso e eu
dou, permitindo que ele me domine com um beijo.
As mãos de Matteo encaixam na minha cintura e ele me puxa com
força, me inserindo entre as suas pernas, me prendendo contra ele, me
fazendo sentir o desejo e a intensidade que emana do seu corpo.
Sou incapaz de fazer algo além de me entregar completamente, me
perdendo nesse homem enigmático, que já mudou minha vida por
completo.
Gemo contra a sua boca à medida que ele mordisca meus lábios e
entrelaça a sua língua na minha, arrepiando a minha espinha, me
consumindo inteira. Seu beijo é tão firme e ao mesmo tempo, gentil,
necessitado.
Uma das mãos de Matteo desliza pela minha cintura e a outra
alcança a nuca, puxando com força, fazendo o seu toque ser eletrizante.
Cada célula do meu corpo reage, se acendendo como uma palha em
chamas.
Envolvida pelo calor de Matteo, contorno o seu pescoço com os
meus braços, apertando-o ainda mais contra mim. Querendo sentir mais do
seu corpo, do seu jeito. Querendo sentir mais dele.
As sensações são tão avassaladoras que mal consigo processar a
torrente de sentimentos que me inunda. É como se ele fosse uma correnteza,
apenas me levando com ele.
O som agudo do bule apita, cortando o ar e eu tomo um susto. Dou
um pulo involuntário para trás, meu coração batendo descompassado. O ar
ao meu redor parece carregado de eletricidade.
Encaro Matteo, encontrando os olhos dilatados fixos em mim,
refletindo a mesma intensidade que sinto dentro de mim.
— Vou fazer o seu chá.
Sob o olhar dele, eu preparo a infusão. Minha mente está uma
bagunça e meus lábios ardendo por causa do nosso beijo.
Meu Deus!
A gente se beijou!
O beijo com Matteo foi avassalador, eu senti meu corpo explodir de
um desejo que eu nem sabia que podia sentir.
O que eu vou fazer agora?
Com as mãos trêmulas, sirvo o chá e, sem conseguir suportar a
tensão no ar, decido fugir da situação.
— Vou dormir. Boa noite.
— Hadassah... — ele sussurra, tocando o meu pulso e enviando uma
onda de calor para o meio entre as minhas pernas. — Olhe pra mim.
Devagar, eu faço o que ele manda.
— Quando estiver falando comigo, olhe nos meus olhos.
— Por quê?
— Porque eu gosto de olhar pra você.
Suspiro.
— Boa noite, Matteo.
— Boa noite, Cristallo.
Ele me solta e eu sinto falta do calor dos seus dedos em volta do
meu pulso. Engulo em seco antes de girar nos calcanhares e correr para o
meu quarto, buscando refúgio, tentando entender o que aconteceu e o que
aquilo vai significar de agora em diante.
Acordo quando percebo os primeiros raios de sol invadirem meu
quarto. Não vou admitir em voz alta, mas a xícara de chá de Hadassah
causou um efeito bom em mim e pela primeira vez em muitos anos, eu
dormi o resto da noite bem.
Depois de tomar um banho e me arrumar, desço até a cozinha, onde
a Domênica já está ocupada preparando o café da manhã. O aroma
reconfortante do café preto enche o cômodo, despertando os meus sentidos
ainda mais.
Quando me acomodo na banqueta da ilha, ela me serve uma xícara,
e antes que possa dar o primeiro gole, Cesare entra na cozinha, dando bom
dia e se senta ao meu lado.
Desde que perdi meus pais, Cesare e eu fazemos a primeira refeição
do dia juntos. Tio Alberto nunca se importou se eu estava ou não à mesa
para as refeições e eu sempre gostei de ficar na cozinha, com Cesare,
porque ele é o mais próximo que eu tenho de uma figura paterna.
— Onde está Hadassah?
— Ela tomou café da manhã mais cedo.
Arqueio uma sobrancelha, sentindo um misto de surpresa e
curiosidade ao ouvir isso. No fundo, posso até reconhecer a pontada de
decepção por não a ter encontrado na cozinha hoje.
— Falando na senhorita Hadassah — Cesare começa a falar — Ela
me pediu para ir visitar uma amiga do supermercado. Eu disse que falaria
com o senhor. Com toda a situação do Juan Miguel, não sei se é uma boa
ideia que ela saia de casa.
— Ela pediu pra você? — rebato, me dando conta de que aquela
pequena garota está me evitando.
— O que você fez com a garota? — Domênica pergunta,
repousando uma mão na cintura enquanto lança um olhar incisivo para
mim.
— Eu? Nada.
— Matteo Salvatore...
— Não esqueça de quem paga o seu salário — resmungo.
— Você não vai me demitir — ela rebate, servindo um brioche num
pequeno prato para mim e eu odeio que ela esteja certa.
Tomo um gole generoso de café e minha mente vagueia pelo rosto
doce de Hadassah e como a presença dela tem mexido comigo.
— Diga a Hadassah que se ela quiser alguma coisa, ela terá de me
pedir pessoalmente — informo a Cesare e faço um gesto para que meu
soldado vá buscar a garota.
Cesare assente em silêncio e se retira da cozinha, pronto para
cumprir minha ordem. Enquanto o observo a figura desaparecer da cozinha,
me permito refletir mais um pouco.
Hadassah permeia meus pensamentos como uma melodia suave e
persistente, tocando as cordas mais profundas da minha alma.
O que há sobre ela que me atrai tanto?
Por que ela me deixa tão obcecado em mantê-la por perto?
Em mantê-la segura?
Por que as suas palavras e gestos simples têm o poder de ecoar em
mim de uma maneira tão intensa?
Alguns minutos depois, Cesare volta à cozinha, dessa vez, ele traz
Hadassah. Tomo um gole de café, buscando na bebida escura e amarga uma
sensação de calma para diminuir o formigamento em meu peito apenas por
sentir o cheiro doce dela.
Domênica e Cesare nos deixam a sós e só então, eu ergo o olhar
para Hadassah.
Ela usa um vestido que cai até a altura da metade das coxas, o tecido
azul claro envolve o seu corpo delicado, destacando os quadris de maneira
sexy e cativante. Os olhos, profundos e expressivos, brilham com uma luz
própria, refletindo uma mistura de determinação e vulnerabilidade que me
intriga cada vez mais.
Seus cabelos negros estão soltos e levemente ondulados, caindo em
cascata pelos ombros delicados, uma moldura perfeita para o rosto angelical
que ostenta um suave rubor de excitação.
Hadassah exala uma aura de inocência e coragem, uma combinação
cativante que me deixa fascinado cada vez que eu olho para ela.
— Cesare não tem o poder de tomar decisões nesta casa, quando
quiser algo, terá de vir a mim — informo, sem esconder a autoridade na
voz.
Ela parece hesitar por um momento, como se considerasse desviar o
olhar, mas acaba mantendo seus olhos fixos nos meus.
— Nina... — volto a falar, referindo-me à sua amiga, já que
Hadassah decidiu fazer voto de silêncio. — É confiável?
As sobrancelhas da garota se franzem em surpresa.
— Como sabe o nome da minha amiga? Eu não falei pro Cesare.
— Eu já não disse que sei tudo sobre você?
Ela engole em seco.
— Então você sabe tudo mesmo?
— Sim. Sei sobre o seu primo, sobre a escola e sobre a patinação —
digo e para minha surpresa, Hadassah fica envergonhada.
— Deve me achar burra então. Eu nem terminei o ensino médio.
— Você não é burra — respondo rápido, vendo-a recuar um pouco.
Ela pisca devagar.
— Não? — questiona, intrigada.
— Tem vontade de voltar a estudar?
Hadassah deixa escapar um sorriso nervoso e começa a entrelaçar as
mãos.
— Sim. Mas, eu não tenho tempo. Preciso trabalhar muito pra pagar
o aluguel e as coisas em casa. Não consigo estudar agora.
Desço da banqueta e me aproximo dela, parando a um passo de
distância. Seus olhos me sondam, como se tentassem decifrar minhas
intenções. Levanto a mão e gentilmente prendo uma mecha de cabelo atrás
da sua orelha pequena e quente.
— Não vai mais precisar sustentar o seu pai e irmão.
— Não?
— Não vou aceitar que se sacrifique por eles.
— Mas se eu não fizer isso, eu não tenho onde ficar — ela admite.
— Ainda não entendeu que eu não vou deixar você ir para longe de
mim? — disparo e noto o seu peito subir e descer por causa da respiração
rápida.
Hadassah parece se debater internamente, os olhos refletindo uma
mistura de surpresa, incerteza e algo que talvez se assemelhe à esperança
também.
— Matteo...
Eu a encaro de modo intenso, incapaz de desviar meu olhar do dela.
Nos seus olhos, vejo tanta vulnerabilidade, mas muita força também, uma
combinação irresistível que me atrai de maneira arrebatadora.
Sem pensar, me aproximo ainda mais dela, tão perto que posso
sentir a sua respiração quente se misturando à minha. Um impulso primitivo
toma conta de mim e minha mãos alcançam a sua nuca, trazendo-a para
perto de mim. Esmago os seus lábios com os meus, afundo minha língua na
sua boca, beijando-a com tanta vontade, que sinto que sou capaz de devorá-
la inteira.
Os lábios macios e doces me correspondem e as mãos se erguem
para se apoiarem no meu peito.
Seu corpo reage instintivamente ao meu contato firme, os lábios se
movem em sincronia com os meus, respondendo ao beijo com uma paixão
ardente. Sinto o calor irradiando dela, contrastando com a suavidade dos
seus lábios, e a minha mente se embriaga com a sensação deliciosa de estar
possuindo essa garota inocente e doce.
Com ela, eu sinto como se eu estivesse finalmente encontrando algo
que estive procurando por toda a minha vida, algo que preenche um vazio
dentro de mim de uma maneira que eu nunca soube que era possível.
Ela arfa quando afasto as nossas bocas e meus olhos encontram os
seus.
Nas profundezas da minha alma, eu sei, que de alguma forma, ela se
tornou uma parte essencial de mim.
E, no fundo do meu coração, sei que nunca vou deixá-la partir.
— Não posso deixar você sair, Cristallo — murmuro, meus dedos
traçando suavemente a sua mandíbula. — Juan Miguel é um perigo e eu não
posso arriscar que ele toque em você. Enquanto estiver aqui, posso protegê-
la.
Vejo uma sombra de preocupação atravessar seu rosto, mas antes
que ela possa dizer algo, eu continuo:
— Vou dar o dia de folga para Nina e pedir que Cesare a traga para a
mansão. Assim, vocês duas podem passar o dia juntas.
Ela parece surpresa com a proposta, mas um leve brilho de gratidão
se acende nos seus olhos
É um gesto pequeno, mas espero que seja suficiente para mostrar a
Hadassah o quanto me importo e estou disposto a fazer por ela.
— Obrigada, Matteo — ela sussurra, envolvendo os braços em volta
do meu pescoço e me prendendo num abraço que faz o meu coração
formigar de uma maneira estranha.
— Meu Deus, amiga! Que palácio é esse? — Nina exclama,
boquiaberta ao entrar na sala, seus olhos arregalados percorrendo cada
canto da imponente mansão de Matteo com espanto.
É engraçado como os seus passos são lentos, como se ela estivesse
com receio de estar sonhando e qualquer movimento brusco pudesse
acordá-la do encanto.
Cesare permanece ao nosso lado, observando-a com um leve sorriso
nos lábios.
Ele trouxe Nina para a mansão como parte do plano para me manter
segura e a ela também, além de me possibilitar um tempo com a minha
amiga e poder conversar sobre tudo o que aconteceu nos últimos dias.
Nina continua a explorar o salão principal e fica abismada com
Calíope, enquanto isso, eu me aproximo de Cesare e sussurro:
— Obrigada por trazê-la aqui. Significa muito para mim.
Ele acena com a cabeça, há uma expressão séria nos seus olhos, mas
também uma promessa de que fará tudo ao seu alcance para proteger
aqueles que são importantes para Matteo.
— Se precisar de alguma coisa, é só chamar, senhorita.
Dito isso, ele se afasta e me deixa sozinha com a minha amiga.
— Senhorita... — Nina repete com um risinho. — Quando foi que
você virou a Cinderela?
Reviro os olhos.
— Não sou a Cinderela.
— Ah, não?
— Não.
Eu puxo Nina para se sentar comigo no sofá, sentindo meu coração
acelerar ao mesmo tempo em que revivo os eventos traumatizantes dos
últimos dias.
— O que aconteceu? Fiquei tão preocupada. Te liguei um monte de
vezes e não consegui falar com você.
— Foi uma loucura, amiga.
— Bom, o chefinho me deu o dia de folga, então você pode me
contar tudo e claro, como veio parar aqui.
Respiro fundo antes de começar a relatar tudo, desde o momento em
que meu pai me entregou a Juan Miguel até a angústia da minha tentativa
de suicídio na ponte.
Nina me ouve atentamente, os olhos espelhando a preocupação e a
incredulidade à medida que compartilho os detalhes angustiantes da minha
vida complicada. Eu aperto a sua mão em busca de conforto, grata por ter
minha melhor amiga ao meu lado agora.
Quando termino de contar tudo, solto um suspiro de alívio, me
sentindo um pouco mais leve por compartilhar a minha carga pesada com
Nina. Ela se inclina para frente e me envolve num abraço forte.
— Sinto muito, Hadassah.
— Tudo bem.
— Devia ter me contado o que passava em casa — murmura, os
olhos brilhando por conta das lágrimas. — Na verdade, eu tinha uma leve
sensação de que as coisas estavam erradas, mas não imaginava que era tão
grave.
— É difícil pedir ajuda e eu sempre achei que poderia lidar com
tudo sozinha — confesso, sentindo um nó se formar no meio da minha
garganta. — E, além disso, tinha medo das consequências se alguém
descobrisse o que estava acontecendo em casa. Não queria que ninguém se
machucasse por minha causa.
Nina assente compreensiva.
— Você não está mais sozinha.
— Eu sei. Estranhamente, agora, eu sei — admito e abro meio
sorriso. — Matteo é intenso, mas é incrível comigo.
Minha amiga estreita os olhos e começa a fazer cócegas na minha
barriga.
— Parece que tem alguém apaixonada.
— O quê? Não — rebato rápido.
— Mas você não acha estranho? Ele sempre estar por perto quando
você precisa? Já parou para se perguntar como ele sabe todas essas coisas
sobre a sua vida? — Nina questiona, acendendo um alerta na minha cabeça.
— Na verdade, não — respondo com firmeza, embora uma pequena
semente de dúvida comece a brotar na minha mente.
— Acho que ele comprou o supermercado por sua causa — comenta
e eu nem consigo formular alguma coisa para contrariar. — E se Matteo for
tão perigoso quanto Juan Miguel?
Forço o caroço no meio da garganta a descer, sentindo o peso das
palavras de Nina. Ela está certa em levantar essas questões, mas é difícil
aceitar que alguém como Matteo possa representar uma ameaça para mim.
— Não. Não é.
— Tem certeza?
— Nina.
— Só estou preocupada. Ele te trouxe pra cá, não deixa você sair. E
agora você tem um segurança, usa roupas caras e esse homem sabe tudo
sobre você. Hadassah, isso é no mínimo estranho.
Sinto meu coração acelerar, porque Nina tem razão.
— É como se ele te conhecesse antes mesmo de você conhecer ele.
— O que você quer dizer?
— Não sei. Mas, nunca viu filmes de suspenses? O cara misterioso
que descobre as coisas sobre você tão rápido assim... no geral, ele é mau.
— Matteo não é assim. Ele é meio assustador, às vezes, mas... —
me ouço defendendo-o, mas paro ao ver a expressão de Nina.
— Acho que ele é meio obcecado por você.
— Para de falar besteira — retruco rápido, tentando afastar os
pensamentos sombrios que começam a se instalar dentro de mim.
— Tá bom. — Ela enfia a mão dentro da bolsa e retira o seu
smartphone e me entrega. — Coloca o seu número. Vamos manter contato,
certo?
— Certo.
Concordo, forçando um sorriso, mas incapaz de dissipar
completamente a inquietação que agora assola o meu coração.

Nina e eu preparamos um lanche improvisado na cozinha depois de


Domênica sair da mansão para o supermercado.
Hoje à noite, a governanta decidiu que o jantar será um prato
tradicional de Israel, o meu preferido, Maqluba.[7]
Só de pensar nisso, meu coração fica quentinho e eu me lembro da
mamãe.
Quando ela ainda era viva, costumava preparar esse prato para nós.
Essa era a sua maneira de nos manter ligados com as raízes do papai, mas a
verdade é que ele nunca se importou de verdade com isso.
Nunca se importou se estávamos mantendo vivas as tradições ou
não, então, quando ela morreu, tudo se perdeu.
— Essa senhora... Domênica. Ela gosta mesmo de você — Nina fala
ao beliscar um palito de cenoura.
— Ela é um doce.
De repente, somos interrompidas pela entrada de duas mulheres
lindas e elegantes na cozinha. Uma delas, é mais jovem e loira, irradia uma
aura de sofisticação, e a outra, mais velha e com cabelos castanhos
ondulados, exala um ar de autoridade.
Instintivamente, sinto uma sensação de desconforto se infiltrar no
meu peito ao sentir a loira me encarando com um olhar de desdém. Ela não
precisa dizer uma palavra, o desprezo é evidente no seu rosto
impecavelmente maquiado.
— Quem são vocês? — a loira pergunta ao entrar mais na cozinha,
deslizando como um anjo, o que destoa da sua voz afiada e cheia de
arrogância.
Meu coração dispara, porque ela me olha como se eu fosse um
inseto insignificante.
— Hadassah — respondo, mantendo minha voz firme apesar do
nervosismo que sinto.
— Nina.
Ela ri.
— Matteo dá muita folga para os empregados. Veja isso tia Eleonor.
Nina olha para mim, claramente desconfortável com a situação.
— Não somos empregadas.
— Não? — a loira rebate, arqueando uma sobrancelha bem-feita
para mim. — Então, eu vou perguntar de novo, quem é você?
— Matteo está me ajudando.
A mulher loira parece ainda mais irritada com a minha resposta, os
olhos escuros faiscando com uma intensidade que me faz encolher
involuntariamente. Por um momento, fico imaginando o que poderia ter
causado tanta hostilidade, mas me forço a manter a compostura.
— Ajudando como?
— Tenha calma, Jenna — a outra mulher pede e noto que ela é mais
gentil em comparação à sua companheira. — Querida, onde está
Domênica? — ela pergunta a mim, seu tom suave e tranquilizador.
— Foi ao supermercado.
Jenna, a mulher loira me observa por um momento, como se
estivesse avaliando minhas palavras, antes de finalmente desviar o olhar.
— Ah, lembrei, tia Eleonor. Ela é a pobre coitada de quem Matteo
me falou. Disse que ela não tem onde cair morta, por isso está a ajudando
— murmura, virando-se para sair da cozinha.
— Me desculpe, querida — Eleonor fala antes de sair, lançando um
olhar doce para mim e Nina.
— Pobre coitada que não tem onde cair morta?
— Calma, Hadassah.
Sinto um peso surgir sobre meus ombros, uma sensação de
inquietação que se espalha por todo meu corpo. Sem conseguir me conter,
eu sigo as duas mulheres até a sala principal. Nina vem atrás de mim,
perguntando o que eu estou pensando em fazer, mas sou incapaz de articular
uma resposta coerente.
— Ei, loira! — chamo-a com aspereza ao alcançá-la.
Ela se vira lentamente, girando os olhos em um gesto de desdém que
só serve para aumentar a minha irritação.
— Eu tenho nome. Jenna Wallace, mas pra você, é senhorita
Wallace.
Paro a poucos metros de distância dela e a encaro de queixo erguido.
— O que Matteo falou de mim pra você? — quero saber e um brilho
ganancioso toma conta dos seus olhos escuros.
— O que foi? Quer fazer um barraco agora? — devolve, passando
os olhos pelo meu corpo, de cima a baixo. — Bem típico. Gente da sua laia
é barraqueira, sem nível intelectual.
Tento ignorar o que ela fala e insisto:
— O que ele disse?
— Exatamente o que falei na cozinha. Que é uma pobre coitada. Na
verdade, estou suavizando. Talvez ele tenha chamado você de marginal...
— Jenna! — Eleonor a repreende.
— Ele não falou isso.
Ela abre um sorriso largo.
— Ah, ele falou sim — afirma com uma convicção que faz meu
coração doer muito. — Oh meu Deus! Você está triste? Não acredito. Ele
não te disse que é comprometido?
— O quê?
— Matteo é meu namorado — ela continua, como se estivesse
saboreando cada sílaba da sua revelação.
Minha respiração fica presa na garganta e meus olhos se enchem de
lágrimas, uma mistura de decepção e tristeza murchando meu corpo inteiro.

