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DIREITO DO CONSUMIDOR

LEONARDO RODRIGUES DE GODOY


1º EDIÇÃO - 2019
S Ã O PA U L O - S P
DIREITO DO CONSUMIDOR
BRASILEIRO
LEONARDO RODRIGUES DE GODOY

1º EDIÇÃO - 2019
SÃO PAULO - SP
DIREITO DO CONSUMIDOR BRASILEIRO

EXPEDIENTE

COORDENAÇÃO GERAL COORDENAÇÃO,


PROJETO GRÁFICO E CAPA
Nelson Boni
João Guedes

COORDENAÇÃO DE COORDENAÇÃO DE
PROJETOS PEDAGÓGICOS REVISÃO ORTOGRÁFICA
Hikaro Queiroz Esthela Malacrida

AUTOR(ES) DIAGRAMAÇÃO
Leonardo R. de Godoy Bruno Ribeiro do Rosario

1º EDIÇÃO - 2019
SÃO PAULO - SP


APRESENTAÇÃO

Prezado aluno,

O
Direito do Consumidor é uma das disciplinas
mais importantes, seja em um curso tradicio-
nal de Direito, graduação ou pós-graduação,
seja em cursos relacionados a business, tais como
Administração, Ciências Contábeis, em cursos de
Gestão, e até mesmo em cursos relacionados às áre-
as de Engenharia. Em suma, é importante a todos
os estudantes e profissionais que operam (ou preten-
dem operar) de algum modo com o fornecimento e
consumo de produtos e serviços.
O Código de Defesa do Consumidor brasileiro é al-
tamente regulador e detém detalhes que demandam
conhecimentos imprescindíveis a quem pretende ser
bem sucedido. De um lado, como fornecedor, é neces-
sário conhecer profundamente a legislação consu-
merista, para não incorrer nas infrações previstas
no ordenamento jurídico, que podem resultar em
sanções administrativas, civís e criminais. De outro,
como consumidor, estando no elo mais fraco da ca-
deia de consumo, faz-se necessário o conhecimento
pleno dos seus direitos, para que faça valer a ordem
estabelecida na Política Nacional das Relações de
Consumo, buscando assim o equilíbrio mercadológi-
co esperado pelo legislador.
Este material tem como objetivo proporcionar ao
estudioso do tema uma visão ampla e completa de
toda disciplina, das relações de consumo no âmbito
federal, qualificando-o para atuar, de um lado, em
departamentos jurídicos, setores de qualidade, re-
lacionamento com clientes e outros que demandem
a representação empresarial e, de outro, na defesa
do consumidor, seja como advogado, como mem-
bro do Ministério Público, das Defensorias Públicas
e órgãos de defesa do consumidor, como fundações,
associações, entre outros. Mais que isso, objetiva-se
qualificar o estudante proporcionando uma noção de
cidadania, tão necessária a qualquer país que busca
ser desenvolvido.
Trata-se de uma revisão bibliográfica, que parte de
noções gerais e fundamentos da defesa do consumi-
dor, passando pelas fontes e princípios aplicáveis,
principais conceitos da matéria, como consumidor e
fornecedor; produtos e serviços, fechando os elemen-
tos da relação de consumo. Este livro descreverá os
instrumentos de defesa do consumidor, aptos a ga-
rantir os seus direitos básicos, bem como as institui-
ções de defesa do consumidor, atuantes na tutela de
proteção. Serão estudadas as diversas responsabili-
dades nessas relações, as peculiaridades processuais
e materiais próprias desse indispensável ramo da
ciência jurídica, para qualquer um que atue em um
ambiente de trocas comerciais.

Bons estudos!


SUMÁRIO:

UNIDADE 1.
PRINCÍPIOS BASILARES DA RELAÇÃO DE
CONSUMO E NOÇÕES GERAIS APLICÁVEIS���������������������� 7
CAPÍTULO 1. NOÇÕES GERAIS, PRINCÍPIOS E
FUNDAMENTOS DA DEFESA DO CONSUMIDOR������������������ 9
CAPÍTULO 2. FONTES E PRINCÍPIOS DO DIREITO DO
CONSUMIDOR��������������������������������������������������������21
CAPÍTULO 3. CONCEITOS APLICÁVEIS:
CONSUMIDOR E FORNECEDOR������������������������������������33
3.1 O CONSUMIDOR������������������������������������������������������ 34
3.2 O FORNECEDOR������������������������������������������������������ 36
CAPÍTULO 4. RELAÇÃO DE CONSUMO E
INSTRUMENTOS DE DEFESA DO CONSUMIDOR����������������38
4.1 PRODUTOS E SERVIÇOS COMO ELEMENTOS DA
RELAÇÃO DE CONSUMO��������������������������������������������� 39
4.2 INSTRUMENTOS DE EXECUÇÃO DA POLÍTICA
NACIONAL DAS RELAÇÕES DE CONSUMO ����������������������� 44

UNIDADE 2.
DIREITOS E INSTRUMENTOS DA DEFESA DO CONSUMIDOR��52
CAPÍTULO 5. DIREITOS E INSTRUMENTOS DA
DEFESA DO CONSUMIDOR�����������������������������������������54
CAPÍTULO 6. INSTITUIÇÕES E TUTELA
ADMINISTRATIVA DA DEFESA DO CONSUMIDOR���������������70
6.1 MINISTÉRIO PÚBLICO����������������������������������������������� 71
6.2 MINISTÉRIO PÚBLICO E PROCON���������������������������������� 73
6.3 ÓRGÃOS ADMINISTRATIVOS DE TUTELA DA
DEFESA DO CONSUMIDOR������������������������������������������ 73

5


6.4 ASSOCIAÇÕES DE DEFESA DO CONSUMIDOR������������������� 77


6.5 DEFENSORIAS PÚBLICAS DO CONSUMIDOR��������������������� 77
6.6 O ESTADO ATUANTE NA DEFESA DO CONSUMIDOR������������ 79

UNIDADE 3.
TUTELA CRIMINAL E RESPONSABILIDADE CIVIL
NAS RELAÇÕES DE CONSUMO������������������������������������85
CAPÍTULO 7. TUTELA CRIMINAL NAS RELAÇÕES DE
CONSUMO�������������������������������������������������������������87
7.1 OS CRIMES CONTRA O CONSUMIDOR���������������������������� 89
7.2 APLICAÇÃO DE PENAS ALTERNATIVAS ��������������������������� 94
7.3 DA ASSISTÊNCIA E DA AÇÃO PENAL PRIVADA
SUBSIDIÁRIA DA PÚBLICA ����������������������������������������� 96
7.4 DOS CRIMES EM ESPÉCIE ������������������������������������������ 97
CAPÍTULO 8. RESPONSABILIDADE CIVIL DO FORNECEDOR��� 110

UNIDADE 4.
PRESCRIÇÃO, DECADÊNCIA E PRÁTICAS COMERCIAIS����� 133
CAPÍTULO 9. PRESCRIÇÃO E DECADÊNCIA NAS
RELAÇÕES DE CONSUMO����������������������������������������� 135
CAPÍTULO 10. PRÁTICAS COMERCIAIS����������������������������� 147

6
U N I D ADE

UNIDADE 1.
1
PRINCÍPIOS BASILARES DA
RELAÇÃO DE CONSUMO E
NOÇÕES GERAIS APLICÁVEIS
DIREITO DO CONSUMIDOR BRASILEIRO

Caro(a) Aluno(a)
Seja bem-vindo(a)!
Esta obra é dividida em algumas unidades, a fim de esquematizar
o conteúdo e facilitar a compreensão de cada um dos grandes
grupos de matéria.

CONTEÚDOS DA UNIDADE
Nesta unidade serão analisadas as linhas gerais sobre a disciplina
e sua importância, na medida em que permeia o cotidiano de to-
dos os seres humanos. Serão enfrentadas as principais situações
de aplicabilidade do Direito do Consumidor, com uma aborda-
gem interdisciplinar, possibilitando ao discente uma formação
humanística sobre este importante ramo do Direito. Um breve
histórico sobre o movimento consumerista será exposto, bem
como o tratamento dispensado pela Constituição Federal e por
órgãos supranacionais. Serão também estudados os princípios
e fontes fundantes do Direito do Consumidor. Tais noções são
relevantes, na medida em que servem de ponto de partida para
a análise das relações de consumo e suas repercussões na vida
cotidiana e nas resoluções de conflitos.
Mais a fundo na disciplina, serão analisados os conceitos de con-
sumidor e fornecedor. Desse modo, o discente deverá ser capaz
de entender os fundamentos da disciplina e identificar os ele-
mentos subjetivos da relação de consumo.
Na sequência, serão abordados os elementos objetivos dessa re-
lação – produto e serviço – tornando o aluno apto a identificar
todos os seus elementos.
Acompanhe os conteúdos desta unidade. Se preferir, vá assina-
lando os assuntos à medida que for estudando.

Bons estudos!!!
CAPÍTULO

1
CAPÍTULO 1. NOÇÕES GERAIS,
PRINCÍPIOS E
FUNDAMENTOS DA
DEFESA DO CONSUMIDOR
–NOÇÕES GERAIS, PRINCÍPIOS E FUNDAMENTOS DA DEFESA DO CONSUMIDOR–

A importância do Direito nas relações consumeristas


é patente. Todo ser humano, na sua existência, para sobre-
viver na sociedade atual, necessita de produtos e serviços.
No ordenamento jurídico pátrio, o legislador intro-
duziu a Lei nº 8.078, de 11/09/1990, o chamado Código
Brasileiro de Defesa do Consumidor.
Mas antes disso, em 1988, a Constituição Federal, ao
cuidar da chamada ordem econômica no seu art. 170, diz
que ela é “fundada na valorização do trabalho humano e
na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência
digna, conforme os ditames da justiça social”.
Uma vez que a interpretação da Constituição é feita
como um todo, o constituinte descreveu determinados prin-
cípios, em complemento ao mandamento acima, dentre os
quais a defesa do consumidor (inciso V do mesmo art. 170).
Assim, a defesa do consumidor é um dos princípios
da ordem econômica estabelecida na Constituição Federal,
mas, além disso, é o fim a ser buscado pelo Estado na sua
obrigação da consecução do bem comum.
Nesse passo, a defesa do consumidor se refere, em úl-
tima instância, a uma das formas de concretização de um
valor mais amplo, previsto logo no início da carta republi-
cana. Consta do artigo primeiro:
Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela
união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito
Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e
tem como fundamentos:

10
–NOÇÕES GERAIS, PRINCÍPIOS E FUNDAMENTOS DA DEFESA DO CONSUMIDOR–

I - a soberania;
II - a cidadania;
III - a dignidade da pessoa humana;
IV - os valores sociais do trabalho e da livre
iniciativa;
V - o pluralismo político.

Do mesmo modo, o artigo terceiro estabelece em


seu inciso IV, que constituem objetivos fundamentais da
República Federativa do Brasil, entre outros: “promover o
bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor,
idade e quaisquer outras formas de discriminação”.
Partindo do pressuposto de que o Estado deve garan-
tir a dignidade da pessoa humana, promover o bem de to-
dos e coibir formas de desigualdades, pode-se entender a
razão de existir um Código de Defesa do Consumidor.
O constituinte originário entendeu (e isso é um fato
admitido no mundo civilizado) que o consumidor é a parte
mais vulnerável na comparação com o fornecedor de pro-
dutos e serviços.
Isso quer dizer que aquele que oferece produtos e ser-
viços no mercado detém todas as informações a respeito de
seu produto ou do serviço que presta, em contraposição ao
consumidor que, em regra, tem pouca ou quase nenhuma
vantagem na eventualidade de conflitos que possam surgir
nas relações estabelecidas.

11
–NOÇÕES GERAIS, PRINCÍPIOS E FUNDAMENTOS DA DEFESA DO CONSUMIDOR–

Desse modo, a defesa do consumidor, prevista na


Constituição Federal e no Código de Defesa do Consumidor,
é instrumento de promoção da dignidade da pessoa huma-
na, de diminuição de discrepâncias nas relações, que são
por natureza desiguais, e de concretização, através de polí-
ticas afirmativas, do princípio da isonomia, que deve ser in-
terpretado da seguinte forma: nem todos são iguais perante
a lei, mas esta servirá de instrumento para diminuição das
desigualdades.
Portanto, o Código de Defesa do Consumidor não é
“paternalista” ou cria desigualdades, apenas concretiza os
princípios descritos que resultaram na Política Nacional de
Relações de Consumo, estabelecida no seu artigo quarto,
que dispõe:
Art. 4º A Política Nacional das Relações de
Consumo tem por objetivo o atendimento das
necessidades dos consumidores, o respeito à sua
dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus
interesses econômicos, a melhoria da sua quali-
dade de vida, bem como a transparência e har-
monia das relações de consumo.

O Código de Defesa do Consumidor não é instrumento


de benevolência para com o consumidor, mas de promoção
da igualdade nas relações entre este e o fornecedor.
Neste contexto, o Direito do Consumidor é uma ciên-
cia ou um ramo do Direito que dispõe de princípios próprios

12
–NOÇÕES GERAIS, PRINCÍPIOS E FUNDAMENTOS DA DEFESA DO CONSUMIDOR–

e de normas específicas tendentes a efetivar a proteção e de-


fesa dos interesses e direitos dos consumidores.
José Geraldo Brito Filomeno informa que no Código
de Hamurabi já estariam escritas as primeiras linhas do
Direito do Consumidor. Escrito há mais de quatro mil anos,
à época já havia uma preocupação com a proteção daque-
les que procuravam os serviços de terceiros, profissionais e
experimentavam graves danos. Assim, por exemplo, a ‘Lei
nº 233’ do referido Código dizia que o arquiteto que viesse
a construir uma casa cujas paredes se revelassem deficien-
tes teria a obrigação de reconstruí́-las, ou consolidá-las, às
suas próprias custas (2014, p. 5).
O mesmo autor segue dizendo que, em casos que re-
sultassem em desabamento da construção, com vítimas fa-
tais, as penas eram terríveis. Por exemplo, o empreiteiro de
uma obra tinha a obrigação de reparar totalmente os danos
causados ao seu dono, mas também poderia ser condenado
à morte, caso o desabamento vitimasse o próprio empres-
tador dessa obra. Se o falecimento fosse do filho do dono
da obra, ou outro familiar, haveria pena de morte para o
respectivo parente do empreiteiro.
A partir das grandes navegações, e mais tarde com a
revolução industrial, o capitalismo firmou-se como forma
econômica dominante, acelerando as relações de consumo
e padronizando a produção para alcançar o maior número
possível de consumidores. A partir do período pós-revolu-
ção industrial, houve um crescimento populacional expo-
nencial nas grandes metrópoles, aumentando ainda mais a

13
–NOÇÕES GERAIS, PRINCÍPIOS E FUNDAMENTOS DA DEFESA DO CONSUMIDOR–

demanda por produtos e serviços. Criou-se a necessidade


de maior oferta (quantitativa e qualitativamente).
A globalização também contribuiu para que o capita-
lismo evoluísse para um modelo capaz de entregar, para um
maior número de pessoas, mais produtos e mais serviços.
Rizzato Nunes explica que nos Estados Unidos, que
hodiernamente é o país que domina o planeta do ponto de
vista do capitalismo contemporâneo, que capitaneia o con-
trole econômico mundial (cujo modelo de controle tem ago-
ra o nome de globalização), a proteção ao consumidor havia
começado em 1890 com a Lei Sherman, que é a lei antitrus-
te americana, isto é, exatamente um século antes do nos-
so CDC, numa sociedade que se construía como sociedade
capitalista de massa, já existia uma lei de proteção ao con-
sumidor. Sabe-se, é verdade, que a consciência social e cul-
tural da defesa do consumidor mesmo nos Estados Unidos
ganhou fôlego maior a partir dos anos 1960. Especialmente
com o surgimento das associações dos consumidores com
Ralf Nader, ou seja, o verdadeiro movimento consumerista
(como se costuma chamar) começou para valer na segunda
metade do século XX. Mas é importante atentarmos para
essa preocupação existente já́ no século XIX com a questão
do mercado de consumo, no país mais poderoso do mundo.
É preciso que lembremos desses pressupostos para enten-
der o porquê de uma lei que chega até nós no final do século
XX trazer uma série de situações que importam em experi-
ência que ainda não tínhamos vivenciado. (2019, p. 41)

14
–NOÇÕES GERAIS, PRINCÍPIOS E FUNDAMENTOS DA DEFESA DO CONSUMIDOR–

Portanto, segundo o consagrado autor, a nossa legis-


lação, consubstanciada na edição e promulgação do Código
de Defesa do Consumidor, veio tarde em comparação com o
centro do capitalismo. Entretanto, tal diploma vem trazen-
do resultados altamente positivos.

“O resultado foi tão positivo que a lei brasi-


leira já́ inspirou a lei de proteção ao consu-
midor na Argentina, reformas no Paraguai e
no Uruguai e projetos em países da Europa”
(Ibidem, p. 43).

Assim, o chamado movimento consumerista ganhou


tamanha importância que passou a ser objeto de preocupa-
ção de organismos supraestatais, como a ONU e represen-
tações de mercados globais.
A Resolução n.º 39/248, da Organização das Nações
Unidas (ONU), informa as diretrizes mais relevantes a se-
rem adotadas para a defesa e proteção do consumidor. Ela
foi inspirada na Declaração dos Direitos do Consumidor,
proferida pelo presidente norte americano, John Kennedy.
Tem como objetivos proteger o consumidor quanto
a prejuízos à sua saúde e segurança, em face de produtos e
serviços perigosos ou nocivos; fomentar e proteger seus in-
teresses econômicos; fornecer-lhe informações adequadas
para capacitá-lo a fazer escolhas acertadas, de acordo com
suas necessidades e desejos; educá-lo; criar possibilidades de
real ressarcimento; garantir a liberdade para a formação de

15
–NOÇÕES GERAIS, PRINCÍPIOS E FUNDAMENTOS DA DEFESA DO CONSUMIDOR–

grupos de consumidores e outras organizações de relevância,


bem como oportunidades para que essas organizações pos-
sam intervir nos processos decisórios a elas referentes.
Para o cumprimento das metas estabelecidas, a ONU
impõe aos seus Estados filiados que formulem políticas efe-
tivas de proteção ao consumidor e disponham de mecanis-
mos aptos para sua concretização.
O MERCOSUL traz em seu bojo, além da ideia de pros-
peridade regional e do livre trânsito de pessoas, vantagens
efetivas ao consumidor, na qualidade de destinatário final
dos produtos e serviços do grupo. O consumidor deve to-
mar seu lugar de protagonismo nessa nova ordem mundial.
Nas palavras de Durval Noronha Goyos Jr., o Mercosul
foi constituído pelo Tratado de Assunção, assinado em 26
de março de 1991, entre a Argentina, o Brasil, o Paraguai e o
Uruguai, que criou um mercado comum no território desses
países, que deverá estar totalmente operativo em 1 de janei-
ro de 1995. O Tratado de Assunção estabelece os seguintes
objetivos: a) a livre negociação de bens, serviços, de pessoas
e de capitais; b) o estabelecimento de uma tarifa aduaneira
comum e a adoção de uma política comum em matéria de
comércio externo; c) a coordenação das políticas macroe-
conômicas. Tendo em vista a persecução dos objetivos do
MERCOSUL foram criados os seguintes instrumentos: a) um
programa de liberalização comercial que consiste na elimina-
ção gradual, e iniciada imediatamente, de todas as barreiras
comerciais até 1 de janeiro de 1995; b) um programa de coor-
denação da legislação interna dos Estados-membros de forma

16
–NOÇÕES GERAIS, PRINCÍPIOS E FUNDAMENTOS DA DEFESA DO CONSUMIDOR–

a promover a livre concorrência; c) um regime para definição


de origem dos produtos de um Estado-membro; d) um siste-
ma para a resolução de litígios e controvérsias; e) um regime
transitório de cláusulas de salvaguarda. A administração do
MERCOSUL está a cargo do Conselho do Mercado Comum
composto pelos ministros dos Negócios Estrangeiros e pelos
ministros das Finanças dos Estados-membros. O órgão exe-
cutivo do MERCO- SUL é o Grupo Mercado Comum, forma-
do por dezesseis membros em representação do Ministério
dos Negócios Estrangeiros, do Ministério da Economia e do
Banco Central de cada Estado-membro. O Grupo Mercado
Comum terá́ um secretariado permanente sediado em
Montevidéu, Uruguai. O Tratado de Assunção instituiu tam-
bém dez grupos de trabalho para se ocuparem das seguintes
matérias internas: liberalização do comércio; harmonização
da legislação comercial; direitos aduaneiros; nomenclatura e
especificações técnicas; impostos e finanças; transporte marí-
timo; transporte terrestre; propriedade industrial; agricultu-
ra; energia e macroeconomia. (2012, p. 10)”
Com a derrubada das barreiras econômicas, buscando a
integração de mercados, instituindo tarifas comuns, ou mes-
mo a instituição de uma moeda única, como é o caso da União
Europeia, a tendência mundial, a meta é a integração efetiva.
Com exceção de alguns países que buscam isolamen-
to, ou ainda o alinhamento baseado unicamente em critérios
ideológicos ou religiosos, a integração é tendência mundial e
impacta diretamente nas relações de consumo, devendo ser
tema de maior aprofundamento em pesquisas especificas.

17
–NOÇÕES GERAIS, PRINCÍPIOS E FUNDAMENTOS DA DEFESA DO CONSUMIDOR–

Internamente, no âmbito constitucional, o Direito do


Consumidor ganha papel de destaque, conforme ressalta-
do anteriormente. Além de estar disposto nos princípios
descritos no inicio da aula, o artigo quinto da Constituição
Federal (CF) de 1988, em seu inciso XXXII, dispõe que é
dever do Estado brasileiro “promover, na forma da lei, a
proteção do consumidor”.
Não é à toa que tal preceito encontra-se no Capítulo
I do Título II, que cuida “Dos Direitos e Garantias
Fundamentais”, mais especificamente na parte que trata
dos “Direitos e Deveres Individuais e Coletivos”.
Neste caso, o dever do Estado de promover a defesa
do consumidor é cláusula pétrea, não podendo ser objeto
de emenda, nos termos do artigo 60, §4º da Carta Magna.
A defesa do consumidor também permeia o Direito
Tributário, sendo tratado como direito do contribuinte, mais
especificamente como limitação ao poder de tributar, o escla-
recimento sobre os tributos que incidem sobre o consumo.
Por conta disso, o artigo 150 da Constituição Federal
prescreve no seu parágrafo quinto, que “a lei determinará
medidas para que os consumidores sejam esclarecidos acer-
ca dos impostos que incidam sobre mercadorias e serviços”.
Não obstante a imprecisão na redação, o dispositivo
deve ser interpretado como determinação de esclarecimen-
to ao consumidor acerca de TODA a tributação incidente no
consumo de bens e serviços e não apenas os impostos.

18
–NOÇÕES GERAIS, PRINCÍPIOS E FUNDAMENTOS DA DEFESA DO CONSUMIDOR–

Por conta do referido dispositivo, houve ensejo à edi-


ção da Lei Federal nº 12.741/2012, que dispôs acerca das
medidas de esclarecimento ao consumidor.
Tal lei alterou o inciso III do artigo sexto do Código de
Defesa do Consumidor, impondo a obrigação de informar,
no fornecimento de produtos e serviços, o valor dos tributos
incidentes no preço.
Como dito anteriormente, o direito do consumidor
permeia a ordem econômica. A Constituição Federal (CF),
em seu artigo 170:
Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização
do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim as-
segurar a todos existência digna, conforme os ditames da
justiça social, observados os seguintes princípios:
I - soberania nacional;
II - propriedade privada;
III - função social da propriedade;
IV - livre concorrência;
V - defesa do consumidor (grifamos);

Neste sentido, a lei protegerá o consumidor contra


abusos de ordem econômica, com estabelecimento de pu-
nição a práticas nefastas, anticoncorrenciais, eliminação da
concorrência, dominação de mercado, ou aumento de pre-
ços para a obtenção de lucros arbitrários, coibindo o estabe-
lecimento de trustes, carteis e práticas de dumping.

19
–NOÇÕES GERAIS, PRINCÍPIOS E FUNDAMENTOS DA DEFESA DO CONSUMIDOR–

Na sequência, no artigo 175, a CF/88 previu que “in-


cumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou
sob regime de concessão ou permissão, sempre através de
licitação, a prestação de serviços públicos”.
Em seu parágrafo único está previsto que a lei dispo-
rá́, dentre outras coisas, sobre “os direitos dos usuários”,
ou seja, dos consumidores de tais serviços.
Neste passo, entende-se que os direitos e proteção con-
sumerista se estendem aos usuários de serviços públicos,
seja por concessão, seja diretamente pela União, Estados,
Distrito Federal (DF) e Municípios.
O Ato das Disposições Constitucionais Transitórias
(ADCT), no seu artigo 48, determinou que “o Congresso
Nacional, dentro de cento e vinte dias da promulgação da
Constituição, elaborará código de defesa do consumidor”.
Segundo José Geraldo Brito Filomeno, “trata-se de norma
constitucional de eficácia exaurida, até porque sobreveio,
em 12 de setembro de 1990, a Lei nº 8.078, instituindo o
Código de Defesa do Consumidor” (2014, p. 16).
Portanto, essas são as linhas gerais introdutórias so-
bre a disciplina de Direito do Consumidor. Como visto, é
grande sua importância, tendo abrangência nacional e in-
ternacional. A partir da evolução histórica da sociedade
contemporânea é possível perceber a relevância do que se
denominou “movimento consumerista”, que resultou na
abordagem do tema pelo constituinte pátrio e posterior-
mente no Código de Defesa do Consumidor.

