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CEDERJ - CENTRO DE EDUCAÇÃO SUPERIOR A DISTÂNCIA

DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

Curso: Engenharia de Produção


Disciplina: Gestão da Manutenção
Conteudistas: José Antonio Assunção Peixoto e
Leydervan de Souza Xavier
DI: Vittorio Lo Bianco

Aula 2: Produção e manutenção: o que vale a pena?

Meta
Explorar como a questão de valor participa de todas concepções, práticas, avaliações e
gestão da manutenção. Neste contexto as produções concretas e simbólicas e sua
manutenção também serão abordadas.

Objetivos
Esperamos que, ao final desta aula, você seja capaz de:

1. Compreender como se constrói, socialmente, o valor e as expectativas de


desempenho das atividades de produção e de manutenção;
2. Compreender como as percepções de risco interferem na gestão da manutenção;
3. Discutir as relações entre valor, produção concreta e simbólica e manutenção.

1.0 INTRODUÇÃO

Na Aula 1 você pode refletir sobre a natureza das atividades de manutenção e de


produção e, segundo a abordagem proposta, de como as distinções entre elas são
convencionais e contextuais. Como você viu, ao final da aula, esta abordagem não altera
o fato de que, dependendo da organização do trabalho, manutenção e produção serão
realizadas de forma especializada e com finalidades bem distintas.

Mas, ao se equipar manutenção e produção, como foi proposto, há implicações práticas


importantes. Se, no passado, a manutenção, frequentemente, se subordinava à

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produção, de uma forma quase sempre reativa e reparadora, mais recentemente passa
a ser considerada como uma atividade estratégica para as organizações e para as
cadeias de suprimentos envolvendo várias organizações, sendo ativa ou pró ativa e
produtora.

Ao longo da disciplina você vai verificar isto, por exemplo, na perspectiva de gestão de
ativos. Particularmente, quando há uma preocupação com a sustentabilidade dos
processos, esta posição fica ainda mais destacada.

Assim, a manutenção é um campo de produção de valor para a organização e para os


sujeitos conscientes fora dela, preocupados com a sociedade e com o mundo da vida.

Nesta aula, você vai explorar como a questão de valor participa de todas concepções,
práticas, avaliações e gestão da manutenção. Neste contexto as produções concretas
e simbólicas e sua manutenção também serão abordadas.

2.0 CONCEITOS

Resgatando o conceito de ação, realizada por um sujeito consciente, você se depara


com a intencionalidade e a reflexividade. Ou seja, tudo que você faz, conscientemente,
tem uma finalidade e, ao agir e produzir uma transformação, seja o alcance que ela tiver
nos campos do imaginário, da sociedade e do mundo da vida, você poderá perceber e
refletir se suas expectativas foram alcançadas. Esta reflexão se constrói sobre os
conceitos de desempenho e de valor. Vamos entender isso mais profundamente.

2.1 Valor e desempenho

Ao se fazer o recorte ou enquadre das organizações em que vive ou com as quais


interage, você poderá refletir como sua produção impacta na existência delas. Essa
reflexão, que você usará para conduzir sua vida como cidadão e como profissional, é
algo que todos os agentes de todas as organizações compartilham, em alguma medida
de suas consciências e reflexões, e, as próprias organizações, coletivamente, também
realizam. Para refinar esse conceito é preciso usar outros dois: valor e desempenho.

Nas interações entre organizações, que sempre constituem uma forma de produção, há
expectativas quanto às transformações a serem alcançadas por meio das formas de
produção disponíveis. A intencionalidade da consciência que produziu com uma
finalidade, esperar alcançar, em alguma medida, aquela finalidade. A comparação ou

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razão entre essas expectativas e os resultados alcançados na produção, em geral,
corresponde a alguma forma de desempenho ou medida de desempenho.

Na Fig. 1, a representação explora a interação entre dois sujeitos conscientes que


refletem sobre o valor de sua produção. Seguindo os moldes usados nas figuras
anteriores, há objetos abstratos (bloco roxo), privativos dos imaginários (elipse rosa
tracejada de vermelho) de cada sujeito, que podem ser produzidos (campos das elipses
azul e verde), como coisa concreta ou uma informação comunicável (bloco azul) e,
assim, ser compartilhado (intersecção das elipses azul e verde) com outros sujeitos no
campo da sociedade.

