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L’ABBATE, S. Health Education: A New Approach. Cad. Saúde Públ., Rio de Janeiro, 10 (4):
481-490, Oct/Dec, 1994.
This article describes a series of experiences in the area of Health Education. The experiences,
carried out with groups of health professionals working in institutions, begin with the social
relationships in which these professionals are involved in their day-to-day work, in contact with
other social agents and groups. One of the basic assumptions is that social relationships are an
important aspect of the public health services provided to the population. As a result, health
workers need specific training in this area to develop and improve their professional
performance. The experiences show the importance of making theoretical and methodological
approaches (like Educational Psychodrama and the Arvoredo Method) available to these
workers. Those who have participated in such training programs have considerably improved
their professional/social skills. One of the basic tenets of these approaches is the constant
search for autonomy, as an essential element for people to increase awareness of themselves as
individuals and as citizens, be they health care professionals or users. The experiences and
methods described in this article may serve as one way of reducing the serious gaps in today’s
public health services.
Key words: Health Education; Professional Training; Professional Role Development
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É na perspectiva dessa problemática que tem formações, é possível delimitar algumas das
sido repensada a Educação em Saúde. Um principais necessidades desses trabalhadores.
primeiro delineamento desta disciplina permite Constata-se também algo extremamente positi-
defini-la como um campo de práticas que se vo: ao explicitá-las, os profissionais têm de-
dão no nível das relações sociais normalmente monstrado que a dimensão do desenvolvimento
estabelecidas pelos profissionais de saúde, entre pessoal/profissional é inseparável do aperfeiçoa-
si, com a instituição e, sobretudo com o usuá- mento da forma de atender o usuário.
rio, no desenvolvimento cotidiano de suas É possível dividir a demanda dos profissio-
atividades. nais pela área da Educação em Saúde em duas
É possível, quanto a isso, considerar algu- direções: a primeira, voltada para a instrumen-
mas premissas básicas: talização em técnicas didático-pedagógicas, e a
segunda, para o desenvolvimento do papel
1. Não se pode pensar os serviços de saúde profissional.
sem refletir sobre as relações entre esses Os dois tipos de demanda englobam, de
atores ou sujeitos, uma vez que qualquer maneira geral, as atividades que a outrora vem
atendimento à saúde envolve, no mínimo, desenvolvendo, algumas, individualmente, e
a interação entre duas pessoas; outras,em conjunto com profissionais do Labo-
2. Tais relações, provavelmente, nunca ratório de Comunicação e Educação em Saúde-
ocorreram totalmente em problemas. No Laces (DMPS, Laces, 1992).
entanto, a atual crise do setor saúde deve
estar contribuindo, e muito, para aumen- Instrumentalização em
tar as dificuldades; Técnicas Didático-Pedagógicas
3. Qualquer tipo de atuação visando à me-
lhoria dos serviços de saúde deve capa- A demanda por esse tipo de capacitação deu
citar os profissionais de saúde para a origem ao Curso de Educação em Saúde,
busca constante do aperfeiçoamento das ministrado desde 1991, como disciplina optativa
relações sociais que se desenvolvem no do Curso de Especialização em Saúde Pública
dia-a-dia dos serviços, numa perspectiva (L’Abbate et al., 1992).
crítica de visualizar, com naturalidade, os A busca dessa capacitação aparece na fala
problemas advindos da convivência hu- dos profissionais como necessidade de aprender
mana, em qualquer situação na qual ela a trabalhar em grupo e/ou melhorar o seu
ocorra; contato com o usuário nos atendimentos mais
4. O aperfeiçoamento dessa dimensão deve individualizados. Significa geralmente para o
ser considerado tão necessário quanto as profissional a possibilidade de apropriar-se de
outras capacitações nas áreas da Epide- técnicas em trabalho de grupo e de educação
miologia e do Planejamento/Adminis- em saúde, e como tal é por ele reiteradamente
tração, e, mais ainda, pode, muitas ve- reivindicada.
zes, precedê-las ou ser abordada de forma Como se tem acolhido essa demanda? Para
concomitante; responder à questão, são introduzidos alguns
5. Finalmente, é possível dispor atualmente princípios que revelam qual tem sido a di-
de instrumentos adequados para desenvol- mensão educativa considerada e vivenciada
ver esse tipo de capacitação, desde que se como postura inserida no conjunto das ativida-
apresentem oportunidades e possibilidades des dos profissionais de saúde.
