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Pós-Moderno

Patricio Dugnani1

-“ S

dez atores. Desde 1963 a série teve apenas uma pausa entre 1989 e 2005, entrando para o livro dos
-

O que poderia, então, manter, depois de tantos anos, o interesse nessa série?
Lembrando que vivemos em um momento onde o imediato, o consumo rápido, a velocidade
-

acostumada a um discurso médio, feito para para um ser humano médio, ainda mantém interesse por
um produto tão velho, por uma série tão antiga?
Uma hipótese que levanta-se para entender essa resistência de uma série, é a identidade que

como pós-moderno, vivendo na pós-modernidade.


Nesse texto, será utilizado para análise, os dois primeiros episódios, da primeira temporada de
2005, quando o seriado volta a ser exibido depois de 1988, momento que o seriado Doutor Who dei-

utilizados para análise. Investigaremos de maneira comparativa, principalmente focando os diálogos,


e interpretando-os perante a teoria.

Professor de Artes do Colégio Giordano Bruno


E-mail: patricio@mackenzie.br
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Doutor Who

Quem é o Doutor Who? No seriado, Doutor Who era o último de sua espécie, um Senhor do

pode ser percebido no diálogo entre ele e Jabe, uma espécie de alienígena meio árvore e meio huma-
na, que aparece no segundo episódio da série, a partir de 2005, O Fim do Mundo.
Qual é o verdadeiro nome dele?
Ninguém sabe, como ele diria: “Só o doutor”.
De maneira persistente, em diversos episódios, essa é uma pergunta recorrente, que sempre é
repetida diversas vezes, e respondida de maneira irônica todas as vezes, criando um clima de humor
para a série. Veja, por exemplo, no primeiro episódio da série, desde 2005, Rose, quando a nova
acompanhante do Doutor Who, tenta desvendar o mistério do nome da personagem.

-
-
- Já disse, o Doutor.
- Mas Doutor o que?
-

Contudo, nesse episódio, Rose, não se contentando com a resposta, ainda insisti e quer saber
mais sobre o Doutor Who. Então de maneira mais dramática, ele se apresenta, ainda deixando as la-
cunas sem resposta.
Mesmo depois desse pedido Rose não se afastou do Doutor Who e acabou se tornando a
acompanhante da personagem durante algumas temporadas. Essa é uma das características da série,
sempre é eleito alguma personagem para acompanhar as aventuras do Doutor Who. Em 2005, Rose
aparece no primeiro episódio, e vai ser interpretada pela atriz Billie Piper, enquanto o Doutor Who
será interpretado por Christopher Eccleston.
Com todas essas dúvidas, Rose ainda tenta descobrir mais sobre o Doutor, e aos poucos come-

insisti para descobrir mais sobre o misterioso viajante, mas ainda não consegue muitas respostas.

para compreender um pouco mais quem é o Doutor Who.

discutir mais à frente. O Doutor Who, como um senhor do Tempo, é capaz de se regenerar, e a cada

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temporada, ele retorna com uma nova aparência. Percebe-se isso, no episódio Rose, quando o Doutor
olha para o espelho, e de maneira irônica e bem humorada diz: “- Podia ser pior. Veja essas orelhas

Ele estava falando de sua nova aparência, e criticando o tamanho das orelhas. Essa capacidade

a mesma personagem.
Finalmente, mais um mistério do Doutor Who, não é o último, mas para essa análise, será

rapidamente, também no tempo? E a resposta é a TARDIS: Time And Relative Dimension In Space

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DIS também pode tomar diversas formas, de acordo com o local e época que aparece, contudo, a

uma cabine telefônica dos anos 50, da polícia britânica. Outro mistério da TARDIS, é que ela parece
menor por fora, o que causa espanto a qualquer um que entra nela a primeira vez.
Bem, esse é o Doutor Who, que se revela lentamente pelos episódios de seu longo, haja vista,
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próximos capítulos.

