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DETECÇÃO DE RISCOS PSÍQUICOS EM BEBÊS DE BERÇÁRIOS DE

CENTROS MUNICIPAIS DE EDUCAÇÃO INFANTIL DE CURITIBA

MARIOTTO,Rosa Maria Marini - PUCPR


rosa.mariotto@pucpr.br

BERNARDINO, Leda Mariza Fischer – PUCPR


ledber@terra.com.br

Eixo Temático: Educação Infantil


Agência Financiadora: FAPESP e MINISTÉRIO DA SAÚDE

Resumo

A ida da criança para o centro de educação infantil pode ser considerada como um momento
de ruptura do laço estabelecido entre o bebê e a sua mãe, causando um desconforto e um
estranhamento perante este novo ambiente por parte de ambos. No momento da separação
entra em cena a figura do educador, que desempenhará a função até então exercida pela
cuidadora natural, a mãe. O vínculo que se forma entre as partes envolve fatores como
autonomia, afetividade e segurança emocional, facilitando a entrada e permanência da criança
na instituição.Deste modo, o ambiente da creche passa a ser um lugar de existência do bebê e
por isso, torna-se também espaço para a detecção de riscos psíquicos precoces em bebês de
zero a dezoito meses. Este trabalho decorre de 03 pesquisas realizadas, uma em âmbito
nacional e as outras duas de caráter regional. Desenvolvida pelo Grupo Nacional de Pesquisa,
sob a chancela do Ministério da Saúde e da Fapesp, a Pesquisa Multicêntrica de Indicadores
Clínicos de Risco para o Desenvolvimento Infantil (IRDI), desenvolvida no período de 2001 a
2008, fundamentou-se em pressupostos teóricos psicanalíticos sobre a constituição psíquica
de crianças de 0 a 36 meses para elaborar e validar indicadores clínicos para a detecção
precoce de transtornos psíquicos do desenvolvimento infantil, observáveis nos primeiros
dezoito meses de vida da criança. Um projeto piloto, de aplicação do IRDI em ambiente de
educação infantil, foi realizado em 2007 num Centro Municipal de Educação Infantil,
indicando a viabilidade e a relevância desta iniciativa (Bernardino, Vaz, Quadros & Vaz,
2008), já verificada em outra pesquisa conduzida por Mariotto (2007). Discutiremos neste
trabalho os principais resultados obtidos, buscando localizar as particularidades dos laços
entre cuidador e bebê, pela verificação de fenômenos cotidianos presentes nas creches, com
destaque sobre a posição que o educador ocupa nessa relação.

Palavras-chave: Educação Infantil. Riscos Psíquicos. Psicanálise.

Introdução
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A criação da “instituição-creche”, mantenedora da infância nos dias atuais, deu-se a


partir das modificações do papel da mulher na sociedade e suas repercussões no âmbito da
família. As mudanças sociais e econômicas convocaram a mulher a ultrapassar os muros do
território doméstico para lançar-se no mercado de trabalho. Para resolver a questão de ‘onde’
e ‘com quem’ deixar a prole, as creches surgem como resposta a essa necessidade imposta.
A realidade das crianças que freqüentam estas instituições indica que elas passam mais
tempo neste ambiente do que no meio familiar, permanecendo, normalmente, em torno de 12
horas por dia. Crianças que vão exigir que este adulto cuidador seja ponto de referência para
seu vir a ser.
Guedenay, Mintz e Dugravier (2007) propõem elementos que, segundo eles,
concorrem para o desenvolvimento precoce: a existência no bebê de capacidades inatas que
lhe permitem compreender, apreender o mundo, formando categorias e, mais tarde,
desenvolver a linguagem; o contexto relacional, as relações pais-filhos que permitem
desenvolver estas capacidades precoces; e a curiosidade própria da criança e seu desejo de
dominar as coisas. Para eles, “são estas 3 forças, agindo juntas ou de modo oposto, que
concorrem para tornar o desenvolvimento tão potente e capaz de auto-correção”. (p. 1,2)
(grifo nosso). Nas creches vamos encontrar bebês com capacidades e curiosidade e compondo
o contexto relacional, os educadores, que neste contexto serão os responsáveis pelo
desenvolvimento destas capacidades e o aproveitamento desta curiosidade.
A ida da criança para o centro de educação infantil pode ser considerada como um
momento de ruptura do laço estabelecido entre o bebê e a sua mãe, causando um desconforto
e um estranhamento perante este novo ambiente por parte de ambos. No momento da
separação entra em cena a figura do educador, que desempenhará a função até então exercida
pela cuidadora natural, a mãe. O vínculo que se forma entre as partes envolve fatores como
autonomia, afetividade e segurança emocional, facilitando a entrada e permanência da criança
na instituição. O educador cuidador passa assim, a ser um elemento a mais na composição da
tessitura psíquica da criança, esgarçando a rede familiar. O documento do MEC para a
educação infantil (1998) ressalta que o desenvolvimento integral da criança pequena depende
tanto da dimensão afetiva e dos cuidados básicos oferecidos ao bebê, incluindo alimentação,
saúde e higiene, mas também pela forma como esses cuidados são oferecidos, em outros
termos, pela qualidade da educação oferecida.
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Quanto a isso Jerusalinsky (2005), pontua que se constatam novos modos de


