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Sequências Didáticas

para o Ensino de Química


Perfis Conceituais, Resolução de
Problemas e Temas Sociocientíficos

Edenia Maria Ribeiro do Amaral


João Roberto Ratis Tenório da Silva
Organizadores

Recife, 2021
UNIVERSIDADE DE PERNAMBUCO – UPE
REITOR Prof. Dr. Pedro Henrique Falcão
VICE-REITORA Profa. Dra. Socorro Cavalcanti

EDITORA UNIVERSIDADE DE PERNAMBUCO – EDUPE


CONSELHO EDITORIAL
Prof. Dr. Ademir Macedo do Nascimento
Profa. Dra. Ana Célia Oliveira dos Santos
Prof. Dr. André Luis da Mota Vilela
Prof. Dr. Belmiro do Egito
Profa. Dra. Danielle Christine Moura dos Santos
Prof. Dr. Emanoel Francisco Spósito Barreiros
Profa. Dra. Emilia Rahnemay Kohlman Rabbani
Prof. Dr. José Jacinto dos Santos Filho
Profa. Dra. Maria Luciana de Almeida
Prof. Dr. Mário Ribeiro dos Santos
Prof. Dr. Rodrigo Cappato de Araújo
Profa. Dra. Rosangela Estevão Alves Falcão
Profa. Dra. Sandra Simone Moraes de Araújo
Profa. Dra. Silvânia Núbia Chagas
Profa. Dra. Sinara Mônica Vitalino de Almeida
Profa. Dra. Virgínia Pereira da Silva de Ávila
Prof. Dr. Vladimir da Mota Silveira Filho
Prof. Dr. Waldemar Brandão Neto

GERENTE CIENTÍFICO Prof. Dr. Karl Schurster


COORDENADOR Prof. Dr. Carlos André Silva de Moura
CAPA E PROJETO GRÁFICO Danilo Catão
REVISÃO Os Autores

Este livro foi submetido à avaliação do Conselho Editorial da Universidade de Pernambuco.

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Associação Brasileira das Editoras Universitárias (ABEU)

S479 Sequências Didáticas para o Ensino de Química : Perfis conceituais,


resolução de problemas e temas sociocientíficos [recurso
eletrônico] Edenia Maria Ribeiro do Amaral e João Roberto Ratis
Tenório da Silva (Organizadores). – Recife : Edupe, 2021.
213p.: il. E’book PDF.

Modo de acesso: world wide web: http://www.edupe.com.br

ISBN: 978-65-86413-53-3

1. Sequências didáticas. 2. Ensino de química. 3. Perfis


conceituais. 4. Resolução de problemas. 5. Temas sociocientíficos.
I. Amaral, Edenia Maria Ribeiro do. II. Silva, João Roberto Ratis
Tenório da. III. Título.

CDU: 54:37.02

Elaborado por Neide M. J. Zaninelli - CRB-9/ 884


SUMÁRIO

Apresentação
6

Seção 1 – Sequências Didáticas e Perfis Conceituais


15

A Utilização do Perfil Conceitual de Substância no Planejamento e


Aplicação de uma Sequência de Ensino e Aprendizagem
Jaqueline Dantas Sabino
João Roberto Ratis Tenório da Silva
Edenia Maria Ribeiro do Amaral
16

A Abordagem do Conceito de Energia por Meio de uma Sequência


Didática: Valorizando os Diferentes Modos de Pensar
José Euzebio Simões Neto
Edenia Maria Ribeiro do Amaral
40

Falando Sobre Ácidos/Bases e Produtos para os Cabelos: uma


Sequência Didática Envolvendo Ideias de Cabeleireiros e
Licenciandos em Química
Flávia Cristiane Vieira da Silva
Edenia Maria Ribeiro do Amaral
63

Seção 2 – Sequências Didáticas e Abordagem por Resolução de


Problemas
83

Análise de uma Sequência Didática Sobre Qualidade e Tratamento


da Água
Verônica Tavares Santos Batinga
Edenia Maria Ribeiro do Amaral
84
Sequência de Ensino-Aprendizagem sobre Conservação de
Alimentos: uma Abordagem por Resolução de Problemas para
Tratar da Cinética Química
Amanda Maria Vieira Mendes Sales
Leandro Cesar Santos da Silva
Verônica Tavares Santos Batinga
103

Vivência de Uma Sequência Didática Sobre Etanol e Efeitos na


Saúde Humana no Ensino Noturno
Charleide Xisto Vilela
Edenia Maria Ribeiro do Amaral
João Roberto Ratis Tenório da Silva
Ana Lucia Gomes Cavalcanti Neto
123

Seção 3 – Sequências Didáticas Contextualizadas e


Interdisciplinares
142

Validação de uma Sequência de Ensino e Aprendizagem de Química


com Abordagem CTS Sobre o Descarte de Pilhas e Baterias
Ruth do Nascimento Firme
143

Uma Proposta de Sequência Didática Sobre Combustíveis e


Impactos Ambientais no Ensino de Química
Simone Maria de Andrade Medeiros
Wilka Karla Martins do Vale
Antônio Inácio Diniz Júnior
164

Proposta de Sequências Didáticas com Abordagem Interdisciplinar


Rita Patrícia Almeida de Oliveira
Edenia Maria Ribeiro do Amaral
186

Sobre os Autores
207
APRESENTAÇÃO

Este livro foi elaborado a partir de trabalhos desenvolvidos no Núcleo de


Pesquisa em Didática e Conceituação em Ciências (NUPEDICC), um grupo de pes-
quisa vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciências (PPGEC)
e ao Departamento de Química, da Universidade Federal Rural de Pernambuco
(UFRPE). O livro traz uma seleção de sequências didáticas propostas em diferen-
tes pesquisas desenvolvidas no grupo e tem o objetivo de contribuir para a dis-
cussão sobre o ensino de ciências, de modo particular, o ensino de química, e
subsidiar a ação de professores de ciências em sala de aula.
Ao longo de quinze anos de existência do NUPEDICC, foram formadas deze-
nas de professores e professoras de Química, mestres, doutores e doutoras em En-
sino de Ciências e Matemática que desenvolveram pesquisas para compreensão
do processo de construção de significados e de constituição de práticas docentes
em sala de aula. Estudos sobre perfis conceituais, gênese do conhecimento cien-
tífico, concepções cotidianas e científicas, articulação entre aspectos epistemoló-
gicos e discursivos no processo de ensino e aprendizagem e análise de interações
discursivas em sala de aula orientam pesquisas que deram origem ao grupo. Em
discussões subsequentes, identificamos a necessidade de termos aportes teóri-
cos para orientar os modos de estruturação de sequências didáticas, proposição
de estratégias e atividades de ensino em sala de aula a serem desenvolvidas nas
pesquisas, e foram iniciados estudos nessa direção. A abordagem de temáticas
sobre sequências didáticas, estruturação de atividades e sistemas de atividades,
teoria da enunciação e produção de discursos, diagramas temáticos, processos de
contextualização ampla e problematizadora, relações entre conhecimento cientí-
fico e conhecimentos culturais, entre outros, nos levaram a um aprofundamento
necessário de estudos a partir de diferentes referenciais. A partir desses estudos e
pesquisas, nosso grupo tem trabalhado, entre outras linhas, na proposição de me-