Foi em seu livro A Identidade Cultural na Pós-modernidade -

tipo de sujeito, já não tem características tão perenes, mas que se transforma, se adapta de maneira
mais rápida, mediante também, o fato do mundo contemporâneo ser muito mais mutável. Devido a

celebração móvel

Os sujeitos pós-moderno poderiam ser descritos através de um certo relativismo nos para-

causando incertezas no campo simbólico.

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Esse processo produz o sujeito pós-moderno, conceptualizado como não tendo uma identida-

biologicamente. O sujeito assume identidades diferentes em diferentes momentos, identidades


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O mundo do sujeito pós-moderno se apresenta dominado por instabilidades políticas, por

moral, a ética e a expressão estética. O fato é que a união de multiplicidades e a complexidade que

constante de incerteza, essa incerteza acaba por elevar a necessidade de “curtir” o momento, sentir
prazer constantemente, antes que acabe, e essa é a busca do humano na contemporaneidade, saciar os

entender que o indivíduo é mais importante que o coletivo, o que também interfere com a nossa visão

a aparência que a essência. Ou seja, o sujeito pós moderno valoriza muito a beleza da superfície, a
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O sujeito pós-moderno é vaidoso, e preocupado com a aparência, e as indústrias de cosméticos, ou


clínicas de cirurgias plásticas, lucram muito com essa atitude.
Com tudo isso, o sujeito pós-moderno, sendo individualista, hedonista e vaidoso, e tendo o

como disse Hall, uma “celebração móvel Hall


reeditadas constantemente, são representados no episódio O Fim do Mundo, por um dos grupos de
alienígenas visitantes denominados “os aderentes do Meme Repetido”, como apresentamos no início

comportamento. O sujeito da pós-modernidade, por causa da internet e dos meios digitais, recebem

Hall considera a identidade desse sujeito móvel.


Esse grupo de alienígenas representa esse movimento constante de ideias rápidas que diaria-
mente invadem os meios digitais, constituindo o imaginário do sujeito da pós-modernidade, pois são

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parecia certo, era incerto, o que parecia real, era virtual. Essas são as incertezas que tem de conviver
o sujeito pós-moderno.

Outra característica presente no sujeito pós-moderno e na personagem do Doutor Who é o

Mesmo a acompanhante, Rose Tyler, parece estar confusa, vivendo esse realidade de incerte-

da Terra, no episódio O Final do Mundo.


A mesma incerteza é revigorada por um certo individualismo, onde no episódio Rose, ao mes-

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-moderno, pois como valoriza a aparência, e o individualismo, boa parte de seu prazer consiste em ser
admirado, tornar-se um objeto espetacular. O espetáculo, para uma sociedade de mercado, segundo
Guy Debord “é o momento que a mercadoria ocupou totalmente a vida social

No episódio Rose, uma entidade de plástico pretende substituir os seres humanos, por mane-
quins feitos de plástico. Seres ideais, que povoam as nossas vitrines e se vestem com os objetos que
desejamos. Esse discurso parece a própria questão da sociedade de consumo, onde o humano vai se
tornando mercadoria, e só assim é que esse sujeito pode se considerar pleno, como descreve Bauman

Nesse episódio o namorado de Rose é substituído por um manequim idêntico, e apenas não
foi destruído, pois a entidade de plástico parecia querer manter o original, para fazer mais cópias
se necessário. O ser humano descartável, sendo substituído por material descartável, pura ironia: “-

O espetáculo é o ápice das experiências do humano contemporâneo, e assim o espetáculo é


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extremamente valorizado no episódio O Final do mundo, pois somente os “bons e os melhores” ou

Apenas por diversão: esse é o paradoxo cruel de nossa sociedade de consumo, não importa os
humanos, ou o coletivo, tudo termina na razão imediatista da mercadoria, do consumo, do espetáculo,
e do indivíduo.
Para Louis Pacheco Kodo, em seu livro O Gozo Pós-moderno, o sujeito da contemporaneida-

dos acontecimentos, sem se preocupar com as estruturas que forjaram o fato.

e se abre para aparecer e para brilhar no acontecimento, segundo o que este lhe apresenta.

