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Desenho

Material Teórico
História e Tipos de Desenho

Responsável pelo Conteúdo:


Prof. Ms. Miguel Luiz Ambrizzi

Revisão Textual:
Prof. Ms. Claudio Brites
História e Tipos de Desenho

• Introdução: Elementos Básicos e Tipos


de Desenho
• Os Materiais de Desenho por Fricção
• Os Materiais Gráficos no Decorrer da História, Suportes e Meios
• O desenho Como Registro: Observação, Memória, Cego e Gestual
(criação)

OBJETIVO DE APRENDIZADO
· Abordaremos conceitos sobre a história e os tipos de desenho, sobre
os materiais gráficos utilizados no decorrer da história, suportes e
meios. Falaremos sobre o desenho como registro e abordaremos
temas como a observação, a memória, o desenho cego e gestual
(criação), construção e desconstrução.
· Entender os aspectos relevantes da representação do desenho, o
desenvolvimento da representação por meio dos materiais utilizados
e a introdução sobre os conhecimentos de modos de fazer, conceitos
necessários para a compreensão deste início de estudo em artes e
principalmente em desenho.
Orientações de estudo
Para que o conteúdo desta Disciplina seja bem
aproveitado e haja uma maior aplicabilidade na sua
formação acadêmica e atuação profissional, siga
algumas recomendações básicas:
Conserve seu
material e local de
estudos sempre
organizados.
Aproveite as
Procure manter indicações
contato com seus de Material
colegas e tutores Complementar.
para trocar ideias!
Determine um Isso amplia a
horário fixo aprendizagem.
para estudar.

Mantenha o foco!
Evite se distrair com
as redes sociais.

Seja original!
Nunca plagie
trabalhos.

Não se esqueça
de se alimentar
Assim: e se manter
Organize seus estudos de maneira que passem a fazer parte hidratado.
da sua rotina. Por exemplo, você poderá determinar um dia e
horário fixos como o seu “momento do estudo”.

Procure se alimentar e se hidratar quando for estudar, lembre-se de que uma


alimentação saudável pode proporcionar melhor aproveitamento do estudo.

No material de cada Unidade, há leituras indicadas. Entre elas: artigos científicos, livros, vídeos e
sites para aprofundar os conhecimentos adquiridos ao longo da Unidade. Além disso, você também
encontrará sugestões de conteúdo extra no item Material Complementar, que ampliarão sua
interpretação e auxiliarão no pleno entendimento dos temas abordados.

Após o contato com o conteúdo proposto, participe dos debates mediados em fóruns de discussão,
pois irão auxiliar a verificar o quanto você absorveu de conhecimento, além de propiciar o contato
com seus colegas e tutores, o que se apresenta como rico espaço de troca de ideias e aprendizagem.
UNIDADE História e Tipos de Desenho

Contextualização
Avaliando os exemplos apresentados para a compreensão de um percurso com a
teoria e a prática do desenho, considera-se importante o olhar atento aos diferentes
caminhos e processos criativos adotados pelos artistas ao longo do tempo.

Nesta unidade, além de propormos um olhar para esse entendimento,


consideramos de fundamental importância o aprofundamento da pesquisa e o
olhar curioso para as relações que envolvem o desenho, seus processos criativos e
seus criadores.

Assim, recomenda-se assistir ao documentário All in the Mind - The Secret to Drawing:
Explor

Parte 1: https://youtu.be/9H59cVnnF9Y
Parte 2: https://youtu.be/VEz3JwCMZcQ
Parte 3: https://youtu.be/DY_t2cwJQnw
Parte 4: https://youtu.be/x4X-jWKzaaQ
Nesse documentário, o que nos interessa são os exemplos dados pelos diferentes desenhos
e produções realizadas pelos diversos artistas.

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Introdução: Elementos Básicos e Tipos
de Desenho
Ao iniciarmos um estudo sobre o desenho, podemos refletir sobre nossas próprias
experiências, por meio das quais, de uma forma mais imediata, adquirimos uma
ideia, uma imagem do que essa palavra ou conceito representa para cada um de nós.

Mesmo diante de nossas experiências com o ato de desenhar (desde as primeiras


garatujas, rabiscos, até o desenvolvimento do desenho enquanto linguagem ao
longo do tempo), é imprescindível atentarmos também para o conceito da palavra
desenho em seus diferentes significados e usos, ampliando, dessa forma, as
possibilidades de entendimento sobre a experiência existente com o desenho, sua
representação e utilização através dos tempos.

É com a garatuja, com a experimentação livre dos instrumentos para desenho


– como carvão, lápis, bastões, canetas diversas, etc. – e das formas – como linhas
distintas, pontos, etc. –, que temos a oportunidade de materializar inúmeros gestos
desde a primeira infância. A garatuja é uma expressão de desenho genuína; é
muito presente desde as fases iniciais da infância e apresenta-se com muita força,
manifestando-se como livre expressão, configurando-se como um processo inicial
de experimentação com o desenho e o ato de desenhar.

Figura 1 – Gabriel, 2 anos e 7 meses. Garatuja infantil.


Caneta hidrográfica sobre papel, 2015
Fonte: Acervo do Autor

Essa disciplina é proposta numa perspectiva do desenho não tido somente


como um meio de representação ao longo da história e como uma visualização
de um resultado, mas pretendemos propor que o aluno tenha momentos de
experimentação e se permita exercitar sua criatividade.

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UNIDADE História e Tipos de Desenho

Portanto, acreditamos que para ser um bom professor de artes é necessário


conhecer os procedimentos artísticos, utilizá-los e ter interesse pela área para que,
posteriormente, possa despertar nos alunos o envolvimento com as artes visuais.
Nesta disciplina, é preciso dedicação e exercitar a prática do desenho para que se
tenha um efetivo aproveitamento, pois se aprende a desenhar praticando.

O desenho é uma linguagem a qual usamos para expressar uma ideia, uma
imagem, um signo.

Em muitas pessoas o desenho se perde lá na infância, principalmente quando


aprende-se a ler e a escrever na escola e a realizar as operações matemáticas.
Muitos professores há décadas se preocupavam somente com esses saberes e
não se preocupavam com o pensamento, o conhecimento e a prática artística.
Infelizmente, muitos dos desenhos que fazemos quando criança e que foram
impostos como sendo o “desenho correto” por outras pessoas (familiares ou
professores) continuam em nossa memória até os dias atuais. Esses desenhos
estereotipados permanecem em nosso repertório visual e, muitas vezes, prejudicam
nosso julgamento, evocando conceitos que se perdem entre o desenho certo e o
errado, o desenho bonito e o desenho feio.

Por conta disso, muitos de nós provavelmente tenhamos a expressão através do


desenho “adormecida” lá na adolescência, por conta desses julgamentos que nos
paralisaram; mas este é o momento de recuperar o desenho perdido.

Somos rodeados por desenhos. Eles estão presentes em nossa vida tanto na
percepção de como enxergamos a natureza e o nosso mundo circundante como
também na interferência da ação do homem na natureza já existente, com criações
de formas, ocupando espaços. Observar a linha do horizonte ao longe, por exemplo,
é um bom exercício para percebermos isso. A forma como a enxergamos nos
mostra que, ao longe, na paisagem, existe uma linha no horizonte dividindo dois
elementos de força, duas superfícies constituintes dela: céu e chão (ar e terra), céu
e água (ar e líquido). Quanto maior a distância que temos da cena de uma paisagem
na natureza, mais evidente é a sensação do desenho dessa linha no espaço. Por
outro lado, relacionamo-nos, visualmente, o tempo inteiro, com outros inúmeros
contornos, frutos dos objetos que nos circundam.

Figura 2
Fonte: Wikimedia/Commons

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Figura 4 – Palácio de Cristal em Madri, Espanha
Figura 3 – Desenho arquitetônico do período – forte presença de linhas em contraste com a
de Leonardo Da Vinci, em Milão vegetação e a transparência dos vidros
Fonte: Wikimedia/Commons Fonte: Wikimedia/Commons

Figura 5 – Tronco de árvore


Fonte: Wikimedia/Commons

Podemos, com estes exemplos visuais, de uma forma geral, considerar


que assimilamos linhas, formas, volumes, texturas e suas qualidades por meio
da percepção do olhar atento – aguçando nossa cognição – e da amplitude de
informações que nos envolvem quando estamos diante de um objeto. Esse olhar
atento perante o que nos rodeia contribui muito para a percepção que resultará
tanto na realização quanto na observação de um desenho, seja ele graficamente
realizado em uma superfície plana com materiais de desenhos – como lápis,
carvão, etc. –, bem como os desenhos feitos com outros materiais e dimensões que
extrapolam o plano bidimensional ou apresentam diferentes proporções, ou seja,
o desenho no campo expandido ou o desenho tridimensional.

Pode-se afirmar que tudo é desenho. Quando vemos “o resultado final” de


um projeto, temos em sua estrutura um pensamento anterior, um desenho que
estruturou a forma que vemos – seja ela uma pintura, um mosaico, uma instalação,
uma escultura, uma planta de um desenho arquitetônico – e o seu resultado no
espaço – um site specific, etc.

