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Universidade Federal Fluminense

Faculdade de Economia
Prof: Victor Leonardo de Araújo

Alunos: Samuel Lima Morais

Vinícius Lima Dias

1º Bloco de Questões – Data de entrega: 20/10/2020

Questão 2.

Em 1964, em meio à turbulência política que engendrou no golpe militar que levou
Castello Branco à Presidência do Brasil, a esfera econômica do país discutia os males da
hiperinflação e a redução do crescimento, com o diagnóstico de que seriam necessárias medidas
impopulares para a correção do andamento da economia nacional.

A orientação vigente – no diagnóstico do problema – era a ortodoxa: eram necessários


cortes de gastos e redução de crédito. Buscava-se nesta, todas as respostas para os problemas
estruturais brasileiros. A inflação era justificada como um problema do déficit público e excesso
de demanda, adicionava-se ainda, o excesso de moeda (ligado ao déficit público), e apontava-se
que os reajustes salariais eram, também, fonte de pressão nos preços.

O Governo Castello Branco lança, então, o PAEG – Programa de Ação Econômica do


Governo visando retomar o crescimento que havia caído nos anos 1962 e 1963, reduzir –
gradualmente – a inflação, atenuar os desequilíbrios, reduzir o desemprego e corrigir o déficit da
balança de pagamentos. O Plano inclui ainda no comércio exterior a renegociação da dívida
externa e o estímulo de entrada de capital estrangeiro. O PAEG necessitará, portanto, de dois
conjuntos de ações: (i) Um Plano de Estabilização; e (ii) Reformas Estruturais.

O Plano de Estabilização prevê uma redução gradual da inflação – de forma que a


economia sofresse menos com um impacto forte inicial, mas tivesse que endurar alguns anos
ainda de inflação elevada. A inflação seria desacelerada com taxas decrescentes de expansão
monetária, o plano traçava as metas para a inflação de 70% em 1964, 25% em 1965 e 10% em
1966 e a aplicação de “Realismo tarifário”, que permitiria os reajustes dos preços, que por anos
estavam sendo reajustados abaixo da inflação, de forma a permitir que os empresários dos
diversos setores conseguissem aumentar a margem de ganhos reais destravando investimentos.
Soma-se ainda a criação de uma Política Salarial de reajustes sem ganhos reais. A pressão
salarial era apontada pela ortodoxia como uma das causas de pressão inflacionária.

Além da estabilização, para o sucesso do projeto econômico do Governo Castello Branco,


as diretrizes apontavam para a necessidade de reformas estruturais, sendo estas reformas: (i)
tributária; (ii) financeira; e (iii) trabalhista, sendo prioritárias as duas primeiras. Havia, dentre os
intelectuais e políticos da época, a ampla percepção da necessidade de reformas nos referidos
sistemas.

O diagnóstico do sistema tributário vigente até então apontava a inexistência de


racionalidade econômica, estando caracterizado majoritariamente pelo seu viés mais
arrecadatório que racional, no sentido que os governos não se utilizavam dos impostos para
atividades regulatórias, para estimular ou não atividades econômicas, e principalmente, sem
evitar a possibilidade de uma mesma base de tributação ser objeto de múltiplos impostos.

A Reforma Tributária pretendida buscou corrigir esses problemas. Dentre as diversas


medidas tomadas na mesma destacam-se: (i) Arrecadação de impostos pela rede bancária; (ii)
extinção de diversos impostos do selo (federal) sobre profissões e diversões públicas
(municipal); (iii) criação de impostos agregados, como o ISS e o IPI, que estava na vanguarda
dos códigos tributários internacionais, extinguindo impostos como o ICM; (iv) Ampliação da
base de incidência do imposto de renda de pessoas físicas (por exemplo, incluindo ocupações
que não precisavam declarar); e (v) a criação de mecanismos de isenção à atividades que fossem
consideradas prioritárias pelo governo (como aplicações financeiras e investimentos em capitais
fixos).

A Reforma, na prática, aumentou a carga tributária e concentrou os tributos na União,


retirando de Estados e Municípios a autonomia na geração de sua própria renda. Com os entes
federativos perdendo arrecadação, criou-se o FPEM (Fundo de Participação de Estados e
Municípios), que permitia o repasse de 10% da arrecadação do imposto de renda para os estados
e municípios. O resultado, de fato, foi o aumento da arrecadação do governo federal, a
racionalização dessa arrecadação e a retirada de parte dos poderes dos estados e municípios na
geração de receitas próprias.
A segunda Reforma considerada essencial para o programa econômica Castello Branco
consistia na Reforma Financeira. O diagnóstico era de um sistema financeiro considerado
incompleto, com um mercado financeiro sem todos os segmentos perfeitamente constituídos,
principalmente no crédito de longo prazo, que acreditava-se que deveria se formar no mercado
de capitais, pelo setor privado. Além disso, os poderes de autoridade monetária estavam
compartilhados entre o Banco do Brasil (BB), que era o executor da Política da Política
Monetária, e a Superintendência da Moeda e do Crédito (SUMOC), que dava as diretrizes,
necessitando de uma centralização.

A Reforma Financeira se norteará por duas ideias principais: a primeira, a ideia do


segmento de longo prazo incompleto – financiamento até então era majoritariamente feito por
Bancos Públicos (BB e BNDE com carteiras agrícola e industrial e a Caixa Econômica voltada
para o financiamento habitacional) –, com o desafio para a incorporação desse segmento pelo
mercado de capitais privado, e, em segundo lugar, pela necessidade de garantir as condições de
execução e operacionalização da política monetária, já que o papel de autoridade monetária
dispersava-se entre o BB e a SUMOC, através da criação de um órgão centralizador, o Banco
Central.