parentalidade e sua incidência na primeira infância, uma vez que as funções maternas e
paternas não se estabelecem por uma correspondência a personagens fixos. Os orientadores e
professores de creches infantis têm lugar decisivo no estabelecimento de uma prática de
detecção e encaminhamento precoce diante das patologias da primeira infância.
Deste modo os Centros de Educação Infantil passam a fazer parte do trabalho de
prevenção necessário na infância. Segundo o relatório da Organização Mundial de Saúde
(OMS, 2001), alerta que, mesmo que os transtornos mentais na infância e na adolescência
sejam comuns, há ainda escassez na atenção dada ao problema, desde sua detecção e
diagnóstico até a oferta de tratamento. Diante disso, a necessidade de protocolos de detecção
precoce de riscos psíquicos e sua aplicação no ambiente da educação infantil são evidentes.

Por essas razões, a criação de instrumentos com indicadores capazes de detectar,


ainda na primeira infância, transtornos mentais, precisa ser levada adiante. O uso de
indicadores clínicos de risco pode encontrar uma aplicação significativa no campo da
saúde mental, especialmente como um auxiliar precioso na detecção de problemas de
desenvolvimento em crianças. (KUPFER et AL., 2009, p. 50).

A Pesquisa Multicêntrica de Indicadores Clínicos para o Desenvolvimento Infantil, -


desenvolvida pelo Grupo Nacional de Pesquisa (GNP), sob chancela do Ministério da Saúde e
da FAPESP foi realizada com este objetivo de permitir uma detecção precoce de riscos
psíquicos em bebês. Seu instrumento, o protocolo de Indicadores Clínicos de risco para o
Desenvolvimento Infantil (IRDIs) foi construído para ser aplicado em serviços pediátricos,
pelos pediatras em suas consultas de rotina de crianças de 0 a 18 meses de vida, a partir da
concepção psicanalítica sobre a constituição do psiquismo. Além da detecção precoce de
transtornos psíquicos do desenvolvimento infantil, com fins preventivos, a aplicação deste
protocolo alcança também o aperfeiçoamento de pediatras, e outros profissionais de saúde da
atenção básica, para atuar como agentes dessa detecção e prevenção (KUPFER &
VOLTOLINI, 2005).
Com base nestes fins, decidiu-se ampliar o ambiente pesquisado e aplicou-se o IRDI
no âmbito da Educação Infantil. Inicialmente, como pesquisa realizada para uma tese de
doutorado (MARIOTTO, 2007) e depois, como um projeto piloto (BERNARDINO et AL.,
2008); considerando que nas creches as educadoras também desempenham a função de
agentes de promoção de saúde mental.
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No campo da educação infantil há esforços empreendidos pelas Secretarias Municipais