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Figura 6 – Desenho da Catedral de Brasília – Oscar Niemeyer


Fonte: artinamericamagazine.com

Figura 7 – Catedral de Brasília – Oscar Niemeyer


Fonte: Wikimedia/Commons

Figura 8 – Instalação Profundidade, Regina da Silveira, 2012


Fonte: reginasilveira.com

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Considerando denominações mais imediatas, tomemos como exemplo as
referências de algumas definições da palavra desenho. Dentre elas, encontramos
esta: o ato, a ação física, motora de representar, por meio de gestos e de materiais,
de símbolos, de formatos diversos, por exemplo, ideias do universo simbólico e
criativo. Sabemos que essa delimitação não determina, definitivamente, o conceito
de desenho, mas busca elucidar e trazer uma gama de elementos que supõem
reconhecer o desenho em seus diferentes aspectos, assim como a definição
exemplifica (não deixemos de lado a ideia de que desenho também é um processo
mental, não apenas mecânico), ou ainda o desenho como projeto (Desígnio), onde
a aplicação do desenho, a intenção com o desenho, determina caminhos para a
realização do processo criativo – o projeto como propósito.

Desenho SM. (lat. designu) 1 Arte de representar objetos por meio de linhas e sombras. 2
Explor

Objeto desenhado. 3 Delineação dos contornos das figuras. 4 Delineamento ou traçado geral
de um quadro. 5 Arquit Plano ou projeto de edifício, etc. 6 Desígnio. 7 Figura de ornatos, em
tecidos, vasos, etc.

Assim, considerando nosso universo ocidental, da palavra em italiano Disegno,


proveniente do latim, derivou a palavra Desenho em nossa língua portuguesa.

Essas designações, mesmo atribuindo valores à palavra, como já mencionado,


não esgotam a amplitude de significados que o termo desenho possui. Considerando
sua utilização, usos e costumes, vemos que o desenho relaciona-se de forma
dinâmica com o tempo e o espaço em que se insere. O desenho está presente
na história humana desde o desenvolvimento da história do homem e também do
desenvolvimento da linguagem, já no período denominado Pré-História.

O homem sempre desenhou, por vários motivos, alguns só podemos imaginar,


outros foram levantados em anos de pesquisas, mas sabemos que ao ato de
desenhar até interpretações mágicas já foram atribuídas.

Independente das razões, o desenho sempre existiu e perpetua incitando desejos


e intenções tanto no campo das artes quanto como parte de um processo para
alguma realização.

Figura 9 – Animais desenhados, pintados na Gruta de Lascaux


Fonte: Wikimedia/Commons

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UNIDADE História e Tipos de Desenho

Assim, percebendo esse desenvolvimento, é possível entender, também, que


a relação que um arquiteto estabelece com o seu desenho (como no exemplo da
Catedral projetada por Niemeyer) é diferente das intenções e ideias de um artista
plástico em seu processo artístico ou, ainda, das que um designer emprega em suas
ideias para seus projetos, formas, etc.
Ao mesmo tempo, os materiais possuem a função de construir o repertório
visual do desenho, do projeto, da imagem pretendida, transformando-se de acordo
com sua natureza e época.

Figura 10 – Desenho digital gerado em um programa de computador do tipo CAD


Fonte: Wikimedia/Commons

Figura 11 – Pesos e categorias de linhas


Fonte: Wikimedia/Commons

Como exemplo, temos o desenho mais específico, como o desenho científico ou


botânico, em que a destreza e a precisão técnica são fatores imprescindíveis em seu
processo e no resultado final, pois esse tipo de desenho requer uma descrição exata
de cores e formas tidas como naturais. Também temos o desenho em quadrinhos,
em sua forte relação com a comunicação de massa, que assume narrativas diversas

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para entretenimento e arte. Aliás, temos o desenho na arte, meio de produções
artísticas em poéticas tão pessoais, comuns a cada artista. Nesses gêneros, o
desenho desempenha seu papel como registro, processo, projeto, síntese e obra
final, pois o desenho não é apenas um instrumento, mas sim uma linguagem
dentre tantas outras possíveis e, provavelmente, constitua-se como essencial em
seu processo, levando em consideração seu caráter germinal.

Figura 12 – Leonardo da Vinci. Figura 13 – Phalaenopsis amabilis


Desenho de um exemplar de junco Carl Ludwig Blume, 1835
Fonte: Wikimedia/Commons Fonte: Wikimedia/Commons

Figura 14 – As Aventuras de Nhô Quim ou Impressões de Uma Viagem à Corte,


de Angelo Agostini, a primeira história em quadrinhos do Brasil
Fonte: latincontemporary.com

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Figura 15 – Artista em execução da obra


Encontro das Águas, Sandra Cinto, 2013 Figura 16 – Caricatura de Arturo Alessandri
Fonte: Wikimedia/Commons Fonte: Wikimedia/Commons

Figura 18 – Fachada decorada com grafite,


Figura 17 – Desenho de Rembrandt em Olinda, Pernambuco.
Fonte: Wikimedia/Commons Fonte: Wikimedia/Commons

E é por meio do repertório dos elementos que compõem o desenho que


compreendemos diferentes forças dessa linguagem. Desses elementos, podemos
destacar o ponto, a linha, a forma, a luz, a sombra, os volumes, cada um deles
com suas qualidades, potencialidades e suas singularidades já apontadas ao longo
da história da arte, diante de seu uso e de suas problematizações teóricas e práticas
diversas, como em Kandinsky, Alberti, entre outros.

Figura 19 – Crayon, aquarelle et endre de Chine sur papier signé Wassily Kandinsky, sans titre
Fonte: Wikimedia/Commons

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Não é raro nos referirmos ao ponto, tão mínimo, como “ponto de partida”, e esse
se inicia com o gesto que desencadeia um processo de linhas e, por consequência,
de imagens. O simples gesto do encontro entre a ponta do lápis, ou qualquer outro
material, e determinada superfície já indica sua existência.

O ponto é um dos elementos visuais mínimos que utilizamos para construir um


desenho e que nos permite infinitas possibilidades. O ponto assume diferentes
formas (até uma figura humana pode ser um ponto), tudo depende do referencial
e das proporções.

O ponto pode ser “ponto de partida”, mas também pode ser exatamente o
elemento principal ou constituinte de uma ideia inserida em uma obra ou, ainda,
fazer parte do processo criativo de um artista. Com um simples ponto pode-se
obter inúmeras ideias e descobertas, ele pode ser representado por uma infinidade
de materiais e procedimentos artísticos.

A técnica do pontilhismo, também conhecida por divisionismo, consiste no uso


e na aplicação de pequenas manchas, de forma que, a uma certa distância, elas se
fundem no olhar do espectador, produzindo um efeito de unidade, proporcionando
efeitos de texturas e áreas de diferentes tonalidades. Muito comum no final do
século XIX e início do século XX, com pintores como George Seurat e Paul Signac,
através da justaposição de pontos, mais aproximados ou não, com maior ou menor
espessura e pressão, essa técnica exige paciência e dedicação no seu processo.

A
A

D
C

Figura 20 – Paul Signac, Figura 21 – Desenho feito com


O Grande Canal (Veneza), 1905 a técnica do Pontilhismo
Fonte: Wikimedia/Commons Fonte: Istock/Getty Images

Você poderá estabelecer também relações do uso do ponto na construção da imagem na


Explor

técnica do mosaico. Busque imagens e textos de história da arte que falem dos mosaicos
bizantinos para compreender a presença do ponto em outras técnicas que vão além do
desenho e da pintura.

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UNIDADE História e Tipos de Desenho

No desenho anterior, podemos encontrar quatro variações de pontilhados cujas


espessuras e distanciamentos criam as áreas de diferentes tonalidades, constituindo
a imagem. Já num contexto contemporâneo, temos o trabalho da artista japonesa
Yayoy Kusama, cujos pontos se inserem em diferentes contextos poéticos e de
distintas linguagens que vão da pintura à escultura e à instalação, constituindo um
elemento primordial na sua produção artística.

Figura 22 – Yayoi Kusama, Infinite Obsession, 2014


Fonte: KUSAMA, Yayoi

A linha, que é dinâmica nessa relação com o ponto inicial, como vimos no
exemplo da garatuja, constitui-se como um elemento de força no desenvolvimento
do gesto no Desenho. Define-se a linha como o ponto em movimento. Ela
demarca espaços e registra um gesto numa superfície. Traça caminhos, dá lugar à
forma, atribui dinamismo ao desenho de acordo com suas qualidades de espessura,
comprimento (espessa, fina, longa, curta, contínua, interrompida, diagonal, curva,
etc.) e com a intenção no desenho. A linha pode se apresentar de diferentes modos,
expressando o estado de espírito do artista, sofrendo alterações e variações na
intensidade (clara ou escura), na espessura, na medida, além da direção, do ritmo,
da densidade e energia.

Figura 23 – Parmigianino: Sagrada


Família com pastores e anjos Figura 24 – Ted Gould, Figura 25 – Desenho com
Desenho, Metropolitan Museum of Art Menina na Poltrona linhas expressivas
Fonte: Wikimedia/Commons Fonte: GOULD, Ted Fonte: Istock/Getty Images

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Entretanto, a linha que utilizamos no desenho bidimensional, para marcar
contornos, por exemplo, não existe na natureza, é apenas uma convenção do
homem criada para representar e parar comunicar.