no nível pessoal/profissional e decisão no Ao explicitá-los, são indicadas também
nível político/institucional para apreendê- algumas formas utilizadas para desenvolvê-los,
los e utilizá-los. demonstrando, assim, que essa maneira de
trabalhar procura relacionar permanentemente
NÍVEIS DE ATUAÇÃO ABERTOS os pressupostos teóricos dos quais se parte sua
AO CAMPO DA EDUCAÇÃO EM SAÚDE aproximação de situações nas quais os profis-
sionais/alunos se vêem envolvidos no presente,
Ao final de cerca de três anos de atuação jun- estiveram envolvidos no passado ou pretendem
to a profissionais de saúde das mais diversas envolver-se no futuro.
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A longa citação é necessária para fundamen- de apropriação seja pautada numa relação entre
tar o que se pretende com a Educação em “sujeitos desejantes em busca de autonomia”
Saúde: contribuir para o desenvolvimento dos (Levy, 1991), a fim de não reproduzir a relação
profissionais de saúde como sujeitos autônomos manipulatória.
que constroem essa autonomia com base na Muito ligada à noção de sujeito está a de
imaginação de um outro futuro, um outro cidadania. A autora entende que os dois con-
porvir, diferente, qualitativamente melhor, do ceitos — sujeito e cidadão — são faces de
contexto em que se vive atualmente. uma mesma moeda. A temática da cidadania
Para construir esse futuro, é preciso, por um vem sendo abordada, tanto na ampla literatura
lado, desejá-lo, “subjetivamente”/(apesar da especializada como na imprensa, seja em arti-
redundância), e, por outro, traduzir esse desejo gos, seja em comentários constatando e denun-
em ações do cotidiano, para afastar a tentação ciando a falta de respeito aos direitos, o que
de fugir pelo caminho do idealismo ou do ocorre cotidianamente na sociedade brasileira,
imobilismo. A questão é que as pessoas não sobretudo em relação ao setores menos privile-
desejam outro futuro ou não se empenham em giados da população.
construí-lo a partir do seu cotidiano e de acordo Nunca é demais insistir, porém, que, se o
com esse desejo, porque não sabem; muitas desenvolvimento da cidadania contém um as-
vêzes não o fazem, porque não podem. pecto instituído, referido ao arcabouço jurídi-
Não saber, não poder... entra-se num terreno co de qualquer estado democrático, sua reali-
nebuloso, na medida em que tais atitudes e pre- zação concreta depende de práticas sociais
disposições não podem ser consideradas sem instituintes, que no entender desta autora só
levar em conta que são determinadas pelos ní- podem ocorrer entre sujeitos, ou seja, entre
veis do consciente e do inconsciente, e, quanto atores sociais em relação (L’Abbate, 1990;
a este último, torna-se necessário recorrer a Berlinguer, 1993). Caso contrário, haverá
outro referencial, como o da Psicanálise, por apenas uma relação burocrática entre funcioná-
exemplo. rios e clientela, como, infelizmente, ocorre em
No entanto, sem falso otimismo, a autora grande parte de nossos serviços de saúde e
considera que há possibilidades de avanços na serviços públicos em geral.
construção de uma capacitação pedagógica dos Nesse sentido — e guardando as devidas
profissionais de saúde, desde que se trabalhe proporções quanto à ênfase, porque o autor
com abordagens adequadas, assim como há citado refere-se às instituições psiquiátricas
também grande terreno aberto àquilo que costu- brasileiras, cuja situação é reconhecidamente
ma denominar genericamente “trabalho de uma das mais graves do setor saúde —, é
grupo institucional”, baseado na perspectiva interessante refletir no que diz Jurandir Freire
do socius e não do psi. Com isso, está querendo Costa (1991) quanto ao funcionamento da
afirmar a possibilidade de realizar um trabalho “máquina burocrática” que dirigia e ainda dirige
de grupo no qual se coloque mais ênfase na grande parte das instituições psiquiátricas
dimensão pessoal/profissional/institucional e brasileiras.
menos na dimensão pessoal/ psicológica, até O autor usa a hipótese de que
onde seja possível considerá-las separadamente.