— Não... — sussurro, sentindo meu coração ser esmagado por causa


das palavras de Jenna.
— Sim. E se por algum acaso ele comeu você, é por puro
divertimento — ela crispa e não consigo me controlar, a raiva borbulhando
dentro de mim, meus punhos se cerrando com tanta força que minhas unhas
se cravam na palma das mãos. Eu levanto a mão e acerto o seu rosto com
uma bofetada forte, fazendo-a cambalear para trás e o som ecoar pela sala.
— Vagabunda! Sua barraqueira de merda! Marginal!
Quando ela se recompõe, vejo uma vermelhidão começando a se
formar na sua pele perfeita.
Jenna avança na minha direção, a mão estendida para retribuir o
golpe com a mesma intensidade, mas antes que ela possa me alcançar,
Eleonor segura seu pulso com firmeza, interrompendo o movimento.
— Tia.... — Jenna choraminga. — Ela me bateu.
— Sim, mas você provocou a garota desde o primeiro segundo que a
viu. Você mereceu esse tapa, Jenna — Eleonor fala num tom sério e com
um solavanco, ela solta a mão de Jenna, deixando claro que não vai tolerar
mais nenhum tipo de atitude inadequada.
Em seguida, lança um olhar cheio de compaixão para mim.
— Sinto muito, querida.
Com a visão turva por causa das lágrimas, mal consigo ver o
caminho à minha frente ao sair da sala. Meus passos são rápidos e
desajeitados, guiados apenas pela vontade de sair de perto de Jenna.
Nina me segue, a presença reconfortante ao meu lado, mesmo sem
dizer uma palavra.
Entramos no quarto e eu fecho a porta atrás de nós, afundando no
colchão macio como se fosse um refúgio contra o mundo cruel lá fora. As
lágrimas finalmente se soltam, rolando pelas minhas bochechas em um
fluxo incontrolável.
Nina se aproxima, colocando uma mão gentil no meu ombro.
— Aposto que aquela bruxa mentiu — ela murmura e a única coisa
que faço é soluçar, incapaz de articular uma resposta.
Assim que ponho os pés na sala principal da mansão, tenho uma
desagradável surpresa ao ver Jenna sentada no sofá. Ela está com o rosto
contorcido em uma expressão de sofrimento, lágrimas escorrendo pelas
bochechas.
No momento em que seus olhos me encontram, seu choro se torna
alto e exagerado, enchendo a sala com a sua aflição ao mesmo tempo em
que tenta explicar o que aconteceu.
— Que merda aconteceu aqui?
— Aquela mulherzinha... ela me agrediu. Me humilhou na frente de
todos os empregados. Hadassah me atacou sem motivo nenhum, Matteo.
Puxou meus cabelos, me bateu, me insultou — Jenna conta aos prantos. —
Olha o que ela fez com o meu rosto.
Fico meio atordoado, sem conseguir processar completamente o que
acabei de ouvir.
Hadassah... doce e amável... Hadassah... como pode?
A imagem dela, com sua doçura e gentileza, não combina com a
descrição de Jenna. É difícil acreditar que ela seria capaz de tal violência.
É inexplicável para mim.
Minha mente corre freneticamente, procurando uma explicação
lógica para o que aconteceu.
Será que houve algum mal-entendido? Alguma provocação, alguma
reação exagerada? Não posso aceitar a ideia de que Hadassah seja culpada
sem antes ouvir o lado dela da história.
— Ela não seria capaz disso — murmuro, mais para mim mesmo do
que para Jenna.
— Matteo... você não acredita em mim? — Jenna questiona,
chorando. — Olha o meu rosto! — ela exclama e aponta com o dedo para
um hematoma se formando na bochecha e ficando levemente inchado.
Ela continua chorando, insistindo na sua versão dos fatos. Mas algo
não se encaixa, uma sensação de desconforto se instala em mim. Não
consigo imaginar Hadassah agindo dessa maneira, mas também não posso
ignorar as evidências diante de mim.
— Colocou gelo?
— Não. Estava esperando você chegar.
Franzo o cenho, irritado.
— E por acaso eu sou médico? Que eu saiba sou formado em
ciências contábeis, não em medicina — retruco, fazendo-a chorar mais
ainda.
— Aquela marginal me bateu e você não vai nem cuidar de mim?
Sinto a raiva latejando nas minhas têmporas e preciso de alguns
segundos para levar a mão até a testa e pressioná-las, uma tentativa
frustrante de não explodir com Jenna.
— Cuidado com as suas palavras. Hadassah é minha protegida, não
vou aceitar que fale dela dessa maneira.
Jenna solta uma risada seca.
— Sua protegida? Aquela mulherzinha sem classe?
— Qual é o seu problema?
— Ela! — a mulher grita, exasperada. — Aquela idiota é o meu
problema. Nossa vida estava boa até ela aparecer e você perder o interesse
em mim.
— Não fala merda.
— Me leva pro hospital, Matteo — ela ordena, como se mandasse
em mim. — Desde que levei uma surra daquela vagabunda, eu estou me
sentindo mal. Estava esperando você chegar.
Sem conseguir me controlar, me aproximo de Jenna e levanto a mão
para alcançar o seu pescoço. Eu aperto com força, assustando-a de início,
mas antes que faça uma besteira que me arrependa, eu recuo e a solto.
— Não ouse falar da Hadassah dessa maneira. Não vou tolerar essa
atitude de você.
Ela suspira, assustada.
— Matteo...
— Saia da minha casa.
— Você me conhece há anos. Vai mesmo me trocar por ela?
— Preciso repetir? Saia da minha casa — grunho entre os dentes,
controlando a raiva dentro de mim.
— Eu estou machucada.
— Então vá pra porra do médico.
Ela abre a boca para falar algo, mas eu a interrompo quando chamo
Cesare, que surge na sala segundos depois. Ordeno que ele leve Jenna para
casa e nem dou espaço para que a mulher tente dizer algo, apenas passo por
ela e vou direto para a cozinha, onde sinto um aroma diferente de comida.
— O que está cozinhando? — pergunto ao encontrar Domênica de
frente para o fogão de indução, auxiliando a cozinheira. Mesmo depois que
a promovi como governanta, ela ama mandar na cozinha.
— Maqluba — ela responde.
— O que é isso?
— Um prato tradicional do Oriente Médio. Estamos fazendo
especialmente pra Hadassah, mas não sei se ela vai querer jantar hoje.
Ao ouvir o que ela fala, respiro fundo.
— Domênica, o que aconteceu? — pergunto, minha mente ainda
girando com o que acabei de escutar na sala.
Ela para por um momento, me olhando com preocupação.
— Eu não sei muito, fui ao supermercado e quando voltei, ouvi as
empregadas falando sobre uma briga entre Hadassah e a senhorita Jenna.
— Hadassah apenas se defendeu dos insultos da senhorita Jenna —
uma das empregadas fala ao entrar na cozinha. Ao olhar para ela, ela abaixa
a cabeça com vergonha. — Me desculpe, senhor Matteo.
— Me diga o que aconteceu.
— Ela veio com a senhora Salvatore, e começou a chamar Hadassah
de marginal, pobre coitada. Hadassah não aguentou e deu um tapa. Quando
a senhorita Jenna partiu para cima da Hadassah, a senhora Salvatore não
deixou e colocou a megera... digo, a senhorita Jenna no seu lugar.
A informação me atinge como um soco no estômago. Não posso
acreditar que algo assim tenha acontecido debaixo do meu teto, mas as
peças começam a se encaixar lentamente.
Jenna não é santa nem inocente.
— Onde está Hadassah agora?
— Ela está no quarto. Entrou lá e não saiu nem depois que a amiga
dela foi embora — a empregada informa.
Assinto e ela abre meio sorriso antes de se retirar.
— Me irrita a tia Eleonor gostar da Jenna — admito para Domênica.
— Isso me impede de simplesmente explodir aquela mulher.
— Pelo menos a senhora Salvatore colocou Jenna no lugar dela e
não deixou que ela batesse em Hadassah.
— Sim, mas Jenna vai me encher pelo resto da vida por ter
apanhado da Hadassah.
Domênica solta um suspiro.
— Não posso discordar. Mas não se preocupe, Hadassah é uma
menina forte. Ela é páreo para a senhorita Jena.
— Vou falar com ela — é o que digo, fazendo Domênica assentir em
concordância.
Meus passos pesados ecoam no corredor ao me dirigir ao quarto de
Hadassah. Sinto um formigamento no peito e uma urgência de resolver as
coisas com ela. Seguro a maçaneta e entro no cômodo em silêncio,
encontrando-a deitada na cama. Assim que me nota, ela fecha os olhos,
fingindo dormir, uma tentativa de evitar o confronto comigo.
Com cuidado, me aproximo dela e me sento ao seu lado na cama,
observando-a. Ela mantém os olhos fechados e parece tão vulnerável diante
de mim, mas ao mesmo tempo, há uma tenacidade oculta em seus traços.
Respiro fundo, tento encontrar as palavras certas para abrir um
diálogo entre nós.
— Cristallo — chamo suavemente, minha voz quebrando o silêncio
do quarto. Ela não responde imediatamente, mas sei que me ouviu. —
Precisamos conversar.
Sinto o peso da sua relutância no ar enquanto espero por uma
resposta.
— Cristallo... você precisa falar comigo.
— Não me chame de Cristallo. E não quero conversar agora, Matteo
— retruca, me deixando instantaneamente irritado.
— Por que está chateada comigo?
— Quero ir embora.
— Sabe que não vou deixar.
— Você não manda em mim.
Suspiro, controlando os meus instintos e as palavras ácidas na ponta
da língua. Não quero ser um filho da puta, porque sei que ela está chateada,
mas é irritante o quanto preciso ser paciente.
— Olhe pra mim — ordeno.
Há um momento de hesitação antes que ela bata as pestanas e lance
os olhos para mim.
— O que aconteceu entre você e a Jenna?
— Veio defender a sua namorada?
— Ela não é minha namorada — respondo rápido e meio ríspido.
— Então, você nunca transou com ela? — rebate, sentando na cama,
os olhos azuis me analisando com uma intensidade que me faz engolir em
seco. — Hein?
— Não vamos conversar sobre isso.
— Vou entender isso como um sim.
Hadassah recolhe as pernas e abraça, mesmo que queira evitar meus
olhos, ela não o faz, fica me encarando, com uma mistura de raiva e
tristeza.
— O que aconteceu?
— Eu bati nela, porque sou uma pobre coitada, marginal, vagabunda
e barraqueira — crispa, torcendo os lábios.
— Cristallo...
— Ela me provocou e eu não tenho nível intelectual para ignorar
esse tipo de coisa.
Fico um pouco frustrado ao ouvi-la, só que também me dói vê-la tão
magoada. Inclino-me para mais perto e toco gentilmente o seu rosto,
traçando os contornos do seu maxilar.
— Não deixe que ela atinja você, Cristallo.
Vejo um lampejo de alívio nos seus olhos, mas dura pouco tempo.
— Quero ficar sozinha, Matteo. Por favor.
Mesmo com vontade de fazer exatamente o contrário, eu decido
respeitar Hadassah, e contra todos os meus instintos, giro nos calcanhares e
saio do quarto, dando exatamente o que ela quer.
Desde o incidente com Jenna, tenho evitado Matteo como se ele
fosse um terreno minado prestes a explodir.
É irônico como o coração pode doer por algo que não deveria nos
afetar tanto.
Eu sei que Jenna não é a namorada oficial de Matteo, mas tenho
certeza de que os dois já andaram transando e infelizmente, isso tudo,
machuca mais do que eu gostaria de admitir.
A verdade é que no fundo, eu queria que Matteo fosse meu, mas sei
que não estou no mesmo nível para competir com alguém como Jenna. Ela
é sofisticada, linda, elegante, educada, enquanto eu sou apenas uma garota
que não terminou o ensino médio, trabalha muito para conseguir sobreviver
e não tem nem onde morar.
Eu fico pensando se eu deveria tentar ser como ela. Usar o mesmo
estilo de roupas, cuidar mais do meu cabelo e saber comer com todos
aqueles talheres que a Domênica coloca em cima da mesa.
Mas acho que nem assim vou me sentir à altura de Jenna. Sempre
fui a garota simples, apenas tentando sobreviver em um mundo que parece
tão distante do meu alcance.
Droga.
Isso é como uma daquelas feridas que sempre fica aberta,
impossível de cicatrizar.
Meus olhos se fixam no terrário de vidro no canto da sala, onde
Calíope costuma repousar. Com um suspiro, me aproximo e a admiro com
atenção.
É estranho, mas sinto uma conexão com ela. Talvez seja porque, de
certa forma, também me sinto perdida e deslocada neste lugar.
Com cuidado, abro a porta do terrário e estendo minha mão. Calíope
parece me reconhecer, se movendo com delicadeza em direção a mim. Com
um pouco de apreensão, mas também com uma sensação de tranquilidade,
seguro-a gentilmente, permitindo que ela deslize por entre meus dedos.
Envolvida pela sua pele suave e fria, me sinto rapidamente aliviada.
É como se, por um instante, eu pudesse escapar de todos os problemas e
preocupações que me afligem.
A cobra parece compreender minha melancolia, permanecendo
quieta nos meus braços como uma companheira silenciosa.
— Como você pode ser tão assustadora e linda? — pergunto e ela
sibila, me fazendo sorrir.
Tomo um leve sobressalto ao ver Jenna entrar na sala. Meus olhos
encontram os dela e um arrepio percorre a minha espinha. Sinto tanta raiva,
que preciso prender a respiração para me controlar.
Noto que há um pouco de medo em seu olhar, mas não direcionado
a mim, e sim, à Calíope, que eu seguro com gentileza nos braços.
Calíope parece notar a tensão no ambiente, pois se contorce um
pouco em meus braços, emitindo um leve sibilo. Eu não posso deixar de
sorrir diante da ironia da situação: a mulher tão segura de si, que já me
humilhou, agora está acuada diante de uma simples cobra.
— Ela não vai te fazer mal, Jenna — murmuro com ironia. —
Calíope é inofensiva.
Jenna mantém uma distância segura entre nós, os olhos grudados na
cobra com uma mistura de medo e desdém. Por um momento, eu me sinto
no controle da situação, segura pela presença da cobra nos meus braços.
É uma sensação de poder que nunca pensei em ter diante de Jenna, e
é estranhamente libertador, o que não dura muito tempo.
Jenna está segurando uma sacola e ao abri-la, ela retira um uniforme
e joga em cima do sofá, arqueando uma sobrancelha para mim.
— Não vai ficar nesta casa de graça.
Olho para a peça de roupa em cima do sofá e tento entender.
— Como?
— Você vai trabalhar para ganhar a sua estadia aqui, querida. A
partir de agora, você será a empregada desta casa. E seu primeiro trabalho
será limpar os banheiros da mansão — informa com um sorriso cruel,
desprovido de qualquer vestígio de compaixão ou simpatia. — Vamos lá,
vagabunda. Guarde essa cobra e vista o uniforme.
Meu coração gela diante das palavras de Jenna, e uma sensação de
revolta e indignação toma conta de mim.
Com as mãos trêmulas, coloco Calíope de volta em seu terrário de
vidro, ignorando o olhar desafiador da bruxa que me analisa. Respiro fundo,
tentando controlar a raiva que borbulha dentro de mim, mas é em vão.
Eu me recuso a obedecer a essa mulher odiosa.
— Não que lavar banheiro seja um trabalho indigno, mas não vou
obedecer a você, Jenna.
— Ah, marginal. Ainda não entendeu que é uma questão de ordem?
A partir de agora, você vai fazer o que eu mandar.
— Você não pode me forçar a fazer nada.
Ela ri com desdém.
— Ah, posso sim. E vai se arrepender se tentar resistir. Você é
apenas uma garota pobre e sem educação, não tem lugar nesta mansão além
de ser uma serviçal.
Eu sei que o que ela fala é apenas para me atingir, ainda assim, dói
ter de escutar algo assim.
— Qual é o seu problema comigo? Eu nunca te fiz nada.
— Você roubou o que é meu.
— Matteo?
— Sim.
Cruzo os braços na altura dos seios e arqueio as sobrancelhas para
ela.
— Matteo é grande o suficiente para saber o que ele quer. E
honestamente, não acho que ele seja o tipo de homem que tenha uma dona.
Ainda mais alguém como você.
— Está mesmo me desafiando, coisinha?
— Me deixa em paz, por favor.
— Não. Na verdade, eu vou fazer você aprender onde é o seu lugar.
— Como? — rebato, erguendo o queixo. Não vou baixar a cabeça
para essa mulher doida.
— Se não fizer o que eu mandar, vou garantir que seja expulsa
daqui. Tenho mais influência sobre Matteo do que imagina. Agora, pegue
esse uniforme e faça o que eu mandei, ou vai se arrepender.
— Não.
— Ah, então quer ser difícil? Vou te ensinar uma lição, marginal.
— Pare de me chamar de marginal, sua vaca — retruco, incapaz de
conseguir me controlar. — Se me insultar mais uma vez, vou dar outro tapa
na sua cara. Dessa vez, nem a maquiagem vai conseguir esconder o
hematoma.
Furiosa, ela joga a bolsa no sofá e vem para cima de mim, agarrando
o meu braço com força. Jenna puxa os meus cabelos e tenta acertar um
golpe no meu rosto, eu tento recuar, mas é em vão.
Nossos corpos se chocam e eu sinto a adrenalina pulsar nas minhas
veias, meu coração batendo descompassado enquanto eu tento me defender
dos golpes dela.
Os cabelos de Jenna se enroscam nos meus dedos e as suas unhas
arranham minha pele, deixando marcas vermelhas pelo caminho. Ela acerta
um golpe no meu rosto, fazendo-me sentir gosto de ferrugem.
Os gritos de Jenna perdem força quando Matteo ordena que ela pare,
e de repente, eu sinto mãos familiares me puxando para trás e a pressão no
meu braço e cabelos finalmente cessa.
Quando olho para frente, percebo que Cesare está controlando Jenna
e Matteo está me segurando.
Ele me conduz para longe da confusão, afastando-me daquela
energia carregada de raiva.
— Por que está segurando ela? — Jenna pergunta, se debatendo
contra Cesare. — Por que está do lado dela e não do meu? — ela berra e
Cesare apenas a leva para fora da mansão.
Meu coração ainda bate acelerado, a adrenalina da briga pulsando
nas minhas veias. Matteo me vira para ele e sem que eu tenha pedido, seus
dedos ajeitam os meus cabelos, e consequentemente, acaba acalmando o
meu coração.
— Ela machucou seu rosto — Matteo diz entre os dentes, o maxilar
contraindo de raiva. Sinto a sua tensão e isso me faz estremecer, mas
mantenho meu olhar firme ao seu. — Tem alguma parte do seu corpo
doendo?
Balanço a cabeça em negativa, tentando conter as lágrimas que
insistem em escapar. Meu corpo inteiro está inquieto, reagindo à
proximidade de Matteo e à situação em si.
— Me desculpe — falo num tom baixo. — Eu estou causando muita
confusão na sua casa — admito, me sentindo envergonhada por ser uma
fonte de problemas.
— Shiii...
Matteo me puxa gentilmente para seus braços, me envolvendo num
abraço reconfortante que faz meu coração se acalmar um pouco. Os seus
dedos grossos e quentes acariciam meus cabelos com carinho, transmitindo
uma sensação de segurança que eu não sabia que precisava.
— Prometo que ela não vai mais incomodar você — Matteo
murmura, e eu o aperto ainda mais contra o meu corpo, me agarrando a ele
com tudo que eu tenho.
Matteo me leva até o seu quarto e me faz sentar no sofá. Observo-o
com atenção enquanto ele começa a cuidar do machucado do meu rosto.
Seus dedos são gentis, mas firmes quando limpam a ferida, e isso me faz
sentir um pouco vulnerável.
Nossos olhos se encontram, azul no azul e eu engulo em seco,
querendo respostas que talvez nem eu mesma saiba formular.
— Você acha que sou uma pobre coitada, Matteo? — a pergunta sai
de entre os meus lábios antes que eu possa detê-la.
Matteo para de repente e há uma suavidade no seu olhar que me
tranquiliza, só que também existe uma intensidade que me deixa inquieta.
— Claro que não.
— Pode me responder uma coisa?
— O quê?
— Há quanto tempo conhece a Jenna?
Matteo contrai o músculo do maxilar e fica em silêncio por uma
fração de segundo. E eu sei que ele não quer me responder, no entanto, eu
preciso saber.
— Por favor, me diz.
— Há muito tempo, Cristallo. Mais do que gostaria — ele admite e
eu abaixo os olhos, sentindo meu coração doer.
Matteo envolve o meu queixo com o polegar e o indicador e levanta
o meu rosto, buscando o meu olhar.
— Como posso competir com isso?
Ele parece confuso ao me ouvir.
— Competir?
Molho os lábios com a língua antes de voltar a falar.
— O que você viu em mim, Matteo? — quero saber e odeio que
meus olhos ardam por conta das lágrimas. — Jenna é linda, inteligente e
brilhante. E eu? Eu não tenho nada a oferecer.
Matteo respira fundo.
— É por que eu te ajudei naquele dia no metrô? — insisto, porque
ele não me responde. — Você se sente em dívida comigo?
— Não, Cristallo.
— Eu não entendo.
— A primeira vez que eu te vi... você estava no rinque de patinação
— ele começa a falar e de repente, os olhos azuis se tornam um tom mais
escuro. — Você estava sozinha, dançando a música favorita da minha mãe.
Vienna. Eu não escutava aquela música há tantos anos.
— Isso foi no mesmo dia do metrô... no meu aniversário.
— Sim — Matteo confirma. — Eu te observei por um tempo
naquela noite, depois te segui até o metrô. Não consegui tirar os olhos de
você. E então... — As palavras morrem na sua garganta e ele fecha os olhos
por um momento.
Ajeito-me no sofá e vou para mais perto dele, segurando as suas
mãos entre as minhas, fazendo-o olhar para mim.
— Então o quê?
— Aquela música que você cantou pra sua mãe... — ele diz com
dificuldade, como se fosse doloroso demais. — Minha mãe costumava
cantar pra mim antes de dormir.
Abro meio sorriso.
— A música do Beatles? É a minha preferida.
— Sim — ele responde e para minha surpresa leva a mão até o
peito. — Ela... eu...
Meu coração se aperta ao ver a expressão de desconforto no rosto de
Matteo. Rapidamente, me levanto do sofá e fico de joelhos, de frente para
ele.
— Matteo?
Ele tenta desfazer o nó da gravata, mas a sua mão treme
ligeiramente. Sem hesitar, estendo a minha mão e coloco-a sobre seu peito,
sentindo o ritmo acelerado do seu coração.
— Respire, Matteo. Respire comigo — digo, guiando-o em
respirações profundas e lentas.
— Minha cabeça...
Ele fecha os olhos com força e meio desesperada, agarro uma de
suas mãos e aperto o ponto entre o polegar e o indicador.
— Tudo bem, vai passar. Apenas, respire comigo.
Devagar, ele abre os olhos e se concentra em seguir o meu ritmo de
respiração. Aos poucos, a sua respiração se torna mais calma e controlada, e
a expressão vai suavizando.
— Se sente melhor? — pergunto, mantendo a sua mão entre as
minhas.
— Sim.
— Sua mãe é um assunto difícil... — murmuro, me sentindo um
pouco culpada por ter trazido o assunto à tona. — Não precisamos falar
disso, tudo bem?
— Você está aqui comigo, porque quando eu olhei pra você pela
primeira vez, eu vi a pureza que eu já tive um dia... uma esperança que se
perdeu dentro de mim, nos lugares mais sombrios da minha alma.
Forço o caroço no meio da garganta a descer.
— Você fala como se fosse um homem mau.
— E eu sou. Apenas, nunca serei ruim com você.
— Por quê?
— Porque eu não quero que tenha medo de mim. Porque eu quero
que seja minha — fala, tomando o meu rosto com uma das mãos e me
arrancando um suspiro.
Meu coração dispara, ecoando nos meus ouvidos com força.
— Matteo... — minha voz é apenas um sussurro, mas ele parece
ouvir com clareza.
Ele se inclina para frente, os seus lábios a centímetros dos meus, e
sinto meu coração bater descompassado contra o peito. A tensão no ar é
palpável, cheia de uma eletricidade que nos envolve como um abraço.
— Cristallo... precisa entender uma coisa.
— O quê?
— Se eu te tomar para mim, não haverá espaço para mais ninguém
— ele murmura, os olhos buscando os meus em uma súplica silenciosa. —
Eu jamais permitirei que você vá embora.
E então, sem pensar, eu me entrego ao desejo que queima dentro de
mim, fundindo meus lábios aos seus num beijo que é ao mesmo tempo
suave e arrebatador, selando o meu destino.
Sinto as mãos de Matteo explorando meu corpo com uma
determinação possessiva, os dedos ágeis procurando os botões do meu
vestido para abri-los. Em um instante de rendição total, permito que ele
desabotoe e quando o faz, ele se levanta do sofá, me fazendo ficar de pé
também.
Sem desgrudar as nossas bocas, ele passa o tecido macio pelos meus
braços e eu me entrego completamente ao homem que me salvou e inundou
meu coração de amor, proteção e segurança.
Matteo me guia até a cama, as mãos trabalhando com o fecho do
meu sutiã para libertar os meus seios. Seus lábios encontram a curvatura da
pele do meu pescoço num beijo molhado e quente, enviando calafrios de
prazer para o meio entre as minhas pernas.
Devagarinho, seus dentes encontram minha pele, marcando-a com
uma intensidade que me faz gemer em resposta. É uma mistura irresistível
de dor e prazer, deixando uma marca na minha pele enquanto ele me
reivindica como sua.
— Você é tão macia, Cristallo.
Com as mãos tremendo, eu alcanço a sua gravata e afrouxo o nó,
depois, a tiro. Ele me ajuda com o terno e a blusa social. Solto um suspiro
baixo ao ver o abdômen marcado com gominhos e as entradas profundas
que se esconde sob o tecido da calça.
Contemplo a visão tentadora diante de mim, dando ênfase na
protuberância que se destaca sob o tecido ajustado da calça. É uma visão
que me deixa sem fôlego, alimentando o fogo que arde dentro de mim com
uma intensidade incontrolável.
Sem desviar os olhos de mim, Matteo dá um passo para trás e abre o
cinto da sua calça com movimentos deliberados, o som suave do metal
deslizando pela fivela ecoa no quarto. Respiro fundo, incapaz de desviar o
olhar quando ele se livra das roupas e sapatos e fica apenas de cueca boxer,
o volume grande apontando para mim.
Ele volta a se aproximar e puxa as alças do meu sutiã me deixando
completamente exposta. Seus olhos brilham ao encontrar os meus mamilos
entumecidos. Um gemido escapa dos meus lábios quando ele inclina o rosto
para frente, a boca quente encontrando a pele sensível do meu seio.
Sinto um arrepio percorrer minha espinha quando ele começa a
sugar com uma força deliciosa, os lábios e língua explorando cada
centímetro da minha pele com uma voracidade faminta.
— Matteo... — gemo, meu corpo tremendo sob o toque.
— Tão doce... — grunhe, rolando a língua pela pele do mamilo,
enquanto a outra mão agarra meu outro seio, apertando.
Eu fico perdida em uma névoa de prazer, meu corpo inteiro reagindo
às suas carícias de uma maneira que me deixa sem fôlego. São tantas
sensações inundando meu corpo que sinto que vou explodir de tesão a
qualquer momento.
— Matteo... — gemo quando ele começa a chupar meu outro seio.
Jogo a cabeça para trás, aproveitando o toque da boca dele. — Eu sou... eu
sou...
Não quero estragar o momento, mas preciso dizer que sou virgem.
Eu nunca estive com ninguém e embora seja loucura eu já confiar nele,
ainda assim, tenho um pouco de medo de como as coisas serão.
Os olhos azuis dilatados me atingem.
— Eu sei, Cristallo.
— Sabe?
Ele envolve a mão na minha nuca, os dedos entrelaçando no meu
pescoço e eu me sinto envolvida pela presença dominante dele.
— Você é tão doce e meiga — sussurra ao mesmo tempo em que a
outra mão desce pela lateral do meu corpo, encontrando a minha calcinha.
— Hoje... eu prometo ser gentil com você.
A sensação das suas mãos explorando meu corpo me faz arquejar de
desejo, meu coração batendo descompassadamente no peito.
— E depois? — pergunto, minha voz mal conseguindo encontrar a
firmeza diante do turbilhão de emoções que me consome.
— Depois, eu vou te ensinar que ser fodida com força por mim é
mais gostoso do que assustador.
Meu coração acelera mais ainda, minha mente girando com a
excitação do que está por vir.
Com um toque gentil, Matteo desliza a calcinha por minhas pernas,
me deixando completamente exposta para ele. É impossível não me sentir
vulnerável e excitada na mesma proporção.
— Deite-se na cama — ele ordena e arfando, eu o faço. — Abre
bem as pernas para mim — continua, com o tom autoritário.
Devido a minha flexibilidade, quando acato a segunda ordem de
Matteo, ele deixa escapar uma espécie de som gutural. Os olhos brilham
com uma intensidade feroz quando ele se aproxima e me observa.
— Sua boceta tá toda molhada, Cristallo.
Minhas bochechas queimam de vergonha.
Matteo fica de joelhos diante de mim e eu sinto a sua respiração
quente e irregular roçando na minha boceta. Um arrepio eletrizante percorre
toda minha a espinha quando ele coloca a língua para fora e traça um
caminho de beijos pela minha coxa interna, me provocando, deixando uma
trilha de calor no seu rastro.
— Você é tão linda, Cristallo.
Minha pele começa a formigar em ansiedade, com a expectativa de
sentir a sua boca no meu centro de prazer.
Com um movimento decidido, Matteo finalmente mergulha entre as
minhas pernas, a sua língua traçando padrões de fogo na minha abertura
úmida. Um gemido escapa dos meus lábios quando ele toca meu clitóris, a
sua língua ágil explorando cada recanto, saboreando meu gosto com uma
devoção implacável.
— Que boceta doce — ele grunhe.
Sinto minhas pernas tremerem diante da intensidade do prazer que
ele me proporciona, meu corpo se contorcendo em êxtase sob seu toque
habilidoso. É uma sensação avassaladora, uma explosão de prazer que
ameaça me consumir por inteira.
Estico a mão e toco os seus cabelos, puxando com força, enquanto
ele continua a me devorar com uma fome voraz.
— Matteo...
Cada movimento da sua língua é como uma onda de calor que se
espalha por todo o meu ser, me levando cada vez mais perto do limite do
prazer.
— Goza, Cristallo... se entrega pra mim.
É tudo o que preciso ouvir.
Matteo desliza a língua habilidosa por toda a minha fenda e volta
para o ponto sensível, pressionando com uma precisão que me deixa
arrepiada de desejo. Seu toque provoca um calor crescente no meu corpo,
enquanto a boca faminta explora cada curva e recanto da minha boceta.
Os gemidos que escapam dos meus lábios ecoam em sintonia com
as batidas frenéticas do meu coração.
Deixo-me levar pelo turbilhão de sensações que me envolvem, me
entregando completamente ao prazer que ele me proporciona. Meu corpo se
arqueia em uma onda de êxtase quando estou quase alcançando o clímax, e
uma explosão de prazer me faz gritar seu nome.
As mãos de Matteo me seguram com firmeza na cama conforme eu
sucumbo ao prazer, os lábios ávidos continuam no meu sexo, me lambendo,
me provocando, me fazendo desfalecer sob a intensidade do momento.
Sinto o corpo tremer em pequenas convulsões ao mesmo tempo em
que ele continua a me devorar com uma fome insaciável, me deixando
ainda mais sensível.
E então, em um momento de pura entrega, eu me desfaço na sua
boca, meu corpo pulsando com uma onda interminável de prazer inebriante.
Sinto-me submersa em um oceano de sensações deliciosas, cada célula do
meu ser vibrando em harmonia com o desejo que arde dentro de mim.
Eu me entrego completamente, mas sei que é bem mais do que meu
corpo sendo entregue ao Matteo. É a minha alma também. O meu coração.
Mesmo depois de eu ter gozado, Matteo continua me lambendo e eu
não consigo controlar os meus gemidos nem os tremores involuntários das
minhas pernas.
— Que bocetinha deliciosa, Cristallo. Vai ser a porra da minha
droga — ele murmura e só então, se afasta de entre as minhas pernas. Ao
fazê-lo, noto a sua barba toda melada por causa dos meus fluídos. É tão
sensual e instigante, que faz as minhas entranhas se contorcerem.
Minha respiração se torna irregular enquanto o observo, meu corpo
latejando com a excitação que ele desperta em mim. É como se
estivéssemos conectados em um nível mais profundo, nossos desejos
entrelaçados.
Ele fica completamente ereto e com seu olhar ardente fixo em mim,
como se pudesse me comer inteira, Matteo tira a cueca boxer, revelando o
pau rijo e grosso para mim.
Engulo em seco e lambo os lábios, suspirando.
Deixo escapar um gemido baixo no momento em que ele agarra o
membro e bombeia rápido, uma massagem provocante que me faz arquejar.
— Olha bem pro meu pau, Cristallo — ele murmura com a voz
rouca e impregnada de desejo. — Com ele, eu vou te fazer mulher. Vou
reivindicar o seu corpo e te tornar minha propriedade.
Sinto meu coração disparar, meu corpo pulsando com uma excitação
avassaladora, pronta para me entregar ao domínio de Matteo.
— Hadassah, você será minha. Seu coração, sua alma, todo seu ser...
eles pertencerão a mim — ele murmura ao cobrir meu corpo com o seu na
cama, seu olhar predador mirando o meu. — E eu vou reivindicar cada
pedaço de você, até não restar nada além da minha marca na sua alma.
— Matteo — gemo seu nome em antecipação quando ele se
posiciona entre as minhas pernas e os seus dedos começam a tocar os lábios
da minha boceta, explorando de mansinho.
— Você é minha, Hadassah, e ninguém mais terá o direito de tocar
em você — ele fala enquanto me encara e eu sei que não há nada que eu
queira mais do que ser possuída por ele.
Um gemido escapa de entre os meus lábios quando sinto a sua
entrada, dois dos seus dedos me penetrando bem lentamente, num ritmo
calmo de vaivém, como se estivesse me conhecendo.
— Tão apertadinha.
Ele continua, me deixando sem fôlego. Os movimentos explodem
no meu corpo, uma mistura de prazer e dor, mas é tão bom, que me faz
arquear o quadril contra a sua mão e gemer mais alto.
— Relaxa, Cristallo — ele pede com a voz rouca e a respiração
pesada.
Matteo continua com os movimentos de dentro e fora, o toque é tão
bom, que não demora para as minhas pernas começarem a tremer outra vez.
Antes que possa me entregar completamente ao prazer, Matteo retira
os dedos e enfia na própria boca, sugando com avidez e saboreando o meu
gosto de forma lasciva. Em seguida, agarra o seu pau duro e grosso e brinca
com a minha entrada, me preparando para a sua invasão.
Um gemido escapa dos meus lábios quando sinto a ponta do seu
membro pressionar contra mim, minha respiração fica entrecortada pela
expectativa do que está por vir.
Ele geme baixinho e contrai o maxilar, como se estivesse fazendo
um esforço visível para ir devagar e me dar tempo para me acostumar com
o seu tamanho.
Aos poucos, Matteo vai penetrando em mim, a sua entrada sendo
uma mistura de dor e prazer que me faz arquejar. A sua grandeza contrasta
com a minha virgindade, mas aos poucos meu corpo se adapta ao seu
tamanho, acolhendo-o com um calor avassalador que nos envolve.
A dor é quase insuportável quando Matteo entra completamente e eu
sinto como se algo se rompesse dentro de mim. Ele fica imóvel e os olhos
azuis encontram os meus.
Uma mão se esgueira entre nós e eu o sinto tocar o meu clitóris
inchado, fazendo movimentos circulares que relaxa os meus músculos e me
faz esquecer da dor. Em um impulso de desejo, eu procuro a sua boca para
um beijo, afundando a minha língua nele.
É intoxicante sentir o sabor do meu próprio sexo na sua boca.
Sinto como se eu fosse a dona dele.
Matteo continua a tocar meu ponto sensível até que o prazer começa
a superar a dor e meus músculos relaxam sob seu toque saliente. E então,
com um gemido rouco de prazer, ele começa a se mexer dentro de mim, os
movimentos lentos e deliberados, permitindo-me ajustar-me gradualmente à
sua presença dominadora e o seu tamanho grande.
— Você é tão gostosa, Cristallo. Tão apertadinha.
Embora a dor inicial tenha cedido espaço para uma sensação de
plenitude e deleite e meu corpo esteja respondendo aos seus toques com
uma entrega total, não sei se consigo chegar ao clímax outra vez. No
entanto, eu quero que ele goze.
— Eu quero te devorar, Cristallo. Sentir cada centímetro do seu
corpo respondendo ao meu toque, ao meu desejo.
— Então me devora, Matteo — sussurro, fazendo os olhos dele
brilharem de maneira lasciva.
É a coisa mais provocativa que consigo dizer e parece ser o
suficiente, porque ele morde o meu lábio inferior com tanta força, que sinto
gosto de sangue, mas não me incomoda, é bom pra caramba.
Nossos corpos se movem em sincronia e cada estocada de Matteo
envia ondas de prazer pelo meu corpo, arrepiando a minha pele. Seus
gemidos roucos ecoam no ar e são tão sexys, que me fazem apertar as
pernas em volta da sua cintura.
Ele enterra o rosto no meu pescoço para beijar e morder, enquanto
me penetra com força. Mordo o lábio inferior para aguentar a dor e cravo as
unhas nas suas costas, me segurando nele com força.
Quando ele atinge o ápice do êxtase, eu sinto o líquido quente me
preencher e é como se o mundo inteiro desaparecesse durante o momento
em que ele se perde em mim. Matteo geme o meu nome, me apertando com
força, como se precisasse de mim para viver.
E isso é um momento de pura entrega e conexão, nossos corpos
suados e entrelaçados em meio aos lençóis na cama.
— Você é tão deliciosa, Cristallo — ele sussurra, salpicando beijos
nos meus ombros e me roubando um sorriso. — Sua pele macia, seus
gemidos de prazer... é como se você fosse feita sob medida para mim.
Seguro o rosto de Matteo entre as minhas mãos com delicadeza e
me perco nos seus olhos penetrantes que parecem ver através da minha
alma.
É assustador, mas apesar de mal o conhecer, eu sei que estou
apaixonada por ele. Não sei como esse sentimento se apoderou de mim tão
rápido, mas ao mesmo tempo é inegável.
Não posso negar a intensidade do que sinto por ele, a maneira como
meu coração dispara na presença dele, como meu mundo parece mais
completo e seguro quando estou ao seu lado.
— Que foi? — ele quer saber.
Sorrio, enrugando o nariz.
— Gosto quando você me chama de Cristallo. Eu me sinto preciosa
como um diamante — murmuro.
Matteo respira fundo e tira os cabelos da minha testa, sem perder os
meus olhos.
— Você é mais preciosa que um diamante, Hadassah.
— Matteo... Matteo... você diz coisas tão bonitas. Por isso que a
Jenna é obcecada por você — digo, incapaz de controlar o meu ciúme.
Ele revira os olhos e bufa.
— Não acredito que está falando dela.
— Não resisti.
— Não é que eu diga coisas bonitas, Cristallo. É que pra você... eu
sou um lobo na pele de cordeiro — sussurra, os olhos azuis ficando mais
afiados e sombrios.
— Então você é tipo o lobo mau? — pergunto, deixando uma pitada
de humor colorir minhas palavras.
— Na maior parte do tempo? Sim. Pra você? Nunca — ele responde
com uma confiança que preenche o quarto e me faz arfar.
Essa conversa toda deveria me assustar, mas a única coisa que faço,
é abrir um sorriso para Matteo.
— Então, você é tipo aquele cara mau que minha mãe disse pra eu
ficar longe, não é?
Matteo inclina a cabeça, os olhos brilhando com malícia.
— Sua mãe te deu esse conselho?
— Sim, quando eu tinha uns sete anos.
Uma faísca de diversão atravessa o seu rosto quando ele se inclina
para mais perto, o hálito quente acariciando a minha pele.
— Ela tem razão. Mas, agora é tarde demais pra você, Cristallo —
ele fala com um sorriso perverso curvando os lábios. — O lobo mau já
cruzou o seu caminho — emenda e desce um pouco para chupar um dos
meus seios, me fazendo rir e me deixando excitada ao mesmo tempo.
No fundo, sei que estou exatamente onde pertenço, entregue aos
braços do lobo mau que capturou meu coração.
Pela primeira vez em vinte e três anos, eu não fui arrancado do sono
pelo eco dos meus demônios internos.
Será que a presença dessa garota doce seja o remédio da minha alma
aflita?
Admiro-a com cuidado enquanto ela dorme, os cabelos espalhados
sobre o travesseiro, os lábios grossos entreabertos em um suspiro suave. Ela
parece tão tranquila, tão serena, como se nada pudesse perturbá-la.
E, no fundo, talvez seja isso que tanto me atraia nela: essa aura de
paz que ela emana, como se fosse capaz de afastar todas as minhas sombras
com um simples toque, mesmo que a sua própria vida seja tão complicada.
Inconscientemente, minha mão busca a dela, entrelaçando os nossos
dedos devagar. Sinto uma conexão, uma proximidade que vai muito além
das palavras. Talvez Hadassah seja minha âncora, minha luz no fim do túnel
escuro e sombrio que é minha existência.
Meu coração se agita diante dela, uma sensação estranha e ao
mesmo tempo reconfortante.
Será que ela é mesmo a minha cura?
Será que Hadassah é capaz de me libertar das correntes do meu
passado?
Nunca pensei que alguém pudesse ter tanto impacto em mim. Desde
o momento em que a vi, algo dentro de mim despertou e ela não tem a
mínima ideia do poder que exerce sobre mim, do quanto sua simples
existência é capaz de mudar meu mundo.
Hadassah acorda, os cílios se movendo devagar enquanto os olhos
se abrem para encontrar os meus. Há surpresa e ternura em seu olhar, como
se ela estivesse processando o momento.
Um sorriso sonolento curva os seus lábios.
— Você é ainda mais linda pela manhã, Cristallo.
Estendo a minha mão para acariciar a sua bochecha, deixando meus
dedos traçarem o contorno delicado do seu rosto.
— Como você dormiu? Teve algum pesadelo?
— Não.
O sorriso dela aumenta.
— Nenhum?
— Pela primeira vez em muito tempo, eu tive uma boa noite de sono
— admito e o rosto dela se ilumina. — Terá que dormir comigo todas as
noites a partir de agora.
— Eu? Por quê?
— Você é meu remédio. Não posso ficar sem ele — admito e o rosto
dela se ilumina.
Minhas mãos encaixam na sua cintura e a trago para mim,
colocando-a em cima do meu corpo. Ela geme em surpresa ao sentir minha
ereção matinal e com um sorriso lascivo, eu procuro a sua boca para um
beijo.
Ela fica tímida no começo, mas se deixa levar por mim.
— Às vezes parece que eu tô sonhando — ela sussurra contra os
meus lábios e respira fundo. — Eu sei que aconteceu muita coisa
ultimamente, mas eu nunca fui tão feliz.
Ouvir aquilo me faz contorcer os músculos do meu rosto por causa
da ira que borbulha em mim.
— Seu pai... e o seu irmão... Eu posso dar um jeito neles.
A expressão de Hadassah é de puro pânico, os seus olhos se
arregalam e ela se afasta de mim, como se temesse o que eu poderia fazer.
— Como assim dar um jeito neles? — pergunta e engole em seco.
— Por favor, não faça nada. Eu sei que eles me fizeram mal, mas não quero
que nada de ruim aconteça. Por favor, Matteo.
A ira queima dentro do meu peito, uma chama que ameaça consumir
tudo ao meu redor. Eu estou pronto para enfrentar qualquer um que se
atreva a maltratá-la, que se atreva a deixá-la infeliz, mas vê-la assustada
desse jeito, mexe comigo.
Respiro fundo, tentando conter a fúria. Olho nos olhos dela,
buscando transmitir calma, apesar de que eu mesmo não esteja totalmente
certo disso.
— Tudo bem. Foi apenas uma sugestão.
— Sugestão?
— Não precisa se preocupar, Cristallo. Ninguém morrerá — digo,
minhas palavras soando firmes e eu noto que vincos se formam na sua testa.
— Ah... tá bom — murmura, me olhando com uma expressão de
alívio, apreensão e desconfiança.
— Eu preciso trabalhar — é o que falo ao sair da cama e ir direto
para o banheiro com a sensação de que falei mais do que deveria.

