Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Assim que entro na sala de estar, noto que algo está errado.
Papai, Yosef e o proprietário do prédio estão reunidos, com
expressões sombrias estampadas nos rostos, enquanto conversam em um
tom baixo. Duas malas grandes estão posicionadas no pé da escada e meu
coração começa a acelerar conforme eu tento entender o que está
acontecendo.
Sem dizer uma única palavra, o senhorio se aproxima de mim e
agarra meu braço com firmeza, como se eu fosse uma mercadoria a ser
negociada. Tento me soltar, mas a sua aderência é rígida.
Antes que eu possa falar algo, sinto um golpe certeiro contra o meu
rosto. Caio no chão, atordoada e confusa, com o gosto de sangue na boca.
Papai e Yosef permanecem em silêncio, desviando o olhar, sem
vontade de protestar contra a brutalidade do velho nojento.
— O que está acontecendo? — pergunto, minha voz trêmula de
medo e confusão. — O que eu fiz?
Ninguém me responde, mas o senhorio volta a segurar o meu braço,
apenas para apertar com força e me fazer gemer de dor, e então, me
empurra com violência contra o chão de novo, com o único intuito de
mostrar quem é que manda.
— Você agora é minha — o cretino informa, os olhos escuros me
encarando com ganância.
Com a voz áspera, meu pai decide falar, articulando palavras que me
deixam tremendo de medo e incredulidade.
— Vá com o Juan Miguel. Agora, você pertence a ele, Hadassah.
As palavras alcançam os meus ouvidos e eu sinto como se uma
pedra caísse no meu estômago.
Eu pertenço a Juan Miguel? Como assim?
— O quê? — balbucio.
— Você se casará com ele.
— Pai...
Ele me ignora.
— Minha dívida está paga, minha filha é sua — papai fala, cortando
o meu coração. — Estamos quites.
Eu me sinto desmoronar por dentro, meu mundo virando de cabeça
para baixo em um instante. As lágrimas escorrem pelo meu rosto ao
perceber que meu pai acabou de me vender.
Sinto meu coração se partir em mil pedaços e observo o meu pai
entregar minha liberdade nas mãos de Juan Miguel, o meu novo monstro. O
meu novo dono. A sensação de desamparo e desespero me consome tanto,
que nem consigo me forçar a ficar de pé.
— Papai... por favor — imploro entre os soluços, mas ele nem
sequer me encara. Desesperada, lanço meus olhos até o meu irmão,
buscando uma centelha de compaixão na sua expressão dura. — Yosef... eu
prometo obedecer mais. Por favor, não deixa ele me levar.
— Pare de chorar! — o senhorio ordena ao entrelaçar os dedos em
volta do meu braço, a sua pegada como a de um predador capturando a
presa. Ele me puxa contra o próprio corpo e um arrepio de repulsa percorre
minha espinha. — Vai fazer tudo o que eu mandar agora e terá uma vida...
razoável.
Cada palavra que ele profere é como uma sentença, uma
confirmação de que minha liberdade foi roubada e minha vida entregue nas
mãos cruéis de um homem sem escrúpulos.
Eu agora pertenço a Juan Miguel, e não há nada que eu possa fazer
para mudar isso.
Embora ele não seja um traidor, eu decido que o seu fim será o
mesmo de um.
Desço as escadas escuras e úmidas, e logo o ar ao meu redor se
torna denso e pesado. Eu sigo por um corredor estreito e mal iluminado até
chegar a uma sala ampla do bunker subterrâneo, lugar onde costumamos
lidar com nossos traidores.
Logo de cara, eu vejo Juan Miguel amarrado e imobilizado em uma
mesa de inox, semelhante à forma como os traidores são tratados. É
engraçado como os olhos suplicam por misericórdia, como se isso fosse
fazer algum efeito agora.
— Eu poderia brincar com você por dias, mas honestamente, não sei
se você vale o meu esforço — digo ao mirar seus olhos. — Tenho coisas
mais interessantes para fazer do que passar meu tempo com você.
Ele tenta falar algo e inútil, já que tem a boca costurada.
— Mas é claro, que isso não significa que não irá sofrer. Você vai
sofrer por ter desejado a Hadassah. Por ter encostado nela. Por ter a
humilhado. Por tudo. Vai desejar nunca ter cruzado o caminho dela.
Com apenas um gesto, indico a um dos meus homens que traga um
rato e Juan Miguel assiste horrorizado tudo acontecendo diante dele. Antes
de colocarmos o rato em cima da sua barriga, eu mesmo faço questão de
forrar a gaiola de metal com brasa.
O soldado coloca o rato em cima de Juan Miguel e olhando dos
olhos dele, eu coloco a gaiola de metal sobre o rato, prendendo-o no seu
corpo.
É um castigo destinado a infligir dor e sofrimento.
É perfeito para ele.
Juan Miguel geme em agonia quando o rato começa a rasgar a sua
carne em busca de uma rota de fuga e eu apenas observo, saboreando o seu
fim.
Algum tempo depois...
Finalmente, depois de toda a tensão e perigo envolvidos em lidar
com Juan Miguel, parece que as coisas estão voltando ao normal.
Ou pelo menos, tão normal quanto pode ser para alguém como eu,
que está comprometida com Matteo Salvatore, um mafioso implacável.
Quando Matteo me diz que tem um presente para mim, admito que
fico muito curiosa. Ele sempre sabe como me surpreender, e eu me
pergunto o que ele planejou desta vez.
Mas, assim que ele menciona que precisa "me vendar" primeiro, fico
confusa.
O que esse mafioso está aprontando?
Decido confiar nele, como sempre faço.
Vendada e com um frio na barriga, ele me guia até o seu carro e me
acomoda no banco do carona, coloca o cinto de segurança em mim e liga o
som, deixando uma música calma e sexy rolando.
Talvez seja porque estou vendada, mas sinto que demora muito para
chegarmos ao local e meu coração começa a bater muito rápido de
expectativa. Faço muitas perguntas no meio do caminho, só que o homem é
comprometido, não solta nenhuma pista do que está escondendo.
Matteo me ajuda a descer do carro e noto que atravessamos uma rua.
Paramos e então, ele retira a minha venda. Fico surpresa ao perceber que
estamos em frente ao antigo rinque de patinação da escola onde costumava
treinar antes do meu mundo virar de cabeça para baixo.
Arregalo os olhos de espanto e viro meu rosto para Matteo, tentando
entender.
— O que isso significa?
Ele me olha com um brilho nos olhos, um sorriso malicioso
brincando nos lábios.
— Matteo, o que estamos fazendo aqui? — pergunto, já que ele não
responde nada.
Ele pousa uma mão na minha cintura e me faz entrar na escola,
caminhamos direto para o rinque de patinação de gelo, o que faz meu
coração se aquecer. Eu amo demais esse lugar.