Na medida que outros sujeitos comparam o objeto produzido, seja informacional ou


material com o seu próprio objeto imaginário, sobre o qual construiu suas expectativas,
define-se uma medida de valor.

A medida de valor, é, também, uma produção e, como um novo objeto (material ou


informacional), passa a ser compartilhada socialmente pelos sujeitos e poderá ser
usada na produção de outros objetos, afetando as expectativas futuras e novas formas
de medição de valor, assim como os próprios sujeitos e as organizações que eles
compõem

INFORMAÇÃO SOCIEDADE
MATERIALIDADE
imaginário VALOR VALOR imaginário

Sujeito Sujeito
consciente consciente

expectativa
expectativa

AÇÃO

TRANSFORMAÇÃO
ENERGIA
MUNDO DA VIDA
MÁTERIA

Figura 1 A construção do valor pelos sujeitos conscientes.

Nos sítios na internet, quando você clica no gesto de que gostou ou não gostou,
juntamente com milhares de outros sujeitos, que nunca viu nem vai ver, o valor do
produto e de seu produtor estão sendo transformados instantaneamente...O quanto

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você gostou, de que gostou e por que gostou, certamente, diferem do que acham os
demais, mas na métrica de quantidade de aprovações, isso não conta, pelo menos em
uma primeira avaliação.

Como a sobrevivência das organizações depende das transformações e produções


realizadas, haverá sempre um interesse em alcançar um determinado desempenho e,
como uma produção sempre pode ser comparada com outra produção, haverá sempre
uma relatividade percebida por cada sujeito. As fatias de mercado são conquistadas ou
perdidas assim.

Lembre-se de que o sujeito pode ser um coletivo de profissionais organizados,


compondo partes de uma empresa ou “organização”. O valor de um produto, também,
pode ser construído a partir de um agregado de qualidades percebidas e valorizadas
pelo sujeito.

Essa relatividade percebida pode ser considerada a base do valor. Porque todo valor é
valor relativo, em uma escala própria. Contratos comerciais, normas técnicas,
legislações são, em essência, acordos ou imposições de valores, conforme o contexto
social. O que é certo e o que não é. O que é caro e o que é barato. O que é bom ou
ruim, são exemplos de problemas de valor.

Qual o valor de sua produção? Isto pode ser respondido por números, em uma escala
de valores financeiros para remuneração; ou com base em outros conceitos: estou
satisfeito com ela, ou não estou feliz com o que faço; ela é maravilhosa, mas ninguém
valoriza o que eu faço!

Todos os valores são uma forma de construção social, consensual ou não. O valor e o
desempenho vão ser a base das relações entre as organizações e as formas de
produção e de manutenção que serão discutidas adiante.

Sem uma clara percepção de como os valores e o desempenho são percebidos, você
terá dificuldades nas interações profissionais e pessoais em qualquer organização. E
não conseguirá planejar, executar, ou gerir qualquer atividade de manutenção em
sintonia com a organização ou as organizações que demandam ou em que se executa
a atividade.

Então, surgem algumas questões: o que tem mais valor (relativo)? Como isto se define
no Mundo da Vida e nas organizações?

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2.2 Risco, perigo e dano

Ao projetar uma ação e refletir sobre as expectativas associadas às consequências dela,


você sabe, por experiência própria, que a realidade concreta pode se afastar da
realidade imaginada. Assim, há, sempre, alguma distinção possível entre o que se
espera e o que se obtém. Entre elas, está a reação dos outros sujeitos as suas escolhas
e as diferenças entre eles e os seus valores. Além disto, acontecem coisas não previstas
ou ainda imprevisíveis, como aquelas que não se conhecia antes de acontecerem.

No senso comum, as pessoas dizem que toda ação tem riscos... Nesse caso, em geral,
risco é a possibilidade de algo indesejado acontecer, como um acidente, ou algo que
constitui prejuízo a alguém. De forma semelhante, as pessoas se referem a uma
condição perigosa ou arriscada.

Para uma definição mais formal, você pode considerar as referências da Royal Society
(1992):

Risco é: “the combination of the probability, or frequency, of occurrence of a defined


hazard and the magnitude of the consequence of the occurrence”.

Aqui, livremente, traduzida como:

“a combinação da probabilidade, ou da frequência de ocorrência de um perigo definido


e a intensidade da consequência da ocorrência”

E, complementarmente, perigo pode ser considerado:

“the potential to cause harm” and also as “a property or situation that in particular
circumstances could lead to harm”.

