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Pontifícia Universidade Católica - São Paulo

Faculdade de Ciências Sociais


Departamento de História

Pensando A Classe Operária: Os Trabalhadores Sujeitos Ao Imaginário


Acadêmico
Maria Celia Paoli, Eder Sáder, Vera da Silva Telles

MBA-2 2019
Maria do Rosario da Cunha Peixoto
Tendências da Historiografia Brasileira
Carolina Gonçalves Mazzio Pereira RA00224054
Maria Celia Paoli, Eder Sáder e Vera da Silva Telles, autores do artigo
“Pensando A Classe Operária: Os Trabalhadores Sujeitos Ao Imaginário
Acadêmico”, publicado em 1983 na Revista Brasileira de História, viveram um
período em que o movimento intelectual tinha em vista a revisão histórica, buscando
as raízes do presente, invisíveis nas formas passadas de representação social.
Nesse contexto, pretenderam examinar os modos de construção da imagem dos
operários nas ciências sociais do Brasil, pensando a representação intelectual sobre
os trabalhadores como construída numa dada sociedade, num dado momento de
sua história.
Para tanto, o primeiro passo foi analisar o conjunto de obras anteriores ao
trabalho em questão, que definia os trabalhadores como subordinados ao Estado
graças a determinações estruturais da industrialização brasileira - o que seria a
problemática da pesquisa. A partir do entendimento que prevalecia sobre a classe
trabalhadora, os autores pretenderam qualificar e compreender como se deu a
ruptura com tal noção para então surgir a ideia de que as práticas dos trabalhadores
eram dotadas de sentido, peso político e significado histórico na dinâmica da
sociedade, conferindo-lhes papel de sujeito em detrimento ao de submisso e
secundário.
Os escritores, então, seguem a discutir temas como os desajustamentos dos
trabalhadores na sociedade industrial, a falta de consciência de classe do
proletariado e o estabelecimento de um sindicalismo operário controlado pelo
Estado. Assuntos estes que, ao iniciar da década de 1960, tornaram-se objeto de
reflexão sistemática no Brasil, junto à classe operária em si. Importante ressaltar
que até então, a imagem do proletariado nas ciências sociais era somente de
agregado amorfo - nas vertentes dos pensamentos autoritários e nacionalistas - ou
como derivação abstrata de uma filosofia da história - na vertente da produção
comunista local.
A década de 1950 representou uma preocupação com a modernidade,
atrelada à noção de passagem do mundo rural tradicional para o urbano-industrial.
Isso logo se transformou em uma preocupação com as forças sociais em
crescimento na industrialização brasileira. Aí entra a presença operária, sendo ao
mesmo tempo decisiva e subalterna. A reflexão sobre a classe operária considerou
a montagem de uma questão referida, comparativamente, à experiência dos países
de industrialização clássica, o que significava, além de tudo, defrontar-se com o
marxismo. É deste debate montado aos fins dos anos 50 que se constituirá o
modelo de análise dominante até fins dos anos 70.
O primeiro estudo deste modelo foi de Juarez Rubens Brandão Lopes, que
publicou seus estudo na década de 60. Procurou conhecer o modo de ajustamento
dos trabalhadores em relações de trabalho organizadas racional e
empresarialmente, deparando-se com migrantes rurais urbanizados, cujo vínculo
com a fábrica era precário. “No interior do processo de trabalho, os operários não
desenvolviam organização e comunicação informal grupal, não havendo entre eles
lideranças claramente estabelecidas” [PAOLI; SADER; TELLES, p.136]. Além disso,
o sindicato era algo sentido como feito pelo Estado, e não organizado pelo próprio
proletariado. A partir desse cenário, Juarez introduziu a classe operária em
negativo, pela perspectiva individualista que atribuiu aos trabalhadores, porque para
ele, “em vez de classe, temos apenas uma assimilação precária de contingentes
rurais à ordem fabril, e isto se deve a esta justaposição de camadas do passado e
do presente num momento de transição da sociedade brasileira” [PAOLI; SADER;
TELLES, p.136].
O autor Fernando Henrique, também escritor dos anos 1960, propôs-se a
explicar a ausência de uma atuação adequada à situação de classe operária. Para
tal, identificou, primeiramente, o cenário correspondente ao período da Primeira
República, onde faltou uma industrialização poderosa e homogeneizadora das
relações sociais. Em seguida, observou que durante os anos 30/40, faltou liberdade
sindical para propor a questão política que a continuidade do ciclo industrial
propunha virtualmente. E por fim, nos anos 50, faltaram valores industriais para
trabalhadores que não têm tradição de classe para fundar comportamentos
autenticamente proletários. A partir dessa análise, os autores do artigo notaram que
Fernando Henrique enxergava a classe operária como sem efeito real e sem
consciência de seus interesses, sendo apenas algo em potência, o que somou essa
visão à problemática estudada.
Na mesma época, Alain Touraine apresentou certa originalidade ao rever a
imagem dos limites dados à classe operária brasileira pela sua condição de
imigrantes rurais. De modo geral, para ele, “a classe operária brasileira em
formação é determinada mais por sua posição numa sociedade nacional em crise e
crescimento do que por sua situação de classe propriamente dita”. Assim, mesmo
que houvesse “tentativa de qualificar uma ação política de classe e de pensar a
presença dos trabalhadores como algo real e próprio à industrialização, Touraine
não escapa da imagem de uma classe subordinada inteiramente a movimentos que
não lhe são próprios: mais uma vez, ela é reflexo do que acontece na sociedade, e,