— Cristallo, este é o seu presente — fala, simplesmente, a voz cheia
de carinho.
— Como assim, o meu presente?
— Eu comprei este lugar pra você.
Meu coração dá um salto dentro do meu peito e eu pisco rápido,
assimilando a informação.
Ele comprou a escola de patinação para mim?
Mas por quê?
— Mas por quê? — repito meu pensamento, incapaz de conter
minha curiosidade. — Matteo, por que fez isso?
Matteo sorri, os olhos cheios de ternura. As mãos agarram a minha
cintura e ele me puxa contra ele, colando os nossos corpos.
— Porque sei o quanto a patinação significa pra você, Cristallo. E
eu queria que você tivesse um lugar só seu, onde pudesse praticar e se sentir
livre.
Minha visão fica turva ao sentir as lágrimas se formando nos olhos,
pisco com força, tentando segurar o choro, mas não consigo. Olho ao redor,
admirando o rinque vazio que agora é meu.
Matteo segura o meu rosto e apara as minhas lágrimas com os
polegares.
— Não acredito que fez isso.
Ele me envolve em um abraço reconfortante, os braços fortes me
segurando com segurança.
— Está feliz?
— Muito. Obrigada.
Eu me agarro a ele, deixando as lágrimas fluírem livremente. Nunca
imaginei que alguém poderia gostar e me apoiar tanto quanto Matteo
Salvatore.
Matteo sorri quando me vê tão emocionada, seu toque gentil me
ajudando a conter as lágrimas. Eu me sinto abençoada por tê-lo ao meu
lado, por todo o apoio e amor que ele me oferece.
Ele me afasta um pouco, olhando-me nos olhos com um brilho de
satisfação.
— Também contratei a melhor professora de patinação de Chicago
para dar aulas particulares a você — ele diz, e um sorriso ainda maior se
espalha pelo meu rosto.
— Sério? Isso é incrível, Matteo! — exclamo, sentindo uma onda de
gratidão inundar meu coração.
Uma ideia incrível surge na minha mente ao me lembrar de todas as
crianças que vi patinando nas pistas públicas, algumas delas claramente sem
recursos para pagar aulas, como eu.
Mas antes de falar para ele, meio insegura, eu questiono ao franzir o
cenho:
— Isso é um investimento?
Ele nota a minha hesitação.
— Não, Cristallo. É um presente. Você pode fazer o que quiser com
este lugar.
Respiro fundo, reunindo coragem para compartilhar a minha ideia.
— Eu tive uma ideia... no futuro, talvez pudéssemos oferecer aulas
gratuitas de patinação para crianças que não têm condições de pagar. Seria
uma forma de retribuir à comunidade, e o rinque poderia se tornar um lugar
especial para todos.
Há um momento de silêncio conforme Matteo processa minha
proposta. Aos poucos, um sorriso orgulhoso se forma nos seus lábios.
— Você tem um coração tão bom, Cristallo — murmura, me dando
um selinho suculento. — Não sei se mereço você.
— Acho que sou eu que não mereço você.
Nossos lábios se encontram em um beijo profundo e apaixonado, e é
tão bom, que eu sinto como se estivesse sonhando. É como se eu tivesse
encontrado o meu lugar ao lado de Matteo, como se minha vida fizesse
sentido agora.
Mas para a minha surpresa, somos abruptamente trazidos de volta à
realidade pelo som de palmas ecoando ao nosso redor.
Nosso beijo é interrompido e nos viramos na direção do som. Meu
coração murcha ao encontrar Jenna, nos fitando com um sorriso malicioso.
Os olhos brilham com diversão, como se ela estivesse prestes a soltar uma
bomba que vai destruir meu coração.
— Parece que interrompi um momento... interessante — ela
comenta, o tom zombeteiro é evidente na voz.
Matteo olha para ela com uma expressão impassível, e sou incapaz
de evitar o rubor de subir às minhas bochechas. Jenna sempre foi mestra em
me deixar desconfortável com a sua presença.
— O que você quer, Jenna? — Matteo pergunta, frio e áspero. —
Como chegou aqui?
— Tive que falar com um dos seus soldados, já que você me proibiu
de entrar na sua casa.
— Me diga o nome dele e eu mesmo vou matá-lo — Matteo
informa, fazendo-me olhá-lo com apreensão. — Se a lealdade dele não está
comigo, eu o prefiro morto.
Ela dá de ombros, mantendo o sorriso travesso.
— Não seja tão exagerado. Preciso falar com você e é muito
importante. Vai mudar o rumo das nossas vidas.
Meu coração bate tão rápido que eu ouço um zumbindo dentro dos
ouvidos.
— Apenas vá embora enquanto ainda tenho vontade de ser educado
com você — Matteo retruca, visivelmente irritado.
Jenna sorri amplamente, como se estivesse se divertindo com
alguma piada interna, em vez de se afastar, ela abre a bolsa elegante e de
dentro, retira um envelope. Como se estivesse desfilando em uma passarela,
ela se aproxima de Matteo, me ignorando completamente.
— Acho que vai querer ver isso.
— Que merda é essa? — Matteo quer saber.
— Abra e veja você mesmo.
Matteo lança um olhar preocupado para mim, mas abre o envelope e
ler o que tem nele. O seu rosto empalidece ao mesmo tempo que os
músculos da mandíbula se contraem.
— Impossível. Eu sempre me preveni com você.
— Tem certeza de que todas as vezes que transamos nós usamos
camisinha? — Jenna rebate e lança um olhar de desprezo para mim. Meu
coração erra uma batida, sabendo exatamente do que se trata. — Aconteceu
de algumas vezes nós bebermos além da conta, Matteo e não usarmos
proteção.
Num rompante, tomo o papel das mãos de Matteo e tiro as minhas
próprias conclusões. Meu mundo desaba debaixo dos meus pés ao me dar
conta de que Jenna está grávida dele.
— Isso é impossível — Matteo se recusa a acreditar.
— Impossível? Por quê? Matteo, estou grávida de dois meses e não
é porque paramos de transar desde que a sua queridinha aí apareceu que não
é possível. Eu estou carregando um filho seu e agora, você terá que assumir,
porque eu não nasci para ser mãe solteira — ela fala ao arrancar o papel da
minha mão.
Eu fico com tanta falta de ar que minha cabeça começa a girar. Ouço
Matteo me chamar, mas nem consigo focar nele. Desesperada para me
afastar dos dois, eu apenas saio da escola correndo e assim que meus pés
alcançam a calçada, eu desabo.
Eu vomito o café da manhã enquanto as palavras de Jenna martelam
dentro da minha cabeça como um mantra cruel, uma realidade devastadora
que não consigo processar.