e Estaduais para capacitar educadores no que se refere à detecção de riscos precoces do
desenvolvimento infantil.
Na cidade de Curitiba, o Departamento de Educação Infantil da Prefeitura oferece a
todos os educadores de creches um curso de capacitação denominado Sinais de Alerta nas
Creches de Curitiba, que objetiva preparar o educador para reconhecer e detectar possíveis
suspeitas de dificuldades no desenvolvimento da criança. Os sinais de alerta são divididos em
três áreas do desenvolvimento: sensorial (auditiva e visual), física e comportamental. Cada
um deles se refere a condutas observáveis na e da criança, enquanto que o laço com o
educador e sua posição na díade não participam da investigação.
Os sinais de alerta revelam que algumas condutas se referem basicamente à qualidade
psíquica do laço com o outro, mas é justamente este outro que fica excluído da observação,
como se sua participação não contasse para o aparecimento ou não do sinal de alerta. E,
quando aparece, este outro é a mãe. Assim, o educador aparece na condição de observador
excluído de sua função de sujeito, já que não é convocado a participar daquilo que observa.
Torna-se necessário dar um passo a mais.
É assim que o protocolo IRDI pode elementos auxiliar na leitura e compreensão do
laço que um educador estabelece com o bebê, apostando também que este instrumento
sensibilize tanto a creche quanto sua equipe a respeito dos aspectos psíquicos da
subjetividade, reconhecendo que o exercício de sua função participa como fundamental
coordenada desta organização na pequena criança.

Desenvolvimento

A pesquisa IRDI foi realizada no período 2000-2008 pelo GNP que desenvolveu um
instrumento composto por 31 indicadores clínicos de risco psíquico ou de problemas de
desenvolvimento infantil observáveis nos primeiros 18 meses de vida da criança: o IRDI
(tabela 1). O estudo utilizou um desenho de corte transversal seguido por estudo longitudinal.
A amostra foi composta por 727 crianças nas faixas etárias de 0 a 4 meses incompletos, 4 a 8
meses incompletos, 8 a 12 meses incompletos e 12 a 18 meses, randomicamente selecionada
entre aquelas que procuraram as consultas pediátricas de rotina em 11 serviços de saúde de
nove cidades brasileiras (Belém do Pará, Brasília, Curitiba, Fortaleza, Porto Alegre, Recife,
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Rio de Janeiro, Salvador e São Paulo com 3 centros). Os pediatras que aplicaram o protocolo
IRDI foram treinados para esse fim.
Durante os exames, foram anotados os indicadores clínicos (IRDI) presentes, ausentes
e não verificados. Nesta pesquisa, é a ausência de indicadores que sugere um risco para o
desenvolvimento da criança. Assim, os IRDIS, quando presentes, são indicadores de
desenvolvimento, e quando ausentes, são indicadores de risco para o desenvolvimento.
Estes indicadores foram concebidos segundo os pressupostos teóricos da pesquisa
IRDI (KUPFER ET AL., 2005), constituídos por quatro eixos que a mãe (ou seu substituto)
deverá sustentar para que ocorra a instalação da subjetividade do bebê para que se instale no
bebê esse circuito de satisfação em seu enlace com o Outro e se organize o seu
desenvolvimento, quais sejam: estabelecimento da demanda da criança; suposição de um
sujeito; alternância presença-ausência; e função paterna – eixos direcionadores na elaboração
dos indicadores clínicos.
O eixo “suposição do sujeito” (SS) supõe, por parte da mãe ou cuidador uma
antecipação da presença de um sujeito psíquico no bebê, que ainda não se encontra, porém,
constituída. Determinadas manifestações do bebê serão interpretados pelo agente cuidador
como atos de intencionalidade. É supor um sujeito no interior de um aparelho reflexo.
No eixo “estabelecimento da demanda” (ED), estão reunidas as primeiras reações
involuntárias que o bebê apresenta ao nascer, tais como o choro, e que serão reconhecidas
pela mãe como um pedido que a criança dirige a ela. Esse reconhecimento permitirá a
construção de uma demanda – para a psicanálise, sempre uma demanda de amor – desse
sujeito a todos com quem vier a relacionar-se. Essa demanda estará na base de toda a
atividade posterior de linguagem e de relação com os outros. (KUPFER ET AL., 2009).
O eixo “alternância presença/ausência” (PA) se define pelas ações maternas que a
tornam alternadamente presente e ausente. A ausência materna é o que exige da criança a
desenvolver um dispositivo subjetivo para a sua simbolização. Ou seja, entre a demanda da
criança e sua satisfação é necessário que se opere um intervalo de onde poderá emergir a
resposta da criança.
Por último, define-se como o lugar de terceira instância, orientada pela dimensão
social, que vai intermediar a díade mãe-bebê. “Uma mãe que está submetida à função paterna
leva em conta, em sua relação com o bebê, os parâmetros que a cultura lhe propõe para
orientar essa relação”(KUPFER et AL., 2009, p. 53)
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A educadora de creche aparece, no contexto pesquisado, como a substituta da mãe na