6
todologias e ferramentas que podem auxiliar professores e professoras de ciên-
cias em sala de aula na Educação Básica e Ensino Superior.
As sequências didáticas apresentadas neste livro fizeram parte de pesqui-
sas desenvolvidas inicialmente com a aprovação de projeto em edital universal
do CNPq, em 2006, e que se constituíram como interesses de pesquisa de pes-
quisadores em formação no NUPEDICC, que, em anos posteriores, formaram no-
vos grupos de pesquisas. No NUPEDICC, a estruturação de novas temáticas de
pesquisas consolidou uma identidade para o grupo com a contínua incorporação
de referenciais teóricos que ampliam a perspectiva de organização de propostas
de ensino voltadas para a pesquisa e para a aplicação em sala de aula. Apesar de
terem sido desenvolvidas há algum tempo, consideramos que as sequências di-
dáticas aqui apresentadas trazem contribuições para o debate ainda atual sobre
melhoria e inovação no ensino de ciências, principalmente por expor os funda-
mentos teóricos que dão suporte a metodologias de ensino. Em outras palavras,
em tempos que trazem ameaças de um ativismo, muitas vezes acrítico, no campo
do fazer educativo, é sempre oportuno e produtivo resgatar os princípios que nor-
teiam as ações e os desenhos de atividades propostos para o ensino e aprendiza-
gem de ciências.
Em pesquisas sobre o ensino de ciências, é muito comum encontrarmos a
elaboração e aplicação de propostas de intervenção e ação em sala de aula, entre
outros objetivos, buscando avaliar abordagens de ensino, estratégias didáticas,
processos de aprendizagem e aplicação de recursos didáticos. Planejadas de for-
ma mais ou menos refletida e/ou organizada, sequências de ensino, em geral, são
constituídas de atividades que devem ser desenvolvidas por professores e estu-
dantes em situações de ensino e aprendizagem. Na literatura, encontramos traba-
lhos que trazem diferentes concepções e objetivos para o desenvolvimento e apli-
cação de sequências de ensino e, para o nosso propósito neste livro, destacamos
duas perspectivas que podem orientar a proposição dessas sequências didáticas.
Na primeira, a proposição de sequências de ensino é feita com a intenção de con-

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tribuir para a ação docente na consolidação de propostas curriculares e/ou abor-
dagens específicas para o ensino buscando melhoria e inovação do ensino, sem
que necessariamente haja uma discussão aprofundada ou reflexão sistemática e
problematizadora dos desenhos propostos. Nesse caso, comumente, as sequên-
cias didáticas são definidas como unidades didáticas, unidades de programação,
ou unidades de intervenção pedagógica orientadas por um “conjunto de ativida-
des ordenadas, estruturadas e articuladas para a realização de certos objetivos
educacionais que têm um princípio e um fim conhecidos tanto pelo professor
como pelos alunos” (ZABALA, 1998, p. 18). O autor defende que a identificação
das fases, atividades e relações estabelecidas em uma sequência didática devem
servir para a compreensão de seu valor educacional, bem como das mudanças e
inserção de atividades que melhorem esse instrumento didático (AMARAL; FER-
REIRA, 2018).
Em uma segunda perspectiva, o desenho e a aplicação de sequências didáti-
cas podem ser propostos para fins de pesquisa sobre o ensino e a aprendizagem
de ciências, buscando problematizar, refletir, criar, inovar e melhorar os resulta-
dos da educação científica. Dessa forma, as sequências didáticas são desenhadas
de forma articulada com questões e discussões teóricas que ocorrem no âmbito
da pesquisa. No Brasil, muitas investigações que envolvem a proposição de se-
quências didáticas foram orientadas por uma linha de pesquisa francesa que traz
um olhar focado principalmente nas interações entre estudante, professor e o sa-
ber, a partir de situações didáticas vivenciadas no processo de ensino aprendiza-
gem (GIORDAN et al., 2011). Neste livro, alinhados com essa segunda perspectiva,
apresentamos sequências didáticas que foram propostas no âmbito de pesquisas
que tinham como principais objetivos explorar e levantar questões sobre estraté-
gias didáticas, práticas docentes e aprendizagem de conceitos pelos estudantes,
em contextos educacionais, estando principalmente orientadas pela linha fran-
cesa de investigação.

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Na proposição de sequências didáticas, partimos do pressuposto de que o
desenho de atividades pode ser representativo de uma adoção explícita ou implí-
cita de diferentes abordagens de ensino (Meheut, 2005). De acordo com Meheut e
Psillos (2004), sequências de ensino e aprendizagem são um conjunto de ativida-
des com enfoque instrucional inspirado na pesquisa que tem o objetivo de contri-
buir para a compreensão do conhecimento científico pelos estudantes. Os auto-
res ressaltam a necessidade de que sejam mobilizados conhecimentos específicos
sobre o desenho de sequências didáticas para que elas atinjam os seus objetivos
de trabalhar com conteúdos científicos particulares, e linhas de pesquisa sobre
desenho de sequências são desenvolvidas por vários grupos de pesquisadores.
Méheut (2005) propôs um modelo que pretende contribuir para identificar
os compromissos implicados em propostas específicas de sequências de ensino
e aprendizagem, considerando quatro elementos básicos – professor, estudante,
conhecimento científico e mundo real - a partir de relações que se estabelecem
em duas dimensões: a dimensão epistêmica e a dimensão pedagógica. Na dimen-
são epistêmica, tem-se o interesse de avaliar as relações que são estabelecidas en-
tre o conhecimento científico, ou científico escolar, e a realidade social vivida pe-
los sujeitos. Em geral, nessa dimensão, estão envolvidos processos de elaboração,
de aproximação e validação do conhecimento científico na tentativa de torná-lo
significativo para a compreensão e o diálogo com o mundo. A dimensão pedagó-
gica está relacionada com as relações que se estabelecem entre os sujeitos para
discutir sobre o conhecimento, nos processos educacionais, sendo importante
ressaltar os papéis desempenhados por professores e estudantes em interações
sociais promovidas a partir de um desenho didático específico. Para a autora, as
dimensões epistêmica e pedagógica devem ser consideradas igualmente na pro-
posição de sequências didáticas, e ela aponta para o cuidado com diferentes tipos
de desenhos propostos, nos quais pode ser dada excessiva ênfase a uma ou outra
dimensão, o que implica na adoção de abordagens de ensino específicas.