Quando Cesare aparece ao meu lado, não posso dizer que estou
surpresa. Seu olhar preocupado encontra o meu e ele segura os meus
cabelos, numa tentativa de me ajudar.
— O que aconteceu, senhorita?
— Cesare... me leva pra casa, por favor — é o que peço com um
sussurro fraco, minha voz tremendo.
Antes que Cesare possa me responder, Matteo surge atrás de mim, o
rosto uma máscara de angústia e desespero. Meu coração se aperta com a
visão dele, mas sei que não consigo encará-lo agora.
As lágrimas nublam minha visão, e eu recuo instintivamente quando
ele se aproxima de mim, tentando me tocar.
— Hadassah, vamos conversar.
Eu nego com a cabeça, porque eu simplesmente não consigo.
Não agora.
— Eu não culpo você, Matteo, mas não quero conversar agora. Eu
só quero sair daqui — minhas palavras saem entrecortadas.
— Eu te levo, Cristallo.
— Não. Você e Jenna têm muito o que conversar. Cesare vai me
levar pra casa.
Matteo fica relutante em ceder, mas com o rosto contraído por causa
da raiva, ele acaba permitindo que o soldado me leve de volta para a
mansão.
Ao me afastar, não consigo me conter, eu começo a chorar.
Matteo vai ser pai.
De um filho da Jenna.
Quando chego à mansão, meu rosto está inchado de tanto chorar e
eu sinto que cada lágrima derramada é uma parte do meu coração que se
despedaça.
Faço um esforço tremendo para subir as escadas e ao entrar no meu
quarto, sinto o peso da dor me esmagar, como se o mundo estivesse
desabando sobre mim.
Tomo um susto ao ver Domênica entrar sem bater, os olhos
perspicazes captando imediatamente a minha angústia. O rosto dela exibe
uma expressão de compaixão e preocupação, como se entendesse a
gravidade do que aconteceu antes mesmo que eu consiga articular as
palavras.
— O que aconteceu, menina?
— Jenna está grávida de Matteo — minha voz sai embargada. —
Grávida.
O olhar de Domênica se torna melancólico, uma expressão que fala
muito sem dizer uma palavra. Ela não precisa de explicações detalhadas
para compreender a extensão do meu sofrimento.
Jenna não é uma mulher qualquer, além de fazer parte da vida de
Matteo há muito tempo, ela também é parte da máfia. E grávida dele, as
coisas não poderiam ser piores para mim.
Não que um filho seja algo ruim, o bebê não tem culpa de nada e
não tenho raiva dele. Só que ainda assim, meu coração dói, porque eu sei
que acabou para nós.
Não existe um futuro para mim e o Matteo. E isso machuca tanto,
que meu corpo inteiro dói.
Com um gesto gentil, ela contorna o meu corpo e me oferece o
apoio de que tanto preciso agora.
E no calor do abraço de Domênica, eu choro mais ainda.
Dois dias depois...
A sensação de acordar pela manhã é sempre agridoce. Doce por ter
mais um dia pela frente, mas amarga pela incerteza do que esse dia reserva.
Desde que decidi me distanciar de Matteo, cada manhã tem sido um
desafio. Evito o seu olhar, o seu toque, a sua presença, como se me esquivar
dele pudesse proteger meu coração da dor.
Voltei a dormir no quarto de hóspedes, buscando uma espécie de
refúgio dentro da própria mansão que agora parece tão imensa e solitária.
Durante o dia, faço de tudo para evitar cruzar o caminho de Matteo, me
mantendo ocupada em ajudar Domênica, cuidar da Calíope ou apenas ficar
trancada no quarto.
Mas hoje, ao acordar, sinto que algo dentro de mim mudou.
Uma voz interior fala que já passou da hora de retomar o controle da
minha vida. Não posso continuar me escondendo atrás do medo da dor e da
incerteza.
Preciso voltar a trabalhar, a me sentir útil, a ter uma direção clara
para seguir.
Decido que é hora de enfrentar Matteo e anunciar minha decisão.
Não vou mais permitir que o medo me paralise, que a dor me
impeça de seguir em frente. Levanto-me da cama, o coração batendo forte
contra o peito, mas uma chama de coragem queimando dentro de mim.
Depois de tomar um banho e me arrumar, pego a minha mochila e
desço as escadas com passos firmes. Ao entrar na cozinha, encontro Matteo
lá, a presença poderosa preenchendo o ambiente inteiro.
Ao me ver, ele me encara com afinco, fazendo-me suspirar.
Sinto tanta falta dele, que meu corpo dói.
Respiro fundo, reunindo toda a coragem que tenho dentro de mim.
— Eu vou voltar a trabalhar — informo, minha voz soando mais
firme do que esperava.
Domênica e Cesare que também estão na cozinha, me olham
surpresos com a notícia. A governanta de Matteo parece genuinamente feliz
pela minha decisão, ao contrário de Cesare, que está confuso.
E Matteo...
Bom, a expressão dele endurece, como senão fosse essas palavras
que o mafioso estivesse esperando ouvir agora. O homem decide fazer voto
de silêncio e não verbaliza nada, apenas continua com o seu café.
Troco um olhar com Domênica, que assente e eu decido não recuar.
— Já que você é o meu chefe, pode descontar do meu salário os dias
que passei ausente.
Uma sobrancelha de Matteo se arqueia na minha direção, mas ele
não responde de imediato, o que me faz morder o lábio inferior com força
até sentir gosto de ferrugem.
— Cesare vai levá-la ao supermercado — ele decreta, sem espaço
para argumentos.
— Não precisa, eu vou de ônibus ou de metrô.
Matteo me encara, os olhos brilhando com uma mistura de
frustração e admiração. Ele sabe que não vai me fazer desistir tão
facilmente.
— Cesare vai levá-la, isso não é um pedido, Cristallo — ele insiste,
soando um pouco mais suave desta vez, mas ainda firme.
Meu coração se contorce e por mais que eu queira desafiar Matteo,
sei que é inútil lutar contra a sua determinação. Ele também não vai ceder
com facilidade.
— Tudo bem, obrigada.
Giro nos calcanhares para sair da cozinha, mas sou interrompida
pelo tom firme de Matteo:
— Não vai tomar café da manhã?
Confesso que a ideia de ficar perto dele é tentadora, mas
rapidamente descarto. Não quero prolongar o momento mais do que o
necessário. Não posso ficar mais um minuto na presença de Matteo, sem
correr o risco de cair em tentação.
Sinto um nó se formar em minha garganta e o engulo com força ao
me virar para encará-lo.
— Vou comer algo no supermercado.
Vejo a frustração passar pelo rosto de Matteo por um breve
momento, mas ele parece entender a minha decisão. Com um gesto, ele
indica para que Cesare me acompanhe, e eu me viro para seguir em frente,
deixando para trás a tensão que paira entre nós.