continuidade da sustentação necessária ao pleno desenvolvimento psíquico do bebê.
Assim, fizemos uso do IRDI a partir de algumas modificações necessárias. Nas creches
pesquisadas, cada berçário tem duas cuidadoras que tanto trabalham juntas ou em turno
separado. Por causa disso optamos em aplicar com cada bebê 2 IRDI, um para cada díade.
Substituímos a palavra ‘mãe’, para cuidadora e/ou educadora em todos os indicadores.
Por último, a aplicação do instrumento bem como seu preenchimento foram realizados pelos
pesquisadores durante as visitas semanais às creches. A pesquisa foi aplicada em berçários de
três Centros de Educação Infantil (CMEI) do Município de Curitiba.
Ao todo, 54 bebês da faixa etária de 04 -18 meses foram protocolados, junto com 10
educadoras. As crianças foram acompanhadas pelos pesquisadores durante dois meses
aproximadamente, em visitas semanais de duração entre uma a três horas. Os horários
variavam a cada semana, o que permitiu o acompanhamento das crianças em diversas
atividades: brincadeiras, sono, alimentação, troca e banho. Além do preenchimento do
protocolo, eram realizadas conversas informais com as educadoras. Depois de obtido o
consentimento das educadoras para a pesquisa, deu-se início às aplicações do protocolo IRDI.
Cada um dos indicadores foi verificado para a faixa atual de idade da criança e também para a
faixa anterior, nas faixas etárias de 00-04 meses incompletos; 04-08 meses incompletos; 08-
12 meses incompletos; 12-18 meses incompletos. As observações foram anotadas como
presentes, ausentes ou não verificados.
Tabela 1: Indicadores clínicos de risco para desenvolvimento infantil e respectivos eixos teóricos

Idade em Indicadores:
meses:
0 a 4 meses 1. Quando a criança chora ou grita, a educadora sabe o que ela quer.
incompletos: 2. A educadora fala com a criança num estilo particularmente dirigido a ela
(manhês).
3. A criança reage ao manhês.
4. A educadora propõe algo à criança e aguarda a sua reação.
5. Há trocas de olhares entre a criança e a educadora .
4 a 8 meses 6. A criança começa a diferenciar o dia da noite.
incompletos: 7. A criança utiliza sinais diferentes para expressar suas diferentes necessidades.
8. A criança solicita a educadora e faz um intervalo para aguardar sua resposta.
9. A cuidadora fala com a criança dirigindo-lhe pequenas frases.
10. A criança reage (sorri, vocaliza) quando a cuidadora ou outra pessoa está se
dirigindo a ela.
11. A criança procura ativamente o olhar da educadora.
12. A educadora dá suporte às iniciativas da criança sem poupar-lhe o esforço.
13. A criança pede a ajuda de outra pessoa sem ficar passiva.
8 a 12 meses 14. A cuidadora percebe que alguns pedidos da criança podem ser uma forma de
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incompletos: chamar a sua atenção.


15. Durante os cuidados corporais, a criança busca ativamente jogos e
brincadeiras amorosas com a educadora .
16. A criança demonstra gostar ou não de alguma coisa.
17. Educadora e e criança compartilham uma linguagem particular.
18. A criança estranha pessoas desconhecidas para ela.
19. A criança possui objetos prediletos.
20. A criança faz gracinhas.
21. A criança busca o olhar de aprovação do adulto.
22. A criança aceita alimentação semi-sólida, sólida e variada.
De 12 a 18 23. A educadora alterna momentos de dedicação à criança com outros interesses.
meses 24. A criança suporta bem as breves ausências da cuidadora e reage às ausências
prolongadas.
25. A educadora oferece brinquedos como alternativas para o interesse da
criança pelo corpo da cuidadora.
26. A educadora já não se sente mais obrigada a satisfazer tudo que a criança
pede.
27. A criança olha com curiosidade para o que interessa à educadora.
28. A criança gosta de brincar com objetos usados pelas educadoras.
29. A educadora começa a pedir à criança que nomeie o que deseja, não se
contentando apenas com gestos.
30. A educadora coloca pequenas regras de comportamento para a criança.
31. A criança diferencia objetos maternos, paternos e próprios.