20
CAPÍTULO

2
CAPÍTULO 2. FONTES E
PRINCÍPIOS
DO DIREITO DO
CONSUMIDOR
–FONTES E PRINCÍPIOS DO DIREITO DO CONSUMIDOR–

Nesta seção serão abordadas as fontes das quais ema-


nam o Direito do Consumidor, bem como os princípios que
norteiam este ramo do Direito. Tais noções são relevantes,
na medida em que servem de ponto de partida para a aná-
lise das relações de consumo e suas repercussões na vida
cotidiana e nas resoluções de conflitos.
O Código de Defesa do Consumidor surgiu, como vis-
to, por conta da previsão constitucional de mecanismos de
defesa do consumidor. Constituiu-se, deste modo, um con-
junto de normas inovadoras, do ponto de vista do direito in-
terno, que traçam uma política específica, com um conjunto
de diretrizes a serem respeitadas e com o objetivo de que o
consumidor seja efetivamente protegido e defendido.
A política referida é a Política Nacional de Relações
de Consumo, que define uma rota para o atendimento das
necessidades dos consumidores, buscando ainda garantir
o respeito à sua dignidade, saúde e segurança. Além dis-
so, visa a garantir a proteção de seus interesses econômi-
cos, proporcionar a melhoria de sua qualidade de vida, bem
como a transparência e harmonia nas relações de consumo.
O mesmo artigo 4º trata de descrever os princípios
a serem atendidos na implementação da Política Nacional
das Relações de Consumo.
O primeiro dos princípios é o reconhecimento da
vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo
- Princípio da Vulnerabilidade. Por diversas razões
mercadológicas, destaca-se que ao consumidor falta con-
trole sobre os produtos e os serviços que lhe são colocados à

22
–FONTES E PRINCÍPIOS DO DIREITO DO CONSUMIDOR–

disposição. A lógica capitalista, de criação da demanda por


consumo pelo próprio mercado, excluindo o consumidor do
processo de decisão sobre o quê e como será colocado à sua
disposição, acarreta uma grande desproporção entre seu
poder de barganha e o dos fornecedores de bens e serviços.
Ademais, o consumidor não opina no processo de pro-
dução, ficando sujeito ao que as empresas decidirem ven-
der. Ao consumidor não é dado escolher os ingredientes de
um alimento, o material com que se monta um veículo e
assim por diante.
É por isso que se parte do pressuposto (princípio) de
que o consumidor é a parte vulnerável no mercado de con-
sumo. É por isso que, como dito na aula anterior, há um
tratamento desigual para partes naturalmente desiguais,
visando a consolidar o princípio da isonomia, tal como es-
tampado no artigo 5º, caput da Constituição Federal.
Outro princípio da Política Nacional de Relações de
Consumo, ou do próprio Direito do Consumidor, é a insti-
tuição de uma ação governamental de proteção ao consumi-
dor - Princípio da Intervenção Estatal. Essa ação pode
ser por iniciativa direta; por incentivos ao associativismo de
representação; pelo incentivo de práticas mais justas para
com o consumidor, pela presença do Estado no mercado de
consumo; e pela garantia de produtos e serviços com pa-
drões adequados de qualidade, segurança, durabilidade e
desempenho.
Levando em conta que o consumidor é vulnerável,
ou seja, é a parte mais frágil em face dos fornecedores,

23
–FONTES E PRINCÍPIOS DO DIREITO DO CONSUMIDOR–

entende-se que, no aspecto econômico e de poder aquisiti-


vo, o consumidor, por regra, possui menos disposição de ca-
pital para poder negociar na contratação de bens e serviços.
Ainda quanto à proteção do consumidor, ele também
é mais vulnerável na fase pré-contratual, no tocante às in-
formações disponíveis, que podem ser distorcidas, omitidas
ou mesmo falsificadas. Sem as ações descritas, fica impossí-
vel ao consumidor obter informações precisas quanto ao que
está adquirindo. Quanto às expectativas dos consumidores, é
o fornecedor quem realiza a oferta e apresentação de produ-
tos e serviços, através de meios visuais de mensagem publi-
citária, influenciando decisivamente na opção de consumo.
O consumidor também é mais vulnerável na fase
de contratação de um produto ou serviço, ficando sujei-
to a contratos de adesão, que segundo José Geraldo Brito
Filomeno, é o “contrato em que as condições gerais e cláu-
sulas são unilaterais, e previamente ditadas por apenas
uma das partes, cabendo à outra tão somente aceitá-las ou
não, sendo grande o risco de prejuízo ao consumidor, parte
mais fraca” (2014, p. 18).
Por fim, o consumidor é vulnerável na fase pós-con-
tratual, quando podem surgir vícios ou defeitos. O fornece-
dor pode usar de seu poder econômico para dificultar o uso
e manutenção dos produtos, tornando-os inadequados aos
fins aos quais se destinam, ou mesmo nocivos à segurança e
saúde dos usuários, que poderão sofrer prejuízos por conta
dos vícios ou defeitos.

24
–FONTES E PRINCÍPIOS DO DIREITO DO CONSUMIDOR–

Temos ainda o Princípio da Harmonia nas


Relações de Consumo. Esse princípio tem como escopo
a harmonização dos interesses dos participantes das rela-
ções de consumo e compatibilização da proteção do consu-
midor com a necessidade de desenvolvimento econômico e
tecnológico.
Tal princípio está relacionado com aqueles descritos
em que se funda a ordem econômica, conforme artigo 170
da Constituição Federal. Nada mais é que a busca da boa-fé
e equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedo-
res. São dois os objetivos a serem alcançados, com base nes-
se princípio: o primeiro é a compatibilização dos interesses
dos participantes das relações de consumo; o segundo, a
compatibilização da proteção do consumidor com a neces-
sidade de desenvolvimento econômico e tecnológico.
Outro princípio do Direito do Consumidor é o da Boa-
fé Objetiva. Tal princípio está intimamente relacionado
com o princípio constitucional da dignidade da pessoa hu-
mana. A boa-fé passa a ser, então, segundo Bruno Miragem
“um dos princípios basilares do direito do consumidor, as-
sim como no direito privado em geral” (2010, p. 75).
Em que pese não haver previsão expressa, a boa-fé pre-
vista como princípio no Código de Defesa do Consumidor é
a objetiva. A boa-fé subjetiva refere-se a questões internas
do ser humano, psicológicas, dos sujeitos nas relações jurí-
dicas. Quando se trata de boa-fé subjetiva, procura-se saber
se o titular de um direito tinha ciência ou não da existência
eventual do vício na prática de determinado ato jurídico.

25
–FONTES E PRINCÍPIOS DO DIREITO DO CONSUMIDOR–

Já a boa-fé objetiva envolve regras de conduta, procuran-


do saber se os atos praticados na relação de consumo ade-
quam-se no seu próprio conceito, para então concluir se os
sujeitos da relação atuaram ou não com boa-fé.
Ressalte-se que não só os fornecedores devem atuar
com boa-fé, mas também os consumidores.
Do princípio da Boa-fé surgem alguns deveres aces-
sórios, quais sejam, o de informação, de cooperação e de
proteção. O dever de informar consiste em prestar informa-
ções claras e precisas sobre o conteúdo, as qualidades, as
características e sobre o modo de utilização do produto ou
do serviço. O dever de cooperação significa que o fornece-
dor deve se abster de impor óbices na resolução de proble-
mas e cumprimento das obrigações assumidas. Já o dever
de proteção relaciona-se ao cuidado com relação à pessoa
e ao patrimônio da outra parte. Nesse sentido, o Código de
Defesa do Consumidor consagra os direitos do consumidor
à saúde e segurança, estabelecendo o dever do fornecedor
de respeitá-los (arts. 8º - 10º do CDC).
Outro princípio do Direito do Consumidor é do
Equilíbrio. Somado à boa-fé, busca concretizar a harmo-
nização na relação de consumo.
Como dito anteriormente, a relação de consumo não
é igualitária, pendendo para um dos lados em razão da
superioridade econômica e jurídica do fornecedor em re-
lação ao consumidor. Por ser mais vulnerável na relação
de consumo, o Princípio do Equilíbrio dita que é im-
prescindível o surgimento de uma legislação específica para

26
–FONTES E PRINCÍPIOS DO DIREITO DO CONSUMIDOR–

salvaguardar a parte mais fraca dessa relação, materializan-


do a igualdade material das relações. Portanto, tal princípio
é decorrente da própria vulnerabilidade do consumidor e
da necessidade de equilibrar a balança.
Outro princípio expresso no Código de Defesa do
Consumidor é o da educação e da informação. Tal princí-
pio diz respeito aos consumidores e sua consciência quanto
aos seus direitos e deveres, para alcance de um mercado de
consumo melhor.
Desse modo, seria desejável, à luz de tal princípio,
que desde os primeiros anos do ensino formal, a criança
tivesse contato com o Direito do Consumidor, ainda que
indiretamente.
Outro modo de concretizar tal princípio é através de
órgãos e entidades de defesa do consumidor, por meio de
cartilhas e materiais informativos, colocados à disposição
dos consumidores para que se inteirem de seus direitos e
prerrogativas.
Neste escopo, a Lei nº 12.291, de 20 de julho de 2010,
determinou que cada estabelecimento comercial tenha à
disposição para consulta um exemplar atualizado do Código
de Defesa do Consumidor. Disso extrai-se que o fornecedor
também deve cumprir o seu dever de informar, prestando
informações sobre os produtos e disponibilizando ao con-
sumidor material acessível sobre todos os aspectos do bem
ou serviço vendido.

27
–FONTES E PRINCÍPIOS DO DIREITO DO CONSUMIDOR–

Temos ainda o Princípio da Qualidade e


Segurança. Trata-se de princípio que visa ao incentivo da
criação, pelos fornecedores, de meios eficientes de contro-
le de qualidade e segurança de produtos e serviços, assim
como de mecanismos alternativos de solução de conflitos
de consumo.
O Código do Consumidor estabelece em seu artigo 8º
que:
Art. 8° Os produtos e serviços colocados no mer-
cado de consumo não acarretarão riscos à saúde
ou segurança dos consumidores, exceto os con-
siderados normais e previsíveis em decorrência
de sua natureza e fruição, obrigando-se os for-
necedores, em qualquer hipótese, a dar as infor-
mações necessárias e adequadas a seu respeito.

Portanto, o princípio da qualidade e segurança está


permeado dos comandos do dever de informar bem sobre
a qualidade e segurança; de comunicar a periculosidade
por anúncios publicitários; de informar ostensivamente e
de maneira adequada sobre a nocividade e periculosidade,
sendo vedado o fornecimento de produtos ou serviços com
alto grau nocivo ou perigoso.
Outro princípio expresso do CDC é o Princípio da
Coibição e Repressão ao Abuso. Assim dispõe o art. 4º,
inciso VI, da Lei nº 8.078/90:
Art. 4º A Política Nacional das Relações de
Consumo tem por objetivo o atendimento das

28
–FONTES E PRINCÍPIOS DO DIREITO DO CONSUMIDOR–

necessidades dos consumidores, o respeito à


sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de
seus interesses econômicos, a melhoria da sua
qualidade de vida, bem como a transparência e
harmonia das relações de consumo, atendidos os
seguintes princípios: (Redação dada pela Lei nº
9.008, de 21.3.1995)

(...)

VI - coibição e repressão eficientes de todos os


abusos praticados no mercado de consumo, in-
clusive a concorrência desleal e utilização inde-
vida de inventos e criações industriais das mar-
cas e nomes comerciais e signos distintivos, que
possam causar prejuízos aos consumidores;

A legislação busca, assim, coibir o abuso, exatamente


por conta do princípio a ela coligado. E em havendo prá-
ticas abusivas, estipula-se que sejam adotadas medidas de
repressão eficaz. Ou seja, as autoridades devem se esforçar
para fiscalizar e evitar o abuso por parte dos fornecedores.
Havendo configuração de abusividade, é dever dessas auto-
ridades reprimi-la.
A título exemplificativo, o CDC coíbe em diversas pas-
sagens o abuso no mercado de consumo, tais como descrito
nos incisos do artigo 39. Lá são apresentadas práticas abu-
sivas que são vedadas. Do mesmo modo ocorre no artigo 51,

29
–FONTES E PRINCÍPIOS DO DIREITO DO CONSUMIDOR–

que traz um rol não exaustivo de cláusulas abusivas, consi-


deradas nulas de pleno direito.
Outro princípio previsto no CDC é o da
Racionalização e Melhoria dos Serviços Públicos.
Assim prevê o seu art. 4º, inciso VII: “racionalização e me-
lhoria dos serviços públicos”. Mais uma vez, tal princípio
reforça a máxima de que o CDC incide sim sobre serviços
públicos.

Nas palavras de Rizzatto Nunes:

O legislador constitucional acresceu ao elemen-


to obrigatório da adequação do serviço público o
da eficiência. Isso significa que não basta haver
adequação, nem estar à disposição das pessoas.
O serviço tem de ser realmente eficiente; tem de
cumprir sua finalidade na realidade concreta. O
significado de eficiência remete ao resultado: é
eficiente aquilo que funciona. A eficiência é um
plus necessário da adequação (2019, p. 107).

No mesmo sentido é o que dispõe a Lei nº 8.987/95 —


Lei Geral de Concessões e Permissões de Serviços Públicos
—, quando define o serviço adequado, em seu art. 6o, § 1o,
como aquele que satisfaz, dentre outras condições, a da
eficiência.
Temos também o Princípio da Responsabilidade
Solidária. O referido princípio reconhece a solidariedade
dentro da cadeia de fornecedores, tendo o consumidor a

30
–FONTES E PRINCÍPIOS DO DIREITO DO CONSUMIDOR–

opção de escolher qual deles será acionado, ou mesmo to-


dos aqueles que colocaram o produto ou o serviço no mer-
cado de consumo.
Nesse sentido, Rizzatto Nunes explica que o consu-
midor pode escolher a quem acionar: um ou todos. Como
a solidariedade obriga a todos os responsáveis simultane-
amente, todos respondem pelo total dos danos causados.
(...) Ao responsável acionado, depois de indenizar o consu-
midor, caso queira, voltar -se contra os outros responsáveis
solidários para se ressarcir ou repartir os gastos, com base
na relação jurídica existente entre eles (2019, p. 200).
Prosseguindo, o Princípio da Continuidade do
Serviço Público é aquele que impede a interrupção da
prestação de serviços públicos, a não ser em situações ex-
cepcionais, descritas em lei.
Tal princípio tem por finalidade proteger o consumi-
dor como coletividade, que não poderá ficar desamparada
quando se trata de serviço essencial para o desempenho de
atividades comuns da vida cotidiana.
O art. 22 do Código de Defesa do Consumidor deter-
mina em seu caput que: “os órgãos públicos, por si ou suas
empresas, concessionárias, permissionárias ou sob qual-
quer outra forma de empreendimento, são obrigados a for-
necer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos
essenciais, contínuos”.
Cumpre ressaltar que o artigo 6º, § 3º, inciso II, da
Lei nº 8.987/95 admite a interrupção de serviços essenciais

31
CAPÍTULO

3
CAPÍTULO 3. CONCEITOS
APLICÁVEIS:
CONSUMIDOR E
FORNECEDOR
–CONCEITOS APLICÁVEIS: CONSUMIDOR E FORNECEDOR–

Neste tópico serão analisados os conceitos de con-


sumidor e fornecedor. O objetivo é capacitar o discente a
entender, como fundamentos da disciplina, a identificação
dos elementos subjetivos da relação de consumo.

3.1 O CONSUMIDOR
O Código de Defesa do Consumidor, logo em seus ar-
tigos 2º e 3º, já informa os conceitos de consumidor e for-
necedor, bem como de produto ou serviço. Desde o início já
fixa qual será o campo de incidência das normas ali conti-
das, de modo a caracterizar o que se denomina relação de
consumo.
Consumidor, de acordo com a redação do artigo 2º, é
toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto
ou serviço como destinatário final. Na função doutrinária,
de interpretar o conceito trazido pelo código, se formaram
duas correntes. A primeira é tida como teoria Maximalista
ou objetiva. A segunda, como Finalista ou subjetiva.
A teoria Maximalista entende que a expressão desti-
natário final deve ser interpretada da maneira mais ampla.
Segundo tal interpretação, basta que a pessoa (Física ou
Jurídica) adquira um produto ou serviço e os retire da ca-
deia de produção para que se caracterize como consumidor.
Neste caso, não importa se os produtos ou serviços foram
adquiridos para satisfação de seus interesses pessoais, fa-
miliares ou profissionais, desde que não haja a intenção de
revenda ou de intermediação.

34
–CONCEITOS APLICÁVEIS: CONSUMIDOR E FORNECEDOR–

Aquele que adquire produtos ou serviços para reven-


dê-los não é considerado consumidor, por não ser o des-
tinatário final. Ao contrário, este também se insere na ca-
deia econômica. Mas, segundo essa teoria, o contador que
compra livros técnicos para sua atualização profissional
será um destinatário final, bem como o médico que adquire
instrumentos cirúrgicos, pois esses produtos não são reven-
didos a terceiros, apesar de servirem de incremento para as
atividades profissionais dos respectivos consumidores.
Por outro lado, de acordo com a corrente Finalista ou
subjetivista, não basta que o produto ou serviço seja adqui-
rido pelo destinatário final. O consumidor somente será
aquele que é vulnerável. O bem ou serviço não poderá ser
usado para o exercício de outra atividade profissional lucra-
tiva. Desse modo, para essa corrente, consumidor é apenas
aquele que adquire o bem ou serviço sem interesses eco-
nômicos. Por essa corrente, os profissionais dos exemplos
anteriores não serão considerados consumidores e não po-
derão ter em seu favor aplicado o Código do Consumidor, já
que podem obter proveito econômico das aquisições.
A jurisprudência firmou um entendimento intermedi-
ário, chamado de corrente finalista mitigada ou temperada.
Admite-se a aplicabilidade do Código do Consumidor para
pequenas empresas ou profissionais liberais, desde que es-
tejam em situação de vulnerabilidade. A vulnerabilidade
que se espera para aplicação da lei consumerista é no plano
fático, jurídico e econômico.

35
–CONCEITOS APLICÁVEIS: CONSUMIDOR E FORNECEDOR–

Em seu parágrafo único, o artigo 2º equipara ao con-


sumidor a coletividade de pessoas, ainda que sejam inde-
termináveis, desde que haja participado das relações de
consumo. Trata-se dos consumidores por equiparação. Tal
premissa é reforçada nos artigos 17 e 29 do Código, que
ampliam a sua incidência. Deste modo, equiparam-se aos
consumidores todas as vítimas dos fatos do consumo (ar-
tigo 17), todas as pessoas, determináveis ou não, expostas
às práticas nele previstas (artigo 29). Um exemplo é aquela
pessoa que tem em seu nome a contratação de linha tele-
fônica por terceiro, mediante documentos falsificados. De
acordo com o artigo 29, aplica-se o Código de Defesa do
Consumidor a essa pessoa.
Portanto, conclui-se que consumidor pode ser aque-
le stricto sensu, conforme o artigo 2º, caput. Mas pode ser
também por equiparação (lato senso), conforme o parágra-
fo único do artigo 2º e nos artigos 17 e 29 do CDC.

3.2 O FORNECEDOR
Tal qual o consumidor, o CDC traz o conceito de for-
necedor para delimitar as relações de consumo. Fornecedor,
seguindo o artigo 3º, é toda pessoa física ou jurídica, públi-
ca ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes
despersonalizados, que desenvolvem atividade de produ-
ção, montagem, criação, construção, transformação, im-
portação, exportação, distribuição ou comercialização de
produtos ou prestação de serviços.

36
–CONCEITOS APLICÁVEIS: CONSUMIDOR E FORNECEDOR–

O conceito de fornecedor é bem abrangente, conside-


rando como fornecedor o gênero, mas também como espé-
cies daqueles que realizam as atividades descritas no referi-
do dispositivo. Veja que a pessoa jurídica, tal como descrita,
pode ser pública ou privada, mais uma vez reforçando a
ideia de que o Estado, como prestador de serviços, também
está sujeito às normas do Código.
Quando o artigo 3º se refere aos entes despersona-
lizados, trata das chamadas pessoas formais, que não de-
tém personalidade jurídica. São exemplos a família, o con-
domínio, a massa falida, o espólio, os consórcio (grupos),
etc. Deste modo, incluem-se no conceito de fornecedor
os empresários e sociedades de fato, como os vendedores
ambulantes.
São considerados fornecedores, ainda, os profissio-
nais liberais, muito embora a sua responsabilidade civil, em
decorrência de eventuais danos causados aos clientes, seja
por regra a subjetiva.
Em conjunto com o consumidor, o fornecedor com-
pleta o rol de elementos subjetivos da relação de consumo.
Deste modo, tais conceitos são relevantíssimos, na
medida em que colocam limites no conceito e aplicabilida-
de das relações de consumo, no escopo do CDC. Tendo em
mente os conceitos de consumidor e fornecedor, o jurista
poderá ter parâmetros para identificar o que se chama de
elementos subjetivos da relação de consumo, ou seja, são os
sujeitos que figuram naquelas situações em que se aplicam
o Código de Defesa do Consumidor.

37
CAPÍTULO

4
CAPÍTULO 4. RELAÇÃO DE CONSUMO
E INSTRUMENTOS
DE DEFESA DO
CONSUMIDOR
–RELAÇÃO DE CONSUMO E INSTRUMENTOS DE DEFESA DO CONSUMIDOR–

4.1 PRODUTOS E SERVIÇOS COMO ELEMENTOS DA


RELAÇÃO DE CONSUMO
Esta parte tem como objetivo fornecer noções dos de-
mais elementos da relação de consumo. Na seção imedia-
tamente anterior foram estudados os elementos subjetivos
da relação de consumo. A partir de agora serão colocados
em análise os elementos objetivos da relação. Ao final, se-
rão também estudados os instrumentos para a execução da
Política Nacional das Relações de Consumo.
Assim, os elementos objetivos da relação de consumo
são os produtos e os serviços.
Novamente a lei se ocupa de descrever o conceito des-
ses elementos, assim como o fez em relação ao consumidor
e fornecedor. Isso ocorre nos parágrafos 1º e 2º do artigo
3º. Os produtos são descritos como qualquer bem, móvel
ou imóvel, material ou imaterial. Pode-se dizer que produto
é tudo aquilo que resulta de um processo de produção ou
fabricação. Esse processo deve ser interpretado de manei-
ra ampla, pois o produto pode ser de natureza agrícola, ou
qualquer bem in natura, que tenha sofrido transformação
em decorrência do trabalho humano ou mecânico.
Desse modo, produto é tudo que é produzido, mesmo
aquilo que se retira do solo ou subsolo, com intervenção di-
reta ou indireta do homem. Podem ser produtos, bens mate-
riais ou imateriais, naturais ou industriais. Para definir pro-
duto o § 1º do artigo 3º utiliza a palavra bem. Desse modo,
produto não é qualquer coisa (como o ar que respiramos),

39
–RELAÇÃO DE CONSUMO E INSTRUMENTOS DE DEFESA DO CONSUMIDOR–

mas seu conceito relaciona-se com o Código Civil, ao tratar


dos bens e sua classificação, podendo ser, além da previsão
no CDC, fungíveis ou infungíveis, consumíveis ou inconsu-
míveis, principais ou acessórios, públicos ou particulares,
divisíveis ou indivisíveis.
Desse modo, para aprofundamento do conceito de
bens, deve-se consultar o Código Civil, especialmente os ar-
tigos 79 a 84.
Por outro lado, serviço é definido como qualquer ati-
vidade fornecida no mercado de consumo, mediante remu-
neração, inclusive as da natureza bancária, financeira, de
crédito e securitária, salvo as decorrentes de caráter traba-
lhista. Tal descrição encontra-se no parágrafo 2º do artigo
3º do CDC.
Dessa definição legal, extraem-se as características
do serviço. Vale ressaltar que o legislador preferiu utilizar
a palavra “atividade” para definir o ato, ou melhor, o verbo
principal do conceito de serviço. Atividade é uma sucessão
de atos que se projetam no tempo. Desse modo, entende-se
que o serviço deve ser algo elaborado, de execução continu-
ada ou diferida. Não é, assim, ato isolado de consumação
imediata.
Os serviços possuem como característica a onerosida-
de. Para se caracterizar como serviço há de haver remune-
ração da atividade, ainda que a contraprestação seja paga
pelo consumidor ou por terceiro (anunciante, por exemplo),
sendo irrelevantes o valor e a forma de pagamento. Isso
quer dizer que, ainda que o consumidor não desembolse

40
–RELAÇÃO DE CONSUMO E INSTRUMENTOS DE DEFESA DO CONSUMIDOR–

dinheiro para se beneficiar de certa atividade, caso a pessoa


que a disponibilize obtenha lucro de alguma forma, estará
configurado o serviço como elemento objetivo da relação de
consumo.
Apenas excluem-se como elemento da relação de con-
sumo os serviços estritamente gratuitos, feitos com inten-
ção filantrópica e não lucrativa. Um exemplo de atividade
que não se enquadra como serviço é a carona oferecida por
um amigo ao outro em seu automóvel até determinado local
de conveniência para ambos.
Trata-se de mera cortesia, cotejada pela amizade.
Entretanto, se o condutor propõe ao amigo a carona me-
diante a divisão das despesas com combustível, estaciona-
mento etc., a atividade deixa de ser gratuita, pois se torna
onerosa para o usuário.
Em outro exemplo, o usuário de uma conta de e-mail
na internet não precisa, de regra, dispor de qualquer va-
lor para ter acesso a tal serviço. Entretanto, o provedor de
acesso ao e-mail lucra com o serviço oferecido, apesar de
não cobrar dinheiro diretamente do usuário. Nesses dois
últimos casos, configura-se o serviço como elemento des-
crito no CDC, por conta do interesse econômico, ainda que
indireto ou mediato. Pode-se distinguir tais situações como
atividades puramente gratuitas e atividades aparentemen-
te gratuitas. Apenas no primeiro caso não há incidência do
Código do Consumidor.

41
–RELAÇÃO DE CONSUMO E INSTRUMENTOS DE DEFESA DO CONSUMIDOR–

O § 2º do artigo 3º segue especificando outras ativida-


des que se sujeitam ao conceito de serviços, como as ativi-
dades bancárias, financeiras, de crédito e securitárias.
Neste passo, da análise do referido dispositivo, ve-
rifica-se que o CDC não se referiu a um negócio jurídico
específico, procurando ser bastante amplo para abranger
todo e qualquer contrato que emane uma relação de con-
sumo, pouco importando o nome dado ao negócio ou a sua
classificação.
Deste modo, quando se refere às atividades bancária,
financeira, de crédito e securitária, o CDC elenca rol não ta-
xativo. A necessidade de incluir as atividades relacionadas
expressamente tem relação com o forte poderio econômi-
co exercido pelos detentores de tais setores. Ao referir-se
a atividades bancárias, financeiras e de crédito, abrangeu-
-se todo o mercado econômico, evitando assim manobras
jurídicas para descaracterizar indevidamente a relação de
consumo.
Ressalvem-se as relações trabalhistas, às quais se
aplicam a Consolidação das Leis do Trabalho - CLT. Desse
modo, a relação de emprego está excluída do conceito de
fornecedor de serviço para o empregador, que também não
é consumidor. Nesses casos não se caracteriza a relação de
consumo.
Como dito anteriormente, os serviços públicos, pres-
tados diretamente pela administração, ou mediante conces-
são, incluem-se no conceito de serviço do CDC, quanto mais
diante da leitura do artigo 22 do diploma consumerista.

