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Linguagem

Identidade Esboço para um Método tações humanas no período Paleolítico (30.000 a.C.), sempre esteve

intimamente relacionada à representação. Essa representação, por


Sociedade
Estudos sobre a Mídia
Híbrido de Análise de Imagem sua vez, estava vinculada, principalmente, ou à observação da na-

tureza e consequente reprodução dessa visão, ou à representação


p atRicio D ugnani [1]
de conceitos abstratos, sentimentos, histórias através de desenhos,

esculturas e pinturas baseadas na própria natureza. É somente com


ESTUDOS SOBRE
o advento da arte moderna e o desenvolvimento do abstracionismo,
AS MÍDIAS
no início do século XX, que a arte e as formas de representação e
diferentes reflexões e diálogos
o desenvolvimento estético humano se debruçam sobre uma ques-

RESUMO tão fundamental: a arte é capaz de comunicar através de suas for-

Pretende-se desenvolver um método de análise iconológica e mas, cores, composição, etc; ou seja, a plasticidade da arte e das

semiótica que seja iniciada a partir das qualidades visuais do objeto, representações imagéticas, deve ter uma independência em relação

as relações analógicas, a redundância e repetição de signos, seus à comunicação verbal. Logo, se a imagem não é subordinada ao tex-

processos retóricos (principalmente os processos metafóricos e me- to, ela pode desenvolver uma “gramática”, uma “sintaxe” visual, um

tonímicos), e sua construção espacial, dando mais independência à processo de “códigos” particulares e independentes do imperativo da

comunicação visual em relação à comunicação verbal e sua constru- palavra. Pensando semiologicamente, deve haver uma relação entre

ção cognitiva de causa e efeito. A partir da necessidade de analisar imagem e conceito, entre significante e significado diferentes nos pro-

a imagem de maneira mais independente da linguagem verbal, pre- cessos verbais e dos icônicos.

tende-se desenvolver um método mais assentado na observação de Dessa forma, como já se desenvolveu um largo debate sobre

qualidades e plasticidade da imagem, nas relações analógicas e na a construção e organização da linguagem verbal, pretende-se com

construção através da herança de modelos já instaurados em nosso esse trabalho desenvolver uma reflexão, que ainda parece carecer de

imaginário. maior debate: a “leitura” e construção de significado da imagem[2]. É

PALAVRAS-CHAVE: Imagem, Iconologia, Método de Análise, [2] uma “leitura” da imagem – a partir desse momento pretende-
se evitar a palavra leitura, quando se referir à imagem, pois é preciso
Semiótica encontrar outro conceito para renomear esse processo, pois até na
metodologia dessa análise acabamos por vincular a imagem à palavra,
tornando-a dependente, como uma foto com legenda. Isso se dá, pois boa
parte dos processos de “leitura” de imagem e de seus significados nasce
Introdução dos estudos semiológicos, e semânticos que são originários dos estudos da
lingüística moderna, principalmente de Ferdinand Saussure, dessa forma,
A construção da imagem, desde as suas primeiras manifes- a construção dessa teoria, se dá a partir da organização verbal. Palavras
como “sintaxe”, “leitura”, “discurso”, “texto” (para se referir à imagem,
[1] Patricio Dugnani, Doutor em Comunicação e Semiótica, Universidade serão evitados, ou assinalados com aspas, para afirmar a necessidade de
Sumário Presbiteriana Mackenzie criação de uma nova nomenclatura para análise de imagens.
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Linguagem preciso desenvolver uma observação da imagem com um foco mais Análise dos Métodos
Identidade
plástico e menos vinculado à representação verbal e entender que Para iniciarmos o desenvolvimento de análise da imagem mais
Sociedade
Estudos sobre a Mídia a construção imagética pode desenvolver um processo de constru- independente da linguagem verbal, deverá se partir de um método de

ção particular de significados, por isso é preciso também reformular análise da herança simbólica da constituição da imagem, referente

o processo de como analisar as imagens, principalmente levando em à pesquisa efetuada durante o mestrado - A Herança Simbólica dos

consideração que, sendo signos – ícones e qualisignos - eles tem um Azulejos do Claustro da Igreja de São Francisco da Bahia - e publi-
ESTUDOS SOBRE
processo de construção muito mais fundamentada na analogia que cada pela editora Mackenzie com o título: A Herança Simbólica na
AS MÍDIAS
na contigüidade, esta última, construção típica dos signos verbais. Azulejaria Barroca: os Painéis do Claustro da Igreja de São Francisco
diferentes reflexões e diálogos
Pretende-se desenvolver um método de análise iconológica da Bahia (2012).