Dentre as qualidades expressivas da linha, temos a técnica de hachura cruzada,


ou seja, a criação de texturas e tonalidades através do cruzamento ordenado de
linhas. A criação e uso de diferentes tipos de traçado num desenho possibilita criar
diferentes planos, criar a sensação de volume, etc.

Figura 26 – Desenho com diferentes tipos de linhas e hachuras


Fonte: Istock/Getty Images

No livro Fundamentos do Desenho Artístico, seu autor aponta aspectos


técnicos e de materiais usados na hachura:
Os grises (tons cinzentos) com traços são obtidos com a combinação
de linhas que formam hachuras; a distância entre essas linhas pode ser
maior ou menor, conforme sejam necessários tons claros, médios ou
escuros. Do mesmo modo, a pressão exercida com a grafite determina
a intensidade do tom. As hachuras paralelas e as hachuras cruzadas são
as mais habituais; convém praticar com elas, pois cada tipo de hachura
proporciona um acabamento diferente. Os lápis de grafite e as penas
metálicas são os instrumentos ideais para construir hachuras. São muitas
as formas de elaborar o traço ou hachura, de acordo com a intenção que
se pretenda conferir ao trabalho. Num mesmo desenho é possível utilizar
diferentes tipos de hachura, alternados com sombreados e coloridos.
Convém praticar com elas, pois cada tipo confere um aspecto diferente
ao desenho (ROIG, 2007, p. 80).

Para além das hachuras e gestualidade no desenho, as linhas ainda funcionam


como guias para a nossa percepção espacial e a sua representação no plano
bidimensional. Os desenhos elaborados a partir da técnica da perspectiva se
constituem pela representação da linha do horizonte em uma folha de papel, essa
linha divide planos, estruturando o desenho em linhas horizontais e, partindo do
ponto de fuga, dá forma ao espaço, construindo, traçando diagonais e outras
direções de linhas ao que se pretende desenhar.

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UNIDADE História e Tipos de Desenho

Figura 27 – Exemplo com ponto de fuga. Técnica de aplicação


de pontos de fuga, por Hans Vredeman de Vries (1605)
Fonte: Wikimedia/Commons

Importante! Importante!

Serão aprofundados os conhecimentos sobre a perspectiva mais adiante, onde abordare-


mos desde as leis clássicas da perspectiva até a sua subversão no desenho contemporâneo.

A forma espacial, seja geométrica ou figurativa, indica características funda-


mentais sobre sua natureza, e seu reconhecimento visual acontece pela incidência
de luz sobre sua superfície.

Nosso mundo aparente é percebido e apreciado por essa relação entre a luz e o
nosso mecanismo visual (o olho juntamente com o cérebro), que nos faz reconhecer
o que é aplicado à visão humana e consegue captar e perceber a diversidade de
formas existentes a partir da incidência de luz (maior, menor, difusa, direta, etc.),
que também é responsável por indicar cores, sombras, aspectos espaciais dos
objetos, texturas, entre outras coisas. Desenhar requer perceber essas nuances.

O artista plástico Wassili Kandisnky, por exemplo,


dedicou-se poeticamente à representação da linha, do
plano, da cor - que, como já vimos, são elementos estruturais
para a visão humana - e, durante um bom período de sua
produção, teve o ponto, a linha, o plano, a cor como seu
objeto de interesse, sendo o desenho fator preponderante
em suas pinturas. Figura 28 – Estudo da
graduação de luz e sombra
Fonte: Wikimedia/Commons

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Figura 29 – Wassily Kandinsky, Amarelo, Vermelho e Azul, 1925
Fonte: Wikimedia/Commons

Figura 30 – Wassily Kandinsky, Mild Tension, 1923


Fonte: Wikimedia/Commons

A gama de repertório que compõe esses elementos do desenho norteia o artista


em diversas criações, e a compreensão dos aspectos de cada um deles, na práxis,
estabelece-se junto com o processo criativo, considerando questões culturais e a
própria criatividade no processo de criação em profunda relação com a matéria-
prima que a realiza. Sobre esse assunto, veremos mais a seguir.

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UNIDADE História e Tipos de Desenho

Os Materiais de Desenho por Fricção


Quando se esfrega na superfície do papel qualquer material que atue por
meio de atrito, uma miríade de partículas de pigmento se desprende,
deixando um traço intenso, mas pouquíssimo estável; basta tocá-lo com
os dedos para que ele se desfaça e se disperse em forma de fuligem. É
justamente a falta de estabilidade desses materiais que os torna adequados
para se começar a desenhar, uma vez que eles possibilitam retificar e
corrigir com facilidade (ROIG, 2007, p. 11).

Os materiais possuem suas próprias características intrínsecas e cabe ao artista


sua liberdade de manejo dos mesmos ao utilizar diferentes técnicas e linguagens. No
entanto, ao estudarmos os fundamentos do desenho, é preciso termos consciência
dessas características para tirarmos proveito das possibilidades oferecidas pelos
materiais, os quais veremos a seguir.

O Carvão
O carvão é um dos materiais mais antigos, é versátil e reflete a menor alteração
de pressão na sua aplicação. Hoje em dia temos uma variedade de carvão
específico para desenho, desde os bastões naturais finos até as barras cilíndricas,
quadradas, em formato de lápis e carvão em pó. É um material muito instável e
pouco aderente ao suporte, isso faz com que tenhamos uma facilidade em apagá-
lo somente ao passarmos os dedos sobre ele ou soprando com força. Para fixá-lo
a uma superfície, após o término do desenho, utilizamos um fixador em spray
específico para desenho ou até mesmo laquê de cabelo no caso de exercícios e
estudos iniciais.

Figura 31 – Tipos de carvão para desenho


Fonte: Wikimedia/Commons

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Grafite
Comparativamente a outros materiais, o grafite é um dos mais populares entre
os estudantes de arte e artistas, pela sua permanência na superfície e pelo seu fácil
manejo. Com ele conseguimos fazer desde um rascunho rápido a um desenho mais
detalhado, por ser um meio imediato, versátil e sensível.

Geralmente redondos ou hexagonais, os lápis de grafite possuem no geral um


tamanho estabelecido de 17,5cm, com variações da forma, do diâmetro da mina
e da vareta. De acordo com Smith (2006, p. 65), tanto em lápis ou em lapiseiras,
a mina de grafite que faz o desenho é basicamente o mesmo produto em
todos os casos. Uma gama de minas das finas às espessas, de 0,3 mm a
12 mm e apresentando graus de dureza que vão do duro ao macio, de 7H
a 8B proporciona uma larga variedade de manipulações e técnicas.

Além das diferentes tonalidades de


cinzas, dos mais claros aos mais escuros.
Os artistas preferem os grafites mais
macios porque sua gradação é mais
intensa, no entanto, em alguns casos,
é necessário alternar lápis de diferentes
gradações num mesmo desenho para
que se tenha uma reprodução da
luz mais sinuosa até a sombra mais
profunda e intensa. Figura 32 – Lápis de puro grafite
Fonte: Wikimedia/Commons

Ainda há barras de grafite ou o lápis redondo de puro grafite (também conhecido


como lápis integral), sem o revestimento de madeira, nas formas hexagonais ou
retangulares e quadradas, também apresentando diferentes durezas e permitindo
uma grande variedade de traços. Podemos desenhar com o grafite sobre várias
superfícies devido a sua natureza oleosa, que o torna bastante permanente.
Conseguimos, de acordo com as qualidades dos próprios materiais e com as
intensidades de pressão do lápis, resultados com aspectos mais aveludados e suaves
ou mais intensos e agudos. A forma como o seguramos resultará em diferentes
traços, que vão dos mais finos, quando utilizamos a ponta, até as áreas mais amplas,
utilizando-o na transversal.

Para aprofundar seus conhecimentos sobre como os materiais são fabricados, consulte o
Explor

livro: SMITH, R. Manual Prático do Artista. Porto: Civilização, 2006. Trata-se de um material
bem completo e detalhado sobre todos os materiais e técnicas artísticas, amplamente
ilustrado e que apresenta as possibilidades estéticas dos materiais.

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UNIDADE História e Tipos de Desenho

Lápis Conté e Sanguínea


Os lápis conté pretos, brancos, marrons (sépia) e em tons marrom-avermelhados,
conhecidos como “sanguíneos”, são os preferidos para retratos e figuras humanas.
Produzem um traço mais sutil que o do carvão ou lápis, mas são excelentes nos
efeitos arrojados. São feitos com pigmentos naturais cor de terra, unidos por um
aglutinador que os torna mais firmes que o carvão, permitindo a construção de
áreas de preto uniforme devido à sua aderência ao papel. Esses tons também são
disponíveis na forma de barras.

Figura 33 – Lápis conté e giz em tons de preto, cinzas, sanguinea e branco


Fonte: Wikimedia/Commons

Acessórios: Esfuminho, Borracha, Estilete e Apontadores


São muitos os acessórios que poderão ser necessários para o trabalho de desenho.
Cada artista acaba por reunir, aos poucos, o seu conjunto de ferramentas pessoais .

