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MEC/SETEC/IF-Sul

COCIHTEC/HISTÓRIA

A AMÉRICA LATINA NO SÉCULO XIX

A análise da história da América Latina ao longo do século XIX demonstra de que


forma se deu o processo de vinculação dos países latino-americanos à ordem capitalista, ou
seja, sob nascente industrialismo.
A velha economia colonial se converteu em uma "nova ordem colonial”. Esta nova
ordem se caracterizou, até meados do século passado, pelo fim do regime de monopólio, pela
entrada de manufaturas provenientes da Inglaterra e pela perda das reservas de metais
preciosos. A partir da segunda metade do século, pode-se perceber a penetração imperialista.
Através de uma outra modalidade, ou seja, a entrada maciça da capitais estrangeiros
investidos em obras de infra-estrutura e empréstimos.
Em 1776, Adam Smith publicou" A Riqueza das Nações", uma obra clássica do
Liberalismo econômico. Smith defendia a idéia de que deveria existir uma divisão
internacional do trabalho. As nações se especializariam, produzindo determinados produtos.
Essa seria uma das premissas básicas do capitalismo no século XIX.
A Inglaterra se "especializou" na produção de artigos industrializados, seguindo, sua
"vocação" no setor. Já a América Latina se "especializou" na produção de produtos primários:
cereais e carne, no caso da Argentina e do Uruguai; fumo, açúcar, café e os demais produtos
tropicais, produzidos pela Colômbia, Brasil, México e outros países; minérios, extraídos no
Chile, Peru, Bolívia, Venezuela e México. Essa é a estrutura do novo pacto que foi imposto à
América. Ela se transformou em produtora de matérias-primas e gêneros alimentícios para os
centros da nova economia mundial e consumidora dos artigos produzidos pelas modernas
indústrias européia e norte-americana.
A ausência de tarifas protecionistas permitiu a expansão do comércio inglês e inibiu o
crescimento das manufaturas. A importação em larga escala de produtos europeus gerava
déficits constantes na balança comercial, que obrigava a contratação de empréstimos em
Londres, principalmente. Os empréstimos eram concedidos com base na expectativa de uma
futura expansão econômica dos países devedores, que logo acertariam os seus débitos.
Entretanto, novos empréstimos eram solicitados para que pudessem ser pagos os juros dos
antigos.
Como no período colonial, a comercialização e o transporte marítimo estavam sob a
responsabilidade de estrangeiros, enquanto que as atividades primárias eram reservadas aos
grupos nacionais. Ao longo do século a penetração de grupos estrangeiros foi cada vez maior
e pôde ser percebida na atividade mineradora, na expansão da rede ferroviária e no setor de
serviços.
A herança colonial se manifestou também nas estruturas fundiária e social. O
latifúndio monocultor sobreviveu às independências e continuou nas mãos de uma elite
agrária, que fazia parte da nova classe dominante, juntamente com a burguesia "crioula". Na
propriedade latifundiária persistiram as relações semi-servis.
Os negros, brancos pobres, mestiços e índios receberam a herança do trabalho
exaustivo, da miséria e da exploração. A escravidão negra, que durante o período colonial se
concentrou nas ilhas das Antilhas, Nova Espanha e Nova Granada, áreas onde se praticava a
monocultura de exportação, foi sendo abolida no continente (como exemplo pode-se citar o
México, que incorporou na sua constituição a abolição da escravidão em 1828, o Uruguai, em
1842 e a Argentina, em 1853).
Os índios, maioria absoluta da população, continuaram a trabalhar no campo e na
mineração, com o agravante da perda da posse da terra pelas comunidades indígenas. No
México, por exemplo, segundo Stanley Stein, a legislação republicana transformou
propriedades religiosas, terras públicas e comunidades indígenas em vastas extensões de
terras de propriedade privada. Desta forma foi promovida a concentração da propriedade da

