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Teresa L. Ebert
As ilusões do modernismo/pós-modernismo
Conceitos como modernismo/pós-modernismo e modernidade/pós-modernidade estão
acima de qualquer lugar de contradição: são termos que foram usados para chegar a um acordo
com a história e as mudanças no capitalismo. Parece-me que, enquanto pensarmos no
capitalismo nestes termos, continuaremos substituindo o que é basicamente um debate discursivo
por uma análise materialista. Modernidade, em outras palavras, é a junção de todas as estratégias
conceituais - desde a ciência, à pintura, à sociologia, à psicanálise - usada pelos sujeitos
modernos para se localizarem nas contradições entre trabalhador assalariado e capital. Não há
estilos (modernistas) isolados do desdobramento histórico do trabalho assalariado e do capital -
do capitalismo laissez faire ao capitalismo monopolista. Separar modernismo e pós-modernismo,
ou pós-modernismo e pós-modernidade, pode dar a ilusão de clarificação conceitual e
localização histórica, mas é eventualmente um comportamento que Marx e Engels chamam em
Ideologia Alemã de “combatendo apenas as frases deste mundo” (1976, 36) - isso é, a política
das frases. As várias formas da pós-modernidade - em Jameson, Lyotard, Butler, Zizek - são
todas contínuas tentativas de entender o capitalismo, todas baseadas em uma espécie de “rumor”
atestando que o capitalismo mudou: que ocorreu uma mudança fundamental na estrutura, uma
“ruptura” no capitalismo exigindo um novo conjunto de categorias conceituais para compreender
o impacto do capitalismo na cultura e na sociedade. Essa visão - que uma mudança estrutural
fundamental no capitalismo exige que abandonemos o modernismo/modernidade - é um tema
recorrente mesmo para escritores como Habermas, que coloca uma segunda modernidade no
lugar da pós-modernidade. Acredito que a questão não se baseia nem no estilo, nem na cultura,
porque ambos o estilo e cultura acabam por ser o resultado do que já designei como a
contradição primária do capitalismo: o conflito entre trabalhador assalariado e o capital. Parece-
me que a teoria cultural contemporânea seria capaz de substituir as categorias desgastadas de
modernidade/pós-modernidade, modernismo/pós-modernismo e seus ensaios em Habermas,
Eagleton, Jameson e Butler voltando à questão principal. E a questão principal é o capitalismo.
Em vez de postular - com base em evidências muito superficiais, como mudanças nos estilos de
gestão, ou aumento no número de pessoas que especulam no mercado financeiro, ou a
emergência de cibertecnologias - que o capitalismo mudou, é necessário retornar a uma questão
básica: no que exatamente o capitalismo mudou? O capitalismo da “modernidade” realmente foi
transformado em outro capitalismo (da pós-modernidade)? Ou o capitalismo permanece no
mesmo regime de exploração - no qual capitalistas extraem mais valia do trabalhador
assalariado? O que mudou não foi esse fator fundamental das relações de propriedade, mas a
forma como a exploração é articulada. Não foi exatamente a exploração que se transformou - e
este é o único índice da estrutura da mudança - mas sim o modo de exploração que mudou. Se
esse simples "fato" for reconhecido, todo o debate sobre modernidade/pós-modernidade,
modernismo/pós-modernismo acabará sendo simplesmente uma política de frases.
Usar os paradigmas da modernidade e da pós-modernidade para chegar a um acordo com
o que é essencialmente o desenrolar da história do capitalismo não é a conceituação mais eficaz
das questões. Dizer, por exemplo, que a China é moderna ou pós-moderna ou as "margens da
modernidade e pós-modernidade" é traduzir a história emergente da China - com toda sua imensa
complexidade, bem como suas relações complexas com a Europa e o resto da Ásia - em um
paradigma hegemônico e imperialista. Definir a China em termos de modernidade/ pós-
modernidade é marginalizar as relações dentro da China e entre a China e o resto da Ásia, senão
com o resto do mundo.