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Na literatura, encontramos outros trabalhos sobre proposição de sequências
didáticas, que usam diferentes denominações e ampliam a discussão sobre as-
pectos a serem considerados no desenho dessas sequências. Leach et al. (2005)
recorreram a dados empíricos sobre concepções prévias, dificuldades de apren-
dizagem de um conteúdo específico, modos de comunicação efetivos em sala de
aula e conhecimento profissional sobre ensino para estruturar sequências de
ensino. Para esses autores, a sequência pode ser considerada como um mapa de
planejamento que indica pontos críticos sobre o conteúdo e estratégias didáticas,
que professores podem adotar em suas aulas, levando-os a fazer escolhas e a criar
sua própria forma de ensinar. Na mesma direção, Andersson et al (2005) consi-
deram que a proposição de sequências de ensino e aprendizagem é um processo
criativo que não necessariamente segue um plano definido, mas que possui uma
sistematização a partir da qual várias questões de investigação podem emergir
quando são aplicadas.
Diante do exposto, consideramos que o desenho de sequências didáticas
poderá ser feito de diferentes formas, respeitando a autonomia e criatividade de
professores e pesquisadores, que podem ser orientados por várias etapas, tais
como: etapas de estruturação de ideias que envolvem a discussão sobre diferen-
tes perspectivas de ensino a serem adotadas no desenho, a partir de articulações
de distintos aspectos epistemológicos, pedagógicos, e de resultados de pesquisas;
etapas de planejamento, que podem ser vivenciadas individualmente ou conjun-
tamente por pesquisadores e professores, em grupos de formação, de pesquisa ou
no exercício da docência; e etapas de organização da ação, nas quais são avalia-
das as possibilidades de aplicação do desenho em diferentes contextos, buscando
uma sistematização de ideias e ações guardando uma postura flexível de forma a
possibilitar possíveis adequações e contribuições vindas dos sujeitos envolvidos.
Finalmente, para Méheut (2005), a validação de sequências didáticas pode
ser externa ou comparativa, e interna. A validação externa ou comparativa impli-
ca em questionamentos sobre fatores de sucesso do desenho proposto, quando

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se busca identificar aspectos da proposta que representam inovação com relação
ao ensino tradicional. A validação interna envolve a identificação de processos de
aprendizagem dos estudantes, como forma de avaliar os resultados do desenho
de sequência proposto. Por exemplo, Leach et al. (2005) validou propostas de se-
quências de ensino a partir da análise de resultados obtidos com relação à melhor
performance dos estudantes participantes em comparação com aqueles obtidos
em abordagens tradicionais de ensino.
O que vamos apresentar neste livro, ao longo de nove capítulos, divididos
em três seções, são sequências didáticas propostas para o desenvolvimento de
pesquisas realizadas nos últimos anos, por vários e várias integrantes do NUPE-
DICC, sendo recortes de trabalhos de dissertações e teses. Esses trabalhos foram
realizados principalmente com objetivos voltados para a análise de processos de
aprendizagem dos estudantes, mas resultaram também em discussões sobre di-
ferentes abordagens de ensino que podem favorecer a construção de significa-
dos para os conceitos e modelos científicos. Assim, em todos os capítulos há uma
preocupação com o papel ativo dos estudantes durante o processo de aprendiza-
gem, em que eles se tornam protagonistas na discussão sobre conteúdos e temas
que envolvem diferentes conceitos científicos e seus contextos de aplicação.
Alinhados à discussão feita anteriormente, essas sequências didáticas são
apresentadas a partir de fundamentos teóricos e metodológicos de abordagens
de ensino que orientaram os seus desenhos. No entanto, é importante esclarecer
que não temos a pretensão de fazer uma discussão exaustiva sobre essas aborda-
gens de ensino, nos seus aspectos epistemológicos, didáticos e pedagógicos, uma
vez que o nosso foco é mostrar o desenho das sequências no sentido de contri-
buir para a ação docente principalmente de professores da educação básica. Dessa
forma, o livro foi organizado em três seções, sendo cada uma delas voltada para
abordagens de ensino que se alinham em vários aspectos didáticos e pedagógi-
cos. As três seções que compõem este livro são:

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Seção 1: Sequências didáticas e perfis conceituais

Nesta seção, as sequências didáticas propostas trazem como base a teoria


dos perfis conceituais para o trabalho com os conceitos de substância, energia e
ácidos e bases. A ideia é mostrar como propostas de ensino podem ser elaboradas
para promover ampla discussão sobre os diferentes significados dos conceitos e a
heterogeneidade do pensamento, em sala de aula. Desde a década de 80, muitos
trabalhos investigam sobre concepções informais de estudantes, buscando iden-
tificar formas de inseri-las no processo de ensino e aprendizagem. Ao se traba-
lhar com essas concepções informais, existe uma tendência de tentar substituí-
-las pelo conhecimento científico, a partir de um ensino voltado para a mudança
conceitual. A literatura, porém, nos mostra que dificilmente os estudantes aban-
donam suas ideias informais, sendo elas resistentes a mudanças. Aqui, conside-
ramos concepções informais de estudantes com parte de um repertório de ideias
que ganham sentido em contextos diversos e têm importância na significação dos
conceitos científicos.
Os desenhos apresentados na Seção 1, foram propostos a partir de perfis
conceituais, que se constituem como modelos para estruturar a diversidade de
modos de pensar e formas de falar um conceito a partir de zonas, com o esta-
belecimento de compromissos epistemológicos, ontológicos e/ou axiológicos. A
ideia central é que cada zona seja composta por significados relativos ao conceito
e estejam associadas a contextos e situações específicas. O conceito de calor, por
exemplo, apesar de ser tratado em sala de aula como algo abstrato, relacionado a
trocas energéticas entre os corpos ou sistemas, em situações do senso comum, é
muito associado à sensação térmica (quente), fazendo com que continuemos a
usá-lo dessa forma mesmo depois de aprender seu significado científico.
Com as sequências propostas, consideramos que a discussão sobre os dife-
rentes modos de pensar um conceito pode promover uma ampliação no processo
de construção de significados para os conceitos científicos, situando-os entre ou-
tros modos de pensar a partir de diferentes contextos e visões de mundo.