42
–RELAÇÃO DE CONSUMO E INSTRUMENTOS DE DEFESA DO CONSUMIDOR–

Conclui-se que se incluem na proteção do CDC os serviços


públicos nas diversas modalidades, por exemplo, transpor-
te público, fornecimento de água, gás, energia elétrica ou
telefonia, etc.
Assim, fica claro que as normas previstas no Código de
Defesa do Consumidor são especificamente aplicáveis nas
relações de consumo, onde presentes estão os elementos
ora estudados. Os subjetivos, consumidor e fornecedor e os
objetivos, produto e serviço.

Nas palavras de Cavalieri Filho,

“as normas jurídicas de proteção ao consu-


midor, nelas incluídas os princípios, incidem
sempre que ocorrem, em qualquer área do
Direito, atos de consumo, assim entendidos o
fornecimento de produtos, a prestação de ser-
viços, os acidentes de consumo e outros supor-
tes fáticos, e fazem operar os efeitos jurídicos
nelas previstos. O que particulariza essa rela-
ção jurídica é que os sujeitos serão sempre o
consumidor e o fornecedor, e terá por objeto
produtos e serviços” (2008, p. 49).

Portanto, resta delimitado o campo de incidência das


normas do CDC, ou seja, especificamente nas relações de
consumo.

43
–RELAÇÃO DE CONSUMO E INSTRUMENTOS DE DEFESA DO CONSUMIDOR–

4.2 INSTRUMENTOS DE EXECUÇÃO DA POLÍTICA


NACIONAL DAS RELAÇÕES DE CONSUMO
No artigo 5º do Código de Defesa do Consumidor es-
tão elencados os instrumentos entregues ao Estado para a
implementação da chamada Política Nacional de Consumo.
Buscou-se com isso dar concretude ao que foi previsto
no artigo 4º, por meio da adoção desses instrumentos.
O primeiro desses mecanismos é a manutenção de
assistência jurídica integral e gratuita para o consumidor
carente. Intimamente ligado ao princípio do amplo acesso à
justiça (inafastabilidade da jurisdição), tal dispositivo vem
complementar a previsão da Lei 1.060, de 5 de fevereiro de
1950, que já havia estabelecido regras para concessão de as-
sistência judiciária gratuita a quem não dispõe de recursos
suficientes para litigar em juízo, sem prejuízo de seu sus-
tento e de sua família.
Ainda no âmbito do Poder Judiciário, os Juizados
Especiais Cíveis desempenham importantíssimo papel, es-
pecialmente nas causas de pequena complexidade, onde
grande quantidade de conflitos de consumo são resolvidos.
O consumidor, especialmente o de baixa renda, tem maior
acesso à justiça, podendo ajuizar demanda sem precisar
contratar advogado quando o valor da causa não atingir 20
salários mínimos.
Some-se a isso o relevante papel das Defensorias
Públicas. Elas podem representar os consumidores carentes
em juízo e prestar orientação jurídica gratuita. Importante

44
–RELAÇÃO DE CONSUMO E INSTRUMENTOS DE DEFESA DO CONSUMIDOR–

ressaltar que tal trabalho é suplementado pela advocacia,


por meio de convênios de assistência judiciária, nos locais
onde a Defensoria Pública não possui efetivo suficiente para
o atendimento.
Foi previsto como instrumento, também, a institui-
ção de Promotorias de Justiça de Defesa do Consumidor,
no âmbito do Ministério Público, bem como a criação de
Delegacias de Polícia especializadas no atendimento de
consumidores vítimas de infrações penais de consumo.
Esses dois últimos atuam na fiscalização do cumprimento
das leis de proteção do consumidor e no combate aos cri-
mes de consumo.
Ademais, como última ferramenta, temos o incentivo
para criação de associações de defesa do consumidor.
Deste modo, foram estudados os elementos da relação
de consumo, bem como a sua relevância para compor, con-
juntamente com os conceitos de consumidor e fornecedor,
a delimitação do campo de aplicação do CDC. Por fim, fo-
ram estudados os instrumentos para a execução da Política
Nacional das Relações de Consumo, também previstos na
Lei nº. 8.078, 1990.

45
–EXERCÍCIOS PROPOSTOS UNIDADE 1–

EXERCÍCIOS PROPOSTOS UNIDADE 1

1) O artigo 4º do Código de Defesa do Consumidor descreve


em seu caput a Política Nacional das Relações de Consumo.
Nele estão relacionados alguns objetivos e princípios bá-
sicos aplicáveis às relações de consumo. Aponte o funda-
mento legal ou constitucional de cada um dos itens abaixo,
descrevendo o seu escopo.
a) Princípio da Vulnerabilidade do consumidor





b) Princípio da Boa-fé Objetiva







c) Princípio do Equilíbrio





46
–EXERCÍCIOS PROPOSTOS UNIDADE 1–

d) Princípio da educação e informação







2) A Lei nº 12.291, de 20 de julho de 2010, determinou que


cada estabelecimento comercial tenha à disposição um
exemplar atualizado do Código de Defesa do Consumidor
para consulta . Quais princípios são tutelados por essa nor-
ma? Justifique.





3) Quem é considerado fornecedor à luz do Código de Defesa


do Consumidor? Justifique com o fundamento legal.





47
–EXERCÍCIOS PROPOSTOS UNIDADE 1–

4) Quem é considerado consumidor à luz do Código de Defesa


do Consumidor? Justifique com o fundamento legal.





5) Disserte sobre um dos instrumentos de execução da Política


Nacional das Relações de Consumo, descrevendo sua apli-
cação e seu fundamento legal.





48
–EXERCÍCIOS PROPOSTOS UNIDADE 1–

 GABARITO

1a: Artigo 4º, inciso I do Código de Defesa do Consumidor.


Por razões mercadológicas, falta ao consumidor controle
sobre os produtos e os serviços que lhe são colocados a
disposição. Além disso, o consumidor não opina no pro-
cesso de produção, ficando sujeito ao que as empresas de-
cidirem vender. A ele não é dado escolher o modo como
é produzido o produto ou como é prestado o serviço. Por
isso é a parte mais vulnerável na relação de consumo.
1b: Artigo 4º, inciso III do Código de Defesa do Consumidor.
A boa-fé objetiva envolve regras de conduta, procuran-
do saber se os atos praticados na relação de consumo
adequam-se no seu próprio conceito, para então con-
cluir se os sujeitos da relação atuaram ou não de ma-
neira adequada. Do princípio da Boa-fé surgem alguns
deveres acessórios, quais sejam, o de informação, de
cooperação e de proteção.
1c: Artigo 4º, III do Código de Defesa do Consumidor. Por
ser mais vulnerável na relação de consumo, o Princípio
do Equilíbrio dita que é imprescindível o surgimento de
uma legislação específica para salvaguardar o consumi-
dor, a parte mais fraca dessa relação, materializando a
igualdade material das relações. Portanto, tal princípio
é decorrente da própria vulnerabilidade do consumidor
e da necessidade de equilibrar a balança.
1d: Artigo 4º, inciso IV do Código de Defesa do Consumidor.
Tal princípio diz respeito aos consumidores e sua cons-
ciência quanto aos seus direitos e deveres para alcance
de um mercado de consumo melhor. Ademais, devem
ser garantidos todos os meios de acesso à informação

49
–EXERCÍCIOS PROPOSTOS UNIDADE 1–

sobre produtos e serviços colocados a disposição no


mercado, especialmente sobre eventuais perigos e no-
cividade decorrentes do seu uso.
2: Princípio da educação e informação do consumidor. O
fornecedor também deve garantir que o consumidor
tenha pleno conhecimento de seus direitos, proporcio-
nando, assim, mecanismos de defesa contra práticas
abusivas eventualmente cometidas no interior dos es-
tabelecimentos comerciais.
3: Nos termos do artigo 3º do CDC, fornecedor é toda pes-
soa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou
estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que
desenvolvem atividade de produção, montagem, cria-
ção, construção, transformação, importação, expor-
tação, distribuição ou comercialização de produtos ou
prestação de serviços.
4: Nos termos do artigo 2º e seu parágrafo único do CDC,
consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire
ou utiliza produto ou serviço como destinatário final.
Equipara-se a consumidor a coletividade de pessoas,
ainda que indetermináveis, que aja intervindo nas rela-
ções de consumo.
5: Todos os instrumentos para execução da Política
Nacional das Relações de Consumo estão previstos no
artigo 5º do CDC. Nesse caso, o aluno poderá escolher
entre “a manutenção de assistência jurídica integral
e gratuita para o consumidor carente”, que é previsto
também na Lei 1.060, de 5 de fevereiro de 1950, que
disciplina a assistência judiciária gratuita a quem não
dispõe de recursos suficientes para litigar em juízo,
sem prejuízo de seu sustento e de sua família. O aces-
so do consumidor é garantido, em grande escala, pelos

50
U N I D ADE

UNIDADE 2.
2
DIREITOS E INSTRUMENTOS
DA DEFESA DO CONSUMIDOR
DIREITOS E INSTRUMENTOS DA DEFESA DO CONSUMIDOR

Caro(a) Aluno(a)
Seja bem-vindo(a)!

CONTEÚDOS DA UNIDADE
Nesta unidade serão estudados os direitos básicos do consumidor,
descritos no artigo 6º do Código de Defesa do Consumidor, bem
como de que maneira eles se relacionam com os demais mecanis-
mos da execução da Política Nacional das Relações de Consumo.
Ademais, serão tratados os mais importantes institutos de defesa
do consumidor, como organismos públicos e privados que tem a
missão, primária ou não, de tutelar as relações de consumo.
Ao final será estudada a tutela administrativa de defesa do con-
sumidor, proporcionando noções de funcionamento dos meca-
nismos de proteção das relações consumeristas
Acompanhe os conteúdos desta unidade. Se preferir, vá assina-
lando os assuntos, à medida que for estudando.

Bons estudos!!!
CAPÍTULO

5
CAPÍTULO 5. DIREITOS E
INSTRUMENTOS
DA DEFESA DO
CONSUMIDOR
–DIREITOS E INSTRUMENTOS DA DEFESA DO CONSUMIDOR–

Em cumprimento às diretrizes constitucionais, o le-


gislador editou o Código de Defesa do Consumidor e nele
inseriu o que nomeou de direitos básicos do consumidor.
Trata-se de um rol previsto no artigo 6º da referida lei, de
caráter não taxativo. Como o próprio nome indica, tais di-
reitos são apenas os basilares, mínimos e essenciais à de-
fesa do consumidor, sem exclusão de outros previstos na
mesma, ou em outras leis.
Para não correr o risco de intentar interpretação opor-
tunista, o legislador descreveu isso expressamente no arti-
go 7º do Código, fazendo constar que

Art. 7° Os direitos previstos neste código não


excluem outros decorrentes de tratados ou
convenções internacionais de que o Brasil seja
signatário, da legislação interna ordinária, de
regulamentos expedidos pelas autoridades ad-
ministrativas competentes, bem como dos que
derivem dos princípios gerais do direito, analo-
gia, costumes e eqüidade.

O primeiro direito básico previsto no Código de Defesa


do Consumidor é o da proteção da vida, saúde e se-
gurança contra os riscos provocados por práticas
no fornecimento de produtos e serviços considera-
dos perigosos ou nocivos. Tal decorre (novamente) do
princípio da dignidade da pessoa humana, mais especifica-
mente do Direito à Vida. Neste contexto, as relações de con-
sumo devem dotar-se de condições minimamente dignas,

55
–DIREITOS E INSTRUMENTOS DA DEFESA DO CONSUMIDOR–

assegurando-se ao consumidor a proteção de sua vida, saú-


de e segurança.
Ainda há direta relação com a preservação da incolu-
midade física do consumidor, por conta de riscos provoca-
dos pelo fornecimento de produtos ou serviços, especial-
mente aqueles considerados perigosos ou nocivos. Neste
passo, não há proibição do fornecimento de produtos ou
serviços perigosos (inflamáveis, perfurocortantes ou inse-
ticidas, por exemplo), mas quando houver o fornecimento
desses produtos ou serviços devem os fornecedores zelar
pela segurança dos consumidores.
Devem, assim, tendo em vista o direito de proteção,
adotar todas as medidas que assegurem a máxima prote-
ção à vida, saúde e segurança dos consumidores. Precisam,
como nos exemplos dados, fazer alertas por meio de publi-
cidade nos estabelecimentos, nos rótulos e embalagens, ou
seja, informar por todos os meios sobre os riscos inerentes
ao consumo.
Entretanto, quando os produtos ou serviços resultem
apenas em riscos ao consumidor, sem nenhum benefício
próprio a este, ou ainda quando o risco for elevado de ma-
neira desproporcional, comparativamente à vantagem ofe-
recida, deverá o fornecedor abster-se de colocá-los no mer-
cado. Neste caso, nos termos do artigo 10 do Código, devem
também informar o fato às autoridades.
A responsabilidade do fornecedor, como visto, é obje-
tiva, sendo que quando um determinado produto ou serviço
põe em risco a vida, a saúde ou a segurança do consumidor,

56
–DIREITOS E INSTRUMENTOS DA DEFESA DO CONSUMIDOR–

aquele deve indenizar eventuais danos causados (inclusive


danos morais, dada a inequívoca violação aos direitos da
personalidade), independentemente da comprovação de
culpa, configurando-se o vício de qualidade.
O segundo direito básico do consumidor previsto no
CDC é o da educação e divulgação sobre o consumo
adequado dos produtos e serviços, asseguradas a li-
berdade de escolha e a igualdade nas contratações.
Mais uma vez, o CDC faz referência a direitos e garantias
previstos na Constituição Federal (Direito à Educação), que
é direito social previsto no art. 6º da Carta Magna.
Neste contexto, a educação não se limita a um signifi-
cado meramente formal, devendo abranger também ques-
tões relativas à cidadania. Por esse direito, o consumidor
deve ter acesso a informação sobre o adequado consumo de
produtos e serviços, cabendo ao Estado e aos fornecedores,
provê-lo.
Tal direito pode ser efetivado por meio de campanhas
publicitárias educativas, cartilhas, palestras etc. Como re-
sultado – e extensão do direito a educação e informação –
está a possibilidade de livre exercício de escolha e decisão
pelo consumidor, acerca da necessidade e da utilidade de se
consumir, ou não, determinado produto ou serviço.
Muitas vezes não há conhecimento do consumidor so-
bre o funcionamento e utilidade de um determinado produ-
to ou serviço. Por uma série de fatores, como a publicidade
abusiva, o consumismo incentivado e práticas de venda ca-
sada, somados à vulnerabilidade do consumidor, impõe-se

57
–DIREITOS E INSTRUMENTOS DA DEFESA DO CONSUMIDOR–

a atuação do Estado – e do particular – para que, por meio


da educação, haja real liberdade de escolha e decisão sobre
o consumo de um determinado bem.
Além disso, tal direito garante a igualdade nas contra-
tações, assegurando que práticas discriminatórias ao con-
sumidor sejam consideradas ilegais. Neste caso, o fornece-
dor não poderá praticar condutas discriminatórias quanto
à sua condição social, crença religiosa, idade, cor, e opção
sexual. Nenhum tratamento diferenciado deve ser admiti-
do, salvo razão legal e razoável que o fundamente.
O terceiro direito básico do consumidor, conforme
o inciso III do artigo 6º do CDC, consiste em receber in-
formações adequadas e claras sobre os diferentes
produtos e serviços, com especificação correta de
quantidade e qualidade, as características, a com-
posição, os tributos incidentes e o preço, além dos
riscos que apresentem.
O dever contido neste inciso, em relação às empresas,
deve ser cumprido mesmo antes da contratação, se esten-
dendo até o pós-venda, sendo garantido ao consumidor re-
ceber as informações e assistência mesmo após a aquisição
do produto ou serviço.
O direito à informação decorre do princípio da boa-fé
objetiva, já estudado anteriormente. A observância da boa-
-fé nas relações contratuais em geral (não só nas relações de
consumo) encontra respaldo na tutela da confiança, pois se
confia que as partes agirão pautadas na lealdade e probida-
de, nunca procurando lesar ou aferir vantagens indevidas.

58
–DIREITOS E INSTRUMENTOS DA DEFESA DO CONSUMIDOR–

Deste modo, os direitos previstos no inciso III do ar-


tigo 6º do CDC são anexos ao princípio da boa-fé, mas de
forma mais concreta, como verdadeiros direitos autôno-
mos, ficando os fornecedores obrigados a prestar de forma
ampla, clara e transparente as informações sobre os pro-
dutos e serviços aos consumidores. A informação deve ser
completa, sem omitir quaisquer aspectos dos produtos e
serviços fornecidos.
Por fim, ainda quanto ao direito previsto no inciso III,
a informação precisa ser exata, completa e correta, tendo
em vista a vulnerabilidade do consumidor. Nesse sentido, é
dever do fornecedor fazer a oferta e apresentação dos pro-
dutos e serviços com informações corretas, sem dubiedade,
em língua portuguesa, para que haja entendimento inequí-
voco sobre as características, qualidades, quantidade, com-
posição, preço, garantia, prazos de validade e origem, bem
como sobre os riscos que apresentam à saúde e segurança
dos consumidores.
Vale relembrar que o § 4° do art. 54 do CDC prevê
que nos contratos de adesão, as cláusulas limitativas dos
direitos do consumidor devem ser postas em destaque.
Mais uma norma que decorre do princípio da boa-fé
e do dever de informação específica. Por não haver possi-
bilidade de discussão pelo consumidor do conteúdo das
cláusulas dos contratos de adesão, é preciso informar-lhe,
de forma clara, transparente e destacada sobre as cláusulas
que resultem em limitação de direitos.

59
–DIREITOS E INSTRUMENTOS DA DEFESA DO CONSUMIDOR–

No mesmo sentido, o artigo 52 do Código de Defesa do


Consumidor determina que o fornecedor informe, prévia e
adequadamente, sobre o preço do produto ou serviço em
moeda corrente nacional, o montante dos juros de mora e
da taxa efetiva anual de juros, os acréscimos legalmente pre-
vistos, o número e periodicidade das prestações, e a soma
total a pagar, com e sem financiamento, no caso de outorga
de crédito ou concessão de financiamento ao consumidor.
Outro direito garantido ao consumidor é a proteção
contra publicidade enganosa e abusiva e contra
práticas ou cláusulas abusivas. Tal direito está previs-
to no inciso IV do art. 6º do CDC.
Neste contexto, o fornecedor deve se abster de realizar
publicidade enganosa e abusiva, ou utilizar-se de comer-
ciais coercitivos ou desleais. Também é vedado ao fornece-
dor realizar práticas e cláusulas abusivas.
As práticas enganosas e abusivas tendem a viciar a li-
berdade de escolha e decisão do consumidor na aquisição
de bens e serviços. Também é objetivo de tal direito impedir
que sejam estipuladas cláusulas contratuais que coloquem
o consumidor em condição de desproporcional desvanta-
gem, imputando a este ônus desmedido em relação à vanta-
gem alcançada pela contratação.
Como os anteriores, o direito de proteção contra a
publicidade abusiva ou enganosa levou em consideração a
vulnerabilidade do consumidor. Na proteção contra propa-
gandas enganosas e publicidade abusiva, tendo em vista
o consumismo a que a sociedade atual está submetida, o

60
–DIREITOS E INSTRUMENTOS DA DEFESA DO CONSUMIDOR–

marketing é grande aliado dos fornecedores de produtos e


serviços, sendo instrumento de estímulo e muitas vezes de-
terminante para a aquisição de produtos e serviços.
A divulgação de produtos e serviços pode levar a de-
cisões viciadas, induzindo o consumidor a contratações por
impulso, sem necessidade. Por outro lado, pode adquirir
produto ou serviço diverso do que acreditava estar contra-
tando, com características e funcionalidades diferentes das
esperadas. Isso ocorre quando o anúncio não observa cor-
retamente o direito em estudo.
Por meio dessas práticas, o consumidor fica impedido
de ter o exato discernimento sobre o que está sendo consu-
mido. Há uma fragilização em razão da superexposição pu-
blicitária, motivo pelo qual se faz necessária a reafirmação
da proteção contra a publicidade abusiva.
Já a publicidade enganosa está regulada no § 1° do
art. 37 do Código de Defesa do Consumidor. É aquela que
contém informações falsas, ainda que de maneira parcial.
Também é publicidade enganosa aquela que induza o con-
sumidor a erro.
Por outro lado, a publicidade abusiva está descrita no
§ 2° do art. 37 do CDC. É aquela discriminatória ou que in-
cita à violência .Ela explora o medo ou a superstição do con-
sumidor. Ela toma vantagem da deficiência de julgamen-
to e da inexperiência da criança. Age com desrespeito aos
valores ambientais e induz o consumidor a adotar postura
prejudicial ou perigosa a sua saúde ou segurança.

61
–DIREITOS E INSTRUMENTOS DA DEFESA DO CONSUMIDOR–

O direito dispõe expressamente de proteção especial


às crianças, que são mais frágeis e suscetíveis aos referidos
abusos. Os infantes são considerados hipervulneráveis na
relação de consumo e por isso a publicidade para esse pú-
blico deve ser ainda mais cautelosa.
Quando há abuso de publicidade, ao consumidor são
disponibilizados mecanismos como ações judiciais, me-
diante iniciativa própria ou através do Ministério Público
ou associações representativas dos consumidores, podendo
haver a responsabilização penal dos fornecedores, uma vez
que o Código de Defesa do Consumidor tipifica como crime
de falsa afirmação (ou afirmação enganosa), a omissão de
informação relevante sobre produtos ou serviços; fazer ou
promover publicidade que sabe ou deveria saber ser enga-
nosa ou abusiva; e fazer ou promover publicidade que sabe
ou deveria saber ser capaz de induzir o consumidor a se
comportar de forma prejudicial ou perigosa a sua saúde ou
segurança.
É possível ainda a atuação administrativa do Conselho
Nacional de Autorregulamentação Publicitária - CONAR,
que também exerce controle do conteúdo dos anúncios fei-
tos pelos fornecedores. Trata-se de um órgão privado man-
tido pelas principais entidades publicitárias do país. O con-
trole é realizado após a divulgação, não se comparando com
a censura prévia, e pode receber denúncias de consumido-
res, autoridades, associados ou de integrantes da própria
diretoria do órgão.

62
–DIREITOS E INSTRUMENTOS DA DEFESA DO CONSUMIDOR–

Caso haja indício de abuso de publicidade, o CONAR


instaura um processo administrativo, onde será garantida a
ampla defesa e o contraditório, podendo ser aplicadas me-
didas como a alteração, ou mesmo a suspensão da veicula-
ção do anúncio.
Ademais, toda informação ou publicidade veiculada
pelos fornecedores é vinculante. Isso quer dizer que a pu-
blicidade é uma espécie de proposta, vinculando o forne-
cedor e obrigando-o a dar cumprimento ao anúncio, salvo
erro justificável.
Deste modo, nos termos do artigo 35 do CDC, o con-
sumidor pode exigir que o fornecedor cumpra aquilo que
foi divulgado, aceitar outro produto equivalente, ou recla-
mar a restituição do valor pago, com rescisão do contrato,
sem prejuízo de eventual responsabilização judicial nas es-
feras cível e criminal.
Por fim, a previsão de proteção contra práticas e cláu-
sulas contratuais abusivas, prevista no inciso IV reza que o
fornecedor deve agir sempre em observância aos direitos
do consumidor, seja na celebração do contrato ou na sua
execução.
Qualquer prática ou cláusula contratual contrária às
garantias do consumidor configura uma prática abusiva.
As práticas abusivas são descritas, em rol exemplificativo,
no artigo 39 do CDC. As cláusulas abusivas, por sua vez,
são consideradas nulas de pleno direito, devendo ser consi-
deradas como não escritas. O artigo 51 do Código também

63
–DIREITOS E INSTRUMENTOS DA DEFESA DO CONSUMIDOR–

exemplifica algumas cláusulas tidas por abusivas, que serão


estudadas mais adiante.
Outro direito básico garantido pelo CDC é o reequi-
líbrio econômico-financeiro do contrato. Muito em-
bora a liberdade de contratar seja a regra para a estipulação
de cláusulas contratuais, ela deve ser exercida em razão e
nos limites da função social do contrato.
Especificamente, no CDC, inciso V do artigo 6º, ga-
rante ao consumidor a modificação das cláusulas contra-
tuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua
revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem ex-
cessivamente onerosas. Isso ocorre com a tutela do Poder
Judiciário, que pode modificar as cláusulas contratadas
quando as obrigações se tornarem desproporcionais em
desfavor do consumidor.
Portanto, em caso de lesão ou onerosidade excessiva,
pelo direito do equilíbrio econômico-financeiro do contra-
to, poderão ser revistas as cláusulas contratuais, para que
sejam readequadas e restabeleçam o equilíbrio entre as
partes contratantes.
Os consumidores possuem direito à prevenção de
danos e reparação integral daqueles sofridos em
decorrência da relação de consumo. Trata-se de mais
uma regra de reafirmação de direitos, posto que a CF já pre-
viu em seu art. 5º, V o direito à indenização por dano mate-
rial ou moral, bem como o Código Civil determina o dever
de reparação pelos atos ilícitos.