Para execução da referida reforma, extingue-se a SUMOC, e cria-se o Banco Central


(BACEN) e o Conselho Monetário Nacional (CMN). O primeiro adquire as características de
executor da política monetária, e o segundo assume as funções normativas e reguladoras do
sistema financeiro brasileiro. Para acomodar a perda de influência do Banco do Brasil, e também
pela necessidade de utilização de estruturas já existentes no BB para a operacionalização do
BACEN, cria-se a “conta-movimento” para acomodar demandas do BB durante essa transição –
o que garantia vantagens para o Banco do Brasil, como nivelar estoques de reservas bancárias a
taxas muito baixas e diversas outras condições especiais que perduram até a década de 1980.

A intenção da equipe econômica se respalda no sistema financeiro norte-americano com


instituições diversas que atuam de forma distinta no mercado: os bancos de investimento são
intermediários na colocação de títulos, e em pequena escala como emprestadores finais. São
criadas também as financeiras (instituições não bancárias) voltadas para o financiamento direto
ao consumidor.
Além da criação do Banco Central, cria-se o Banco Nacional de Habitação (BNH),
instituição voltada para financiamento e produção de empreendimentos imobiliários. Sendo a
principal instituição de desenvolvimento urbano brasileira, na qualidade de gestor do FGTS,
criado à época, e formulação do Sistema Financeiro de Habitação (SFH).

Ademais, criam-se ferramentas para a correção monetária da dívida pública (ORTN –


Obrigações reajustáveis do Tesouro Nacional) permitindo que a dívida pública tenha
rendimentos acima da inflação e correções monetárias de dívidas de tributação, o que se alastra
para todo o sistema financeiro (como os empréstimos em bancos privados). Para estimular o
mercado financeiro privado, segundo pilar da reforma, criam-se diversas isenções tributárias para
o mercado acionário e poupadores.

No campo trabalhista, acontece a criação do FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de


Serviço), o que é considerado por muitos como a Reforma Trabalhista do governo Castello
Branco, até então, garantia-se estabilidade a um trabalhador após 10 anos de serviço. O governo
Castello Branco criou a possibilidade das firmas contratarem trabalhadores num regime no qual
ao invés da estabilidade, o trabalhador tinha uma conta no FGTS (na qual o empregador
depositava 8% do salário todos os meses), uma oneração, que em caso de demissão, seria menos
onerosa que o formato anterior. O trabalhador teria acesso aos fundos nessa conta somente em
casos específicos, dentre os quais a demissão, o que transformava o FGTS em um fundo para as
demais instituições. Na prática, o formato antigo foi se tornando residual, e os novos
trabalhadores eram contratados no novo formato. O FGTS, que era gerido pelo BNH, é a
principal mudança trabalhista do governo Castello Branco.

Assim, o governo foi acomodando-se politicamente, atendendo certas demandas de parte


da população, das elites que apoiaram a tomada de poder, e, com um sistema de financiamento
habitacional através do BNH, atenuar parte dos problemas da população.

O desempenho econômico é fraco nos dois primeiros anos (1964-1965), melhorando em


seguida (1966). Considerando uma taxa de expansão populacional acima do crescimento da
economia, a taxa de crescimento da renda per capita ainda é baixa. Com isso, ainda em 1966, o
governo segue com arrocho nas políticas fiscal e monetária, como tentativa de frear a inflação,
que continua galopante. A inflação, ainda alta em 1964, começa a cair somente nos anos
seguintes. A Política de Realismo Tarifário e do gradualismo contribui, no entanto, para que a
mesma continuasse com anos em alta, ainda acima da casa dos 20%, considerando o IGP-DI, até
1969.

As abordagens monetaristas, que atribuem a inflação à base monetária, também atribuem


a resiliência inflacionária ao ingresso de capital externo cuja contrapartida se dá no aumento da
base monetária sem esterilização do governo, por não haver o mecanismo da dívida pública
como operacionalização da política monetária. O ingresso de capital externo se convertia na
expansão da base monetária, mas não era esterilizado. A política de alinhamento automático do
governo com os EUA permitia o acesso a novas linhas de crédito, que eram importantes para a
estabilização cambial. A reforma tributária tem um resultado importante, com o crescimento total
da carga tributária (de quase 17% em relação ao PIB em 1960, para acima de 25% em 1970). O
novo código tributário entra em 1966, quando a carga estava por volta em 22% do PIB, já a
reforma financeira não logra muito sucesso em fomentar a expansão do crédito de longo prazo
pelo mercado de capitais privados. Os preços do café em alta, afrouxam a restrição externa.

Finalmente, podemos afirmar que o PAEG, como um programa econômico, obteve


sucesso. A Política Fiscal teve grande mérito em reduzir a dívida pública e ampliar impostos
(através da reforma tributária), apesar de a Política Monetária não ter grande sucesso, muito pela
opção do governo na estratégia gradualista no combate à inflação. Ainda que a inflação não
tenha sido inteiramente combatida, o PAEG conseguiu estabilizar a economia e tornou-se fator
contribuinte para o chamado “Milagre Econômico” que ocorrerá nos anos seguintes.

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