Enquanto caminho em direção à saída da mansão, não consigo evitar
de sentir o peso do olhar de Matteo sobre as minhas costas. Mas sei que é
hora de seguir em frente, mesmo que isso signifique me afastar dele.
Ainda que meu coração doa pela distância entre nós, sei que é a
única maneira de me proteger.
Não posso ignorar a sensação estranha de voltar ao supermercado.
É como se eu tivesse passado uma vida longe daqui, e voltar agora,
é apenas, diferente. Mas, é assim que vou recomeçar e retomar o controle
da minha vida.
Estou no vestiário recém-reformado quando Nina entra e me dá um
sorriso caloroso. Ela joga os braços em cima do meu pescoço e me prende
num abraço apertado, me fazendo rir.
Senti falta dela.
— Tô feliz de te ver aqui, mas... por que voltou? — pergunta ao
apontar para o meu uniforme.
— Estou livre. A situação com Juan Miguel foi resolvida.
Nina franze o cenho.
— E? Você tá namorando o dono do supermercado, não precisa
trabalhar. É praticamente a minha chefe — zomba e eu finjo um sorriso.
— Ainda assim, eu preciso — dou uma explicação rápida, tentando
disfarçar a tensão que sinto.
Nina me estuda por um momento, como se tentasse decifrar algo na
minha expressão.
— Tem certeza de que é só isso?
Meu coração aperta e um sorriso triste toma conta dos meus lábios.
Sempre consegui disfarçar quando estava triste por causa do meu pai e de
Yosef, mas com Matteo é diferente, é difícil esconder.
— É complicado — murmuro, desviando o olhar e pegando o meu
crachá, em seguida, fechando o meu armário.
— Às vezes, é bom dividir o fardo.
Respiro fundo, deixando meus ombros caírem.
— Jenna está grávida de Matteo — confesso, sentindo os meus
olhos arderem e a visão ficar turva. — Foi antes de me conhecer —
emendo.
O rosto de Nina se contorce em uma expressão de choque e
preocupação.
— Uau.
— Eu disse... complicado.
— Mas isso não muda em nada a relação de vocês — ela fala, me
segurando pelos braços para que eu a olhe nos olhos. — Não é?
— Claro que muda. Ele vai ser pai. Não quero ficar entre ele e a
criança. Eu estou sobrando, Nina.
— Não fala isso, amiga.
— Dói muito, porque eu... eu não devia, mas eu já amo o Matteo —
admito para a minha amiga, sentindo as minhas bochechas molharem. — E
eu sinto que acabou, entende?
— Não pensa assim. Matteo tem um compromisso com o filho, não
com a Jenna.
Pisco devagar ao prensar os lábios e desviar os olhos de Nina. Se ela
soubesse o que eu sei, não diria isso. Não acho que com a influência que
Jenna tenha, Matteo consiga escapar de um compromisso sério com ela.
E tudo bem, porque essa criança merece o melhor, mesmo que isso
me faça sofrer.
— Eu perdi a minha mãe quando eu tinha oito anos. Ela fez muita
falta, Nina. Não quero que a criança sinta o mesmo que eu.
— É diferente, Hadassah. Matteo pode ser um pai presente mesmo
sem estar com ela.
Nego com a cabeça.
— Ela não vai desistir dele — digo, limpando as lágrimas com as
costas das mãos. — Não vai.
Nina respira fundo e me puxa para um abraço, permitindo que eu
chore no seu ombro amigo.
A noite cai sobre a cidade de Chicago quando saio do
supermercado, o ar frio me envolvendo com um abraço indesejado.
Cesare já está me esperando, a sua figura imponente se destacando
na escuridão do estacionamento. Nina e eu nos despedimos rapidamente
com um abraço reconfortante antes de cada uma seguir o seu caminho.
Meus passos fazem barulho contra a calçada ao me aproximar de
Cesare, que abre um sorriso pequeno para mim. Com gentileza, ele abre a
porta do carro, mas antes de me acomodar no banco, eu peço algo a ele.
— Pode me levar até a escola de patinação?
Ele aceita com um aceno de cabeça.
Depois de alguns minutos dentro do carro, fico animada ao ver a
escola de patinação surgir no meu campo de visão, iluminada pelo brilho
suave das luzes.
Cesare estaciona o carro na entrada e eu agradeço a carona, embora
não entre comigo, eu sei que ele permanecerá por perto. Desço do veículo e
abro o portão da escola para entrar, me deixando levar pela atmosfera
familiar.
Antes de ir ao vestiário trocar de roupa, preparo tudo, selecionando
com cuidado as músicas que tocarão nos alto-falantes e ajusto as luzes,
deixando-as mais leves e confortáveis.
A música já está rolando quando visto a minha leggings e calço os
patins, caminho até o rinque de patinação e removo a proteção das lâminas
de aço para deslizar pela pista de gelo.
Dou algumas voltas na pista, mas apenas ao som envolvente de
"Bitter Sweet Symphony" da banda The Verve, que eu me deixo levar pela
melodia inspiradora e começo a pegar impulso.
Meus patins cortam o gelo com precisão, deixando para trás uma
trilha cintilante à medida que me movo.
Começo com passadas lentas e elegantes, me permitindo ser
conduzida pela música ao me inclinar levemente para frente, meus braços
se estendendo lateralmente com leveza. Crio arcos suaves com meus patins,
fluindo com a música como se fosse uma extensão do meu próprio corpo.
À medida que a batida da música cresce, acelero o ritmo,
executando movimentos mais complexos e audaciosos. Salto e giro com
confiança, meus movimentos em perfeita harmonia com a música ao
mesmo tempo em que o vento frio acaricia meu rosto.
Deslizo pela pista em círculos, alternando entre movimentos lentos e
rápidos, uma tentativa de esquecer tudo que faz meu coração doer. Mas, é
bem difícil. Matteo já está enraizado dentro de mim, como uma força que
vai além do meu entendimento.
Enquanto me movo pelo rinque com fluidez e confiança, sinto a
sensação persistente de que estou sendo observada, como se houvesse olhos
fixos em mim de algum lugar nas sombras. Um arrepio percorre minha
espinha, mas quando lanço um olhar ao redor, não vejo ninguém.
A música vibra pelos corredores vazios da escola de patinação,
acompanhando meus passos no gelo, mas por um momento, me sinto
desconectada do mundo ao meu redor. Minhas preocupações parecem
distantes, substituídos pelo ritmo frenético da melodia e pela sensação de
liberdade que a patinação me proporciona.
Ainda assim, a sombra de Matteo paira sobre mim, um lembrete
incessante de uma realidade que não posso ignorar. Continuo deslizando
pela pista e desejo que o vento frio leve embora as minhas preocupações,
mesmo que apenas por um momento fugaz.
O silêncio que envolve a mansão de Matteo é quase palpável quando
chego em casa.