A forma como Hadassah tenta esconder os sorrisos quando trocamos


olhares durante o café da manhã me faz querer sorrir também.
Ela fica adorável ao tentar disfarçar a felicidade, como se estivesse
guardando um segredo que apenas nós dois compartilhamos. Não consigo
evitar a sensação de satisfação ao pensar que isso tem a ver comigo.
— Aconteceu alguma coisa, menina? — Domênica pergunta,
corando as bochechas de Hadassah. — Está radiante hoje.
Ela não responde, então, Domênica lança um olhar inquisidor para
mim ao mesmo tempo em que Cesare tenta fingir que nada aconteceu.
Dou de ombros, fazendo minha governanta arquear uma
sobrancelha.
— Matteo... — Hadassah começa a falar, mexendo distraidamente
na comida do prato e depois, encontra o meu olhar. — Eu estive pensando.
Você perguntou se eu tinha vontade de voltar a estudar. Estava falando
sério?
— Sim.
Hadassah parece surpresa com minha resposta curta, mas ao mesmo
tempo, os seus lábios se curvam num leve sorriso.
— Você quer voltar a estudar? — pergunto e ela assente
timidamente. — Então, você voltará, Cristallo.
— De verdade? Não é muito tarde pra mim?
— Tarde? — é Domênica quem fala, entrando na conversa. —
Menina, você tem dezenove anos. Tem uma vida pela frente. É tarde demais
para quem já se foi.
— Tem algo mais que você quer? — questiono, fazendo os olhos
dela cintilarem contra mim.
— Tem tantas coisas, mas não vou pedir. Se me ajudar a voltar pra
escola, eu vou te agradecer pro resto da minha vida.
— Me peça o que quiser. Eu farei — digo, atraindo os olhos de
Cesare e Domênica para mim, mas não me importo. — Fale o que quer.
Hadassah deixa escapar um riso nervoso.
— Falando assim... faz parecer que você é dono do mundo.
Se ela soubesse que eu posso ser o dono do mundo dela.
— Quase isso.
— Hum... você pode aumentar o salário dos funcionários do
supermercado, e mandar reformar a nossa sala de convivência e os
vestiários. Os ventiladores de lá são horríveis. E a água do bebedouro tem
gosto de lodo.
Domênica começa a rir, e eu fico meio decepcionado.
— Ah, é isso que você quer? — Respiro fundo e lanço um olhar
sério para Cesare antes de articular: — Cuide de todas essas coisas, Cesare.
— Sim, senhor.
— O que mais?
Hadassah estreita os olhos e prensa os lábios por um longo segundo,
como se buscasse algo no fundo da memória.
— Os uniformes. O tecido é ruim e faz a gente feder debaixo do
braço — explica e Cesare não consegue conter a risada.
Encho os pulmões de ar e concordo com um aceno de cabeça.
— Ok. Mais alguma coisa?
Hadassah balança a cabeça de um lado para o outro, negando. Mas,
algo em seu rosto muda um pouco e ela hesita, como se quisesse pedir algo
mais sério, mas parece não ter coragem para falar.
— Peça — encorajo-a.
— Eu tenho um primo no Alabama... — ela começa a falar e para
por um momento, engolindo em seco. — Já que você sabe tudo sobre mim,
com certeza deve saber dele, não é? — questiona, mas não espera que eu
responda. — Ele está preso. Eu quero visitá-lo. Eu fui vê-lo no meu
aniversário, não faz muito tempo, mas Zane não recebe visita de ninguém.
Não gosto da sensação de que ele está sozinho.
O pedido de Hadassah me pega de surpresa, mas ao mesmo tempo,
admiro a compaixão que ela demonstra ao se preocupar com o bem-estar de
seu primo. Ela está pedindo algo tão simples, mas que para ela deve
significar muito.
Além dos estudos, ela não pediu nada exatamente para si mesma.
Pediu melhorias nos salários do mercado, na sala de convivência e agora,
quer ver o primo, porque ele não recebe muitas visitas.
Hadassah é realmente única.
— Não se preocupe, eu a levarei lá em segurança.
Ao me ouvir, ela abre um sorriso genuíno que é capaz de acelerar o
meu coração.

— Preciso que entre em contato com o melhor advogado


criminalista da nossa folha de pagamento — informo a Giancarlo, o nosso
conselheiro, que levanta levemente uma das sobrancelhas em curiosidade.
— Algum problema?
— Existe um caso que eu preciso que seja revisado.
Giancarlo se ajusta na cadeira confortável diante de mim.
— Zane. Está preso no Alabama há quase dez anos. Homicídio.
Ele se inclina ligeiramente para frente, demonstrando a sua atenção.
— Posso saber o seu interesse em algo tão aleatório?
— Ele é primo da Hadassah — admito, surpreendendo Giancarlo,
que assente. — Embora esteja preso, parece que é o único familiar vivo que
tem uma relação relativamente digna com ela.
— Você conhece Jenna há tantos anos e ela sempre foi apaixonada
por você, mas nunca fez o mínimo por ela. Hadassah chegou e você
simplesmente quer mover o mundo por essa garota. Por quê?
Respiro fundo e endireito os meus olhos, mantendo o olhar fixo no
conselheiro.
— Não preciso explicar os meus motivos.
Giancarlo assente em concordância, respeitando minha posição.
— Tem razão.
De repente, Jenna irrompe na sala do meu escritório, visivelmente
alterada, a expressão é de pura indignação. Os olhos escuros lançam faíscas
para mim, como se pudessem me atingir de alguma forma.
— Como assim você proibiu a minha entrada na sua casa? —
pergunta, a voz carrega um tom de acusação e as mãos tremem de raiva
contida.
Giancarlo apenas observa a cena com interesse, mas se mantém em
silêncio, deixando o confronto entre nós se desenrolar.
Permaneço imperturbável diante da explosão de Jenna.
— Não que você mereça uma explicação, porque a casa é minha.
Mas, já causou problemas demais na minha vida — respondo, soando firme
e áspero. — Não acha que ultrapassou muitos limites? Não posso permitir
que a sua presença continue causando desconforto.
A raiva de Jenna parece crescer ainda mais e ela avança na minha
direção, parando de frente para a mesa.
— Como você pôde fazer isso comigo? Depois de tudo o que
vivemos?! — ela grita, as palavras carregadas de mágoa e ressentimento.
Mantenho a minha postura firme, sem recuar diante do ataque
emocional de Jenna.
— Isso já foi o bastante — falo, a minha voz mais dura e cortante
agora. — Aceite isso como um aviso. Se quiser continuar a ter uma relação
cordial, será melhor que respeite minhas decisões.
Jenna me encara por um longo segundo, o olhar faiscando de raiva e
frustração. No entanto, ela parece perceber que não conseguirá mudar a
minha mente e, com um suspiro de derrota, vira-se e sai da sala.
— Sabe que ela ainda vai te causar problemas, não é? — Giancarlo
comenta, me irritando.
— Ela é maluca, mas não a esse ponto.
— Eu acho que é.
— Não me preocupo comigo, mas com a Hadassah — admito mais
para mim do que para ele.
— Então mantenha a sua protegida bem longe de Jenna.
Mesmo que não vá assumir em voz alta, Giancarlo tem razão. Jenna
sabe mais do que deveria sobre nós e não acho que seja o tipo de mulher
que aceite uma derrota tão facilmente.
Entro no escritório da mansão Salvatore com uma sensação de
apreensão pesando nos meus ombros e me acomodo em um lugar à mesa de
mogno.
Alberto Salvatore está de volta.
A atmosfera densa de tensão paira no ar desde o momento em que
eu soube que ele colocou os pés em Chicago.
Esta não é uma reunião comum. É uma convocação direta do meu
tio, e todos nós sabemos o motivo.
Danilo, Giancarlo, Giovanni e Romeo estão presentes, os rostos
sérios refletindo a gravidade da situação. Tio Alberto não convocou os
outros caporegimes da organização, o que não é uma novidade para mim.
Se ele trouxesse um contingente maior, poderia significar que
estávamos em busca de uma solução para o problema que causei com Juan
Miguel, mas ele não dá nó cego. Meu tio chamou apenas a família de
sangue e o conselheiro porque quer mostrar quem manda e me colocar no
meu lugar.
Depois de alguns minutos, tio Alberto entra no escritório e se senta à
cabeceira da mesa, a expressão austera e impenetrável. Sinto o olhar afiado
dele sobre mim, e eu sei que ele não pegará leve comigo.
Nunca aconteceu tal coisa.
Tio Alberto está furioso, bom, no fundo, não posso tirar a sua razão,
embora não esteja muito disposto a concordar com ele em voz alta. Minha
atitude imprudente com Juan Miguel desencadeou uma série de
consequências que agora precisam ser enfrentadas.
Mas, antes de tomar qualquer decisão, o Don vai mostrar que minha
atitude irresponsável é quase sinônimo de traição.
Respiro fundo e me preparo para o que está por vir.
Não há espaço para desculpas ou justificativas. Para ser honesto, ele
não quer escutar nenhum deles. Apenas, mostrar todo o poder que tem
sobre nós. E eu estou aqui, de cabeça erguida, porque sei que preciso
enfrentar as consequências das minhas ações, mesmo que isso signifique
enfrentar a ira do tio Alberto.
— Matteo... pode me dizer que merda aconteceu? — ele pergunta
olhando diretamente para mim. — Ainda estou tentando entender o porquê
de você ter roubado a puta de Juan Miguel.
Ao ouvir a palavra puta meu corpo inteiro se contorce e não consigo
impedir meu impulso de arrastar a cadeira para trás e me levantar num
solavanco. Tio Alberto começa a rir, como se fosse engraçado o meu ímpeto
de desafio.
— O que foi? A puta tem valor pra você?
Minhas mãos se fecham em punho.
— Não a chame assim.
— Ora, ora, ora. — Ele apoia os dois cotovelos em cima da mesa e
me analisa com desdém. — Você mudou, Matteo. Ficou fraco. Causou um
enorme problema para organização por causa de uma vagabunda.
Dou um soco na mesa e Danilo que está sentado ao meu lado, fica
de pé, tocando o meu ombro, como se quisesse me controlar.
— Eu disse para não chamá-la assim.
Tio Alberto arrasta a cadeira para trás e caminha na direção do
carrinho de bebidas e perde um pouco da sua atenção entre as garrafas de
whisky, escolhendo o que beber. Depois de o fazer, pega um copo de cristal
e o enche.
— Conversei com o Juan Miguel, ele está disposto a fazer um
acordo se entregarmos o que você roubou.
— Não! — digo, minha voz saindo mais alta do que eu esperava.
Ao ouvir minha resposta, o Don paralisa por um segundo e então, se
vira devagar para me encarar.
— O que disse?
— Eu disse que não — repito, fazendo Danilo contrair o maxilar. —
Ela não pertence a ele. Aquela garota é minha. E ela não vai a lugar
nenhum.
Giovanni e Romeo se entreolham, inquietos e preocupados com a
minha ousadia repentina.
A verdade sobre nós é que odiamos o Alberto Salvatore pela forma
que ele nos criou, mas, mesmo que ele não mereça, nós sempre o
respeitamos por causa da sua posição alta na hierarquia da organização.
Claro que sempre teve embates entre ele e Romeo, porque o garoto é
mais atrevido, embora seja silencioso. Os dois sempre brigaram e o caçula
sempre deu respostas afiadas que enfureciam o Don.
Mas, nós sempre mostramos para os outros membros que somos
unidos e vivemos em harmonia, ou quase isso. Porque se eles conseguissem
enxergar alguma fraqueza, por menor que fosse, seria uma forma de nos
destruir.
Talvez, eu esteja errado em desafiar o Don Salvatore, o chefe de
todos os chefes, mas que se dane. Juan Miguel nunca colocará as mãos em
Hadassah outra vez.
Ela é minha.
— Matteo, que drogas você já está usando? — tio Alberto pergunta
com certo desprezo. — O que aquele médico idiota está te passando? —
emenda, fazendo minhas têmporas latejarem de raiva.
Fico em silêncio, trincando os dentes.
— Ainda tem probleminhas pra dormir? — tio Alberto continua me
provocando. — Deve ser isso que está afetando a sua cabeça. Eu acredito
que não tenha mais capacidade de ser um capitão.
— Papà! — Danilo repreende, visivelmente irritado.
— Vamos conversar com calma — Giancarlo intervém ao ficar de
pé. — Não vamos tomar nenhuma medida drástica.
— O quê? Eu posso decidir quem fica e quem sai. E bom, não estou
gostando da arrogância de Matteo ultimamente.
— Não? — devolvo.
Tio Alberto vem em passos lentos até mim, o que faz Giovanni e
Romeo ficarem de pé, se preparando para separar uma possível briga entre
nós. Ele para a um passo de distância e me encara com soberba.
— Você mudou. Está fraco. Fraco como a moribunda da sua mãe.
A raiva fervilha dentro de mim, uma chama ardente que devora toda
a minha racionalidade. As falas do meu tio Alberto me penetram como
facas afiadas, tocando uma ferida antiga que nunca cicatrizou.
A lembrança dolorosa da minha mãe, da voz gentil e da presença
reconfortante, tudo me atinge como um soco no estômago.
Sem hesitar, avanço em direção ao tio Alberto, meus punhos
cerrados e minha mente em um turbilhão de emoções conflitantes, mas nada
é capaz de me deter agora.
Sou incapaz de deixar passar impune as palavras cruéis e injustas do
meu tio.
Com um empurrão brusco, pressiono-o contra a parede, meu rosto a
centímetros do seu, olhando-o nos olhos com uma intensidade feroz. A dor
e a indignação borbulham meu sangue, ameaçando transbordar a qualquer
momento.
— Você não tem o direito de falar da minha mãe. Não depois do que
você me fez fazer com ela — digo em um rosnado baixo, carregado de dor
e fúria contida.
O choque estampa o rosto dele, uma expressão de surpresa
misturada com uma pontada de receio. É visível que ele não esperava que
eu trouxesse à tona um segredo tão obscuro, uma ferida tão profunda que
ele próprio me causou.
Por um momento, há um silêncio pesado na sala, interrompido
apenas pelo som abafado da minha respiração irregular. Eu quebrei a merda
do pacto de sangue, desafiando a autoridade do meu tio e expondo uma
verdade que ele tanto se esforçou para ocultar.
— Cale a boca.
— Por quê? Tem medo de que seus filhos saibam? — devolvo, sem
nenhum arrependimento na voz. — Foi traição, não foi?
— Cale a boca, Matteo! — ele grita, me empurrando com força e de
repente, parece um pouco esbaforido.
— Do que você está falando, Matteo? — Danilo quer saber.
— Quando iniciamos na máfia, nós juramos com sangue proteger a
nossa família, custe o que custar, não é?
— Porra! — Alberto grita. — Pare de falar, Matteo — emenda,
afrouxando o nó da gravata para respirar fundo.
— O que está escondendo de nós, papà? — Danilo insiste.
— Nada — o Don diz, a respiração irregular e o rosto ficando
vermelho de raiva. — A reunião está encerrada. Saiam todos daqui — ele
emenda com um sibilo.
Mesmo depois da ordem do Don, ninguém se move. O silêncio paira
na sala, carregado de tensão. Então, decido que é hora de expor a verdade
que me atormenta há anos, mesmo que isso signifique desafiar o homem
mais poderoso que eu conheço.
Minha cabeça dói e meu coração palpita tão forte, que tenho a
sensação de que terei um infarto.
— Não! — exclamo, erguendo a voz acima do murmúrio inquieto
na sala.
Alberto me encara com uma mistura de surpresa e fúria, mas não
desvio o olhar.
— Há anos, eu vivo com um segredo que me corrói por dentro. Um
segredo que você escondeu de toda a família — minhas palavras ressoam
no ar, ecoando no silêncio pesado da sala.
— Que merda aconteceu? — Romeu pergunta, alterado.
— Quando eu tinha onze anos, tio Alberto me fez cometer o pior
dos pecados. Ele me obrigou a atirar na minha própria mãe, porque só
assim, ele poderia ter total controle sobre mim.
Tio Alberto fica pálido, os olhos se arregalam em choque diante da
revelação que ele jamais imaginou que eu faria. Mas é tarde demais para
voltar atrás.
O peso do segredo finalmente é liberado, rompendo as barreiras que
mantiveram minha alma aprisionada por tanto tempo. Agora, é hora de
enfrentar as consequências das minhas ações e das ações do homem que eu
ousei chamar de família.
— Papà, você fez o quê? — Danilo pergunta incrédulo. — Ela era a
sua irmã. A sua única irmã.
— Ela estava morrendo — tio Alberto tenta justificar.
— Isso não é desculpa — Giovanni dispara. — Ela era família. Nós
ficamos do lado da família por mais fodida que a situação seja. É isso que
você ensinou pra nós.
— Ele ensinou isso apenas porque queria que ficássemos do lado
dele, não importa o quão escroto ele fosse — Romeo fala o óbvio.
— Vão ficar contra mim? — Alberto pergunta, os olhos dilatados, a
testa suando e o rosto vermelho. — Depois de tudo que eu fiz por vocês?
— Você fodeu todos nós — é o que eu digo.
O olhar furioso de Alberto se volta para Giancarlo, que permanece
impassível diante da situação, sem fazer qualquer movimento para defendê-
lo ou intervir a seu favor. A ausência de apoio por parte do seu conselheiro
o deixa ainda mais vulnerável e enfraquecido diante dos próprios filhos.
— Isso me faz pensar que você faria isso com algum de nós —
Danilo fala, se aproximando do pai com uma autoridade inegável. — Não
vou mentir, eu sempre questionei várias das suas ações, pai, mas eu nunca
pensei que fosse capaz de fazer algo assim com a tia Allegra. Ela sempre foi
uma pessoa boa pra nós.
— Não me surpreendo — Romeo comenta, analisando o pai com
uma expressão de desprezo. — A coisa mais leve que ele fez comigo foi me
fazer matar o cachorro que eu encontrei na rua. Por coincidência, eu
também só tinha onze anos. Qual é a porra do seu problema com crianças,
pai?
A declaração de Romeo é como um golpe final, deixando Alberto
ainda mais abalado e desorientado. Ele tenta se afastar de Danilo, mas
surpreendentemente os joelhos cedem sob o peso do corpo, fazendo com
que ele caia no chão, desmaiando na nossa frente.
As horas no hospital parecem se estender de maneira infinita, os
segundos são marcados pela ansiedade, desconforto e incerteza e nenhum
de nós sabe exatamente o que esperar.
Danilo, Giovanni, Romeo, tia Eleonor, Giancarlo e eu estamos
reunidos na sala de espera. Incrivelmente, se Alberto Salvatore morresse
hoje, ninguém aqui choraria por ele. Ainda assim, o ar está tenso e nenhum
de nós ousa quebrá-lo com palavras.
É estranho que tudo tenha acontecido tão repentinamente, mas para
ser honesto, nunca aconteceu de nós quatro ficarmos contra ele ao mesmo
tempo. Sempre medimos nossas palavras e atitudes, tentando manter uma
boa convivência e harmonia, embora ele seja um escroto do caralho.
Depois de algum tempo, o médico entra na sala de espera, o rosto
sério e a expressão preocupada não passam despercebidos por nós. Ele se
aproxima lentamente, e nós nos levantamos, prontos para ouvir as notícias.
— Muito obrigado por esperarem — ele começa a articular e olha
primeiro para a tia Eleonor, que tem as mãos trêmulas entrelaçadas. — O sr.
Salvatore teve um derrame cerebral. Foi uma situação grave e ele está em
estado crítico agora.
Danilo e eu nos entreolhamos, em silêncio.
— Vou ser sincero com todos vocês — o médico fala ao lançar um
olhar geral e parece escolher cada palavra com cuidado. — É bem provável
que ele tenha sequelas.
— Sequelas? — tia Eleonor quer saber.
— Sim. Elas podem variar, mas o Sr. Salvatore pode enfrentar
paralisia parcial ou total de um lado do corpo, até mesmo, do corpo inteiro,
dificuldades na fala e na compreensão, perda de memória e até mesmo
alterações na personalidade.
Há um silêncio pesado na sala enquanto digerimos a informação.
Danilo olha para o chão, a sua expressão sombria e dura. É como se a sua
mente já estivesse trabalhando em algo.
— Existe alguma chance de recuperação completa? — Danilo faz a
pergunta importante.
O médico balança a cabeça com pesar.
— Na verdade, é difícil dizer neste momento. A recuperação
dependerá da extensão do dano cerebral e de como ele responderá ao
tratamento. Nossa equipe está fazendo o melhor possível, mas devemos
estar preparados para um longo e difícil processo de reabilitação.
— Certo — Danilo fala, simplesmente.
— Como isso aconteceu? — Giovanni questiona ao médico.
— Isso pode ter sido causado por uma série de fatores, mas acredito
que seja por causa da pressão alta dele e o tabagismo. Derrames cerebrais
são muitas vezes imprevisíveis, infelizmente. No caso do Sr. Salvatore,
provavelmente foi uma combinação de tudo isso com um forte estresse
emocional.
— Eu nem sabia que ele tinha pressão alta — Giovanni admite.
— Ele só cuidava dessas coisas quando se sentia mal — a tia
Eleonor assume para nós. — Nunca seguiu um tratamento regrado para a
pressão alta... e eu nunca consegui convencê-lo do contrário.
O médico assente.
— O que nos resta agora é esperar e torcer para que ele se recupere.
O apoio da família nesse momento é essencial — é a última coisa que fala
ao assentir e sair de perto de nós.
A imagem do tio Alberto, antes tão imponente e poderoso, agora
frágil e vulnerável, enche meus pensamentos. É estranho pra caralho e não
faz o menor sentido dentro da minha cabeça.
Como lidaremos com as consequências do derrame, e como isso
afetará o equilíbrio de poder dentro da organização?
— O que você quer fazer? — Giancarlo, que não disse uma única
palavra desde que chegamos ao hospital, pergunta ao Danilo. — Vou ser
direto, porque é meu dever como conselheiro. Precisa tomar uma decisão
agora.
Danilo concorda com um aceno de cabeça.
— Vou assumir o lugar do meu pai — informa, fazendo a tia
Eleonor suspirar e levar uma das mãos até o coração.
— Mas e se ele se recuperar? Alberto não vai gostar de saber que
você... — Ela engole em seco e pisca rápido para esconder as lágrimas. —
Por favor, meu filho. Tenho medo por você. — A tia olha para todos nós,
incapaz de esconder a sua angústia. — Vocês sabem como Alberto é, não
quero que se precipitem. Não quero perder os meus meninos.
— Não se preocupe, mamma. — Danilo olha para a tia Eleonor,
depois para Giovanni, Romeo, Giancarlo e finalmente, os seus olhos claros
encontram os meus com uma determinação poderosa e digna de um chefe.
— O papà nunca irá se recuperar.
Giovanni e Romeo concordam. E eu, estendo a mão para Danilo em
um aperto firme.
— Finalmente chegou a hora de mudar as coisas — é o que digo.
— Chegou a hora de fazer as coisas do meu jeito — Danilo fala com
um leve sorriso cínico.
Por mais cruel que possa parecer, a verdade é que nenhum de nós
está lamentando a situação de Alberto Salvatore. Vê-lo cair do pedestal,
definhar e perder a sua imponência é algo mais prazeroso do que qualquer
outra vingança que já tenha passado pelas nossas cabeças.
Entro em casa com passos duros, o peso do dia inteiro refletindo em
cada movimento que dou. As horas de reunião com Danilo, Romeo,
Giovanni, Giancarlo e todos os outros membros da organização foram
cansativas e tensas.
Ao entrar no quarto, eu a vejo ali, deitada na minha cama, como
uma visão celestial em meio ao caos. Hadassah está adormecida, serena e
vulnerável, e eu não posso deixar de admirá-la por um momento antes de
me aproximar dela.
Seu rosto angelical e doce, iluminado pela luz fraca do abajur,
parece tão tranquilo que me sinto momentaneamente em paz. Tão linda e
minha. O que essa garota fez comigo?
Decido deixá-la dormir e, em silêncio, vou para o banheiro,
buscando um pouco de alívio na água quente do chuveiro.
Desfaço-me das roupas e entro no box, o calor relaxante da água me
envolve, aliviando a tensão dos meus músculos. Deixo a água cair sobre
mim, tentando limpar a mente dos problemas do dia, mas é difícil ignorar as
preocupações que ainda insistem em martelar na minha cabeça.
Ao ouvir o ruído da porta se abrir, eu me viro e me deparo com
Hadassah parada na entrada do banheiro. Rápido, meu corpo retesa,