Trata-se de assunto controverso, sendo, “o exercício burocrático da profissão ou da
mesmo, temática de investigação já iniciada cidadania insere os indivíduos num tipo de
(L’Abbate, 1994). Contudo, a experiência vem ‘montagem perversa’ das relações sociais
mostrando que é possível contribuir significati- conforme noção criada por Contardo
vamente para que trabalhadores de saúde trans- Calligaris (1986-1988). Esta montagem possui
formem sua vida profissional em algo mais uma economia e dinâmica própria,
rico, vivo e inovador, quando se criam con- desvinculada da hierarquia de valores,
dições para que eles se apropriem de certos hegemônica no imaginário social: idéia de
recursos, que podem ser chamados generica- lei; de produtividade; de excelência de
mente de didático-pedagógicos, contanto que a trabalho; de utilidade das ações; de não
própria forma de contribuir para esse processo desperdício de recursos, etc”.
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Tais comentários apontam para a inter- O Psicodrama, criado por Jacob Levy More-
relação de vários aspectos, cuja referência é no, pode ser considerado “uma terapia de ação,
preocupação deste artigo. Apostando na consti- onde o indivíduo,ao invés de relatar ao terapeuta
tuição dos indivíduos como sujeitos, que se os seus conflitos, vivencia-os através da
constroem a partir da busca da autonomia, está- dramatização” (Puttini, 1991). Segundo o psi-
se também “vacinando” contra o processo codramatista Dalmiro M. Bustos,
burocrático que, como um polvo, tenta imobili-
zar todos, na prática institucional. “toda formulação moreniana é
totalizadora:inclui o psicológico, o biológico,
3. Finalmente, outro princípio geral no o social. Nesse sentido, é existencial (...)
qual se acredita é que muito mais impor- Moreno formula essa totalidade, basicamente,
tante do que aprender técnicas é adquirir quando nos fala do encontro, centro da
a postura de educador ou, explicitando proposta existencial psicodramática. Tal
melhor, estas só devem ser buscadas como encontro se dá numa dimensão temporal que
recurso auxiliar ao processo educativo, aparece formulada, pela primeira vez, na
porque o principal “instrumento” da filosofia. Esta dimensão é o momento. Um
relação educativa é o próprio educador. tempo não compartimentado em passado, presente
e futuro, o único tempo existencial
Disso decorrem três considerações: a pri- real, porque se desdobra nos três simultaneamente”.
meira, saber por que, como e quando utilizar, (Bustos apud Naffah-Neto, 1979)
e, sobretudo, reinventar técnicas, de acordo com
as condições de trabalho; buscar ajuda de ma- Há, portanto, proximidade entre a abordagem
nuais que já existem,e, sobretudo, não utilizar proposta por Moreno e as idéias que vêm sendo
técnicas como panacéia universal ou para subs- colocadas até aqui. Sem entrar na discussão a
tituir o contato mais direto entre educador e
respeito dos limites da psicoterapia psicodramá-
educando; a segunda é considerar que todo re-
tica e das várias críticas que podem ser feitas
curso didático que se pretende aplicar ao outro
ao Psicodrama, sobretudo quando se consideram
deve ter sido experimentado anteriormente
os fundamentos de outras disciplinas, como, por
pelo próprio educador. Assim, ao enfrentar as
exemplo, a Psicanálise, até porque isso fugiria
dificudades, por exemplo, o medo de se abrir
ao propósito deste texto, a experiência de
ao desconhecido, de ser espontâneo, de se ex-
utilização de técnicas do Psicodrama para abor-
por, enfim, está-se, ao mesmo tempo, apren-
dar a educação em saúde e o trabalho de grupo,
dendo um novo instrumento e percebendo as
em geral, têm sido muito promissores.
formas de resistência que outros poderão ter,
Isso porque se trabalha com o Psicodrama
adquirindo maior competência para acolher e
Pedagógico,expressão criada pela psicodramatis-
lidar com as dificuldades dos outros; a terceira,
a proposta didática utilizada deve estar em con- ta Maria Alícia Romaña (1987) não com a
sonância com a postura ética do educador e intenção de
permitir o desenvolvimento da criatividade,
integrando as várias dimensões constitutivas “estabelecer somente uma diferença entre
de todo ser humano. aplicação didática e terapêutica da
dramatização, mas sim de reconhecer uma
Explicitando a Proposta Didático-Pedagógica unidade básica relativa à filosofia e
fundamento de uma mesma
De maneira geral, a proposta que vem possi- técnica,procurando identificar,através do
bilitando o desenvolvimento desse conjunto ‘pedagógico’, fundamentalmente o nosso
de pressupostos tem sido pautada basicamente referencial e o campo de ação do educador”.