64
–DIREITOS E INSTRUMENTOS DA DEFESA DO CONSUMIDOR–

Por esse direito, além da prevenção à ocorrência de


danos, caso esses ocorram, o consumidor tem garantido
o ressarcimento integral dos prejuízos sofridos, sejam de
cunho patrimonial ou moral, individual, coletivo ou difuso,
de maneira integral.
O valor da indenização, nos termos do artigo 944 do
Código Civil, deverá ser fixado conforme a extensão do
dano, podendo ser mais severa, quando se tratar de inde-
nização por danos morais, pelo seu caráter educativo. A
medida visa coibir fornecedores reincidentes em práticas
lesivas, sem prejuízo de outras medidas de caráter coletivo
que submetam os agentes lesivos a punições, com o objeti-
vo de evitar que o dano ocorra novamente, desestimulando,
assim, as condutas de ofensa.
Quanto à prevenção dos danos, à luz do direito pre-
visto no artigo 6º, inciso VI, poderão ser impostas tutelas
inibitórias, para prevenir a existência de lesão, ou seja, a
ocorrência do dano.
Poderá o consumidor, individualmente ou em sua
coletividade, pessoalmente ou representado por órgãos de
proteção, em se verificando a possibilidade de ocorrência
de dano, pugnar medidas judiciais e administrativas sufi-
cientes para evitar que a ofensa venha a se concretizar.
Ainda quanto ao tema, corroborando com o que foi
dito, o artigo 25 do CDC veda a estipulação contratual que
impossibilite, exonere ou atenue a obrigação de indenizar o
consumidor. Também, o artigo 51, inciso I, classifica como
abusiva e, portanto, nula de pleno direito, a cláusula que

65
–DIREITOS E INSTRUMENTOS DA DEFESA DO CONSUMIDOR–

impossibilite, exonere ou atenue a responsabilidade do for-


necedor por vícios, de qualquer natureza, dos produtos e
serviços.
Outra garantia do consumidor, prevista no Código de
Defesa do Consumidor é o acesso aos órgãos judiciá-
rios e administrativos. Como decorrência do direito de
acesso à justiça, estampado no artigo 5º, inciso XXXV, da
Constituição Federal, o CDC, no artigo 6º, inciso VII, dita
que é direito básico do consumidor o acesso aos órgãos ju-
diciários e administrativos, com vistas à prevenção ou repa-
ração de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos
ou difusos, assegurada a proteção jurídica, administrativa e
técnica aos necessitados.
Nesse sentido, o acesso à justiça pelo consumidor não
deve ser apenas formal, como a possibilidade de demandar
judicialmente ou na via administrativa.
O pleno acesso à justiça, o acesso material, consiste na
possibilidade de obter uma efetiva tutela jurídica, de ma-
neira gratuita aos necessitados, rápida e com instrumentos
processuais que garantam a proteção de interesses coleti-
vos e difusos. O sistema dos Juizados Especiais é um alia-
do, cuja informalidade dos procedimentos permite maior
satisfação das pretensões, sem prejuízo da preservação das
garantias do contraditório e da ampla defesa.
Com relação à inversão do ônus da prova, este é
apenas um dos mecanismos de facilitação da defesa dos di-
reitos do consumidor, à qual faz jus por conta de sua vulne-
rabilidade. Haverá a inversão do ônus da prova quando, a

66
–DIREITOS E INSTRUMENTOS DA DEFESA DO CONSUMIDOR–

critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele


hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiência.
De regra, o dever de provar aquilo que se alega em ju-
ízo é da parte que faz a alegação. Sabendo do desequilíbrio
existente nas relações de consumo, por ser menos favore-
cido o consumidor, e que muitas vezes é impossível para
este produzir a prova de seu direito, o legislador tratou de
inserir o referido texto.
Desse modo, quando houver hipossuficiência do con-
sumidor, podendo essa ser técnica, jurídica ou financeira,
ficará com o fornecedor o ônus da prova. Muitas vezes a
prova está nas mãos do fornecedor, como na solução para
a inoperância de um produto, por exemplo. O consumidor
não detém o conhecimento necessário para demonstrar
onde está o defeito, podendo socorrer-se desse comando le-
gal para garantir a tutela de seu direito.
Assim, a inversão do ônus da prova possibilita que
consumidor possa ir a juízo, ainda que não tenha condições
de demonstrar o direito reclamado, cabendo ao fornecedor
provar que não há defeito ou que o consumidor não possui
razão sobre o direito alegado.
Não houvesse essa garantia processual, o consumidor
teria limitado o seu direito de acesso à justiça, ou estaria
fadado ao fracasso na demanda. Para ter em seu favor in-
vertido o ônus da prova, o consumidor deverá demonstrar
os requisitos formais, quais sejam, a sua hipossuficiên-
cia e a verossimilhança das suas alegações. Isso quer di-
zer que o consumidor deverá se encontrar em situação de

67
–DIREITOS E INSTRUMENTOS DA DEFESA DO CONSUMIDOR–

vulnerabilidade, não dispondo de condições técnicas, jurí-


dicas ou financeiras de produzir a prova do seu direito.
Ademais, os fatos alegados deverão ser verossímeis,
ou seja, o juiz deve verificar se é provável a alegação do con-
sumidor, seja pelas regras de experiência, seja pelos ele-
mentos constantes dos próprios autos.
O consumidor hipossuficiente financeiramente é
aquele que não tem meios econômicos de produzir a prova
para demonstrar o seu direito. A hipossuficiência técnica
consiste na situação em que o consumidor não tem o conhe-
cimento técnico capaz de lhe permitir a produção da prova.
A hipossuficiência jurídica significa que o consumidor
não possui meios de acesso à justiça, probatórios ou de re-
presentação para provar o seu direito, podendo ser o caso
de não possuir testemunhas sobre a fase pré-contratual, a
fim de provar os termos da negociação de um produto ou
serviço. Ainda quanto ao ônus da prova, o CDC a atribui
ao fornecedor em diversos casos específicos, como aqueles
previstos nos artigos 12, § 3º, 14, § 3º, e 38.
Por fim, é direito do consumidor a adequada e efi-
caz prestação de serviços públicos. Como afirmado
anteriormente, os serviços prestados pelo Estado estão su-
jeitos à incidência do CDC, reforçado em seu artigo 22. O
Estado, direta, ou indiretamente, presta inúmeros serviços
aos seus cidadãos, devendo fazê-lo de forma adequada e efi-
caz, até em decorrência do princípio constitucional da ad-
ministração pública da eficiência, previsto no art. 37 da CF.

68
CAPÍTULO

6 CAPÍTULO 6. INSTITUIÇÕES E TUTELA


ADMINISTRATIVA DA
DEFESA DO CONSUMIDOR
–INSTITUIÇÕES E TUTELA ADMINISTRATIVA DA DEFESA DO CONSUMIDOR–

6.1 MINISTÉRIO PÚBLICO


O Ministério Público (MP) possui suas funções descri-
tas na Constituição Federal (CF) de 1988. Assim dispõe o
artigo 129, II da CF:
Art. 129. São funções institucionais do Ministério
Público:
I - promover, privativamente, a ação penal pú-
blica, na forma da lei;
II - zelar pelo efetivo respeito dos Poderes
Públicos e dos serviços de relevância pública aos
direitos assegurados nesta Constituição, promo-
vendo as medidas necessárias a sua garantia;
III - promover o inquérito civil e a ação civil pú-
blica, para a proteção do patrimônio público e
social, do meio ambiente e de outros interesses
difusos e coletivos;
IV - promover a ação de inconstitucionalidade
ou representação para fins de intervenção da
União e dos Estados, nos casos previstos nesta
Constituição;
V - defender judicialmente os direitos e interes-
ses das populações indígenas;
VI - expedir notificações nos procedimentos ad-
ministrativos de sua competência, requisitando
informações e documentos para instruí-los, na
forma da lei complementar respectiva;

71
–INSTITUIÇÕES E TUTELA ADMINISTRATIVA DA DEFESA DO CONSUMIDOR–

VII - exercer o controle externo da atividade po-


licial, na forma da lei complementar menciona-
da no artigo anterior;
VIII - requisitar diligências investigatórias e a
instauração de inquérito policial, indicados os
fundamentos jurídicos de suas manifestações
processuais;
IX - exercer outras funções que lhe forem confe-
ridas, desde que compatíveis com sua finalida-
de, sendo-lhe vedada a representação judicial e a
consultoria jurídica de entidades públicas.

A Lei Orgânica Federal do Ministério Público - Lei


Federal nº 8.625/1993 – estabelece no artigo 25 que

“além das funções previstas nas Constituições


Federal e Estadual, na Lei Orgânica e outras
leis, incumbe, ainda, ao Ministério Público:
[...] promover o inquérito civil e a ação civil
pública, na forma da lei:
a) para a proteção, prevenção e reparação
dos danos causados ao meio ambiente, ao con-
sumidor, aos bens e direitos de valor artístico,
estético, histórico, turístico e paisagístico, e a
outros interesses difusos, coletivos e individu-
ais homogêneos”.

Com o surgimento da Lei nº 7.347/1985, a Lei da ação


civil pública, o MP, junto a outros legitimados, acumularam
como atribuição, a promoção da ação civil pública para a

72
–INSTITUIÇÕES E TUTELA ADMINISTRATIVA DA DEFESA DO CONSUMIDOR–

tutela dos interesses difusos, como o do meio ambiente na-


tural, do consumidor, dos bens e direitos de valor artístico,
estético, histórico, turístico e paisagístico. Também foi cria-
do o inquérito civil.

6.2 MINISTÉRIO PÚBLICO E PROCON


Com o advento da Lei nº 8.078/90, o Código de Defesa
do Consumidor, a tutela do MP passou a atender, além dos
difusos e coletivos, aos “interesses individuais homogêneos
de origem comum”, conforme previsão do art. 81, parágrafo
único.
Com essas novas atribuições, o MP passou a atuar
mais especificamente com os direitos de interesse cole-
tivos, e as demandas individuais passaram a ser tutela-
das pelos PROCONs ou CEDECONs (Centros de Defesa
do Consumidor Municipais), organizações não governa-
mentais e, principalmente, pelos Juizados Especiais de
Pequenas Causas Cíveis.
Cabe esclarecer que, nas localidades onde não houver
nenhum desses organismos de tutela de interesses indivi-
duais, caberá ao MP o atendimento do consumidor indivi-
dualmente considerado.

6.3 ÓRGÃOS ADMINISTRATIVOS DE TUTELA DA DEFESA DO


CONSUMIDOR
Até o advento do Decreto no 2.181/97, a tutela adminis-
trativa de defesa do consumidor era realizada por diversos
órgãos esparsos, sendo: no âmbito Federal, o Departamento

73
–INSTITUIÇÕES E TUTELA ADMINISTRATIVA DA DEFESA DO CONSUMIDOR–

Nacional de Proteção e Defesa do Consumidor (DPDC); no


Estadual, os PROCONs; e no plano municipal, os Serviços
de Defesa do Consumidor (SEDECONs); cada um exercen-
do o poder de polícia de maneira individualizada e muitas
vezes descoordenada.
A partir do referido diploma, foi criado o Sistema
Nacional de Defesa do Consumidor, integrado, no âmbito
federal, pela Secretaria de Direito Econômico do Ministério
da Justiça, pelo seu Departamento de Proteção e Defesa do
Consumidor e pelos demais órgãos federais, estaduais, do
Distrito Federal (DF), municipais e as entidades civis de de-
fesa do consumidor.
O referido decreto trouxe as atribuições da Secretaria
Nacional do Consumidor do Ministério da Justiça.
Em seu artigo 3º, dispõe que tal Secretaria deverá,
dentre outras atribuições: “(...) levar ao conhecimento dos
órgãos competentes as infrações de ordem administrativa
que violarem os interesses difusos, coletivos ou individu-
ais dos consumidores (...); solicitar o concurso de órgãos
e entidades da União, dos Estados, do Distrito Federal e
dos Municípios, bem como auxiliar na fiscalização de pre-
ços, abastecimento, quantidade e segurança de produtos e
serviços (...); fiscalizar e aplicar as sanções administrativas
previstas na Lei nº 8.078, de 1990, e em outras normas per-
tinentes à defesa do consumidor (...); provocar a Secretaria
de Direito Econômico para celebrar convênios e termos de
ajustamento de conduta, na forma do § 6º do art. 5 da Lei
nº 7.347, de 24 de julho de 1985 (...); elaborar e divulgar

74
–INSTITUIÇÕES E TUTELA ADMINISTRATIVA DA DEFESA DO CONSUMIDOR–

o cadastro nacional de reclamações fundamentadas contra


fornecedores de produtos e serviços, a que se refere o art.
44 da Lei nº 8.078, de 1990(...)”.
O artigo 5º do Decreto no 2.181/97 descreveu as com-
petências dos órgãos de defesa do consumidor. Ainda tra-
tou de possíveis conflitos de competência entre as esferas
federativas, estabelecendo que: “qualquer entidade ou ór-
gão da Administração Pública, federal, estadual e munici-
pal, destinado à defesa dos interesses e direitos do consu-
midor, tem, no âmbito de suas respectivas competências,
atribuição para apurar e punir infrações a este Decreto e à
legislação das relações de consumo”
No caso de conflito de competência, estabelece o pa-
rágrafo único do mesmo artigo: “se instaurado mais de um
processo administrativo por pessoas jurídicas de direito
público distintas, para apuração de infração decorrente
de um mesmo fato imputado ao mesmo fornecedor, even-
tual conflito de competência será́ dirimido pelo DPDC,
que poderá́ ouvir a Comissão Permanente de Defesa do
Consumidor – CNPDC, levando sempre em consideração a
competência federativa para legislar sobre a respectiva ati-
vidade econômica”.
Portanto, no âmbito federal é a Secretaria Nacional do
Consumidor do Ministério da Justiça quem realiza a tutela
administrativa da defesa do consumidor, sendo essa última
regulada pelo Decreto 2.181/1997.
Na esfera estadual e do DF, foram implementados
os PROCONs, fundações de direito público que buscam

75
–INSTITUIÇÕES E TUTELA ADMINISTRATIVA DA DEFESA DO CONSUMIDOR–

equilibrar e harmonizar as relações entre consumidores e


fornecedores.
Eles têm por objetivo elaborar e executar a política
de proteção e defesa dos consumidores dentro de seus res-
pectivos territórios, tendendo a efetivar a educação para o
consumo; o recebimento e processamento de reclamações
administrativas, individuais e coletivas, contra fornecedo-
res de bens ou serviços; a orientação aos consumidores e
fornecedores acerca de seus direitos e obrigações nas re-
lações de consumo; a fiscalização do mercado consumidor
para fazer cumprir as determinações da legislação de defesa
do consumidor.
Além disso, têm por função o acompanhamento e pro-
positura de ações judiciais coletivas; os estudos e acompa-
nhamento de legislação nacional e internacional, bem como
de decisões judiciais referentes aos direitos do consumidor;
as pesquisas qualitativas e quantitativas na área de defe-
sa do consumidor; o suporte técnico para a implantação de
PROCONs Municipais Conveniados; o intercâmbio técni-
co com entidades oficiais, organizações privadas, e outros
órgãos envolvidos com a defesa do consumidor, inclusive
internacionais; e a disponibilização de uma Ouvidoria para
o recebimento, encaminhamento de críticas, sugestões ou
elogios feitos pelos cidadão quanto aos serviços prestados
pela Fundação PROCON, com o objetivo de melhoria contí-
nua desses serviços.

76
–INSTITUIÇÕES E TUTELA ADMINISTRATIVA DA DEFESA DO CONSUMIDOR–

6.4 ASSOCIAÇÕES DE DEFESA DO CONSUMIDOR


Em conjunto com os órgãos anteriormente mencio-
nados, o consumidor ainda conta com diversas associações
que atuam em defesa dos seus direitos. São pessoas jurídi-
cas de direito privado que representam o consumidor em
demandas administrativas e judiciais, além de atuar na in-
formação, orientação e representação do consumidor.
Abaixo, algumas associações que atuam em defesa do
respeito ao Código de Defesa do Consumidor:

IDEC: Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor


ABRADECONT: Associação Brasileira de Defesa do Consumidor e
Trabalhador
ANDIF: Associação Nacional de Defesa dos Consumidores
do Sistema Financeiro
ANACONT: Associação Nacional de Assistência ao Consumidor
e Trabalhador
BRASILCON: Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor
PROTESTE: Associação Brasileira de Defesa do Consumidor
FNECDC: Fórum Nacional de Entidades Civis de Defesa do
Consumidor

6.5 DEFENSORIAS PÚBLICAS DO CONSUMIDOR


As Defensorias Públicas do Brasil, no âmbito Federal
e Estadual/DF, também possuem as suas funções descri-
tas na Constituição Federal. Dentre suas atribuições, ser-
virão de expressão e instrumento do regime democrático,
atuando na orientação jurídica, na promoção dos direitos

77
–INSTITUIÇÕES E TUTELA ADMINISTRATIVA DA DEFESA DO CONSUMIDOR–

humanos e na defesa, em todos os graus, judicial e extraju-


dicial, dos direitos individuais e coletivos, de forma integral
e gratuita aos necessitados.
De maneira mais específica, atuará nas relações de
consumo, consoante exegese do art. 4º, inciso VIII, da Lei
Complementar nº 132/2009. Ao longo do tempo foram
sendo criados Núcleos Especializados.
Neste sentido, as Defensorias Públicas atuarão na
área de defesa do consumidor, com o objetivo precípuo de
articulação e mobilização conjunta no âmbito nacional em
demandas comuns, podendo atuar conjuntamente com ou-
tros órgãos ou de maneira separada.
Assim, deverá prestar orientação, suporte e auxílio ju-
rídico aos necessitados, sempre que a demanda apresenta-
da referir-se, direta ou indiretamente, a direitos específicos
ou gerais do consumidor ou coletividade de consumidores
carentes.
Os Núcleos Especializados possuem missão especial,
pois atuam em defesa do consumidor mais carente e, por-
tanto, mais vulnerável.
Ressalte-se que em qualquer âmbito que se encontre
o consumidor (e o fornecedor), seja administrativo ou ju-
dicial, é aconselhável que busque orientação de um profis-
sional qualificado, especialista na área. Neste sentido, cabe
lembrar que, nos termos da Lei 8.906/1994, o(a) advoga-
do(a) é indispensável à administração da justiça, sendo

78
–INSTITUIÇÕES E TUTELA ADMINISTRATIVA DA DEFESA DO CONSUMIDOR–

facultada e, em algumas ocasiões necessária, a atuação da


advocacia.
Portanto, esses são os principais institutos de defe-
sa do consumidor, seja no âmbito público, seja de caráter
privado. Ainda, foi exposta a tutela administrativa de de-
fesa do consumidor, proporcionando noções básicas de
funcionamento dos mecanismos de proteção das relações
consumeristas.

6.6 O ESTADO ATUANTE NA DEFESA DO CONSUMIDOR


A lei consumerista prevê que além dos órgãos já ve-
rificados, atuará administrativamente em defesa do con-
sumidor, o Estado, assim compreendido como a União, os
Estados, o Distrito Federal e os Municípios. Com exceção
dos municípios, poderão baixar normas relativas à produ-
ção, industrialização, distribuição e consumo de produtos
e serviços, de maneira concorrente e nas suas respectivas
áreas de atuação administrativa.
Todos eles atuarão com poder de polícia na fiscali-
zação e controle da produção, industrialização, distribui-
ção, da publicidade de produtos e serviços e do mercado
de consumo, sempre agindo no interesse da preservação
da vida, da saúde, da segurança, da informação e do bem-
-estar do consumidor, baixando as normas que se fizerem
necessárias.
O Estado (em seus diversos níveis) deverá manter co-
missões permanentes para elaboração, revisão e atualização

79
–INSTITUIÇÕES E TUTELA ADMINISTRATIVA DA DEFESA DO CONSUMIDOR–

das normas, sempre com a participação dos consumidores


e fornecedores.
Em caso de infrações das normas de defesa do consu-
midor, aplicam-se as sanções administrativas ao infrator,
sendo essas descritas no artigo 56 do Código de Defesa do
Consumidor, sem prejuízo das de natureza civil, penal e das
definidas em normas específicas. São elas: multa; apreensão
do produto; inutilização do produto; cassação do registro
do produto junto ao órgão competente; proibição de fabri-
cação do produto; suspensão de fornecimento de produtos
ou serviço; suspensão temporária de atividade; revogação
de concessão ou permissão de uso; cassação de licença do
estabelecimento ou de atividade; interdição, total ou par-
cial, de estabelecimento, de obra ou de atividade; interven-
ção administrativa; e imposição de contrapropaganda.

80
–EXERCÍCIOS PROPOSTOS UNIDADE 2–

EXERCÍCIOS PROPOSTOS UNIDADE 2

1) Os direitos previstos no Código de Defesa do Consumidor


são de caráter taxativo? Explique sua resposta.





2) Explique em que consiste o direito da proteção da vida,


saúde e segurança contra os riscos provocados por práticas
no fornecimento de produtos e serviços considerados peri-
gosos ou nocivos. Qual a sua previsão legal?





3) De acordo com o Código de Defesa do Consumidor, é proi-


bida a colocação no mercado de produtos perigosos e noci-
vos. A afirmação é correta? Justifique.





81
–EXERCÍCIOS PROPOSTOS UNIDADE 2–

4) Quanto ao direito à educação e divulgação sobre o consu-


mo adequado dos produtos e serviços, asseguradas a liber-
dade de escolha e a igualdade nas contratações, explique o
seu significado, descrevendo seu fundamento legal.





5) Fale sobre a tutela administrativa do direito do consumi-


dor, descrevendo quais são as instituições que a promovem.





82
–EXERCÍCIOS PROPOSTOS UNIDADE 2–

 GABARITO

1: Para não correr o risco de intentar interpretação opor-


tunista, o legislador descreveu expressamente no artigo
7º do Código de Defesa do Consumidor que os direitos
ali previstos são meramente exemplificativos, fazendo
constar que “Os direitos previstos neste código não ex-
cluem outros decorrentes de tratados ou convenções in-
ternacionais de que o Brasil seja signatário, da legisla-
ção interna ordinária, de regulamentos expedidos pelas
autoridades administrativas competentes, bem como
dos que derivem dos princípios gerais do direito, analo-
gia, costumes e equidade.”
2: Decorrente do princípio da dignidade da pessoa huma-
na, mais especificamente do Direito à Vida, o direito em
testilha prevê que nas relações de consumo devem ser
garantidas condições minimamente dignas, asseguran-
do-se ao consumidor a proteção de sua vida, saúde e
segurança. Está previsto no artigo 6º, I do CDC. Ainda
há direta relação com a preservação da incolumidade
física do consumidor, por conta de riscos provocados
pelo fornecimento de produtos ou serviços, especial-
mente aqueles considerados perigosos ou nocivos. O
fornecedor deverá adotar todas medidas que assegurem
a máxima proteção à vida, saúde e segurança dos con-
sumidores. Precisam, como nos exemplos dados, fazer
alertas por meio de publicidade, nos estabelecimentos,
nos rótulos e embalagens, ou seja, por todos os meios,
informar sobre os riscos inerentes ao consumo.
3: O CDC preocupa-se com preservação da incolumi-
dade física do consumidor, por conta de riscos pro-
vocados pelo fornecimento de produtos ou serviços,

83
U N I D ADE

TUTELA CRIMINAL E
U N ID A D E 3 .

RESPONSABILIDADE
3
CIVIL NAS RELAÇÕES
DE CONSUMO
TUTELA CRIMINAL E RESPONSABILIDADE CIVIL NAS
RELAÇÕES DE CONSUMO

Caro(a) Aluno(a)
Seja bem-vindo(a)!

CONTEÚDOS DA UNIDADE
Neste capítulo será abordada a tutela penal do consumidor, pas-
sando em análise os tipos penais previstos no Código de Defesa
do Consumidor. Tal tutela tem por objetivo principal a proteção
dos consumidores, mas também é instrumento de regulação da
economia.
No mais, serão analisados os elementos da responsabilidade do
fornecedor nas relações de consumo. Essa responsabilidade, que
visa à proteção do consumidor em sentido amplo, ou seja, não
apenas a pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza os pro-
dutos e serviços, mas também toda a coletividade que possa ser
afetada pela circulação desses produtos ou serviços.
Assim, fechando essa unidade, serão abordados os mecanismos
de defesa e proteção do consumidor, constantes no Código de
Defesa do Consumidor, no campo da responsabilidade civil, pas-
sando pelos conceitos de responsabilidade pelo vício e pelo fato
do produto ou serviço. Ao final, serão estudados os institutos da
prescrição e decadência aplicáveis às relações de consumo.
Acompanhe os conteúdos desta unidade. Se preferir, vá assina-
lando os assuntos, à medida que for estudando.

Bons estudos!!!
CAPÍTULO

7
CAPÍTULO 7. TUTELA CRIMINAL
NAS RELAÇÕES DE
CONSUMO
–TUTELA CRIMINAL NAS RELAÇÕES DE CONSUMO–

Mais uma forma de tentativa de efetivação da pro-


teção do consumidor, prevista pelo Código de Defesa do
Consumidor, é a tutela penal. Somada aos direitos básicos
do consumidor, à responsabilidade civil dos fornecedores e
à tipificação não exaustiva de práticas e cláusulas abusivas,
bem como à tutela administrativa, busca-se sempre salva-
guardar os interesses da parte mais vulnerável na relação
de consumo.
Como toda previsão legal, no âmbito criminal, a tutela
penal voltada à defesa do consumidor se destina a coibir
certas condutas possivelmente praticadas por fornecedores,
cujas consequências ultrapassariam os interesses individu-
ais da vítima, passando a atingir bens jurídicos de interesse
da economia popular e segurança da coletividade.
Por conta disso é que o Código de Defesa do
Consumidor trouxe em seu texto a tipificação de certas con-
dutas definidas como crimes contra o consumo, de modo a
complementar as medidas de proteção dos consumidores.
São medidas de caráter punitivo a serem adotadas em ul-
tima ratio, mesmo frente à natureza do direito penal, que
apenas devem ser aplicadas quando as outras esferas do
Direito não forem suficientes para solucionar o impasse.
Desse modo, somente em casos de grande gravidade
será adotada a tutela penal no direito do consumidor, no
momento em que não houver outra ferramenta para garan-
tir a proteção de maneira menos gravosa. Serão aplicadas
tais sanções quando o delito for extremamente grave, penas

88
–TUTELA CRIMINAL NAS RELAÇÕES DE CONSUMO–

essas que variam entre a detenção ou reclusão, aplicação de


multa, ou ainda penas restritivas de direitos.
Assim, havendo violação de bens de grande estima
pela sociedade, tais como a manutenção da paz e ordem, a
tutela penal prevista no CDC entrará em vigor, por prever
esses crimes tidos como nocivos para a própria coletividade.
Ante a grande importância das relações de trocas mercantis
e fornecimento de serviços, em havendo condutas danosas,
que lhe causem desequilíbrio nas relações econômicas, in-
cidirá a tutela criminal.
No Código de Defesa do Consumidor, os tipos penais
estão previstos entre os artigos 63 e 80. É sabido que há
no ordenamento jurídico outros crimes previstos contra a
ordem econômica e do consumo, mas em se tratando de um
curso de Direito do Consumidor, este estudo se limitará aos
tipos penais previstos no CDC

7.1 OS CRIMES CONTRA O CONSUMIDOR


Os crimes contra o consumidor, previstos no Código
de Defesa do Consumidor, possuem certos traços que lhes
são característicos, valendo a leitura daquilo que é comum a
todos eles. Inicialmente, cabe destacar que todos os crimes
previstos no Código de Defesa do Consumidor são de me-
nor potencial ofensivo. A definição deste tipo delitivo está
prevista no artigo 61 da Lei nº 9.099/1995, que os descreve
como aqueles que a lei comine pena máxima não superior a
dois anos, podendo ser cumulada ou não com multa.