Caminho até o salão principal e me aproximo do terrário de vidro de
Calíope. Com cuidado, eu abro a tampa e estendo a minha mão para fazer
um pouco de carinho na serpente, sentindo a suavidade das escamas nos
meus dedos.
Enquanto acaricio Calíope, não posso deixar de pensar que, quando
partir, sentirei falta dela. É estranho como uma criatura tão incomum se
tornou uma companheira especial para mim.
— Promete ser má com a Jenna quando ela for a esposa de Matteo?
— pergunto a Calíope que sibila em resposta, me arrancando uma risada. —
Mas não precisa ser má com o bebê, tudo bem? — emendo e ouço um som
sibilante. — Essa é minha garota.
Depois de me despedir de Calíope, decido ir até a área da piscina.
Atravesso os corredores da mansão até chegar ao local, onde o barulho
suave do vento balançando as árvores do jardim parece convidativo.
Retiro meus sapatos e os coloco ao lado da borda da piscina junto
com a minha bolsa antes de me sentar na beira, deixando meus pés
mergulharem na água morna.
Observo o fundo da piscina, onde as luzes subaquáticas criam
padrões hipnotizantes. Tento relaxar, organizar meus pensamentos sobre
Matteo, que ainda flutuam dentro da minha cabeça, persistentes e
inescapáveis.
Como vou fazer para esquecê-lo?
O olhar penetrante, o toque intenso... tudo isso ainda vibra dentro de
mim, mesmo depois que eu tenha tentado me afastar dele.
Respiro fundo ao relaxar os ombros e fechar os olhos.
Tentando fugir da confusão dentro de mim, eu apenas mergulho na
piscina, buscando refúgio no mundo silencioso e sereno sob a água. Sinto a
água abraçar o meu corpo e abafar os sons do mundo exterior. Afundo
rápido e deixo que a pressão me envolva quando prendo a minha respiração
e apenas, desço até o fundo da piscina, sentando no chão.
Debaixo da superfície, encontro um silêncio profundo e pacífico,
onde os pensamentos se dissipam e o mundo ao meu redor desaparece. É
como se estivesse em um outro universo, isolada da agitação e das
preocupações que me atormentam.
Por um momento, não há Matteo, não há Jenna, não há problemas.
Há apenas eu e a água, uma fusão de corpo e elemento, flutuando juntos em
perfeita harmonia.
Fecho os olhos e me permito simplesmente existir, sem precisar
lidar com as complicações da minha vida. É um alívio estar assim, afastada
de tudo, sem precisar pensar em nada.
De repente, sinto uma pressão no meu braço e meu corpo é puxado
para a superfície. Meus olhos se abrem em surpresa ao ser arrancada do
tranquilo refúgio subaquático.
Quando emergimos à superfície, meu coração dispara ao perceber
que é Matteo quem me puxou, os olhos transbordando de preocupação.
— Que porra estava fazendo? — ele pergunta, a voz soando mais
áspera do que o habitual. — O que estava fazendo? — insiste, ainda me
segurando firmemente pelos ombros.
Levo alguns segundos para recuperar o fôlego e reunir os meus
pensamentos, surpresa com a sua súbita aparição.
— Eu... eu... estava só tentando... silenciar os meus pensamentos por
um minuto — respondo com um sussurro ao sentir seu olhar penetrante
sobre mim.
— Você ficou muito mais do que um minuto lá embaixo, Hadassah.
Matteo não parece convencido com a minha explicação, o semblante
tenso denotando uma mistura de preocupação e frustração. Ele parece
prestes a dizer algo, mas então se cala, deixando apenas o som suave da
água ao nosso redor.
— Me desculpe, eu não queria preocupar você.
Meus olhos encontram os dele, e por um breve momento, consigo
enxergar a tempestade de emoções que se agita por detrás do seu olhar
intenso.
Há tantas coisas não ditas entre nós.
— Eu pensei... — ele murmura, cerrando o maxilar. — Não faça
mais isso. Não posso perder você.
Respiro fundo, tentando afastar as inúmeras perguntas que fervilham
na minha mente, me concentrando apenas na presença de Matteo ao meu
lado. Por mais complicada que seja a nossa situação, ainda há uma conexão
entre nós, algo que não pode ser ignorado ou esquecido.
— Desculpe por preocupá-lo.
Sinto meu coração dar um salto quando Matteo se inclina na minha
direção, os lábios encontrando os meus em um beijo inesperado. A sua boca
é exigente, molhada, quente e firme contra a minha, a língua nem precisa
pedir acesso para que eu me entregue ao seu beijo.
Apenas me permito afundar na carícia, me entregando as emoções
que ele desperta em mim.
Quando nos separamos, eu estou sem fôlego e o coração batendo
descompassado dentro do peito. Encaro Matteo, meu olhar procurando
respostas nas profundezas do seu azul intenso.
Ele me olha de volta, uma expressão intensa e indecifrável no rosto.
— Vamos entrar, Cristallo — ele murmura, a voz rouca com uma
emoção que não consigo identificar.
Em silêncio, eu concordo com um aceno.
Depois de um banho relaxante, visto o meu pijama e me deito na
cama, esperando que o cansaço do dia me faça dormir. No entanto, parece
que os meus pensamentos têm vida própria, teimando em me manter
acordada.
Não importa quantas vezes eu mude de posição na cama, ainda não
consigo relaxar e simplesmente fechar os olhos. Os lençóis macios e o
travesseiro fofo não têm o poder de acalmar a tempestade dentro de mim.
Meu corpo está fisicamente exausto, mas minha mente está
acordada e alerta, incapaz de encontrar um pouco de paz. E o culpado disso
tudo está cravado no meu coração.
Matteo.
Apenas pensar no seu nome faz meu coração bater mais rápido e
minhas mãos suarem.
Como posso explicar a confusão tumultuada de emoções que sinto
por ele?
Apenas de me lembrar da preocupação no seu rosto quando
emergimos na água, o toque dos seus lábios contra os meus, o calor do seu
corpo tão perto do meu.
Será que tem alguma chance de ele sentir o mesmo por mim?
Será que as faíscas que voam entre nós são apenas um reflexo do
que eu sinto?
Mas então, a realidade vem me atingir com toda a crueldade,
lembrando-me das inúmeras razões pelas quais um relacionamento entre
nós é impossível.
Jenna.
Jenna grávida.
Eu... eu sou apenas uma garota que Matteo encontrou no meio do
caminho, uma garota comum envolta de um mundo extraordinário de
violência e intriga.
Como poderia um homem como Matteo Salvatore, tão imerso no
submundo do crime, encontrar espaço para amar alguém como eu?
E ainda assim, apesar de todas as probabilidades, meu coração se
recusa a se afastar dele de verdade.