Aqui, livremente, traduzida como:

“o potencial para causar danos” e, também, “a propriedade ou situação que, em


circunstâncias particulares, pode causar danos” (Royal Society, 1992).

A percepção de risco depende, diretamente, da informação disponível. Assim, o risco


percebido pode ser muito menor do que o risco calculado a partir de dados estatísticos,
por exemplo. E, no sentido contrário, por questões particulares, alguém pode sentir
medo ou perceber riscos de forma mais intensa do que se poderia calcular a partir de
algum modelo, com as informações disponíveis.

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Você pode associar, agora, os conceitos de valor, risco, perigo e dano a diversos
contextos importantes para a EP e seu desempenho profissional.

Assim, diretamente, o sujeito consciente, individual ou coletivo, atribuirá valores


diferentes para produções que tenham riscos diferentes. Se a vida do sujeito depende
de alguma produção, seu valor passa a ser o da própria vida, e realizar esta produção
assume grande valor. Por outro lado, algo que representa risco de morte ao sujeito deve
ser evitado e o que for possível produzir para isto assume grande valor.

Nesta correlação de sentidos, agir é sempre correr riscos, refletindo-se sobre a relação
entre o valor relativo da produção pretendida e dos danos que ela possa gerar ou que
possam ocorrer se algo não acontecer conforme o esperado.

Uma das vertentes da Gestão da Manutenção é a que considera a gestão de riscos


nos processos realizados por uma organização.

Como cada ação, visando à produção, despende energia e significa trabalho, humano
ou não, ela ocorrerá pelo valor socialmente reconhecido nesta produção e relacionado
com seus resultados, conforme as expectativas dos sujeitos sejam mais ou menos
satisfeitas. Ações serão preferidas a outras em função de seu valor.

Há, portanto, risco na ação de se produzir, por não se alcançar o desempenho desejado
que gere retorno. Por outro lado, para se evitar que acidentes e outros fenômenos
interfiram negativamente na produção, é preciso agir – como na manutenção – o que
também tem valor relativo e riscos associados, como em qualquer produção. Assim, as
ações com menor risco serão preferidas em relação as demais.

O valor é, muitas vezes, pensado em escala financeira ou econômica, como nas


relações de custo-benefício, investimento-retorno etc. E, o mesmo acontece com o risco,
mas danos à vida, ao meio ambiente, à cultura, à imagem pessoal ou corporativa,
dificilmente, ficam bem avaliados, somente, na escala financeira.

Nas questões contemporâneas de responsabilidade social e de práticas mais


sustentáveis, cada vez mais presentes na EP, há muito trabalho a ser feito no campo
dos valores e na gestão de riscos.

2.3 Organização, entropia e caos.

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As organizações não são, naturalmente, permanentes, ou seja, elas não se mantêm
inalteradas, por elas mesmas, ao longo do tempo. Isto vale para as ordenações lógicas
e as organizações sociais.

Quanto tempo durou aquela última arrumação que você fez em sua gaveta ou bolsa?
Por que não continua arrumada? Por experiência, você sabe que isso não acontece e,
se você preza a ordem, precisa manter a arrumação com intervenções periódicas, do
contrário, vai imperar o caos, em algum tempo.

Pense, agora, em uma organização como a família ou uma empresa. Se os participantes


não se ocuparem de cuidar delas, haverá degradação ou desagregação do que se
considera um todo.

Pense também no seu organismo. Sem se cuidar você pode ficar doente e mesmo
“parar de funcionar”.

Mas por que os processos e as organizações não se mantêm por si mesmos,


indefinidamente? Por que as coisas se desorganizam? Uma forma de explicar isso é
usando alguns conceitos que você estudou em Termodinâmica.

Cada transformação implica em uma perda de energia que não pode ser mais usada
para uma outra transformação seguinte ou para reverter a transformação realizada. O
conceito usado para designar esta perda ou indisponibilidade é entropia. A entropia é
usada para medir o grau de desordem das partículas em condições definidas.

Assim, se você encerrar uma organização em um espaço isolado de outras fontes de


energia e deixar que ela realize processos de trabalho, depois de um certo tempo, ela
não conseguirá mais prosseguir, por não ter mais energia para isso. Haverá desordem
total. A ausência de qualquer forma de organização ou a incapacidade para produzir
organização é o caos.

