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um breve conselho do tempo

escuta o vento quando a vida pausa


vê as águas brilhando com o Sol
repara que nem tudo é o que parece ser
que a ilusão é uma armadilha humana
que quando teus pés já não aguentarem mais o caminho
é a hora de permitir que ele passe a fazer parte de ti
com a poeira da terra entrando pelas tuas narinas
e te fazendo personagem dos teus desígnios
nota que as pessoas sorriem quando estão tristes
e choram quando estão felizes
não porque sejam más
e sim porque são confusas
não porque não te querem
e sim porque estão lutando para libertar-se delas mesmas
e se não tiverem livres as duas mãos
jamais poderão abraçar teu corpo
não importando as justificativas que derem
lembra de procurar a essência
não a ausência
de não só sentir a temperatura da água
mas de mergulhar
de se acostumar com a fluidez não só do que há em ti
mas também do que te envolve e até te atravessa
para que teu amor não se torne angústia
e tuas noites não invadam insones os dias
em que tuas pernas devem se mover
e avançar pelas estradas.
mulher vivendo no passado, dentro de um coração

é como acordar no meio da noite e perceber


que estão retirando tua pele em feridas vivas
fantasmas de olhar perverso conversando em outros idiomas
é como o susto de derrubar acidentalmente em si próprio
uma chaleira fervente
e receber como estigmas queimaduras em terceiro grau
que nunca se curam
chagas sempre sussurrando o tempo das antigas lágrimas
é por isso que todo o meu conforto é cobrir o corpo e a alma
deixar que nada transpareça
todas as palavras trancadas a fim de que o mínimo de segurança seja possível
não mexa no baú que mora no meu peito
eu pediria
e pediria com o olhar desesperado de quem ainda não aprendeu sequer a nascer
pediria até por tua própria segurança
que desavisado poderia tentar com as mãos estancar o sangramento
brotando em correntezas como foz do labirinto das minhas artérias

não sei proteger teu coração do abismo


embora eu esteja no fundo dele como uma morada provisória
e consiga escorregar pelas falésias
construir pontes com tocos de árvores
criar fogo com as próprias mãos durante as noites
e contar histórias que ninguém conseguiria repetir para as gerações seguintes

há quem navegue para ancorar em algum lugar


e quem navegue para afundar
caindo em uma fenda improvisada pelo universo
é dessa forma que não estou dentro de ti nem fora de ti
habito um entremundos acessível pelos teus sonhos ou a tua memória
enquanto meu corpo em carne viva transita errante
afundando e emergindo nas águas da tua consciência.
amor em modo de espera

o mundo é vasto
mas se quebra em pedacinhos quando estamos fora da estrada correta
mesmo que o correto seja uma luz que se desvanece
debaixo da primeira nuvem carregada que passa
mesmo que nas tuas mãos esteja o teu coração batendo estendido
para quem chega e sai da tua trilha
na esperança de que alguém possa dar cabo do teu sofrimento
e ninar na paz da noite as tuas lágrimas represadas dentro dele
mesmo que tua persistência abra o destino a braçadas
quando teu navio naufragou
é durante teu descanso diário que as cidades se redesenham
com novos labirintos
prédios que se erguem atrapalhando as tuas rotas
ruas conhecidas que se tornam vielas sujas sem saída
e os dias vão avançando inelutáveis nesse confuso tear
que são os sentimentos incompletos
os sorrisos não vividos
os luares não compartilhados
as histórias de infância omitidas pelo temor de parecer frágil
todos esses tesouros escondidos
por receio da queda no abismo da compreensão do outro
por esperar tanto o tiro que mal se vê o amor
que com pequeninos olhos penetrantes
observa tua respiração fazer teu peito subir e descer durante teu sono
sempre acordado lado do teu corpo exausto
esperando teu renascimento a cada amanhecer

o teu caminho se refaz a cada suspiro teu


a cada fracasso imprevisto
a cada telefonema não dado
a cada olhar verdadeiro que não encontra quem deveria encontrar
a cada chuva que cai sobre os teus telhados
e se mistura com o teu choro contido
preso entre as costelas
nada cola os fragmentos das tuas esperanças de caber em padrões
de ser outra pessoa que não tu
enquanto o teu legado repousa exatamente no mesmo canto da sala
basta levantar-te e buscar no lugar mais óbvio
no quadro de cores mais inquietantes aos olhos
na música que tua boca mais evita cantarolar
no som da voz que teus ouvidos já não esperam ouvir
no toque que a tua pele sabe como reconhecer
então teus olhos enxergarão os pequeninos olhos penetrantes
que silenciosamente sempre estiveram lá.

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