Cansada de rolar na cama, fito o teto em busca de alguma resposta
que possa acalmar a tempestade que assola a minha mente.
Matteo, Jenna....
Acabo admitindo para mim mesma que não vou conseguir dormir
hoje. Não aqui, sozinha. Não quando o meu coração está em guerra consigo
mesmo.
Deslizo para fora dos lençóis com um suspiro resignado, meus pés
tocando o chão frio com uma sensação familiar. Saio do quarto de maneira
silenciosa e talvez seja errado por causa de Jenna, mas vou direto para o
quarto de Matteo.
A verdade é que não tem como ignorar o que eu sinto por esse
homem, é como uma força magnética que me puxa em direção a ele, uma
força irresistível que me impulsiona a buscar conforto nele, mesmo quando
sei que é perigoso demais.
Perigoso para o meu coração.
Paro em frente a porta do quarto de Matteo e respiro fundo ao
segurar a maçaneta. Sem pensar muito, eu a giro e entro no cômodo. A
primeira coisa que vejo é Matteo deitado no sofá, dormindo.
A garrafa de whisky repousa sobre a mesinha de centro e o copo de
cristal vazio ao lado, e me dói que ele tenha voltado a buscar conforto no
álcool antes de dormir.
E então, eu percebo que tem algo errado. Os movimentos do seu
corpo são frenéticos e descoordenados, como se estivesse lutando contra
algo invisível, preso em um pesadelo do qual não consegue escapar.
Meu coração aperta ao vê-lo assim, tão vulnerável e atormentado
pelos pesadelos outra vez.
Instintivamente, eu me aproximo, ficando de joelhos diante dele.
Com cuidado, inclino-me sobre Matteo e minha mão acaricia o seu rosto
tenso com carinho.
— Matteo — chamo baixinho no seu ouvido, esperando que a
minha voz possa dissipar os fantasmas dos seus pesadelos e possa trazê-lo
de volta à realidade. — Está tudo bem. Sou eu, seu Cristal quebrado.
Ele se contorce sob meu toque, os músculos tensos e rígidos, como
se estivesse lutando contra alguma coisa. Meu coração se aperta um pouco
mais ao ver a dor que ele tenta esconder atrás de uma fachada de poder e
controle.
— Você está seguro, Matteo — murmuro, fazendo carinho no seu
rosto suado. — Estou aqui com você. Eu prometo que não vou a lugar
algum.
Aos poucos, sinto a tensão do seu corpo diminuir, os movimentos se
acalmando conforme ele abre os olhos lentamente, me encontrando em
meio à escuridão do quarto.
— Cristallo...
— Quando os pesadelos voltaram?
— Faz alguns dias.
Uma onda de pesar me invade, fazendo-me perceber que talvez
minha ausência tenha desencadeado o retorno dos pesadelos de Matteo.
Quando começamos a dormir na mesma cama, as noites ruins pareciam ter
acabado.
— Eu sinto muito, Matteo — murmuro, minhas palavras quase
sumindo no silêncio do cômodo. — A culpa é minha.
— Nada disso é culpa sua, Cristallo.
Respirando fundo, Matteo ergue a mão para tocar o meu rosto e eu
tomo a iniciativa de me deitar ao seu lado no sofá. Sinto o calor do seu
corpo me envolver quando os braços fortes e firmes contornam o meu
corpo, me dando uma sensação absoluta de proteção.
Ele me aperta com força e ficamos assim, calados por quase uma
eternidade, até que ele quebra o silêncio.
— Eu não suporto a ideia de te perder, Cristallo.
Meu coração dói.
Agarro-me a Matteo com força, sentindo os olhos arderem.
— Eu estou feliz por você, de verdade. Eu acho que você vai ser um
ótimo pai — sussurro com sinceridade. — Só que tá doendo, Matteo,
porque eu sei que tô sobrando entre vocês.
— Você nunca vai sobrar na minha vida.
— Sim, eu vou. Porque não quero ficar entre vocês.
Matteo beija o topo da minha testa.
— Vou resolver as coisas com a Jenna.
— Eu sei que vai... você vai se casar com ela — retruco, incapaz de
esconder os ciúmes que sinto.
— Não vou me casar com ela, Hadassah — ele diz, o tom de voz
soando ríspido e sério. — Esteve longe de mim esse tempo todo por pensar
isso?
Matteo me afasta um pouco para encarar meus olhos lacrimejantes.
— Sim. Mais ou menos.
— Jenna não pode ser minha mulher.
— Por que não? — murmuro, fungando.
— Porque eu já tenho uma — ele fala, tomando meu rosto com uma
das mãos. — Você. Il mio Cristallo.
Suas palavras vibram dentro da minha mente, absorvendo cada
sílaba com uma mistura de choque e felicidade. Antes que eu possa dizer
algo mais, ele me puxa para perto, os lábios encontrando os meus em um
beijo apaixonado.
Em meio às minhas lágrimas, eu sorrio, finalmente compreendendo
o que sempre esteve diante dos meus olhos.
Matteo Salvatore, meu homem, meu amor, meu porto seguro.
Alguns dias depois...
Estou farto.
Farto de deixar as coisas acontecerem sem a minha intervenção.
Depois de ter soltado a bomba nas minhas mãos sobre a gravidez,
Jenna simplesmente me ignorou. Não quis conversar comigo, alegando que
se estressar faria mal ao beber.
Para evitar confronto direto, ela até tirou alguns dias de folga na
Salvatore's Sapori d'Italia, o que me deixou desconfiado. Mas chegou a hora
de enfrentar o problema de frente.
Cansei de dar tempo a ela e esperar.
Quero resolver essa situação de uma vez por todas e descobrir se ela
está grávida de verdade.
Escolho três homens confiáveis para me acompanhar até o
apartamento dela. Eu lidero o caminho e os outros me seguem até o bairro
movimentado de Jenna. Em alguns minutos, estacionamos em frente ao
prédio onde ela mora e eu sinto a adrenalina pulsar nas minhas veias.
Passo as últimas instruções aos homens e só então, subimos os
degraus da entrada, os nossos passos ressoando no corredor vazio. Quando
eu chego à porta de Jenna, aperto a campainha e espero.
A porta se abre devagar, revelando Jenna parada e noto um misto de
surpresa e medo estampando o seu rosto.
— Matteo... — balbucia. — O que você está fazendo aqui? —
pergunta, a voz treme, mas em segundos, ela coloca a postura de desafio em
evidência.
Respiro fundo, preparando-me para o que está por vir.
— Precisamos conversar, Jenna. Sobre a gravidez.
— Não quero conversar agora.
— Vamos conversar agora — digo e com cuidado para não a
machucar, eu empurro a porta para entrar no apartamento. Jenna resiste,
mas é inútil. Ela não pode escapar de mim.
— Estresse faz mal para o bebê — ela retruca.