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Seção 2: Sequências didáticas e abordagens por resolução de problemas

Nesta seção, as sequências didáticas foram propostas com base em discus-


sões sobre a resolução de problemas. De uma forma geral, os trabalhos adotam
essa abordagem ancorada em fundamentos do ensino por investigação, buscando
possibilitar aos estudantes o desenvolvimento de habilidades de observação, re-
flexão, ação, elaboração de hipóteses, proposição de estratégias, análise de dados,
tomada de decisão, sistematização e comunicação de resultados que são impor-
tantes para resolver problemas. Com isso, esperamos contribuir para a aprendiza-
gem e mobilização de conteúdos científicos no contexto escolar.
Na abordagem de resolução de problemas, é importante explicitar o que se
compreende por problema. Nos capítulos, o problema é compreendido como uma
situação real ou fictícia que um grupo ou indivíduo se propõe a resolver sem ini-
cialmente dispor de estratégias e soluções imediatas e automáticas. Dessa forma,
torna-se necessário buscar a solução do problema por meio de pesquisa, estudo,
reflexão, ações e atividades que levem a uma tomada de decisão.
Diante do exposto, foram abordados problemas de naturezas diversas, prin-
cipalmente oriundos de temáticas associadas a contextos relevantes para os es-
tudantes, a partir de desenhos de sequência didáticas que pretendem contribuir
para o ensino e aprendizagem de ciências.

Seção 3: Sequências didáticas contextualizadas e interdisciplinares

Nesta seção, serão apresentadas propostas de sequências didáticas que abor-


dam temas sociocientíficos, que trazem uma perspectiva de contextualização e
interdisciplinaridade para o ensino de ciências. Entre as diversas perspectivas
que foram consideradas estão o enfoque Ciência, Tecnologia e Sociedade (CTS), a
abordagem de Questões Sociocientíficas (QSC), e uma abordagem temática com
perspectiva interdisciplinar. Todas elas envolvem o uso de temas que remetem
à articulação de aspectos científicos, sociais, políticos, econômicos, ambientais,
éticos e outros, no ensino e aprendizagem de conceitos científicos. Em geral, as

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propostas adotam estratégias didáticas que incluem interações dialógicas para
promover o processo de construção de significados para o conhecimento cientí-
fico, estando ele associado a contextos nos quais pode contribuir para uma com-
preensão ampla e holística da realidade.
São propostos caminhos necessários para aproximar comunidade e escola,
buscando superar barreiras que distanciam o conhecimento científico da realida-
de das pessoas. Com isso, o ensino de ciências se investe de valor emancipatório,
rompendo com a visão linear de que o desenvolvimento científico e tecnológico
necessariamente traz o bem-estar social, promovendo a participação cidadã dos
estudantes para a transformação das pessoas, da sociedade e do mundo.
Desejamos com este livro possa contribuir para o contínuo debate sobre a
educação científica e sugerir ações que aprimorem e inovem o ensino e aprendi-
zagem de ciências.
Agradecemos a todos os participantes do NUPEDICC que contribuíram para
a elaboração deste livro, os que estão mencionados na autoria dos capítulos e
aqueles que participaram indiretamente a partir das nossas discussões em reu-
niões do grupo. Agradecemos os recursos concedidos pelo CNPq, com a aprova-
ção de dois projetos em editais universais.

Edenia Maria Ribeiro do Amaral


João Roberto Tenório Ratis da Silva

Recife, 29 de julho de 2021

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SEÇÃO 1

SEQUÊNCIAS
DIDÁTICAS
E PERFIS
CONCEITUAIS

15
Capítulo 1

A UTILIZAÇÃO DO
PERFIL CONCEITUAL
DE SUBSTÂNCIA
NO PLANEJAMENTO
E APLICAÇÃO DE
UMA SEQUÊNCIA
DE ENSINO E
APRENDIZAGEM
Jaqueline Dantas Sabino
João Roberto Ratis Tenório da Silva
Edenia Maria Ribeiro do Amaral

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INTRODUÇÃO
O conceito de substância é considerado como estruturante por servir de
base na construção e compreensão de outros conceitos, tais como elemento, mis-
tura, reações químicas, dentre outros. Além disso, este conceito pode ser consi-
derado como polissêmico, uma vez que pode apresentar diferentes significados,
dependendo de qual situação ou contexto ele está sendo usado. Essas são algu-
mas características que devem ser levadas em consideração na proposição de um
perfil conceitual. Um perfil conceitual pode ser definido como um modelo que
explica a heterogeneidade de pensamento referente a contextos, situando con-
cepções em determinados contextos e situações de aplicação. A partir dos estu-
dos empíricos nos últimos 20 anos, houve o desenvolvimento da teoria dos per-
fis conceituais, a qual pode ser usada para explicar o processo de aprendizagem
a partir de dois caminhos: o enriquecimento do perfil conceitual do estudante,
ou seja, novas ideias são construídas e incorporadas àquelas já existentes e pela
tomada de consciência da multiplicidade de modos de pensar e formas de falar
determinado conceito. Dessa forma, a teoria dos perfis conceituais se torna uma
alternativa para o planejamento de atividades em sala de aula, a partir de metodo-
logias que privilegiem a emergência e discussão dos diferentes modos de pensar e
formas de falar os conceitos. Essa ideia parte da premissa de que, no processo de
ensino e aprendizagem, é importante que o(a) professor(a) leve em consideração
a multiplicidade de significados relacionados aos conceitos científicos.
Em uma atividade baseada no perfil conceitual é extremamente importan-
te a participação ativa dos alunos para que eles possam expressar as suas ideias
nas aulas, e o professor consiga perceber no discurso deles as formas de falar que
podem ser representativas de alguma zona do perfil conceitual. O intuito do pro-
fessor não deve ser fazer com que o aluno abandone essas ideias, e sim apresentar
para ele mais uma visão sobre aquele conceito (a visão científica) e levar o aluno
a perceber essa variedade de formas de falar e modos de pensar sobre o mesmo

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conceito despertando nele uma reflexão sobre os seus próprios modos de pensar
sobre aquilo.
De acordo com a teoria dos perfis conceituais, os diferentes modos de pen-
sar e formas de falar os conceitos podem ser organizados em zonas de um perfil,
as quais se diferenciam entre si a partir de compromissos epistemológicos, onto-
lógicos e axiológicos. Esses compromissos representam diferenças na forma de
entendimento, aplicabilidade e na natureza dos conceitos. Um perfil conceitual
para substância foi proposto por Silva e Amaral (2013) e recentemente atualizado
por Silva (2017), apresentando cinco zonas: generalista, utilitarista/pragmática,
substancialista, racionalista e relacional. Essas zonas apresentam formas de fa-
lar que expressam modos de pensar sobre o conceito de substância, se diferen-
ciando a partir de algumas características relacionadas ao contexto e situações
de uso. Retomando a ideia do uso da teoria para planejamento de atividades em
sala de aula, a ideia é propor atividades em que concepções referentes a tais zonas
possam emergir no discurso dos alunos, de forma a engajá-los em uma ampla
reflexão sobre os diferentes significados que os conceitos científicos podem apre-
sentar. Para melhor compreensão, apresentamos abaixo cada zona, com alguns
exemplos de situações em que formas de falar características podem emergir.