tal como esta, suas fraquezas e potencialidades estão em formação, em crise e em
crescimento” [PAOLI; SADER; TELLES, p.138].
Por fim, a forma mais acabada do modelo que exibia o paradigma da classe
operária como sem lugar na transformação social e política do país foi produzida
pela obra de Leôncio Martins Rodrigues, em fins da década de 60 e início dos anos
70. Para ele, o proletariado sofria enorme influência do campo e a sua experiência
de trabalho foi feita sob alta instabilidade profissional, devido ao baixo nível
educacional e salarial dos operários. De maneira geral, os trabalhadores
valorizavam um bom emprego, numa boa empresa - o que confere uma perspectiva
individualista em detrimento de uma perspectiva de classe, havendo ausência de
qualquer projeto coletivo. Além disso, na visão de Leôncio, não havia qualquer
esforço sério em conseguir maior autonomia com relação à questão da organização
sindical, levando à incapacidade e dependência política das lideranças.
É importante, no entanto, entender que há algo mais que unifica os autores
citados acima, além da imagem substantiva de uma classe submissa e secundária
no desenrolar da história brasileira: “a classe operária não é mais circunstancial à
história do século XX, nem sua dinâmica aparece como derivada das elites desta
sociedade (como aparecia no pensamento autoritário - de todas as matrizes -
anterior)” [PAOLI; SADER; TELLES, p.141]. A imagem de classe em negativo não
significa mais um desconhecimento de sua existência política ou de sua
importância.
Finalmente, os autores seguem a explicar os sinais da ruptura com esse
paradigma, durante os anos que seguem o golpe militar de 1964, momento em que
a sociedade brasileira parecia revelar a face perversa da modernização capitalista
dos anos anteriores. Desemprego, pobreza e marginalização que atingiam amplas
camadas das populações urbanas apareciam agora como realidades estruturais de
um capitalismo dependente incapaz de realizar plenamente as virtualidades de uma
sociedade moderna e democrática. Nesse contexto, surge o tema da marginalidade
- atrelado à teoria da dependência, bastante popular na época - evidenciando
estudos sobre as populações urbanas.
Os anos 70, contudo, representaram uma crítica acentuada a esse esquema,
havendo um profundo processo de revisão das teorias econômicas que constituíam
as análises sobre a sociedade brasileira. A teoria da marginalidade acaba por
perder seu anterior prestígio, dando espaço ao enfoque nas formas de exploração
da força de trabalho e o da lógica do capital presidindo a contínua reprodução de
formas arcaicas de produção. Nesse momento, o eixo é a expressão e resultado da
forma como se deu a realização do modo capitalista de produção no Brasil. É então
que as populações marginais passam a compor o proletariado brasileiro.
Descobre-se a matriz estrutural de um capitalismo que só podia se desenvolver
através de uma intensa exploração da força de trabalho.
O fim dos anos 60 representaram, ainda, a denúncia da fragilidade das nossas
instituições, os limites da democracia dos anos anteriores, a natureza do pacto
populista como forma de controle, cooptação e subordinação das classes populares
urbanas, além do impacto de viver sob um Estado autoritário e repressor, porém
modernizante. Surgem também os estudos sobre o autoritarismo.
“Os estudos sobre o anarquismo, sobre os sindicatos getulistas, sobre as
greves e o movimento operário no período populista pareciam indicar um esforço de
elucidação das razões de sua reiterada exclusão e derrota na história brasileira, por
onde se enunciava, ao mesmo tempo, uma reinterpretação do passado que
enfatizava a matriz corporativista, elitista e autoritária da história política brasileira.”
[PAOLI; SADER; TELLES, p.145].
Francisco Weffort, cujos trabalhos de grande relevância sobre o tema foram
publicados em 1972, significou um grande impacto no período. Foi através de
“Participação e Conflito Industrial: Contagem e Osasco, 1968” e “Sindicatos e
Política” que pela primeira vez foi posto em questão a imagem de atraso que havia
sido legada pela tradição de estudos sobre a classe operária. Weffort foi
responsável por construir uma figura atuante ao proletariado, mesmo que captada
pelas malhas institucionais, ao dar consistência política às formas alternativas de
expressão operária na conjuntura de 1968. É sobretudo uma classe que não tem
atributos negativos que limitem a mobilização espontânea coletiva em vários
momentos da história. Sua demolição de figura ausente repousa na demolição da
ideia de “determinações estruturais” que dariam feição substantiva aos
trabalhadores como classe política. Weffort, enfim, ao contrário do discurso anterior
que voltava-se para elucidar a questão do caráter da sociedade brasileira,
qualificava politicamente a ação da classe operária enquanto possibilidade de negar
o lugar subordinado que o Estado lhe impõe, pensando-a enquanto sujeito.

Esse artigo é de grande importância para o entendimento da classe operária


na sociedade brasileira, ao representar a mentalidade que a história dos
trabalhadores constituiu ao longo das décadas, a partir de fontes pertinentes e
relevantes, que, de maneira geral, representaram o imaginário desde a década de
50/60 para então abordar o rompimento dessa noção a partir dos anos 70. Os
autores o fazem de maneira didática, o que facilita o entendimento e a fluidez da
leitura e a torna interessante.
Bibliografia

PAOLI, Maria Celia; SÁDER, Eder e TELLES, Vera. 1983, Pensando a Classe
Operária: Os Trabalhadores Sujeitos ao Imaginário Acadêmico. Revista
Brasileira de História, n°6.

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