Destacaremos aqui apenas alguns elementos para reflexão obtidos na aplicação deste
protocolo IRDI, pertinentes ao tema que anima este presente trabalho.

De 00 – 04 Meses Incompletos

Foram avaliadas 09 crianças nesta faixa etária. O indicador que teve o pior desempenho
nesta faixa etária foi o terceiro (questão 3 - A criança reage ao mamanhês), apresentando 01
resposta Ausente e 03 Não Verificado.
O mau desempenho deste indicador revela a falha na função exercida pelo educador,
que seria encarregado de interpretar o gesto da criança como apelo a ele dirigido. No encontro
do olhar e na melodia de sua voz a mãe, ou o substituto dela, transmite ao seu filho seu lugar
de sujeito, já antes inscrito em seu inconsciente, pela via do desejo. O desejo inconsciente de
filho, fruto da trama edípica, permeia o relacionamento mãe-bebê e permite à mãe dar ao seu
filho um lugar de vida, de constituição psíquica. (TIMI, 2004). Verificamos aqui como o
papel das educadoras fica à margem desta função, ao sair da singularidade do desejo materno
para o anonimato da situação social.
Interessante notar também que, apesar de lidar com um grupo de bebês, as cuidadoras
interpelam as crianças em determinadas atividades, aguardando sua resposta – referente ao
indicador 04 (a educadora propõe algo à criança e aguarda a sua reação). Observamos que em
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dias mais agitados isso diminui sensivelmente, quando, por exemplo, uma das educadoras
falta.

De 04 - 08 Meses Incompletos

Nesta faixa etária foram protocoladas 07 crianças. Neste período, o indicador que se
destacou foi o 08 - A criança solicita a educadora e faz um intervalo para aguardar sua
resposta. As crianças observadas raramente esperam para serem atendidas, já que estão numa
situação de coletividade. O que nos levou a perceber que em função disso, há momentos em
que as crianças ‘desistem’ de serem escutadas em seu pedido e partem para outra ação, ou
então começam a chorar intensamente, demonstrando urgência no atendimento. Neste sentido
também, observamos que as crianças, sem exceção, procuram ativamente o olhar das
cuidadoras, demonstrando também que, se solicitam sua ajuda isso não as impede de seguir
por conta própria a realizar suas ações, já que dificilmente as educadoras estão disponíveis, o
que faz com que raramente elas dêem suporte na realização de uma tarefa sensório–motora
que comporte alguma dificuldade (indicadores 11, 13 e 12 respectivamente). A impressão que
fica é a de uma disponibilidade indisponível. (MARIOTTO, 2007).

De 08 – 12 Meses Incompletos

Foram avaliadas nesta faixa etária 16 crianças. Observou-se um maior número de


respostas Ausentes em relação às gracinhas expressadas pelas crianças no seu contato com as
educadoras, isto se deve provavelmente ao fato de as educadoras não terem como foco de
trabalho a brincadeira, o aspecto lúdico, a troca prazerosa de experiências. A criança não
“encanta” o educador (não é tomada como falo). Fato compreensível neste ambiente, em que
a questão pulsional não é visada, não se trata para as educadoras de erogenizar o corpo dos
bebês. Entretanto, sabemos que este fator é essencial para o surgimento do sujeito no bebê.
Trata-se, talvez, de um ponto irredutível dos cuidados maternos específicos do Outro
primordial, não passível de substituição (BERNARDINO ET AL., 2008).
Outro índice de respostas Ausentes que se destaca ocorreu no indicador 18 (A criança
estranha pessoas desconhecidas para ela). Verifica-se que esta função não se encontra ainda
bem estabelecida. Percebe-se que o ambiente de creche – no qual a criança vê diariamente
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vários rostos diferentes que se tornam familiares, não é favorecedor da constituição da


diferença entre o íntimo, privado e o público.
O indicador 17 (educadora e criança compartilham uma linguagem particular),
também apresentou importante índice de respostas ausentes. Observou-se que as educadoras
não estabelecem com as crianças nenhum tipo de linguagem particular. As falas são coletivas,
em sua maioria, deixando supor uma falha na singularização destas crianças, fator necessário
para sua identificação.