O esfuminho é uma espécie de lápis de papel maciço com duas pontas para
friccionar e fundir. Há esfuminhos de diversas espessuras e recomenda-se utilizar
uma extremidade para tons mais escuros e outra para os mais claros, evitando
acidentes no desenho. A fusão dos traços com o esfuminho acentua o efeito
volumétrico da figura, pois ele é um instrumento que facilita o defeito de degradê
suave, fundindo os sombreados, suavizando os traços, eliminando os brancos
existentes entre eles.

A borracha é um acessório que vem auxiliar na construção do desenho,


possibilitando o apagamento de traços indesejados. Há uma grande variedade de
borrachas disponíveis no mercado: as tradicionais, as moldáveis, a goma, as de
plástico e as de vinil. Para os trabalhos de desenho são indicadas as borrachas
brancas, por serem mais eficientes. Possuem textura firme, não ferem a superfície
do papel e podem ser cortadas facilmente em pequenos pedaços para facilitar no
apagamento de áreas menores em trabalhos meticulosos.

As ferramentas mais comuns utilizadas para apontar os lápis e pastéis são os


apontadores e os estiletes. Os apontadores podem possuir diferentes diâmetros,
para lápis mais finos ou mais grossos, e caracterizam-se por gerar uma ponta afiada
e de tamanho padrão. Os estiletes permitem fazer pontas variadas, sendo mais
achatadas, largas e alongadas, ampliando o uso do material em outros resultados.

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Lápis de cor – aquarela, neon, metálicas
Hoje em dia há uma variedade de lápis de cor disponíveis no mercado. Os mais
conhecidos são os estandartizados, cuja permanência sobre o papel é de longa
duração, como os utilizados nas escolas.

Temos também os lápis com pigmentos solúveis em água, conhecidos como


aquareláveis, os quais não são tão permanentes. Após o seu uso sobre o
papel, usa-se um pincel úmido ou embebido em água para dissolver o pigmento,
resultando em detalhes pictóricos. Ainda há artistas que exploram desenhar com
os lápis aquareláveis sobre papel úmido, o qual já amolece a ponta, criando
diferentes efeitos.

Figura 34 – Lápis de cor aquarelável


Fonte: Acervo do conteudista

Por fim, temos outros lápis com uma variedade de tonalidades e matizes, com
cores metálicas e neon, permitindo maior possibilidade de resultados para quem se
identifica com a linguagem do desenho.

Figura 35 – Lápis de cor metalizados e neon


Fonte: Acervo do conteudista

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UNIDADE História e Tipos de Desenho

Giz pastel – seco e oleoso


O giz pastel é um material que transita entre o desenho e a pintura, de acordo com
a forma como é aplicado. Em geral, um desenho a pastel com destaque evidente
linear é tido como desenho, enquanto aqueles em que as cores são construídas
através das técnicas de camadas, e onde a linha tem um papel secundário, são, na
verdade, pinturas – embora não tenham sido feitas com pincel.

Os pastéis macios são “crayons secos feitos de pigmento em pó levemente


aglutinado numa solução de come de tragacanto ou celulose de metil. Contêm
geralmente um conservante e por vezes um pesticida” (SMITH, 2006, p. 77).
Caracterizam-se pelo aspecto pulverizado e, por ser um material vulnerável e de
pouca permanência (basta um sopro para desfazer grande parte da cor), necessita
de uso de fixadores para evitar que o desenho se altere ou que suje em áreas
indesejadas. Assim como o grafite, os pastéis secos possuem diferentes graus, sendo
duros, médios ou macios (os mais tradicionais), e possuem diferentes formatos
(finos, grossos, quadrados, cilíndricos). Há uma variedade de tons e cores que são
disponíveis para compra separadamente ou em estojos.

Já os pasteis oleosos assemelham-se mais aos lápis de cera, mas os de


boa qualidade possuem maior quantidade de pigmento na composição e são
ligeiramente mais macios que os de cera. De acordo com a temperatura da mão, o
traço poderá ser mais áspero ou mais preciso. Eles possuem uma grande vantagem
de não requererem fixador, já que os pigmentos são unidos por ceras e óleos. Não
produzem linhas bem definidas, mas são ideais para desenhos arrojados e vivos,
com áreas sólidas de cor.

Figura 36 – Giz pastel seco em barras retangulares e giz pastel oleoso em barras redondas
Fonte: Acervo do conteudista

Pena e Nanquim
A pena é um instrumento mais antigo que o lápis, o qual utiliza a tinta nanquim
para elaborar trabalhos lineares, com precisão e limpeza. As penas tradicionais são
feitas com penas de ave e de junco, além da variedade de penas para desenho fei-
tas de aparos de aço e das canetas com aparos tubulares que armazenam a tinta e
que possuem diferentes espessuras de linhas, cujas pontas são metálicas. “Trata-se
de uma técnica definitiva em que a oportunidade de dar vida ao desenho à pena é
uma só” (SMITH, 2006, p. 103). As canetas técnicas, comumente utilizadas por

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arquitetos, traçam linhas de espessura uniforme e têm de ser seguradas a um ângu-
lo muito mais alto do que as penas de aço tradicionais. As penas de junco dão uma
linha mais suave, as de desenho produzem uma linha dura e vincada.

Figura 37 – Material tradicional de pintura a nanquim – base em pedra para diluição da tinta nanquim
em barra (com detalhes em dourado) ou a líquida (tubo verde), juntamente com os pincéis
Fonte: Acervo do conteudista

Quais são as suas experiências com esses materiais de desenho? Quais você ainda não
Explor

utilizou? Você já pensou nas formas como você utilizou esses materiais, como pegou, a força
que utilizou, os gestos que fez? Aproveite esse momento para, além de rememorar, voltar
a praticar exercícios de desenho, experimentando esses materiais agora de outras formas,
conhecendo suas possibilidades.

Os Materiais Gráficos no Decorrer da


História, Suportes e Meios
Nas imagens rupestres de milênios atrás, temos indícios de alguns percursos do
homem e das descobertas de matérias-primas fundamentais utilizadas pelos nossos
ancestrais e ainda mantidas, depois de anos, nas paredes das cavernas bem como
em rochas, pedras, utensílios e, no decorrer dos tempos, em outros suportes, como
folhas, couro, argila, madeira, papiro, tecido, papel, parede, entre outros.

Figura 38 – Sítio Toca da entrada do Caixão da Vaca. Serra da Capivara, PI


Fonte: Wikimedia/Commons

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UNIDADE História e Tipos de Desenho

Figura 39 – Urna funerária decorada em Figura 40 – Mulheres fazendo


relevo, c. 400-1000 d.C., coleção Henry Law Tecido – japonês
Fonte: Wikimedia/Commons Fonte: Wikimedia/Commons

Figura 41 – Pigmento e corpo como suporte. Indígena brasileiro,


representando sua rica arte plumária e de pintura corporal
Fonte: Wikimedia/Commons

Além dos principais suportes, matérias-primas, como carvão, pigmentos naturais,


ossos, sangue, pedras, deram forma à representação imagética do homem ancestral,
expressando imagens, como animais, caçadores e ferramentas de caça, rituais de
dança, entre outros sinais, tornando-se registros preciosos das manifestações do
comportamento humano e do desenvolvimento da representação da observação e
inquietações subjetivas.
As incisões, comumente observadas no desenho das paredes das cavernas,
também compõem as imagens e, além disso, são usadas para a preparação do
desenho. No período denominado pré-histórico, tanto a imagem desenhada quanto
a imagem gravada constituíam características fundamentais dessas imagens.

Figura 42 – Desenho rupestre. Veado com filhote. Pigmento natural sobre parede de caverna.
Sítio arqueológico do Parque Nacional da Serra da Capivara, PI
Fonte: Wikimedia/Commons

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Figura 43 – Lion Twyfelfontein (Namíbia)
Fonte: Wikimedia/Commons

Figura 44 – Pedra do Ingá. Paraíba,PI. Painel vertical e linha de capsulares na Pedra do Ingá
Fonte: Wikimedia/Commons

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UNIDADE História e Tipos de Desenho

Os desenhos eram feitos comumente com pedras negras (como o manganês),


utilizavam, também, carvão e podiam ser coloridos com ocre vermelho, além de
vegetais diversos, a fim de obter maiores nuances de cores. A mistura que propor-
cionava a coloração podia ser realizada com o auxílio de uma espécie de canudo,
como ossos – ou com a própria boca –, que, quando assoprado, a tinta mecanica-
mente saía aerada, semelhante a um spray sobre a superfície do desenho.

Volumes também eram obtidos pela observação de saliências nas próprias su-
perfícies das cavernas onde eram realizados os desenhos, tornando a imagem ain-
da mais sofisticada em sua composição e elementos visuais.

As linhas, além de desenhadas, eram obtidas a partir dessa observação entre a


figura e fundo e o gestual de sua realização; e até mesmo de um gesto inacabado,
muitas vezes terminado pela percepção do reconhecimento da forma.