surpreso com a presença dela. A camisola de seda, curta e sensual, envolve
as curvas dela de forma tentadora, enquanto os pés descalços tocam
suavemente o chão frio do banheiro.
Um sorriso involuntário escapa dos meus lábios ao vê-la ali, tão
próxima, tão irresistível.
A água ainda corre sobre meu corpo, mas de repente, eu me sinto
mais alerta do que nunca, hipnotizado pela visão dela diante de mim.
— Cristallo... eu acordei você?
Seu olhar sonolento me encontra e aos poucos, se transforma em
algo mais intenso. Um leve rubor surge nas suas bochechas quando se
aproxima lentamente de mim e entra no box do banheiro.
— Estava esperando você chegar, mas acabei dormindo.
Quando ela finalmente está de frente para mim, sinto uma
eletricidade no ar, uma conexão instantânea que parece ultrapassar qualquer
lógica. A água continua caindo e começa a molhá-la, colando o tecido da
camisola sobre o seu corpo, e de repente não consigo mais sentir o frio,
apenas o calor do corpo de Hadassah tão perto do meu.
— Estava tão linda dormindo, eu não quis te acordar.
— Como você está? — ela pergunta, as mãos espalmadas tocando o
meu peito. — Eu soube o que aconteceu com o seu tio. Sinto muito. Eu
espero que ele fique bem e se recupere logo.
Deixo escapar uma risada seca.
— Ah, Cristallo — murmuro, envolvendo a mão em seu pescoço e
puxando-a contra mim, grudando os nossos corpos e a fazendo sentir a
minha ereção crescente contra a sua barriga. — Você é tão pura.
— Eu?
— Sim. Pura demais para o meu mundo.
— Isso é ruim?
— Muito — admito com um suspiro, incapaz de desviar os olhos
dos seus lábios avantajados. — Mas não importa, porque eu não vou deixar
você ir a lugar nenhum — digo e debaixo da água morna do chuveiro,
esmago os lábios dela com um beijo, enfiando a minha língua dentro da sua
boca.
Ela se entrega ao beijo com intensidade e com nossos corpos
colados sob o calor reconfortante do chuveiro, Hadassah envolve os braços
ao redor do meu pescoço, pressionando o corpo ainda mais contra o meu.
Sinto as pequenas mãos explorando as linhas das minhas costas, as
unhas traçando padrões deliciosos sobre a minha pele, enquanto ela geme
contra a minha boca e eu engulo os seus sons de rendição.
Com um movimento provocante, deslizo meus lábios do seus,
beijando o queixo delicado de Hadassah antes de imergir para o pescoço
macio e perfumado. Ela arqueia o corpo em resposta ao meu toque,
entregando-se completamente à sensação avassaladora que nos envolve.
— Eu preciso comer você, Cristallo. Preciso muito comer a sua
boceta.
Num solavanco repentino, viro Hadassah, apertando a sua bunda
redonda contra o meu pau pulsante. Levanto sua camisola de seda molhada
até a cintura, expondo a sua bunda vestida por uma calcinha pequena, que
afasto um pouco e abro espaço para mim.
— Empina o rabo pra mim — ordeno e ela obedece, inclinando-se
para frente e apoiando as mãos no vidro do box, expondo-se totalmente para
mim.
Sem hesitar, eu penetro a boceta dela com uma urgência que é
selvagem pra cacete. Ela geme alto em resposta, arqueando bem o quadril
para mim. Nossos corpos se unem de maneira frenética, e meus
movimentos são impulsionados pelo desejo desenfreado que sinto por ela.
— Caralho, Cristallo — grunho entre os dentes. — Sua boceta é tão
deliciosa. Meu vício. A porra do meu vício.
Gosto como Hadassah se entrega à intensidade do momento, os
gemidos manhosos ecoando no banheiro enquanto eu a fodo com força. Seu
corpo se contorce de prazer sob o meu domínio e suas mãos se agarram de
forma desesperada ao vidro do box.
— Matteo... oh, Deus... — ela geme, o corpo se movendo em
resposta às minhas estocadas firmes e profundas.
Levo uma das mãos até a sua cintura e deslizo até a barriga, meus
dedos procurando o caminho da calcinha. Ao encontrar, deslizo por debaixo
do tecido e busco o clitóris inchado dela.
A garota geme ainda mais quando eu começo a tocá-la e o seu corpo
debaixo de mim estremece. Hadassah empina ainda mais o bumbum, se
oferecendo a mim de uma forma provocante, e isso só alimenta o desejo
primitivo que existe dentro de mim.
Com um grunhido gutural, começo a meter ainda mais forte, minhas
investidas começam a me levar mais perto do limite do prazer.
Hadassah grita de tesão, o corpo tremendo com a intensidade da
sensação, enquanto eu a possuo com uma força selvagem e incontrolável.
— Matteo... eu acho... Por favor...
E então, ela explode em um clímax poderoso, o corpo pequeno
convulsionando de prazer ao chamar o meu nome em meio aos gemidos
extasiados. Sinto o aperto da sua boceta quente ao redor do meu pau, e isso
é o suficiente para me levar além do limite.
Com um último grunhido, seguro a sua cintura com força, minhas
unhas marcando a pele macia da sua cintura. Eu me afundo até o fundo,
metendo até o talo, rápido, forte, impiedoso e também, gozando fundo
dentro dela em uma torrente de prazer inebriante.
Nossos corpos parecem se unir, perdidos no êxtase do momento,
enquanto eu também me entrego a ela.
Depois de gozar, eu sinto uma onda de êxtase e satisfação me
envolver. Mantenho os nossos corpos unidos debaixo do chuveiro, sentindo-
a amolecer aos poucos. Hadassah está tão próxima de mim, a respiração
ainda irregular e o corpo temendo.
Com ternura, eu a ergo um pouco e uno nossos corpos, mantendo-a
firmemente contra mim ao envolver os meus braços ao redor dela. Inclino-
me um pouco para beijar os seus ombros, sentindo o calor do chuveiro
sobre nós.
— Isso foi tão bom — ela sussurra ao se virar para mim e os lábios
se curvando num sorriso tímido.
— Você é minha perdição, Cristallo — admito, fazendo os grandes
olhos azuis dela brilharem para mim. — Eu nunca achei que precisava ser
encontrado, até que encontrar você.
— Sabe de uma coisa?
— Não. O quê?
— Eu nunca me senti tão segura na vida... como eu me sinto aqui,
com você — ela murmura, o som quase se perdendo no barulho suave da
água caindo.
Agarro o seu pescoço e a trago para mais perto, nossos lábios se
encontram num beijo lento e também, apaixonado, e eu sinto como se
estivéssemos selando o nosso vínculo em meio ao calor da água do
chuveiro.
E agora, debaixo da água corrente, eu sei que eu sou o refúgio dela,
o seu porto seguro. Mas, que tudo entre nós vai além disso. Porque a
verdade é que ela é a minha cura, minha casa, a única que conseguiu
encontrar o meu coração.
Alguns dias depois...
Observo o tio Alberto ser trazido de volta para a mansão em uma
cadeira de rodas.
Seus olhos não têm mais o mesmo brilho de antes e a expressão é de
pura frustração e impotência. Não posso negar que me sinto feliz em vê-lo
assim, além de tudo ser uma oportunidade única para nós.
Com o seu corpo debilitado e a sua voz silenciada pelo derrame,
Alberto se tornou mais vulnerável do que nunca. É como se ele tivesse sido
tirado do seu trono de poder e agora estivesse à mercê das marés.
E é exatamente isso que Danilo e nós estamos explorando.
Meu primo sempre foi um estrategista implacável, e agora, com
Alberto incapaz de falar ou se mover livremente, ele vê uma chance de
consolidar o seu próprio domínio sobre a família Salvatore.
É uma oportunidade que ele não vai deixar escapar.
Enquanto observo tio Alberto ser trazido até o centro da sala por
Romeo, que empurra a cadeira de rodas, não consigo evitar a sensação de
que o jogo está prestes a mudar.
Danilo já está movendo as peças no tabuleiro, manipulando os
outros capos e fortalecendo ainda mais a sua posição na hierarquia antes do
golpe final.
Não é uma grande surpresa quando tio Alberto tenta falar, mas
apenas murmúrios ininteligíveis escapam de entre os seus lábios. O brilho
nos olhos dele ainda denota uma determinação obstinada, mas é claro que a
sua influência sobre nós diminuiu completamente.
Encaramos o velho com uma mistura de fascínio e desdém.
O grande Alberto Salvatore, outrora temido por todos, agora parece
impotente diante de nós. É um momento de triunfo para alguns e de tristeza
para outros, mas para todos nós, é o fim de uma era e o começo de uma
nova ordem na família Salvatore.
— Parece que o velho ainda tem algum resquício de vida em si —
Danilo comenta, os olhos fixos no pai. — Mas isso não muda o fato de que
ele está fora de combate.
Nós permanecemos em silêncio, observando atentamente a interação
entre Danilo e Alberto. Mantenho a minha expressão neutra, embora por
dentro eu esteja fervendo com uma mistura de ansiedade e excitação pelo
que está prestes a acontecer.
— Ele pode não ser capaz de falar, mas ele ainda pode ouvir —
Romeo murmura, inclinando-se para perto do ouvido do pai. — Não é,
papà?
Os olhos do tio Alberto dilatam.
Danilo assente, um sorriso vitorioso estampado no rosto. Devagar,
ele se aproxima do pai, olhando-o nos olhos com uma intensidade
calculada.
— Matteo — ele me chama e o tio olha para Danilo com um misto
de desespero e desafio. — Venha. Eu sei que tem muito o que dizer a ele.
Mais uma vez, tio Alberto tenta falar, mas é incapaz de formular
uma única palavra quando eu paro de frente para ele.
— Ele é todo seu — Danilo me dá permissão, assustando o velho
que sempre foi tão poderoso.
Devagar e sem nenhum movimento brusco, eu saco a minha arma de
dentro do terno, sentindo a frieza dela contra a minha mão. Encaro o
homem que um dia foi uma figura dominante na máfia de Chicago e abro
um sorriso desdenhoso.
Tio Alberto tenta articular alguma coisa, mas apenas gemidos
abafados escapam da sua garganta.
Com a arma em punho, eu destravo e a deixo pronta para ser usada.
Lentamente, coloco-a contra o peito de Alberto Salvatore, contemplando o
brilho de medo nos seus olhos.
— Eu poderia acabar com a sua vida agora mesmo — digo, minha
voz carregada de ameaça.
Levanto a arma até a altura da boca dele, observando a sua
expressão se transformar em uma mistura de horror e desespero quando
deslizo o cano de ferro entre os seus lábios, forçando contra a boca.
— Eu poderia fazer você engolir cada palavra que já disse sobre a
minha mãe.
O silêncio da sala é ensurdecedor, e por um instante, posso sentir o
peso de toda a história que aconteceu entre nós sobre os meus ombros.
Com a arma ainda entre os lábios de Alberto Salvatore, sinto a
tensão no ar atingir o seu ápice. Seu olhar de horror me encara e eu sorrio
ao saborear o medo que emana dele.
— Mas, matar você agora... que graça isso teria? — pergunto,
mantendo o meu olhar firme no dele. — Seria fácil e rápido demais, não é
tio Alberto? E nós sabemos que você é como um gato... gosta de brincar
com a sua presa antes de acabar completamente com ela.
Aproximo-me do rosto dele.
— Eu quero que veja tudo. O seu império agora é nosso —
continuo a falar, minha voz soando fria e calculista. — Quero que sinta o
quão frustrante é ser impotente. Tio Alberto esse será o seu pior castigo. Ser
humilhado todos os dias e não poder fazer nada.
Com um movimento brusco, retiro a arma da sua boca e limpo o
cano de ferro na sua blusa antes de recuar alguns passos, mantendo-o sob
meu olhar vigilante.
O impacto das minhas palavras parece ecoar no ambiente, deixando
claro que o verdadeiro tormento de Alberto está apenas começando.
Alguns dias depois...
O escritório da mansão Salvatore está impregnado com uma tensão
palpável quando os membros mais importantes da organização se reúnem
em torno da mesa de mogno. Meu tio Alberto, agora frágil e vulnerável
sentado na sua cadeira de rodas, é o centro das atenções.
Seus olhos mostram uma mistura de protesto e raiva conforme
Romeo o guia pelo espaço, exercendo um controle rígido sobre ele.
Danilo está de pé à frente de todos, emanando uma aura de
autoridade e determinação. O olhar severo dele atravessa a sala,
encontrando o de cada homem presente antes de começar a falar:
— Como todos já sabem, estamos reunidos aqui por causa da
fatalidade do que aconteceu com o meu pai — Danilo começa, sua atenção
se voltando para Alberto, que agora parece uma sombra da antiga
grandiosidade.
Os homens na sala direcionam os olhares para Alberto, alguns
demonstrando pena, e claro, alguns exibem um claro desdém, já que
Alberto não tem mais influência nem poder.
— Hoje, diante de todos vocês, vou renovar o meu juramento com
esta organização e assumir o cargo de chefe de todos os chefes com toda a
responsabilidade que ele carrega. Prometo proteger e fortalecer nossa
família, mantendo a ordem e a prosperidade em nossos negócios.
Mais uma vez, os olhos de Danilo passam por cada rosto na sala,
transmitindo uma mensagem clara de confiança e poder. E quando o seu
olhar finalmente alcança o de Alberto, um brilho de triunfo se acende no
seu rosto inteiro.
— A era de Alberto acabou. A partir de hoje, seguimos em uma
nova direção, comigo como líder. E que aqueles que se opuserem ao nosso
caminho enfrentem as consequências.
O silêncio paira sobre a sala por um momento, antes de ser quebrado
pelo som de aplausos discretos, misturados com murmúrios de aprovação.
Observo tudo isso quieto, sabendo que este é apenas o começo de uma nova
era na máfia Salvatore.
Danilo faz um gesto com a mão para que Romeo traga o pai e todos
nós nos levantamos. Ao parar a cadeira de rodas perto do filho mais velho,
Alberto parece querer falar algo, mas o caçula aperta seu ombro com força,
silenciando o velho.
— Hoje, testemunhamos um momento crucial na história da nossa
família. Com o respeito devido ao meu pai, Alberto Salvatore, e com a
autoridade concedida a mim pelos membros desta família, eu tomo para
mim o título de Don, capo di tutti i capi.[8]
Os homens presentes assentem em respeito, alguns murmurando
palavras de aprovação.
Danilo se aproxima ainda mais do tio Alberto, se inclinando um
pouco para olhar nos olhos do pai antes de continuar:
— Papà, as suas palavras sempre foram lei para nós, como você não
pode falar, me permita falar por você. Você ajudou a construir este império,
moldou esta família e defendeu nossos interesses com bravura e coragem.
Mas agora, é hora de passar o bastão para a próxima geração.
Ele pousa uma mão sobre o ombro de Alberto, visivelmente
apertando com mais força que o necessário.
— Por meio deste ato solene, eu, Danilo Salvatore, tomo as rédeas
deste império. Juro proteger os interesses da família, honrar o nosso legado
e manter a tradição da máfia Salvatore. Com a graça de Deus e o apoio
desta família, eu aceito o papel de Don.
Os homens presentes aplaudem, reconhecendo a ascensão de Danilo
ao poder supremo da organização.
Alberto Salvatore tenta protestar com as falas incompreensíveis e os
homens fazem silêncio por um momento.
— Ele está orgulhoso — é Giancarlo quem fala e como ele é um
homem respeitado, e além de ser o homem de confiança de Alberto
Salvatore, é de confiança de todos os homens ao redor da mesa, não é difícil
de acreditar nas suas palavras. — Ele sempre quis que Danilo assumisse o
seu lugar.
Orgulhosos, os homens batem palmas, enquanto Alberto lança um
olhar para o seu antigo conselheiro.
Danilo faz um movimento com as mãos, e o murmúrio da sala cessa
imediatamente. Todos os olhos se voltam para ele, aguardando suas
próximas palavras.
— Vou aproveitar o momento e nomear o meu subchefe.
Sinto uma pontada de expectativa no ar ao aguardar a inevitável
confirmação do que já sei.
Desde o início, sempre foi claro que o papel de subchefe recairia
sobre os meus ombros. Não por desejo de poder ou ambição desenfreada,
mas sim, porque Giovanni nunca esteve interessado em se manter na frente
dos holofotes e Romeo nunca quis ter um cargo de alta responsabilidade na
organização.
— Matteo será o meu subchefe. Acredito que isso sempre ficou
claro para todos. Não vou obrigar Giovanni ou Romeo a assumir um cargo
que não têm interesse. Matteo é perfeito para ser meu braço direito. Se
alguém nesta sala é contra a minha decisão, por favor, me diga.
O silêncio preenche a sala por um momento, enquanto todos
processam as palavras de Danilo.
— Eu vou fazê-lo sentir a fúria da minha arma e silenciá-lo para
sempre — o Don continua, fazendo os homens engolirem em seco.
Então, um a um, os membros da família começam a aplaudir,
concordando com a decisão do novo Don.
Ele se vira para mim e eu saio do meu lugar para me aproximar dele.
— Matteo — ele fala e eu já sinto o peso da responsabilidade em
mim. — Você tem sido uma pedra fundamental para nossa família. A sua
lealdade é inabalável, e a sua inteligência, incomparável. Por isso, neste
momento, eu o nomeio como meu subchefe.
Meu coração acelera ligeiramente, embora eu mantenha minha
expressão impenetrável. Aceitar esse papel significa assumir um novo nível
de responsabilidade, comprometimento e, inevitavelmente, riscos.
Danilo estende a mão na minha direção, e eu a aperto, selando o
acordo silenciosamente diante dos olhares atentos daqueles ao nosso redor.
— Matteo, você aceita o cargo de subchefe da família Salvatore?
— Aceito, Danilo. Estou pronto para servir a família com lealdade,
coragem e determinação.
— Jure lealdade à família Salvatore, prometa proteger seus
interesses e seus membros, mesmo que isso exija sacrifício pessoal.
— Juro pela minha vida e pela minha honra, Danilo Salvatore. Eu
protegerei a família e os seus interesses com toda a minha força e
habilidade.
O Don assente, satisfeito.
— Que assim seja. A partir deste momento, você é o meu subchefe,
Matteo Salvatore. Que este juramento seja eterno e inquebrável.
— Assim seja, Don.
Danilo aperta minha mão uma última vez, e os aplausos ecoam pela
sala, me reconhecendo como o novo subchefe da organização.
Algumas horas antes...
A ansiedade percorre minhas veias quando Matteo me entrega um
pacote elegantemente embrulhado. Minhas mãos tremem um pouco quando
desfaço o laço com cuidado, revelando um vestido deslumbrante, tão belo
que meus olhos se arregalam de surpresa.
— Matteo, isso é... — Minha voz mal consegue expressar o que
sinto ao levantar o rosto para encará-lo. — Por quê?
Sem dizer nada, ele apenas sorri e um brilho de satisfação toma
conta dos seus olhos, o que me faz perceber que há mais coisa. Ele faz um
gesto com a mão e Cesare me entrega outras três caixas, uma grande com
sapatos e uma pequena, com joias e outra com maquiagens.
— Por que isso tudo?
— Preciso que venha comigo num evento importante.
Respiro fundo.
— Tem certeza?
— É claro que sim.
Meu coração acelera e eu engulo em seco, parte de mim com medo
de fazer algo errado e envergonhar Matteo.
— Não se preocupe, Cristallo — ele fala ao depositar um beijo no
topo da minha cabeça. — Apenas se arrume e venha comigo.
— Tenho medo de envergonhar você — admito.
— Isso é impossível — é o que fala ao me dar uma piscadinha e sair
com Cesare, me deixando sozinha na sala, sorrindo feito boba com o
vestido, os sapatos e as joias que ele me deu.
— Vou ajudar você — Domênica fala de repente ao surgir na sala,
me assustando um pouco. — Tenho uma filha. Ela é mais velha do que
você, é claro, mas eu sei fazer algumas coisas.
Solto um suspiro de alívio, deixando os ombros caírem.
— Obrigada, Domênica. Você é a melhor.
Ela me ajuda a levar as coisas para o quarto e eu entro direto no
banheiro para um banho caprichado. Antes que eu possa fechar
completamente a porta, Domênica me aconselha a depilar as pernas, por
causa da fenda do vestido. Concordo, embora fique envergonhada com a
sugestão.
Volto para o quarto depois de quase meia hora e ela me ajuda
primeiro a secar os cabelos e em seguida, faz vários cachos grossos com a
babylis. A maquiagem não é nada muito elaborado, apenas curvar bem os
cílios já é o suficiente para destacar os meus olhos, mas na boca, passamos
um batom vermelho de tom vinho.
Fico nervosa e empolgada quando ela me ajuda a deslizar o vestido
pelo meu corpo. É uma peça deslumbrante, com um corte elegante que
abraça as minhas curvas de forma delicada. Por fim, calço os sapatos altos e
coloco as joias.
— Que tal? — quero saber.
— Uau, Hadassah... você está deslumbrante, querida — fala,
admirando o resultado.
Viro-me para o espelho e mal consigo acreditar na transformação.
Os cachos emolduram meu rosto de maneira leve, realçando meus
traços delicados. A maquiagem é simples, mas ressalta minha beleza
natural, evidenciando meus olhos e lábios de forma sutil, porém marcante.
— Nossa — sussurro, passando as mãos pelo meu corpo. —
Obrigada. Eu não poderia ter feito isso sem você.
Enquanto me admiro no espelho, minha atenção foca no brilho das
joias que Matteo escolheu. Tudo realça ainda mais a elegância do vestido e
os meus olhos. Os diamantes cintilam suavemente à luz e eu me sinto tão
preciosa, linda.
— Matteo escolheu muito bem. Você está absolutamente
deslumbrante, menina — Domênica elogia, sorrindo.
Um sorriso involuntário surge nos meus lábios. Por mais que eu
esteja um pouco nervosa com o evento, o apoio dela e a confiança que
Matteo tem em mim me fazem sentir mais segura.
— Obrigada.
— Vamos lá, não podemos nos atrasar — ela fala, me guiando para
a porta do quarto.
Desço as escadas bem devagar, ainda me acostumando com os
saltos. Domênica me dá algumas dicas que melhoram o meu desempenho,
ainda assim, agradeço a paciência comigo.
Ao chegar no último degrau, respiro fundo em alívio. Confesso que
pensei que iria rolar escada abaixo, mas sobrevivi a primeira etapa. Isso é
um sinal de que a noite pode ser boa.
— Você está linda.
Ao ouvir a voz de Matteo, tomo um leve susto. Ergo os cílios para
frente e o vejo parado, próximo o suficiente para admirar cada detalhe do
meu corpo e rosto. Os olhos azuis estão um tom mais escuro e cintilam com
uma intensidade que me faz estremecer.
— Obrigada.
— Não sabia que você podia ficar ainda mais linda, Cristallo.
Sinto um calor se espalhar pelo meu peito, uma sensação de
pertencimento e carinho que me envolve quando ele me chama pelo apelido
especial que só ele usa.
Sorrio, incapaz de verbalizar alguma coisa.
— Vamos?
Balanço a cabeça com um aceno leve e antes que eu possa caminhar
até ele, Matteo vem até mim, envolvendo o braço possessivo na minha
cintura e arrancando um suspiro meu.
Seus lábios quentes e familiares encontram o meu maxilar num
beijo íntimo e ardente, que provoca um formigamento delicioso na minha
pele e arrepios sutis no meu corpo.
Com delicadeza, ele me guia até o hall de entrada. De mansinho, eu
viro o rosto para ele e admiro o perfil do seu rosto. Os traços másculos,
esculpidos com precisão, exalam tanta autoridade e confiança. Os ângulos
firmes do seu rosto contrastam com a suavidade dos lábios quando sorri,
criando uma combinação irresistível de força e ternura.
À medida que caminhamos juntos, sinto meu coração bater mais
rápido, como se estivesse acompanhando o ritmo dos passos de Matteo. Um
calor reconfortante toma conta do meu peito, preenchendo cada parte de
mim com uma sensação arrebatadora.
É então que percebo que, além da atração física e da química
avassaladora entre nós, há algo mais profundo e significativo florescendo
dentro de mim.
Eu estou apaixonada por ele.
Completamente.