Ao tratar da questão da história e do lugar do humano na história, o fator determinante
não deve ser a modernidade/pós-modernidade, mas sim o que passa pelo moderno e o pós-
moderno e coloca o humano na história densamente estratificada e complexa. Essa relação -
entre o homem e a história - é a relação do trabalho. A questão da situacionalidade da China, a
meu ver, é respondida de maneira muito mais eficaz, não por referência à modernidade-pós-
modernidade, oeste ou leste - todos esses conceitos são notas da história, não exames dela - mas
envolvendo as modalidades de trabalho na China. A China não é marginal, mas exemplar em seu
enredamento com a história do trabalho, e é somente por meio desse enredamento que se pode
olhar para sua relação com o Ocidente. Obviamente, a história do trabalho da China tem
semelhança com a história do trabalho em outras partes do mundo, incluindo a Europa, mas ao
mesmo tempo tem sua própria temporalidade - seus próprios desníveis. Em certo sentido, estou
defendendo a deslocalização das teorias atuais da história e a construção de uma história global:
uma história que é a história de modos de trabalho (modos de produção) e, como tal, o trabalho é
a lógica global da história independentemente da especificidade do lugar no qual essa lógica se
desdobra. Tomo como meu texto aqui os escritos de Marx sobre a Índia, onde ele argumenta por
uma história global e rejeita as devoções liberais sobre o local e o particular. As devoções
liberais mistificam o movimento do trabalho humano e sua formação no capitalismo por
confundir capitalismo e eurocentrismo. Eurocentrismo é apenas uma forma particular do
capitalismo imperialista e deveria ser reconhecido como tal.
Para ver/observar que o socialismo revoga as categorias de modernidade/pós-
modernidade, modernismo/pós-modernismo, é necessário examinar o capitalismo, em suas
formas mais sofisticadas e estratificadas, com as formas disponíveis do socialismo, que são -
dada a historicidade de sua emergência e as condições de sua sobrevivência - não muito
desenvolvidas e sofisticadas. Mas mesmo uma comparação superficial das instituições humanas
básicas (por exemplo, saúde, educação, segurança dos trabalhadores e cuidado infantil) em
países socialistas, como Cuba e China com instituições europeias e americanas semelhantes, irá
indicar como Cuba e China, mesmo dentro de seus recursos escassos, colocaram as necessidades
humanas acima do lucro. Esse fato - ou seja, a relação entre lucro e necessidade e que é
priorizado em uma dada sociedade - é o que define uma sociedade e todas as suas formas
culturais. Se chegarmos a esse nível de labor humano e necessidade humana, então vemos, eu
proponho, o quão irrelevantes se tornarão as categorias de modernidade/pós-modernidade ao
discutir a história humana.
Isso não significa, é claro, que os trabalhadores não possuem um papel na criação de uma ideologia
[socialista]. Eles participam, entretanto, não como trabalhadores, mas como teóricos socialistas, como
Proudhon e Weitling; em outras palavras, eles participam somente quando podem e na medida em que
podem, mais ou menos, para adquirir o conhecimento de sua época e desenvolver esse conhecimento.
Mas para que homens [e mulheres] trabalhadoras possam ter sucesso nisso com mais freqüência, todos os
esforços devem ser feitos para elevar o nível de consciência dos trabalhadores em geral; é necessário que
os trabalhadores não se limitem aos limites artificialmente restritos da "literatura para trabalhadores", mas
que aprendam em um grau crescente a ampliar a literatura geral [ou seja, a teoria]. Seria ainda mais
verdadeiro dizer "não se confinem", em vez de "não confinem a si mesmos", porque os próprios
trabalhadores desejam ler e ler tudo o que está escrito para a intelectualidade e apenas alguns (maus)
intelectuais acreditam que isso. é suficiente "para os trabalhadores" ouvirem algumas coisas sobre as
condições da fábrica e repetir continuamente o que se sabe há muito tempo. (1988, 107)
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