Para que não alcance um estado caótico, é preciso que a organização renove seu
estoque de energia e de informação, que precisa vir de fora dela.

Deste modo, cada organização, por mais que tenha agentes internos responsáveis por
sua manutenção, precisa de interações com outras organizações para manter seu

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funcionamento. A renovação dos quadros de colaboradores segue a mesma linha
lógica.

Veja o caso de seu organismo. Ele dispõe, até certo ponto, de recursos para se manter,
mas, no caso de acidentes, grandes traumas, infecções graves, é preciso que agentes
externos atuem para reparar a saúde afetada. Do mesmo modo, apesar de haver
reservas de energia, sem o ar e os alimentos que vêm de fora do organismo, ele não se
manteria vivo ao final de uns poucos minutos.

Veja o caso da Terra. Sem a energia enviada pelo Sol e transformada em diversos
processos no Mundo da Vida, a vida aqui não seria viável.

As atividades humanas não produzem nem matéria nem energia, mas podem
transformar estas entidades, disponíveis na natureza, uma em outra, e vice-versa,
gerando fluxos das duas capazes de alimentar organizações, se opondo ao aumento da
entropia, ou se você preferir, do grau de desordem.

O risco da desordem, parcial ou total, afeta máquinas, edificações, instalações, códigos


computacionais, circuitos eletrônicos, procedimentos de trabalho e todas as formas de
organização humanas e naturais.

Por um lado, sem o fluxo de matéria e energia que se opõe ao aumento da entropia, a
vida não se sustenta. Por outro, para as organizações sociais sobreviverem, além dos
fluxos de matéria e de energia, precisam de interação com outras organizações e troca
de informações e circulação de pessoas. Daí a necessidade e o valor da manutenção,
quer considerada para um item de uma máquina, quer considerando a organização
como um item.
Na Fig.2 a ordem ou organização projetada, privativamente, pelo sujeito se transforma
(a ação de organizar começa no campo da elipse vermelha de seu imaginário e alcança
a elipse azul da realidade compartilhável com outros sujeitos) em objeto concreto (bloco
azul), através de uma produção intencional. Esta produção acontece na intersecção dos
campos imaginação (rosa) de produção/manutenção (azul), da sociedade (laranja) e do
ambiente natural (verde). O retângulo externo manutenção pode ser pensado como o
contexto em que tudo isto acontece, o que se deseja fazer. Mas, essa organização se
degrada, por força da entropia (setas tracejadas pretas conectando o objeto ao exterior),
e é preciso que o sujeito faça manutenção de seu produto, com suporte de fluxos e
matéria, energia e informação provenientes da sociedade e do Mundo da Vida.

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Matéria

Mundo da Vida

Sociedade
Energia

Manutenção

Abstração e Entropia
projeto
OBJETO DO
lógica MUNDO DA
VIDA
espaço organizar
Ação Sujeito OBJETO DO
consciente MUNDO DA desorganizar
tempo VIDA

nexo

Trabalho Produção
INTENCIONALIDADE

Linguagem

Figura 2 As transformações, a entropia e a manutenção nas organizações.

Na Fig.2, o sujeito consciente produz (bloco azul associado à produção e bloco amarelo
associado à manutenção), intencionalmente, e para isso se apropria do que conhece e
dos materiais e recursos de que dispõe, realizando um trabalho. Primeiro a intenção é
um projeto, uma linguagem mental. Em seguida, pode ser comunicado a outros sujeitos,
usando as linguagens e signos disponíveis (idioma, desenhos, modelos etc.). O passo
seguinte é a materialização do projeto. Observe que projetar, se comunicar e construir
algo concreto são formas de trabalho em que existem riscos e produção de valor.

2.4 Fenômeno, consciência, linguagem e representação

Você já refletiu sobre como o valor de um produto se relaciona ao risco, agora será
importante explorar uma outra associação: entre valor e símbolo. E, neste caminho,

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você poderá refletir sobre a produção e a manutenção (dos valores) dos símbolos,
vinculados às demais produções. Antes disto, convém apresentar alguns conceitos.

Um desses conceitos importantes para essa discussão é o de fenômeno. No grego


fenômeno é o que aparece, o que se apresenta (fazer-se presente). E você perguntará:
aparece ou se faz presente para quem? Para um agente capaz de perceber, ou de outra
forma, para uma consciência ou ainda, para um sujeito ou agente consciente e reflexivo.