O mais estranho nesse nosso debate, é que somos capazes de censurar a atitude dos persona-

somos incapazes de perceber que imitamos esse gesto diariamente em nossos espetáculos diários que
são apresentados nas TVs, rádios, internet, ou ao vivo, nas lutas violentas dos novos gladiadores da

Gilles Lipovetsky, e Jean Serroy, “nada escapa das malhas da imagem e do divertimento, e tudo o que
é espetáculo se cruza com o imperativo comercial
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rência, e o prazer que o sujeito pós-moderno tem em se sentir admirável, pois em sua individualidade,
sentir-se especial é um discurso muito utilizado para convencer os outros. Para o sujeito pós-moder-
no, segundo Kodo, a “única coisa que há é a superfície

da terra.
Com toda a pompa e circunstância Lady Cassandra adentra o recinto. Mas quem é Lady

profundidade. Por isso ela adentra o recinto acompanhada por dois médicos, que borrifam hidratante
Hidratação, hidratação”.
A falta de profundidade de Lady Cassandra, está tanto em seu corpo, um pele esticada, um
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Rose acusa Lady Cassandra de, por causa de seu individualismo, e de sua vaidade, de ter perdido a
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os indivíduos biológicos, em seres humanos sociais, é a convivência entre esses seres em sociedade.

os indivíduos, preocupados demais, exclusivamente, com a sua existência, ou seja, o individualismo


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torna descartável, desprezível. E essa é a conclusão desse episódio, pois, durante a narrativa, alguém

Lady Cassandra que havia planejado a sabotagem. Mas se ela era a homenageada, por que sabotar a
esse momento? Ora, qual a coisa mais importante em uma sociedade de mercado? Óbvio, dinheiro.
-
cia, de sua juventude, de sua beleza. Lady Francisco arriscou a vida de todos para ganhar dinheiro, ou

se apresenta, em um diálogo com Rose, como sendo, o último ser humano puro vivo, pois os outros se

contemporaneidade, na pós-modernidade.

ganha destaque na contemporaneidade.

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duos, mais importa é sentir, principalmente o prazer, do que conviver com os outros e suas contradi-

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lacro. Sendo assim, o valor de uso dos objetos, é substituído pelo valor agregado, por exemplo, na

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seria perfeitamente homogeneizada, colocada em números, “operacionalizada”, substitui a
outra porque ela é perfeita, controlável e não-contraditória. Por conseguinte, como ela é mais

com que o ser humano se afaste do coletivo, também, pois mais importante que o coletivo, vale o
prazer do indivíduo.
No seriado do Doutor Who, no primeiro da nova temporada, de 2005, Rose, a personagem

entre o namorado, a família, e as aventuras que poderia experimentar. Veja como o discurso do prazer
pode ir... a qualquer

Essa angústia de Rose e a dúvida, entre a promessa de liberdade do momento e a estabilidade


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não tem expectativas de um futuro melhor, por isso essa busca do presente, das experiências, das

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riência imediatas pela falta de “futuro” e pela busca em ser espetacular, admirável, pois traz consigo
Medalha de Bronze”, momento que cria sua identidade, e que a distingue do grupo
médio.
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rar à terra, sem se apegar a ninguém, a nenhum lugar. Esse é o Doutor Who, e seu mundo, um sujeito
que se transforma, que muda sua aparência, que resiste à morte, e que não se apega aos lugares,
apenas às experiências, e, ainda, tem a desculpa perfeita, ele faz tudo isso, para salvar a humanidade:
egoísmo com invólucro de nobreza. Esse é o “regime hiperindividualista” que Lipovetsky e Serroy

novo real.