Zona Generalista

Na zona generalista, são consideradas as concepções em que para o sujei-


to todo material é uma substância. Assim, se considera como substância coisas
reais, palpáveis, levando em conta apenas os aspectos macroscópicos. Como con-
sequência de uma visão generalista, nesta zona não há uma diferenciação entre
coisa, material, elemento e substância, logo, não existe uma noção de que os ma-
teriais são constituídos de substâncias, nem a noção de elemento químico.
É comum, por exemplo, tratarmos as misturas do dia a dia como substân-
cias. Quando vamos numa lanchonete e pedimos uma água (mineral), não nos
preocupamos com a composição do que vamos beber. Apesar de ser uma mistura

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(solução homogênea), tratamos como uma substância. Associado a isso, está a
noção de pureza que, nesse contexto, é entendida como algo que faz bem à saúde
e devemos ingerir. A água mineral é pura, porque é boa para beber. Mesmo que,
em termos químicos, ela apresente um certo grau de impureza, devido à presença
de minerais.

Zona Utilitarista/Pragmática

Nessa zona, a compreensão de substância está associada à aplicação ou


utilidade que ela pode ter principalmente para os seres humanos. Nela estão in-
cluídas formas de falar as quais expressam modos de pensar em que o sujeito
compreende as substâncias a partir de suas qualidades que são importantes para
a manutenção da vida, ou que têm utilidade prática podendo gerar benefícios ou
malefícios, sem pensar na origem dessas qualidades.
Voltando ao exemplo da água, muitos afirmam que esta é uma substância es-
sencial para a vida e na manutenção da natureza. Porém, não há uma reflexão das
propriedades físico-químicas que fazem com que a água seja importante (como o
fato de ser solvente universal, por exemplo). Formas de falar que apontam a im-
portância de um determinado medicamento para uma doença também se enqua-
dram nesta zona, visto que o remédio (como um todo) é considerado importante,
sem a consideração de que existe um princípio ativo com propriedades específi-
cas para agir em determinada doença.

Zona Substancialista

Na zona substancialista, são consideradas ideias nas quais o estudante


apresenta uma noção de que as coisas são constituídas por diferentes tipos de
substância, diferentemente da zona generalista. Contudo, átomos, moléculas e
elementos que constituem as substâncias são tratados como se apresentassem
as mesmas propriedades do seu conjunto (a substância). Por exemplo, com esta
visão, os estudantes consideram que quando isolados os átomos de hidrogênio

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apresentam as mesmas características do gás hidrogênio. De acordo com Silva
(2011), três trabalhos encontrados na literatura apontaram para uma visão subs-
tancialista apresentada pelos estudantes em sala de aula. Johnson (2000) obser-
vou em seu trabalho que alguns alunos viam algumas propriedades organolépti-
cas como substância, na realidade eles enxergam como se a propriedade fosse a
própria substância.
Retomando o exemplo do remédio citado anteriormente, as propriedades
do princípio ativo são substancializadas, quando consideramos que o remédio
(como um todo) irá agir no organismo. A substancialização das propriedades tam-
bém é observada quando em sala de aula ou no laboratório, a linguagem química
as materializa, quando tratamos o cloreto de hidrogênio como ácido, por exem-
plo, quando ele é um gás, em condições ambiente, e a propriedade ácida só emer-
ge quando está em solução aquosa. Porém, ao tratarmos como um ácido (uma
substância), estamos substancializando a propriedade de acidez.

Zona Racionalista

Na zona racionalista estão incluídas ideias que são aceitas no contexto cien-
tífico, que podem se apresentar tanto do ponto de vista macroscópico quanto
microscópico. Nesta zona, a compreensão sobre as propriedades das substâncias
ganha relevância, pois as substâncias puras apresentam suas propriedades bem
definidas, e essas propriedades podem ser visualizadas pelos estudantes em uma
dimensão macroscópica (ponto de ebulição, densidade, etc.), ou podem ser com-
preendidas em uma dimensão atômico-molecular quando podem ser explicadas
a partir de ligações químicas e/ou interações moleculares. A centralidade nas pro-
priedades das substâncias para a compreensão delas é essencial, dentro do mo-
delo químico proposto para o conceito. Assim, todas as concepções e definições
formais para o conceito de substância, como as propriedades bem definidas, a
ideia de pureza e as classificações (simples, composta, inorgânica, orgânica, etc.)
representam modos de pensar que fazem parte da zona racionalista.

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Zona Relacional

De acordo com Silva e Amaral (2013), o conceito de substância é considerado


como um modelo teórico para explicação do comportamento da matéria, sendo
sua existência no mundo real considerada como um mito (OLIVEIRA, 1995). As-
sim, a ideia da existência de substâncias com 100% de pureza, com proprieda-
des físico-químicas bem definidas é considerada como uma aproximação teórica.
Em um sistema, as moléculas de uma substância estão em constante interação
com outras espécies no meio e com as vizinhanças, havendo uma constante tro-
ca energética (SILVA; AMARAL, 2013). Além disso, algumas de suas propriedades
são relacionais (MORTIMER, 1997) e não bem definidas e constantes, tais como
ponto de ebulição, acidez e basicidade e comportamento redox.
Acredita-se que uma análise da visão relacional do conceito de substância
química pode contribuir para uma compreensão ampla deste conceito, visto que
tal discussão não é explícita em livros didáticos de Química, inclusive aqueles de
nível superior. Tal problema acaba por fazer com que o sujeito não tenha cons-
ciência de que as propriedades das substâncias e seu comportamento no ambien-
te são resultados de jogos relacionais entre as substâncias presentes em um siste-
ma e suas vizinhanças, acabando por reforçar, dentro da sala de aula, ideias que
são do senso comum, que não são adequadas dentro de um contexto científico.

O CONCEITO DE SUBSTÂNCIA QUÍMICA E SUAS DIVERSAS


FORMAS DE PENSAR
O conceito de substância é considerado um dos mais importantes na Quími-
ca, sendo a sua compreensão importante para a estruturação de diversos outros
conceitos, como o de elemento, mistura e reações químicas (OLIVEIRA, 1995; SIL-
VEIRA, 2003; SILVA; AMARAL, 2013). Ao longo da história, é possível identificar
diversas formas de falar este conceito, as quais estão associadas com diferentes
modos de pensar, demonstrando que sua evolução se deu a partir da passagem
por vários tipos de concepções. Esses diversos modos de pensar podem emergir