Neste contexto, simplificadamente, considera-se a consciência como a capacidade de


conhecer, de perceber o processo pelo qual se conhece alguma coisa e de refletir sobre
isso.

Todo fenômeno que é percebido pela consciência vai ser transformado em uma forma
de produção que você pode chamar de experiência ou de conhecimento. Contudo, nem
toda experiência é consciente. Nem sempre você reflete sobre o que acontece ou está
sentindo.
A consciência em presença de qualquer fenômeno produz uma representação dele que
passa a ser a percepção da realidade. Na prática, você lida com a sua representação
da realidade que, inclusive, pode e costuma ser modificada com o tempo e experiência.

Quando alguém diz que é representante comercial de uma empresa...obviamente não


é a própria empresa, mas vai assumir o lugar dela para todas as questões práticas...e
neste caso passa a ser “a empresa” nas relações com as demais organizações,
podendo agir e decidir como “uma totalidade substituta da empresa”.

Os signos, símbolos, desenhos e qualquer forma de linguagem, seja mental, falada ou


escrita, são formas de representação com que produzimos outras representações. Tudo
o que você produz tem um valor simbólico, representando outros objetos concretos ou
abstratos. Uma nota de prova, um diploma, uma aliança de noivado, um uniforme, entre
tantos outros.

Você pensou e se lembrou de cenas que representavam, pelo menos para sua
consciência, o que seria manutenção...Estavam armazenadas na sua memória e você
produziu associações entre elas e o termo manutenção, atualizando aquelas
lembranças e formando novas imagens que, agora, representam outro forma de
entendimento ou de conhecimento.

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A linguagem é uma forma organizada de representação usando signos e as
representações não deixam de ser processos lógicos, ou formas de organização. Por
outro lado, as organizações de relações entre pessoas representam o que as pessoas
pensam e como são capazes de viver e de produzir em dado momento da história.

Assim, a sociedade é uma representação viva dos valores, do conhecimento e das


formas de decisão de cada contexto humano. E essa representação é a que produzimos
para entender nossa forma de vida ou a de outras pessoas em nossa época ou através
da história.

Pela mesma linha, as leis são uma representação formal dos valores morais, éticos,
políticos etc. que um grupo social adota em determinado momento da história.

Quando você diz que estuda EP, ou que é aluno do CEFET/RJ essas afirmações são
representações suas. Quando você começou “seu curso” elas, possivelmente, eram
diferentes das que você usa hoje. Ou, de outra forma, o que era EP para você vem se
modificando ao longo do tempo, com as contribuições de sua experiência e
modificações de sua consciência. Ao concluir o curso, seu diploma e CREA vão
representar para a sociedade sua capacidade e autoridade para agir profissionalmente.

Com a Gestão da Manutenção vai acontecer a mesma coisa! No mundo da vida, como
profissional, se suas representações e as de seus pares não coincidirem ou, pelo
menos, forem reciprocamente compreendidas, as decisões conjuntas se transformarão
em conflitos e as produções serão muito difíceis ou mesmo inviáveis.

Os valores são fenômenos, assim como os símbolos. Quando uma marca faz você
atribuir valores diferentes a seus produtos, tecnicamente equivalentes aos de outras, há
algo além do concreto sendo percebido por você. Pode-se pensar em um valor
simbólico.

Muitos dos esforços de manutenção de instalações, obras de arte, máquinas e museus


são determinados pelo valor simbólico que possuem.

Quando muitos soldados se arriscam no campo de batalha para resgatar um único


combatente ferido ou cercado, o que está sendo salvo? O que justificaria arriscar muitas
vidas para tentar salvar uma? O que essa vida e esse gesto simbolizam? Essas
questões são estratégicas para a Gestão da Manutenção e se relacionam à questão de
valor. Isto porque as relações custo-benefício nem sempre dão conta dos valores

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simbólicos considerados pela organização ou pela sociedade em que ela se insere. Por
exemplo, será possível responder a pergunta: uma vida vale mais do que várias?

Nesta perspectiva, toda produção é, também potencialmente, uma produção simbólica,


o que faz com que o valor percebido esteja associado ao produto concreto, quando
existe, e o que simboliza para a sociedade. Pelo mesmo motivo, toda manutenção, é
também potencialmente, uma manutenção de símbolos e do valor associado a eles.