no Psicodrama Pedagógico ou Psicodrama
Aplicado à Educação, combinado com a Em trabalho posterior, (Romaña, 1992), a
Metodologia Arvoredo. Alguns dos princípi- autora aprofunda o conceito de Psicodrama
os dessas abordagens são explicados a seguir. Pedagógico, demonstrando as possibilidades de
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os grupos, com base no que emergiu nas reu- seja impossível separar completamente os três
niões, elaboraram propostas de reorganização níveis, é fundamental não confundir o conceito
do trabalho ou setor, ou reafirmaram e revalori- de onde se parte, que é o de trabalho educati-
zaram práticas já consagradas. vo; portanto, de natureza pedagógica.
Os comentários a seguir referem-se ao con- Na realidade, trabalhar o papel profissional
junto dessas experiências (L’Abbate, 1994), abre possibilidades tanto para o espaço pessoal/
naquilo que tem apresentado de mais relevante. grupal como para o pessoal/institucional. Aqui
Por que partir da abordagem do papel profis- a autora retoma, para desenvolver melhor, um
sional? Porque se considera que as demandas comentário feito na primeira parte do texto e
por esse tipo de intervenção têm reforçado a que considera de grande relevância, colocando-
idéia de que, partindo-se do desenvolvimento o enquanto questionamento: como se mesclam
do papel profissional, se pressupõem certas o trabalho pedagógico e o psicológico quando
garantias importantes, tais como: o espaço profissional é invadido pelo espaço
pessoal?
1. A dimensão que dá fundamento ao traba- Isso ocorre, sobretudo, quando emergem
lho, ou seja, o conceito fundante é o dificuldades de relacionamento entre pessoas
campo profissional, o que significa que que trabalham juntas. Muitas vezes, tais proble-
os participantes só abordarão aspectos de mas referem-se a mal-entendidos em geral,
sua vida pessoal se quiserem, e apenas implicância com o jeito de ser de um e de
aqueles com relação mais direta ao exer- outro, insatisfação quanto à distribuição e
cício do papel profissional. cobrança de tarefas, desagrado com o desempe-
nho da chefia; enfim, essas e outras situações
2. Em segundo lugar, tem-se observado que causadoras de mágoa e constrangimento.
a abordagem do papel profissional possi- Ao serem expressas no grupo e pesquisadas a
bilita a abertura, com maior envolvimento partir das técnicas referidas anteriormente, as
e compromisso, para pensar a instituição situações passam a ser percebidas e re-elabora-
como um todo. No caso das instituições das de outra forma pelos participantes, ou seja,
públicas de saúde, por exemplo, refletir com certo distanciamento e menor nível de
sobre certos conceitos básicos, quais se- ansiedade, facilitando a busca de soluções
jam, o significado do caráter público, o alternativas.
direito à saúde, a concepção de saúde/ Muitas vezes, o simples fato de trazer à tona
doença quando se pensa a Saúde Coletiva. uma determinada situação que incomodava, já
Em suma, o que é atender o usuário, resolve; outras vezes, trata-se de algo muito
quando se adere a tais princípios. mais profundo que não pode ser resolvido no
âmbito deste tipo de trabalho, sendo necessário
A primeira preocupação é: como conceituar para alguns, participantes, a procura de psicote-
esse tipo de trabalho? A qual categoria perten- rapia.
ce? O que se tem observado, a partir dos resga-
Do ponto de vista da forma, é trabalho de tes feitos a cada encontro, é o aumento da
grupo, e a metodologia utilizada é semelhante tolerância entre as pessoas, que muitas vezes
à que foi abordada na primeira parte do texto. convivem o dia inteiro, em clima ruim, o que
De maneira geral, esse trabalho pode ser inseri- pode refletir, em última análise, na qualidade do
do no tipo de intervenção institucional que trabalho realizado e do atendimento prestado.