Figura 45 – Bisão na Caverna de Altamira


Fonte: Wikimedia/Commons

Figura 46 – Pinturas na Cueva de las Manos, Argentina


Fonte: Wikimedia/Commons

Figura 47 – Reprodução de um dos bisões encolhidos, neste caso fêmea (Breuil, 1902 e 1935)
Fonte: Wikimedia/Commons

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Já entre os sumérios, por volta de
3.000 a.C., encontramos, de maneira mais
acentuada, a escrita, o desenvolvimento de
uma linguagem por meio de signos deno-
minada cuneiforme. Essas representações
foram comumente encontradas sobre a argi-
la, mas também eram produzidas em outros
suportes, como pedras. Eram escritas com
ferramentas que permitiam sua característica
Figura 48 – Tablete com escrita
em formato de cunha e o desenvolvimento
cuneiforme sobre pedra
de uma comunicação escrita como registro. Fonte: Wikimedia/Commons

Com os egípcios, posteriormente, além da escrita hieroglífica, o desenho


teve surpreendente força, relacionando-se com histórias específicas e, também,
tumulares, relacionadas à vida dos faraós. Foram realizadas nas paredes, onde,
possivelmente, usava-se esboço preparatório para, em seguida, serem pintados
com afrescos, resultando em um desenho com uma estética absolutamente linear.

Também encontramos, nessa sociedade, a incisão, o desenho em baixo-relevo


e a escrita hieroglífica em pedra e nas paredes junto aos desenhos. Além desses
suportes, os egípcios utilizaram o papiro, que apresentava muita semelhança com
o papel que conhecemos. A presença do desenho e da escrita caracterizou os
registros do desenho nesse suporte, que, para serem realizados, necessitavam de
um meio distinto, uma espécie de ponta parecida com a da caneta, exigindo uma
precisão de traços finos, mas também firmes.

Figura 49 – Seção do Livro dos Mortos do escriba Nebqed, cerca de 1300 a.C.
Fonte: Wikimedia/Commons

Figura 50 – Papiro, Século VII a IV a.C.


Fonte: Wikimedia/Commons

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UNIDADE História e Tipos de Desenho

Os nanquins – muito apreciados no orien-


te, mais precisamente na China e no Egito, de
onde também se originou, em meados de 2500
a.C., a tinta utilizada para escrita e desenho,
cuja composição era semelhante às tintas que
conhecemos, feitas com misturas de carbono e
aglutinantes – eram produzidos na forma com-
pacta e diluídos de acordo com a tonalidade
que se desejava obter no traçado. No ocidente,
empregou-se o nanquim em outro formato, co-
mumente em estado líquido, obtendo variações
tonais a partir da adição de água à composi-
ção existente, com resultados semelhantes ao
da tinta compacta, embora diferentes nas suas
particularidades mais sutis.
O nanquim é capaz de produzir muitas va-
riações de tons em uma mesma figura, além
de possibilitar traços marcantes e, ao mesmo
tempo, uma delicadeza nas tonalidades preten- Figura 51 – Xu Beihong:
didas, de acordo com o manejo e os materiais Cavalo, Dinastia Qing
utilizados com ele. Fonte: Wikimedia/Commons

Utilizada tanto na escrita quanto no desenho e na pintura, a tinta nanquim ad-


quiriu, nos desenhos e nas pinturas orientais chineses, aspectos culturais próprios,
assumindo a posição de limiar entre a pintura e o desenho. Ambos são realizados
com o mesmo instrumento, o pincel, e assumem uma estética com aspectos muito
particulares, totalmente independente da arte ocidental e com grande valorização
técnica, compondo uma tradição em suas práticas, usos e costumes.
Como suporte, essa arte utiliza, em sua grande maioria, a seda, cerâmicas e, sem
dúvida, o papel, cuja invenção é creditada aos chineses, milênios antes da era cristã,
e que se tornará o suporte mais difundido em todo o mundo após seu surgimento.
Além de pincéis variados, o nanquim pode ser utilizado com os chamados bicos
de pena, industrializados ou naturais, feitos com penas diversas ou pontas artesa-
nais, como as de bambus.

Figura 52 – Sen no Rikyū, Suigetsu (Intoxicated by the Moon), 1575


Fonte: Wikimedia/Commons

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Na civilização grega, embora expressões artísticas como a escultura e a
arquitetura possuam maior ênfase, são notáveis os desenhos realizados nos vasos
em argila assim como os produzidos em afresco. Nos vasos, quando pintados de
preto, observa-se a retirada da linha que traça o desenho, revelando a cor da
argila – o oposto também ocorre, valendo-se da ideia de positivo e negativo. São
conhecidas como as pinturas negras e pinturas vermelhas.

Ainda se vê a produção do desenho


sobre a argila branca, enfatizando, de
outra forma, a linha como atributo da
composição e traduzindo com maestria
a ideia do desenho para essa civiliza-
ção tão ligada a formas monumentais,
mas também com uma produção em-
blemática em outros suportes. Assim,
encontramos o positivo e o negativo, a
relação entre figura e fundo no suporte
Figura 53 – Fundo de cálice em figura vermelha, com
tridimensional e em utensílios como va-
cena de Ajax e Cassandra, c. 440-430 a.C.
Fonte: Wikimedia/Commons sos e outros objetos.

Figura 54 – Dançarinos arcaicos em vaso pintado Figura 55 – Afresco na Tumba de Kalanzak


Fonte: Wikimedia/Commons Fonte: Wikimedia/Commons

Além de objetos utilitários, esses desenhos eram produzidos também sobre placas
de madeira preparadas com fundo branco – obtidos a partir de pó de osso – e sobre
pergaminhos, e podiam tomar forma com pontas metálicas, de prata ou chumbo,
com os quais era possível a aprendizagem tanto de técnicas gráficas como pictóricas.

Figura 56 – Placa de madeira pintada, encontrada em Corinto. Século VI a.C.


Fonte: Wikimedia/Commons

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33
UNIDADE História e Tipos de Desenho

Com os etruscos, encontramos um


desenho cuja produção foi muito de-
dicada a imagens relacionadas à arte
tumular, com conhecimento dos afres-
cos (que têm como característica a exe-
cução do desenho e da pintura ainda
com o revestimento da parede úmido,
com aspecto fresco, que, ao receber o
pigmento, funde-se com o suporte en-
quanto seca), provavelmente uma ativi-
dade que denotou um comportamento
ligado às crenças religiosas daquela so-
Figura 57 – Músico etrusco da
“Tumba do Triclínio”, em Tarquinia ciedade, esses vigoraram entre os séc.
Fonte: Wikimedia/Commons VI e IV a.C.

Já a arte islâmica trouxe elementos gráficos mais intensos, especialmente


com as ornamentações, o que inclui arabescos lineares, muitas vezes voltados à
imagem abstrata, especialmente quando relacionada à religiosidade, na qual a
iconografia desaparece evidenciando outras formas, incluindo a própria escrita
como composição ornamental.

Figura 58 – Shashwat Nagpal


Fonte: Wikimedia/Commons

Frases em árabe do Alcorão inscritas em parede nos jardins Lodhi, em Délhi,


na Índia, a proibição islâmica de se registrar desenhos representando a natureza
fez com que a arte islâmica se caracterizasse pelos desenhos geométricos e pelas
obras de caligrafia.

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No período da Idade Média, a pro-
dução de desenho estabeleceu-se como
projeto em suas mais variadas manifes-
tações (arquitetura, pintura, afrescos)
e nos chamados códices e iluminuras,
referenciados na imagem iconoclas-
ta e realizados sobre pergaminho. O
desenho, nesse momento, arraigado
à tradição cristã, ainda se apoiava na
produção de aprendizado coletivo,
em guildas, nas quais quase inexistia
Figura 59 – Iluminura - Tratado sobre a autoria, embora já se encontrassem
a criação do mundo, Séc. XIII esboços, desenhos realizados fora das
Fonte: Wikimedia/Commons guildas e mosteiros.

Essa produção veiculada fora das guildas e representada pelos códices ilustrados
era tida como marginal. Um grande marco encontra-se nos desenhos de Villard
de Honnecourt, arquiteto, que já são desenhos autorais. Seus desenhos lineares
prenunciavam características góticas e foram realizados no século XIII.

Figura 60 – Villard de Honnecourt


Fonte: Wikimedia/Commons

Figura 61 – Desenho arquitetônico de Villard de Honnecourt, Séc. XIII


Fonte: Wikimedia/Commons

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UNIDADE História e Tipos de Desenho

Com a invenção atribuída aos chine-


ses há milênios antes de Cristo e com a
sua difusão pelo ocidente, o papel tor-
nou-se um suporte mais popular e per-
cebe-se, por volta do séc. XIV, sua uti-
lização em substituição ao pergaminho.
Mas foi no século XV, com o advento
da imprensa, que o papel estabeleceu
sua supremacia como suporte, man-
tendo sua tradição de uso relacionada
também ao desenho. Como “tema”,
nota-se maior importância e interesse
voltados para o entendimento da obser-
vação da paisagem e do retrato. Figura 62 – Van Eyck. Desenho preparatório
Fonte: Wikimedia/Commons

Figura 64 – Sandro Botticelli, 1490 -


Figura 63 – Jan van Eyck - Galleria degli Uffizi, Florence
Kardinal Niccolò Albergati Fonte: Wikimedia/Commons
Fonte: Wikimedia/Commons