89
–TUTELA CRIMINAL NAS RELAÇÕES DE CONSUMO–

Da leitura dos artigos 63 a 75 do CDC, percebe-se que


todas as penas de reclusão ou detenção possuem como pra-
zo máximo o tempo de até dois anos. Ou seja, todos os tipos
penais previstos no referido diploma são de menor poten-
cial ofensivo.
Portanto, os crimes contra o consumo previstos no
Código de Defesa do Consumidor comportam a aplicação
das medidas alternativas de punição, tais quais as previstas
na Lei nº 9.099/1995. É possível, por exemplo, a adoção de
uma transação penal antes de aplicar eventual pena restri-
tiva de liberdade.
Na prática, isso quer dizer que somente de maneira ex-
cepcional a pena privativa de liberdade será aplicada ao réu.
Há a previsão ainda, no CDC, mais especificamente
em seu artigo 76, de circunstâncias tidas como agravantes,
em caso de verificação da ocorrência delitiva. Ocorrendo
tais práticas tidas como agravantes, haverá majoração da
aplicação de pena ao condenado. Passemos a analisar cada
uma dessas circunstâncias.
A primeira hipótese é quando o crime for cometido em
época de grave crise econômica ou por ocasião de calami-
dade. Sendo a tipificação de condutas como crime um meio
de proteção, não só do consumidor, mas também de toda
a ordem econômica e da economia, a legislação procurou
coibir com maior vigor a prática de condutas oportunistas,
com maior potencial lesivo em tempos de crise. A economia
nacional passa por um período de fragilidade e tal situação
se repetiu por diversas vezes na história. Seja por questões

90
–TUTELA CRIMINAL NAS RELAÇÕES DE CONSUMO–

externas, seja por questões internas, a economia demonstra


fragilidades e exatamente nesse período é que o consumi-
dor fica mais vulnerável. Desse modo, o legislador previu o
agravamento da pena para os crimes contra o consumidor
cometidos pelo fornecedor que pratica a conduta típica em
épocas de grave crise econômica ou calamidade.
De certo, sua conduta lesiva nesses períodos mais difí-
ceis,resulta em piora significativa do estado do consumidor,
já atingido pelo flagelo da precariedade da economia. Nesse
sentido, Thiago Ferreira Cardoso Neves explica que:

Além disso, não pode o fornecedor se aproveitar


dessas situações para impingir mais sofrimento
ao consumidor, aproveitando-se de sua maior
fragilidade decorrente da crise para subjugá-lo.
O mesmo raciocínio se aplica aos casos de cala-
midade. Essas são as razões pelas quais previu-
-se tal circunstância agravante. (2018).

Outra agravante prevista no CDC é a conduta que


ocasiona grave dano individual ou coletivo. A compreensão
desse dispositivo demanda maior atenção na quantificação
do dano, restando entender o que deve ser admitido como
dano grave. Cabendo a interpretação da lei ao jurista, deve
ser observado o contexto social e econômico do agente da-
noso e da vítima para determinar o que pode ser considera-
do grave ou não.

91
–TUTELA CRIMINAL NAS RELAÇÕES DE CONSUMO–

De todo modo, se for grave a conduta do fornecedor


de modo a atingir uma coletividade de pessoas, ou de modo
a gerar desproporcional pesar ao individuo ou à coletivi-
dade, deve-se agravar a pena. Ou seja, deve-se observar os
resultados da conduta e, se eles forem gravosos de maneira
desproporcional, levando em conta o contexto dos fatos e
eventos análogos, é de se aumentar a pena por conta de tal
agravante.
Tem-se como outra circunstância agravante a dissi-
mulação pelo fornecedor da ilicitude da sua conduta. Neste
caso, se o fornecedor se utilizar de mecanismos para iludir
o consumidor, de modo a fazê-lo crer que certa conduta é
lícita, aplicar-se-á a agravante prevista no inciso III do ar-
tigo 76 do CDC.
Levando em consideração que tal postura torna o con-
sumidor ainda mais vulnerável, especialmente por conta de
uma conduta detestável do fornecedor, deve ser tida como
situação agravante.
De outro giro, se o crime for cometido por servidor
público ou por pessoa com condições socioeconômicas
manifestamente superiores às da vítima, aplica-se a situ-
ação agravante prevista no artigo 76, inciso IV do Código
de Defesa do Consumidor. Tal previsão visa a compensar a
inequívoca situação de hipossuficiência do consumidor em
relação ao agente, que por conta da sua posição, cargo ou
condição social abusa do poder econômico em desfavor do
consumidor.

92
–TUTELA CRIMINAL NAS RELAÇÕES DE CONSUMO–

Tal previsão é oportuna, quanto mais ante o reconhe-


cimento de que o Estado é fornecedor de produtos e servi-
ços. A agravante decorre também da confiança depositada
pelo consumidor no agente público, que, espera-se, deveria
cumprir a lei, e não violá-la. Assim, se a conduta for prati-
cada por servidor público, que de regra possui maior domí-
nio e conhecimento sobre o produto ou serviço, a conduta é
mais grave, aplicando-se a agravante.
Por outro lado, quando o agente possui condições fi-
nanceiras e sociais superiores às do consumidor lesado, há
conduta maliciosa e aproveitadora do fornecedor em face
de pessoa mais frágil, que oferece menor resistência. Assim,
ocupando posição privilegiada na relação de consumo, es-
pera-se do consumidor conduta proba, em relação à vítima.
Em ocorrendo abuso da boa-fé, inocência e fragilidade da
parte mais frágil, incide a agravante.
Outra conduta agravante nos crimes contra o consu-
midor está descrita no inciso IV, “b” do artigo 76 do CDC.
Ocorre quando a vítima for um operário ou um rurícola. A
hipótese legislativa contempla ainda o crime praticado con-
tra menor de dezoito ou maior de sessenta anos, ou ainda
pessoa portadora de deficiência mental, que esteja interdi-
tada ou não.
Em contraposição à agravante anteriormente estuda-
da, neste caso o agravamento da pena ocorre por conta da
condição da vítima.
As hipóteses previstas na lei são as dos chamados
hipervulneráveis, isto é, pessoas com um maior

93
–TUTELA CRIMINAL NAS RELAÇÕES DE CONSUMO–

grau de vulnerabilidade, de modo que estão mais


facilmente sujeitos a abusos. Assim, impõe-se uma
maior proteção dessas pessoas, o que se faz me-
diante a previsão abstrata de agravamento da pena,
visando inibir e desestimular a prática de infrações
penais contra essas pessoas (NEVES, 2018).

A lei procurou prever situações em que inequivoca-


mente há uma diferença potencializada na relação de con-
sumo, a fim de conferir maior proteção aos hipervulnerá-
veis. Desse modo, havendo um crime de consumo praticado
contra tais pessoas, agrava-se o delito.
Por fim, caso o crime seja praticado em atividades de
fornecimento de alimentos, medicamentos ou quaisquer
outros produtos ou serviços essenciais, será aplicada a
agravante prevista no artigo 76, inciso V do CDC.
Dessa forma, caso o crime ocorra no decorrer do for-
necimento de alimentos, medicamentos e outros bens es-
senciais, será considerado como mais grave, posto que são
bens e serviços que estão diretamente ligados à vida do con-
sumidor e sua qualidade. A colocação em risco desse bem
tutelado, notoriamente, se trata de conduta mais odiável.

7.2 APLICAÇÃO DE PENAS ALTERNATIVAS


Como crimes de menor potencial ofensivo, tendo seu
procedimento regulado pela Lei nº 9.099/1995, os deli-
tos previstos no Código de Defesa do Consumidor podem
ter penas alternativas à reclusão e detenção, aplicadas

94
–TUTELA CRIMINAL NAS RELAÇÕES DE CONSUMO–

cumulativamente ou de maneira alternada, observando-se


o disposto nos artigos 44 a 47, do Código Penal.
De acordo com o artigo 78 do CDC, além das penas
privativas de liberdade, é possível a imposição das penas
de multa, interdição temporária de direitos, publicação em
órgãos de comunicação de grande circulação ou audiência,
às expensas do condenado, de notícia sobre os fatos e a con-
denação, e prestação de serviços à comunidade.
Tais penas podem ser aplicadas de maneira cumulati-
va ou alternada. Ademais, no caso de aplicação da pena de
multa, o artigo 77 do Código determina que serão aplicadas
penas correspondentes a dias-multa, correspondente ao
mínimo e ao máximo de dias de duração da pena privativa
da liberdade cominada ao crime. Na individualização desta
multa, o juiz observará o disposto no art. 60, §1°, do Código
Penal.
Assim, mesmo com as previsões de penalidades al-
ternativas constantes da Lei nº 9.099/1995, evidenciando
a característica de aplicação do Direito Penal mais como
meio de prevenção e educação do que de aplicação de puni-
ção extrema (privação da liberdade), o CDC possibilita ao
juiz da ação penal a aplicação de medidas alternativas.
A cumulação de penas (privativas de liberdade e al-
ternativas) somente ocorrerá quando autorizados pela lei,
bem como se a conduta do agente assim justificar. É possí-
vel, também, o arbitramento de fiança, como medida cau-
telar, nos termos do artigo 79 do CDC. Tal medida também
poderá ser fixada nos casos de prisão em flagrante.

95
–TUTELA CRIMINAL NAS RELAÇÕES DE CONSUMO–

7.3 DA ASSISTÊNCIA E DA AÇÃO PENAL PRIVADA


SUBSIDIÁRIA DA PÚBLICA
O Código de Defesa do Consumidor admite a ampla
atuação da vítima no processamento das ações penais. O
artigo 80 do CDC prevê que no processo penal atinente aos
crimes cometidos nas relações de consumo, poderão inter-
vir, como assistentes do Ministério Público, os legitimados
indicados no art. 82, inciso III e IV, aos quais também é
facultado propor ação penal subsidiária, se a denúncia não
for oferecida no prazo legal.
As pessoas indicadas nos incisos III e IV do art. 82,
como assistentes de acusação do Ministério Público, são
as entidades e órgãos da Administração Pública, direta ou
indireta, ainda que sem personalidade jurídica, especifica-
mente destinados à defesa dos interesses e direitos prote-
gidos por este código, e as associações legalmente consti-
tuídas há pelo menos um ano e que incluam entre seus fins
institucionais a defesa dos interesses e direitos protegidos
por este código, dispensada a autorização assemblear.
Desse modo, a própria vítima poderá, direta ou in-
diretamente, atuar no processo penal, especialmente para
facilitar o seu acesso ao direito de indenização por danos
decorrentes da infração penal.
No caso, a vítima ou as entidades acima descritas po-
dem atuar como assistente de acusação, buscando obter a
condenação do réu. A condenação penal passada em julga-
do servirá de título executivo judicial que confirme autoria

96
–TUTELA CRIMINAL NAS RELAÇÕES DE CONSUMO–

e materialidade delitiva, possibilitando maior efetividade


na busca pela reparação civil. Por fim, a lei consumerista
atribui a tais pessoas a legitimidade para ajuizar ação penal
privada subsidiária da pública, que ocorre nos casos em que
não há oferecimento da denúncia no prazo legal pelo legiti-
mado natural, qual seja, o Ministério Público.

7.4 DOS CRIMES EM ESPÉCIE


Passando ao estudo específico dos tipos penais previs-
tos no Código de Defesa do Consumidor, todos previstos a
partir do seu artigo 63, temos as condutas que seguem.
O primeiro tipo penal é omitir dizeres ou sinais os-
tensivos sobre a nocividade ou periculosidade de produtos,
nas embalagens, nos invólucros, recipientes ou publicidade
(art. 63). O presente tipo penal visa a proteger o cumpri-
mento de um dos direitos básicos do consumidor, já estuda-
do anteriormente, descrito no artigo 6º, inciso I, do CDC. O
bem tutelado é a vida, a saúde e a segurança do consumidor
e o tipo penal criminaliza os riscos provocados pelo forne-
cedor de produtos e serviços considerados perigosos e/ou
nocivos.
Não se trata de proibição de produtos ou serviços noci-
vos ou perigosos. Tais são comercializados e, muitas vezes,
essenciais para a vida cotidiana. Por exemplo, os combus-
tíveis usados para abastecer os tanques dos veículos com
motor a combustão são considerados perigosos, posto que
inflamáveis. Entretanto, todo e qualquer produto ou serviço
que tenha potencial nocivo ou perigoso, que seja ofertado

97
–TUTELA CRIMINAL NAS RELAÇÕES DE CONSUMO–

e materialidade delitiva, possibilitando maior efetividade


na busca pela reparação civil. Por fim, a lei consumerista
atribui a tais pessoas a legitimidade para ajuizar ação penal
privada subsidiária da pública, que ocorre nos casos em que
não há oferecimento da denúncia no prazo legal pelo legiti-
mado natural, qual seja, o Ministério Público.

7.4 DOS CRIMES EM ESPÉCIE


Passando ao estudo específico dos tipos penais previs-
tos no Código de Defesa do Consumidor, todos previstos a
partir do seu artigo 63, temos as condutas que seguem.
O primeiro tipo penal é omitir dizeres ou sinais os-
tensivos sobre a nocividade ou periculosidade de produtos,
nas embalagens, nos invólucros, recipientes ou publicidade
(art. 63). O presente tipo penal visa a proteger o cumpri-
mento de um dos direitos básicos do consumidor, já estuda-
do anteriormente, descrito no artigo 6º, inciso I, do CDC. O
bem tutelado é a vida, a saúde e a segurança do consumidor
e o tipo penal criminaliza os riscos provocados pelo forne-
cedor de produtos e serviços considerados perigosos e/ou
nocivos.
Não se trata de proibição de produtos ou serviços noci-
vos ou perigosos. Tais são comercializados e, muitas vezes,
essenciais para a vida cotidiana. Por exemplo, os combus-
tíveis usados para abastecer os tanques dos veículos com
motor a combustão são considerados perigosos, posto que
inflamáveis. Entretanto, todo e qualquer produto ou serviço
que tenha potencial nocivo ou perigoso, que seja ofertado

97
–TUTELA CRIMINAL NAS RELAÇÕES DE CONSUMO–

e/ou prestado, deve ter expressamente descritos todos os


seus riscos inerentes às suas condições.
Neste passo, o consumidor deverá ser devidamente
informado, de maneira ostensiva por meio de folhetos, ró-
tulos, embalagens e pela publicidade, sobre todos os riscos
relativos a um determinado produto ou serviço.
Assim, a fim de garantir tal direito, o tipo penal do ar-
tigo 63 do CDC classifica como crime omitir dizeres ou
sinais ostensivos sobre a nocividade ou periculosi-
dade de produtos ou serviços, nas embalagens, nos
invólucros, recipientes ou publicidade.
Ao omitir-se (ou agir comissivamente por negação),
o fornecedor deixa de praticar uma conduta obrigatória e,
por isso mesmo, comete o crime. Tendo em vista que é con-
siderado fornecedor de produtos ou serviços, o fabricante,
o importador e todos os que participarem da cadeia de con-
sumo, todos eles devem responder pelo tipo penal em caso
de omissão no seu dever de informar.
Portanto, o presente tipo penal contempla a prote-
ção da vida, da saúde e segurança do consumidor. A pena
aplicável para tal delito é de detenção de 6 (seis) meses a 2
(dois) anos e multa. Na modalidade culposa, a pena será de
detenção de 1 (um) a 6 (seis) meses ou multa.
Seguindo, considera-se crime deixar de comunicar à
autoridade competente e aos consumidores sobre a noci-
vidade ou periculosidade de produtos, cujo conhecimento
seja posterior à sua colocação no mercado. Esse tipo penal

98
–TUTELA CRIMINAL NAS RELAÇÕES DE CONSUMO–

está previsto no artigo 64 do CDC e relaciona-se com o an-


terior por deter o mesmo bem jurídico tutelado. A diferença
é que neste, o fornecedor tomou conhecimento da nocivida-
de e do perigo do produto ou serviço em momento posterior
à sua colocação no mercado.
Nas palavras de Thiago Ferreira Cardoso Neves, os
crimes dos artigos 63 e 64 relacionam-se, pois “em ambos
os casos, o objeto jurídico é a proteção da vida e da saú-
de dos consumidores e a proteção das relações jurídicas de
consumo, a qual se tutela, dentre diversas condutas, pelo
dever de informar do fornecedor” (2018).
Novamente, o crime é cometido por omissão, especifi-
camente por deixar de cumprir o dever de informar acerca
da periculosidade e nocividade dos produtos e serviços em
circulação no mercado. Nesta hipótese, o produto ou ser-
viço se mostra nocivo ou perigoso após a sua comercializa-
ção, demandando que o fornecedor informe e adote todas
as medidas para informar ao consumidor e às autoridades
da sua condição.
Por óbvio, o fornecedor deverá também adotar as me-
didas de prevenção de danos pelos riscos evidenciados nos
produtos e serviços. Na prática, tais medidas ocorrem atra-
vés do recall.
Nesse caso, se o fornecedor não atuar de modo osten-
sivo para informar aos consumidores, assim como ao poder
público, da periculosidade e nocividade evidenciada, res-
ponderá pelo crime previsto no art. 64 do Código de Defesa
do Consumidor, suportando a pena de detenção de 6 (seis)

99
–TUTELA CRIMINAL NAS RELAÇÕES DE CONSUMO–

meses a 2 (dois) anos e multa. Na mesma pena incorre o


fornecedor que não retirar do mercado os produtos ou ser-
viços, caso a retirada tenha sido determinada pelo Poder
Público, ainda que tenha sido comunicada a periculosidade
e lesividade à autoridade competente.
Como dito anteriormente, não é vedado o fornecimen-
to de produtos ou serviços perigosos ou nocivos. Entretanto,
existem restrições para tais fornecimentos, de modo que
devem ser respeitados os regulamentos aplicáveis. Por con-
ta disso, e visando garantir a vida, saúde e segurança do
consumidor, o CDC tipificou como crime a conduta de exe-
cutar serviço de alto grau de periculosidade, contrariando
determinação de autoridade competente. Tal delito está
descrito no artigo 65 do Código e procura garantir o cum-
primento de determinações da Administração.
Nesta medida, o fornecedor deve seguir à risca as de-
terminações do Poder Público. Se há proibição da execução
de determinado serviço que seja considerado de alta pericu-
losidade, o fornecedor desse serviço deve abster-se de fazê-
-lo, sob pena de subsunção do fato à norma.
Ao fornecer serviço de alta periculosidade, desrespei-
tando determinação do Poder Público, o fornecedor coloca
em risco o consumidor, ficando sujeito à pena de detenção
de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos e multa.
Na mesma sanção incorre quem permite o ingresso
em estabelecimento de um número maior de consumidores
que o fixado pelo poder público como máximo. É o que dis-
põe o § 2º do art. 65 do Código. Trata-se de outro tipo penal,

100
–TUTELA CRIMINAL NAS RELAÇÕES DE CONSUMO–

mas os bens tutelados são os mesmos, quais sejam, a vida, a


saúde e a integridade física (segurança) dos consumidores.
Mais uma vez o CDC enaltece o poder de polícia que
detém a Administração, que pode regular e impor limites
no fornecimento de bens e serviços. No caso em tela, a pre-
visão legal visa a garantir o cumprimento da observância,
pelo fornecedor, do respeito ao limite dos número de fre-
quentadores de um determinado estabelecimento comer-
cial. A inserção desse tipo penal ocorreu com o advento da
Lei nº. 13.425, de 2017, que foi proposta após diversas tra-
gédias resultantes da superlotação de recintos.
Vale destacar que as penas previstas para os delitos do
artigo 65, caput e do seu §2º, são aplicáveis sem prejuízo
das correspondentes à lesão corporal e à morte.
Mais um crime previsto no Código de Defesa do
Consumidor está descrito no seu artigo 66. Dele consta que
fazer afirmação falsa ou enganosa, ou omitir informação
relevante sobre a natureza, característica, qualidade, quan-
tidade, segurança, desempenho, durabilidade, preço ou
garantia de produtos ou serviços configura delito sujeito à
pena de detenção de três meses a um ano e multa.
Neste tipo penal, o que se protege é o direito básico
do consumidor à informação. Ela deve ser transmitida de
maneira clara, sem interferências ou ruídos, respeitando a
boa-fé por parte do fornecedor. A informação prevista no
texto é aquela veiculada de qualquer forma, seja por meio
de publicidade, seja no rótulo, embalagem, ou imagem do
produto, seja por qualquer outro meio.

101
–TUTELA CRIMINAL NAS RELAÇÕES DE CONSUMO–

Ao faltar com a verdade, passando dolosamente uma


informação errada sobre o produto ou serviço, o fornecedor
age de maneira desleal e responderá pelo delito previsto no
art. 66 do CDC.
Este é um crime que pode ser cometido tanto por co-
missão, quanto por omissão. Assim, o fornecedor pode co-
meter o crime tanto no ato de informar erroneamente e de
forma enganosa sobre determinado produto ou serviço. Mas
também se enquadra no tipo penal quando deixa de infor-
mar apropriadamente sobre um produto ou serviço, quan-
do deveria fazê-lo. A pena descrita acima (3 meses a 1 ano
e multa) será aplicada às condutas tidas como dolosas. O
crime também comporta a modalidade culposa, sendo que
neste caso a pena será de 1 (um) a 6 (seis) meses ou multa.
Já o artigo 67 do Código consumerista prevê o seguin-
te tipo penal: fazer ou promover publicidade que sabe ou
deveria saber ser enganosa ou abusiva. Pena: detenção de
três meses a um ano e multa.
Neste caso, o combate é contra as práticas publicitá-
rias enganosas e abusivas. Tais condutas podem induzir
o consumidor a erro, consubstanciando vício de vontade,
mas em casos piores, pode submetê-lo a riscos de danos de
diversas naturezas.
Desse modo, o fornecedor que age para disponibilizar
publicidade que sabe ser enganosa ou abusiva responderá
pelo delito. O tipo penal abrange também o fornecedor que
“deveria saber” que a publicidade é enganosa ou abusiva.
Caracterizando-se o dolo eventual. Detendo a expertise

102
–TUTELA CRIMINAL NAS RELAÇÕES DE CONSUMO–

mercadológica, o fornecedor deve conhecer, ou ao menos


suspeitar, que a publicidade é enganosa ou abusiva.
A consumação delitiva ocorre no momento em que a
peça publicitária é veiculada, pouco importando se houve
efetivamente algum dano.
Segundo Neves, “O sujeito ativo, isto é, aquele que co-
mete o crime pode ser tanto o fornecedor, aqui englobados
o fabricante e o comerciante que autoriza a colocação, em
sua loja, do cartaz da publicidade, quanto o publicitário”
(2018).
De outro giro, aquele que fizer ou promover publici-
dade que sabe ou deveria saber ser capaz de induzir o con-
sumidor a se comportar de forma prejudicial ou perigosa a
sua saúde ou segurança, responde pelo delito previsto no
artigo 68 do CDC. O bem jurídico tutelado é o mesmo do
tipo previsto no artigo anterior, visando a coibição de práti-
cas de publicidade abusiva. A publicidade abusiva está pre-
vista no artigo 37, § 2º, do Código e é aquela que incita a
violência, explora o medo ou a superstição, aproveita-se da
deficiência de julgamento e experiência da criança, desres-
peita valores ambientais, ou que é capaz de induzir o con-
sumidor a se comportar de forma prejudicial ou perigosa à
sua saúde ou segurança.
Portanto, o tipo penal do artigo 68 é exatamente a con-
duta de impor ao consumidor a publicidade abusiva. Assim,
o fornecedor (ou publicitário) sabendo, ou devendo saber,
que é abusiva a peça publicitária, induz o consumidor a se

103
–TUTELA CRIMINAL NAS RELAÇÕES DE CONSUMO–

comportar de modo prejudicial à sua saúde ou segurança e,


assim, responderá pelo crime descrito.
Ou seja, o mesmo bem jurídico é tutelado pelos arti-
gos 67 e 68 do Código de Defesa do Consumidor. Repare
que a pena do artigo 68 é superior à do artigo 67: seis meses
a dois anos e multa. Tem-se que a conduta naquele artigo
68 é mais grave que a descrita no artigo 67, na medida em
que na de pena menor a conduta é mais enganosa ou abu-
siva, enquanto que na de pena maior induz o consumidor a
se comportar de forma prejudicial ou perigosa a sua saúde
ou segurança.
Desse modo, fazer ou promover publicidade que sabe
ou deveria saber ser capaz de induzir o consumidor a se
comportar de forma prejudicial ou perigosa a sua saúde ou
segurança caracteriza crime punível com detenção de seis
meses a dois anos e multa.
Responde pelo crime descrito no artigo 69 do CDC
o fornecedor e publicitário que deixar de organizar dados
fáticos, técnicos e científicos que dão base à publicidade
veiculada. Novamente o bem tutelado é a informação e se-
gurança do consumidor, buscando punir aquele que age de
maneira temerária, negligente, não organizando os dados
técnicos, fáticos e científicos que possam embasar a publi-
cidade veiculada.
É exemplo a publicidade veiculada por certa cor-
retora de investimentos que tem por garota propaganda
uma jovem de 22 anos, que afirma ter acumulado mais de
R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais) partindo de um

104
–TUTELA CRIMINAL NAS RELAÇÕES DE CONSUMO–

investimento inicial de R$ 1.520,00 (mil quinhentos e vin-


te reais). Além de se tratar de publicidade enganosa, certa-
mente o fornecedor de serviços (investimentos) não detém
os dados técnicos e fáticos a embasar a publicidade.
O fornecedor deve, portanto, manter dados confiá-
veis daquilo que anuncia. Adotando tal conduta o fornece-
dor despreza a boa-fé, presta informação de modo errôneo,
induz o consumidor a erro, fazendo-o crer em dados sem
qualquer lastro.
A sanção para tal delito é de detenção de 1 (um) a 6
(seis) meses ou multa.
Já o artigo 70 do CDC proíbe a utilização de peças de
reposição usadas, no reparo dos produtos, sem o consenti-
mento do consumidor. Constou do tipo penal: “empregar na
reparação de produtos, peça ou componentes de reposição
usados, sem autorização do consumidor. Pena: Detenção de
três meses a um ano e multa.”
Neste caso, o bem jurídico tutelado é a confiança do
consumidor e a manutenção da boa-fé nas relações de con-
sumo. Pela regra de experiência, ao buscar reparo de um
produto, espera-se que o fornecedor utilize-se de peças e
componentes novos. A utilização de peças de reposição usa-
das pode reduzir a vida útil do produto, fazendo com que
novas manutenções sejam necessárias, ou ainda que a ob-
solescência seja acelerada.
Ou seja, espera-se que sejam empregadas peças no-
vas e originais, para que o produto funcione corretamente e

105
–TUTELA CRIMINAL NAS RELAÇÕES DE CONSUMO–

por mais tempo. Não é dizer que é proibida a instalação de


peças usadas nos produtos submetidos a manutenção, mas
que neste caso é necessário o consentimento expresso do
consumidor, destacando as vantagens e desvantagens desse
tipo de conduta.
O sujeito ativo desse tipo penal é o fornecedor (em
sentido amplo) responsável pela instalação de uma peça
usada no lugar de uma nova, sem o consentimento do
consumidor.
Seguindo, o artigo 71 traz o seguinte tipo penal: utili-
zar, na cobrança de dívidas, de ameaça, coação, constrangi-
mento físico ou moral, afirmações falsas, incorretas ou en-
ganosas, ou de qualquer outro procedimento que exponha
o consumidor, injustificadamente, ao ridículo ou interfira
em seu trabalho, descanso ou lazer. Pena: detenção de três
meses a um ano e multa.
O referido tipo penal visa à coibição de práticas de co-
brança abusivas ou indevidas. Desse modo, além da sanção
de natureza civil, consistente na repetição do indébito, pre-
vista no parágrafo único do art. 42 do Código de Defesa do
Consumidor, o legislador tipificou como crime tal conduta.
Veja, que a conduta prevista no artigo 71 é mais específica,
contendo diversos tipos de ação que caracterizam como cri-
me a cobrança abusiva e indevida.
Desse modo, sendo ou não devida a cobrança, o forne-
cedor deve se abster de praticar ameaça, coação, constran-
gimento físico ou moral, afirmações falsas incorretas ou en-
ganosas ou de qualquer outro procedimento que exponha o

106
–TUTELA CRIMINAL NAS RELAÇÕES DE CONSUMO–

consumidor, injustificadamente, ao ridículo ou interfira em


seu trabalho, descanso ou lazer.
Se adotar tal conduta comissiva, o fornecedor que co-
meter tais abusos, adotando meios vexatórios e ardilosos,
comete o crime descrito no artigo 71. A tutela é da honra,
imagem e moral do consumidor, bem como a sua integrida-
de física e psíquica.
Outro tipo penal constante no Código de Defesa do
Consumidor, previsto no seu artigo 72, protege o direito do
consumidor à informação, assim como o direito de acesso
a ela. Prevê que é punível, com pena de detenção de seis
meses a um ano ou multa, o ato de impedir ou dificultar o
acesso do consumidor às informações que sobre ele cons-
tem em cadastros, banco de dados, fichas e registros. Desse
modo, garante-se ao consumidor o pleno acesso aos dados
constantes dos diversos tipos de banco de dados em poder
do fornecedor.
É sabido que os fornecedores passam cada vez mais
a deter informações de seus clientes, mas, mais que isso,
tais bases de dados são inclusive elementos valiosos e co-
mumente cedidos para maximizar o poder de alcance de
vendas. Sendo elemento valioso, o consumidor deve poder
saber tudo o que está registrado em seu nome.
Afora outras questões que podem colocar em cheque a
legalidade do uso desses dados para fins outros que não se-
jam para um simples cadastro, o fornecedor não pode sone-
gar informações do consumidor, pois assim fere um direito
essencial à sua identidade.