O carro desliza suavemente pelas ruas durante o tempo em que


Matteo dirige com confiança. Seu olhar se mantém firme na estrada, mas de
vez em quando, ele se desvia para mim, como se quisesse garantir que estou
confortável.
Não posso deixar de me sentir um pouco nervosa. Não é todo dia
que sou convidada para um evento tão importante.
A viagem de carro até o local não é muito demorada, mas também
não é rápida, só que é o suficiente para eu notar o semblante sério de
Matteo. Ele não diz muito durante o trajeto, apenas o necessário para
indicar que estamos indo para a casa do seu tio.
Olho pela janela enquanto passamos pelas ruas, absorvendo cada
detalhe do caminho.
Assim que chegamos à imponente mansão, meu queixo quase toca o
chão.
O luxo e a grandiosidade do lugar são impressionantes. A
arquitetura majestosa, os jardins bem cuidados e a entrada imponente
deixam claro que estamos prestes a entrar em um mundo repleto de luxo.
A sensação de estar fora do meu ambiente habitual me deixa um
pouco desconfortável, mas ao mesmo tempo, curiosa para descobrir o que
nos aguarda dentro daquelas paredes suntuosas.
Matteo abre a porta do carro para mim com um gesto elegante e eu
saio, sentindo-me pequena diante de tudo ao meu redor. Ele me oferece o
braço, e eu o aceito, deixando-me guiar por ele até a entrada principal.
À medida que nos aproximamos da entrada, uma sensação de
nervosismo começa a se instalar em mim. Não faço ideia do que esperar
dessa noite, mas confio em Matteo para me proteger.
— Fique tranquila, Cristallo — ele sussurra no pé do meu ouvido e
eu acabo sorrindo para ele.
Com o coração acelerado, entro na mansão dos Salvatore ao lado de
Matteo. Os enormes lustres de cristal reluzem sobre nossas cabeças ao
mesmo tempo em que os tapetes macios e os móveis elegantes dão um ar de
opulência ao lugar.
Matteo me conduz pela entrada majestosa, e cada passo que dou
parece ecoar pelo corredor, aumentando a sensação de estar num mundo
completamente diferente do meu.
Nós somos recebidos por duas mulheres. Uma delas, eu reconheço.
Eleonor, a tia de Matteo e a outra, Matteo me apresenta. Martina Salvatore,
a esposa do seu primo. Ela abre um sorriso caloroso para mim e é bem
gentil, o que me faz sentir confortável.
A senhora Eleonor me cumprimenta com um sorriso pequeno e
dois beijos na bochecha, um de cada lado, e para minha surpresa, diz o
quanto eu estou bonita.
— Obrigada. A sua casa é linda — digo, um pouco nervosa. — A
senhora também está linda.
Ela aumenta ainda mais o sorriso para mim.
Em seguida, Matteo sussurra algo para Martina que passa
despercebido aos meus ouvidos, mas eu a vejo assentir em concordância. E
então, ele se volta para mim, segurando o meu rosto com uma das mãos.
— Antes de curtir a noite com você, eu preciso encontrar uns
homens importantes e resolver algumas pendências. Martina cuidará de
você na minha ausência.
Assinto e ele encosta os lábios nos meus antes de se afastar. Sinto
um aperto no peito ao vê-lo partir, mas tento expulsar esse sentimento de
insegurança dentro de mim. Confio em Matteo. Ele não me deixaria com
Martina se não confiasse nela.
— Relaxa, eu não mordo — Martina brinca, envolvendo o braço no
meu e me levando para o salão principal da casa. — Adorei o seu vestido.
Sorrio.
— Obrigada, o seu é lindo também.
Apesar da beleza estonteante da mansão e da amabilidade das
pessoas ao meu redor, minha mente não consegue se afastar de Matteo. O
olhar intenso, a voz firme e protetora, é como se tudo dele tivesse dominado
meus pensamentos.
— Vou te apresentar uma pessoa especial — Martina fala e nós
caminhamos até uma garota um pouco mais baixa do que eu, mas que
segura um bebê de colo. Ela é linda e tem um olhar doce e gentil. —
Hadassah, essa é a Sarah.[9] E esse é o pequeno Ettore — Martina fala,
erguendo as mãos para pegar o bebê de Sarah.
Depois de entregar o bebê para Martina, Sarah abre um sorriso largo
e se inclina para me cumprimentar com dois beijos nas bochechas.
— Você é namorada do Matteo? — Sarah quer saber.
Abro a boca para falar e fecho um segundo depois, ponderando na
resposta e ela parece entender no ar a minha insegurança ao disparar:
— É complicado, não é?
— Bastante.
Nós duas rimos.
Estendo a mão para pegar os dedos gordinhos do pequeno Ettore
que abre um sorriso inocente para mim. Começo a rir ao ver as entradinhas
na boca dele. É muito fofo e apaixonante.
— Ele é lindo. Já tem um ano?
— Um aninho e dois meses — Sarah responde, olhando apaixonada
para o filho. — É o meu pequeno danado.
Martina ri.
— A gostosura compensa — Martina cheira as bochechas dele, que
se desfaz em risadas contagiantes. — Qualquer homem casado nesta casa
sofre sérios riscos com Ettore. Um sorriso e as mulheres se apaixonam fácil
— ela zomba, nos fazendo rir.
A companhia das meninas e de Ettore é boa e elas me deixam muito
confortável, sempre conversando e querendo me conhecer de verdade. Mas,
infelizmente, parece que tudo que é bom dura pouco.
Meu estômago revira ao ver Jenna entrar no salão. Ela está
simplesmente linda, usando um vestido brilhante, um salto alto enorme e o
cabelo preso em um coque alto e frouxo. As joias que ela usa brilham de
longe e também, está usando um batom vermelho, mas ao contrário de mim,
o seu tem cor de sangue.
Martina e Sarah se entreolham e suspiram, enquanto eu tento
controlar a minha ansiedade.
Meu coração dispara ao vê-la se aproximando de mim.
Droga.
Ela cumprimenta Martina e Sarah, quando chega a minha vez, abre
um sorriso falso e largo.
— Você veio — diz, sem fazer questão de esconder a insatisfação na
sua voz. Ela me olha de baixo para cima e arqueia uma sobrancelha bem-
feita. — Matteo te deu o vestido e as joias?
— Jenna, por favor, se controle — Martina pede ao entregar o bebê
para Sarah e eu fico feliz que ela esteja disposta a me defender, embora eu
mesma tenha que aprender a encarar essa bruxa de cabeça erguida.
— Eu não disse nada demais.
— Tudo bem — falo para Martina, endireitando os ombros e
respirando fundo. — Sim, foi o Matteo que me deu o vestido, as joias, tudo.
— E você parece se orgulhar disso. Patética — Jenna rebate.
— Não vejo problema em aceitar presentes dele. Eu sei que você
daria tudo para estar no meu lugar.
Jenna torce o nariz em desgosto.
— Claro que não. Deus me livre de ser uma pobre coitada como
você.
— Verdade. Eu sou pobre e não, não tenho vergonha disso. Existem
muitas diferenças entre nós, Jenna, mas acho que a principal é que a pobre
coitada aqui não precisa ficar mendigando a atenção do Matteo.
Ela trinca o músculo do maxilar e ergue a mão para acertar o meu
rosto, mas eu seguro seu pulso com firmeza, afastando a sua mão num
solavanco.
— Nunca mais vai encostar a mão em mim.
Jenna aproxima o rosto do meu para sussurrar:
— Não importa o quão caro seja o seu vestido ou quantos diamantes
estejam em cima de você, nunca será como eu.
— Não quero ser como você... desesperada por um homem —
devolvo, encontrando seus olhos com afinco.
— Marginal.
Tomo um leve sobressalto ao ver Martina agarrar o braço de Jenna e
afastá-la de mim, empurrando para trás com uma classe que eu nunca teria.
As duas se encaram pelo que parece uma eternidade e os olhos de Martina
soltam faíscas contra a bruxa.
— Exijo que trate bem a minha convidada — Martina ordena, a voz
soando calma e poderosa.
Jenna deixa escapar um riso seco.
— Sua convidada?
— Sim. Ou esqueceu do que se trata este evento?
A bruxa eleva o queixo e endireita os ombros, pronta para soltar o
seu veneno.
— Martina, você não é a matriarca desta casa, e sim, a tia Eleonor.
Para a minha surpresa, Martina assente com um sorriso ensaiado.
— Tem razão, mas você esqueceu que eu sou a esposa do capo di
tutti i capi? Se eu quiser, posso mandar cortar a sua língua.
Pisco devagar, chocada com a ameaça, mas não ouso dizer nada.
— Ele já foi coroado? Que eu saiba a reunião ainda não terminou.
— Não seja boba, querida. A reunião é apenas burocrática, todos
sabem que o Danilo já está no comando. Então, se não quiser ser enxotada
para fora desta casa, comece a tratar bem a Hadassah. Eu amo a Eleonor,
mas nem a minha sogra será capaz de me fazer pegar leve com você.
Jenna é obrigada a engolir o orgulho e girar nos calcanhares para se
afastar de nós. Quando ela está longe o suficiente, Martina respira fundo e
fecha os olhos por uma fração de segundo, como se estivesse medindo a
gravidade das suas palavras.
— Eu não sou assim, mas aturei Jenna tempo demais. E bom, agora
mais do que nunca tenho que mostrar minha força — ela comenta e eu não
entendo, mas parece fazer todo o sentido para Sarah.
Apesar de muitas coisas ainda estarem confusas na minha cabeça,
como o que diabos é capo di tutti i capi? Ou o que Jenna quis falar com
esse negócio de coroação? E bom, Martina disse que pode mantar cortar a
língua de Jenna e Matteo falou que podia dar um jeito no meu pai e irmão...
O que essa gente é?
Eu deveria estar preocupada com isso, certo? Certo. Mas o que
realmente fica martelando na minha cabeça é o fato de Jenna chamar a
senhora Eleonor de tia. Eu sei que ela é a mãe de Danilo, sogra de Martina e
tia de Matteo.
Matteo e Jenna são realmente primos?
— A senhora Eleonor é tia da Jenna? — me ouço perguntando e
Martina fica levemente confusa, então eu explico. — Ela fica falando... tia
Eleonor. Eu fiquei confusa. Ela é prima do Matteo?
— Não. Não. Ela é apenas sobrinha de um homem importante para a
nossa família e como cresceu debaixo das asas da família Salvatore, tem um
carinho especial pela minha sogra. Apenas isso, não se preocupe com essa
bobagem.
Não me preocupar com isso...
Respiro fundo, tentando afastar os pensamentos intrusivos que
teimam em perturbar minha paz. Eu sei que não posso subestimar Jenna,
embora as palavras de Martina tenham sido tranquilizadoras.
Ainda assim, uma parte de mim permanece em alerta, ciente de que
Jenna parece ser o tipo de mulher que está longe de ser facilmente
derrubada. Preciso ser forte e aprender a lidar com ela, se quiser sobreviver
no mundo de Matteo.
Estou na minha terceira taça de espumante quando Matteo retorna
da reunião.
Seu semblante sério dá lugar a um sorriso genuíno que ilumina seu
rosto no momento em que os seus olhos encontram os meus em meio à
multidão.
Sinto meu coração aquecer ao vê-lo se aproximar de mim com uma
determinação que é digna de um animal selvagem, forte e incontrolável,
afastando os olhares curiosos que se voltam para nós.
Sinto-me envolvida pelo calor inebriante da sua presença quando ele
segura meu rosto, os dedos ásperos acariciando minha pele suave. Sem
dizer nada, os lábios quentes encostam nos meus num beijo que me rouba o
fôlego e me deixa de pernas bambas.
Ouço os murmúrios e sinto o calor dos olhares intrigados sobre nós,
mas nem consigo me importar de estar chamando atenção demais.
Na hora que ele se afasta, o seu polegar limpa o borrado da minha
boca, o que me faz rir. Ergo a mão para fazer o mesmo com a boca de
Matteo, que está vermelha por causa do meu batom.
— Deu tudo certo na sua reunião?
— Sim, Cristallo.
Tomo o resto do espumante da taça de cristal e sinto o líquido
borbulhar na garganta e também, no meu cérebro. E talvez, seja o álcool
fazendo efeito, afinal, eu nunca bebi antes e esse negócio é gostoso demais.
Tomo coragem para perguntar.
— O que é capo di tutti i capi?
Matteo arregala os olhos ao mesmo tempo em que franze o cenho.
— Onde ouviu isso?
Dou de ombros e troco a minha taça vazia por outra cheia quando o
garçom passa por mim.
— Isso é tão bom — murmuro, tomando outro gole. — Faz
cosquinhas no meu cérebro.
Matteo toma a taça da minha mão e bebe o espumante todo de uma
vez, devolvendo a taça vazia para outro garçom que passa por nós.
— Ei.
— Se continuar assim, vai ficar bêbada.
— Hum... — Assinto, prensando os lábios em uma linha reta. —
Ainda não me disse o que é capo di tutti i capi?
Matteo segura a minha mão, entrelaçando os nossos dedos e a outra,
envolve no meu rosto.
— Onde ouviu isso, Cristallo?
— Martina e a Jenna estavam conversando sobre isso e uma
coroação. Nada faz sentido na minha cabeça.
Em silêncio e de mãos dadas, ele me puxa para fora do salão
movimentado e para longe dos olhares curiosos. Matteo me guia através de
um corredor até alcançarmos uma porta grande e de madeira maciça.
Assim que entramos, noto que é uma biblioteca. Matteo fecha a
porta atrás de nós, nos isolando do resto do mundo. Ele me conduz até uma
poltrona confortável, onde me sento obedientemente, esperando pelas
explicações.
Seu olhar azul e penetrante me avalia por um momento, me fazendo
estremecer.
De pé e de frente para mim, ele enfia as mãos no bolso da calça
social e suspira de modo profundo, como se estivesse ponderando as suas
palavras antes de falar.
— Tem que me falar — eu quebro o silêncio, minha voz ecoando
pelo ambiente tranquilo da biblioteca. — Você fala que não vai me deixar ir
embora, então, eu preciso no mínimo saber o que isso significa — insisto,
ainda assim, ele permanece calado. — É muito grave? — quero saber.
— Você sabendo ou não, quero que tenha certeza de uma coisa,
Cristallo.
— O quê? — retruco, me sentindo ligeiramente corajosa por causa
do álcool no meu sangue. Não é que eu esteja bêbada, mas estou mais
ousada do que o normal.
— Não tem como fugir de mim. Não há lugar para se esconder.
— Por que eu me esconderia de você, Matteo?
Matteo apenas dá um passo para se aproximar de mim, estende a
mão para tocar o meu rosto e os seus dedos fazem carinho no meu maxilar,
procurando os meus olhos.
— Capo di tutti i capi é um termo italiano e significa chefe de todos
os chefes — Matteo informa, o polegar fazendo carinho no meu lábio
inferior à medida que os olhos se fixam na minha boca. — É um título que é
dado a um líder supremo na hierarquia da... máfia, alguém que detém o
poder absoluto sobre todas as famílias e operações... criminosas.
Meus olhos se arregalam com a gravidade da situação, percebendo a
profundidade das conexões de Matteo com o mundo perigoso que ele
habita.
O mundo sombrio da máfia, que eu só conhecia de ouvir falar, agora
parece muito mais real e ameaçador do que nunca.
— Meu Deus... isso é... caramba. — Eu sei que deveria parar por
aqui, mas não consigo. — E a coroação? — pergunto com um sussurro.
Matteo suspira, a expressão se tornando mais séria.
— É uma cerimônia para que um novo líder seja oficialmente
instalado no comando.
Enquanto absorvo as palavras de Matteo, uma sensação de
inquietação misturada com fascínio se apodera de mim. Confesso que
desconfiava que o mundo de Matteo era misterioso demais, mas nunca
pensei que fosse tão perigoso.
Sinto que estou apenas começando a arranhar a superfície de um
abismo profundo de segredos e perigos do mundo dele.
— Você é um mafioso — falo as palavras em voz alta e elas são tão
estranhas, mas é bizarro como “mafioso” combina com ele.
— Você está com medo de mim?
Meu primeiro instinto é levantar da poltrona e me afastar do toque
de Matteo, deixando a distância física entre nós como uma barreira
protetora contra a verdade que acaba de ser revelada.
Minha mente grita para que eu minta, para que eu diga que estou
com medo dele, por que o medo é a resposta mais sensata neste momento.
Afinal, quem não teria medo de um mafioso? Por mais lindo e gostoso que
ele seja?
— Sim — murmuro uma mentira e fico congelada, incapaz de
mover um músculo sequer.
O olhar intenso de Matteo me prende, como se ele pudesse ler cada
pensamento que passa pela minha cabeça e um sorriso desdenhoso brinca
nos lábios dele. Não posso negar que me sinto exposta e vulnerável diante
dele, mas estranhamente, não sinto medo.
Nunca senti.
E, no fundo, eu sei que nunca sentirei.
— Você é uma péssima mentirosa, Cristallo.
Com passos lentos e deliberados, Matteo se aproxima de mim, e eu
recuo instintivamente, sentindo meu coração pulsar com força na garganta.
Minha respiração se torna superficial enquanto ele avança, e só então
percebo que a minha bunda encosta em algo duro. Ao olhar de relance para
trás, vejo um piano imponente.
— Não tem medo de mim.
— Matteo... — murmuro, lutando para encontrar as palavras certas
ao vê-lo se aproximar ainda mais, seus olhos azuis perfurando os meus com
intensidade.
— Por que está mentindo para mim? — questiona, apenas um passo
de distância, as mãos fortes encontrando minha cintura, prendendo-me
contra ele com uma possessão que me faz estremecer. — Não gosto de
mentiras, Cristallo.
Engulo em seco, o calor da sua proximidade envolvendo-me como
uma chama ardente. Encaro-o, incapaz de desviar o olhar dos olhos intensos
que parecem ler minha alma.
— Ter medo de você... é o sensato. Eu acho — sussurro, as palavras
saindo trêmulas dos meus lábios.
— Mas você não tem medo de mim.
Lambo os lábios, mirando os olhos azuis de Matteo.
— Não... eu não tenho medo de você, Matteo — admito, sentindo as
mãos dele me apertarem, roubando-me um gemido e me fazendo arfar.
— Nunca mais minta pra mim.
Antes que eu possa dizer algo, ele se lança sobre mim com uma
fúria controlada, os lábios esmagam os meus em um beijo arrebatador.
Sinto-me afundar nele, entregando-me à paixão avassaladora que me
consome, enquanto as mãos exploram cada centímetro do meu corpo, me
marcando como sua em um gesto possessivo e apaixonado.
Meu corpo responde ao dele de forma instintiva, rendendo-me à
intensidade da boca dele. Sinto-me derreter sob o seu toque, cada célula do
meu ser clamando por mais desse homem perigoso.
Matteo me pressiona contra o piano, o seu corpo colado ao meu, ao
mesmo tempo em que as suas mãos exploram minha pele com avidez.
Estamos tão próximos que posso sentir o calor emanando dele e me
tocando, me chamando.
E eu sei que nunca terá espaço para medo entre nós.
Não enquanto eu estiver nos braços de Matteo Salvatore.
Quando sinto uma das suas mãos deslizar pela minha perna,
seguindo a trilha exposta pela fenda do vestido, meu corpo arqueia em
resposta e uma onda de prazer percorre cada fibra do meu ser.
Ele alcança a parte interna da minha coxa e eu gemo manhosa.
— Matteo.
— O que foi?
— Se alguém entrar aqui? — pergunto, sem impedir que ele
continue. Mordo o lábio inferior ao senti-lo encontrar a minha virilha, me
provocando com toda a sua ousadia.
Minha cabeça cai para trás, os lábios entreabertos em um suspiro de
pura entrega. Estou completamente à mercê dele, louca de desejo e sei que
apenas ele pode me satisfazer.
— Quer que eu pare?
— Não. — Arfo. — Mas se alguém nos ver?
Uma risada baixa escapa dos lábios de Matteo, cheia de uma
arrogância sensual que me faz tremer.
— Não é mais divertido assim? — questiona ao inclinar o rosto em
direção ao meu pescoço e morder. — Eu não me importo de sermos pegos.
Na verdade, acho que torna as coisas mais emocionantes
Seu toque é elétrico, enviando ondas de prazer através de mim. Eu
me agarro a ele, me perdendo nas sensações avassaladoras que ele desperta
em mim.
Deixo escapar um gemido de surpresa ao sentir Matteo levantar meu
vestido até a cintura de uma vez, revelando minhas pernas desnudas. Ele me
coloca sentada no piano aberto, e assim que minha bunda encosta nas
teclas, soa uma música aleatória e desajeitada.
Começo a rir.
Olho para Matteo com os olhos brilhando de diversão, enquanto ele
me observa com um sorriso sensual nos lábios.
Ele se aproxima como um predador e sem dizer nada, abre as
minhas pernas com as duas mãos e então, se ajoelha diante de mim, se
encaixando entre elas.
Seus olhos faíscam com desejo ao afastar o tecido da minha calcinha
para o lado, revelando minha intimidade úmida para ele.
Mordo o lábio inferior para conter o gemido.
Com um gesto deliberado, ele coloca a língua para fora antes de
mergulhar o rosto na minha boceta e tocar a minha pele sensível com uma
carícia certeira e provocante.
O calor da sua boca contra o meu ponto de prazer me faz arquear as
costas, enquanto as ondas de prazer percorrem meu corpo.
Na hora que posiciono as pernas sobre os seus ombros para dar mais
a ele, mais notas aleatórias soam pela biblioteca, me fazendo sorrir. Matteo
continua concentrado em mim e ao mesmo tempo em que me divirto com a
situação, ele enfia dois dedos dentro de mim, sem parar de brincar com o
meu clitóris, o que me deixa completamente louca e fora de controle.
Não sei se é o efeito das taças de espumante ou a intensidade do
momento, mas tudo parece ainda melhor do que o habitual, me dando
coragem para agarrar os cabelos dele com as duas mãos e puxar com força,
pressionando-o ainda mais contra as minhas pernas.
— Matteo... — murmuro o seu nome em meio aos gemidos,
sentindo a língua quente dele explorar cada centímetro da minha
intimidade.
— Gosto quando você geme meu nome, Cristallo — ele grunhe
contra o meu clitóris, a sua voz quente faz o meu corpo arrepiar.
Entrego-me por completo ao prazer avassalador que Matteo me
proporciona, os movimentos de vaivém dentro de mim ganham um ritmo
delicioso e a sucção no meu ponto sensível fica mais intensa.
Sinto uma explosão de sensações que me deixam fora de órbita,
enquanto ouço as notas desajeitadas do piano ecoando pela biblioteca à
medida em que arqueio os meus quadris contra o rosto de Matteo.
Os dedos dele continuam se movendo habilmente dentro de mim,
encontrando pontos sensíveis que me fazem gemer de êxtase. Sinto-me à
beira do abismo, prestes a mergulhar em um mar de prazer indescritível.
— Matteo... eu... — choramingo, minhas pernas tremendo em torno
dele. — Ah, isso é tão bom.
— Goza na minha boca, Cristallo — ele ordena e continua a me
provocar com a sua língua e os dedos salientes. Cada tração, cada
movimento, apenas intensifica o fogo que arde dentro de mim, me
consumindo inteira.
Um gemido rouco escapa do fundo da minha garganta, e é quase um
pedido silencioso por mais da doce tortura.
Matteo responde com um grunhido gutural, mergulhando a língua
ainda mais fundo na minha boceta, me levando à beira da loucura. Estou
prestes a desmoronar, perdida em um turbilhão de sensações que queimam
sob a minha pele.
Os dedos de Matteo continuam a explorar cada recanto sensível da
minha boceta, intensificando os movimentos, afundando ainda mais os
dedos dentro de mim, me fazendo sentir a pressão do orgasmo se
aproximando.
Uma onda avassaladora de prazer percorre meu corpo, fazendo-me
arquear as costas e gemer alto.
Com um grito abafado, eu me entrego ao clímax avassalador,
sentindo o meu corpo pulsar com o prazer indescritível que irrompe de
dentro de mim. E no ápice do meu êxtase, Matteo está lá, a sua boca ávida
capturando cada gota do meu prazer, saboreando-me com uma devoção que
me deixa sem fôlego.
Meus gemidos enchem a biblioteca, se misturando com as notas
desajeitadas do piano, conforme eu sou consumida pelas sensações
eletrizantes do meu corpo.
— Que boceta deliciosa, Cristallo — ele murmura depois de lamber
pela última vez e se erguer completamente, nivelando os nossos rostos ao
ficar entre as minhas pernas.
Com uma puxada firme e que me arrepia, ele me puxa para ele, cola
as nossas bocas e me prende num beijo intenso, me fazendo sentir o gosto
do meu próprio sexo e pressionando a sua ereção contra o meu ventre, o que
me faz gemer contra os seus lábios em um misto de prazer e desejo.
Como se minhas mãos tivessem vida própria, elas descem pelo peito
de Matteo até encontrar o volume da ereção contra a calça social.
O desejo ardente de provar mais de Matteo, de satisfazê-lo da
mesma maneira que ele me satisfez, pulsa dentro de mim, mas sinto
vergonha de pedir, por isso, as palavras ficam presas na minha garganta.
— Você quer o meu pau? — ele pergunta, simplesmente.
Arfo.
— Matteo...
— Não tenha vergonha, Cristallo — ele murmura contra os meus
lábios, os olhos ardendo com desejo. — Se você quer, apenas peça.
O calor sobe às minhas bochechas e eu luto contra a minha própria
timidez, mas respiro fundo, tomando coragem para seguir em frente e
deixar os meus desejos serem conhecidos.
— Eu... eu quero.... chupar você, Matteo — sussurro, as palavras
saindo tímidas de entre meus lábios.
Os olhos de Matteo reluzem de maneira feroz ao ouvir meu pedido e
num instante, a sua expressão se torna ainda mais predatória e excitada.
Com um movimento fluido, ele me levanta do piano, fazendo soar algumas
notas aleatórias e me guia até a poltrona, onde me faz sentar.
Tremo em antecipação e nervosismo, a incerteza pairando no ar no
momento em que ele se posiciona diante de mim com uma expressão
confiante. Com um sorriso sensual nos lábios, ele percebe minha hesitação
e se inclina para beijar os meus lábios de leve.
— Não se preocupe, Cristallo.
— É que eu não sei o que fazer — admito.
— Eu vou ensinar você — murmura, fazendo meu coração acelerar
e ao mesmo tempo, meio que acalmando meus nervos e também,
aumentando a minha excitação.
Com a confiança que só ele possui, Matteo abre o cinto e nunca
pensei que o som disso poderia ser tão erótico. Olhando para mim, ele
desliza o zíper para baixo e finalmente, desce parte da calça social e da
cueca boxer, revelando o pau rijo e duro, que aponta para mim.
A cabecinha brilha por causa do pré-gozo, o que me dá água na
boca. Matteo o segura com firmeza, bombeando lentamente, de uma
maneira provocante pra caramba, sem deixar os meus olhos.
Umedeço os meus lábios.
Com a mão livre, ele a ergue espalmada para mim, pedindo a minha,
que dou sem hesitação. Ele me faz agarrar o seu pau quente e pulsante e
bombear junto com ele. Matteo respira fundo e pesado ao sentir minha mão
em torno do seu membro duro e fico orgulhosa de vê-lo arfar apenas por
causa do meu toque.
Com um olhar intenso e dominador, Matteo me encara, os olhos
faiscando com o desejo incontrolável.
— Abra a boca para mim, Il mio Cristallo[10] — ele murmura, a sua
voz rouca e cheia de autoridade, cortando o ar.
Obedeço ao comando e sem hesitação, separo os meus lábios e abro
a boca, ansiosa para receber o que ele tem a oferecer. Sinto-me eletrizada
pela sensação de vulnerabilidade e submissão que a ordem implica, me
entregando completamente ao seu controle.
Com um sorriso satisfeito nos lábios, Matteo avança, o pau rígido e
pulsante encontrando meu lábio inferior antes de deslizar para dentro da
minha boca. Um gemido rouco escapa do fundo da sua garganta quando
sinto seu comprimento preenchendo-me, enchendo-me com uma sensação
deliciosa de plenitude.
Devagar, eu começo a me adaptar ao seu tamanho e forma, enquanto
ele me conduz em um ritmo deliciosamente torturante.
Matteo se movimenta na minha boca, dentro e fora, cada vez o seu
pau entra mais fundo, alcançando a minha garganta e me fazendo sentir o
seu gosto.
Com um gemido abafado, ele me instrui a sugar a sua glande, e eu
obedeço, aplicando pressão com a minha língua, envolvendo a cabeça do
seu pau com os meus lábios.
É incrível quando eu o sinto estremecer de prazer sob o meu toque,
o que me encoraja a continuar.
— Cristallo... isso... — ele grunhe, como uma fera enjaulada e as
duas mãos encontram os meus cabelos da nuca. — Caralho.
Ofegante, ele me orienta a lamber ao longo da sua extensão,
explorando cada centímetro da pele quente com minha língua ávida. Sigo as
instruções à risca, saboreando cada gota do seu gosto delicioso e salgado à
medida que eu o acaricio com a minha boca.
Quando ele me ordena a tocar as bolas, não hesito em obedecer,
envolvo-as com uma das minhas mãos e as massageio com cuidado. Sinto a
sua excitação aumentar ainda mais sob meu toque, e as respirações se
tornando mais rápidas e irregulares.
Matteo joga a cabeça para trás, apertando a minha nuca ao mesmo
tempo em que entra e sai de dentro da minha boca.
— Cristallo... eu vou gozar — admite e soa mais como um aviso
para eu parar. — Cristallo, se afaste agora se não quiser engolir a minha
porra.
Pisco devagar e ergo os cílios para Matteo, encontrando o seu olhar
por um segundo, deixando claro que não vou me afastar.
E então, ele respira fundo e pesado, as mãos continuam na minha
nuca e ele começa a foder minha boca com uma ferocidade implacável, os
movimentos se tornam mais urgentes e descontrolados a cada momento que
passa.
Eu sou completamente dominada por ele e faço a única coisa que
está ao meu alcance, me entregar ao prazer também, porque é incrível como
ver um homem delirando de tesão por causa da minha boca pode me fazer
estremecer também.
— Hadassah — ele uiva, jogando a cabeça para trás, e atinge o ápice
do êxtase, a sua liberação inundando a minha boca com a essência quente e
salgada. Engulo tudo, saboreando as gotas do seu prazer, como ele faz
comigo e o observo se afundar na sensação de alívio e satisfação.
Matteo se afasta lentamente, o corpo ainda vibrando por causa do
orgasmo. Eu me levando da poltrona e observo colocar o pau ainda rijo para
dentro da calça social. Depois, os seus olhos encontram os meus, faiscando
com uma mistura de desejo.
— Foi bom? — quero saber.
Com um sorriso satisfeito brincando nos lábios, Matteo me puxa
para seus braços fortes, me envolvendo em um abraço possessivo.
— Você foi incrível, Cristallo — ele murmura no meu ouvido. —
Foder sua boca vai ser tornar meu novo vício.
Minhas bochechas queimam de vergonha.
— Você é um ótimo professor — devolvo.
— Ah, Cristallo. Nunca duvide do poder que você tem sobre mim
— é o que diz, fazendo o meu coração bater de maneira frenética dentro do
meu peito.
Hoje é o dia em que tudo será resolvido.
Hoje, Juan Miguel finalmente pagará pelo que fez com Hadassah.
Com a bênção de Danilo, tenho carta branca para lidar com ele da
maneira que eu achar adequada. E não pretendo desperdiçar essa
oportunidade. Diferente do tio Alberto, não queremos um acordo para
comandar o seu bando, apenas, aniquilá-los.
Reúno um grupo seleto de homens de honra, cada um deles com
olhos ardentes de desejo por sangue. Eles sabem o que precisa ser feito,
assim como eu. Não há espaço para hesitação ou compaixão quando se trata
de lidar com os inimigos.
Entramos em nossos carros e partimos em direção ao território de
Juan Miguel, nossos motores rugindo com a promessa de retribuição. Não
há conversa fiada, não há espaço para negociação. Apenas ação direta e
implacável.
Chegamos ao local, encontrando as ruas vazias e o silêncio que
precede a tempestade. Não há sinal de vida, exceto pelo som distante de
vozes abafadas. Sabemos que estamos no lugar certo.
Sem perder tempo, avançamos, nossos passos ecoando pelas ruas
desertas. Não há mais lugar para fugir, Juan Miguel será confrontado hoje,
cara a cara.
Finalmente, chegamos ao seu esconderijo, uma construção sombria
e sinistra que parece se encolher diante da nossa presença.
Com um gesto, meus homens avançam, invadindo o lugar com a
determinação de um furacão. Portas são arrombadas, tiros enchem o ar e o
caos se instala ao nosso redor, sem espaço para misericórdia ou piedade.
Estou acompanhado de dois dos meus homens quando encontro
Juan Miguel em meio ao tumulto de uma sala desorganizada, o rosto pálido
e os olhos cheios de surpresa, sem entender completamente o que acabou de
acontecer.
Ele aponta a arma em riste, mas os meus homens o impedem, o
imobilizando em segundos. O velho careca tenta se soltar, no entanto, é em
vão.
Nós nunca atacamos Juan Miguel diretamente, porque Alberto
Salvatore gostava da maneira como os homens dele operavam nas ruas
vendendo drogas, e meu tio sempre foi ambicioso, e queria controlá-lo, o
que nunca deu certo.
Alberto Salvatore sempre foi ambicioso demais e não gostava de ter
a sensação de perder, por isso, nunca desistiu de Juan Miguel. Ele tinha
esperanças de que o latino comeria na sua mão em breve.
Mas, o destino é foda pra caralho.
— Que merda é essa?
Sem dizer uma palavra, avanço na sua direção, minha expressão tão
fria quanto o aço.
— Não sabe mesmo?
— Você... — ele diz ao me reconhecer. — Você é o riquinho babaca
que roubou a minha noiva. Cadê aquela vagabunda?
Com um gesto rápido, puxo a minha arma e aponto diretamente para
a sua testa, o metal frio e implacável contra a pele quente e suada.
— É melhor ter cuidado com o que fala, Juan Miguel, isso pode
influenciar na hora da sua morte.
— Alberto Salvatore mal caiu e vocês já estão agindo sem pensar.
Rio.
— Está sentindo falta do meu tio? Aposto que sim, não é? É uma
pena. Pra ele, você era meio que valioso. Para nós? Você não passa de um
pedaço de merda.
Antes que ele tenha a chance de responder, mais um dos meus
homens entra na sala, o rosto impassível enquanto relata as notícias do que
aconteceu lá fora. A informação é clara e concisa: todos os homens de Juan
Miguel que estavam aqui estão mortos.
Aceno para o meu homem e volto minha atenção para o latino.
— Leve-o — ordeno, meu tom não admitindo argumentos. — E
limpem as ruas. Qualquer homem que trabalha para Juan Miguel merece
morrer.
Com um movimento rápido, meus homens o arrastam para fora com
uma força bruta.