21
em diversos contextos atuais, no discurso de alunos e professores de Química,
visto a proximidade de concepções informais/alternativas com ideias científicas
que já foram válidas em algum período histórico (POZO; CRESPO, 1998). Na li-
teratura é possível encontrar diversos levantamentos de concepções informais/
alternativas do conceito de substância, tais como os encontrados em Araújo, Sil-
va e Tunes (1994), Johnson (2000, 2002) e Vogelezang (1987), entre outros. Essas
concepções, quando organizadas a partir de compromissos epistemológicos, on-
tológicos e axiológicos, podem constituir zonas de um perfil conceitual. A teoria
do perfil conceitual (MORTIMER; EL-HANI, 2014) explica a possibilidade de um
único sujeito pensar um conceito de vários modos diferentes, usando formas de
falar (associadas aos modos de pensar) em contextos específicos, possuindo um
perfil conceitual que lhe é próprio, construído ao longo da vida por meio de suas
diferentes vivências e experiências. Dessa forma, considera-se que um sujeito
pode apresentar diversas concepções sobre o conceito de substância, desde as
mais simples e intuitivas às mais complexas, e usá-las de acordo com o sentido
que ele atribui em determinados contextos ou situações.
Ao levantar concepções sobre substância em diversos contextos históricos
podemos identificar momentos de ruptura do modo de pensar sobre este concei-
to. Segundo Silveira (2005) o desenvolvimento das formas de pensar o conceito
de substância passa por três momentos importantes: substância metafísica, subs-
tância empírica e substância ultra racional. De acordo com Silveira (2003), na An-
tiguidade, a substância era pensada de forma ingênua e generalizada (substância
metafísica). Depois, na Idade Média, ela passa a um nível de racionalidade com o
advento da balança, com as primeiras diferenciações na química entre elemento e
substância, mesmo ainda sofrendo influências das concepções metafísicas (subs-
tância empírica). Por último, o conceito passa a uma forma dialetizada dentro do
campo de estudos da mecânica quântica (substância ultra racional).
O que gostaríamos de destacar é que tais momentos não são precisamente
datados quanto ao seu início e fim, uma vez que podemos verificar uma coexis-

22
tência desses vários compromissos epistemológicos e ontológicos com relação ao
conceito, mesmo após uma grande quebra de paradigmas que ocorreu entre os
séculos XVII e XVIII. Podemos dizer que o conceito de substância, assim como o
de elemento, possuem raízes epistemológicas nas ideias filosóficas, com grande
influência de Aristóteles. Porém, entre os séculos XVII e XVIII, o conceito filosó-
fico de substância seguiu o seu caminho epistemológico no campo da filosofia,
e é discutido até os dias atuais, e tivemos o nascimento do conceito químico de
substância química, que seguiu um caminho próprio em termos epistemológicos,
dissociando-se em parte das concepções filosóficas, numa espécie de ruptura ou
quebra de paradigma. Portanto, o que temos hoje, é a convivência da substância
filosófica e da substância química, sendo que esta última ainda sofre influência da
primeira, sobretudo quando analisamos concepções alternativas a este conceito.

SEQUÊNCIA DIDÁTICA
Nesta seção, apresentaremos o processo de planejamento de uma sequência
didática a qual foi concebida levando em consideração a teoria dos perfis concei-
tuais. Assim, as atividades planejadas visavam fazer com que os alunos refletis-
sem sobre os diferentes modos de pensar e formas de falar o conceito de substân-
cia química.

Desenho da Sequência Didática

Pensando no planejamento das atividades da sequência didática (SD) nossa


preocupação foi de propor atividades que promovessem a interação dos alunos
entre si e com o professor, com a intenção de que as várias formas de falar so-
bre o conceito de substância surgissem. A partir disso podemos ter uma visão de
como as zonas expressas pelos alunos se movimentam a cada etapa da SD, além
de observar se houve uma ampliação das zonas científicas, o que segundo Mor-
timer e El-Hani (2011), é uma etapa que faz parte do processo de conceituação, o
qual é caracterizado pela emergência e incorporação de novos modos de pensar

23
e formas de falar ao perfil conceitual dos alunos pré-existentes. Por isso o papel
do professor é essencial, porque ele é responsável por mediar essas interações, o
que justifica a utilização das ideias de Méheut (2005) para o desenho da SD. Es-
sas ideias são referentes a como uma SD pode ser planejada, privilegiando duas
dimensões: a dimensão epistêmica, a qual deve ter atividades que contemplem as
relações entre o conhecimento científico e o mundo real dos alunos; e a dimensão
pedagógica, a qual prevê atividades que permitam a interação entre a ação docen-
te e os alunos.
A SD foi aplicada com alunos do 9° ano do Ensino Fundamental e realizada
em quatro encontros. Para trabalhar os conceitos de substância e mistura, esco-
lhemos um tema central abordando os medicamentos e suas características, res-
saltando aspectos macroscópicos e microscópicos dos conceitos. As atividades
descritas a seguir podem ser adaptadas ou servir como um exemplo para a ela-
boração e estruturação de outras sequências, tanto para o conceito de substância
quanto para outros que já foram “perfilados” como, por exemplo, os conceitos de
energia e de calor. A seguir iremos detalhar a sistematização das atividades ao
longo da SD como uma sugestão de como podemos utilizar a teoria do perfil con-
ceitual como base para planejamento de atividades em sala de aula para auxiliar
no processo de ensino e de aprendizagem de um conceito.

DETALHAMENTO DAS ATIVIDADES


Investigando as concepções prévias dos alunos

É interessante que seja realizado um levantamento das concepções iniciais


dos alunos antes de começar qualquer etapa da SD. Esse levantamento pode ser
realizado através de um questionário que pode ser aplicado na primeira aula da
sequência ou em uma aula anterior. Sugerimos que aconteça em uma aula ante-
rior para que o professor possa observar as ideias que surgiram antes da primeira
etapa da sequência. Pois isso o ajudará a ter uma noção das concepções que pro-

24
vavelmente irão surgir na primeira aula e planejar as atividades com vistas a uma
ampliação e reelaboração de modos de falar dos alunos.
Se o professor tiver muitos alunos e/ou muitas turmas talvez se torne inviá-
vel a aplicação de um questionário, sugerimos como alternativa que seja realizado
um “debate prévio”. Esse debate pode ser realizado com toda a turma, sugerimos
que o professor faça o levantamento de algumas questões como “o que é substân-
cia?” e incentive os alunos a participar, pode escrever as ideias deles no quadro e
ir questionando o grupo sempre que uma nova ideia surgir. Dessa maneira o pro-
fessor conseguirá ter uma noção geral das concepções dos alunos, o que também
o ajudará na etapa seguinte.