e semiótica que seja iniciada a partir das qualidades visuais do ob- Essa análise, como dito anteriormente, buscava entender

jeto, as relações analógicas, a redundância e repetição de signos, como se deu constituição das imagens que povoam os painéis de

seus processos retóricos (principalmente os processos metafóricos e azulejos assentados no século XVIII, no claustro da Igreja de São

metonímicos), e sua construção espacial, dando mais independência Francisco, localizada em Salvador. Essas imagens apresentavam re-

à comunicação visual em relação à comunicação verbal e sua cons- ferências pagãs (mitológicas e herméticas) em pleno coração de uma

trução cognitiva de causa e efeito. Para desenvolver essa analise, igreja católica. Após a pesquisa, verificou-se que essas imagens eram

utilizar-se-á como objeto de pesquisa o imaginário nos novos meios herdadas de gravuras feitas por um holandês – Otto Van Veen – que

digitais de comunicação, focando a publicidade na internet, devido constituíam um livro denominado Theatro Moral de La Vida Humana.

seu alto potencial poético e intencional. Dessa forma pode-se verificar Aprofundando a pesquisa, verificou-se, também, que essas imagens

como se desenvolve as relações de significado através das imagens do artista holandês tinham influência, principalmente, da tendência

nesses meios e refletir sobre as influências que a produção e utiliza- renascentista conhecida por academia neoplatônica no livro de re-

ção de comunicação visual, em escala e divulgação global nos sites, ferências de imagens chamado Iconologia (1593) de Cesário Ripa

ou blogs, interferem na construção do imaginário do sujeito pós-mo- e nas imagens que povoavam os tratados alquímicos das ciências

derno. herméticas.

Portanto, a partir da necessidade de analisar a imagem de Além disso, propõe-se um método híbrido de análise de ima-

maneira mais independente da linguagem verbal, pretende-se de- gem, baseado nos estudos da Iconologia de Erwin Panofsky, dos es-

senvolver um método mais assentado na observação de qualidades tudos da semiologia de Barthes, da semiótica peirceana, e da semió-

e plasticidade da imagem, nas relações analógicas e na construção tica discursiva de Greimás, focando principalmente a semiótica visual

através da herança de modelos já instaurados em nosso imaginário. de Antonio Vicente Pietroforte (2007).
Sumário 322
Linguagem A escolha da semiótica peirceana e da iconologia de Panofsky Panofsky dividiu a sua análise em três níveis de significados
Identidade
se deram pelo fato de esses estudos dividirem a análise das artes ou temas básicos: tema primário ou natural, tema secundário ou con-
Sociedade
Estudos sobre a Mídia visuais em três níveis de significado: significado primário ou natu- vencional (iconografia) e significado intrínseco ou conteúdo.

ral, significado secundário ou convencional e significado intrínseco Percebemos a proximidade das teorias de Peirce e Panofsky

ou conteúdo (Panofsky, p.50, 1976), separando, assim, o nível formal quando comparamos as suas estruturas. Em ambas percebemos a

ou sintático (fundamental) dos níveis semântico (narrativo e históri- predominância de um pensamento triádico, em que através de três
ESTUDOS SOBRE
co) e pragmático (discursivo). Isso nos deixa livre para analisar cada categorias criamos um mecanismo de entendimento dos fenômenos
AS MÍDIAS
um deles distintamente. Juntamente com esse método, construire- universais, sejam eles artísticos ou naturais.
diferentes reflexões e diálogos
mos com a teoria geral dos signos - a semiótica de Charles Sanders Para Peirce, “um signo ou representamen, é aquilo que, sob

Peirce - o arcabouço teórico e a estrutura de montagem do texto, certo aspecto ou modo, representa algo para alguém. Dirige-se para

concordando desse modo com Omar Calabrese, que afirma serem os alguém, isto é, cria na mente dessa pessoa, um signo equivalente,

estudos de iconologia de Panofsky, uma semiótica das artes visuais ou talvez um signo mais desenvolvido” (Peirce, p.46, 1977). O signo

