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A cidade que queremos:

urbanização e pandemia
Dentre tantos desafios e aprendizados que a pandemia da COVID-19, provocada
pelo vírus SARS-CoV-2, tem colocado para a sociedade está a necessidade de
repensar o modelo de urbanização, especialmente nos grandes centros urbanos.
Não é coincidência que a disseminação do vírus tem sido maior em grandes
cidades, como Wuhan, na China, com população de 11 milhões de pessoas; na
região da Lombardia, a mais populosa da Itália, onde fica Milão, centro urbano e
financeiro daquele país; Nova York, nos Estados Unidos; e, no caso do Brasil, na
cidade de São Paulo, igualmente, um dos maiores conglomerados urbanos do
planeta.

“O modelo de urbanização no qual o comércio e os serviços se concentram no


centro da cidade, enquanto áreas estritamente residenciais e os condomínios
fechados se situam na periferia, acaba acelerando a dispersão do vírus, pois
pessoas de todas as partes da cidade precisam circular diariamente pelo mesmo
local, onde trabalham, estudam, vão ao médico e fazem compras”, escreveu o
professor Wilson Ribeiro dos Santos, professor da Faculdade de Arquitetura e
Urbanismo da PUC-Campinas, em artigo elaborado em parceria com Sidney
Piocchi Bernardini e Gabriela Celani, ambos professores do Curso de Arquitetura
e Urbanismo da Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo (FEC),
da Unicamp.
Epidemias, como a da Covid-19, mostram a forte intersecção entre urbanização
e doenças infecciosas. “As epidemias, os problemas sanitários e de saúde pública
marcaram o aparecimento e o rápido desenvolvimento das grandes
cidades europeias, no final do século XVIII e especialmente nos séculos XIX e
XX”, explica Santos. Isso porque, por conta da crescente industrialização
capitalista, grandes contingentes populacionais passaram a viver nas cidades,
mas em um contexto insalubre, sem água limpa, sem saneamento básico e sem
higiene das habitações, com esgotos a céu aberto, sem comida suficiente para
alimentar a população. Essas condições propiciaram a eclosão de várias
epidemias em curtos espaços de tempo com elevadíssimos números de mortes.

“O urbanismo surge neste período como disciplina científica voltada para


enfrentar o desafio colocado pelo contínuo crescimento das novas metrópoles
visando superar as catástrofes naturais e as crises sanitárias e epidemias que se
sucediam”, afirma o professor da PUC. “Para os urbanistas, as epidemias
ocorridas nos séculos XIX e XX impulsionaram a busca de novas soluções
urbanísticas adequadas para o enfrentamento dos novos problemas urbanos
estruturais trazidos pelo avanço da produção capitalista e sua hegemonia
econômica e política na sociedade. Foram implementados, a partir da 2ª metade
do século XX, importantes planos de urbanização nas principais cidades
europeias e também no Brasil”, complementa.

Cidade policêntrica  – Assim como, no passado, epidemias impulsionaram


mudanças no desenho urbano, a pandemia de covid-19 pode impulsionar novos
modelos de cidade. “Grandes cidades, em geral com densidades demográficas
mais altas, terão que mudar em vários aspectos. Não na perspectiva de
reduzirem suas populações e sim de mudar profundamente o planejamento
urbano e territorial como o que vem se observando nesta pandemia entre nós”,
acredita Santos.
Repensar esse modelo implica equilibrar a densidade populacional nas
cidades, ao invés de concentrar usos em determinados locais, com bairros
exclusivamente residenciais, áreas comerciais, distritos industriais. Isso demanda
longos deslocamentos de grandes contingentes populacionais. Uma cidade
policêntrica, com múltiplas centralidades, em que o uso misto e a densidade
habitacional são estimulados em todo o território, é um modelo que pode tornar
mais lenta a disseminação de doenças entre indivíduos. “Isso porque há uma
redução das aglomerações, porque a maioria das pessoas não precisa se descolar
ao mesmo tempo para os mesmos lugares”, escreve Santos, no artigo citado
acima. Ainda segundo o autor, ao reduzir a necessidade de deslocamentos
longos, não apenas reduzimos a circulação dos vírus, como também fortalecemos
as comunidades e as economias locais. “São também reforçadas as relações de
vizinhança, algo extremamente importante ao lidarmos com situações como a
que estamos vivendo atualmente, na qual as pessoas mais vulneráveis, como os
idosos, podem precisar de ajuda dos vizinhos, e as entregas de produtos vindos
das redondezas são mais seguras e eficientes.”