O regime hiperindividualista de consumo que se expande é menos estatutário do que expe-


riencial, hedonista, emocional, em outras palavras, estético: o que importa agora é sentir, viver
momentos de prazer, de descoberta ou de evasão, não estar em conformidade com códigos de

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dade, e é facilmente incorporada no seriado do Doutor Who, é a intertextualidade.

outras origens. De acordo com a teoria da intertextualidade um texto, não necessariamente verbal, é
feito de escrituras múltiplas, oriundas de várias culturas em diálogo entre si. Um texto não é só for-

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expressão estética da pós-modernidade é comumente formada por inúmeras intertextualidades. Na
expressão pós-moderna é comum o cruzamento de referencias culturais e temporais. A mistura de
estilos, materiais, referências culturais povoam o imaginário contemporâneo. Ou seja, a mistura de
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etc.
Essas misturas de estilos, culturas e tempos, ganha um forte aliado nos meios digitais, e na
internet, que possibilita misturar, resgatar, citar e parodiar, de maneira rápida. Através desses meios

qualidade expressiva, de identidade com os sujeitos pós-modernos.


Para o seriado Doutor Who, essa estratégia de intertextualidade, mais do que um estilo, é algo

seu formato é de um objeto da década de 50, uma cabine telefônica da polícia. Esse objeto antigo, que

tipo de intertextualidade. No seriado esse tipo de cruzamento é comum. E esse cruzamento de culturas

irônica, que acaba sendo lúdica, bem humorada. O humor irônico é uma característica da pós-moder-

Cassandra, a qual ela chama, de maneira irônica, de Michael Jackson, fazendo uma alusão a inúmeras
plásticas feitas pelo cantor.

acompanhava, sobre o fato. É um incrível sistema de ar-condicionado. Bom e antigo. Devem chamar

Essa intertextualidade é uma constante no episódio, e Lady Cassandra é um ponto de conver-


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vada nos anos 80, pelo grupo musical Soft Cell, Tainted Love, além de um ovo de avestruz, ave que
ela descreve como tendo grandes asas, e que soltava fogo pelo bico.

Terra, ela sugeri uma balada antiga para representar o momento. A balada antiga era Toxic, de Britney
Spears, uma música, que para nós, não é tão antiga.
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aparência, o hedonismo, a identidade complexa e múltipla, são características comuns ao seriado e

mesmas. Doutor Who permaneceu vivo, pois foi capaz de se adaptar à linguagem mutável da pós-mo-

Considerações Finais

não somente dos seres humanos se comunicarem, mas também, em seu comportamento. Entendendo
-

cultura, sua ideologia, sua identidade se tornarão mais mutáveis, quanto mais rápidos forem os meios

- “máquina

-
-

consideravam verdades. As verdades na pós-modernidades são mais instantâneas e imediatas. Logo


esse ser humano acaba por não esperar nada do futuro, apenas a viver o presente, sentir o prazer,
consumir o instante, como se nada pudesse esperar do amanhã. Para sentir prazer, esse ser humano
de uma sociedade de consumo, precisa, obviamente, consumir. Seu prazer está em sentir prazer, em
consumir. Dessa forma precisa de produtos, que vão se tornando cada vez mais virtuais, experiências.
Esse humano contemporâneo não espera nada do concreto, mas do objeto virtualizado, muitas vezes
em experiências. Experimentar, sentir, buscar o prazer: essas são constantes para o sujeito pós-moder-

nos episódios analisados.


O seriado mais longo da história, parece estar sempre atento às características de seu cotidia-

sua audiência, e essa parece ser a grande receita de sua durabilidade: assim como o sujeito da pós-

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a conviver com as incertezas, o que pode ser considerado uma metáfora de nossa identidade cultural
da pós-modernidade.

A Vida para o Consumo. Rio de Janeiro: Zahar.

O Rumor da Língua. São Paulo: Martins Fontes.

Senhas. São Paulo: DIFEL.

A Sociedade do espetáculo. Rio de Janeiro: Contraponto.

A Identidade Cultural na Pós-Modernidade

O Gozo Pós-Moderno. São Paulo. Zouk.

A Condição Pós-moderna. Rio de Janeiro: José Olympio.

A Estetização do Mundo: Viver na Era do Capitalismo Artista.


São Paulo: Companhia das Letras.

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