(Calabrese, p.41, 1987). representa um objeto em um determinado aspecto, criando um signo,

A iconologia trata do estudo dos significados das artes visuais, que por sua vez, cria outro na mente da pessoa. Esse segundo sig-

e vai “desde la identificación del tema hasta una lectura de la obra no criado a partir de um primeiro é denominado interpretante. Essa

que la liga a la complejidad de la cultura...” (Calabrese, p.36, 1987). relação triádica de signo, objeto e interpretante, permeia toda nossa

Esse método de análise das artes visuais pretende ampliar as possi- percepção dos fenômenos que se apresentam à mente.

bilidades de interpretação dos fenômenos artístico-culturais. A inter- Peirce elegeu três faculdades necessárias ao homem para a

pretação iconológica exige o estudo de conceitos específicos retira- observação e compreensão dos fenômenos. As três faculdades são

dos de fontes literárias. São documentos necessários para direcionar a contemplação, a distinção e o julgamento. A partir dessas três fa-

a escolha e a apresentação dos motivos, bem como a produção e a culdades chegamos às categorias que foram denominadas primeira-

interpretação das imagens, histórias e alegorias. Esses fatores darão mente como qualidade, relação e representação, substituídas poste-

sentido às composições formais e aos processos técnicos utilizados. riormente por qualidade, reação e mediação. Finalmente, as três ca-

Porém é preciso estar atento para que a subjetividade não domine a tegorias foram novamente batizadas dezoito anos depois, por Peirce,

análise, pois podemos confiar demasiado na intuição pura, interpre- de primeiridade, secundidade e terceiridade.

tando os documentos de uma maneira não objetiva, deixando-nos le- As idéias de primeiridade estão ligadas às noções de quali-

var por suposições particulares sem a devida comprovação e relação dade, possibilidade, consciência imediata. As idéias de secundidade

com a obra visual escolhida. estão ligadas às noções de existência, incompletude, ação e reação.
Sumário 323
Linguagem As idéias de terceiridade estão ligadas a noções de generalização, discursiva de Greimás nos ajudará a compreender as estratégias de
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convenção, representação, norma e lei. Percebemos, dessa manei- construção do sentido na dinâmica da enunciação dos textos.
Sociedade
Estudos sobre a Mídia ra, que a síntese é uma preocupação comum tanto a Peirce como a A amálgama desse processo se dá pela semiologia de Bar-

Panofsky. thes, pois, em seus estudos, além de analisar as estratégias de cons-

Enfim, na análise de Panofsky encontramos, na divisão dos trução de sentido, partindo do sistema dicotômico dos signos - sig-

três significados, noções semelhantes às categorias universais de nificante e significado - e da organização dos eixos sintagmáticos e
ESTUDOS SOBRE
Peirce, demonstrando, assim, a adequação do método da iconologia paradigmáticos, que unem os termos linguísticos em suas combina-
AS MÍDIAS
à semiótica peirceana. Ao que parece, o teórico alemão, baseado em ções e associações entre os signos; Barthes, em seus estudos ana-
diferentes reflexões e diálogos
um pensamento tricotômico, que poderia ser a arquitetura filosófica lisa as novas linguagens surgidas com a era da reprodutibilidade na

peirceana, construiu um sistema de análise das obras de artes visu- indústria cultural, principalmente, o que interessa a essa pesquisa, a

ais. Esse mecanismo de leitura dos significados das artes, dividido linguagem publicitária. O entrecruzamento dos níveis sintagmáticos

hierarquicamente em três categorias - a eleição das formas puras e paradigmáticos na construção e organização do nível semântico,

(qualidades das obras); relação das formas puras com os textos que além das análises de retórica da imagem são conceitos que utiliza-

possam esclarecer seus significados; e mediação das formas puras remos da semiologia, principalmente dos estudos de Roland Barthes

com a relação entre os textos utilizados para descobrir seu valor e dessa forma complementaremos o método de análise das relações

Além da semiótica peirceana e da iconologia de Panofsky, pre- entre os signos e a construção do significado da imagem.