A boa gestão pública – O coronavírus tem uma particularidade, em comparação


com outros vírus, que é a grande facilidade de contágio, agravada em centros
densamente povoados. Santos destaca, no entanto, que, no mundo e no Brasil, o
número de casos não segue um padrão único. Megacidades chinesas não
reportaram contaminação significativa, “ou os dados não foram divulgados”,
disse. Ele lembra que, atualmente, no Brasil, um dos principais polos da
pandemia é o Estado do Amazonas, um dos menos populosos e adensados, à
exceção da capital Manaus. “Será importante ver como ocorre o desempenho do
vírus no seu roteiro de interiorização do Estado de São Paulo, em que as cidades
que estão previstas como polos principais de contaminação estão em
importantes entroncamentos rodoviários. Neste sentido, parece que o vírus está
bem à vontade nos fluxos de deslocamentos e transportes de pessoas que
caracterizam também nossas grandes cidades.”
Para o professor da Faculdade de Arquitetura da PUC, a capacidade da gestão
pública, do controle e do planejamento das ações, bem como a ausência de
investimentos em infraestrutura de saúde nestas cidades (que se traduz, por
exemplo, na falta de respiradores e equipamentos básicos, como máscaras para
os profissionais de saúde) e a dimensão da desigualdade social em cada uma
delas também têm sido fatores determinantes nesse momento. Existem muitos
problemas nas grandes cidades atuais, inclusive nas brasileiras, porém se a
grande facilidade de contágio é uma característica especial do vírus, a orientação
da OMS está correta. “A instituição do isolamento social é uma das medidas de
planejamento, gestão e controle territorial mais adequadas ao que vivemos no
momento. No futuro pós-pandemia, precisaremos, como já precisávamos
anteriormente, discutir democraticamente com todos os setores que produzem e
convivem em nossas cidades os enormes problemas derivados em grande parte
da desigualdade de distribuição de renda no país para equacionarmos e
caminharmos em direção à cidade que queremos”, finaliza.

Mobilidade urbana em tempos de pandemia

Imagem aérea de Buenos Aires em quarentena. Imagem © Matias De Caro


 Escrito por Marcos Paulo Schlickmann

 13 de Abril de 2020

A pandemia COVID-19 tem sido gerida de forma diferente pelos países. No caso do


Brasil, alguns estados e municípios impuseram restrições na liberdade de circulação.
Tais medidas levaram a uma forte quebra na atividade econômica e nos volumes de
tráfego de veículos e pessoas nas cidades. O Google divulgou dados sobre a alteração
nos padrões de mobilidade e, para o caso brasileiro, há diferenças marcantes.

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Durante este período, o grande perdedor será o transporte coletivo. Boa parte de sua
demanda advém das viagens pendulares (casa-trabalho-casa e casa-ensino-casa) e, logo
que a quarentena começou, empresas de ônibus passaram a operar os horários de fim de
semana ou de férias e, algumas, simplesmente suspenderam as suas operações devido à
falta de demanda.
Esta quebra abrupta vai impactar muitos operadores, levando alguns à falência. Da
mesma forma que houve uma diminuição no volume de passageiros de transporte
público, houve também uma redução drástica no tráfego automóvel e estacionamento,
reduzindo assim a poluição do ar e sonora, a insegurança viária e o desgaste das
infraestruturas. Quem ainda precisa ir trabalhar pode aproveitar a cidade com pouco ou
nenhum trânsito e ônibus e metrôs vazios. Mas uma hora isso vai acabar e a vida vai
voltar lentamente ao normal. E como serão nossas cidades pós COVID-19?

 Artigo relacionado
Cidades vazias: fotógrafos registram o impacto do COVID-19 no
espaço urbano
Mesmo que a atividade econômica retorne ao normal, o transporte coletivo levará mais
tempo para se recuperar, pois os ônibus, trens e metrôs muito cheios são propícios para
a disseminação da doença. Os passageiros que têm outra opção de mobilidade vão
provavelmente a escolher. Nestes casos, muitos vão optar pelo carro particular, piorando
ainda mais os níveis de congestionamento de antes. Como provavelmente nenhuma
prefeitura vai adotar uma taxa de congestionamento para mitigar este potencial efeito
futuro, a solução passará por investir nas calçadas e ciclovias de modo a melhorar as
alternativas ao carro particular. E o momento ideal para se fazer isso é justamente
agora que as ruas estão vazias. 

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Cortesia de Caos Planejado
No entanto, há um problema. Durante a quarentena é impossível fazermos grandes obras
— afinal, todo mundo tem de estar em casa! O que se pode fazer agora são pequenas
intervenções para depois serem ampliadas como, por exemplo, alterações na sinalização
vertical e horizontal e a eliminação de vagas de estacionamento da rua. Algumas
cidades já estão tomando iniciativas nesse sentido: é o caso de Nova York, que pintou
ciclovias temporárias que podem vir a se tornar permanentes.

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Ruas vazias em Milão. Foto de Mick De Paola, via Unsplash
Além dessas medidas, outro grande benefício desse experimento social será comprovar
a viabilidade (ou não) do home office/tele-trabalho. Inúmeras empresas continuam a
operar à distância: o tráfego saiu das ruas e passou para as redes de internet. Só daqui
alguns meses as empresas poderão efetivamente medir os ganhos ou perdas de
produtividade desse novo sistema de trabalho. No entanto, elas provavelmente chegarão
a conclusão de que o home office não é um bicho de sete cabeças e que, um ou outro
dia, não há problema em alguns funcionários trabalhem de casa. O home office já existe
há muito tempo, mas nunca foi verdadeiramente abraçado pelas pequenas e médias
empresas. Talvez agora seja uma oportunidade de rever isso. No fim das contas, as
cidades iam se beneficiar muito com a redução na demanda de viagens nas horas de
pico.

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