Embora ele não seja um traidor, eu decido que o seu fim será o
mesmo de um.
Desço as escadas escuras e úmidas, e logo o ar ao meu redor se
torna denso e pesado. Eu sigo por um corredor estreito e mal iluminado até
chegar a uma sala ampla do bunker subterrâneo, lugar onde costumamos
lidar com nossos traidores.
Logo de cara, eu vejo Juan Miguel amarrado e imobilizado em uma
mesa de inox, semelhante à forma como os traidores são tratados. É
engraçado como os olhos suplicam por misericórdia, como se isso fosse
fazer algum efeito agora.
— Eu poderia brincar com você por dias, mas honestamente, não sei
se você vale o meu esforço — digo ao mirar seus olhos. — Tenho coisas
mais interessantes para fazer do que passar meu tempo com você.
Ele tenta falar algo e inútil, já que tem a boca costurada.
— Mas é claro, que isso não significa que não irá sofrer. Você vai
sofrer por ter desejado a Hadassah. Por ter encostado nela. Por ter a
humilhado. Por tudo. Vai desejar nunca ter cruzado o caminho dela.
Com apenas um gesto, indico a um dos meus homens que traga um
rato e Juan Miguel assiste horrorizado tudo acontecendo diante dele. Antes
de colocarmos o rato em cima da sua barriga, eu mesmo faço questão de
forrar a gaiola de metal com brasa.
O soldado coloca o rato em cima de Juan Miguel e olhando dos
olhos dele, eu coloco a gaiola de metal sobre o rato, prendendo-o no seu
corpo.
É um castigo destinado a infligir dor e sofrimento.
É perfeito para ele.
Juan Miguel geme em agonia quando o rato começa a rasgar a sua
carne em busca de uma rota de fuga e eu apenas observo, saboreando o seu
fim.
Algum tempo depois...
Finalmente, depois de toda a tensão e perigo envolvidos em lidar
com Juan Miguel, parece que as coisas estão voltando ao normal.
Ou pelo menos, tão normal quanto pode ser para alguém como eu,
que está comprometida com Matteo Salvatore, um mafioso implacável.
Quando Matteo me diz que tem um presente para mim, admito que
fico muito curiosa. Ele sempre sabe como me surpreender, e eu me
pergunto o que ele planejou desta vez.
Mas, assim que ele menciona que precisa "me vendar" primeiro, fico
confusa.
O que esse mafioso está aprontando?
Decido confiar nele, como sempre faço.
Vendada e com um frio na barriga, ele me guia até o seu carro e me
acomoda no banco do carona, coloca o cinto de segurança em mim e liga o
som, deixando uma música calma e sexy rolando.
Talvez seja porque estou vendada, mas sinto que demora muito para
chegarmos ao local e meu coração começa a bater muito rápido de
expectativa. Faço muitas perguntas no meio do caminho, só que o homem é
comprometido, não solta nenhuma pista do que está escondendo.
Matteo me ajuda a descer do carro e noto que atravessamos uma rua.
Paramos e então, ele retira a minha venda. Fico surpresa ao perceber que
estamos em frente ao antigo rinque de patinação da escola onde costumava
treinar antes do meu mundo virar de cabeça para baixo.
Arregalo os olhos de espanto e viro meu rosto para Matteo, tentando
entender.
— O que isso significa?
Ele me olha com um brilho nos olhos, um sorriso malicioso
brincando nos lábios.
— Matteo, o que estamos fazendo aqui? — pergunto, já que ele não
responde nada.
Ele pousa uma mão na minha cintura e me faz entrar na escola,
caminhamos direto para o rinque de patinação de gelo, o que faz meu
coração se aquecer. Eu amo demais esse lugar.
— Cristallo, este é o seu presente — fala, simplesmente, a voz cheia
de carinho.
— Como assim, o meu presente?
— Eu comprei este lugar pra você.
Meu coração dá um salto dentro do meu peito e eu pisco rápido,
assimilando a informação.
Ele comprou a escola de patinação para mim?
Mas por quê?
— Mas por quê? — repito meu pensamento, incapaz de conter
minha curiosidade. — Matteo, por que fez isso?
Matteo sorri, os olhos cheios de ternura. As mãos agarram a minha
cintura e ele me puxa contra ele, colando os nossos corpos.
— Porque sei o quanto a patinação significa pra você, Cristallo. E
eu queria que você tivesse um lugar só seu, onde pudesse praticar e se sentir
livre.
Minha visão fica turva ao sentir as lágrimas se formando nos olhos,
pisco com força, tentando segurar o choro, mas não consigo. Olho ao redor,
admirando o rinque vazio que agora é meu.
Matteo segura o meu rosto e apara as minhas lágrimas com os
polegares.
— Não acredito que fez isso.
Ele me envolve em um abraço reconfortante, os braços fortes me
segurando com segurança.
— Está feliz?
— Muito. Obrigada.
Eu me agarro a ele, deixando as lágrimas fluírem livremente. Nunca
imaginei que alguém poderia gostar e me apoiar tanto quanto Matteo
Salvatore.
Matteo sorri quando me vê tão emocionada, seu toque gentil me
ajudando a conter as lágrimas. Eu me sinto abençoada por tê-lo ao meu
lado, por todo o apoio e amor que ele me oferece.
Ele me afasta um pouco, olhando-me nos olhos com um brilho de
satisfação.
— Também contratei a melhor professora de patinação de Chicago
para dar aulas particulares a você — ele diz, e um sorriso ainda maior se
espalha pelo meu rosto.
— Sério? Isso é incrível, Matteo! — exclamo, sentindo uma onda de
gratidão inundar meu coração.
Uma ideia incrível surge na minha mente ao me lembrar de todas as
crianças que vi patinando nas pistas públicas, algumas delas claramente sem
recursos para pagar aulas, como eu.
Mas antes de falar para ele, meio insegura, eu questiono ao franzir o
cenho:
— Isso é um investimento?
Ele nota a minha hesitação.
— Não, Cristallo. É um presente. Você pode fazer o que quiser com
este lugar.
Respiro fundo, reunindo coragem para compartilhar a minha ideia.
— Eu tive uma ideia... no futuro, talvez pudéssemos oferecer aulas
gratuitas de patinação para crianças que não têm condições de pagar. Seria
uma forma de retribuir à comunidade, e o rinque poderia se tornar um lugar
especial para todos.
Há um momento de silêncio conforme Matteo processa minha
proposta. Aos poucos, um sorriso orgulhoso se forma nos seus lábios.
— Você tem um coração tão bom, Cristallo — murmura, me dando
um selinho suculento. — Não sei se mereço você.
— Acho que sou eu que não mereço você.
Nossos lábios se encontram em um beijo profundo e apaixonado, e é
tão bom, que eu sinto como se estivesse sonhando. É como se eu tivesse
encontrado o meu lugar ao lado de Matteo, como se minha vida fizesse
sentido agora.
Mas para a minha surpresa, somos abruptamente trazidos de volta à
realidade pelo som de palmas ecoando ao nosso redor.
Nosso beijo é interrompido e nos viramos na direção do som. Meu
coração murcha ao encontrar Jenna, nos fitando com um sorriso malicioso.
Os olhos brilham com diversão, como se ela estivesse prestes a soltar uma
bomba que vai destruir meu coração.
— Parece que interrompi um momento... interessante — ela
comenta, o tom zombeteiro é evidente na voz.
Matteo olha para ela com uma expressão impassível, e sou incapaz
de evitar o rubor de subir às minhas bochechas. Jenna sempre foi mestra em
me deixar desconfortável com a sua presença.
— O que você quer, Jenna? — Matteo pergunta, frio e áspero. —
Como chegou aqui?
— Tive que falar com um dos seus soldados, já que você me proibiu
de entrar na sua casa.
— Me diga o nome dele e eu mesmo vou matá-lo — Matteo
informa, fazendo-me olhá-lo com apreensão. — Se a lealdade dele não está
comigo, eu o prefiro morto.
Ela dá de ombros, mantendo o sorriso travesso.
— Não seja tão exagerado. Preciso falar com você e é muito
importante. Vai mudar o rumo das nossas vidas.
Meu coração bate tão rápido que eu ouço um zumbindo dentro dos
ouvidos.
— Apenas vá embora enquanto ainda tenho vontade de ser educado
com você — Matteo retruca, visivelmente irritado.
Jenna sorri amplamente, como se estivesse se divertindo com
alguma piada interna, em vez de se afastar, ela abre a bolsa elegante e de
dentro, retira um envelope. Como se estivesse desfilando em uma passarela,
ela se aproxima de Matteo, me ignorando completamente.
— Acho que vai querer ver isso.
— Que merda é essa? — Matteo quer saber.
— Abra e veja você mesmo.
Matteo lança um olhar preocupado para mim, mas abre o envelope e
ler o que tem nele. O seu rosto empalidece ao mesmo tempo que os
músculos da mandíbula se contraem.
— Impossível. Eu sempre me preveni com você.
— Tem certeza de que todas as vezes que transamos nós usamos
camisinha? — Jenna rebate e lança um olhar de desprezo para mim. Meu
coração erra uma batida, sabendo exatamente do que se trata. — Aconteceu
de algumas vezes nós bebermos além da conta, Matteo e não usarmos
proteção.
Num rompante, tomo o papel das mãos de Matteo e tiro as minhas
próprias conclusões. Meu mundo desaba debaixo dos meus pés ao me dar
conta de que Jenna está grávida dele.
— Isso é impossível — Matteo se recusa a acreditar.
— Impossível? Por quê? Matteo, estou grávida de dois meses e não
é porque paramos de transar desde que a sua queridinha aí apareceu que não
é possível. Eu estou carregando um filho seu e agora, você terá que assumir,
porque eu não nasci para ser mãe solteira — ela fala ao arrancar o papel da
minha mão.
Eu fico com tanta falta de ar que minha cabeça começa a girar. Ouço
Matteo me chamar, mas nem consigo focar nele. Desesperada para me
afastar dos dois, eu apenas saio da escola correndo e assim que meus pés
alcançam a calçada, eu desabo.
Eu vomito o café da manhã enquanto as palavras de Jenna martelam
dentro da minha cabeça como um mantra cruel, uma realidade devastadora
que não consigo processar.
Quando Cesare aparece ao meu lado, não posso dizer que estou
surpresa. Seu olhar preocupado encontra o meu e ele segura os meus
cabelos, numa tentativa de me ajudar.
— O que aconteceu, senhorita?
— Cesare... me leva pra casa, por favor — é o que peço com um
sussurro fraco, minha voz tremendo.
Antes que Cesare possa me responder, Matteo surge atrás de mim, o
rosto uma máscara de angústia e desespero. Meu coração se aperta com a
visão dele, mas sei que não consigo encará-lo agora.
As lágrimas nublam minha visão, e eu recuo instintivamente quando
ele se aproxima de mim, tentando me tocar.
— Hadassah, vamos conversar.
Eu nego com a cabeça, porque eu simplesmente não consigo.
Não agora.
— Eu não culpo você, Matteo, mas não quero conversar agora. Eu
só quero sair daqui — minhas palavras saem entrecortadas.
— Eu te levo, Cristallo.
— Não. Você e Jenna têm muito o que conversar. Cesare vai me
levar pra casa.
Matteo fica relutante em ceder, mas com o rosto contraído por causa
da raiva, ele acaba permitindo que o soldado me leve de volta para a
mansão.
Ao me afastar, não consigo me conter, eu começo a chorar.
Matteo vai ser pai.
De um filho da Jenna.
Quando chego à mansão, meu rosto está inchado de tanto chorar e
eu sinto que cada lágrima derramada é uma parte do meu coração que se
despedaça.
Faço um esforço tremendo para subir as escadas e ao entrar no meu
quarto, sinto o peso da dor me esmagar, como se o mundo estivesse
desabando sobre mim.
Tomo um susto ao ver Domênica entrar sem bater, os olhos
perspicazes captando imediatamente a minha angústia. O rosto dela exibe
uma expressão de compaixão e preocupação, como se entendesse a
gravidade do que aconteceu antes mesmo que eu consiga articular as
palavras.
— O que aconteceu, menina?
— Jenna está grávida de Matteo — minha voz sai embargada. —
Grávida.
O olhar de Domênica se torna melancólico, uma expressão que fala
muito sem dizer uma palavra. Ela não precisa de explicações detalhadas
para compreender a extensão do meu sofrimento.
Jenna não é uma mulher qualquer, além de fazer parte da vida de
Matteo há muito tempo, ela também é parte da máfia. E grávida dele, as
coisas não poderiam ser piores para mim.
Não que um filho seja algo ruim, o bebê não tem culpa de nada e
não tenho raiva dele. Só que ainda assim, meu coração dói, porque eu sei
que acabou para nós.
Não existe um futuro para mim e o Matteo. E isso machuca tanto,
que meu corpo inteiro dói.
Com um gesto gentil, ela contorna o meu corpo e me oferece o
apoio de que tanto preciso agora.
E no calor do abraço de Domênica, eu choro mais ainda.
Dois dias depois...
A sensação de acordar pela manhã é sempre agridoce. Doce por ter
mais um dia pela frente, mas amarga pela incerteza do que esse dia reserva.
Desde que decidi me distanciar de Matteo, cada manhã tem sido um
desafio. Evito o seu olhar, o seu toque, a sua presença, como se me esquivar
dele pudesse proteger meu coração da dor.
Voltei a dormir no quarto de hóspedes, buscando uma espécie de
refúgio dentro da própria mansão que agora parece tão imensa e solitária.
Durante o dia, faço de tudo para evitar cruzar o caminho de Matteo, me
mantendo ocupada em ajudar Domênica, cuidar da Calíope ou apenas ficar
trancada no quarto.
Mas hoje, ao acordar, sinto que algo dentro de mim mudou.
Uma voz interior fala que já passou da hora de retomar o controle da
minha vida. Não posso continuar me escondendo atrás do medo da dor e da
incerteza.
Preciso voltar a trabalhar, a me sentir útil, a ter uma direção clara
para seguir.
Decido que é hora de enfrentar Matteo e anunciar minha decisão.
Não vou mais permitir que o medo me paralise, que a dor me
impeça de seguir em frente. Levanto-me da cama, o coração batendo forte
contra o peito, mas uma chama de coragem queimando dentro de mim.
Depois de tomar um banho e me arrumar, pego a minha mochila e
desço as escadas com passos firmes. Ao entrar na cozinha, encontro Matteo
lá, a presença poderosa preenchendo o ambiente inteiro.
Ao me ver, ele me encara com afinco, fazendo-me suspirar.
Sinto tanta falta dele, que meu corpo dói.
Respiro fundo, reunindo toda a coragem que tenho dentro de mim.
— Eu vou voltar a trabalhar — informo, minha voz soando mais
firme do que esperava.
Domênica e Cesare que também estão na cozinha, me olham
surpresos com a notícia. A governanta de Matteo parece genuinamente feliz
pela minha decisão, ao contrário de Cesare, que está confuso.
E Matteo...
Bom, a expressão dele endurece, como senão fosse essas palavras
que o mafioso estivesse esperando ouvir agora. O homem decide fazer voto
de silêncio e não verbaliza nada, apenas continua com o seu café.
Troco um olhar com Domênica, que assente e eu decido não recuar.
— Já que você é o meu chefe, pode descontar do meu salário os dias
que passei ausente.
Uma sobrancelha de Matteo se arqueia na minha direção, mas ele
não responde de imediato, o que me faz morder o lábio inferior com força
até sentir gosto de ferrugem.
— Cesare vai levá-la ao supermercado — ele decreta, sem espaço
para argumentos.
— Não precisa, eu vou de ônibus ou de metrô.
Matteo me encara, os olhos brilhando com uma mistura de
frustração e admiração. Ele sabe que não vai me fazer desistir tão
facilmente.
— Cesare vai levá-la, isso não é um pedido, Cristallo — ele insiste,
soando um pouco mais suave desta vez, mas ainda firme.
Meu coração se contorce e por mais que eu queira desafiar Matteo,
sei que é inútil lutar contra a sua determinação. Ele também não vai ceder
com facilidade.
— Tudo bem, obrigada.
Giro nos calcanhares para sair da cozinha, mas sou interrompida
pelo tom firme de Matteo:
— Não vai tomar café da manhã?
Confesso que a ideia de ficar perto dele é tentadora, mas
rapidamente descarto. Não quero prolongar o momento mais do que o
necessário. Não posso ficar mais um minuto na presença de Matteo, sem
correr o risco de cair em tentação.
Sinto um nó se formar em minha garganta e o engulo com força ao
me virar para encará-lo.
— Vou comer algo no supermercado.
Vejo a frustração passar pelo rosto de Matteo por um breve
momento, mas ele parece entender a minha decisão. Com um gesto, ele
indica para que Cesare me acompanhe, e eu me viro para seguir em frente,
deixando para trás a tensão que paira entre nós.
Enquanto caminho em direção à saída da mansão, não consigo evitar
de sentir o peso do olhar de Matteo sobre as minhas costas. Mas sei que é
hora de seguir em frente, mesmo que isso signifique me afastar dele.
Ainda que meu coração doa pela distância entre nós, sei que é a
única maneira de me proteger.
Não posso ignorar a sensação estranha de voltar ao supermercado.
É como se eu tivesse passado uma vida longe daqui, e voltar agora,
é apenas, diferente. Mas, é assim que vou recomeçar e retomar o controle
da minha vida.
Estou no vestiário recém-reformado quando Nina entra e me dá um
sorriso caloroso. Ela joga os braços em cima do meu pescoço e me prende
num abraço apertado, me fazendo rir.
Senti falta dela.
— Tô feliz de te ver aqui, mas... por que voltou? — pergunta ao
apontar para o meu uniforme.
— Estou livre. A situação com Juan Miguel foi resolvida.
Nina franze o cenho.
— E? Você tá namorando o dono do supermercado, não precisa
trabalhar. É praticamente a minha chefe — zomba e eu finjo um sorriso.
— Ainda assim, eu preciso — dou uma explicação rápida, tentando
disfarçar a tensão que sinto.
Nina me estuda por um momento, como se tentasse decifrar algo na
minha expressão.
— Tem certeza de que é só isso?
Meu coração aperta e um sorriso triste toma conta dos meus lábios.
Sempre consegui disfarçar quando estava triste por causa do meu pai e de
Yosef, mas com Matteo é diferente, é difícil esconder.
— É complicado — murmuro, desviando o olhar e pegando o meu
crachá, em seguida, fechando o meu armário.
— Às vezes, é bom dividir o fardo.
Respiro fundo, deixando meus ombros caírem.
— Jenna está grávida de Matteo — confesso, sentindo os meus
olhos arderem e a visão ficar turva. — Foi antes de me conhecer —
emendo.
O rosto de Nina se contorce em uma expressão de choque e
preocupação.
— Uau.
— Eu disse... complicado.
— Mas isso não muda em nada a relação de vocês — ela fala, me
segurando pelos braços para que eu a olhe nos olhos. — Não é?
— Claro que muda. Ele vai ser pai. Não quero ficar entre ele e a
criança. Eu estou sobrando, Nina.
— Não fala isso, amiga.
— Dói muito, porque eu... eu não devia, mas eu já amo o Matteo —
admito para a minha amiga, sentindo as minhas bochechas molharem. — E
eu sinto que acabou, entende?
— Não pensa assim. Matteo tem um compromisso com o filho, não
com a Jenna.
Pisco devagar ao prensar os lábios e desviar os olhos de Nina. Se ela
soubesse o que eu sei, não diria isso. Não acho que com a influência que
Jenna tenha, Matteo consiga escapar de um compromisso sério com ela.
E tudo bem, porque essa criança merece o melhor, mesmo que isso
me faça sofrer.
— Eu perdi a minha mãe quando eu tinha oito anos. Ela fez muita
falta, Nina. Não quero que a criança sinta o mesmo que eu.
— É diferente, Hadassah. Matteo pode ser um pai presente mesmo
sem estar com ela.
Nego com a cabeça.
— Ela não vai desistir dele — digo, limpando as lágrimas com as
costas das mãos. — Não vai.
Nina respira fundo e me puxa para um abraço, permitindo que eu
chore no seu ombro amigo.
A noite cai sobre a cidade de Chicago quando saio do
supermercado, o ar frio me envolvendo com um abraço indesejado.
Cesare já está me esperando, a sua figura imponente se destacando
na escuridão do estacionamento. Nina e eu nos despedimos rapidamente
com um abraço reconfortante antes de cada uma seguir o seu caminho.
Meus passos fazem barulho contra a calçada ao me aproximar de
Cesare, que abre um sorriso pequeno para mim. Com gentileza, ele abre a
porta do carro, mas antes de me acomodar no banco, eu peço algo a ele.
— Pode me levar até a escola de patinação?
Ele aceita com um aceno de cabeça.
Depois de alguns minutos dentro do carro, fico animada ao ver a
escola de patinação surgir no meu campo de visão, iluminada pelo brilho
suave das luzes.
Cesare estaciona o carro na entrada e eu agradeço a carona, embora
não entre comigo, eu sei que ele permanecerá por perto. Desço do veículo e
abro o portão da escola para entrar, me deixando levar pela atmosfera
familiar.
Antes de ir ao vestiário trocar de roupa, preparo tudo, selecionando
com cuidado as músicas que tocarão nos alto-falantes e ajusto as luzes,
deixando-as mais leves e confortáveis.
A música já está rolando quando visto a minha leggings e calço os
patins, caminho até o rinque de patinação e removo a proteção das lâminas
de aço para deslizar pela pista de gelo.
Dou algumas voltas na pista, mas apenas ao som envolvente de
"Bitter Sweet Symphony" da banda The Verve, que eu me deixo levar pela
melodia inspiradora e começo a pegar impulso.
Meus patins cortam o gelo com precisão, deixando para trás uma
trilha cintilante à medida que me movo.
Começo com passadas lentas e elegantes, me permitindo ser
conduzida pela música ao me inclinar levemente para frente, meus braços
se estendendo lateralmente com leveza. Crio arcos suaves com meus patins,
fluindo com a música como se fosse uma extensão do meu próprio corpo.
À medida que a batida da música cresce, acelero o ritmo,
executando movimentos mais complexos e audaciosos. Salto e giro com
confiança, meus movimentos em perfeita harmonia com a música ao
mesmo tempo em que o vento frio acaricia meu rosto.
Deslizo pela pista em círculos, alternando entre movimentos lentos e
rápidos, uma tentativa de esquecer tudo que faz meu coração doer. Mas, é
bem difícil. Matteo já está enraizado dentro de mim, como uma força que
vai além do meu entendimento.
Enquanto me movo pelo rinque com fluidez e confiança, sinto a
sensação persistente de que estou sendo observada, como se houvesse olhos
fixos em mim de algum lugar nas sombras. Um arrepio percorre minha
espinha, mas quando lanço um olhar ao redor, não vejo ninguém.
A música vibra pelos corredores vazios da escola de patinação,
acompanhando meus passos no gelo, mas por um momento, me sinto
desconectada do mundo ao meu redor. Minhas preocupações parecem
distantes, substituídos pelo ritmo frenético da melodia e pela sensação de
liberdade que a patinação me proporciona.
Ainda assim, a sombra de Matteo paira sobre mim, um lembrete
incessante de uma realidade que não posso ignorar. Continuo deslizando
pela pista e desejo que o vento frio leve embora as minhas preocupações,
mesmo que apenas por um momento fugaz.
O silêncio que envolve a mansão de Matteo é quase palpável quando
chego em casa.
Caminho até o salão principal e me aproximo do terrário de vidro de
Calíope. Com cuidado, eu abro a tampa e estendo a minha mão para fazer
um pouco de carinho na serpente, sentindo a suavidade das escamas nos
meus dedos.
Enquanto acaricio Calíope, não posso deixar de pensar que, quando
partir, sentirei falta dela. É estranho como uma criatura tão incomum se
tornou uma companheira especial para mim.
— Promete ser má com a Jenna quando ela for a esposa de Matteo?
— pergunto a Calíope que sibila em resposta, me arrancando uma risada. —
Mas não precisa ser má com o bebê, tudo bem? — emendo e ouço um som
sibilante. — Essa é minha garota.
Depois de me despedir de Calíope, decido ir até a área da piscina.
Atravesso os corredores da mansão até chegar ao local, onde o barulho
suave do vento balançando as árvores do jardim parece convidativo.
Retiro meus sapatos e os coloco ao lado da borda da piscina junto
com a minha bolsa antes de me sentar na beira, deixando meus pés
mergulharem na água morna.
Observo o fundo da piscina, onde as luzes subaquáticas criam
padrões hipnotizantes. Tento relaxar, organizar meus pensamentos sobre
Matteo, que ainda flutuam dentro da minha cabeça, persistentes e
inescapáveis.
Como vou fazer para esquecê-lo?
O olhar penetrante, o toque intenso... tudo isso ainda vibra dentro de
mim, mesmo depois que eu tenha tentado me afastar dele.
Respiro fundo ao relaxar os ombros e fechar os olhos.
Tentando fugir da confusão dentro de mim, eu apenas mergulho na
piscina, buscando refúgio no mundo silencioso e sereno sob a água. Sinto a
água abraçar o meu corpo e abafar os sons do mundo exterior. Afundo
rápido e deixo que a pressão me envolva quando prendo a minha respiração
e apenas, desço até o fundo da piscina, sentando no chão.
Debaixo da superfície, encontro um silêncio profundo e pacífico,
onde os pensamentos se dissipam e o mundo ao meu redor desaparece. É
como se estivesse em um outro universo, isolada da agitação e das
preocupações que me atormentam.
Por um momento, não há Matteo, não há Jenna, não há problemas.
Há apenas eu e a água, uma fusão de corpo e elemento, flutuando juntos em
perfeita harmonia.
Fecho os olhos e me permito simplesmente existir, sem precisar
lidar com as complicações da minha vida. É um alívio estar assim, afastada
de tudo, sem precisar pensar em nada.
De repente, sinto uma pressão no meu braço e meu corpo é puxado
para a superfície. Meus olhos se abrem em surpresa ao ser arrancada do
tranquilo refúgio subaquático.
Quando emergimos à superfície, meu coração dispara ao perceber
que é Matteo quem me puxou, os olhos transbordando de preocupação.
— Que porra estava fazendo? — ele pergunta, a voz soando mais
áspera do que o habitual. — O que estava fazendo? — insiste, ainda me
segurando firmemente pelos ombros.
Levo alguns segundos para recuperar o fôlego e reunir os meus
pensamentos, surpresa com a sua súbita aparição.
— Eu... eu... estava só tentando... silenciar os meus pensamentos por
um minuto — respondo com um sussurro ao sentir seu olhar penetrante
sobre mim.
— Você ficou muito mais do que um minuto lá embaixo, Hadassah.
Matteo não parece convencido com a minha explicação, o semblante
tenso denotando uma mistura de preocupação e frustração. Ele parece
prestes a dizer algo, mas então se cala, deixando apenas o som suave da
água ao nosso redor.
— Me desculpe, eu não queria preocupar você.
Meus olhos encontram os dele, e por um breve momento, consigo
enxergar a tempestade de emoções que se agita por detrás do seu olhar
intenso.
Há tantas coisas não ditas entre nós.
— Eu pensei... — ele murmura, cerrando o maxilar. — Não faça
mais isso. Não posso perder você.
Respiro fundo, tentando afastar as inúmeras perguntas que fervilham
na minha mente, me concentrando apenas na presença de Matteo ao meu
lado. Por mais complicada que seja a nossa situação, ainda há uma conexão
entre nós, algo que não pode ser ignorado ou esquecido.
— Desculpe por preocupá-lo.
Sinto meu coração dar um salto quando Matteo se inclina na minha
direção, os lábios encontrando os meus em um beijo inesperado. A sua boca
é exigente, molhada, quente e firme contra a minha, a língua nem precisa
pedir acesso para que eu me entregue ao seu beijo.
Apenas me permito afundar na carícia, me entregando as emoções
que ele desperta em mim.
Quando nos separamos, eu estou sem fôlego e o coração batendo
descompassado dentro do peito. Encaro Matteo, meu olhar procurando
respostas nas profundezas do seu azul intenso.
Ele me olha de volta, uma expressão intensa e indecifrável no rosto.
— Vamos entrar, Cristallo — ele murmura, a voz rouca com uma
emoção que não consigo identificar.
Em silêncio, eu concordo com um aceno.
Depois de um banho relaxante, visto o meu pijama e me deito na
cama, esperando que o cansaço do dia me faça dormir. No entanto, parece
que os meus pensamentos têm vida própria, teimando em me manter
acordada.
Não importa quantas vezes eu mude de posição na cama, ainda não
consigo relaxar e simplesmente fechar os olhos. Os lençóis macios e o
travesseiro fofo não têm o poder de acalmar a tempestade dentro de mim.
Meu corpo está fisicamente exausto, mas minha mente está
acordada e alerta, incapaz de encontrar um pouco de paz. E o culpado disso
tudo está cravado no meu coração.
Matteo.
Apenas pensar no seu nome faz meu coração bater mais rápido e
minhas mãos suarem.
Como posso explicar a confusão tumultuada de emoções que sinto
por ele?
Apenas de me lembrar da preocupação no seu rosto quando
emergimos na água, o toque dos seus lábios contra os meus, o calor do seu
corpo tão perto do meu.
Será que tem alguma chance de ele sentir o mesmo por mim?
Será que as faíscas que voam entre nós são apenas um reflexo do
que eu sinto?
Mas então, a realidade vem me atingir com toda a crueldade,
lembrando-me das inúmeras razões pelas quais um relacionamento entre
nós é impossível.
Jenna.
Jenna grávida.
Eu... eu sou apenas uma garota que Matteo encontrou no meio do
caminho, uma garota comum envolta de um mundo extraordinário de
violência e intriga.
Como poderia um homem como Matteo Salvatore, tão imerso no
submundo do crime, encontrar espaço para amar alguém como eu?
E ainda assim, apesar de todas as probabilidades, meu coração se
recusa a se afastar dele de verdade.
Cansada de rolar na cama, fito o teto em busca de alguma resposta
que possa acalmar a tempestade que assola a minha mente.
Matteo, Jenna....
Acabo admitindo para mim mesma que não vou conseguir dormir
hoje. Não aqui, sozinha. Não quando o meu coração está em guerra consigo
mesmo.
Deslizo para fora dos lençóis com um suspiro resignado, meus pés
tocando o chão frio com uma sensação familiar. Saio do quarto de maneira
silenciosa e talvez seja errado por causa de Jenna, mas vou direto para o
quarto de Matteo.
A verdade é que não tem como ignorar o que eu sinto por esse
homem, é como uma força magnética que me puxa em direção a ele, uma
força irresistível que me impulsiona a buscar conforto nele, mesmo quando
sei que é perigoso demais.
Perigoso para o meu coração.
Paro em frente a porta do quarto de Matteo e respiro fundo ao
segurar a maçaneta. Sem pensar muito, eu a giro e entro no cômodo. A
primeira coisa que vejo é Matteo deitado no sofá, dormindo.
A garrafa de whisky repousa sobre a mesinha de centro e o copo de
cristal vazio ao lado, e me dói que ele tenha voltado a buscar conforto no
álcool antes de dormir.
E então, eu percebo que tem algo errado. Os movimentos do seu
corpo são frenéticos e descoordenados, como se estivesse lutando contra
algo invisível, preso em um pesadelo do qual não consegue escapar.
Meu coração aperta ao vê-lo assim, tão vulnerável e atormentado
pelos pesadelos outra vez.
Instintivamente, eu me aproximo, ficando de joelhos diante dele.
Com cuidado, inclino-me sobre Matteo e minha mão acaricia o seu rosto
tenso com carinho.
— Matteo — chamo baixinho no seu ouvido, esperando que a
minha voz possa dissipar os fantasmas dos seus pesadelos e possa trazê-lo
de volta à realidade. — Está tudo bem. Sou eu, seu Cristal quebrado.
Ele se contorce sob meu toque, os músculos tensos e rígidos, como
se estivesse lutando contra alguma coisa. Meu coração se aperta um pouco
mais ao ver a dor que ele tenta esconder atrás de uma fachada de poder e
controle.
— Você está seguro, Matteo — murmuro, fazendo carinho no seu
rosto suado. — Estou aqui com você. Eu prometo que não vou a lugar
algum.
Aos poucos, sinto a tensão do seu corpo diminuir, os movimentos se
acalmando conforme ele abre os olhos lentamente, me encontrando em
meio à escuridão do quarto.
— Cristallo...
— Quando os pesadelos voltaram?
— Faz alguns dias.
Uma onda de pesar me invade, fazendo-me perceber que talvez
minha ausência tenha desencadeado o retorno dos pesadelos de Matteo.
Quando começamos a dormir na mesma cama, as noites ruins pareciam ter
acabado.
— Eu sinto muito, Matteo — murmuro, minhas palavras quase
sumindo no silêncio do cômodo. — A culpa é minha.
— Nada disso é culpa sua, Cristallo.
Respirando fundo, Matteo ergue a mão para tocar o meu rosto e eu
tomo a iniciativa de me deitar ao seu lado no sofá. Sinto o calor do seu
corpo me envolver quando os braços fortes e firmes contornam o meu
corpo, me dando uma sensação absoluta de proteção.
Ele me aperta com força e ficamos assim, calados por quase uma
eternidade, até que ele quebra o silêncio.
— Eu não suporto a ideia de te perder, Cristallo.
Meu coração dói.
Agarro-me a Matteo com força, sentindo os olhos arderem.
— Eu estou feliz por você, de verdade. Eu acho que você vai ser um
ótimo pai — sussurro com sinceridade. — Só que tá doendo, Matteo,
porque eu sei que tô sobrando entre vocês.
— Você nunca vai sobrar na minha vida.
— Sim, eu vou. Porque não quero ficar entre vocês.
Matteo beija o topo da minha testa.
— Vou resolver as coisas com a Jenna.
— Eu sei que vai... você vai se casar com ela — retruco, incapaz de
esconder os ciúmes que sinto.
— Não vou me casar com ela, Hadassah — ele diz, o tom de voz
soando ríspido e sério. — Esteve longe de mim esse tempo todo por pensar
isso?
Matteo me afasta um pouco para encarar meus olhos lacrimejantes.
— Sim. Mais ou menos.
— Jenna não pode ser minha mulher.
— Por que não? — murmuro, fungando.
— Porque eu já tenho uma — ele fala, tomando meu rosto com uma
das mãos. — Você. Il mio Cristallo.
Suas palavras vibram dentro da minha mente, absorvendo cada
sílaba com uma mistura de choque e felicidade. Antes que eu possa dizer
algo mais, ele me puxa para perto, os lábios encontrando os meus em um
beijo apaixonado.
Em meio às minhas lágrimas, eu sorrio, finalmente compreendendo
o que sempre esteve diante dos meus olhos.
Matteo Salvatore, meu homem, meu amor, meu porto seguro.
Alguns dias depois...
Estou farto.
Farto de deixar as coisas acontecerem sem a minha intervenção.
Depois de ter soltado a bomba nas minhas mãos sobre a gravidez,
Jenna simplesmente me ignorou. Não quis conversar comigo, alegando que
se estressar faria mal ao beber.
Para evitar confronto direto, ela até tirou alguns dias de folga na
Salvatore's Sapori d'Italia, o que me deixou desconfiado. Mas chegou a hora
de enfrentar o problema de frente.
Cansei de dar tempo a ela e esperar.
Quero resolver essa situação de uma vez por todas e descobrir se ela
está grávida de verdade.
Escolho três homens confiáveis para me acompanhar até o
apartamento dela. Eu lidero o caminho e os outros me seguem até o bairro
movimentado de Jenna. Em alguns minutos, estacionamos em frente ao
prédio onde ela mora e eu sinto a adrenalina pulsar nas minhas veias.
Passo as últimas instruções aos homens e só então, subimos os
degraus da entrada, os nossos passos ressoando no corredor vazio. Quando
eu chego à porta de Jenna, aperto a campainha e espero.
A porta se abre devagar, revelando Jenna parada e noto um misto de
surpresa e medo estampando o seu rosto.
— Matteo... — balbucia. — O que você está fazendo aqui? —
pergunta, a voz treme, mas em segundos, ela coloca a postura de desafio em
evidência.
Respiro fundo, preparando-me para o que está por vir.
— Precisamos conversar, Jenna. Sobre a gravidez.
— Não quero conversar agora.
— Vamos conversar agora — digo e com cuidado para não a
machucar, eu empurro a porta para entrar no apartamento. Jenna resiste,
mas é inútil. Ela não pode escapar de mim.
— Estresse faz mal para o bebê — ela retruca.
Ao chegar na sala de estar, meus olhos rapidamente identificam a
taça de vinho meio cheia sobre a mesinha de centro, ao lado de uma garrafa
pela metade. Sem hesitar, viro-me para Jenna e me aproximo dela,
segurando seu rosto com firmeza para cheirar a sua boca.
Minhas têmporas latejam de raiva ao constatar o cheiro de álcool.
— Você está grávida e está bebendo?
Ela se solta bruscamente de mim, o rosto assumindo uma expressão
de desafio.
— Foi apenas uma taça.
Mas eu não me deixo enganar pela explicação fajuta. A ideia de que
ela colocaria em risco a saúde do nosso filho me enfurece como nunca. Me
enfurece pra caralho.
— O que você quer conversar?
Ela me encara, os olhos faiscando com uma mistura de raiva.
— Você bebeu bem mais do que uma taça.
— Veio aqui pra assumir as suas responsabilidades ou me julgar?
— Você não está pronta para ser mãe.
— E o que você sabe sobre ser mãe? — ela dispara, o tom de voz
carregado de sarcasmo.
Eu seguro a vontade de explodir diante da provocação. Respiro
fundo e tento manter a compostura.
— Se você acha que vai tratar esta gravidez como uma piada, está
muito enganada — digo, minhas palavras soando firmes, cada uma
carregada de indignação.
Jenna parece prestes a retrucar, mas uma troca de olhares entre os
homens que me acompanham é suficiente para fazê-la recuar. Ela sabe que
não está em posição de me desafiar agora.
— Tudo bem. Beber foi um erro. Sinto muito.
Eu a encaro por um longo minuto, deixando claro que não estou
convencido da sua sinceridade repentina.
— Troque de roupa. Vamos ao médico.
Jenna arregala os olhos perplexa e balança a cabeça, claramente
relutante em seguir minhas ordens. Seus lábios se contraem em uma linha
fina, um sinal claro de teimosia.
— Não vou ao médico com você, Matteo.
Eu mantenho meu olhar fixo no dela, minha expressão inabalável.
— Preciso ter certeza de que está tudo bem com o bebê.
— Você acha que eu menti sobre a gravidez? — ela finalmente faz a
pergunta importante, os olhos se estreitando em desconfiança. — Você acha
que eu seria capaz de algo assim?
— Na verdade, sim.
— Vá embora daqui! — ela berra.
— Se não for trocar de roupa, eu a levarei assim mesmo — aviso.
— Eu não vou a lugar nenhum com você.
Diante da persistência de Jenna em se recusar a cooperar, faço um
sinal discreto para os homens que me acompanham. Eles entendem o
recado e avançam na direção dela, prontos para agir.
— Eu preferia não ter que recorrer a isso, Jenna. Mas parece que
você não me deixa outra escolha.
Jenna olha em volta, percebendo a ameaça iminente representada
pelos meus homens. Seu rosto se contorce em uma mistura de raiva e
frustração, mas ela sabe que está em desvantagem e não pode resistir por
muito tempo.
— Você não pode fazer isso! — ela protesta, os olhos arregalados de
puro pânico. — Não pode!
— Não a machuquem — ordeno.
Eles se aproximam de Jenna, cada um agarrando um dos seus
braços. Embora ela lute e tente se libertar, é inútil diante da força
combinada dos meus homens. Com movimentos precisos e controlados,
eles a arrastam para fora do apartamento, ignorando os seus protestos
desesperados.
É uma cena desagradável, mas necessária para garantir que Jenna
cumpra as minhas ordens e vá ao médico.
Preciso saber se ela está falando a verdade.

A cena é caótica quando chegamos na clínica do obstetra.


Jenna está histérica, gritando e esperneando enquanto meus homens
a conduzem pelo corredor, ignorando completamente os olhares curiosos
dos presentes. Os seus berros chamam a atenção, mas estou completamente
alheio à reação das pessoas ao nosso redor.
A única coisa que importa é garantir que Jenna seja examinada.
Entro na sala do médico junto com ela, observando com interesse no
momento em que ela começa a chorar, um sinal de que talvez, esteja
começando a perceber a seriedade da situação.
Jenna não tem escolha a não ser cooperar.
Meus homens a colocam sentada em uma cadeira e eu me inclino
um pouco para olhá-la nos olhos.
— O obstetra trabalha pra organização há anos. Então, não se
engane, se você não cooperar, ele fará o exame à força. Porque eu vou
mandar que amarrem você na maca, se necessário — minha voz é firme e
autoritária, sem espaço para discussões. — Então, seja boazinha e coopere
com o médico para que tudo seja menos humilhante pra você.
Ela começa a soluçar.
— Matteo... por favor, não faz isso comigo. Confia em mim, por
favor — implora aos prantos.
— Não consigo confiar em você.
— Por que não?
— É a minha natureza.
Ela balança a cabeça, enterrando o rosto entre as mãos, tremendo
todo o corpo. O médico e os meus homens olham para mim, meio sem jeito.
— Podemos começar? — o médico obstetra pergunta.
— Sim — respondo.
— Não! — Jenna berra. — Eu menti. Eu menti. Não estou grávida.
A confissão dela vem como um choque, mas ao mesmo tempo não
me surpreende. Sabia que algo estava errado desde o início, mas precisava
de uma confirmação definitiva.
Ao ouvir as palavras de Jenna, uma onda de raiva e decepção toma
conta de mim. Mas em vez de explodir, eu faço um gesto com a mão para
que os meus homens e o médico obstetra saiam da sala e nos deixem a sós.
— Você mentiu? — meu tom é duro, mas controlado. Tento me
manter calmo, mesmo que por dentro esteja furioso com ela.
— Paguei uma médica para falsificar o exame de sangue — admite,
sem coragem de olhar para mim.
— Você é pior do que eu pensava, Jenna.
— Matteo, por favor, eu posso explicar... — Jenna soluça entre as
lágrimas, o rosto contorcido pela angústia ao ficar em pé e tentar segurar o
meu braço, mas desvencilho-me do toque. — Por favor, me escuta.
— Você tem alguma ideia do que fez?
— Eu... eu sei que menti, Matteo. Eu sinto muito, mas eu estava
desesperada, não sabia o que fazer.
— Desesperada? — questiono, minha expressão endurecendo
enquanto tento controlar a minha frustração. — Você mentiu. Você quase
me fez perder a coisa mais importante da minha vida.
Jenna ergue o olhar, espremendo os lábios.
— Ela é tudo o que importa pra você?
— Sim — admito.
Jenna chora mais ainda.
— Eu... eu não queria te perder, Matteo. Eu pensei que se eu
estivesse grávida, você teria que ficar comigo. Eu estava com medo de te
perder para ela... — as palavras saem em soluços entrecortados.
A raiva borbulha nas minhas veias, lutando pelo controle sobre as
minhas emoções. No entanto, uma coisa é clara para mim: a mentira dela
não pode ser ignorada, e as consequências das suas ações terão que ser
enfrentadas.
Os meus músculos doem, mas é uma dor que vale a pena. Cada
momento passado no rinque de gelo é como uma lufada de ar fresco em
meio ao caos da minha vida. Desde que comecei as aulas com a professora
de patinação que Matteo contratou, tenho me sentido mais viva do que
nunca.
As horas voam enquanto deslizo pela pista, concentrada em
aperfeiçoar meus movimentos. A professora é exigente, mas também é
apaixonada pelo que faz, e a sua dedicação é contagiosa. Juntas,
encontramos um equilíbrio entre a disciplina e a diversão, e aos poucos, vou
me tornando mais confiante e habilidosa.
No início, pensei que seria muito difícil lidar com a rigidez da
professora, mas descobri que o seu compromisso em me ensinar vai além
das simples lições de patinação. Ela me desafia a superar meus limites, a
persistir mesmo quando tudo parece difícil. E, surpreendentemente,
encontramos uma conexão genuína, uma amizade que está florescendo a
cada aula.
Apesar das dores nos músculos e das quedas inevitáveis, eu amo os
meus momentos aqui.
Depois de girar algumas vezes e parar para tomar fôlego, eu noto a
tensão de Cesare do outro lado do rinque. Ele tem a expressão preocupada
ao falar no celular e passa as mãos entre os cabelos.
Peço um momento a professora e me aproximo dele, deslizando pela
pista de gelo.
— Aconteceu alguma coisa, Cesare?
— Não é nada, não se preocupe.
— Como não é nada? Olha a sua cara. Tem algum problema?
Ele respira fundo e coça o topo da cabeça.
— Minha filha mais nova passou mal e foi levada ao hospital. Não
consigo parar de me preocupar, mas ela vai ficar bem.
— Vai lá ver a sua filha — digo e noto a sua hesitação em me deixar
sozinha aqui. — Não se preocupa comigo.
— Não posso ir. Você é minha prioridade.
Reviro os olhos, bufando.
— Ah, Cesare, por favor, né? É a sua filha caçula.
Irredutível, o homem balança a cabeça de um lado para o outro,
negando.
— O senhor Matteo não vai gostar em saber que eu a deixei aqui
sozinha.
— Sozinha? — retruco e aponto com o indicador para os outros
alunos na pista de gelo. — Olha ao redor, Cesare. Ainda é dia, tem um
monte de aluno aqui, fora os professores.
Dito isso, verifico a hora no relógio digital no meu pulso e
acrescento:
— Ainda assim, falta duas horas pra minha aula acabar. Vai e volta
antes da professora ir embora. Que tal?
— Promete não sair daqui sem mim?
— Prometo — digo com um sorriso e levanto o meu mindinho,
oferecendo para ele, que fica sem jeito, mas não me deixo abalar, entrelaço
os nossos dedos e rio, porque ele fica todo duro. — Pronto. Isso é quase um
juramento como os de vocês.
Ele deixa escapar uma risada seca.
— Vou avisar ao senhor Matteo e vou pedir que outro soldado venha
para ficar de olho quando eu estiver fora.
— Tudo bem, agora vai lá ver a sua filha.
— Obrigada, senhorita.
— Espero que ela fique bem.
Ele assente e me dá um pequeno sorriso, o que me faz sorrir
também. Observo Cesare se afastar na direção da saída e eu volto para a
minha professora, esperando que tudo fique bem com ele e a filha.