1ª aula

O objetivo desta aula é tentar junto com os alunos chegar a uma definição
para o conceito de substância sob o ponto de vista atômico e molecular. Para isso
pensamos em abordar alguns dos aspectos históricos do conceito de substância
e em seguida fazer uma articulação entre a concepção aristotélica e a concepção
atômica de substância. Primeiro escolhemos o texto “História da química: Al-
quimia” (Fonseca, 2007), que aborda algumas ideias de Aristóteles, a escolha do
texto pode ficar a critério do professor, inclusive pode ser do próprio livro, caso
tenha. Sugerimos que seja realizada uma leitura coletiva do texto.
Após a leitura do texto o professor vai lançar algumas questões para os alu-
nos, com o intuito de suscitar uma breve discussão sobre o tema. Neste momento
o professor pode fazer a discussão com toda a sala ou pode dividir a turma em
grupos, colocar perguntas no quadro e pedir para que eles discutam e escrevam
em um papel as respostas do grupo. Propomos que o professor levante questões
como: “Hoje em dia existe o conceito de elemento tal como colocado no tempo de
Aristóteles?”, “Você concorda com algumas das ideias defendidas por Aristóteles
sobre a composição da matéria?” Buscando estimular a manifestação de ideias

25
mais ingênuas sobre os conceitos (zona generalista), e a partir das discussões,
introduzir ideias presentes na zona racionalista do conceito de substância.
Após a discussão das questões levantadas, caso o professor tenha optado
pela atividade em grupos, é interessante reservar um momento para que cada
equipe possa compartilhar as suas respostas. Esse também é um momento im-
portante para o professor perceber as ideias colocadas pelos alunos e estimular
o debate.
Finalizada esta primeira parte da aula, é chegado o momento no qual o pro-
fessor irá introduzir o aspecto atômico/molecular de substância na discussão.
Isso pode ser feito de várias maneiras, aqui mostraremos um exemplo de como
isso pode ser feito.
Diversos trabalhos apontam para dificuldades dos alunos na compreensão
de aspectos atômico/molecular de conceitos da química e também da relação en-
tre os níveis macro e (sub)microscópicos relacionados com processos e fenôme-
nos que envolvem materiais e substâncias (MENDES, 2011). Pensando nisso, bus-
camos utilizar um Software de simulações encontrado na internet no endereço:
https://phet.colorado.edu/pt_BR para trabalhar alguns aspectos da substância de
uma forma mais tangível para o aluno, a fim de facilitar a percepção acerca do
conceito de substância pura, substância composta, mistura e elemento químico,
não se esquecendo de mostrar para os alunos as limitações do aplicativo.
A simulação pode ser visualizada em qualquer computador com acesso à in-
ternet ou caso na escola não tenha internet, no site https://phet.colorado.edu/
pt_BR existe a opção de realizar o download do arquivo que pode ser colocado
em um pen drive e utilizado mesmo sem acesso à internet. A simulação mostra
um sistema fechado em que temos a opção “manusear” quatro substâncias (Ar,
Ne, O2 e H2O) que podem apenas ser colocadas dentro de um recipiente isoladas
(substância pura). É possível também observar o comportamento das partículas
de cada substância em estados físicos diferentes, monitorando as condições de

26
temperatura e pressão. A imagem a seguir mostra o layout do aplicativo em algu-
mas destas situações.

Imagem 1: Ilustração da simulação digital (gás oxigênio nos estados sólido e gasoso

Fonte: https://phet.colorado.edu/pt_BR

É interessante que o professor retome as principais ideias que surgiram na


discussão do texto, e a partir delas, ele apresente aspectos da visão atômico/mo-
lecular do conceito de substância (zona racionalista), com o auxílio da simulação.
Com o objetivo de evidenciar a visão científica para esses conceitos e de confron-
tar as duas visões sobre o conceito de substância (Aristotélica e atômica ).
O professor pode estimular os alunos a perceberem a diferença entre átomo
e molécula, substância simples e composta e elemento químico utilizando esta
simulação. Por exemplo, na simulação existe a opção de mostrar moléculas de
gás oxigênio ou de água dentro do sistema, pergunte aos alunos quais são as dife-
renças entre a água e o oxigênio. Muito provavelmente eles dirão que o oxigênio
é formado por átomos do mesmo “tipo” e a água por “tipos” diferentes. A partir
daí o professor pode conduzir a discussão em direção à construção da ideia de
elemento químico, substância simples e composta.
Para finalizar a primeira aula, deixe uma tarefa de casa para que eles pos-
sam praticar mais sobre tudo que foi discutido em sala. Pode ser uma pesquisa,
um exercício do livro, um resumo da aula ou até mesmo algumas questões no
caderno.

27
O quadro 1 a seguir apresenta um resumo das atividades realizadas, objeti-
vos e ações desenvolvidas nesta aula de uma forma mais sistematizada para que
fique mais facil uma consulta rápida sobre as aulas. Ao final de cada aula apresen-
taremos uma tabela semelhante.

Quadro 1 - Resumo das atividades da aula 1.

DIMENSÃO
DIMENSÃO PEDAGÓGICA
ATIVIDADES EPISTÊMICA
AULA 1
OBJETO OBJETIVO AÇÕES

Leitura de texto Visão histórica sobre Discutir de aspectos Leitura coletiva do


histórico sobre a a concepção de subs- epistemológicos, his- texto
visão aristotélica tância. tóricos e contextuais
de substância relacionados ao con-
ceito de substância.

Debate sobre ques- Conceitos de Introduzir ideias da Debate dirigido,


tionamentos colo- substância e zona racionalista do no grande grupo e
cados para os alu- elemento químico – conceito de substân- questionamentos
nos que serviram aspectos históricos e cia a partir da emer- direcionados aos
como norteadores conceituais. gência de zonas não pequenos grupos.
da discussão. científicas.

Apresentação de si- O software mostra O objetivo desta Aula expositiva, na


mulação digital so- uma simulação do atividade foi desta- qual o professor
bre substâncias em comportamento car os conceitos de manuseia o soft-
diferentes estados microscópico de elemento químico, ware – e debate
físicos. A simulação algumas substân- substâncias simples dirigido no grande
foi extraída do site: cias. Destacamos as e compostas e tam- grupo.
https://phet.colora- diferenças na com- bém misturas sob o
do.edu/pt_BR/ posição substâncias aspecto microscó-
(Número de átomos pico.
e tipos de átomos em
cada molécula).

Aula expositiva Visão microscópica Introduzir visões Exposição dos con-


e macroscópica de científicas sobre ceitos científicos es-
substância, conceitos substância e propi- timulando o debate
de elemento químico ciar a emergência e a participação
e substância. de zonas do perfil
conceitual