107
–TUTELA CRIMINAL NAS RELAÇÕES DE CONSUMO–

Assim, se existe um registro em nome do consumidor,


caso o fornecedor negue acesso a tais informações, come-
terá o crime previsto no artigo 72 do CDC. Neste sentido.

Vejam que mesmo sendo um registro privado do


fornecedor, se as informações dizem respeito à
pessoa do consumidor, ele tem direito a acessá-
-las, sendo indevida a conduta de negá-las ou im-
pedi-las. O mesmo se aplica aos órgãos próprios
mantenedores de cadastros, como os conhecidos
SPC e SERASA. Nesse sentido, inclusive, pare-
ce-nos indevida a cobrança de qualquer valor do
consumidor para que ele tenha acesso aos seus
próprios dados, pois isso é uma forma de impedir
ou, no mínimo, dificultar o acesso (NEVES, 2018).

Desse modo, pode-se concluir que além do direito à


informação e o acesso a ela, o dispositivo protege a identi-
dade, a honra e a imagem do consumidor.
Em decorrência do crime imediatamente acima estu-
dado, o legislador inseriu no artigo 73 do CDC outra figura
delitiva que se relaciona intimamente com aquela. Se o con-
sumidor tem o direito de acesso aos seus cadastros e banco
de dados, também deve poder alterá-los, para que constem
as informações corretas e atualizadas.
Desse modo, descreveu-se o tipo penal: deixar de cor-
rigir imediatamente informação sobre consumidor cons-
tante de cadastro, banco de dados, fichas ou registros que

108
–TUTELA CRIMINAL NAS RELAÇÕES DE CONSUMO–

sabe ou deveria saber ser inexata. Ora, o consumidor so-


mente poderá solicitar a correção ou atualização de suas in-
formações caso tenha acesso a elas. Sem um, não é possível
exercer o outro.
Portanto, na mesma medida em que o fornecedor deve
prestar todas as informações solicitadas ao consumidor so-
bre dados que são mantidos sobre si, também deve de atu-
alizá-las, mediante solicitação, ou sempre que houver um
erro no cadastro. A pena aplicável a tal delito é de detenção
de 1 (um) a 6 (seis) meses ou multa.
Por fim, o artigo 74 do Código de Defesa do Consumidor
prevê como conduta criminosa, deixar de entregar ao con-
sumidor o termo de garantia adequadamente preenchido e
com especificação clara de seu conteúdo. Tal previsão de-
manda que o fornecedor entregue o termo de garantia, que
deve ser propriamente preenchido. Deve conter todos os
dados para que o consumidor possa exercer seu direito de
utilizar a garantia do produto, caso seja necessário.
Nesse sentido, o termo de garantia deve ser preen-
chido com todos os dados necessários, como data, local da
compra, identificação das partes, etc. Em caso de cometi-
mento de tal crime, a pena é de detenção de 1 (um) a 6 (seis)
meses, ou uma multa.

109
CAPÍTULO

8 CAPÍTULO 8. RESPONSABILIDADE
CIVIL DO FORNECEDOR
–RESPONSABILIDADE CIVIL DO FORNECEDOR–

Nas relações de consumo, previu o Código de Defesa


do Consumidor, há elevada preocupação com a segurança
do consumidor. Espera-se que os produtos e serviços ofere-
cidos pelo mercado não colocarão em risco a vida e a saúde
dos seus usuários e de toda a coletividade. Salvo quando
o risco resultar da própria natureza do produto ou serviço
(art. 8º), o produto ou serviço não poderá acarretar riscos à
saúde ou segurança dos consumidores.
Mesmo nesses casos, em que o risco é inerente à fun-
ção do produto ou serviço, o fornecedor deverá adotar me-
didas para dar as informações necessárias e adequadas a
seu respeito, sobre o uso, manutenção, guarda, etc., a fim de
minimizar o quanto possível as eventualidades.
Nesse sentido, não é proibida a colocação no mercado
de produtos que ofereçam risco ao consumidor, pois isso
muitas vezes resulta da própria função do produto/servi-
ço (por exemplo, o risco decorrente do uso de combustí-
veis nos automóveis). Entretanto, o Código de Defesa do
Consumidor exige que os fornecedores informem adequa-
damente e de maneira suficiente sobre a sua utilização e
fruição, especialmente a postura proativa dos fabricantes
de produtos industrializados (art. 8º, § 1º).
Apenas é proibido o fornecimento de produtos e servi-
ços considerados altamente nocivos e perigosos (art. 10). Na
verdade, o dever de proteção se estende ao próprio Estado,
assim compreendido como a União, os Estados, o Distrito
Federal e os Municípios. Não só o fornecedor de produtos
e serviços deve informar sobre os riscos de um produto ou

111
–RESPONSABILIDADE CIVIL DO FORNECEDOR–

serviço, mas também, em caso de verificação posterior à


colocação em circulação desses no mercado de consumo,
comunicar o fato imediatamente às autoridades competen-
tes e aos consumidores, mediante anúncios publicitários.
Sempre que tiverem conhecimento da periculosidade de
produtos ou serviços à saúde ou segurança dos consumido-
res, a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios
deverão informá-los a respeito.
Ademais, deverão atuar na fiscalização e controle da
produção, industrialização, distribuição, publicidade de
produtos e serviços e do mercado de consumo, no interesse
da preservação da vida, da saúde, da segurança, da infor-
mação e do bem-estar do consumidor, baixando as normas
que se fizerem necessárias (artigo 55, §1º).
Neste passo, o fornecimento de produtos e serviços
potencialmente nocivos devem obter especial atenção por
parte do fornecedor, posto que, muito embora não proibi-
dos, devem ainda assim guardar a segurança do consumi-
dor. O instrumento mais eficaz, nesse caso, é o cumprimen-
to do dever de informação adequada e suficiente sobre sua
nocividade e perigo.
Não é vedado o fornecimento de produtos nocivos à
saúde, tais como bebidas alcoólicas, mas os riscos à saúde
decorrentes do seu uso devem ser ostensivamente ressalta-
dos, até como medida de desincentivo ao consumo desses
gêneros.
Ademais, em geral, os riscos à segurança e à vida do
consumidor estão associados ao uso inadequado, o que

112
–RESPONSABILIDADE CIVIL DO FORNECEDOR–

pode ser evitado quando o fornecedor cumpre o seu dever


de prestar informações suficientes, claras e completas.
Desse modo, o fornecedor tem o dever de entregar
produtos e serviços com segurança, o que muitas vezes so-
mente é possível através da informação. Existiu, no legisla-
dor, uma grande preocupação com esse dever, tanto é que,
como visto acima, a conduta de sonegar informações e des-
cuidar da segurança do consumidor muitas vezes é conside-
rada crime. Ao lado das sanções penais, o legislador impôs
ainda a sujeição ao fornecedor de produtos ou serviços a
multas e outras medidas administrativas aptas a garantir o
cumprimento dos preceitos consumeristas.
Nenhuma dessas medidas, de caráter penal ou ad-
ministrativo, afastam o direito do consumidor de buscar
a responsabilização do fornecedor pelos danos sofridos na
esfera civil, intentando a respectiva indenização. É o que se
passa a estudar a partir de agora.
Seguindo a linha de raciocínio ora exposta, caso haja
dano ao consumidor por conta de déficit de segurança dos
produtos e serviços, o fornecedor responderá por esses da-
nos. A responsabilidade do fornecedor é objetiva e, em se
tratando de produto, envolve os fabricantes e todos aqueles
que tenham introduzido o produto no mercado nacional,
tais como o produtor, o construtor, nacional ou estrangeiro,
o importador e, subsidiariamente, os comerciantes. Caso o
dano decorra de serviço, todo prestador estará vinculado a
essa responsabilidade.

113
–RESPONSABILIDADE CIVIL DO FORNECEDOR–

A responsabilidade civil do fornecedor começa a ser


tratada no CDC no seu artigo 12 e seguintes. É a responsa-
bilidade pelo fato do produto ou do serviço, que consiste na
vinculação do patrimônio do fornecedor à reparação e/ou
compensação dos danos causados em razão do fornecimen-
to desse produto ou prestação de um serviço, que se mostre
defeituoso.
A responsabilidade civil do fornecedor de produtos
ou serviços é diferente da comum, prevista no Código Civil,
pois no caso do Código de Defesa do Consumidor, estabe-
lece-se em uma relação de consumo. Por isso é importante
manter em mente os conceitos de consumidor, fornecedor,
produto e serviço, a fim de identificar os elementos forma-
dores dessa relação.
Ademais, a responsabilidade pelo fato, do produto ou
serviço, está atrelada à existência de um defeito no produto
ou serviço, bem como à existência de danos causados a uma
pessoa. Neste caso, o fornecedor responde objetivamente,
ou seja, independentemente da existência de culpa ou dolo,
pela reparação integral dos danos sofridos pelo consumidor.
A responsabilidade pelo fato do produto independe
de um vínculo direto entre o fornecedor e o consumidor ou
vítima. A relação pode se estabelecer indiretamente, haven-
do a extensão da responsabilidade ao fabricante, produtor,
construtor, nacional ou estrangeiro, e ao importador. O co-
merciante é igualmente responsável pelos danos decorren-
tes dos defeitos no produto ou serviço quando o fabricante,
o construtor, o produtor ou o importador não puderem ser

114
–RESPONSABILIDADE CIVIL DO FORNECEDOR–

identificados. Também responderá quando o produto for


fornecido sem identificação clara do seu fabricante, pro-
dutor, construtor ou importador ou quando não conservar
adequadamente os produtos perecíveis.
Qualquer um dos responsáveis solidários pelo paga-
mento de indenização ao consumidor, que se considere
prejudicado, poderá exercer o direito de regresso contra os
demais responsáveis, segundo sua participação na causação
do evento danoso.
Em confronto com a responsabilidade civil prevista no
Código Civil, a qual tem como elementos o ato ilícito (ação
ou omissão voluntária praticada culposamente) que causa
dano e o nexo causal, no Código de Defesa do Consumidor
é excluído o elemento subjetivo da responsabilidade (a cul-
pa). Por isso, cuida-se da responsabilidade objetiva.
Assim, salvo em caso do produto ou serviço ser for-
necido por profissionais liberais (art. 14, § 4º), para que se
configure a responsabilidade do fornecedor pelo fato do
produto ou do serviço, estarão presentes os seguintes re-
quisitos a seguir esmiuçados: defeito, dano e nexo de cau-
salidade entre um e outro. Ademais, parte respeitável da
doutrina ainda acrescenta mais um elemento, qual seja, a
imputação.
O primeiro elemento, o defeito do produto ou serviço,
pode ser entendido como aquele que não oferece a seguran-
ça que dele legitimamente se espera, levando-se em conta as
circunstâncias relevantes, entre as quais sua apresentação,

115
–RESPONSABILIDADE CIVIL DO FORNECEDOR–

o uso e os riscos que razoavelmente dele se esperam e a épo-


ca em que foi colocado em circulação.
Para que se possa, então, entender o que é um pro-
duto ou serviço defeituoso, deve ser utilizado o artifício da
comparação, somado às regras da experiência comum para
saber se há ou não defeito.
Nas palavras de Werner,

“para fins da responsabilidade civil pelo fato


do produto, um defeito é um déficit de segu-
rança, uma falha que compromete a segu-
rança do produto, gerando a capacidade de
causar dano aos consumidores e tornando-o
veículo de um risco que não estaria normal-
mente associado à sua natureza ou utilização,
um risco que não seria de esperar, tendo em
conta a sua funcionalidade e utilização regu-
lares” (2018).

Ou seja, é defeituoso o produto ou serviço que não ofe-


rece a segurança que dele se espera ao consumidor, colo-
cando-o em risco maior do que se é razoavelmente espera-
do. Por isso não se pode dizer que todo produto ou serviço
que oferece risco ao consumidor é defeituoso. Alguns, por
sua essência, são perigosos ou nocivos, mas nem por isso
são considerados defeituosos.
Portanto, o defeito é uma desconformidade das ca-
racterísticas do produto ou serviço, comparativamente ao
ideal que se espera para a utilização do produto ou serviço.
Em contraposição, um produto sem defeitos é aquele que

116
–RESPONSABILIDADE CIVIL DO FORNECEDOR–

cumpre satisfatoriamente a sua função, sem colocar em ris-


co a segurança do consumidor.
O defeito de um produto, como previsto no artigo 12
do CDC, pode ser decorrente de seu projeto, fabricação,
construção, montagem, fórmulas, manipulação, apresenta-
ção ou acondicionamento. Entretanto, considera-se defeito,
informações insuficientes ou inadequadas sobre a utiliza-
ção do produto e de seus riscos.
Segundo José Guilherme Vasi Werner (2018),

“a doutrina costuma classificar o defeito em


razão de sua origem como defeito de desenho
ou de projeto (design defect), de fabricação
ou produção (construction defect, manufactu-
ring defect) e de informação (warning defect).
No entanto, entre nós o que importa é saber
se esses defeitos são intrínsecos, isto é, que se
encontram no próprio produto ou extrínse-
cos. (...)Fora isso, porém, pouco importa que
o defeito esteja no desenho, na produção ou
na comercialização. Ele acarretará a respon-
sabilização dos fornecedores indicados no art.
12, ou subsidiariamente daqueles indicados no
art. 13, sempre que levarem a um evento da-
noso para o consumidor.”

Quanto aos serviços, não existe expressamente no ar-


tigo 14 a especificação do momento no qual pode decorrer o
defeito, mas entende-se que o defeito do serviço pode ocor-
rer em qualquer fase da prestação, desde que não forneça

117
–RESPONSABILIDADE CIVIL DO FORNECEDOR–

a segurança que o consumidor dele pode esperar, conside-


rando os parâmetros acima expostos.
Do mesmo modo que os defeitos do produto, o servi-
ço é considerado defeituoso quando deixa de informar su-
ficiente e adequadamente sobre a sua fruição e seus riscos.
Cabe ressaltar que o dever de informação está previsto em
diversas partes do CDC, sendo parte importante da Política
Nacional das Relações de Consumo (art. 4º, IV). Assim, o
defeito do produto e serviço por conta da falta de informa-
ções é grave, pois abrange o descumprimento de uma série
de outras normas previstas na lei consumerista. Seria um
caso de defeito de informação.
Os danos causados ao consumidor em decorrência do
defeito de um produto ou serviço podem ser de natureza
material ou moral.
Assim, a correta identificação do defeito do produto
ou serviço é de extrema importância quando o assunto é a
responsabilidade pelo fato do serviço, pois somado à sua
correlação com o dano, resultará na imputação ao fornece-
dor do dever de indenizar.
Os fornecedores apenas não serão responsáveis pela
reparação do dano (artigo 12, §3º e 14, §3º) quando prova-
rem: que não colocaram o produto no mercado; que, embo-
ra hajam colocado o produto no mercado, o defeito inexiste;
que a culpa é exclusiva do consumidor ou de terceiro; que
tendo prestado o serviço, o defeito inexiste. São as chama-
das excludentes de responsabilidade do fornecedor, sendo
deste o ônus de provar a existência dessas excludentes.

118
–RESPONSABILIDADE CIVIL DO FORNECEDOR–

Outro elemento da responsabilidade pelo fato do pro-


duto ou do serviço é o nexo de causalidade. Em se tratando
de responsabilidade objetiva, o nexo causal se torna elemen-
to importantíssimo na caracterização da responsabilidade
do fornecedor, posto que é o elo entre o defeito ocorrido e o
dano sofrido pelo consumidor. Desprezada a existência ou
não de culpa, a defesa do fornecedor em geral concentra-
-se na inexistência dos elementos caracterizadores, sendo o
nexo causal o de maior complexidade probatória.
Desse modo, o nexo de causalidade é o vínculo exis-
tente entre a conduta do fornecedor do produto ou serviço
e o dano a ser reparado. É a condição sine qua non, ou seja,
sem a qual não teria ocorrido o dano alegado. Não havendo
relação de causalidade entre o defeito alegado e o dano so-
frido, não haverá responsabilidade do fornecedor.
Cavalieri Filho escreve, “o nexo de causalidade é ele-
mento indispensável em qualquer espécie de responsabilida-
de civil. Pode haver responsabilidade sem culpa..., mas não
pode haver responsabilidade sem nexo causal” (2008, p. 63).

O mecanismo jurídico da responsabilização dos


fornecedores envolve as seguintes operações:
constatado o dano causado ao consumidor, ma-
terial ou moral, investiga-se se ele se originou de
um fornecimento, o que se determina seguindo a
cadeia causal. Essa operação, se resulta na con-
firmação do nexo de causalidade, também revela

119
–RESPONSABILIDADE CIVIL DO FORNECEDOR–

o imputável, que por regra responderá pelos da-


nos causados conforme o sistema objetivo.

O nexo causal é apurado através da lógica, por meio


do raciocínio que envolve a ligação de um evento a outro.
Basicamente, deve o jurista se questionar se com a exclusão
do evento “defeito”, haveria outro evento “dano”? Ou seja,
o dano ocorreu em virtude do defeito? Caso o dano inde-
penda do defeito, não haverá nexo causal. Por outro lado,
caso o dano tenha ocorrido em virtude do defeito, há nexo
causal. Um ocorreu em virtude do outro, resultando na res-
ponsabilidade do fornecedor.
Temos ainda o elemento imputação, que, como dito,
é admitido como essencial pela doutrina. Trata-se do ele-
mento através do qual identifica-se quais são os fornecedo-
res responsáveis pela reparação do dano, de acordo com o
Código de Defesa do Consumidor.
O legislador dispôs que o fabricante, o produtor, o
construtor, nacional ou estrangeiro, o importador (e em al-
guns casos o comerciante), bem como o fornecedor do ser-
viço são os sujeitos da imputação. Será imputada a eles a
responsabilidade pelo fato do produto (ou serviço).
Por fim, como elemento da responsabilidade civil,
temos o dano. Esse elemento está intimamente ligado ao
primeiro (defeito). Entretanto, para a caracterização da res-
ponsabilidade civil do fornecedor, necessário se faz a de-
monstração do dano que, como dito, poderá ser de ordem
material ou moral.

120
–RESPONSABILIDADE CIVIL DO FORNECEDOR–

O Código de Defesa do Consumidor adotou proteções


diversas do consumidor contra o fato do produto e do ser-
viço (arts. 12 a 14), e contra o vício do produto ou serviço
(arts. 18 a 20). Ou seja, são concepções diversas adotadas
pelo CDC, sendo necessário entender ambos os institutos.
Tanto um quanto outro estão baseados na tentativa de
garantir a qualidade dos produtos e serviços postos a dis-
posição do consumidor. A previsão dos fatos do produto ou
serviço, como visto, tem como objetivo assegurar a repa-
ração dos danos sofridos pelo consumidor em razão da re-
lação de consumo. Esse dano é decorrente de uma descon-
formidade técnica do produto ou serviço, da qual surge um
prejuízo ao consumidor, que pode ser de ordem material ou
extrapatrimonial.
Já o vício do produto ou serviço está previsto na legis-
lação consumerista para buscar garantir que haja corres-
pondência entre o preço pago pelo consumidor e o produto
ou serviço ofertados. Ademais, impõe ao fornecedor a res-
ponsabilidade por vícios de qualidade ou quantidade que os
tornem impróprios ou inadequados, ou ainda diminuam o
valor dos produtos e serviços fornecidos.
Faz-se, assim, necessária uma distinção entre res-
ponsabilidade e garantia. A responsabilidade pelo vício do
produto ocorre com a vinculação do patrimônio do forne-
cedor para que haja reparação dos danos ocasionados nas
relações de consumo. Deve ocorrer um dano propriamente
dito, sendo que há vinculação legal do dever do fornecedor
de indenizar o consumidor.

121
–RESPONSABILIDADE CIVIL DO FORNECEDOR–

Já a garantia é o dever do fornecedor de proporcionar


a qualidade dos produtos e serviços por ele fornecidos, es-
tando em questão o efetivo desempenho esperado, no con-
texto do uso a que se destinam.
Desse modo, do vício do produto e serviço não decor-
re necessariamente um dano. Por isso, a previsão expressa
de responsabilidade do fornecedor pelo fato e pelo vício do
produto e serviço. Tanto é que o tratamento dispensado ao
vício do produto e serviço é diferente e determina que o for-
necedor, inicialmente, corrija os vícios observados.
Nesse contexto, a legislação busca evitar situações de
abuso que resultem em enriquecimento ilícito. Tal dispo-
sição coíbe que haja o pagamento pelo consumidor de um
valor “x”, quando, por conta de um vício, deveria ter pago
um valor menor. Há, inequivocamente, um desequilíbrio na
relação, até pela vulnerabilidade do consumidor. A lei bus-
ca, assim, restabelecer o equilíbrio, seja pela determinação
de correção dos vícios que acometem o bem adquirido, seja
pela indenização equivalente à perda inerente do vício.
Por esse motivo é que se fala em reparação integral
dos danos sofridos pelo consumidor, salvaguardando a di-
ferenciação entre vício e fato dos produtos ou serviços. Não
fosse tal diferenciação, não haveria prazo para correção do
vício e para o pronto restabelecimento da expectativa sobre
o bem, que eventualmente tenha sido frustrada por conta
da presença de um vício. Restaurada a qualidade do produ-
to ou serviço, não há dano indenizável.

122
–RESPONSABILIDADE CIVIL DO FORNECEDOR–

Isso não quer dizer que não há responsabilidade do


fornecedor, pelo contrário. Ele detém a responsabilidade
de corrigir o vício verificado, nos termos previstos no códi-
go, ou seja, no prazo de trinta dias. Apenas no caso de não
ter sido sanado o vício no prazo descrito é que se abre a
oportunidade do consumidor requerer a indenização, à sua
escolha, de acordo com as alternativas previstas no § 1º do
artigo 18.
Nesse contexto, fica o fornecedor obrigado por lei a
garantir a qualidade (esperada) dos produtos e serviços que
presta. Caso assim não o faça, incidirá a solução encontrada
pelo legislador, que permite ao consumidor optar entre o
abatimento, a substituição e a restituição do preço, com a
resolução do contrato de consumo.
Desse modo, a solução baseada em perdas e danos é
subsidiária, no caso dos vícios. Haverá responsabilização
do fornecedor para reparar o vício e, caso não o faça, o con-
sumidor optará pelas alternativas previstas nos artigos 18 e
20, o que, ao menos teoricamente, evitará a diminuição pa-
trimonial causada pelo vício, remediando o enriquecimento
indevido do fornecedor.
Assim descreve o artigo 18 do Código de Defesa do
Consumidor:

Art. 18. Os fornecedores de produtos de consu-


mo duráveis ou não duráveis respondem solida-
riamente pelos vícios de qualidade ou quantida-
de que os tornem impróprios ou inadequados ao

123
–RESPONSABILIDADE CIVIL DO FORNECEDOR–

consumo a que se destinam ou lhes diminuam


o valor, assim como por aqueles decorrentes da
disparidade, com a indicações constantes do re-
cipiente, da embalagem, rotulagem ou mensa-
gem publicitária, respeitadas as variações decor-
rentes de sua natureza, podendo o consumidor
exigir a substituição das partes viciadas.

Ou seja, existindo qualquer vício no produto que o


torne impróprio ou inadequado ao consumo, ou ainda lhe
diminua o valor, o consumidor pode exigir a correção do
vício. Esse vício pode decorrer de diferenças encontradas
nas indicações do recipiente, da embalagem, rotulagem ou
mensagem publicitária.
No mesmo sentido, prevê o artigo 20:

Art. 20. O fornecedor de serviços responde pelos


vícios de qualidade que os tornem impróprios ao
consumo ou lhes diminuam o valor, assim como
por aqueles decorrentes da disparidade com as
indicações constantes da oferta ou mensagem
publicitária.