René Lourau (1975) e Georges Lapassade Nunca é demais repetir: a referência é sem-
(1989) caracterizam como “intervenção pedagó- pre a do “público”, a do profissional, ou seja, o
gica”, apesar de incorporar também aspectos da âmbito do “privado” é tratado com grande
análise de grupo e da sócio-análise,que são os cuidado e sempre com o consentimento da
outros níveis de intervenção institucional consi- pessoa e do grupo. Isso porque as pessoas não
derados por esses autores.Embora, na prática, estão ali para fazer terapia, embora o trabalho
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até possa vir a ter uma “função terapêutica”, sobre os funcionários do Hospital Matarazzo, e
entre aspas. Essa premissa é colocada muito o de Borges e Neves (1991), sobre o trabalho
claramente para o grupo desde o primeiro da assistente social em Saúde.
momento, quando se estabelece o contrato, ou Na criação desse espaço de reflexão, o papel
seja, o compromisso mútuo dos membros do do coordenador é, muitas vezes, “apenas” o de
grupo com o coordenador. saber ouvir, o de ser continente para as dificul-
A distinção, mesmo parecendo “cartesiana”, dades que o grupo traz. Aí é preciso treinar-se,
é importante. Uma das diferenças seria a de ou estar atento a um tipo de “escuta analítica”,
que, no trabalho terapêutico, há ou é proposto que acolhe sem interpretar e, assim, permite ao
que haja o envolvimento da pessoa em sua grupo tratar de questões que, sozinho e nas
“totalidade”, enquanto no trabalho educativo, e reuniões específicas para definir estratégias de
ainda mais num espaço institucional, apenas trabalho, não consegue. Pretende-se, em última
alguns aspectos são revelados. Além disso, há instância, que, o mais rapidamente possível, o
as especificações profissionais e o respeito à grupo possa dispensar esse “alter ego” e cami-
divisão de trabalho. Para cuidar do terapêutico, nhar sozinho ou contando com algum tipo de
há o profissional com a competência adequada. supervisão.
Infelizmente não se dispõem de informações Ainda em relação ao cruzamento do trabalho
sobre o que ocorreu com alguns grupos, decor- pedagógico com o organizacional, quando o
rido algum tempo da realização do trabalho, espaço profissional é invadido pelo espaço
sobretudo quanto à situação do grupo em re- institucional mais amplo, é possível tecer alguns
lação, como dizia Moreno. Essa é uma questão comentários.
da maior relevância e da maior dificuldade. Vem sendo observando que as mudanças no
Como dar continuidade a esse tipo de trabalho nível da organização e do processo do trabalho
para manter e avançar o que se conseguiu que surgem como necessidades do grupo são
durante aquele curto período de tempo? mais facilmente implementadas, porque o
Apesar dessa descontinuidade, sem esquecer compromisso é muito maior, embora aí haja
que, para alguns grupos, o tempo de duração do dois aspectos a considerar: o primeiro é que,
trabalho foi suficiente, uma certeza vem sendo antes de jogar a responsabilidade na direção do
reforçada cada vez mais: criar espaço adequado serviço, postura muito comum em nossa cultura
para os profissionais de saúde olharem para o institucional, sobretudo a dos serviços públicos,
seu trabalho, poderem expressar sua perplexida- há muito a ser feito pelo próprio grupo e que só
de e seus sentimentos e dor diante do sofrimen- depende dele; o segundo é que, quando se trata
to, doença e morte, com os quais lidam todos de algo que depende do acordo da direção da
os dias, pode ser muito importante para, em instituição, pode ocorrer e tem ocorrido que
primeiro lugar, valorizarem a própria atividade nem sempre a direção aceita as propostas de
e, em segundo, contribuir para evitar a ocorrên- mudança, apesar do empenho em incentivar
cia de duas situações extremas, ambas totalmen- o desenvolvimento da postura de negociador, na
te indesejáveis: o trabalhador cair na indiferença medida em que essa competência também faz
total que leva à burocratização ou até à “monta- parte do papel profissional.
gem perversa” já referidas, ou adquirir distúr- Trata-se de um outro aspecto que é o do
bios mentais ou psicossomáticos sérios e muitas compromisso da direção da instituição com o
vezes irreversíveis. trabalho que está sendo feito. Esse é um proble-
Há, nesse sentido, algumas análises caracte- ma fundamental que surge e poderá surgir
rizando o trabalho de muitos profissionais da sempre nesse tipo de abordagem: até que ponto
área da saúde como trabalho penoso, definido a direção da instituição, mesmo que tenha
como aquele que, além de produzir riscos e partido dela o pedido para o trabalho de desen-
agressões ao organismo, provoca sérios desgas- volvimento profissional, está disposta a assumir
tes de ordem emocional e psíquica. Ver a e implementar o que se decide no grupo quando
respeito o trabalho de Ana Maria Pitta (1990), se trata de medidas que ultrapassam as possibi-
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