Ao chegar na sala de estar, meus olhos rapidamente identificam a
taça de vinho meio cheia sobre a mesinha de centro, ao lado de uma garrafa
pela metade. Sem hesitar, viro-me para Jenna e me aproximo dela,
segurando seu rosto com firmeza para cheirar a sua boca.
Minhas têmporas latejam de raiva ao constatar o cheiro de álcool.
— Você está grávida e está bebendo?
Ela se solta bruscamente de mim, o rosto assumindo uma expressão
de desafio.
— Foi apenas uma taça.
Mas eu não me deixo enganar pela explicação fajuta. A ideia de que
ela colocaria em risco a saúde do nosso filho me enfurece como nunca. Me
enfurece pra caralho.
— O que você quer conversar?
Ela me encara, os olhos faiscando com uma mistura de raiva.
— Você bebeu bem mais do que uma taça.
— Veio aqui pra assumir as suas responsabilidades ou me julgar?
— Você não está pronta para ser mãe.
— E o que você sabe sobre ser mãe? — ela dispara, o tom de voz
carregado de sarcasmo.
Eu seguro a vontade de explodir diante da provocação. Respiro
fundo e tento manter a compostura.
— Se você acha que vai tratar esta gravidez como uma piada, está
muito enganada — digo, minhas palavras soando firmes, cada uma
carregada de indignação.
Jenna parece prestes a retrucar, mas uma troca de olhares entre os
homens que me acompanham é suficiente para fazê-la recuar. Ela sabe que
não está em posição de me desafiar agora.
— Tudo bem. Beber foi um erro. Sinto muito.
Eu a encaro por um longo minuto, deixando claro que não estou
convencido da sua sinceridade repentina.
— Troque de roupa. Vamos ao médico.
Jenna arregala os olhos perplexa e balança a cabeça, claramente
relutante em seguir minhas ordens. Seus lábios se contraem em uma linha
fina, um sinal claro de teimosia.
— Não vou ao médico com você, Matteo.
Eu mantenho meu olhar fixo no dela, minha expressão inabalável.
— Preciso ter certeza de que está tudo bem com o bebê.
— Você acha que eu menti sobre a gravidez? — ela finalmente faz a
pergunta importante, os olhos se estreitando em desconfiança. — Você acha
que eu seria capaz de algo assim?
— Na verdade, sim.
— Vá embora daqui! — ela berra.
— Se não for trocar de roupa, eu a levarei assim mesmo — aviso.
— Eu não vou a lugar nenhum com você.
Diante da persistência de Jenna em se recusar a cooperar, faço um
sinal discreto para os homens que me acompanham. Eles entendem o
recado e avançam na direção dela, prontos para agir.
— Eu preferia não ter que recorrer a isso, Jenna. Mas parece que
você não me deixa outra escolha.
Jenna olha em volta, percebendo a ameaça iminente representada
pelos meus homens. Seu rosto se contorce em uma mistura de raiva e
frustração, mas ela sabe que está em desvantagem e não pode resistir por
muito tempo.
— Você não pode fazer isso! — ela protesta, os olhos arregalados de
puro pânico. — Não pode!
— Não a machuquem — ordeno.
Eles se aproximam de Jenna, cada um agarrando um dos seus
braços. Embora ela lute e tente se libertar, é inútil diante da força
combinada dos meus homens. Com movimentos precisos e controlados,
eles a arrastam para fora do apartamento, ignorando os seus protestos
desesperados.
É uma cena desagradável, mas necessária para garantir que Jenna
cumpra as minhas ordens e vá ao médico.
Preciso saber se ela está falando a verdade.
Minha aula acabou e Cesare ainda não apareceu. Fico inquieta, mas
lembro da minha promessa de não sair da escola de patinação sem ele.
Respiro fundo e decido esperar um pouco mais, na esperança de que ele
chegue logo.
Caminho até o vestiário feminino para trocar de roupa, tentando
afastar os pensamentos preocupantes. Espero que nada de ruim tenha
acontecido com a filha dele. Cesare é um homem bom, para alguém que é
da máfia, não merece perder um filho.
Ao abrir a porta, fico paralisada por causa do choque que me atinge
como um soco no meio da cara.
Papai e Yosef.
Eles estão aqui, as expressões sombrias e assustadoras me deixam
arrepiada, fazendo meu coração disparar que nem louco. Por um momento,
sinto como se o ar fosse sugado para fora dos meus pulmões.
Eles não deveriam estar aqui.
O que estão fazendo aqui?
Minha mente começa a girar em busca de respostas, mas antes que
eu possa articular qualquer pergunta, meu pai avança na minha direção, a
expressão endurecida. O medo começa a se insinuar dentro de mim
enquanto ele se aproxima, uma sensação de perigo pairando no ar.
— Não vai cumprimentar o seu pai? — ele pergunta, me agarrando
com força pelos cabelos.
— O que estão fazendo aqui? — minha voz sai fraca e trêmula, e eu
mal consigo reconhecê-la como minha.
Papai e Yosef trocam um olhar enigmático, e meu pai responde com
um tom frio e autoritário que me faz estremecer até o âmago:
— Temos algo para discutir, minha Hadassah. Algo importante.
— O quê? — sussurro.
A mão do meu pai aperta ainda mais os meus cabelos, fazendo-me
estremecer de dor. Sinto um nó se formar no meio da garganta, a ansiedade
tomando conta de mim conforme tento processar a situação.
— Não pode nos abandonar assim, filha — papai murmura,
forçando a minha cabeça para trás. — Agora que é rica vai fingir que nós
não existimos? Que modos são esses? Não foi essa educação que eu te dei.
— Eu não sou rica.
Yosef começa a rir com desdém.
— Não se faz de sonsa. Já sabemos que tá abrindo as pernas pra um
ricaço e que ele até te deu essa escola de presente — retruca e cospe no
chão, perto dos meus pés. — É só olhar pras suas roupas, dá pra perceber
que é uma puta de luxo.
— Me respeita, o puto aqui é você — grunho.
Yosef vem para perto de mim e dá um chute na minha barriga,
fazendo-me contorcer de dor e tossir.
— Ficou atrevida — papai diz, puxando meus cabelos mais uma
vez. — Você não era assim, filha. Não gosto dessa sua nova versão.
— Pai... — murmuro, meus olhos ardendo por causa das lágrimas
ácidas.
— Desde que você foi embora, as coisas ficaram difíceis e nós
precisamos do que você tem agora, Hadassah. Também queremos uma vida
boa. Também merecemos dinheiro.
— Dinheiro? — minha voz sai num sussurro, minha incredulidade
evidente. — Vocês vieram aqui... para pedir dinheiro?
Papai me solta, mas o seu olhar permanece duro e implacável, e
Yosef mantém uma expressão sombria ao seu lado.