Figura 65 – Donato Bramante Figura 66 – Desenho de Albrecht Dürer


Fonte: Wikimedia/Commons
Fonte: Wikimedia/Commons

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Em meados do século XV e início do século XVI, com o advento do Renascimento,
o desenho passou a assumir status de obra de arte. Esboços, estudos preparatórios,
anatômicos e práticas de cunho científico, desenhos projetavam as ideias dos
grandes mestres do período.
Temos, no Renascimento, uma produção que se estendeu a quatrocentos anos,
e o desenho perpassou fortemente por todo o período. Cada artista assumiu, com
o desenho, o projeto para as experimentações de suas obras e do universo sensível
particular que as envolvia. O artista também era visto dessa forma e ganhou um
status artístico e social.
A efervescência cultural da época, o renascer das ideias greco-romanas, sobretudo
dos estudos filosóficos de Platão e Aristóteles, e um olhar estético voltado para essa
cultura favoreceram as inquietações da produção no período. Nesse ambiente, mui-
tos artistas destacaram-se, influenciaram e foram influenciados pela produção que
acontecia em muitas esferas, como a arquitetura, a escultura, literatura, artes visuais,
entre outras. A compreensão do homem e do mundo reverberava nesse ambiente.
A consciência do grafismo está presente em desenhos e projetos variados. Nos
desenhos de Leonardo, por exemplo, em bico-de-pena ou sanguínea, lápis, ponta
de prata, pincel, vê-se a ideia do sfumato, que segue com maestria em sua pintura,
além de inúmeros projetos que seu desenho trouxe para observações diversas sobre
a projeção de seus desejos e compreensão de mundo – entre eles os desenhos
anatômicos, botânicos, retratos e figuras humanas, etc.

Figura 67 – Leonardo da Vinci – Figura 68 – Leonardo da Vinci, Figura 69 – Leonardo da Vinci,


Estudos anatômicos do ombro Cabeça feminina (La Scapigliata) Estudo de um cavalo
Fonte: Wikimedia/Commons Fonte: Wikimedia/Commons Fonte: Wikimedia/Commons

Figura 70 – Leonardo da Vinci, Vale do Arno, 5 de agosto de 1473


Fonte: Wikimedia/Commons

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37
UNIDADE História e Tipos de Desenho

Figura 71 – Leonardo da Vinci, Estudos de embriões Figura 72 – Leonardo da Vinci, Modelos de máquinas
(1510–1513) nos quais retrata imagens impossíveis voadoras planejados por Leonardo
de se ver na época, mas completamente atuais Fonte: Wikimedia/Commons
Fonte: Wikimedia/Commons

Michelangelo, que, entre tantas manifestações, tem na escultura sua grande mo-
tivação, demonstra, em seus desenhos, um olhar dedicado aos volumes e à elegân-
cia do gesto inacabado. Esteve envolvido em muitos projetos, reconhecidos pelos
inúmeros estudos ligados à arquitetura, escultura, pintura, entre diversos desenhos
e detalhes, em esboços realizados, muitas vezes, sobre um mesmo tema.

Figura 73 – Michelangelo, Estudo para a Sibila Líbia


Fonte: Wikimedia/Commons

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Foi responsável pela execução do teto da Capela Sistina, obra que elevou seu
desenho a outras proporções e dimensões, relacionando-o ao espaço arquitetônico
e estabelecendo outra relação com a percepção do olhar, envolvendo a proporção
e magnitude de uma grande composição pintada com afrescos. Estudos dizem que
os desenhos eram feitos em escala e transpostos para a superfície com argamassa
com carvão em pó que era aplicado através de pequenos furos ao longo das linhas
compositivas (dos contornos das figuras), como uma espécie de estêncil.

Figura 74 – Michelangelo, Vista do teto da Capela Sistina


Fonte: Wikimedia/Commons

Figura 75 – Michelangelo, Estudo de Adão, 1510


Fonte: Wikimedia/Commons

Figura 76 – Michelangelo, A Criação de Adão


Fonte: Wikimedia/Commons

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UNIDADE História e Tipos de Desenho

Explor
Visitar site da Capela Sistina on-line: https://goo.gl/R3qX

Nos anos Seiscentos, Rembrandt foi,


certamente, uma referência considerá-
vel. Vemos, em seus desenhos, muitos
experimentos em que se observa a va-
riação tanto no uso de técnicas quanto
nas temáticas. Tem, entre suas caracte-
rísticas, aproximações com Caravaggio,
em que o claro-escuro prevalece como
interesses presentes nas imagens, tor-
nando a atmosfera da cena representa-
da dramática, o que se dá pelo uso de
contrastes entre sombra e luz. Em seus
estudos de desenhos preparatórios, era
frequente o uso de bico de pena com
prevalência do traço firme, posterior-
mente muito bem elaborado em suas Figura 77 – Rembrandt
gravuras em metal. Fonte: Wikimedia/Commons

No início do século XVIII, na Europa, iniciou-se, especialmente na França, uma


escola de pintura, mantendo sua tradição e estendendo-se fortemente até o século
XIX. Em paralelo, o campo gráfico desenvolveu-se, destacando-se Watteau como
um grande desenhista daquele momento, conservando um exercício constante a
partir de modelos e do uso de técnicas de carvão, sanguínea e pastel, com as quais
evidenciava um desenho com nuances mais pictóricas.

Watteau trabalhava com enorme fluência em seus desenhos, e as temáticas de


seu interesse estiveram associadas aos modelos e temas que o inspiravam, os quais
sempre observava ao desenhar, conferindo aos desenhos um dinamismo nos gestos
e posturas do modelo representado.

Figura 78 – Jean Antoine Watteau, Estudo de Figura 79 – Jean Antoine Watteau,


um dançarino com o braço estendido Jovem mulher sentada
Fonte: Wikimedia/Commons Fonte: Wikimedia/Commons

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Os desenhos de retrato e de paisagem foram temas frequentes do período assim
como os desenhos de nus.
Já Francisco Goya desenvolveu uma expressão gráfica dedicada à gravura e
estendeu-a a uma série de imagens como Os Caprichos, Os Desastres de Guerra e
a Tauromaquia. Dessa forma, observa-se que seus desenhos possuíam um caráter
de estudo, preparação para outros processos com a gravura, nos quais ganhavam
ênfase elementos e valores representativos, como graduações de claro-escuro,
intensidade de linhas, mas que já eram apontados no desenho de estudos, além da
interpretação de seu tempo, sugerida pela dramaticidade de cena.

Figura 80 – Fila superior: Desenhos preparatórios e Caprichos n.º 10.- “O amor e a morte” e n.º 12.- “A caça de dentes”

Figura 80 – Fila inferior: Desenhos preparatórios e Caprichos n.º 17.- “Bem tirada está” e n.º 8.- “Que a levaram!”
Fonte: Wikimedia/Commons

Figura 81 – Desenho preparatório Figura 82 – Gravura


Fonte: Wikimedia/Commons Fonte: Wikimedia/Commons

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UNIDADE História e Tipos de Desenho

Em meados do século XIX,ainda havia uma presença intensa da escola e


tradição francesa, destacando-se desenhistas de paisagem, como Corot, com
quem a paisagem ganhou uma atmosfera que mesclava efeitos de luzes e manchas.
Mas, com Monet, o desenho ganhou traços mais pictóricos, muito mais ligados ao
impressionismo.

Van Gogh iniciou seus desenhos de forma mais linear e realista, com experimentos
a carvão e, posteriormente, assumiu traços interrompidos, formando uma textura
nos diferentes planos da imagem.

Figura 83 – Jean-Baptiste-Camille Figura 84 – Claude Monet, Figura 85 – Vincent Van Gogh,


Corot, ‘Le petit cavalier sous bois’, 1854 Gondola em Veneza, 1908 Cottage Garden, 1908
Fonte: Wikimedia/Commons Fonte:metmuseum.org
Fonte: Wikimedia/Commons

Figura 86 – Honoré Daumier “Gargantua”. Por causa dessa charge, do Rei da França
como Gargantua, Daumier ficou preso seis meses no Ste Pelagic em 1832. Litografia, 1831
Fonte: Wikimedia/Commons

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No Brasil, a academia do século XIX formou uma geração de ar-
Explor

tistas. O ensino do desenho, os estudos e desenhos de modelo


vivo foram imprescindíveis, sendo recorrentes inúmeros estudos
e imagens dedicados ou realizados em torno desse tema. Da
mesma forma, havia uma predileção pela produção de paisa-
gens, mas são encontradas também a pintura de gênero e de na-
tureza morta, ressaltando que esse estudo de desenho, no Brasil,
era militar, arraigado à academia e às regras normativas.
O desenho era o elemento principal do ensino artístico, levando à
precisão da linha e do modelado. Segundo Barbosa, “A importân-
cia desses elementos refletia a influência dos exercícios de ob-
servação da escultura, usada com maior frequência. Para os neo- Figura 87 – Almeida
clássicos o artista era um gênio, era uma inteligência superior Júnior. Retrato de
que, através do desenho, seria limitada, domada pela razão, pela Zulmira Freire, séc. XIX
teoria, pelas convenções da composição para melhor entender a Fonte: enciclopedia.itaucultural.org.br
tradição e a história” (BARBOSA, 1978, p.34).