tende-se utilizar conceitos da semiótica discursiva. Os conceitos de

semiótica discursiva que mais interessam são: a isotopia, os corre- Conclusão


dores isotópicos, a enunciação, o discurso e a fabricação de sentido. Para construção de um método de análise da imagem mais

A isotopia sendo um nível de leitura, um processo que se iden- independente da linguagem verbal, partiremos das teorias semióti-

tifica pela redundância e repetição de idéias em um texto, ou ima- cas, contudo pretende-se constituir um método híbrido, ou seja, da

gem, constrói uma leitura uniforme dos significados na formação do utilização de diferentes métodos de análise de imagem, baseadas em

sentido, e representa a porta de entrada de boa parte das análises várias tendências da semiótica e da semiologia no século XX: semió-

de imagem, pois é através das redundâncias que surgem os corre- tica peirceana, discursiva ou greimasiana, os estudos de semiologia

dores isotópicos, marcando os caminhos das relações semânticas e e análise de imagem de Roland Barthes e a semiótica visual de Pie-

pragmáticas do enunciado. Pois enquanto as análises feitas a partir troforte. A partir dessas teorias e seus métodos de análise de signos,

da semiótica peirceana e a iconologia de Panofsky nos revelam as re- discursos e imagens é que se pretende desenvolver um método pró-

lações sintáticas, semânticas e pragmáticas do discurso, a semiótica prio de análise de imagem, para liberar a comunicação visual de seu
Sumário 324
Perspectiva, 1976.
Linguagem excesso de foco analítico na linguagem e códigos verbais. Com isso
Identidade PEIRCE, C. S. Semiótica. São Paulo: Perspectiva, 1977.
pretende-se levar seu foco para a observação da construção plástica
Sociedade
Estudos sobre a Mídia da imagem, ou seja, focar nas qualidades plásticas, nos significantes PIETROFORTE, A. V. Análise do Texto Visual. São Paulo: Contexto,
2007.
e nas relações sintagmáticas desses signos, para capturar o proces-

so de construção baseada na herança paradigmática, na construção PIETROFORTE, A. V. Semiótica Visual. São Paulo: Contexto, 2007.

dessas imagens, ou seja, procurar a relação entre seleção e combi- PINTO. J. 1, 2, 3, da Semiótica. Belo Horizonte: Editora UFMG,
ESTUDOS SOBRE
nação de signos na construção do imaginário contemporâneo. 1995.
AS MÍDIAS
Para isso faremos um levantamento bibliográfico das princi- RECTOR, M. Para Ler Greimás. Rio de Janeiro: Francisco Alves,
diferentes reflexões e diálogos
pais teorias e os métodos utilizados para análise de imagem. Através 1979.

dessa análise iremos desenvolver uma síntese que deverá se confi- SAUSSURE, F. Curso de Linguística Geral. São Paulo: Cultrix, 1995.
gurar em um novo método de análise de imagens, que possa se tor- SANTAELLA, L. O que é Semiótica. São Paulo: Editora Brasiliense,
nar mais independente dos códigos verbais. Após o desenvolvimento 1983.

do método, pretende-se aplicá-lo em análises de imagens nos novos SANTAELLA, L. A Assinatura das Coisas. Rio de Janeiro: Imago,
meios de comunicação digital e verificar a sua funcionalidade e eficá- 1992.

cia. SANTAELLA, L. e NOTH, W. Imagem. São Paulo: Iluminuras, 1999.

Referências
BARTHES, R. O Óbvio e o Obtuso. Rio de Janeiro: Nova Fronteira,
1990.

BARTHES, R. Aula. São Paulo: Cultrix, 1979.

BAUER, M W. e GASKELL, G. Pesquisa Qualitativa com Texto,


Imagem e Som. Petrópolis, Vozes, 2007.

GREIMÁS, A J. e COURTÉS, J. Dicionário de Semiótica. São Paulo:


Cultrix, 1979Ó.

NOTH, W. Panorâmica da Semiótica. São Paulo: AnnaBlume, 1998.

NOTH, W. A Semiótica no Século XX. São Paulo: AnnaBlume, 1998.

PANOFSKY, E. Estudos de Iconologia. Lisboa: Estampa, 1995.

Sumário PANOFSKY, E. Significado nas Artes Visuais. São Paulo:


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