Muitas vezes, o produto é o suporte material do símbolo, como um diamante raro, pode
simbolizar riqueza, nobreza. Outras vezes, é o próprio símbolo, como uma bandeira
nacional, por exemplo (ARAUJO, F.; HANSCH, F; et al, 2009)

Veja a Fig.3, agora, as produções e os valores simbólicos aparecem associados às


produções anteriormente discutidas e representadas na Fig.2. Neste caso, tanto no
campo privativo do imaginário, quanto no campo das interações sociais, para toda
produção há um valor associado e, também, uma produção simbólica com valores
próprios. Os valores simbólicos, assim como as produções concretas, podem ser
compartilhados e definidos por consenso ou acordo, a partir das expectativas e
percepções dos sujeitos.

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INFORMAÇÃO SOCIEDADE
MATERIALIDADE
imaginário VALOR VALOR imaginário
SÍMBOLO SÍMBOLO

Sujeito Sujeito
consciente consciente

expectativa SÍMBOLO
expectativa

AÇÃO

TRANSFORMAÇÃO
ENERGIA
MUNDO DA VIDA
MÁTERIA

Figura 3 As produções e valores simbólicos no campo das interações sociais.

As percepções de risco podem ser muito diferentes quando se trata de objeto concreto
e símbolo. Assim, os valores que vão decidir as estratégias de manutenção,
possivelmente, podem ser muito diferentes.

Lembre-se do caso recente do incêndio que destruiu parte da Catedral de Notre Dame
de Paris ocorrida em 15 de abril de 2019. (CND, 2019). A catedral estava em
manutenção e, possivelmente, o incêndio aconteceu por causa de algumas falhas nos
equipamentos usados na reforma.

Além das considerações financeiras e técnicas, a sociedade francesa representada pelo


governo e por diversas entidades laicas e religiosas debate, desde então, se a
reconstrução deve ser integral, preservando-se a originalidade possível, ou se cabe
introduzir modificações técnicas visando conforto, segurança e outros atributos
valorizados contemporaneamente.

A edificação e o que ela simboliza não são o mesmo objeto de manutenção. O risco de
destruir ou danificar o símbolo nacional francês e da cristandade, pesa com grande valor
nos projetos e ações que serão tomadas. E, ainda, o risco de a sociedade não aprovar
os resultados, por mais adequados técnica e financeiramente que sejam, também deve
estar sendo considerado pelos decisores.

Na linguagem coloquial, trata-se de saber o que vale à pena ou não fazer neste caso!

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3.0 ATIVIDADE
Considere a Fig.9 da Aula 1, em que a saga dos Epesnasaguas é relatada em 8
cenas.

1) Na cena 5 parte da tribo discute a construção de um abrigo e, na cena 8 o projeto


já foi concretizado. Considerando o que foi feito, identifique três possíveis
expectativas da tribo levadas em consideração na solução adotada e como seu
valor foi construído pelo grupo. (atende ao objetivo 1);

2) Você percebe algum risco na cena 1, para a tribo no interior do abrigo? E nas cenas
3, 4 e 5? Que riscos e perigos você identifica? (atende ao objetivo 2);

3) Que correlações você estabelece entre a experiência vivida pela tribo e descrita
nas cenas de 1 a 4 com as atividades desenvolvidas nas cenas 5, 6 e 7? Explore
as relações entre valor, produção simbólica e concreta e manutenção (atende ao
objetivo 3).

Resposta comentada da atividade

1) A experiência vivida pela tribo e descrita nas oito cenas, é a do colapso do


abrigo quando este foi atingido por uma tormenta incluindo chuva, vento e
raios. Muitos morreram e os sobreviventes ficaram desabrigados e expostos
ao tempo e a outros riscos, como ataques de animais, por exemplo. Assim, a
segurança contra intempéries parece ser a expectativa de desempenho mais
importante. Comparando as cenas 1 e 8 pode-se pensar que havia pouco
espaço no abrigo original em comparação com o novo, mesmo admitindo-se a
redução da tribo pelas mortes havidas. Assim, o conforto ou um espaço mais
amplo parecer ter sido outra expectativa; finalmente, na cena 5, os projetistas
parecem procurar soluções construtiva com os materiais disponíveis e usam o
piche como ligante entre as pedras. Deste modo, a exequibilidade com os
materiais e recursos humanos disponíveis para ter sido uma exigência de para
o projeto e seu processo produtivo.