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terra através da expropriação das populações indígenas, que foram convertidas em
camponeses dependentes dos latifundiários.
Devido às ligações com o capital internacional, os que mais se beneficiavam dessa
estrutura econômico-social eram os grandes proprietários de terras, comerciantes e
banqueiros, em virtude da acumulação de renda no setor exportador.
Outra característica marcante da América Latina no século XIX é o contraste entre a
cidade e o campo. Enquanto que a primeira se modernizou devido aos investimentos
estrangeiros no transporte e nos serviços, o segundo manteve a estrutura aristocrática e
hierárquica baseada na posse das grandes propriedades.
A América recebeu um grande contingente de europeus que se fixaram,
principalmente, nos Estados Unidos, Argentina, Brasil e Uruguai. O trabalho assalariado do
imigrante no campo e na cidade promoveu o desenvolvimento do mercado interno.
A vida política da América Latina foi marcada pelo caudilhismo, fenômeno político
resultante da instabilidade política e da fragmentação econômica.
Os conflitos entre as nações latino-americanas, como a Guerra do Paraguai (Brasil,
Argentina, Uruguai e Paraguai) e a Guerra do Pacífico (Peru, Bolívia e Chile) foram
provocados por disputas territoriais e pelos interesses das potências imperialistas.
Ao lado do imperialismo inglês, o imperialismo norte-americano expandiu a sua ação
na América Latina através de intervenções diretas e investimentos. A guerra contra o México,
que permitiu aos Estados Unidos anexarem o Texas, o Novo México e a Calif6rnia no [mal da
década de 40, e a intervenção na Nicarágua em 1856 comprovam o primeiro caso. Já em
relação aos investimentos, eles foram aumentando no decorrer do século XIX.

As idéias liberais e a América Latina

Como centro irradiador do sistema baseado na industrialização, a Europa influenciou


também o resto do sistema – a periferia que se rearticulava – com suas idéias. Observe como
movimento liberal repercute na America, e por extensão no Brasil, lendo o trecho seguinte:
O texto da Profª Maria Ligia analisa os projetos existentes no final da década de 1820
para a construção dos Estados latino-americanos: o liberal e o conservador. Ela nos chama a
atenção para a permanência da dominação social após a independência, ao longo do século
XIX, às vezes mais violenta, diante das necessidades impostas pelo comércio capitalista
internacional.
“As tarefas colocadas pela independência eram hercúleas, diriam os libertadores
hispano-americanos. Era preciso organizar as nações, dar forma aos Estados, fazer crescer
a economia. Ao fim da década de 1820, definiam-se dois grandes projetos para o Estado que
começava a se construir: O dos conservadores e o dos liberais. Do ponto de vista da
manutenção da ordem social, ainda que com pequenas diferenças, liberais e conservadores
convergiam. Tanto uns quanto outros se empenharam na tarefa de não permitir que os
dominados esquecessem seu "lugar" na hierarquia social.
O projeto conservador, à semelhança do que ocorreu na Europa pós-Revolução
Francesa, se apoiava fortemente na Igreja e no Exército. Era inaceitável, para eles, o
desaparecimento dos privilégios e foros especiais a que estavam submetidos. Para os
defensores do conservadorismo, os fundamentos da sociedade estavam na ordem proposta
pela Divina Providência e sustentada pela Igreja Católica. A fé, a tradição, a hierarquia
eram as justificativas únicas e plausíveis dos atos dos governantes. O sistema político ideal
era a monarquia, onde Estado e Igreja permaneceriam unidos; a educação devia ser
religiosa já que advogavam o princípio do fundamento sobrenatural da sociedade. Os
conservadores acusavam os liberais de levar, com suas idéias, o caos e a anarquia às
sociedades latino-americanas. Já na segunda metade do século XIX, um dos ideólogos do
conservadorismo colombiano, Miguel Antonio Caio, afirmava: "O liberalismo separa o
homem de Deus e o declara árbitro soberano de sua sorte. "Os liberais se opunham aos
conservadores, propondo a laicização da sociedade e do Estado: o poder emanava do povo e
era o resultado de um livre contrato entre a sociedade e seus governantes. A divindade
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passava ao largo desse contrato. Para os liberais devia-se separar o Estado da Igreja,
subordinando-a ao poder laico do Estado. A educação também devia ser leiga, abandonando
a Igreja seu lugar privilegiado nesse campo. Em alguns países da América Latina, houve um
forte embate entre setores liberais laicos e a Igreja e seus aliados conservadores, quanto aos
projetos de constituição dos Estados nacionais. Eram dois caminhos, como já vimos, que
pensavam as questões sociais, políticas e ideológicas de forma distinta. A hegemonia
ideológica da Igreja era um traço particularmente notável em vários países hispano-
americanos, como o Equador, a Colômbia, a Guatemala e o México.”
(PRADO, Maria Ligia. A Formaçâo das Nações Latino-Americanas. 2 ed., São Paulo: Atual;
Campinas: Editora da Universidade Estadual de Campinas, 1986, pp. 22-3.)