— Você tem recursos agora, Hadassah. Recursos que podem ser
úteis para a sua família — meu pai responde, soando como uma sentença.
Minhas mãos tremem e meu coração martela descontroladamente no
peito. Eles realmente estão fazendo isso? Me usando assim, como se eu
fosse apenas uma fonte de renda?
— Eu... eu não posso simplesmente dar dinheiro a vocês —
respondo, lutando para manter minha voz firme.
— Não pode ou não quer? — Yosef quer saber ao mesmo tempo em
que meu pai me corta com um olhar duro.
— Eu não quero — digo com firmeza. — Não vou mais sustentar os
dois. Nunca mais.
— Eu sabia que ela não iria ceder — meu irmão admite, abrindo um
sorriso macabro para mim. — Mas talvez, depois que eu dê uma lição nela,
minha querida irmãzinha mude de ideia.
— Vá se ferrar — grunho.
Yosef avança em mim e eu sinto o impacto do soco no meu rosto,
uma dor aguda irradiando pela minha mandíbula. Cambaleio para trás e
antes que possa me recuperar, meu irmão me acerta de novo, me
derrubando no chão.
Meu primeiro instinto é tentar me proteger e não chorar, mas as
lágrimas começam a borbulhar nos meus olhos conforme sinto papai
agarrar os meus pulsos com força para facilitar os chutes de Yosef no meu
corpo.
As memórias do passado ressurgem de maneira violenta, cada golpe
reacendendo a dor e a agonia que pensei ter deixado para trás.
Meu pai e irmão fazendo o que sempre gostaram de fazer, me
maltratando como se eu fosse um pedaço de merda.
Papai me dá um chute no nariz, fazendo-me sentir cheiro de sangue.
— Pare! Por favor, parem! — grito, minha voz embargada pela dor
e pelo desespero.
Infelizmente, minhas súplicas são em vão. Eles nunca se importaram
comigo. Para ser honesta, acho que eles gostam quando eu imploro. É como
um combustível para os dois.
Cada golpe é como um martelo esmagando a minha alma, uma
recordação brutal da minha vulnerabilidade diante da família que deveria
me proteger, mas que nunca o fez de fato.
Toda vez que minha pele é cortada pelo punho do meu pai ou pelos
chutes do meu irmão, sinto uma ferida emocional se abrir ainda mais
profundamente dentro de mim.
O líquido rubro e quente escorre do meu nariz, pintando o chão de
vermelho. As lágrimas se misturam com o sangue do meu rosto, uma
combinação salgada de dor e tristeza que me consome por dentro.
— Por favor... — suplico mais uma vez. — Pai... — murmuro,
tentando encontrar algo de bom nele, mas em seu coração, nunca existiu
espaço para mim.
Eu nunca fui o bastante para ele.
Os dois continuarão a me machucar, a me torturar, até que estejam
satisfeitos com o estrago que causaram.
Meus sentidos começam a ficar turvos e minha visão escurece aos
poucos. O som dos socos e chutes se mistura a um zumbido ensurdecedor
dentro dos meus ouvidos. Tento me manter consciente, tento resistir, mas é
em vão.
De repente, um estampido alto e violento corta o ar como uma
lâmina afiada. Não demoro para reconhecer que foi disparado um tiro. Mas
antes que eu possa compreender completamente o que está acontecendo, as
surras param de maneira abrupta, como se o som do tiro tivesse congelado o
ar.
E então, tudo se dissolve em escuridão e eu apago.
Sentado à mesa de mogno, no coração da minha mansão, finalizo os
últimos detalhes de um acordo que há muito tempo deveria ter sido
resolvido.
Jenna, a mulher que ousou tentar me amarrar a ela através de um
vínculo que nunca deveria ter existido, está prestes a ser removida da minha
vida para sempre.
Ela nunca mais colocará os pés nos EUA, mas terá uma vida boa
fora do país. Apenas, não a quero por perto. Não vou permitir que tente
quebrar o coração de Hadassah outra vez.
Ao assinar os documentos que selarão o seu destino, não posso
deixar de sentir uma pontada de alívio. Jenna foi uma distração, um
obstáculo no caminho. Agora, com ela fora de cena, posso me concentrar
totalmente no que realmente importa.
Hadassah.
Entrego os papéis assinados a um dos associados da organização,
que está sentado à minha frente. Quando me levanto, ele faz o mesmo,
estendendo a mão para mim, selando o nosso compromisso.
— Até o final do dia, tudo estará pronto para ela ir embora — o
velho fala, e eu assinto em agradecimento. — Foi bom fazer negócios com
você, Matteo Salvatore. Aliás, parabéns pela promoção — emenda com um
sorriso largo, daquele tipo de quem diz “quando eu precisar de algo, eu
venho até você”.
— Quando tudo estiver pronto, me avise.
Faço um sinal com a cabeça para que o meu soldado o acompanhe
até a saída da mansão e antes que eu volte a me sentar, meu celular começa
a tocar.
O nome de Cesare pisca na tela, o que me deixa em alerta.
— Senhor... — A voz de Cesare do outro lado da linha carrega um
tom urgente e preocupado que imediatamente me deixa com uma sensação
ruim. — Temos um problema. Estamos levando Hadassah para o hospital.
As palavras atingem o meu estômago com um soco, fazendo meu
coração acelerar tão forte, que me deixa zonzo. Afrouxo o nó da gravata e a
arranco com força, jogando-a no chão.
Hadassah, meu Cristallo... em perigo?
Minha mente corre para as piores possibilidades, imaginando uma
série de cenários medonhos.
— O que aconteceu? — minha voz sai mais áspera do que pretendia,
a preocupação e o medo pintando cada palavra. — Quero falar com ela
agora. Passe o telefone para Hadassah.
Cesare suspira.
— A culpa é minha, me desculpe, senhor.
— Cesare, passe o telefone para Hadassah.
— Não posso... ela está inconsciente — informa, fazendo minhas
têmporas latejarem com força.
Droga.
Minha Hadassah...
Respiro fundo e tento resistir, ignorando a dor persistente dentro da
cabeça. Não vou desabar agora. Não quando ela está precisando de mim.
— Que merda aconteceu?
— O pai e o irmão — é a explicação rápida que me dá e é
automático, os músculos do meu corpo retesam. — Eles fugiram, mas
coloquei homens em busca deles pelo bairro. Não podem ter ido longe.
— Estou indo para o hospital agora mesmo.
Desligo o telefone com as mãos trêmulas, deixando o escritório para
trás enquanto minha mente se concentra apenas em uma coisa: chegar até
Hadassah, garantir que ela esteja segura e fazer tudo o que for preciso para
protegê-la, depois, dar um jeito na família de merda dela.
Agora, nada mais importa além dela.
Apenas minha garota.
[13]
Mamãe em italiano.