Estas são as hipóteses de vícios na qualidade dos pro-


dutos e serviços, quando em razão do vício, qualitativamen-
te, a entrega não é a esperada. Caso não seja reparado o
produto ou serviço e esse não tenha a qualidade que dele se
espera, respeitada a sua natureza, poderá o consumidor se

124
–RESPONSABILIDADE CIVIL DO FORNECEDOR–

valer da alternativa de substituição do produto ou reexecu-


ção do serviço, sem custo adicional; se valer do abatimento
proporcional do preço, observando-se a redução qualitativa
do bem; ou escolher a restituição total da quantia paga, com
a consequente resolução do negócio.
Com tal previsão legal, o fornecedor compensa a perda
financeira do consumidor, o que ocorre de várias possíveis
maneiras. Tem a faculdade de reparar o vício de qualidade
em 30 (trinta) dias. Caso não o faça, caberá ao consumidor
optar pelas três possíveis hipóteses. Por isso fala-se em res-
ponsabilidade, pois efetivamente há uma reparação finan-
ceira resultante da recomposição do patrimônio do consu-
midor, por uma das iniciativas expostas.
Reitere-se que a opção do consumidor por uma das hi-
póteses (§1º do artigo 18 e incisos do artigo 20), especifica-
mente no caso dos produtos, somente ocorre após o decur-
so do prazo de 30 (trinta) dias sem que seja sanado o vício.
Em caso de produtos que sejam essenciais, ou caso
a substituição de partes viciadas no conserto prejudique a
funcionalidade ou diminua seu valor, também não se apli-
cará o prazo legal de trinta dias.
Quanto aos serviços, em qualquer hipótese, seus ví-
cios ensejarão o imediato uso das alternativas previstas no
artigo 20, ou seja, o refazimento, abatimento ou resolução.
Não se aplica, portanto, o prazo de 30 (trinta) dias para que
o consumidor possa exercer a opção.

125
–RESPONSABILIDADE CIVIL DO FORNECEDOR–

Vale destacar que a lei permite que a reexecução dos


serviços seja feita por terceiros devidamente capacitados,
por conta e risco do fornecedor.
Por outro lado, temos o vício do produto e serviço por
conta da quantidade (vício quantitativo). Assim prevê o ar-
tigo 19 do CDC:

Art. 19. Os fornecedores respondem solidaria-


mente pelos vícios de quantidade do produto
sempre que, respeitadas as variações decorren-
tes de sua natureza, seu conteúdo líquido for
inferior às indicações constantes do recipien-
te, da embalagem, rotulagem ou de mensagem
publicitária.

Relativamente ao serviço, não existe previsão expres-


sa quanto ao vício de quantidade, mas aplica-se a mesma
diretriz descrita para os produtos. Vejam que pode haver
variação da quantidade de produtos ou serviços em decor-
rência de divergências constantes do recipiente, da emba-
lagem, rotulagem ou de mensagem publicitária. Não raro,
um produto anunciado com certo volume (1 litro, por exem-
plo), quando verificado por órgãos de defesa do consumidor
ou pelo INMETRO, mostra-se com quantidade inferior ao
anunciado.
O mesmo pode ocorrer com um serviço, que, se ofere-
cido em quantidade menor, deve dar ensejo à reparação do
consumidor pelo vício do serviço. Imagine a contratação de

126
–RESPONSABILIDADE CIVIL DO FORNECEDOR–

um plano de serviço de fornecimento de dados para acesso


à internet. Caso a contratação tenha se dado para um plano
de 15 Gigabytes, mas na realidade o oferecido é de 8, há
vício do serviço.
Em casos em que haja a contratação de um volume
(quantidade) de produtos ou serviços, o consumidor pode-
rá exigir, alternativamente e à sua escolha, o abatimento
proporcional do preço; a complementação do peso ou me-
dida; a substituição do produto (ou serviço) por outro da
mesma espécie, marca ou modelo, sem os aludidos vícios;
ou a restituição imediata da quantia paga, monetariamente
atualizada, sem prejuízo de eventuais perdas e danos, com
o desfazimento do negócio.

127
–EXERCÍCIOS PROPOSTOS UNIDADE 3–

EXERCÍCIOS PROPOSTOS UNIDADE 3

1) De que maneira a vítima, num crime contra as relações de


consumo, poderá atuar nas ações criminais? A sentença
criminal transitada em julgado pode ser utilizada na ob-
tenção de indenização de caráter civil?





2) Descreva em que consiste o fato pelo produto ou serviço.







3) Quando um produto e um serviço são considerados


defeituosos?





128
–EXERCÍCIOS PROPOSTOS UNIDADE 3–

4) Diferencie fato e vício do produto ou serviço.







5) Na hipótese de vício do produto, quais as medidas previs-


tas em lei a disposição do consumidor?





129
–EXERCÍCIOS PROPOSTOS UNIDADE 3–

 GABARITO

1: A vítima poderá, direta ou indiretamente, atuar no pro-


cesso penal, especialmente para facilitar o seu acesso
ao direito de indenização por danos decorrentes da
infração penal. Poderá se fazer representar por enti-
dades de defesa do consumidor. No caso, a vítima ou
tais entidades podem atuar como assistente de acusa-
ção, buscando obter a condenação do réu. Por fim, a
lei consumerista atribui a tais pessoas a legitimidade
para ajuizar ação penal privada subsidiária da pública,
que ocorre nos casos em que não há oferecimento da
denúncia, no prazo legal, pelo legitimado natural, qual
seja, o Ministério Público.
A condenação penal passada em julgado servirá de títu-
lo executivo judicial que confirme autoria e materiali-
dade delitiva, possibilitando maior efetividade na busca
pela reparação civil.
2: A responsabilidade pelo fato do produto ou serviço está
atrelada à existência de um defeito no produto ou ser-
viço, bem como à existência de danos causados a uma
pessoa. Neste caso, o fornecedor responde objetiva-
mente, ou seja, independentemente da existência de
culpa ou dolo, pela reparação integral dos danos sofri-
dos pelo consumidor.
3: O produto é defeituoso quando não oferece a segurança
que dele legitimamente se espera, levando-se em con-
sideração as circunstâncias relevantes, entre as quais a
sua apresentação, o uso e os riscos que razoavelmente
dele se esperam e a época em que foi colocado em cir-
culação. Um serviço é considerado defeituoso quando
não fornece a segurança que o consumidor dele pode

130
–EXERCÍCIOS PROPOSTOS UNIDADE 3–

esperar, levando-se em consideração as circunstâncias


relevantes, entre as quais o modo de seu fornecimento,
o resultado e os riscos que razoavelmente dele se espe-
ram e a época em que foi fornecido.
4: O Código de Defesa do Consumidor adotou proteções
diversas do consumidor contra o fato do produto e do
serviço (arts. 12 a 14), e contra o vício do produto ou
serviço (arts. 18 a 20). Ou seja, são concepções diversas
adotadas pelo CDC, sendo necessário entender ambos
os institutos.
Tanto um, quanto outro, estão baseados na tentativa de
garantir a qualidade dos produtos e serviços postos a
disposição do consumidor. A previsão dos fatos do pro-
duto ou serviço, como visto, tem como objetivo assegu-
rar a reparação dos danos sofridos pelo consumidor em
razão da relação de consumo. Esse dano é decorrente
de uma desconformidade técnica do produto ou servi-
ço, da qual surge um prejuízo ao consumidor, que pode
ser de ordem material ou extrapatrimonial.
Já o vício do produto ou serviço está previsto na le-
gislação consumerista para buscar garantir que haja
correspondência entre o preço pago pelo consumidor
e o produto ou serviço ofertados. Ademais, impõe ao
fornecedor a responsabilidade por vícios de qualidade
ou quantidade que os tornem impróprios ou inadequa-
dos, ou ainda diminuam o valor dos produtos e serviços
fornecidos.
5: O consumidor poderá exigir que o fornecedor repare o
vício do produto no prazo máximo de trinta dias. Caso
não seja sanado o vício, poderá exigir, alternativamen-
te, a substituição do produto por outro da mesma es-
pécie, em perfeitas condições de uso, a restituição ime-
diata da quantia paga, monetariamente atualizada, sem

131
–EXERCÍCIOS PROPOSTOS UNIDADE 3–

prejuízo de eventuais perdas e danos, ou o abatimento


proporcional do preço. Em caso de produtos que sejam
essenciais, ou caso a substituição de partes viciadas
no conserto prejudique a funcionalidade ou diminua
seu valor, não se aplicará o prazo legal de trinta dias,
podendo o consumidor optar dentre as três hipóteses
imediatamente.

132
U N I D ADE

UNIDADE 4.
4
PRESCRIÇÃO, DECADÊNCIA
E PRÁTICAS COMERCIAIS
PRESCRIÇÃO, DECADÊNCIA E PRÁTICAS COMERCIAIS

Caro(a) Aluno(a)
Seja bem-vindo(a)!

CONTEÚDOS DA UNIDADE
Nesta unidade, finalizando os estudos relativos à responsabilidade
civil, serão investigados os importantes institutos da prescrição e
da decadência. Ambos se mostram conhecimentos imprescindí-
veis para quem atua tanto na defesa do consumidor, quanto na
defesa do fornecedor, quando se trata de litígios nas relações de
consumo, pois têm o condão de determinar o perecimento ou não
de direitos.
Ademais, serão tratados os mais importantes traços das relações
contratuais previstas no Código de Defesa do Consumidor, pas-
sando pelo instituto da oferta e da publicidade. Serão investigadas
quais são as práticas e cláusulas consideradas abusivas nas rela-
ções consumeristas, assim como o regime jurídico aplicável às ba-
ses de dados contendo informações dos consumidores.
Acompanhe os conteúdos desta unidade. Se preferir, vá assinalan-
do os assuntos, à medida que for estudando.

Bons estudos!!!
CAPÍTULO

9
CAPÍTULO 9. PRESCRIÇÃO E
DECADÊNCIA NAS
RELAÇÕES DE
CONSUMO
–PRESCRIÇÃO E DECADÊNCIA NAS RELAÇÕES DE CONSUMO–

A prescrição e decadência aplicáveis às relações de


consumo estão previstas nos artigos 26 e 27 do Código de
Defesa do Consumidor. Os estudos desse tema se mostram
invariavelmente complexos, não no sentido de serem de
difícil compreensão, mas por se tratarem de institutos que
transitam em searas tanto do direito material, quanto do
direito processual.
Ademais, deve haver grande atenção ao se investigar
esses dois institutos, pois são determinantes tanto na busca
de direitos pelo consumidor, quanto na defesa exercida pelo
fornecedor, quando se tratam de reclamações decorrentes
das relações de consumo. Tratam-se de causas de extinção
de direitos, que envolvem contagem de prazos e que, por
todos essas razões, comportam grandes discussões proces-
suais, doutrinárias e jurisprudenciais conflitantes.
A máxima jurídica de que o Direito não socorre aos
que dormem (dormientibus non succurit jus) está presente
em todos os ramos do Direito, e não poderia ser diferente
com o Direito do Consumidor. Nas palavras do ilustre dou-
trinador Rizzato Nunes,

decorrendo sempre de expressa disposição le-


gal o tempo previsto para a efetivação de um
direito, uma vez não efetuado pelo titular do
direito subjetivo (ou por quem em seu nome
puder exercê­lo), este o perde pela constatação
da ocorrência concreta, real, do transcurso
daquele tempo previsto (2019, p. 443).

136
–PRESCRIÇÃO E DECADÊNCIA NAS RELAÇÕES DE CONSUMO–

Nesse sentido, importante a investigação sobre a


disciplina jurídica dispensada pelo Código de Defesa do
Consumidor a respeito da prescrição e decadência.
Ao tratar da matéria, o CDC iniciou por diferenciar os
prazos, a depender do tipo de vício apresentado. O caput do
artigo 26 faz referência aos vícios aparentes e de fácil cons-
tatação. Do mesmo modo, diferencia os prazos aplicáveis a
produtos e serviços duráveis e não duráveis.
Consta do CDC:
Art. 26. O direito de reclamar pelos vícios apa-
rentes ou de fácil constatação caduca em:
I - trinta dias, tratando-se de fornecimento de
serviço e de produtos não duráveis;
II - noventa dias, tratando-se de fornecimento
de serviço e de produtos duráveis.

Esse é o prazo decadencial. Quer dizer que, no caso


de constatação de vícios “aparentes ou de fácil constatação”
nos produtos ou serviços, o consumidor tem o prazo de
trinta a noventa dias para prestar sua reclamação perante
o fornecedor. Inicia-se a contagem do prazo decadencial a
partir da entrega efetiva do produto ou do término da exe-
cução dos serviços.
Inicialmente, particularmente no Direito Civil, fir-
mou-se a tradição de que os prazos decadenciais não estão
sujeitos a interrupção, nem a suspensão. Por outro lado, os

137
–PRESCRIÇÃO E DECADÊNCIA NAS RELAÇÕES DE CONSUMO–

prazos prescricionais podem tanto ser interrompidos quan-


to suspensos.
A interrupção do prazo é um evento que decorre de
algum acontecimento e, por conta disso, uma vez verificada
a hipótese legal, o prazo voltar a ser contado do início.
Por outro lado, a suspensão é verificada com a ocor-
rência de um evento que faz com que o prazo fique parali-
sado até que a causa da suspensão deixe de existir. O prazo
recomeça de onde parou.
Ocorre que no Código de Defesa do Consumidor, tal
premissa foi ignorada, sendo que pode haver suspensão e
interrupção, tanto dos prazos prescricionais, quanto dos
decadenciais. Em que pese a imprecisão terminológica do
legislador, que lançou mão do verbo “obstar”, realmente há
a suspensão e interrupção dos prazos de decadência.
A jurisprudência reconheceu como “obstáveis” os pra-
zos de decadência previstos no CDC.
Tal matéria está prevista no § 2º do artigo 26 do CDC.
Vale transcrever:
§ 2° Obstam a decadência:
I - a reclamação comprovadamente formulada
pelo consumidor perante o fornecedor de pro-
dutos e serviços até a resposta negativa corres-
pondente, que deve ser transmitida de forma
inequívoca;
II - (Vetado).

138
–PRESCRIÇÃO E DECADÊNCIA NAS RELAÇÕES DE CONSUMO–

III - a instauração de inquérito civil, até seu


encerramento.

Veja que não se fala em interrupção ou suspensão


do prazo de decadência. Nos dizeres da Professora Mirella
D’Angelo Caldeira (Apud, NUNES, 2019), o efeito da recla-
mação é constitutivo do direito do consumidor. Quer dizer
que não corre prazo de decadência, até que ocorram as hi-
póteses previstas no §2º do artigo 26.
Nesse sentido, a reclamação perante o fornecedor pos-
sui dupla função. Em um primeiro momento, sendo corrigi-
do o vício do produto ou serviço, consegue obter a solução
do problema. Caso a correção não ocorra (ou na ausência de
resposta do fornecedor), nasce o seu direito de pleitear uma
das alternativas do § 1º do artigo 18, nos quatro incisos do
art. 19 e nos três incisos do art. 20.
Exemplificando, digamos que Maria tenha adquirido
um aparelho de telefonia móvel. Após um dia da aquisi-
ção, verifica que a tecla número 9 do aparelho não funcio-
na. Trata-se de um vício do produto, sendo que ela tem, de
acordo com o artigo 26 do CDC, noventa dias para recla-
mar do vício junto ao fornecedor.
Neste caso, o prazo decadencial foi “obstacularizado” e
somente começará a correr quando Maria receber uma res-
posta por escrito do fornecedor, dizendo que não vai realizar
o reparo. A partir de então, Maria passa a ter o direito de
escolher uma das hipóteses dos incisos do § 1o do artigo 18.

139
–PRESCRIÇÃO E DECADÊNCIA NAS RELAÇÕES DE CONSUMO–

É a reclamação do consumidor perante o fornecedor


que constitui o seu direito de pleitear, caso não seja cor-
rigido o vício, a opção que melhor lhe apetecer, dentro do
rol previsto no § 1o do artigo 18. Tal reclamação deverá, as-
sim, ser formalizada no prazo de trinta ou noventa dias, a
depender do tipo de produto ou serviço. Se o problema for
solucionado, o fornecedor cumpre o seu dever legal, exone-
rando-se de qualquer obrigação, caso o problema se limite
ao vício informado. Caso não o faça, então o consumidor
poderá optar por uma das hipóteses a ele postas para solu-
cionar a questão.
Não existe na lei a previsão da hipótese do fornecedor
não responder à reclamação do consumidor. Considera-se,
neste caso, ultrapassados os trinta dias de prazo para cum-
prir a exigência de reparar o vício no produto, dando azo à
alternativa de solução do § 1o do art. 18. O consumidor fica
constituído de pleno direito para exercer a opção legal que
melhor lhe aprouver.
Por outro lado, nas hipóteses previstas no § 3o do art.
18, do art. 19 e do art. 20, quando há a exigência de que o
vício seja sanado imediatamente, ou seja, não há prazo de
tolerância para a correção do vício, o consumidor pode con-
siderar não reparado o vício no prazo de 24 (vinte e quatro)
horas, salvo não tenha estipulado prazo maior em sua recla-
mação. Isso tudo porque a lei obriga o fornecedor a sanar o
vício imediatamente.
Exercido dentro do prazo o direito de reclamação so-
bre vício no produto ou serviço, ou ainda em caso de fato do

140
–PRESCRIÇÃO E DECADÊNCIA NAS RELAÇÕES DE CONSUMO–

produto ou serviço, inicia-se a contagem do prazo prescri-


cional, que é disciplinado no artigo 27 do CDC. Tal disposi-
tivo regulamenta o prazo para a propositura de ação relati-
va à reparação de danos.
A reclamação de que trata o §2º do CDC pode ser ver-
bal e pessoal, não se exigindo maiores formalidades para
que o pedido seja realizado. A lei consumerista entendeu
a vulnerabilidade do consumidor, que muitas vezes não
possui condições de formalizar uma reclamação em face do
fornecedor. Há de se levar em conta ainda que os prazos
decadenciais são extremamente curtos (trinta e noventa
dias), devendo ser respeitado tal prazo para que o consu-
midor possa exercer o direito de ação. Tal norma deve ser
interpretada da maneira ampla e abrangente.
Entretanto, é necessário que o consumidor com-
prove que fez a reclamação, ainda que de maneira verbal.
Evidente que, num cenário ideal, diante de inúmeras práti-
cas desleais a que está sujeito, é desejável que o consumidor
formalize a reclamação, para não correr o risco de perder
seu direito. Poderá, assim, fazer a reclamação por escrito.
Novamente, não há maiores formalidades para tal ato.
Poderá ser realizado mediante carta enviada pelos correios
(com AR), solicitação perante o fornecedor, mediante re-
cibo, e-mail e qualquer outro meio de mensagem física ou
eletrônica. Outra opção que se mostra bastante eficiente é
a formalização da reclamação perante os serviços de aten-
dimento ao cliente, disponibilizados pelos fornecedores.
Neste caso, a relação é feita verbalmente, pessoalmente ou

141
–PRESCRIÇÃO E DECADÊNCIA NAS RELAÇÕES DE CONSUMO–

pelo telefone, ou ainda por escrito, mediante a entrega de


um protocolo. Neste último caso, o protocolo basta para
provar a existência da reclamação.
Por fim, a reclamação poderá ser realizada perante
órgãos de defesa do consumidor (PROCONS, associações,
delegacias etc.). Tal hipótese estava prevista no inciso II
do artigo 26 do CDC, que foi objeto de veto presidencial.
Entretanto, mesmo com o veto, tem sido admitido como
instrumento hábil para obstar o prazo decadencial, a recla-
mação realizada perante tais organismos.
Nesse sentido:

é a própria Lei nº 8.078 que expressamente dá


legitimidade para que a associação privada
possa propor ações judiciais para a defesa dos
interesses e direitos difusos, coletivos e indivi-
duais homogêneos dos consumidores (art. 82,
IV, c/c o art. 81 e parágrafo único). Da mesma
forma a Lei da Ação Civil Pública (Lei nº 7.347,
de 24­7­1985) garante que as ações que ela re-
gula possam ser propostas por associação pri-
vada (art. 5o). Ora, se uma entidade privada
de defesa do consumidor tem garantida legal-
mente a prerrogativa de ingressar com ações
judiciais para a defesa dos direitos individuais
homogêneos, coletivos e difusos que envolvem
centenas, milhares e toda a comunidade de con-
sumidores, por que não teria legitimidade para
deles receber reclamação a ser encaminhada
para os fornecedores? (NUNES, 2019, p. 454.

142
–PRESCRIÇÃO E DECADÊNCIA NAS RELAÇÕES DE CONSUMO–

Por fim, ainda tratando da decadência, a instauração


de inquérito civil é instrumento apto a instar a decadência
do direito do consumidor. É o caso de reclamação formu-
lada perante o Ministério Público. E pese a deficiente re-
dação do dispositivo de lei que regulamenta essa hipótese
(Artigo 26, §2º, inciso III), entende-se que a simples notícia
do vício do produto ou serviço perante o Ministério Público
é instrumento apto para obstar a decadência, não sendo ne-
cessário aguardar a instauração formal do inquérito civil.
O lapso temporal entre a data da apresentação da re-
clamação e a efetiva instauração do inquérito pode ser de-
masiadamente longo e resultar em prejuízos ao consumi-
dor. É possível que o inquérito sequer seja instaurado, por
circunstâncias alheias à vontade do consumidor.
Assim, fica obstado o prazo decadencial até o encer-
ramento do inquérito civil, mas a interpretação é extensiva
para que se entenda que ocorre desde data da apresentação
da reclamação junto ao Ministério Público.
Veja que tais hipóteses são aplicáveis aos casos de vícios
“aparentes” ou de “fácil constatação”. Ao tratar dos vícios
ocultos, o CDC disciplina a decadência da seguinte forma:
Art. 26. O direito de reclamar pelos vícios apa-
rentes ou de fácil constatação caduca em:
(...)
§ 3° Tratando-se de vício oculto, o prazo deca-
dencial inicia-se no momento em que ficar evi-
denciado o defeito.

143
–PRESCRIÇÃO E DECADÊNCIA NAS RELAÇÕES DE CONSUMO–

Entende-se, pois, que no caso de vício oculto, o prazo


decadencial inicia-se no momento em que o mesmo ficar
evidenciado. Por óbvio, a contagem do prazo não pode ini-
ciar-se antes da evidência do vício.
Finalmente, como dito antes, a prescrição aplicável
às relações de consumo está regulada no art. 27 do Código
de Defesa do Consumidor. Assim dispõe o referido dispo-
sitivo: “Art. 27. Prescreve em 5 (cinco) anos a pretensão à
reparação pelos danos causados por fato do produto ou do
serviço prevista na Seção II deste Capítulo, iniciando-se a
contagem do prazo a partir do conhecimento do dano e de
sua autoria”.
Neste caso, a norma faz referência ao direito subjetivo
de ação. É o direito de pleitear indenização por vício ou fato
do produto ou serviço. Toda situação relativa a relação jurí-
dica de consumo que gerar dano está enquadrada na norma
do artigo 27, aplicando-se tal prazo para ajuizar ação pleite-
ando a indenização que for devida.
O início da contagem do prazo prescricional ocorre
a partir da data do conhecimento do dano ou da data do
conhecimento de sua autoria. No caso, e pese ter consta-
do da norma de maneira incorreta a locução conjuntiva “e”,
deve ser entendido que para saber o termo a quo do início
do prazo, busca-se a data do conhecimento do dano ou de
quem o praticou.
Tal interpretação deve ocorrer porque pode aconte-
cer de o consumidor sofrer dano, tomar ciência dele, mas
não conseguir identificar imediatamente quem o praticou.

144
–PRESCRIÇÃO E DECADÊNCIA NAS RELAÇÕES DE CONSUMO–

Desse modo, a data a ser considerada é a mais favorável ao


consumidor.
Quanto às causas de interrupção e de suspensão do
prazo prescricional, aplicam-se subsidiariamente as dispo-
sições do Código Civil. Com efeito, está descrito no caput do
artigo 7º do Código de Defesa do Consumidor que é possí-
vel a aplicação de outras normas vigentes no ordenamento
jurídico nas relações de consumo, desde que não haja in-
compatibilidade entre ambas. Desse modo, às relações de
consumo aplicam-se as disposições dos artigos 189 a 204,
da Seção I, II e III do Capítulo I do Título IV do Código Civil.
Uma norma não exclui a outra, mas o CDC deve pre-
valecer quando houver disposições conflitantes. Por exem-
plo, aplica-se o prazo da lei consumerista (cinco anos) para
a pretensão que resultar de fato do produto ou serviço, mes-
mo que se trate de contrato de seguro. Em se tratando de
situação em que o consumidor alega defeito na prestação do
serviço, não cabe a aplicação do prazo anual do artigo 206,
§ 1º, do Código Civil.

Em verdade, mesmo os casos de danos decorren-


tes de inadimplemento de obrigações do forne-
cedor passam a ser tratados, no regime do CDC,
como fato do serviço, ensejando a aplicação dos
arts. 14 e 27. Disso se conclui que o prazo do art.
27 é aplicável a danos causados a qualquer espé-
cie de relação de consumo, isto é, é aplicável a
fatos do produto ou serviço mesmo que tenham

145
–PRESCRIÇÃO E DECADÊNCIA NAS RELAÇÕES DE CONSUMO–

vitimado um consumidor por equiparação – bys-


tander. Apesar do que foi dito, e dos precedentes
citados, há casos em que o STJ se recusa a apli-
car o prazo quinquenal, mesmo quando parece
haver relação de consumo por equiparação. Um
deles é o caso de inscrição indevida em cadastro
restritivo de crédito. O STJ vem entendendo não
se tratar de caso de fato do produto ou serviço.
O outro é o caso de acidente envolvendo conces-
sionária de serviço público de transporte, como,
por exemplo, em atropelamento. Nesta situação,
o STJ aplica o prazo de 5 anos previsto no art.
1º-C da Lei nº 9.494/1997, mas não o do art. 27
do diploma consumerista (WERNER, 2018).

Cabe ressalvar que a prescrição prevista nesse capí-


tulo aplica-se exclusivamente à pretensão do consumidor
em face do fornecedor. Não se aplicam os prazos aqui estu-
dados à tutela criminal do consumidor, que é disciplinada
pela lei penal aplicável. Desse modo, com o entendimento
da matéria aplicável ao tema “prescrição e decadência”, tor-
na-se possível a compreensão de toda a sistemática relativa
à responsabilidade civil aplicável às relações de consumo.