Quadro econômico e social do Brasil Império

Mais uma vez, em função da falta de tempo, restringiremos nossa análise a questão
econômica. Sabemos, no entanto, que ela decisiva para o quadro político e sociocultural que
pode ser entendido a partir dela. Quando se examina a situação econômico-financeira do
Brasil, durante o século XIX, é importante salientar a articulação existente entre o modelo
econômico, herdado do período colonial, e a nova dinâmica do capitalismo internacional que
se afirmava na Europa ocidental, em especial na Inglaterra. A independência não representou
a superação do modelo agrário-escravocrata-exportador. Pelo contrário, reforçou o poder da
própria aristocracia rural que se articula com o capital internacional como fornecedora de
"artigos de sobremesa" (café, açúcar, cacau, etc) e consumidora de produtos industrializados.
A essa situação, acrescente-se a dependência financeira que se traduz empréstimos sucessivos
junto a banqueiros ingleses.
Até por volta de 1830, a situação econômico-financeira é caótica. Assiste-se a uma
crise do modelo agrário-exportador: o açúcar enfrenta a concorrência do açúcar antilhano e a
queda de preços no mercado internacional; o algodão é incapaz de concorrer com o algodão
produzido no sul dos Estados Unidos; o tabaco, utilizado em larga escala na aquisição de
escravos na África é penalizado devido às pressões internacionais contra o tráfico. A
mineração não é nem sombra do que fora durante o século XVIII. A produção industrial
inexiste, em função dos Tratados de 1810 (renovados em 1827), da concorrência industrial
inglesa, da ausência de um efetivo mercado consumidor e de capitais disponíveis. Sem
dúvida, este quadro ca6tico aprofundou a crise política que culminou com a abdicação de D.
Pedro I, em 1831. A partir da década de 1830, gradativamente, o Brasil se reintegra nos
quadros do comércio internacional graças à emergência da economia cafeeira. Produzido, a
princípio, no Vale do Paraíba, a partir da segunda metade do século a cultura cafeeira
direciona-se, aos poucos, para o oeste paulista.
É importante destacar as transformações ocorridas a partir de meados do século XIX
na economia brasileira. Pode-se falar, inclusive, que, a partir de então, verifica-se um primeiro
momento no processo de industrialização do país. Evidentemente algo tímido, uma vez que a
estrutura escravocrata inviabilizava qualquer mudança mais significativa.
De qualquer forma, é indiscutível a existência de um "surto econômico" a partir de
1850. Quanto aos fatores responsáveis, esquematicamente, teríamos:
- fim dos Tratados de 1810, em 1843;
- Tarifas Alves Branco, de 1844, elevando as taxas alfandegárias;
- Lei Eusébio de Queirós, em 1850, proibindo o tráfico negreiro e liberando os capitais
até então aplicados no comércio de escravos, para outros setores da economia;
- início do sistema ferroviário;
- aplicação de capitais ingleses em serviços de infraestrutura (transportes, melhorias
portuárias), mineração, agricultura, atividades financeiras;
- aplicação de capitais oriundos do setor cafeeiro em outras atividades;
- início da transição do trabalho escravo para o trabalho livre, através do processo
imigratório.

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Esta modernização da economia brasileira e o "surto industrial", no entanto, não
devem nos levar a posições equivocadas. O Brasil continuava sendo uma economia
essencialmente agrário-exportadora ou, melhor dizendo, primário-exportadora.
Finalmente, deve-se ressaltar a importância da contribuição do imigrante nas
transformações que se verificaram no fim do Império. Desde 1850, com a extinção do tráfico
negreiro, iniciara-se, com o "sistema de parceria", o processo imigratório. A princípio, coube
à iniciativa privada (fazendeiros) estimular a vinda de imigrantes. No entanto, apenas a partir
de 1870, quando o governo toma a si a tarefa de subvencionar a vinda dos imigrantes
europeus, a corrente imigratória ganha fôlego. Basta lembrar que, na última década da
Monarquia (1881-90), mais de 450 mil imigrantes chegaram ao Brasil, a grande maioria
atraída pela miragem de "fazer a América". A realidade, evidentemente, era outra. Fazendas
de café do oeste paulista, num primeiro momento, e, em seguida, as fábricas que começavam
a surgir em São Paulo. De acordo com o Prof. Luiz Roberto Lopez, "conforme dados de 1901
cerca de 90% dos trabalhadores industriais de S. Paulo eram imigrantes. Assim: ao brasileiro
vítima do êxodo rural ou ao ex-escravo 'libertado' pela Lei Áurea sobraram, na cidade, apenas
as tarefas não especializadas e de baixa remuneração. É claro que semelhante quadro serve de
reforço à ideologia colonialista da 'incapacidade' do brasileiro de 'subir na vida' e 'progredir'
através do trabalho, ideologia que, freqüentemente repetida por segmentos da pequena
burguesia atual, colabora para a manutenção de um sistema de dominação social."(LOPEZ,
op. cit., p. 77.)

Bibliografia:
“MARQUES, ADHEMAR MARTINS & BERUTTI, FLAVIO COSTA. HISTÓRIA
(Segundo Grau). Volume I. LÊ.SP. 1989.”

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