2) Na cena 1 as informações descritas não sugerem nenhum perigo;


especulativamente você poderia pensar na falta de alimentos ou problemas
com o rio, mas de forma remota;

3) Há uma mobilização geral para a construção do abrigo, desde o projeto,


passando pela extração e transporte de material até a montagem final. Esta

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produção, ou manutenção do abrigo destruído, deve ter sido considerada de
grande valor e por isto valia a pena a participação de grande parte da tribo em
sua realização. Naturalmente, as experiências de morte, frio e falta de proteção
descritas nas cenas anteriores levaram a uma percepção coletiva de risco e a
uma expectativa de desempenho do novo abrigo que permitiram sua
construção coletiva. Mas o valor do trabalho realizado só pode ser constatado
com a chegada da estação das chuvas, quando a tribo pode testar seu produto.
Os valores simbólicos podem ser pensados, por exemplo, no esforço de
construir um novo abrigo em lugar muito próximo do anterior, usando materiais
semelhantes, como uma forma de identidade territorial e técnica dos
Epesnasaguas.

4. Conclusão

A manutenção nas organizações não se aplica, apenas, aos itens concretos como
equipamentos, edificações, instalações ou mesmo organizações como um todo. O
que está sendo produzido de forma concreta, potencialmente, tem uma
contrapartida simbólica que é valorizada pela sociedade. A percepção de risco e
suas representações, assim como as formas de definir valor e desempenho,
interferem diretamente nas finalidades da produção e da manutenção. No contexto
contemporâneo, em que compromissos com a responsabilidade social e práticas
sustentáveis se tornam cada vez mais relevantes, a EP precisa refletir em suas
práticas o conjunto de valores compatível com essas demandas.

5. Resumo
As produções conscientes estão permeadas do sentido de valor e de risco, refletindo as
expectativas sociais em que acontecem, quando se consideram as ações dos indivíduos
ou das organizações. São as medidas de valor e de desempenho e as percepções de
risco, socialmente construídas, que vão mobilizar os esforços de produção e de
manutenção. Como cada produção material é, potencialmente, uma produção simbólica
e há, também, valores simbólicos, acontece que a manutenção pode ter como finalidade
manter ou recuperar um “item simbólico”. O item pode ser o símbolo em si ou ser uma
espécie de suporte material para o símbolo, como foi comentado o caso da Catedral de
Notre Dame. Assim, o valor da manutenção não pode ser definido, somente, pelo valor
do produto concreto, mas deve contemplar o seu valor simbólico. A impermanência das
coisas do Mundo da Vida e da Sociedade pode ser compreendida pelo conceito de
entropia, o que leva à necessidade de manutenção de tudo o que existe, sob pena de
degradação progressiva das formas e dos desempenhos.

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6. Informações sobre a próxima aula

Na próxima aula você será convidado a explorar a trajetória histórica da produção social
do conhecimento no campo de organização do trabalho produtivo, usando conceitos
básicos do pensamento sistêmico como referência. Com isto você poderá compreender
como a busca por equilíbrio entre estrutura e ação na gestão das organizações se
relaciona com a produção do conhecimento e, também, como aprendizagem e a busca
de equilíbrio interagem na produção de mentefatos e artefatos para manutenção da vida
no cotidiano.

7. Referências Bibliográficas
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 5462: Confiabilidade e
Mantenabilidade. Rio de Janeiro, 1994.

ARAUJO, F.; HANSCH, F et al. PROJETO PARA A DURABILIDADE BASEADO NAS


FUNÇÕES ESTÉTICAS E SIMBÓLICAS DO PRODUTO in: XXIX ENCONTRO
NACIONAL DE ENGENHARIA DE PRODUÇÃO in XXIX ENCONTRO NACIONAL DE
ENGENHARIA DE PRODUÇÃO. Salvador, Brasil (2009).

CATEDRAL DE NOTRE DAME. Disponível em


https://pt.wikipedia.org/wiki/Inc%C3%AAndio_da_Catedral_de_Notre-Dame_de_Paris.
Acesso em Dez 2019.

Royal Society (1992), Risk Analysis, Perception and Management, The Royal Society,
London.

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