Minha aula acabou e Cesare ainda não apareceu. Fico inquieta, mas
lembro da minha promessa de não sair da escola de patinação sem ele.
Respiro fundo e decido esperar um pouco mais, na esperança de que ele
chegue logo.
Caminho até o vestiário feminino para trocar de roupa, tentando
afastar os pensamentos preocupantes. Espero que nada de ruim tenha
acontecido com a filha dele. Cesare é um homem bom, para alguém que é
da máfia, não merece perder um filho.
Ao abrir a porta, fico paralisada por causa do choque que me atinge
como um soco no meio da cara.
Papai e Yosef.
Eles estão aqui, as expressões sombrias e assustadoras me deixam
arrepiada, fazendo meu coração disparar que nem louco. Por um momento,
sinto como se o ar fosse sugado para fora dos meus pulmões.
Eles não deveriam estar aqui.
O que estão fazendo aqui?
Minha mente começa a girar em busca de respostas, mas antes que
eu possa articular qualquer pergunta, meu pai avança na minha direção, a
expressão endurecida. O medo começa a se insinuar dentro de mim
enquanto ele se aproxima, uma sensação de perigo pairando no ar.
— Não vai cumprimentar o seu pai? — ele pergunta, me agarrando
com força pelos cabelos.
— O que estão fazendo aqui? — minha voz sai fraca e trêmula, e eu
mal consigo reconhecê-la como minha.
Papai e Yosef trocam um olhar enigmático, e meu pai responde com
um tom frio e autoritário que me faz estremecer até o âmago:
— Temos algo para discutir, minha Hadassah. Algo importante.
— O quê? — sussurro.
A mão do meu pai aperta ainda mais os meus cabelos, fazendo-me
estremecer de dor. Sinto um nó se formar no meio da garganta, a ansiedade
tomando conta de mim conforme tento processar a situação.
— Não pode nos abandonar assim, filha — papai murmura,
forçando a minha cabeça para trás. — Agora que é rica vai fingir que nós
não existimos? Que modos são esses? Não foi essa educação que eu te dei.
— Eu não sou rica.
Yosef começa a rir com desdém.
— Não se faz de sonsa. Já sabemos que tá abrindo as pernas pra um
ricaço e que ele até te deu essa escola de presente — retruca e cospe no
chão, perto dos meus pés. — É só olhar pras suas roupas, dá pra perceber
que é uma puta de luxo.
— Me respeita, o puto aqui é você — grunho.
Yosef vem para perto de mim e dá um chute na minha barriga,
fazendo-me contorcer de dor e tossir.
— Ficou atrevida — papai diz, puxando meus cabelos mais uma
vez. — Você não era assim, filha. Não gosto dessa sua nova versão.
— Pai... — murmuro, meus olhos ardendo por causa das lágrimas
ácidas.
— Desde que você foi embora, as coisas ficaram difíceis e nós
precisamos do que você tem agora, Hadassah. Também queremos uma vida
boa. Também merecemos dinheiro.
— Dinheiro? — minha voz sai num sussurro, minha incredulidade
evidente. — Vocês vieram aqui... para pedir dinheiro?
Papai me solta, mas o seu olhar permanece duro e implacável, e
Yosef mantém uma expressão sombria ao seu lado.
— Você tem recursos agora, Hadassah. Recursos que podem ser
úteis para a sua família — meu pai responde, soando como uma sentença.
Minhas mãos tremem e meu coração martela descontroladamente no
peito. Eles realmente estão fazendo isso? Me usando assim, como se eu
fosse apenas uma fonte de renda?
— Eu... eu não posso simplesmente dar dinheiro a vocês —
respondo, lutando para manter minha voz firme.
— Não pode ou não quer? — Yosef quer saber ao mesmo tempo em
que meu pai me corta com um olhar duro.
— Eu não quero — digo com firmeza. — Não vou mais sustentar os
dois. Nunca mais.
— Eu sabia que ela não iria ceder — meu irmão admite, abrindo um
sorriso macabro para mim. — Mas talvez, depois que eu dê uma lição nela,
minha querida irmãzinha mude de ideia.
— Vá se ferrar — grunho.
Yosef avança em mim e eu sinto o impacto do soco no meu rosto,
uma dor aguda irradiando pela minha mandíbula. Cambaleio para trás e
antes que possa me recuperar, meu irmão me acerta de novo, me
derrubando no chão.
Meu primeiro instinto é tentar me proteger e não chorar, mas as
lágrimas começam a borbulhar nos meus olhos conforme sinto papai
agarrar os meus pulsos com força para facilitar os chutes de Yosef no meu
corpo.
As memórias do passado ressurgem de maneira violenta, cada golpe
reacendendo a dor e a agonia que pensei ter deixado para trás.
Meu pai e irmão fazendo o que sempre gostaram de fazer, me
maltratando como se eu fosse um pedaço de merda.
Papai me dá um chute no nariz, fazendo-me sentir cheiro de sangue.
— Pare! Por favor, parem! — grito, minha voz embargada pela dor
e pelo desespero.
Infelizmente, minhas súplicas são em vão. Eles nunca se importaram
comigo. Para ser honesta, acho que eles gostam quando eu imploro. É como
um combustível para os dois.
Cada golpe é como um martelo esmagando a minha alma, uma
recordação brutal da minha vulnerabilidade diante da família que deveria
me proteger, mas que nunca o fez de fato.
Toda vez que minha pele é cortada pelo punho do meu pai ou pelos
chutes do meu irmão, sinto uma ferida emocional se abrir ainda mais
profundamente dentro de mim.
O líquido rubro e quente escorre do meu nariz, pintando o chão de
vermelho. As lágrimas se misturam com o sangue do meu rosto, uma
combinação salgada de dor e tristeza que me consome por dentro.
— Por favor... — suplico mais uma vez. — Pai... — murmuro,
tentando encontrar algo de bom nele, mas em seu coração, nunca existiu
espaço para mim.
Eu nunca fui o bastante para ele.
Os dois continuarão a me machucar, a me torturar, até que estejam
satisfeitos com o estrago que causaram.
Meus sentidos começam a ficar turvos e minha visão escurece aos
poucos. O som dos socos e chutes se mistura a um zumbido ensurdecedor
dentro dos meus ouvidos. Tento me manter consciente, tento resistir, mas é
em vão.
De repente, um estampido alto e violento corta o ar como uma
lâmina afiada. Não demoro para reconhecer que foi disparado um tiro. Mas
antes que eu possa compreender completamente o que está acontecendo, as
surras param de maneira abrupta, como se o som do tiro tivesse congelado o
ar.
E então, tudo se dissolve em escuridão e eu apago.
Sentado à mesa de mogno, no coração da minha mansão, finalizo os
últimos detalhes de um acordo que há muito tempo deveria ter sido
resolvido.
Jenna, a mulher que ousou tentar me amarrar a ela através de um
vínculo que nunca deveria ter existido, está prestes a ser removida da minha
vida para sempre.
Ela nunca mais colocará os pés nos EUA, mas terá uma vida boa
fora do país. Apenas, não a quero por perto. Não vou permitir que tente
quebrar o coração de Hadassah outra vez.
Ao assinar os documentos que selarão o seu destino, não posso
deixar de sentir uma pontada de alívio. Jenna foi uma distração, um
obstáculo no caminho. Agora, com ela fora de cena, posso me concentrar
totalmente no que realmente importa.
Hadassah.
Entrego os papéis assinados a um dos associados da organização,
que está sentado à minha frente. Quando me levanto, ele faz o mesmo,
estendendo a mão para mim, selando o nosso compromisso.
— Até o final do dia, tudo estará pronto para ela ir embora — o
velho fala, e eu assinto em agradecimento. — Foi bom fazer negócios com
você, Matteo Salvatore. Aliás, parabéns pela promoção — emenda com um
sorriso largo, daquele tipo de quem diz “quando eu precisar de algo, eu
venho até você”.
— Quando tudo estiver pronto, me avise.
Faço um sinal com a cabeça para que o meu soldado o acompanhe
até a saída da mansão e antes que eu volte a me sentar, meu celular começa
a tocar.
O nome de Cesare pisca na tela, o que me deixa em alerta.
— Senhor... — A voz de Cesare do outro lado da linha carrega um
tom urgente e preocupado que imediatamente me deixa com uma sensação
ruim. — Temos um problema. Estamos levando Hadassah para o hospital.
As palavras atingem o meu estômago com um soco, fazendo meu
coração acelerar tão forte, que me deixa zonzo. Afrouxo o nó da gravata e a
arranco com força, jogando-a no chão.
Hadassah, meu Cristallo... em perigo?
Minha mente corre para as piores possibilidades, imaginando uma
série de cenários medonhos.
— O que aconteceu? — minha voz sai mais áspera do que pretendia,
a preocupação e o medo pintando cada palavra. — Quero falar com ela
agora. Passe o telefone para Hadassah.
Cesare suspira.
— A culpa é minha, me desculpe, senhor.
— Cesare, passe o telefone para Hadassah.
— Não posso... ela está inconsciente — informa, fazendo minhas
têmporas latejarem com força.
Droga.
Minha Hadassah...
Respiro fundo e tento resistir, ignorando a dor persistente dentro da
cabeça. Não vou desabar agora. Não quando ela está precisando de mim.
— Que merda aconteceu?
— O pai e o irmão — é a explicação rápida que me dá e é
automático, os músculos do meu corpo retesam. — Eles fugiram, mas
coloquei homens em busca deles pelo bairro. Não podem ter ido longe.
— Estou indo para o hospital agora mesmo.
Desligo o telefone com as mãos trêmulas, deixando o escritório para
trás enquanto minha mente se concentra apenas em uma coisa: chegar até
Hadassah, garantir que ela esteja segura e fazer tudo o que for preciso para
protegê-la, depois, dar um jeito na família de merda dela.
Agora, nada mais importa além dela.
Apenas minha garota.

Ao chegar ao hospital, minha mente está a mil por hora, assolada


por uma ansiedade que quase sufoca a minha razão.
Hadassah foi levada para dentro antes da minha chegada, e uma
parte de mim se debate com a urgência de estar ao lado dela, enquanto a
outra parte tenta manter a calma para lidar com a situação.
Cesare parece estar à beira do desespero, culpando-se por algo que
não é inteiramente a sua responsabilidade.
Eu sei que Cesare fez o que pôde, e sei sobre a situação urgente com
a sua filha mais nova. Quando ele me ligou mais cedo, eu permiti que ele
fosse ao hospital, enquanto outro soldado ficava cuidando de Hadassah
durante esse tempo, porque no passado, por muitas vezes, ele deixou a
própria família de lado para cuidar de mim.
— Eu falhei outra vez com o senhor.
— Cesare — falo o seu nome num tom firme. — Não é culpa sua.
— Eu deveria ter voltado mais rápido — murmura e minha única
resposta é um aceno de cabeça. — Pode me punir como achar melhor.
Solto uma baforada de ar.
— Quem é o soldado que estava cuidando dela?
— Mario. Eu vi pelas câmeras de segurança que ele foi fumar um
cigarro. Provavelmente achou que não faria mal — Cesare informa ao
contrair o maxilar.
— Onde ele está?
— Quando ele foi atrás de Hadassah, o Yosef sacou uma arma e
atirou nele. Infelizmente, Mario morreu antes de chagarmos aqui.
Fico quieto, sem vontade de falar nada.
— Os cretinos fugiram e a deixaram lá, no chão, como se não fosse
nada. — Cesare balança a cabeça, fazendo meu coração afundar contra o
peito. — Eles... não queriam levá-la.
Engulo em seco, meu corpo tensionando por causa da fúria.
— Eu sei o que eles queriam. O que eles querem.
— O quê?
— Hadassah passou a vida sustentando aqueles imprestáveis.
Quando dei a escola de patinação pra ela... isso chamou a atenção deles.
— Você acha que eles queriam dinheiro?
— Sim. Cesare, encontrem os dois. E não quero que ninguém
toquem neles. Eles são meus.
— Sim, senhor.
Cesare parece encontrar algum conforto na nossa conversa, mas é
evidente que ainda está angustiado e eu não posso fazer nada para melhorar
o seu humor, porque sinto que vou desmoronar.
Minha Hadassah.
Não posso perdê-la.
As horas passam lentamente no corredor do hospital e a ansiedade
me corrói por dentro enquanto aguardo notícias sobre Hadassah. Os
segundos parecem uma eternidade, e a incerteza sobre o seu estado de saúde
me destrói por completo.
Quando o médico responsável surge na sala de espera, com o rosto
sério e concentrado, minha respiração fica suspensa no meio da garganta.
Eu me levanto e Cesare faz o mesmo.
— Senhor Salvatore... — ele começa a falar, a voz calma e
controlada. — A senhorita Zohar sofreu vários impactos no corpo e no
rosto. Felizmente, não há nenhum osso quebrado, mas ela apresenta
algumas contusões, especialmente na região abdominal.
Meu coração contrai ao ouvi-lo.
— Ela vai ficar bem? — quero saber.
— Sim. Embora a contusão abdominal seja significativa, o feto
parece estar bem.
A notícia me deixa paralisado, incapaz de articular qualquer
resposta.
Feto?
Grávida?
Hadassah está grávida?
Como eu não pude saber disso?
Como eu pude deixar de perceber um detalhe tão importante sobre
ela?
Não tenho tempo para processar completamente a informação
quando a surpresa e a incredulidade me dominam de forma arrebatadora.
Como eu não sabia disso?
Devagar, meus olhos buscam Cesare ao meu lado, e sei que ele
compartilha do mesmo baque que eu. Hadassah nunca mencionou nada
sobre uma gravidez. Ele coloca uma mão no meu ombro e aperta, como se
quisesse me reconfortar.
Uma combinação de emoções me invade. Choque, confusão, mas
também uma estranha sensação de alegria. Um filho. Nosso filho. A ideia é
avassaladora, mas ao mesmo tempo incrivelmente reconfortante.
— Ela... está... grávida? — pergunto, de repente, me sentindo meio
nervoso
— Sim. O senhor não sabia? — o médico quer saber, mas apenas o
ignoro e retruco:
— O bebê está bem?
— Até o momento, não detectamos nenhuma lesão grave no feto.
Mas continuaremos monitorando para garantir a saúde dele.
— Quero vê-la agora.
— Ela ainda está se recuperando da sedação, mas poderá vê-la em
breve. Por favor, aguarde aqui e nós o informaremos assim que for possível
— ele fala e se despede com um aceno, deixando-me sozinho com Cesare.
Ainda um pouco atordoado por causa da notícia da gravidez, eu
volto a me sentar em uma das cadeiras da sala de espera. Cesare ocupa o
meu lado e me analisa.
— Surpreso? — meu soldado questiona.
— Sim — admito. — Hoje de manhã, eu confrontei Jenna para
saber a verdade e descobri que ela mentiu sobre a gravidez. Eu ia contar
para Hadassah no jantar.
Cesare respira fundo.
— Ficou decepcionado quando descobriu sobre a Jenna?
Nego com a cabeça.
— Eu não queria ser pai de um filho dela — admito.
— E da Hadassah?
Olho para minhas mãos por um longo segundo antes de erguer os
olhos para Cesare.
— Eu quero.
— Você ama essa garota, Matteo.
Cesare me observa com uma expressão séria, como se estivesse
esperando que eu apenas aceite os fatos.
— Eu amo. — As palavras saem mais fácil do que eu esperava,
como se apenas reconhecê-las em voz alta trouxesse um alívio que eu nem
sabia que precisava.
Ele assente.
— Então, o que você vai fazer agora?
Levo ar até os meus pulmões, ponderando sobre as palavras certas
para expressar o que estou sentindo.
— Eu vou fazer o que for preciso para protegê-la. Hadassah e o
bebê são minha prioridade agora. Não importa o que aconteça.
Cesare parece satisfeito com a minha resposta, sabendo que, apesar
de todas as circunstâncias complicadas e juramentos que fizemos que
envolvem a máfia, eu estou disposto a fazer o que for necessário para
manter Hadassah e o meu bebê seguros e protegidos.
As luzes fluorescentes se infiltram nos meus olhos quando os abro
lentamente. Tenho a sensação de que meu corpo está um pouco entorpecido
e os meus movimentos são dolorosos.
Demora um pouco para minha mente se situar e perceber que estou
num quarto de hospital. Devagar, as memórias retornam, batendo em mim
como uma onda violenta. Os socos, os chutes, meus gritos, a sensação de
incapacidade. E em seguida, a escuridão.
Antes que eu possa me perder completamente na turbulência dos
meus pensamentos, sinto uma mão quente e familiar tocar minha testa,
dissipando a confusão ao meu redor.
Meus olhos procuram a fonte do conforto, e eu encontro Matteo ao
meu lado, o seu olhar preocupado fixo em mim.
— Matteo... — sussurro, e a minha voz parece ter saído de outra
pessoa.
Ele me olha com ternura, como se eu fosse a coisa mais preciosa do
mundo na sua vida, e um sorriso cansado se forma nos meus lábios ao vê-lo
aqui comigo.
— Cristallo... — ele responde, traçando linhas invisíveis na minha
testa. — Você me assustou.
— Estou bem. Pronta pra outra — zombo, tentando não o preocupar
tanto com o meu estado.
— Não fala isso.
Ele se inclina e deposita um beijo quente na minha testa, me fazendo
fechar os olhos por um segundo. É tão bom, me faz sentir em casa. Me faz
esquecer todas as coisas ruins que aconteceram.
— Eles queriam dinheiro, Matteo — falo ao engolir em seco e
depois, tossir um pouco. — Tentei enfrentá-los. Eu disse que não os
sustentaria mais. Nenhum dos dois.
Matteo abre um sorriso pequeno.
— Você é uma garota forte, Cristallo.
— Eu sei.
— Você vai fazer alguma coisa com eles, não é? — pergunto, minha
mente ainda turva, mas sinto que a presença de Matteo ao meu lado me dá
forças para enfrentar qualquer coisa.
Devagar, Matteo encosta a testa na minha, sem perder os meus olhos
e depois, me dá um selinho demorado.
— Olha o que eles fizeram com você, Cristallo. Não posso... não
consigo fingir que nada aconteceu. Eles terão que ser punidos. Terão que
pagar por isso. Terão que pagar por terem machucado você.
— Eu sei.
— Não se preocupe com isso, tudo vai ficar bem, meu amor. Eu
estou aqui.
Sorrio ao ouvi-lo me chamar de meu amor e ele me olha como se
quisesse ler os meus pensamentos.
— O que foi?
— Você sabia? — questiona e eu franzo o cenho, sem entender.
— Sabia do quê?
Os olhos de Matteo brilham com uma emoção que não consigo
decifrar. Ele volta a se inclinar sobre mim e beija a minha testa novamente,
dessa vez, passa um bom tempo assim, juntinho de mim.
Quando se afasta, ele segura meu rosto com as duas mãos, com
cuidado para não me machucar.
— Você está grávida.
Meu coração parece parar por alguns segundos, as palavras de
Matteo ressoando dentro da minha cabeça com um eco distante.
Grávida.
Sinto os olhos encherem de lágrimas, uma mistura confusa de
emoções inundando o meu peito. Eu não estava esperando por isso. Eu não
faço ideia de como ser mãe. Como eu vou fazer isso?
Matteo esquadrinha o meu rosto.
— Grávida? — murmuro. — E agora? O que vamos fazer? E a
Jenna?
Matteo balança a cabeça de um lado para o outro.
— Jenna não está grávida — fala e tem tanta coisa na minha cabeça,
que nem consigo me surpreender. — E nós vamos ficar bem.
Deixo escapar um soluço solitário, me sentindo um pouco aliviada e
surpresa também. Minha mão instintivamente vai para minha barriga, como
se quisesse proteger o pequeno ser que cresce dentro de mim.
— Eles... eles chutaram minha barriga... — minha voz sai em um
sussurro trêmulo.
Com cuidado, Matteo contorna o meu corpo com os braços fortes, o
seu calor reconfortante me envolvendo como um manto protetor.
— O bebê está bem. Os médicos estão monitorando.
Respiro fundo, ainda chorando.
— Eles não vão mais machucar você, Cristallo. Eu não vou deixar
— ele fala, a voz é firme e determinada, uma promessa silenciosa de
proteção e amor incondicional.
Prenso os lábios e assinto.
Com os polegares, ele limpa suavemente as lágrimas que ainda
escorrem pelas minhas bochechas, os olhos fixos nos meus com uma
ternura que faz meu coração transbordar.
— Eu te amo, Hadassah — ele murmura, fazendo um sorriso
trêmulo tocar os meus lábios quando as palavras de Matteo reverberam
direto no meu coração.
— Eu também te amo, Matteo.
É uma simples frase, mas carrega todo o peso do meu amor por ele,
todo o meu desejo de estar ao seu lado.
Ele encosta a testa na minha, sorrindo e olhando dentro dos meus
olhos, e neles, eu vejo a mesma intensidade de sentimentos refletida de
volta para mim.
Depois de dois dias de procura, finalmente encontramos Yosef e o
pai de Hadassah. Estavam bem escondidos, mas não foi o suficiente para
escapar da mira dos meus homens.
Decido tratar os dois de formas separadas. Primeiro, vou cuidar do
irmão, depois, acerto as contas com a escória do pai de Hadassah.
Sinto o calor do ódio pulsando nas minhas veias ao observar Yosef
amarrado diante de mim. Cada músculo do meu corpo está tenso, ansioso
para descarregar toda a minha fúria sobre esse maldito.
Apenas olhar para Yosef desperta em mim uma raiva avassaladora.
Ele é um dos responsáveis por trazer tanto sofrimento para a mulher que eu
amo, por ter causado dor e agonia que ela não merecia.
Ele precisa pagar, e pagar caro, por cada golpe, por cada lágrima que
Hadassah derramou.
Há quatro carros, cada um estacionado em um lado oposto. Yosef
está amarrado e indefeso, colocado entre os veículos, os pés e as mãos
estendidos e presos com correntes firmes.
A respiração dele está ofegante e os olhos dilatados, refletindo o
terror que ele sente.
— Você se arrepende de tudo que fez a ela? — pergunto, atraindo a
atenção de Cesare e de outros soldados que estão perto de mim.
Yosef fecha os olhos com força ao gritar:
— Sim! Sim! Eu me arrependo. Por favor, eu prometo que não vou
mais atrás dela.
Começo a rir com sarcasmo.
— Você trouxe dor à minha mulher, Yosef. Por que deveria mostrar
misericórdia a você?
— Me desculpe. Eu... eu não queria fazer aquilo. — O canalha tem
coragem de mentir para mim. — Por favor, eu cometi um erro, eu juro que
nunca mais...
— Um erro? Apenas um? — Faço um estalo com a língua. — Você
não entende, Yosef. Não pode simplesmente pedir perdão e esperar que tudo
fique bem.
— Por favor, eu... eu imploro. Faço qualquer coisa pra compensar o
que eu fiz a ela. Eu juro.
Enrugo o nariz, refletindo.
— Qualquer coisa?
— Sim. Qualquer coisa.
— Bom, tem uma maneira de pagar por isso.
— O que... o que você quer que eu faça?
Aproximo-me de Yosef e fico de cócoras, nivelando os nossos
rostos.
— Bom, você vai pagar por cada lágrima que ela derramou, Yosef.
Você vai sofrer como ela sofreu. E quando eu terminar com você, talvez, só
talvez, ela possa encontrar um pouco de paz novamente.
Volto a me erguer e endireito os ombros, me afastando enquanto o
irmão de Hadassah grita, me pedindo uma chance, que eu ignoro
completamente. Com um aceno leve de mão, ordeno que os soldados dentro
dos carros liguem os motores e comecem os trabalhos.
O som do motor ruge ao se mover de leve, abafando os gritos de
Yosef ao ser puxado em direções opostas.
Faço um sinal para que parem e observo a minha presa com
diversão. Ele respira fundo e apenas quando o vejo se acalmar, ordeno que
liguem o carro outra vez, esticando o cretino até o limite.
Aos berros, ele implora para parar, mas é uma pena que a sua agonia
não me comova. Eu estou apenas começando. Vou fazer Yosef sofrer até o
amanhecer e apenas quando estiver cansado de ouvi-lo chorar, ordenarei aos
meus soldados que pisem no acelerador com vontade para desmembrá-lo
em vários pedaços.