Na Arte Moderna, inicialmente, nota-se o uso muito claro da expressão gráfica


com fins mais específicos, como ocorreu com os cubistas, incluindo Picasso e
Braque, que desenhavam com a finalidade de decompor a imagem, processo que
ganhou, na pintura e em outras etapas da estética pretendida, maior interesse.
Em seus estudos para Guernica, Picasso buscou cada detalhe para composição
da obra, valendo-se de vários desenhos até o momento de sua conclusão. Após ser
finalizada, a obra traz claramente o jogo de linhas juntamente aos planos e tons,
evidenciando o desenho junto aos planos que a cor sugere. Tornou-se uma obra em-
blemática, tanto por sua temática, inesquecível, quanto pela composição riquíssima.

Figura 88 – Pablo Picasso, Estudo para composição de Guernica VII, 1937


Fonte: museoreinasofia.es

Figura 89 – Guernica [étude] II - Fonte: Pablo Picasso (1881-1973)


Fonte: Wikimedia/Commons

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43
UNIDADE História e Tipos de Desenho

Foi um momento de afirmações e rupturas, por isso muito profícuo, no qual


inúmeras ideias e estéticas se associaram às criações artísticas. Essa pesquisa estética
revelou imagens como as cubistas e também as derivadas do movimento da pintura
metafísica, marcadas pelas obras de De Chirico e Giorgio Morandi, e por todo o
percurso de produções de imagens do século XX na Europa e nas Américas. No
entanto, é com artistas modernos como Henri Matisse, Amedeo Modigliani, Toulouse
Lautrec e Paul Klee que o desenho apresentará grande presença, já com grandes
alterações estéticas. O desenho deixa de ser somente uma linguagem utilizada em
estudos e esboços de pinturas, mas se integra com outros meios como o pastel e a
tinta acrílica e a óleo, em trabalhos que muitas vezes tem aparência de inacabados.
A Arte Moderna, após surgimento da fotografia, apresenta o interesse dos artistas
em valorizar o trabalho feito pela mão e não por um aparato tecnológico. Com
isso, tanto nas pinturas quanto nos desenhos, vemos surgir a marca da pincelada
e a expressividade das linhas que antes eram “disfarçadas” e “ocultas” numa
representação que buscava a representação do real. Agora, é a individualidade
e particularidade dos gestos e expressividades dos artistas que estarão presentes
na produção artística do período. Nestes exemplos aqui apresentados, podemos
ver a simplicidade, a força e a precisão das linhas e manchas de Matisse, a leveza
e a delicadeza dos gestos de Modigliani, a expressividade gestual de Lautrec e a
agilidade do traço de Klee.

Figura 90 – Henri Matisse, Figura 91 – Henri Matisse, Figura 92 – Amedeo Figura 93 – Toulouse
Sem título, 1938 Retrato de Sergei I. Modigliani, Retrato de Lautrec, Desenho, 184-
Fonte: enciclopedia.itaucultural.org.br Shchukin, 1912 Dona Rossa, 1915 Fonte: Wikimedia/Commons
Fonte: metmuseum.org Fonte: Wikimedia/Commons

Figura 94 – Toulouse Lautrec, Figura 95 – Paul Klee, Dama com Figura 96 – Alberto
Yvette Guilbert saúda o Guarda-sol, 1883–1885, grafite Giacometti, Perfil de
público, 1894 sobre papel Yanaihara, 1956
Fonte: Wikimedia/Commons Fonte: Wikimedia/Commons Fonte: fondation-giacometti.fr

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No Brasil, podemos citar, dentre outros, Cândido Portinari, Vicente do Rego
Monteiro e Anita Malfatti que, influenciados por artistas modernos como Picasso e
Matisse, trouxeram ao Brasil as vertentes estéticas que estavam sendo investigadas
por esses artistas em Paris, buscando uma identidade nacional para a arte brasileira.

Figura 97 – Candido Portinari, Menina Sentada, s/data


Fonte: PORTINARI, Cândido

Figura 98 – Vicente do Rego Monteiro, Figura Feminina, 1920


Fonte: enciclopedia.itaucultural.org.br

Figura 99 – Anita Malfatti, O Grupo dos Cinco, 1922 – Coleção de Artes Visuais
do Instituto de Estudos Brasileiros – USP (São Paulo, SP)
Fonte: enciclopedia.itaucultural.org.br

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45
UNIDADE História e Tipos de Desenho

Na arte contemporânea, o desenho ganhou autonomia total e assumiu proporções


cada vez maiores. Pode ser entendido como uma prática que transitava em um
universo multidisciplinar, dialogando com muitos fazeres e saberes e mantendo
relações com diferentes suportes, materiais e situações.

O projeto, o esboço e o desenho frequentemente eram vistos como obras de


arte dentro do processo de produção artística. Tanto no campo expandido quanto
no caderno de desenho, o desenho na arte contemporânea, muitas vezes, era visto
como o processo, um meio de registro de uma ação, valorizando o processo de
ações tangíveis e intangíveis, além de expressar o próprio projeto artístico.

Ao olharmos alguns exemplos, como Spiral Jetty, de Robert Smithson,


percebemos que o desenho de seixos muda a paisagem existente e faz, dentro
da obra, uma interferência estética em um momento e um lugar específico,
interferência que inclui o tempo, o espaço, o clima, a localização, a dimensão do
desenho e o referencial de quem está olhando ou compartilhando a experiência da
obra, entre outras conexões às quais estão relacionadas este site specific.

Site Specific: O termo sítio específico faz menção a obras criadas de acordo com o ambiente
Explor

e com um espaço determinado. Trata-se, em geral, de trabalhos planejados – muitas vezes


fruto de convites – em local certo, em que os elementos esculturais dialogam com o meio
circundante, para o qual a obra é elaborada. Nesse sentido, a noção de site specific liga-se
à ideia de arte ambiente, que sinaliza uma tendência da produção contemporânea de se
voltar para o espaço – incorporando-o à obra e/ou transformando-o –, seja ele o espaço
da galeria, o ambiente natural ou as áreas urbanas. Relaciona-se de perto à chamada land
art [arte da terra], que inaugura uma relação com o ambiente natural. Não mais paisagem
a ser representada, nem manancial de forças passível de expressão plástica, a natureza é o
locus onde a arte se enraíza. O espaço físico – deserto, lago, canyon, planície e planalto –
apresenta-se como campo em que artistas realizam intervenções precisas – por exemplo,
em Double Negative [Duplo Negativo], de 1969, em que Michael Heizer (1944) abre grandes
fendas no topo de duas mesetas do deserto de Nevada; ou em Spiral Jetty [Píer ou Cais
Espiral], que Robert Smithson (1938 - 1973) constrói sobre o Great Salt Lake, em Utah,
Estados Unidos, em 1971.

Figura 100 – Robert Smithson, Spiral Jetty, 1970


Fonte: Wikimedia/Commons

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Esse desenho sugere a previsão de um projeto, materiais, interferências naturais
e, ao mesmo tempo, ganha outras proporções e dimensões, diferentes de expo-
sições mais tradicionais, em galerias. Relaciona-se diretamente com o acaso em
certos momentos, com a surpresa regida pela relação direta com o espaço, o desa-
fio de domínio da imprevisibilidade de onde está inserido, resistência do material,
enfim, de tantas outras referências que um desenho no campo expandido sugere.
É com esse dinamismo que a arte contemporânea lida o tempo inteiro, já que
tem todo o histórico da arte como antecedente.

Figura 101 – O edifício Reichstag visto do oeste Figura 102 – Desenhos do Reichstag alemão
Fonte: Wikimedia/Commons por Christo e Jeanne Claude
Fonte: christojeanneclaude.net

Figura 103 – Maquete do Reichstag Figura 104 – Reichstag alemão embrulhado por
Fonte: Wikimedia/Commons tecido – Wrapped Reichstag, Berlin, 1971-95
Fonte: christojeanneclaude.net

O desenho Como Registro: Observação,


Memória, Cego e Gestual (criação)
“Aprender a desenhar é realmente uma questão de aprender a ver –
ver corretamente – o que implica muito mais do que ver apenas com
os olhos.” (NICOLAIDES, Kimon. The Natural Way to Draw. Boston:
Houghton Mifflin Company, 1940.)

Como já vimos, a observação, desde a Antiguidade, trouxe um grau de


sofisticação admirável às imagens produzidas na Pré-História e, independente da
temporalidade, até nossos dias, configura-se como ação primordial no processo de
percepção, reprodução e criação em imagens. Afinal, apesar de intenções prévias,
que configuram os desenhos, a observação propõe ser um referencial, um modelo,
que pode ser o próprio objeto em questão, na representação e estudo de imagens,
ou o princípio para outras propostas e descobertas criativas.

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UNIDADE História e Tipos de Desenho

Uma das características do desenho é o registro, a anotação, que possibilita,


posteriormente, mais precisão em seu acabamento, se assim o desejar o autor, o
que inclui diferentes maneiras de se pensar e de utilizar o desenho.

Os mais variados artistas, em diferentes épocas, valeram-se do registro para


compor suas imagens, pensando na produção de pequenos esboços, ou para a
composição de imagens mais elaboradas ou para o registro de uma ideia.