146
CAPÍTULO

10 CAPÍTULO 10. PRÁTICAS


COMERCIAIS
–PRÁTICAS COMERCIAIS–

O Código de Defesa do Consumidor criou regras espe-


cíficas para regulamentar as práticas comerciais aplicáveis
especificamente às relações de consumo. Essa regras levam
em conta que, via de regra, as práticas mercadológicas fa-
vorecem os fornecedores, em razão da vulnerabilidade dos
consumidores.
Para os fins de aplicação às relações comerciais, o CDC
equiparou aos consumidores todas as pessoas determiná-
veis ou não, expostas às práticas nele previstas. A disciplina
de proteção contratual aplica-se à figura do consumidor por
equiparação. Desse modo, o CDC amplia a abrangência da
norma a todos os sujeitos expostos às práticas comerciais,
em situação de vulnerabilidade.
A disposição está no artigo 29 do Código e visa a coibir
práticas abusivas, como, por exemplo, a publicidade enga-
nosa. Conclui-se que a proteção do Código do Consumidor
“pode alcançar até mesmo as relações entre empresários,
desde que um deles, no caso concreto, se apresente em si-
tuação de hipossuficiência diante do outro” (SOUZA, 2018).
Com relação à oferta, a primeira fase da formação de
um contrato, o CDC passou a discipliná-la a partir do seu
artigo 30. Dita a lei consumerista que toda informação ou
publicidade, suficientemente precisa, veiculada por qual-
quer forma ou meio de comunicação com relação a produtos
e serviços oferecidos ou apresentados, obriga o fornecedor
que a fizer veicular, ou dela se utilizar, e integra o contrato
que vier a ser celebrado.

148
–PRÁTICAS COMERCIAIS–

Quer dizer que a oferta vincula o proponente, não po-


dendo o fornecedor veicular informação e posteriormente
deixar de cumprir o que fora prometido.
Ainda quanto à oferta, esta deve assegurar informa-
ções corretas, claras, precisas, ostensivas e em língua por-
tuguesa sobre suas características, qualidades, quantidade,
composição, preço, garantia, prazos de validade e origem,
entre outros dados, bem como sobre os riscos que apresen-
tam à saúde e segurança dos consumidores. Tal previsão
(artigo 31) tem fundamento no artigo 6º, inciso III, que tra-
ta dos direitos básicos do consumidor.
A proposta poderá ser realizada de forma escrita, oral
ou de maneira implícita, por gestos, por exemplo. Ter como
destinatário uma pessoa determinada, ou a um grupo de
pessoas. Pode ainda se destinar a todos os consumidores,
como ocorre geralmente por meio da mídia. À oferta aplica-
-se o mesmo regime da proposta, previsto no Código Civil.
O seu artigo 428 trata do tempo de validade da proposta,
por exemplo. Desse modo, a oferta tem caráter vinculante e
é obrigatória.
O CDC ainda prevê que as informações da oferta nos
produtos submetidos a refrigeração, serão gravadas de for-
ma indelével, isso é, de modo que não se apaguem ou se
tornem ilegíveis as informações em razão da condensação
da água decorrente da refrigeração.
Quanto aos produtos colocados no mercado – em razão
da oferta – o Código prevê que fabricantes e importadores
deverão assegurar a oferta (disponibilização para compra)

149
–PRÁTICAS COMERCIAIS–

de componentes e peças de reposição enquanto não cessar


a fabricação ou importação do produto. Ainda que cessada
a fabricação ou importação, deverá haver a oferta de tais
produtos por “período razoável de tempo”.
O período previsto na lei varia sempre de acordo com
o tempo da vida útil do produto e de suas características.
Desse modo, a oferta de componentes de reposição deverá
perdurar pelo prazo de uso daquele determinado produto.
Quando a oferta (ou venda) é realizada por telefone ou
reembolso postal, deve constar o nome do fabricante e en-
dereço na embalagem, publicidade e em todos os impressos
utilizados na transação comercial, a fim de que o consumi-
dor possa identificar claramente o proponente, visando fa-
cilitar o contato e eventual responsabilização do fornecedor.
O fornecedor não pode veicular publicidade de bens
e serviços por telefone, quando a chamada é cobrada do
consumidor. Assim, respeitando toda a lógica do Código
de Defesa do Consumidor, é o fornecedor quem assume o
risco da atividade econômica, não podendo repassá-lo ao
consumidor.
Visando garantir também a proteção do consumidor
e a vinculação da oferta feita pelo fornecedor, este é solida-
riamente responsável pelos atos de seus prepostos ou re-
presentantes autônomos. Isso quer dizer que o consumidor
poderá exigir o cumprimento da oferta feita pelo vendedor
de produtos ou serviços, ainda que o fornecedor alegue que
não havia autorização para a proposta, ou retire unilateral-
mente a oferta.

150
–PRÁTICAS COMERCIAIS–

Caso ocorra de o fornecedor de produtos ou serviços


recusar dar cumprimento à oferta, apresentação ou publici-
dade, o consumidor poderá, alternativamente e à sua livre
escolha, exigir o cumprimento forçado da obrigação, nos
termos da oferta, apresentação ou publicidade; aceitar ou-
tro produto ou prestação de serviço equivalente; ou ainda
rescindir o contrato, com direito à restituição de quantia
eventualmente antecipada, monetariamente atualizada, e a
perdas e danos.
Ainda na disciplina das relações contratuais, o CDC
trata da publicidade a partir do seu artigo 36. Diz que a
publicidade deve ser veiculada de tal forma que o consumi-
dor, fácil e imediatamente, a identifique como tal, ou seja,
entenda que se trata de uma peça publicitária. É proibida,
portanto, a publicidade “maquiada”, veiculada de maneira
oculta, sem que o consumidor possa entender que aquilo se
trata de um anúncio.
Respeitando o direito à informação, o fornecedor, na
publicidade de seus produtos ou serviços, deverá ter em
seu poder, para informação dos legítimos interessados, os
dados fáticos, técnicos e científicos que dão sustentação à
mensagem.
Nesse sentido, é proibida toda publicidade enganosa
ou abusiva, sendo assim considerada aquela que contenha
ou apresente informação ou comunicação de caráter publi-
citário, inteira ou parcialmente falsa, ou, por qualquer ou-
tro modo, mesmo por omissão, seja capaz de induzir em
erro o consumidor a respeito da natureza, características,

151
–PRÁTICAS COMERCIAIS–

qualidade, quantidade, propriedades, origem, preço e


quaisquer outros dados sobre produtos e serviços.
É abusiva, dentre outras, a publicidade discriminató-
ria de qualquer natureza, a que incite à violência, explore
o medo ou a superstição, se aproveite da deficiência de jul-
gamento e experiência da criança, desrespeite valores am-
bientais, ou que seja capaz de induzir o consumidor a se
comportar de forma prejudicial ou perigosa à sua saúde ou
segurança.
A publicidade pode ser considerada enganosa ou abu-
siva por omissão, quando deixar de informar sobre dado
essencial do produto ou serviço.
Desse modo, o fornecedor e o publicitário devem
manter em seu poder todos os estudos técnicos, fáticos e
científicos que demonstrem a veracidade das informações
veiculadas. O ônus da prova da veracidade e correção da
informação ou comunicação publicitária cabe a quem as
patrocina.
Como dito, ao tratar das práticas comerciais, o CDC
prevê algumas que possuem alto potencial ofensivo, que
ofendem os princípios da boa-fé e da razoabilidade. É um
rol não taxativo previsto no seu artigo 39, descrito para evi-
tar que sejam causados graves danos aos adquirentes de
produtos e serviços. As descrições previstas nos incisos do
referido artigo são autoexplicativas.
Nesse sentido, é considerada prática abusiva con-
dicionar o fornecimento de produto ou de serviço ao

152
–PRÁTICAS COMERCIAIS–

fornecimento de outro produto ou serviço, bem como, sem


justa causa, a limites quantitativos. Essa é a chamada ven-
da casada, quando para o fornecimento de um produto ou
serviço, outro deve obrigatoriamente ser adquirido pelo
consumidor.
É prática abusiva, também, recusar atendimento às
demandas dos consumidores, na exata medida de suas dis-
ponibilidades de estoque, e, ainda, de conformidade com
os usos e costumes. Assim, não pode o fornecedor adotar
postura discriminatória e negar-se em fornecer produto ou
serviço, quando houver disponibilidade ou estoque.
O fornecedor também não deve enviar ou entregar ao
consumidor, sem solicitação prévia, qualquer produto, ou
fornecer qualquer serviço. Nesse caso, caso ocorra tal prá-
tica, serão considerados os produtos ou serviços, amostra
grátis.
De outro giro, é vedado ao fornecedor prevalecer-se
da fraqueza ou ignorância do consumidor, tendo em vista
sua idade, saúde, conhecimento, ou condição social, para
impingir-lhe seus produtos ou serviços.
Tendo em vista a vulnerabilidade do consumidor, é
considerada prática abusiva exigir dele vantagem manifes-
tamente excessiva. Trata-se de uma lógica das proibições
de práticas tidas por abusivas. O fornecedor não pode se
aproveitar da sua superioridade e impor ao consumidor
uma condição que implique em vantagem manifestamente
excessiva.

153
–PRÁTICAS COMERCIAIS–

Além disso, o fornecedor não pode executar serviços


sem a prévia elaboração de orçamento e autorização ex-
pressa do consumidor, ressalvadas as decorrentes de práti-
cas anteriores entre as partes. Nesse sentido, o fornecedor
do serviço somente pode executá-lo mediante a elaboração
prévia do orçamento e da autorização do consumidor.
O fornecedor de serviço será obrigado a entregar ao
consumidor orçamento prévio discriminando o valor da
mão-de-obra, dos materiais e equipamentos a serem em-
pregados, as condições de pagamento, bem como as datas
de início e término dos serviços. O valor orçado terá valida-
de pelo prazo de dez dias, contado de seu recebimento pelo
consumidor. Em sendo aprovado o orçamento, este obriga
os contraentes e somente pode ser alterado mediante livre
negociação das partes. Ainda quanto à prestação de serviço,
o consumidor não responderá por quaisquer ônus ou acrés-
cimos decorrentes da contratação de serviços de terceiros
não previstos no orçamento prévio.
Dentre as práticas tidas como abusivas, tem-se o re-
passe de informação depreciativa, referente a ato praticado
pelo consumidor no exercício de seus direitos. O fornece-
dor não pode divulgar qualquer informação do consumidor
sem o seu prévio consentimento, muito menos de caráter
depreciativo.
Ademais, é vedado ao fornecedor colocar no merca-
do de consumo qualquer produto ou serviço em desacordo
com as normas expedidas pelos órgãos oficiais competen-
tes ou, se normas específicas não existirem, pela Associação

154
–PRÁTICAS COMERCIAIS–

Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) ou outra entida-


de credenciada pelo Conselho Nacional de Metrologia,
Normalização e Qualidade Industrial (Conmetro).
Não poderá, também, deixar de estipular prazo para
o cumprimento de sua obrigação ou deixar a fixação de seu
termo inicial a seu exclusivo critério. Quer dizer que não
pode o fornecedor de produtos ou serviços deixar de fixar
prazo de entrega, ou impor um prazo abusivo, imposto
unilateralmente.
É vedado ao fornecedor, sob pena de caracterizar
prática abusiva, recusar-se à venda de bens ou à prestação
de serviços diretamente a quem se disponha a adquiri-los
mediante pronto pagamento, ressalvados os casos de inter-
mediação regulados em leis especiais. Tal previsão reflete
o dever de não discriminação do fornecedor, já detalhado
anteriormente.
Ademais, o fornecedor deve abster-se de elevar sem
justa causa o preço de produtos ou serviços. Ainda, tratan-
do de reajustes, não poderá aplicar fórmula ou índice de
reajuste diverso do legal ou contratualmente estabelecido.
Por fim, em razão do dever de proteção, considera-se
abusivo permitir o ingresso em estabelecimentos comer-
ciais ou de serviços de um número maior de consumidores
que o fixado pela autoridade administrativa como máximo.
No caso de fornecimento de produtos ou de serviços
sujeitos ao regime de controle ou de tabelamento de pre-
ços, os fornecedores deverão respeitar os limites oficiais sob

155
–PRÁTICAS COMERCIAIS–

pena de, não o fazendo, responderem pela restituição da


quantia recebida em excesso, monetariamente atualizada,
podendo o consumidor exigir à sua escolha, o desfazimento
do negócio, sem prejuízo de outras sanções cabíveis.
Foi objeto de preocupação do legislador, nas rela-
ções de consumo, a forma como se dá a cobrança de dívi-
das. Nesse sentido, previu o CDC, em seu artigo 42, que
na cobrança de débitos, o consumidor inadimplente não
será exposto ao ridículo, nem será submetido a qualquer
tipo de constrangimento ou ameaça. Quer dizer que, ain-
da que inadimplente, deve o consumidor ser respeitado em
sua dignidade como ser humano, não podendo ser exposto
ao ridículo, ter sua imagem vinculada de qualquer maneira
ou ainda ser sujeito a práticas abusivas de cobrança.
Ademais, na cobrança de débitos, deverá haver a iden-
tificação precisa do fornecedor que realiza a cobrança, com
o nome, o endereço e o número de inscrição no Cadastro de
Pessoas Físicas – CPF ou no Cadastro Nacional de Pessoa
Jurídica – CNPJ.
Do mesmo modo, caso o consumidor seja cobrado de
quantias indevidas, terá o direito à repetição do indébito,
por valor igual ao dobro do que pagou em excesso, acresci-
do de correção monetária e juros legais, salvo hipótese de
engano justificável.
A legislação consumerista disciplinou o modo como se
dá a guarda de informações dos consumidores em banco de
dados e cadastros. Nesse sentido, é garantido ao consumi-
dor o acesso às informações existentes em cadastros, fichas,

156
–PRÁTICAS COMERCIAIS–

registros e dados pessoais e de consumo arquivados sobre


ele, bem como sobre as suas respectivas fontes.
Em tais bases de dados, as informações devem ser
objetivas, claras, verdadeiras e em linguagem de fácil com-
preensão, não podendo conter informações negativas refe-
rentes a período superior a cinco anos. Do mesmo modo,
quando houver prescrição de débitos do consumidor, não se-
rão mais fornecidas, pelos respectivos Sistemas de Proteção
ao Crédito, quaisquer informações que possam impedir ou
dificultar novo acesso ao crédito junto aos fornecedores.
Caso a abertura de cadastro, ficha, registro e dados
pessoais e de consumo não seja solicitada pelo consumidor,
ela deverá ser comunicada por escrito.
O consumidor, sempre que encontrar inexatidão nos
seus dados e cadastros, poderá exigir sua imediata correção,
devendo o arquivista, no prazo de cinco dias úteis, comuni-
car a alteração aos eventuais destinatários das informações
incorretas.
Os bancos de dados e cadastros relativos a consumi-
dores, os serviços de proteção ao crédito e congêneres são
considerados entidades de caráter público.
No caso de pessoas portadoras de deficiência, as infor-
mações das bases de dados devem ser disponibilizadas em
formatos acessíveis, garantindo o acesso do consumidor.
De outro lado, os fornecedores também poderão ter
suas informações mantidas pelos órgãos públicos de defesa
do consumidor, especificamente com relação às reclamações

157
–PRÁTICAS COMERCIAIS–

de produtos e serviços. Tais informações devem ser publi-


cadas anualmente e indicarão se a reclamação foi atendida
ou não pelo fornecedor.
Ainda relativamente aos cadastros das reclamações
de fornecedores, é garantido o acesso às informações lá
constantes, para fins de orientação e consulta por qualquer
interessado.
Por fim, o Código de Defesa do Consumidor procurou
descrever de maneira exemplificativa algumas práticas con-
tratuais que são abusivas e proibidas. A partir do seu artigo
46, o CDC previu que os contratos de consumo devem ter
o prévio conhecimento pelo consumidor, relativamente ao
seu conteúdo, sob pena de não vinculá-lo. O mesmo se diz
dos respectivos instrumentos, se forem redigidos de modo a
dificultar a compreensão de seu sentido e alcance.
Quer dizer que, nesses casos, o consumidor não estará
obrigado às cláusulas contratuais das quais não tiver prévio
conhecimento, bem como àquelas que tiverem proposital-
mente sido redigidas para dificultar a sua compreensão.
De qualquer forma, vige no ordenamento jurídico que
em caso de dúvidas ou lacunas, os contratos serão interpre-
tados da maneira mais favorável ao consumidor.
De outro lado, a proposta, consubstanciada nas decla-
rações de vontade constantes de escritos particulares, reci-
bos e pré-contratos relativos às relações de consumo vincu-
lam o fornecedor, ensejando inclusive execução específica,
nos termos do art. 84 e parágrafos do CDC.

158
–PRÁTICAS COMERCIAIS–

Nas aquisições de produtos ou serviços fora do esta-


belecimento comercial, especialmente por telefone ou em
domicílio (atualmente pela internet), o consumidor pode
desistir do contrato, no prazo de 7 dias a contar de sua as-
sinatura ou do ato de recebimento do produto ou serviço,
sem ter que justificar a desistência. Trata-se do chamado
direito de arrependimento. Os valores eventualmente pa-
gos, a qualquer título, durante o prazo de reflexão, serão
devolvidos de imediato, monetariamente atualizados.
Tal previsão existe por conta da vulnerabilidade do
consumidor que adquire produto sem antes ter a chance de
tateá-lo, ver pessoalmente, especialmente porque a publici-
dade veiculada pelos diversos meios pode distorcer a reali-
dade, tanto relativamente ao tamanho, quando à qualidade.
Nos contratos, pode haver ainda a garantia “contratu-
al”. Essa é complementar à legal e será conferida mediante
termo escrito. Nesse caso, o fornecedor entregará termo de
garantia ou equivalente, de modo padronizado, no qual deve
esclarecer, de maneira adequada em que consiste a mesma
garantia, bem como a forma, o prazo e o lugar em que pode
ser exercitada e os ônus a cargo do consumidor, devendo
ser-lhe entregue, devidamente preenchido pelo fornecedor,
no ato do fornecimento, acompanhado de manual de ins-
trução, de instalação e uso do produto em linguagem didá-
tica, com ilustrações.
Finalizando a matéria relativa aos contratos, tal como
relativamente às práticas comerciais, o CDC elaborou rol
não taxativo de cláusulas consideradas abusivas. Constou

159
–PRÁTICAS COMERCIAIS–

do artigo 51 do CDC, que são nulas de pleno direito, entre


outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento
de produtos e serviços que:
I - impossibilitem, exonerem ou atenuem a responsa-
bilidade do fornecedor por vícios de qualquer natureza dos
produtos e serviços ou impliquem renúncia ou disposição
de direitos. Nas relações de consumo entre o fornecedor e o
consumidor pessoa jurídica, a indenização poderá ser limi-
tada, em situações justificáveis;
II - subtraiam ao consumidor a opção de reembolso da
quantia já paga, nos casos previstos neste código;
III - transfiram responsabilidades a terceiros;
IV - estabeleçam obrigações consideradas iníquas,
abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem
exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a
eqüidade;
V - (Vetado);
VI - estabeleçam inversão do ônus da prova em preju-
ízo do consumidor;
VII - determinem a utilização compulsória de
arbitragem;
VIII - imponham representante para concluir ou rea-
lizar outro negócio jurídico pelo consumidor;
IX - deixem ao fornecedor a opção de concluir ou não
o contrato, embora obrigando o consumidor;
X - permitam ao fornecedor, direta ou indiretamente,
variação do preço de maneira unilateral;

160
–PRÁTICAS COMERCIAIS–

XI - autorizem o fornecedor a cancelar o contrato


unilateralmente, sem que igual direito seja conferido ao
consumidor;
XII - obriguem o consumidor a ressarcir os custos de
cobrança de sua obrigação, sem que igual direito lhe seja
conferido contra o fornecedor;
XIII - autorizem o fornecedor a modificar unilate-
ralmente o conteúdo ou a qualidade do contrato, após sua
celebração;
XIV - infrinjam ou possibilitem a violação de normas
ambientais;
XV - estejam em desacordo com o sistema de proteção
ao consumidor;
XVI - possibilitem a renúncia do direito de indeniza-
ção por benfeitorias necessárias.
Como dito, o rol é exemplificativo, sendo que o Poder
Judiciário poderá considerar outras cláusulas que desres-
peitem as regras do CDC como abusivas e, portanto, nulas.
Além disso, o legislador exemplificou vantagens do
fornecedor que considerou exageradas. São aquelas que re-
sultem em vantagem que ofenda os princípios fundamentais
do sistema jurídico nacional. Também, aquela que restringe
direitos ou obrigações fundamentais inerentes à natureza
do contrato, de tal modo a ameaçar seu objeto ou equilíbrio
contratual. Por fim, é vantagem abusiva a que se mostra ex-
cessivamente onerosa para o consumidor, considerando-se

161
–PRÁTICAS COMERCIAIS–

a natureza e conteúdo do contrato, o interesse das partes e


outras circunstâncias peculiares ao caso.
Entretanto, sendo considerada abusiva uma cláusula,
não há invalidação do contrato inteiro. Isso apenas ocorre
quando a ausência da cláusula invalidada resultar em ex-
cessivo a qualquer das partes.
A declaração de nulidade é feita pelo Poder Judiciário
e poderá ser requerida por qualquer consumidor ou entida-
de que o represente. Poderão tais legitimados requerer ao
Ministério Público que ajuíze a competente ação, para ser
declarada a nulidade de cláusula contratual que contrarie
dispositivo do CDC, ou que não assegure o justo equilíbrio
entre direitos e obrigações das partes.
Quando o contrato de consumo é firmado com o for-
necimento de concessão de crédito ou financiamento ao
consumidor, o fornecedor deverá informar prévia e adequa-
damente o consumidor sobre o preço do produto ou serviço
em moeda corrente nacional, o montante dos juros de mora
e da taxa efetiva anual de juros, os acréscimos legalmen-
te previstos, o número e periodicidade das prestações e a
soma total a pagar, com e sem financiamento.
O consumidor poderá optar pela liquidação total ou
parcial do débito de maneira antecipada. Neste caso, haverá
redução proporcional dos juros e demais acréscimos.
No caso de inadimplemento, ou simples atraso, as multas de
mora não poderão ser superiores a dois por cento do valor da
prestação.

162
–PRÁTICAS COMERCIAIS–

Nos contratos de compra e venda de móveis ou imó-


veis mediante pagamento em prestações, bem como nas
alienações fiduciárias em garantia, consideram-se nulas de
pleno direito as cláusulas que estabeleçam a perda total das
prestações pagas em benefício do credor que, em razão do
inadimplemento, pleitear a resolução do contrato e a reto-
mada do produto alienado. Esses contratos devem sempre
ser realizados em moeda nacional corrente.
Por outro lado, quando se tratar de contrato de siste-
ma de consórcio de produtos duráveis, o CDC autoriza a
compensação ou a restituição das parcelas quitadas e, na
forma deste artigo, terá descontada, além da vantagem eco-
nômica auferida com a fruição, os prejuízos que o desisten-
te ou inadimplente causar ao grupo.
Desse modo, essas foram as principais considerações
acerca da regulação do Código de Defesa do Consumidor
sobre as relações comerciais e contratuais.

163
–EXERCÍCIOS PROPOSTOS UNIDADE 4–

EXERCÍCIOS PROPOSTOS UNIDADE 4

1) Diferencie prescrição e decadência no direito do


consumidor?





2) Descreva 5 práticas consideradas abusivas pelo Código de


Defesa do Consumidor, explicando-as e informando sua
previsão legal.





3) Na cobrança de dívidas, o consumidor não será exposto ao


ridículo, nem submetido a práticas abusivas. Qual a disci-
plina para a cobrança de dívidas nas relações de consumo?
Em caso de cobrança de dívida inexistente, qual a tutela
legal aplicável?





164
–EXERCÍCIOS PROPOSTOS UNIDADE 4–

4) Relacione 5 cláusulas contratuais consideradas abusivas,


de acordo com o Código de Defesa do Consumidor, expli-
cando-as e informando o fundamento legal.





5) Quanto aos produtos ou serviços que envolvam a conces-


são de crédito ao consumidor, quais providências deverá o
fornecedor adotar?





165
–EXERCÍCIOS PROPOSTOS UNIDADE 4–

 GABARITO

1: A prescrição é a perda da pretensão do consumidor de


ver reparados os danos sofridos pelo fato e pelo vício do
produto e serviço, pelo decurso do prazo. Está prevista
no artigo 27 do Código de Defesa do Consumidor e tem
prazo de 5 anos.
Já a decadência é a perda do direito de reclamar pelos
vícios no fornecimento de produtos ou serviços, pelo
decurso do prazo. Está regulada no artigo 26 do Código
de defesa do consumidor e corresponde a 30 ou 90 dias,
a depender do tipo de produto ou serviço.
2: Vide artigo 39 do CDC.
3: O CDC determinou, em seu artigo 42, que na cobrança
de débitos, o consumidor inadimplente não será exposto
ao ridículo, nem será submetido a qualquer tipo de cons-
trangimento ou ameaça. Quer dizer que, ainda que ina-
dimplente, deve o consumidor ser respeitado em sua dig-
nidade como ser humano, não podendo ser exposto ao
ridículo, ter sua imagem vinculada de qualquer maneira
ou ainda ser sujeito a práticas abusivas de cobrança.
Ademais, na cobrança de débitos, deverá haver a iden-
tificação precisa do fornecedor que realiza a cobran-
ça, com o nome, o endereço e o número de inscrição
no Cadastro de Pessoas Físicas – CPF ou no Cadastro
Nacional de Pessoa Jurídica – CNPJ.
Do mesmo modo, caso o consumidor seja cobrado de
quantias indevidas, terá o direito à repetição do indébi-
to, por valor igual ao dobro do que pagou em excesso,
acrescido de correção monetária e juros legais, salvo hi-
pótese de engano justificável.

166
–EXERCÍCIOS PROPOSTOS UNIDADE 4–

4: Vide artigo 51 do CDC.


5: No fornecimento de produtos ou serviços que envolva
outorga de crédito ou concessão de financiamento ao
consumidor, o fornecedor deverá, entre outros requisi-
tos, informá-lo prévia e adequadamente sobre o preço
do produto ou serviço em moeda corrente nacional; o
montante dos juros de mora e da taxa efetiva anual de
juros; os acréscimos legalmente previstos; o número e
periodicidade das prestações; e a soma total a pagar,
com e sem financiamento.

167
–REFERÊNCIAS–


REFERÊNCIAS

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NUNES, Luis Antônio Rizzatto. Curso de direito do consu-
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