A noite de ontem foi longa e exaustiva, mas pela manhã, quando


vejo os pedaços de Yosef espalhados pelo chão, eu sei que valeu a pena.
Ao retornar à mansão, sigo direto para o banheiro, onde tomo um
banho rápido para tirar as manchas de sangue. Meu pensamento está
voltado para Hadassah e a surpresa que preparei para ela no hospital.
Depois de vestir roupas limpas, saio apressado da mansão para ir em
direção ao hospital. Chegando lá, caminho rápido pelos corredores, ansioso
para vê-la novamente. Ao entrar no quarto, encontro Hadassah deitada na
cama, a expressão tranquila e serena traz um conforto para minha alma.
Na cômoda ao lado, há flores frescas, pelúcias, balões, chocolates e
cartões desejando melhoras.
— Martina, Sarah e a sua tia vieram me visitar no primeiro horário
da manhã — ela fala com um sorriso tímido. — Acho que Nina não sabe
que eu estou aqui, pode avisar a ela?
Assinto.
— Cesare vai cuidar disso.
— Obrigada.
— Como está se sentindo hoje?
— Melhor do que ontem. — Ela respira fundo. — Não vejo a hora
de sair daqui.
Caminho até ela e Hadassah ergue os braços para me abraçar.
Aproximo meu rosto do seu e a beijo com carinho, segurando a vontade de
afundar a minha língua dentro da sua boca.
— Uma pessoa vem te ver hoje.
Ela franze o cenho em confusão.
— Quem?
— Você vai saber em breve.
— Não vai me contar?
— Não — respondo, simplesmente, fazendo-a girar os olhos. — É
surpresa.
Minutos depois, alguém bate na porta e Cesare entra no quarto de
forma educada, olhando para mim.
— Senhor, ele chegou.
— Mande-o entrar.
Hadassah une as sobrancelhas e tenta esconder um sorriso. Cesare
sai do quarto e ela está prestes a retrucar alguma coisa, mas fica paralisada
ao ver quem entra. Os seus olhos azuis se arregalam em surpresa.
— Meu Deus... — Ela leva as mãos até a boca e começa a chorar. —
Zane... Como? O que você.... — Hadassah olha para mim, em seguida,
retorna à atenção para o primo.
Zane se aproxima da cama e se inclina para beijar o topo da cabeça
de Hadassah, e eu confesso que preciso controlar o meu ciúme para não o
arrancar de cima dela.
— Que merda. Olha como você tá machucada.
Ela balança a cabeça em negação.
— Isso não importa. Zane, como você veio aqui?
— Haddie... eu tô livre.
— O quê? Ai, meu Deus. Isso é maravilhoso.
Ela abre um sorriso largo e estende as mãos para abraçar o primo,
que se senta na beirada da cama. Ela chora tanto de alegria, que faz o meu
coração formigar.
— Como isso aconteceu? — ela quer saber.
Zane lança um olhar para mim.
— Tenho alguns contatos — é a única coisa que digo e Hadassah
não parece se importar com nada, além do fato do seu primo está livre.
Eu observo a cena com uma sensação de realização, sabendo que
essa surpresa trouxe um raio de luz para o dia de Hadassah.
— O que aconteceu com você? — Zane quer saber. — Foram
aqueles babacas, não é? Eu vou matar aqueles putos — o cara grunhe.
— Não, não vai. Você acabou de ser livre, não vou deixar que volte
pra lá.
— Mas você tá mal, Haddie.
— Não importa. — Ela pega a mão de Zane e leva até a barriga. —
Eu tô grávida, Zane — emenda com um sorriso orgulhoso.
— Sério?
— Uhum.
Zane me olha de esguelha, como se quisesse voar em cima do meu
pescoço, mas ele não vai fazer, porque está em dívida comigo. Não foi fácil
mandar tirar um homem da prisão por ter cometido homicídio.
Ainda mais, por ter matado alguém importante. Um líder religioso
que era amado pela comunidade. Aparentemente, um homem de bem.
Honrado. Honesto. Pai de família. Um exemplo a ser seguido.
É claro, que isso tudo não me convence. Tenho certeza de que se
cavar nos lugares certos, é fácil de encontrar as coisas erradas. No entanto,
isso não é problema meu.
E no fim, deu certo fazer a minha Hadassah feliz.
Eu consegui trazer o primo dela de volta.
Com dinheiro e poder, você consegue qualquer coisa no mundo.
No meu mundo, decisões difíceis são uma moeda corrente. Algumas
pesam mais do que outras, e esta certamente está entre as mais pesadas.
Parte de mim, quer fazer Isaac, o pai de Hadassah, sofrer com as minhas
próprias mãos. Mas a outra parte, sabe que isso vai durar apenas alguns
dias.
Eu preciso de algo mais duradouro para ele. Eu quero fazê-lo se
arrepender todos os dias quando acordar por não ter amado a filha, por não
ter a protegido, por não ter sido o seu porto seguro.
Quero que ele realmente saiba o significado da dor.
Por isso, o destino de Isaac está selado, mas não será minha mão que
irá executar a sentença. Optei por uma punição que vai além dos limites da
vingança convencional, uma punição que será um lembrete constante dos
seus erros do passado.
Ele será vendido como um escravo, um prisioneiro da sua própria
ganância e crueldade. Mas, não será para qualquer um. Eu fiz questão de
selecionar um dos meus contatos mais confiáveis na máfia. Assim, estarei
sempre ciente dos seus movimentos, do seu comportamento, da sua miséria.
Enquanto assino os documentos que determinam o destino de Isaac,
sinto prazer e raiva. É uma escolha difícil, mas é o único jeito de dar a ele
um sofrimento duradouro.
Antes de permitir que o levem embora, eu caminho até o galpão que
o deixei amarrado em uma cadeira e me aproximo. Já o soquei um pouco
para aliviar a minha a raiva, nada foi o suficiente, é claro.
— Você está ciente do que está prestes a acontecer, não é, Isaac? —
pergunto ao agarrar os seus cabelos e projetar a sua cabeça para trás,
buscando seus olhos.
— O que vai fazer comigo? Me matar?
Curvo os lábios num sorriso cínico.
— Matar? Seria muito fácil. Honestamente, você não merece
descansar em paz — digo e ele arregala os olhos, se dando conta da
situação.
— Por favor... eu posso explicar. Eu não queria machucá-la.
Fecho a mão em punho e acerto um golpe contra a sua boca, calando
o homem e quebrando alguns dos seus dentes.
— Por que vocês começam a implorar quando as coisas estão ruins?
— grunho, irritado. — Pelo menos uma vez na vida, seja homem e assuma
os seus erros, porque as suas desculpas não vão mudar nada. Você sempre
foi um pai de merda pra ela e agora vai pagar por isso.
— Tá bom. Tá bom. Eu errei com ela, mas eu vou mudar, eu
prometo! — grita, como se fosse me fazer mudar de ideia.
Mal sabe ele, que no mundo em que eu vivo, onde as sombras são
mais do que apenas sombras, a misericórdia é um luxo que não podemos
nos dar. E mesmo que eu tivesse a chance de fazer algo diferente por Isaac,
o seu destino seria o mesmo.
— Você será vendido como um escravo — informo e a sua
expressão muda da água para vinho, vai de tristeza para raiva num segundo.
— É essa cara que eu queria ver. Esse é você, não o homem que fica
implorando por misericórdia.
— Vai se ferrar, riquinho de merda.
— Acha que ser escravo vai ser fácil? Não, Isaac. Vai ser pior,
porque eu não te vendi pra qualquer um. Você será entregue a um contato
meu na máfia e ele é muito sádico e criativo. — Balanço a cabeça e suspiro,
fazendo desdém. — Os seus dias de horrores ainda nem começaram.
— O quê?
— Você ficou surdo? — rebato. — Quer que eu repita tudo de novo?
Isaac contorce o nariz em desgosto e se remexe na cadeira, tentando
se soltar das amarras.
— Meu amigo... que agora é o seu dono. Bom, ele não vai te deixar
morrer não se preocupe, mas cara, você vai desejar ter morrido nas minhas
mãos. Todos os dias. Todos os dias antes de dormir. Todos os dias ao
acordar.
Isaac se esperneia tanto na cadeira, que acaba tombando para o lado
e caindo no chão. Faço um movimento com a mão para que o meu soldado
o coloque no lugar e ao fazê-lo, Isaac me olha.
— Você não pode fazer isso! Eu sou o pai dela! — fala, como se
isso importasse de alguma coisa.
— Seu título de pai não o protegerá da minha vingança. Então, me
poupe dessa apelação. Ela não combina em nada com você.
Ele faz um barulho desagradável com a garganta e em seguida,
cospe no chão, tentando me acertar. Mas o velho tem a vista e a mira ruim
pra caralho, porque passa muito longe de chegar perto de mim.
— O que acha que ela fará quando descobrir o que fez comigo?
Deixo escapar uma risada desdenhosa, que ecoa no galpão inteiro.
— Não seja idiota, Isaac.
Avanço nele e seguro o seu rosto com força, apertando a mandíbula.
Isaac tenta resistir à minha pressão, a expressão distorcida pela raiva. Os
olhos me encaram com uma intensidade feroz, mas não consigo sentir nada
além de desprezo por ele.
Isaac é o responsável pelo sofrimento de Hadassah, e agora ele
enfrentará as consequências dos seus atos.
— Depois de tudo o que você fez, acha que ela vai te defender?
Você é mesmo um pedaço de merda. Me poupe disso e tira a sua máscara
falsa de pai.
— Você é um monstro! Um monstro disfarçado de homem.
Solto-o num solavanco e assinto.
— Sim, e um monstro reconhece o outro. Mas a verdade, Isaac, é
que não sou eu quem te condena, mas sim, tudo o que você fez com a
Hadassah. Eu espero que os dias de escravidão te engulam e te sufoquem
lentamente.
Com um aceno de cabeça, indico aos meus homens que sigam
adiante. Eles desamarram Isaac e o colocam de pé, prontos para entregá-lo
ao seu novo dono.
O velho não desvia a atenção de mim.
— Você nunca mereceu o amor da Hadassah — é a última coisa que
falo ao girar nos calcanhares e me afastar, deixando para trás o som dos
gritos de Isaac.
Não há lugar para misericórdia neste mundo cruel, apenas vingança
severa para aqueles que ousam trair e ferir aqueles que amamos. E eu farei
o que for necessário para garantir que Isaac sofra até o seu último dia em
vida.
A sensação de voltar para casa é como um abraço quentinho num
dia intenso de inverno.
Depois de passar vários dias no hospital, cada cantinho familiar da
mansão parece irradiar um conforto acolhedor para a minha alma cansada.
Matteo me acompanha em cada passo, me segurando com cuidado, como se
estivesse antecipando os meus movimentos.
Gosto de tê-lo ao meu lado, a sua presença dominante é como um
lembrete de que estou segura, protegida.
Ao cruzar a soleira da porta, sou recebida por Domênica, Cesare e
Nina. Os sorrisos sinceros iluminam meu coração e as palavras de boas-
vindas ecoam pelos corredores, enchendo o ambiente de alegria. Agradeço
a cada um deles com um sorriso fraco, mas verdadeiro, porque a
preocupação que sentem por mim e o apoio que me dão, significam mais do
que posso expressar em voz alta.
Nunca pensei que teria uma família de verdade além do meu primo,
e agora eu sei, que essas pessoas que encontrei no meio do caminho, são
parte de mim. Moram dentro do meu coração.
Nina e eu nos sentamos no sofá confortável e aproveitamos para
conversar sobre as novidades do supermercado e fofocarmos também. É
reconfortante ter minha amiga ao meu lado, mesmo que por pouco tempo.
Depois de quase uma hora, Nina precisa ir embora. Deixá-la ir faz
meu coração apertar, mas também fico com a sensação de que tudo está no
seu devido lugar.
Com uma mão possessiva na minha cintura, Matteo me guia pelas
escadas até chegarmos ao nosso quarto. Ao entrarmos, sou envolvida pela
atmosfera familiar e aconchegante do lugar.
Mesmo que eu possa fazer isso sozinha, deixo que ele continue me
guiando com um gesto carinhoso até a cama e me ajude a me acomodar. Ele
ajusta os travesseiros para me deixar mais confortável e eu apenas o
observo, sorrindo.
Ele se senta ao meu lado e os olhos azuis e profundos procuram os
meus.
— Como se sente, Cristallo?
— Feliz por estar de volta em casa.
Ele abre um sorriso convencido.
— Casa... — murmura e assente, entrelaçando minha mão na sua.
— Essa é a sua casa, meu amor.
Como um homem tão errado como ele pode me fazer sentir
protegida e amada? Eu não faço ideia, mas eu sei, que não poderia pedir um
amor melhor do que Matteo Salvatore.
Inclino-me para frente e rodeio o seu pescoço com os meus braços,
enquanto ele envolve a minha cintura. Respiro fundo, relaxando
completamente pela primeira vez desde que saí do hospital.
— Como foram as noites longe de mim? — pergunto ao me afastar.
Passei quase duas semanas no hospital e bem, Matteo dormiu
comigo durante quase todas as noites, mas ainda teve algumas ocasiões em
que ele precisou trabalhar até tarde e não deu para me acompanhar.
Eu sei que já tentamos uma vez e ele não conseguiu me contar. Mas,
ainda assim, tenho curiosidade sobre os pesadelos. Eles parecem afetar
tanto Matteo que machuca o meu coração.
Quero poder arrancar isso dele.
Quero poder ajudá-lo.
Matteo olha dentro dos meus olhos.
— Não tenho mais pesadelos — fala, acelerando o meu coração. —
Não desde o dia em que nos entendemos de verdade.
Abro meio sorriso.
— Tá falando sério?
— Sim.
— Isso é bom.
— Sim... — diz ao esticar a mão e segurar o meu rosto. — Mas
quando durmo com você ao meu lado... minhas noites são sempre melhores.
Beijo a sua mão.
— Quer conversar sobre isso?
O rosto dele endurece de repente, mas não é como se ele estivesse
com raiva. Matteo está apenas... triste.
— Se eu te contar, você vai querer fugir.
Pego a sua mão do meu rosto e levo até a minha barriga.
— Não tem como eu fugir de você, Matteo. E eu não quero fugir de
você. Nunca — murmuro e tombo o meu rosto para frente, encontrando os
seus lábios num beijo lento e profundo.
Ele respira fundo e pesado.
— Depois que o meu pai morreu, a minha mãe descobriu o câncer.
O meu mundo é muito complicado — explica e eu aperto a sua mão contra
a minha barriga, temendo por causa do bebê. — Por isso, nós viemos morar
com meu tio, Alberto Salvatore.
— Ele que teve o derrame, não é?
Matteo assente.
— Minha mãe ficou muito mal, debilitada, mas ela lutou muito. Eu
tinha apenas onze anos, mas eu sentia que ela não queria morrer —
comenta, os olhos brilhando com uma comoção que não consigo explicar,
mas nenhuma lágrima ousa cair. — Tio Alberto queria ter controle sobre
mim, queria que eu fizesse coisas. Ele queria me tornar homem.
Prendo a respiração na garganta, esperando pelas próximas palavras.
— Teve um dia, que todos foram viajar. Menos eu, ele e a minha
mãe, é claro. Ele me deu uma arma e me fez dar um tiro nela — admite,
cerrando o maxilar. — A primeira vida que eu tirei... foi a da minha mãe.
Sinto como se facas afiadas estivessem perfurando o meu coração.
Cada sílaba pronunciada por Matteo ressoa no silêncio do quarto, carregada
com o peso insuportável de uma verdade que é capaz de despedaçar
qualquer alma.
Os olhos de Matteo, normalmente tão impenetráveis, agora estão
inundados de uma dor palpável, que faz o meu coração doer.
É como se uma tempestade de emoções violentas estivesse fervendo
sob a superfície da sua calma habitual, ameaçando consumi-lo a qualquer
momento. Minha própria dor se mistura à dele, e eu não consigo verbalizar
nada.
— Eu era apenas uma criança, mas naquela noite, ele me
transformou nisso. Num monstro.
Meus dedos procuram os dele, buscando algum tipo de conexão,
algum tipo de conforto. A mão dele está fria, mas ainda assim, encontro
calor no toque.
— Matteo... — minha voz é um sussurro trêmulo, carregado de
compaixão e pesar. — Sinto muito... sinto muito que você tenha passado
por isso.
Seus olhos encontram os meus, refletindo uma conexão profunda
que me deixa sem fôlego.
— Você não é um monstro.
— Eu sou, Cristallo. Você apenas não percebeu ainda.
Deixo escapar um suspiro e concordo com um aceno leve de cabeça.
— Então, se é um monstro, que seja o monstro que eu amo, Matteo.
Se for para ser um, que seja o meu.
Com um olhar penetrante, Matteo avança em cima de mim e captura
meus lábios num beijo ardente e voraz, a língua explorando cada canto da
minha boca com um desejo insaciável. Minhas mãos encontram o seu
corpo, ávidas por tocá-lo, explorando cada músculo tenso e cada curva
definida.
— Faz amor comigo, Matteo.
As mãos ágeis de Matteo deslizam pelas minhas costas, procurando
a barra da minha blusa para removê-la. O calor do seu toque é eletrizante e
me faz gemer contra a sua boca.
Quando ele encontra o fecho, com um movimento ágil, desabotoa
cada botão, revelando a minha pele. Sinto os dedos habilidosos explorarem
cada centímetro exposto, traçando padrões invisíveis que incendeiam todos
os meus sentidos.
Suspiro contra os lábios de Matteo, meu corpo ansioso por mais
contato, mais intimidade. Minhas mãos buscando desesperadamente o
corpo musculoso de Matteo, querendo sentir cada músculo tenso sob as
minhas carícias.
Os lábios de Matteo deixam os meus apenas por um instante,
descendo pelo meu pescoço com beijos tórridos, deixando um rastro de
calor no caminho.
— Sposami, Cristallo — ele sussurra algo italiano ao alcançar o
lóbulo da minha orelha e morder, me fazendo pressionar o corpo contra o
seu. — Sii mia moglie, amore mio.
— Você fica tão sexy falando assim.
Ele se afasta um pouco para conectar os olhos aos meus e abre um
sorriso malicioso, como se soubesse de algo que eu não sei.
— O que foi?
— Casa comigo?
Engulo em seco e umedeço os lábios, o coração batendo forte no
meio da garganta.
— Para de brincar comigo — resmungo.
— Estou falando sério.
— Matteo... — sussurro, perplexa.
— Casa comigo, meu amor? — é o que fala, voltando a enterrar o
rosto no meu pescoço e mordendo de leve. — Seja a minha esposa.
Derreto com os seus toques quentes, meu corpo vibrando de
antecipação enquanto eu me perco nele, me entregando à paixão
avassaladora, e também, ao amor que sinto por ele.
Matteo recua um pouco e fica em pé para remover as próprias
roupas, e sentindo a urgência do momento, eu me levanto da cama e faço o
mesmo, minhas mãos trabalham para retirar a calça jeans e depois, o sutiã.
Observo-o com desejo conforme ele fica nu diante de mim, os
movimentos revelando mais da beleza selvagem que me cativa.
Completamente nua, sinto o meu corpo ansiar por ele, pelo seu
toque, então, devagar, eu caminho na sua direção. Colo os nossos corpos
antes de abocanhar os seus lábios num beijo cheio de paixão.
Sinto o calor da pele dele contra a minha, cada contato uma faísca
que incendeia o desejo que queima dentro de mim. Minhas mãos exploram
o corpo musculoso de Matteo, traçando linhas invisíveis de desejo à medida
que me entrego ao calor intoxicante dele.
As mãos de Matteo encaixam na minha cintura e ele me empurra
contra a cama, nossos olhos se encontram quando ele se posiciona entre as
minhas pernas, fazendo-me sentir a sua ereção rija contra a minha entrada.
Abro-me ainda mais para ele, pronta para recebê-lo. Antes de me
invadir, ele aperta minha cintura com força e então, um arrepio percorre a
minha espinha ao sentir a sua presença imponente dentro de mim.
— Matteo... — gemo.
— Diz sim pra mim, Cristallo — ele grunhe como um animal
selvagem, desesperado para abater a sua presa.
Matteo sai de dentro de mim por completo apenas para depois, sem
hesitação, me penetrar com firmeza e intensidade, o seu pau preenchendo-
me de maneira profunda, cada centímetro da sua extensão me envolvendo
em uma onda de prazer arrebatadora.
Um gemido alto escapa de entre os meus lábios conforme eu me
ajusto a ele, meu corpo se moldando ao de Matteo.
Nossos olhos permanecem fixos um no outro, uma conexão
profunda e inquebrável conforme nos movemos num vaivém perfeito e
sintonizado. As estocadas são deliciosas, profundas e fortes, ainda assim, eu
sei que ele está fazendo amor comigo.
Sinto o peso de Matteo sobre mim, o seu corpo musculoso
pressionando o meu quando ele se inclina para capturar os meus lábios em
um beijo apaixonado e profundo. Nesse momento, tudo ao nosso redor
parece desaparecer, restando apenas nós dois e a intensidade do nosso amor.
Conforme nossos lábios se movem, minha mente está inundada por
um pensamento. Nunca imaginei que pudesse amar alguém dessa maneira,
com uma intensidade avassaladora que consome a minha alma e me faz
ansiar por mais a cada instante.
— Sim... — sussurro contra os seus lábios. — Eu caso com você,
meu amor.
Com um simples sim, eu selo o meu destino, entrelaçando a minha
vida à de Matteo Salvatore de forma definitiva.
A sensação que tenho é que somos predestinados, como se minha
alma já fosse dele desde o momento em que nossos olhares se cruzaram.
Mas, ao aceitar o seu pedido de casamento, eu me entrego de corpo e alma,
aceitando não apenas a paixão avassaladora que nos consome, mas também
os perigos e desafios que estão por vir.
No entanto, a verdade sobre nós é que agora e para sempre, eu
pertenço a ele, como ele pertence a mim.
Algum tempo depois...
O som do gelo rachando sob os meus patins ecoa pelo rinque à
medida que eu deslizo pela pista, meus movimentos fluem de forma quase
perfeita com a dança coreografada.
A sensação gostosa da patinação envolve o meu corpo inteiro,
trazendo uma onda de calor confortável para a minha alma.
Algum tempo se passou desde que minha vida deu uma reviravolta
completamente maluca. Depois de uma gravidez tranquila e o nascimento
saudável da nossa pequena, Matteo e eu conseguimos encontrar uma nova
normalidade na nossa vida como pais.
E agora, que consegui voltar à pista de gelo, eu me sinto renovada e
revigorada, pronta para retomar minha paixão pela patinação.
Mas, não é apenas por mim que estou aqui. Decidi embarcar em um
novo projeto, um esforço para ajudar as crianças carentes da comunidade
que sonham em se tornar patinadoras profissionais.
Com a generosidade dos nossos patrocinadores e o apoio de Matteo,
estou organizando um evento beneficente para arrecadar fundos e oferecer
oportunidades para essas crianças realizarem os seus sonhos.
O evento acontecerá daqui três semanas e eu estou me preparando
para abrir a cerimônia com uma apresentação especial. A música que
escolhi para a ocasião é "Vienna" de Billy Joel, a música preferida da mãe
de Matteo. Sinto que é uma maneira de homenagear não apenas a ele, mas
também ela e a forma como nos conhecemos.
Enquanto treino no rinque, sinto os olhos amorosos de Matteo e da
nossa pequena Allegra sobre mim na arquibancada. A presença dos dois me
lembra do quanto eu sou amada e tenho apoio.
Quando termino a minha performance, o aplauso caloroso de Matteo
enche o rinque de patinação, o que me faz rir. Olho para o meu marido e
minha filha na arquibancada, os dois com sorrisos brilhantes estampados
nos rostos.
Eles são tudo para mim.
Eles são minha inspiração, minha razão para nunca desistir de lutar.
Com um sorriso radiante nos lábios, deslizo pela pista de gelo e me
aproximo da arquibancada onde Matteo e Allegra estão esperando por mim.
Assim que chego perto o suficiente, Matteo desce alguns degraus,
segurando a nossa filha firmemente nos seus braços.
Seus olhos encontram os meus, transbordando de amor e admiração,
e eu sinto meu coração se encher de gratidão por tê-lo ao meu lado.
Matteo se inclina um pouco e me apoio na barreira de proteção para
receber o beijo doce que ele me dá.
— Você foi incrível, Cristallo.
— Obrigada, meu amor — respondo, meu sorriso se alargando ao
ver o rosto sorridente de Allegra, tão pequena e tão cheia de vida. — O que
você achou, pequena?
Estendo os braços para pegar minha filha, sentindo o seu abraço
apertado me envolver com um amor puro e incondicional. Ela é como o
nosso raio de sol, nossa pequena razão para sorrir todos os dias.
Ela fala palavras impossíveis de entender, o que nos faz rir.
— Oi, meu amor — digo baixinho, beijando a bochecha macia. —
Vamos patinar um pouco? — pergunto e com as mãozinhas fofas e
gordinhas, ela apenas toca o meu rosto, rindo.
Devagar e com cuidado, deslizo suavemente pela pista de gelo,
segurando minha pequena Allegra com todo o cuidado nos braços. Seus
olhinhos brilhantes e curiosos observam ao redor, prestando atenção em
cada detalhe.
Cada passo que dou é calculado para garantir a segurança da minha
filha. Sinto o seu corpinho quente e macio contra o meu, e seu riso inocente
enche o ar, contagiando tudo ao nosso redor. Os dedinhos seguram firme na
minha roupa, confiando em mim para guiá-la por essa aventura no gelo.
Olho de relance para Matteo, que nos observa com um sorriso terno
no rosto. Os olhos azuis transbordam de amor e orgulho enquanto vê nossa
pequena família deslizando pela pista de gelo.
— Eu te amo — falo para Matteo apenas movimentando os lábios, o
que o faz sorrir e dizer o mesmo para mim.
Eu nunca acreditei em contos de fadas ou em príncipes encantados.
Nem em toda essa besteira que contam para as garotas quando elas são
crianças inocentes e escrevem cartas para o Papai Noel.
Não que eu tenha escolhido ser assim por conta própria, mas o meu
pai nunca me deixou sonhar com finais felizes.
No entanto, há algo em comum em todas as histórias.
Elas começam e terminam.
Terminam de um jeito feliz ou triste.
Pensei que a minha história acabaria antes mesmo de começar. E
que eu inevitavelmente teria um final triste.
Mas aqui e agora, eu sei que encontrei o meu final feliz.
Eu sei que Matteo não é um príncipe encantado, mas ele é melhor
do que isso. Ele é um homem implacável, que desafia as leis do mundo em
que vivemos, que move montanhas e desafia tudo por nós, além do fato de
ser capaz de destruir tudo por mim.
Pela nossa filha.
E no final, é isso que importa.
No final, não existe nada além de nós três, unidos pelo laço
inquebrável de um amor louco e insano.
Oi, tudo bem?
Que bom que você chegou até aqui. Sei que a história de Hadassah e
Matteo teve momentos tristes e desafiadores, mas também teve amor e
superação, não é?
Foi incrível acompanhar o encontro desses dois personagens tão
distintos, mas ao mesmo tempo tão complementares. A maneira como eles
se ajudaram a superar seus próprios demônios e encontraram a luz um no
outro é algo que mexe comigo.
Espero que você também tenha sido tocada pela história deles, e que
tenha encontrado inspiração e conforto nessas páginas.
Escrever sobre o amor de Hadassah e Matteo foi uma experiência
maravilhosa para mim, e estou muito feliz por poder compartilhá-la com
você.
Obrigado por embarcar nessa jornada comigo. Espero encontrar
você em breve na próxima história.
Até breve!
Se você ainda não leu outras histórias minhas, dá uma passadinha na
minha página da Amazon ou no Insta.
E se quiser acompanhar mais sobre os meus lançamentos e tudo que
rola nos bastidores da minha escrita, venha interagir comigo em:
INSTAGRAM: @brenda.ripardo /
https://www.instagram.com/brenda.ripardo/
FACEBOOK: https://www.facebook.com/autorabrendaripardo
Beijão e se cuidem!
Prometo que em breve tem mais mafioso chegando...
A seguir, reservei um pequeno bônus para você.
É um capítulo de "Proibida para o Mafioso", uma história repleta de
romance, intriga e paixão, ambientada no mesmo mundo vibrante e
perigoso do Império Salvatore.
O livro já está disponível na Amazon e gratuito para assinantes
Kindle Unlimited.
Lorenzo...
É um nome lindo e forte, ainda assim, tem uma sonoridade suave e
agradável aos ouvidos. E é este nome que ecoa dentro da minha cabeça
como um feitiço todos os dias desde que me apaixonei, me arrastando para
dentro de um abismo sem fundo.
Ele é a minha fraqueza.
E, também, o meu maior pecado.
E eu sei que ele será a minha perdição. Também sei que meus
sentimentos não são saudáveis, no entanto, sou incapaz de controlá-los. Não
consigo resistir. Ele é como uma droga perigosa que eu anseio, mesmo
ciente de que vai me destruir completamente.
Lorenzo Falcucci é a minha paixão proibida, o meu desejo mais
profundo e obscuro, uma chama ardente que me queima de dentro para fora
e me consome um pouco há anos.
Já tentei me livrar dos meus sentimentos em relação a ele várias
vezes e o desejo apenas aumentou. Definitivamente, eu não sei o que há de
errado comigo. Todas as minhas irmãs enxergam Lorenzo como um irmão
mais velho, mas nunca fui capaz de fazer o mesmo.
Os olhos azuis-acinzentados e impenetráveis de Lorenzo sempre me
deixaram com um calor latente inexplicável.
Para ser honesta, não sei o momento exato em que meus
sentimentos se tornaram uma centena de tons de confusão e ele fez o meu
coração acelerar pela primeira vez, mas quando me dei conta, eu não
conseguia tirá-lo da cabeça.
Ele se tornou a minha obsessão e meu caminho de calvário.
O papà[11] nunca aceitará algum relacionamento íntimo entre nós.
Não que Lorenzo Falcucci tenha me dado esperanças explícitas
alguma vez. Infelizmente, todas as minhas investidas de seduzi-lo foram um
completo fracasso e eu fui rejeitada, o que me deixou bastante irritada.
Eu não passo de uma criança aos seus olhos e não faço ideia de
como me livrar dessa imagem.
— O que tá fazendo? — Violetta pergunta com um sussurro,
parando meu coração por um segundo, se é que isso é possível.
Ela está próxima de mim, segurando o seu pequeno roedor caramelo
entre as mãos delicadas e o headset com orelha de gatinho pendurado no
pescoço, provavelmente, ressoando algum rock agressivo.
Levo o dedo até os lábios e uno as sobrancelhas, exigindo em
silêncio que ela fique quieta. Na ponta dos pés, ela vem até mim e com os
olhos claros, me observa colar a orelha detrás da porta do escritório do
papai.
Ele odeia que eu faça isso. Os assuntos tratados dentro deste
cômodo são importantes demais para as mulheres, ainda assim, quando os
Salvatore quiseram selar os negócios com um casamento arranjado, foi
nesta maldita sala que o papai quase nos vendeu.
— Angelina...
Violetta abre a boca, mas eu a impeço de continuar ao envolver os
dedos no seu antebraço e puxá-la para perto de mim. Minha irmã acaba
grudando o ouvido na porta para ouvir também e os olhos grandes se
conectam aos meus.
Os olhos do pequeno roedor também.
A maioria dos assuntos da organização não me interessa pelo
simples fato de que nunca terei um cargo importante ou farei um juramento
de sangue. Mulheres não comandam a máfia, elas apenas obedecem e dão
herdeiros.
No entanto, eu sei sobre o que se trata esta reunião. Faz semanas que
Corrado, o consigliere,[12] quer convencer Lorenzo a aceitar a sua bela e
inocente filha em um noivado.
O que será mais lindo do que a filha do conselheiro e o subchefe da
máfia de Detroit unidos em um casamento?
Nada.
— ... uma proposta tentadora, Corrado, mas não estou em busca de
uma esposa — Lorenzo responde com a voz curta e grossa.
Há alguns segundos de silêncio denso dentro do escritório e eu
mordo o lábio inferior para esconder o sorriso.
— Nenhum de nós estava em busca de uma esposa quando nos
casamos, é assim que o nosso mundo funciona — o conselheiro devolve de
maneira sorrateira, murchando o meu coração por completo.
— Corrado tem razão — papai intervém e eu acabo apertando o
braço de Violetta com tanta força, que ela enruga o nariz numa careta e
desvencilha-se do meu toque. — Mas deixe o garoto se divertir. Você não
era casado quando tinha trinta anos — acrescenta, fazendo o conselheiro rir.
— Lorenzo vai se casar com Adele? — minha irmã quer saber.
— Isso não vai acontecer — é o que digo com uma convicção que
não faço a menor ideia de onde eu a tirei.
Talvez, do meu amor obsessivo por Lorenzo.
— O que estão fazendo aqui, meninas? — Maria, a empregada mais
antiga da nossa família, pergunta ao surgir no corredor, nos fazendo
sobressaltar por causa do susto.
Violetta acaba deixando o pequeno hamster escapar de entre as
mãos e o primeiro instinto de Maria é soltar um grito agudo, porque ela
odeia roedores.
— Ai, meu Deus... Ozzy! Volta aqui — ela chama o pequeno roedor,
que corre em direção a Maria, que continua gritando histérica.
Minha irmã e eu nos entreolhamos e antes que possamos sair do
fogo cruzado, a porta do escritório é aberta de maneira abrupta.
E o olhar do papà perfura a minha alma, como uma lança fria e
implacável.

Os três homens no escritório nos observam em silêncio.


Violetta, que recuperou o roedor antes de entrarmos, não teve
coragem de erguer o rosto para encarar o nosso pai, enquanto eu, sou
incapaz de afastar as vistas de Corrado, odiando o homem por ter cogitado
casar Lorenzo com a sua filha.
— Deixe Violetta ir, ela não tem nada a ver com isso — falo, por
fim, elevando o queixo e encontrando o olhar afiado do papà.
Fui criada para ser uma garota obediente e na real, eu tento, mas ser
cegamente submissa vai contra algo dentro de mim. Na maioria das vezes, é
impossível manter a língua dentro da boca.
Lorenzo, que está perto das grandes janelas com cortinas pesadas de
seda drapeadas que cobrem praticamente a parede inteira, permitindo que
apenas uma parte da luz natural entre, encaminha os olhos intensos até
mim.
Impassível, como sempre.
Se não o conhecesse bem, quase dissimularia o fato de que por
dentro, eu sei que o homem ficará em chamas e será capaz de reduzir o
mundo inteiro a sua volta a pó, apenas pelo simples fato de ouvir a mentira
que contarei sobre ele em instantes.
— Saia, Violetta — papà ordena, fazendo minha irmã espremer os
lábios e lançar uma olhadela culpada para mim.
— Tudo bem — digo, apenas movimentando os lábios para ela. —
Saia — emendo e ela assente, melancólica.
Levando o seu pequeno roedor, Violetta sai do escritório, me
deixando sozinha com os homens poderosos.
Deve faltar um parafuso dentro da minha cabeça, porque não estou
com medo. Talvez, eu deva abaixar a cabeça e pedir desculpas, como a
mamãe ensinou, mas, meu corpo se recusa a fazer isso.
— O que estava fazendo detrás da porta? — papai quer saber. —
Sabe que eu odeio quando faz isso, Angelina.
Anuo e passo a ponta da língua nos lábios secos.
— Lorenzo não pode se casar com Adele — é o que eu falo,
simplesmente, fazendo a testa de Corrado se encher de vincos.
Papai balança a cabeça de um lado para o outro, confuso.
E do outro lado do cômodo, Lorenzo me observa com afinco, com
seus olhos grandes e as sobrancelhas levemente arqueadas para mim. Adoro
os cílios escuros e longos dele, porque ajudam a destacar ainda mais o olhar
expressivo.
Vejo o momento exato em que a boca bem definida e de lábios finos
e rosados assumem um sorriso irônico, que me faz querer voar em cima do
seu pescoço. Eu o amo, mas também, eu o odeio quando não me leva a
sério.
— Querida, o que disse? — papai pergunta, ainda tentando assimilar
as palavras que saíram da minha boca.
— Lorenzo tem alguém — informo e é automático, os dois homens
encaminham a atenção para o subchefe, que une as sobrancelhas em
confusão. — Ela é linda, jovem e tem descendência italiana. Ele é tímido
demais para falar que está completamente apaixonado.
As narinas dele se expandem e o homem cerra tanto os dentes, que
por um segundo, acredito que possa quebrá-los.
— Não fale merda, Angelina — Lorenzo diz, cortando o ar com a
sua voz grossa e profunda.
Curvo a boca num sorriso cínico.
— Por esse motivo... — Giro o meu corpo, esfregando os
calcanhares no tapete felpudo e cruzando o olhar com o do conselheiro. —
Ele não pode se casar com Adele. — Volto a atenção para o meu pai. —
Posso sair agora, papà?
Ele anui com um gesto firme, mas não verbaliza nenhuma palavra.
Discretamente, troco um olhar intenso com Lorenzo antes de sair do
escritório e eu sei que ele virá tirar satisfação sobre o que eu insinuei, o que
terá que esperar, porque amanhã é aniversário da mamma[13] e ela é a única
coisa com a qual eu quero me preocupar.
Proibida para o Mafioso, Império Salvatore: https://amz.run/943T
IMPÉRIO SALVATORE:
ENTREGUE AO MAFIOSO: https://amz.run/61sQ
RESGATADA PELO MAFIOSO: https://amz.run/6rZK
PROIBIDA PARA O MAFIOSO: https://amz.run/943K
SÉRIE FAMÍLIA CARBONE:
O HOMEM DA MÁFIA: https://amz.run/57yT
NAS GARRAS DA MÁFIA: https://amz.run/4rRB
O SENHOR DA MÁFIA: https://amz.run/5VMD
EM NOME DA MÁFIA: https://amz.run/5jS5
A PROMETIDA DA MÁFIA: https://amz.run/5phZ
UM ACORDO PELA MÁFIA: https://amz.run/6rZL
PROTEGIDA PELO MAFIOSO: https://amz.run/943J
HERDEIROS DE SANGUE:
ANJO SOMBRIO: https://amz.run/943L
PRÍNCIPE CORROMPIDO: https://amz.run/943N
IRMÃOS BYRNE:
A FILHA PERDIDA DO MAFIOSO: https://amz.run/6rZM
[1]
Danilo é o primogênito de Alberto Salvatore e também, o protagonista de Entregue ao Mafioso,
primeiro livro da Série “Império Salvatore”.
[2]
É uma renomada rede multinacional de restaurantes, com sede em Chicago. Fundada pelo
visionário empresário Alberto Salvatore, a rede é conhecida por oferecer uma autêntica experiência
gastronômica italiana, destacando-se pela qualidade excepcional de seus pratos e pela atmosfera
acolhedora e elegante de seus estabelecimentos. Com uma extensa variedade de pratos inspirados na
rica culinária italiana, Salvatore's Sapori d'Italia tornou-se um negócio lucrativo e bem-sucedido,
atraindo uma clientela fiel e conquistando reconhecimento tanto local quanto internacionalmente. Sua
presença em Chicago representa um marco na indústria gastronômica.
[3]
Suncrest é uma cidade fictícia situada no estado do Alabama, eu criei como cenário para este livro.
[4]
South Lawndale, conhecido como Little Village (Pequena Vila), é um dos bairros mais pobres e
desafiadores de Chicago. Com altas taxas de pobreza, desemprego e criminalidade, os residentes
enfrentam dificuldades diárias para atender às suas necessidades básicas. O bairro é marcado por uma
paisagem urbana que reflete as lutas econômicas da comunidade, com muitas habitações em estado
precário, prédios abandonados e infraestrutura inadequada.
[5]
A Ponte DuSable, anteriormente conhecida como Ponte de Michigan Avenue, é uma ponte de arco
basculante que atravessa o rio Chicago no centro da cidade.
[6]
Cristal em italiano.
[7]
Maqluba é um prato tradicional do Oriente Médio, especialmente popular em países como Israel,
Palestina e Jordânia. Consiste em camadas de arroz, carne (geralmente cordeiro, frango ou carne
bovina), legumes (como batatas, berinjelas e cenouras) e especiarias, cozidos juntos em uma panela e
então virados de cabeça para baixo antes de servir.
[8]
O chefe de todos os chefes em italiano.
[9]
Sarah é a esposa de Giancarlo e a protagonista de “Resgatada pelo Mafioso”, segundo livro da
série Império Salvatore.
[10]
Meu Cristal em italiano.
[11]
Papai em italiano.
[12]
Consigliere ou também conselheiro é às vezes visto como o braço direito do Don. Participam da
mediação de disputas, atuam como representantes da família em situações de risco e frequentemente
são a ligação entre o Don e o aspecto judiciário ou político.

[13]
Mamãe em italiano.

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