De 12 – 18 meses incompletos

No que se refere às respostas (NV) neste período, o indicador 25 (a educadora oferece


brinquedos como alternativas para o interesse da criança pelo corpo materno) apresentou
maior índice. Este resultado é preocupante, se concordarmos com a afirmação de Mariotto
(2007), de que é necessário que o bebê substitua o corpo da educadora por outros objetos
muito precocemente, já que o educador não pode e não deve estar disponível neste nível
apenas para uma criança. Não é difícil reconhecer que, num ambiente como o de uma creche,
são raríssimos os momentos de exclusividade entre bebê e cuidador, mesmo nos momentos de
troca de fralda; ele não está às vezes presente simbolicamente, pois seus pensamentos estão
alhures. Portanto, o indicador 23 - A educadora alterna momentos de dedicação à criança com
outros interesses -, parece ser, na verdade, regra geral no estabelecimento do laço entre
criança e educador.

Considerações Finais

Na análise dos resultados das crianças dos berçários com as respectivas educadoras
observou-se que na relação estabelecida os 4 eixos sustentados pelas funções: estabelecer a
demanda da criança; supor um sujeito; alternar presença-ausência; instalação da função
paterna; não estão bem estruturados nas faixas etárias avaliadas
Os resultados desta pesquisa mostraram como o trabalho das educadoras da creche
pesquisada, quando comparado com as funções que devem ser desempenhadas para propiciar
a constituição do psiquismo do bebê, nem sempre conseguem atingir este propósito.
Verificamos que um percentual alto desta população apresentou-se como caso, demonstrando
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concretamente que este ambiente educativo não oferece às crianças as condições necessárias
para seu bom desenvolvimento, no que se refere aos aspectos psíquicos.
Na amostra pesquisada, o alto índice de respostas não verificadas ou ausentes no IRDI
apontam para a quantidade de tempo que os bebês, neste ambiente de creche, ficam à mercê
de uma espécie de limbo subjetivo, à espera de um outro que realmente possa exercer o papel
de Outro necessário à sua constituição.
Propor que a creche seja não apenas um lugar de cuidados instrumentais, mas que se
reconheça nela o dispositivo de transmissão de saberes, afirmando sua vocação educativa –
mais do que pedagógica - é localizar também sua responsabilidade no trabalho de prevenção.
Tarefa que vai exigir da equipe não apenas um olhar diferenciado sobre a criança em
constituição, mas também uma abertura para fazer de sua prática uma interrogação
permanente capaz de provocar uma mudança de posição junto à criança que cuida e educa.
Todos estes conceitos aplicados aos bebês adquirem grande relevância na clínica e na
formação dos profissionais que têm, por sua parte, o desafio de trabalhar com a primeira
infância. Françoise Dolto foi pioneira neste campo, segundo ela, a tarefa essencial daquele
que se propõe a trabalhar com bebês e crianças pequenas é “oferecer um encontro válido para
seu psiquismo, um encontro com um outro que respeite seu ser, que mostre um desejo
diferente” (DOLTO, 1999, p.18). Ela defendia um trabalho no qual a enunciação do
profissional estava na primeira linha: “é isto que é importante na linguagem que usamos com
o bebê, por menor que seja: é de sermos verdadeiros, qualquer que seja a verdade” (DOLTO,
1999, p. 18).
Evidencia-se assim, nesta pesquisa, o alto investimento que o profissional da educação
deve fazer na execução do seu trabalho junto aos bebês, pois é convidado a se voltar para cada
bebê como sujeito único, estabelecendo com ele uma relação qualitativamente suficiente para
incidir em sua constituição subjetiva; trabalho, portanto, que lhe exige uma implicação de
desejo. Neste sentido, uma formação sólida destes profissionais deveria incluir conhecimentos
sobre a constituição do sujeito e discussões constantes de seu trabalho através da criação de
lugares de escuta no ambiente escolar.