Artistas viajantes, por exemplo, eram incumbidos, em suas viagens, de produzirem


registro documental dos lugares visitados, o que era realizado com desenhos,
em uma época em que as imagens circulavam com outra velocidade, diferente
da de hoje. Após meses de viagens, geralmente realizadas em expedições com
fins específicos – como documentar a fauna, a flora e também os tipos humanos
–, esses artistas, através da observação, executavam, com o maior número de
elementos locais, registros em desenho, compondo um olhar sobre a paisagem.
Faziam muitos esboços, desenhos preparatórios de observação, anotações que
poderiam compor posteriormente uma determinada imagem. A aquarela, muito
utilizada pelo fácil transporte e pela possibilidade de representação de registro com
cor, foi muito presente nesses desenhos realizados.

Figura 105 – Rugendas. Índios Puris


Fonte: Wikimedia/Commons

Figura 106 – Ilustração de Johann Moritz Rugendas das florestas da América do Sul
Fonte: Wikimedia/Commons

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Figura 107 – Costume des Ministres, Secrétaires d’État — étude, Aquarelle, 15,3 x 21,7cm
Fonte: Wikimedia/Commons

Além do aspecto documental, os desenhos como registro eram feitos com a


finalidade de compor cenas, principalmente para captar gestos, expressões, quando
se pretendia desenhar a figura humana – além da expressão da cena local, quando
idealizados em um lugar específico.

Figura 108 – Rembrandt. Suzana e os Velhos, (1634)


Fonte: Wikimedia/Commons

O desenho de memória acompanha o homem desde a Pré-História. Embora


o registro da observação seja um referencial importante enquanto se desenha,
o desenho de memória também é um exercício que se alia a diversas ideias de
projeto. Os artistas viajantes, por exemplo, valiam-se da observação, dos registros
e, em alguns casos, de detalhes guardados na memória para compor álbuns de
viagens ou outras imagens de suas incursões nos lugares por onde viajaram.

Um fato curioso na história da arte, relacionado ao desenho de memória, deu-se


com um desenho feito pelo artista Albert Dürer: esse, ao realizar a imagem de um
rinoceronte por meio de uma descrição, sem nunca tê-lo visto antes, teve como resul-
tado, ao final, uma aproximação da imagem original do animal. O fato de retratar o
animal de forma muito semelhante à realidade, por meio da observação feita através
dos olhos de uma outra pessoa que o descreveu, leva-nos a deduzir que, provavel-
mente, o rinoceronte causou uma impressão impactante em seu descritor, uma ver-
dadeira experiência estética, digna de guardar sua imagem e registrá-la na memória
– e, ainda, capaz de trazê-la de volta com uma descrição tão viva dessa experiência.

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Figura 109 – Albert Dürer, Rinoceronte, 1515


Fonte: Wikimedia/Commons

Estudos realizados por artistas, de forma geral – registros, anotações, observa-


ções diversas –, antecipam, organizam as ideias para um projeto posterior. Os dois
estudos de Leonardo para a Última Ceia exemplificam algumas etapas do desenho
de um projeto. Neles, os materiais, os gestos e a composição revelam um pensa-
mento latente enquanto se produzia a imagem que resultaria na obra da Santa Ceia
que hoje conhecemos.

Figura 110 – Leonardo da Vinci. Estudo de Leonardo para a Santa Ceia,


contendo o nome de cada um dos apóstolos.
Fonte: Wikimedia/Commons

Leonardo da Vinci, Esboço a carvão para a pintura de A Última Ceia


Fonte: Wikimedia/Commons

Leonardo da Vinci, A Última Ceia, 1495-1498


Fonte: Wikimedia/Commons

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Qualquer percurso de projeto com o desenho exige uma trajetória. Entender
esse percurso em uma linguagem como o desenho requer uma história perceptiva,
e também de caráter prático, o que torna a experiência significativa em seus
percursos e processos, pois desenvolve-se um conhecimento, que, neste caso, não
se quantifica, mas percebe-se no ato sensível do fazer, produzir e como produzir,
tornando esse aprendizado pessoal e insubstituível.

Existem várias escolas e aprendizados, meios através dos quais se chega ou se


pretende chegar a algum fim.

A observação e a persistência no desenvolvimento da linguagem do desenho e


todo seu repertório trouxeram-nos, desde os primórdios, uma percepção sobre ele,
e o homem vem, ao longo do tempo, dedicando-se a essa aprendizagem.

Alguns procedimentos, como o desenho cego, são bastante utilizados como


forma de exercitar a desenvoltura do traço a partir da percepção. Define-se como
“desenhar sem ver”. É um exercício que se constitui em, a partir da observação
de um determinado objeto e sem olhar para a folha de papel ou suporte utilizado,
tentar reproduzir o objeto observado, lidando com a percepção e a relação que o
cérebro faz em relação ao gesto.

Em tese, o desenho parte de um referencial, mas, diferente do que ocorre com


o desenho de observação – quando a intenção é olhar tanto o objeto em questão
quanto o desenvolvimento do que se está se desenhando –, só se vê o resultado
após o término do desenho, o que sugere que, mesmo havendo um referencial, esse
se modifica fatalmente pela maneira como é executado. Também não se espera
uma cópia fidedigna do objeto desenhado, resultando numa prática que se realiza
muito mais como um método para ação de um determinado desejo de se desenhar.
Explor

Para compreender melhor o processo do desenho cego, assista ao vídeo Desenho Cego por
Paulo Von Poser, no Youtube: https://youtu.be/feIYvLPVDJU

Chegamos ao final desta primeira Unidade da disciplina Desenho. Vimos as


primeiras noções sobre os tipos de desenho, os diferentes contextos e materiais e
algumas breves noções históricas do uso dos materiais. Alguns conteúdos iniciados
aqui serão melhor desenvolvidos ao longo da disciplina, pois ainda veremos contextos
específicos da representação do espaço, da figura humana e de animais e criaturas.
Serão estudados ainda os desdobramentos do desenho na arte contemporânea e o
desenho infantil.

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Material Complementar
Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade:

  Sites
19&20
AMBRIZZI, Miguel Luiz. O olhar distante e o próximo - a produção dos artistas-
viajantes. 19&20, Rio de Janeiro, v. VI, n. 1, jan./mar. 2011.
Esse texto apresenta um panorama geral sobre a produção dos artistas-viajantes no
Brasil desde os séculos XVII ao XIX, analisando os gêneros mais comuns: a natureza-
morta e a paisagem, os quais revelam o olhar estrangeiro sobre o Brasil.
https://goo.gl/D1fEPs
19&20
AMBRIZZI, Miguel Luiz. Entre olhares - O romântico, o naturalista. Artistas-viajantes
na Expedição Langsdorff: 1822-1829. 19&20, Rio de Janeiro, v. III, n. 4, out. 2008.
Nesse texto o autor analisa a produção dos artistas-viajantes da Expedição Langsdorff
mostrando as influências dos artistas do neoclassicismo e do romantismo.
https://goo.gl/g0gmeE
The Drawings
Vincent Van Gogh. The Drawings. Motopolitan Museum of art, New York, 2005.
https://goo.gl/Q6vbBW
Enciclopédia Itaú Cultural
http://enciclopedia.itaucultural.org.br/

 Livros
Arte-educação no Brasil: das origens ao modernismo
BARBOSA, Ana Mae. Arte-educação no Brasil: das origens ao modernismo. São
Paulo: Perspectiva, 1978.
Fundamentos do Desenho Artístico
ROIG, Gabriel Martín. Fundamentos do Desenho Artístico. Barcelona:
Parramón, 2007.
Gesto inacabado, processo de criação artística
SALLES, Cecília Almeida. Gesto inacabado, processo de criação artística. São
Paulo: Annablume, 1998.
Técnicas de Desenho e Pintura: um curso completo de técnicas criativas e práticas
HARRISON, Hazel. Técnicas de Desenho e Pintura: um curso completo de técnicas
criativas e práticas. Erechim – RS: Edelbra, 1994.
Disegno. Desenho. Desígnio.
DERDYK, Edith (org). Disegno. Desenho. Desígnio. São Paulo: Editora Senac São
Paulo, 2007.

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Livros
Arte Moderna. Do Iluminismo aos movimentos contemporâneos
ARGAN, Giulio Carlo. Arte Moderna. Do Iluminismo aos movimentos
contemporâneos. São Paulo: Companhia das Letras, 1992.
O Desenho, de Altamira a Picasso
PIGNATTI, Terisio. O Desenho, de Altamira a Picasso. São Paulo: Editora Abril, 1982.
Manual Prático do Artista
SMITH, R. Manual Prático do Artista. Porto: Civilização, 2006.

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Referências
DERDYK, E. Disegno. Desenho. Desígnio. São Paulo: Senac, 2008.

DWORECKI, S. M. Em Busca do Traço Perdido. São Paulo: Scipione, 1999.

EDWARDS, B. Desenhando Com o Lado Direito do Cérebro. 7. ed. Rio de


Janeiro: Ediouro, 2004.

HOCKNEY, D. O Conhecimento Secreto - Redescobrindo as Técnicas Perdidas


dos Grandes Mestres. São Paulo: Cosac e Naify, 2001.

SIMBLET, S. Desenho: Uma Forma Prática e Inovadora para Desenhar o Mundo


que nos Rodeia. São Paulo: Ambientes& Costumes Editora Ltda., 2011.

VILASALO, P.; J. M. A Perspectiva na Arte. Lisboa: Presença: 1998.

WONG, W. Princípios de Forma e Desenho. São Paulo: Martins Fontes, 2001.

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