Através da utilização do protocolo IRDI, foi possível integrar as idéias difundidas pela
psicanálise de crianças e o contexto educacional. Pode-se concluir afirmando que este
instrumento é útil para a avaliação da atuação das educadoras em sua relação com os
bebês, em seu papel de promotoras da educação. Tomamos aí o significante
“educação” no seu sentido mais amplo, como a forma princeps de inserção no campo
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simbólico, conforme as idéias de Kupfer (2000), que propõe conceber o ato de educar
como “o ato por meio do qual o Outro primordial se intromete na carne do infans,
transformando-a em linguagem” (BERNARDINO et. AL, 2008, p. 35).

Por exemplo, a proposição de reuniões para a formação ou a sensibilização dos


profissionais que cuidam dos bebês pode permitir um estilo de cuidar no qual o sujeito é
considerado em sua singularidade, em seu ritmo, tendo o brincar como o eixo principal da
Educação Infantil. Somente assim a creche poderá cumprir seu principal papel junto aos
bebês: uma função de continência.
Quando o profissional da primeira infância se envolve com o trabalho ao ponto de
implicar seu desejo; quando compartilha com o bebê uma situação de brincadeira ou cria um
momento lúdico em torno de um procedimento técnico; quando propõe e compartilha algo
que se torne prazeroso para os dois, está totalmente presente como sujeito de sua prática.
Nesse momento, ele passa para o âmbito do transdisciplinar: transpõe sua disciplina,
referencia-se a outras áreas, renova-se enquanto profissional.
Desta forma, pensamos que a referente pesquisa tenha contribuído para pontuar que a
Educação nos primeiros dezoito meses de vida não se restringe aos cuidados básicos
relacionados às necessidades de um organismo vivo. Mas, que em se tratando de pequenos
sujeitos, ela terá seus efeitos, seja na constituição, ou desenvolvimento dos mesmos.

REFERÊNCIAS

BERNARDINO, L. M. F. et. Al. Análise da relação de educadoras com bebês em um centro


de educação infantil a partir do protocolo Irdi LERNER, R. & KUPFER, M. C. M. ( orgs).
Psicanálise com crianças: clínica e pesquisa. São Paulo: Escuta, 2008.

DOLTO, F. Tudo é linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 1999.

GUEDENAY, A., MINTZ, A.S.; DUGRAVIER, R. Risques développementaux chez Le


nourrisson de La naissance à 18 mois. Psychiatrie/Pédopsychiatrie. Paris: Elsevier Masson
SAS, 37-195-A-20, 2007.
JERUSALINSKY, Julieta. Quem é o Outro do sujeito na primeira infância?
Considerações sobre o lugar da família na clínica com bebês. IV Encontro Latino
Americano dos Estados gerais da Psicanálise, 2005. Disponível em
<http//www.estadosgerais.org/encontro/IV/PT/trabalhos/Julieta_jerusalinsky.pdf> . Acesso
em: 17 Jul. 2009

KUPFER et AL. O valor preditivo de indicadores clínicos de risco para o desenvolvimento


infantil: um estudo a partir da teoria psicanalítica. Latin American Journal of Fundamental
2630

Psychopathology. Online, v. 6, n. 1, p. 48-68, maio de 2009.

KUPFER, Maria Cristina Machado et alli. Pesquisa multicêntrica de indicadores clínicos de


risco para o desenvolvimento, Instituto de Psicologia. São Paulo, 2007 (Dissertação de
Doutorado não publicada) infantil. In: COLÓQUIO FRANCO-BRASILEIRO SOBRE A
CLÍNICA COM BEBÊS, 1, 2005, Paris. Proceedings online. Available from:
<http://www.proceedings.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=MSC00000000720050
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MARIOTTO, Rosa Maria Marini. Cuidar, educar e prevenir: as funções da creche no


desenvolvimento e na subjetividade de bebês. Universidade de São Paulo

TIMI, Melania Salete Ribas. Um bebê não existe sozinho: considerações sobre a clínica
psicanalítica com bebês. Psicologia Argumento, Curitiba, v.22, n.36 p, 49-56, jan./mar.
2004.

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