28
2ª aula

Como na primeira aula da SD trabalha o conceito de substância sob os as-


pectos atômico/molecular, nesta aula o objetivo é de focar nos aspectos macros-
cópicos, conduzindo as atividades e discussões para as propriedades das substân-
cias. Introduzimos a temática dos medicamentos a partir desta aula, que pode ser
realizada em duas etapas.
Na primeira etapa é realizada a leitura de um texto, que possa fazer emergir
a discussão sobre as propriedades das substâncias, aqui sugerimos um texto do
livro “Os botões de Napoleão” (COUTEUR, BURRESON, 2006), que além de intro-
duz a temática sobre medicamentos incita a discussão sobre as propriedades das
substâncias.
No capítulo 10 do livro, intitulado “Remédios milagrosos”, é feita uma abor-
dagem sobre a importância da utilização de algumas substâncias com proprieda-
des anti-inflamatórias, principalmente no período da 2ª guerra mundial. Neste
período de guerra, muitos soldados tinham seus membros amputados, e ficavam
expostos a infecções, que dependendo do local podiam levar à morte. Os remé-
dios anti-inflamatórios eram usados para evitar que os processos infecciosos se
espalhassem.
A leitura do texto tem como objetivo iniciar uma discussão sobre as subs-
tâncias que são utilizadas na produção de medicamentos, buscando fazer emer-
gir ideias sobre substâncias naturais e sintetizadas. Nesses casos, por exemplo,
é comum os alunos apresentarem a ideia de que substâncias sintetizadas em
laboratórios não são benéficas, por serem “modificadas” pelo homem. E como
mencionado anteriormente, a partir da discussão do texto é possível explo-
rar alguns aspectos macroscópicos das substâncias, como por exemplo, as suas
propriedades.
Após a leitura do texto o professor pode realizar um debate com a turma,
podem ser levantadas questões como: “existe diferença entre substância natural e
substância sintetizada em laboratório? E “De que maneira o conhecimento sobre

29
as propriedades das substâncias pode beneficiar o homem? ““. O professor, ao co-
locar essas questões, é provável que os alunos expressem ideias sobre substâncias
que consideram benefícios ou malefícios que elas podem causar para o homem,
ou ainda, a concepção de substância como algo essencial para a vida.
No segundo momento é reservado para a aula expositiva para trazer as ideias
científicas sobre as propriedades das substâncias, onde é interessante que o pro-
fessor retome as principais questões discutidas com a leitura do texto para fazer
uma articulação entre as ideias dos alunos e as ideias científicas. Neste momento
o professor pode fazer uma exposição oral e/ou anotações no quadro de forma a
ampliar as concepções dos alunos com os conceitos científicos.
Podem ser discutidas as propriedades das substâncias e também a relação
existente entre os aspectos macro e micro. Lembramos algumas propriedades e a
importância do conhecimento delas para a caracterização e utilização dos mate-
riais. Neste momento relacionamos os aspectos macro, que são as propriedades,
com os aspectos micro, que são as interações que acontecem entre as partículas.

Quadro 2 - Resumo das atividades da aula 2.

DIMENSÃO
DIMENSÃO PEDAGÓGICA
ATIVIDADES EPISTÊMICA
AULA 2
OBJETO OBJETIVO AÇÕES

Leitura de Apresentação do Contextualizar Leitura e debate


texto temático tema Medicamentos o conceito de dirigido orientado
sobre o uso e substâncias substância para a emergência de
de antibióticos zonas do perfil
durante a guerra

Aula expositiva Visão macroscópica Introduzir ideias Resposta a


de algumas científicas sobre questionamentos
propriedades das substância e propiciar feitos na exposição
substâncias. a emergência de de conteúdos
zonas do perfil
conceitual

30
3ª aula

Ao iniciar a aula é importante fazer um breve resumo de toda a discussão


realizada na aula anterior para que possam ser resgatadas as ideias discutidas
anteriormente e eles relembrem aspectos sobre substâncias e elementos quími-
cos trabalhados, colocando as dificuldades que tenham para a compreensão dos
conceitos. Esse pode ser um momento de grande interação entre eles, no qual o
professor pode perceber um movimento de reelaboração de alguns dos modos de
falar dos alunos.
Após refrescar a memória dos alunos, o professor pode partir para as ativi-
dades da 3ª aula, a qual consistiu em uma atividade com bulas de remédios em
que os alunos precisavam identificar nas bulas, elementos químicos, substâncias
e misturas. O propósito de trabalhar com bulas de remédios foi buscar perceber
se os alunos conseguiam aplicar os conceitos trabalhados nas aulas anteriores,
em uma situação prática. Ou ainda, se eles conseguiam relacionar as informações
contidas na bula com algumas propriedades das substâncias, os efeitos causados
no organismo e a composição dos remédios.
Os alunos podem ser divididos em pequenos grupos novamente, buscando
uma maior interação e participação deles, cada grupo deve se reunir com o obje-
tivo responder algumas questões colocadas pelo professor como: “Os remédios
são substâncias ou mistura”? “Indique quais são as substâncias e os elementos
químicos presentes no medicamento”. Os questionamentos colocados têm como
intenção observar se os alunos reelaboram alguns dos modos de pensar observa-
dos nos primeiros momentos e se eles são capazes de utilizar os conceitos aplica-
dos em situações do cotidiano.
Por fim, a discussão deve ser aberta para toda a turma para que alguns as-
pectos relacionados às questões colocadas para eles sejam retomados, chamando
atenção deles para a relação dos conceitos científicos trabalhados com as infor-
mações contidas na bula. Esse é mais um momento de avaliação importante para

31
o professor porque muitas ideias dos alunos ficam evidentes em situações como
estas.
Para fazer um fechamento das atividades o professor pode realizar uma ava-
liação com os alunos, que pode ser um exercício ou até mesmo um teste, o que ele
achar mais viável para a sua realidade.

Quadro 3 - Resumo das atividades da aula 3.

DIMENSÃO
DIMENSÃO PEDAGÓGICA
ATIVIDADES EPISTÊMICA
AULA 3
OBJETO OBJETIVO AÇÕES

Análise de bulas Pesquisa sobre Identificar concepções Identificação na bula


de remédio composição de dos alunos associadas de um remédio:
medicamentos a diferentes zonas do substância, elemento
perfil. e material.

Discussão Aspectos Destacar as zonas Respostas às


em pequenos macroscópicos científicas do perfil questões colocadas
grupos e microscópicos em articulação com no quadro
do conceito de outras zonas.
substância – zona
racionalista

EXPECTATIVA X REALIDADE
Muitas vezes planejamos as nossas ações em sala de aula e acreditamos que
tudo sairá exatamente como pensamos, doce ilusão! Porém, não são raras as ex-
periências nas quais aparentemente tudo deu “errado” e que conseguimos retirar
valiosos aprendizados, ou até mesmo o contrário, quando o resultado sai até me-
lhor do que esperado e aprendemos também. O importante mesmo diante dessas
duas situações é ter um planejamento que sirva de parâmetro para que haja uma
avaliação dos pontos fortes e fracos das suas atividades, para que haja essa noção
de expectativa versus realidade.

32
Por isso dividiremos com você a nossa análise da expectativa versus realida-
de, para que você possa aproveitar tudo de melhor das atividades apresentadas e
também conhecer as dificuldades enfrentadas. Sabemos que cada um tem a sua
realidade e o que para uns é uma dificuldade para outros é algo positivo ou pouco
relevante

Expectativas

A expectativa principal em todas as aulas era conseguir engajar os alunos


na discussão e fazer com que eles participassem e interagissem tanto com o pro-
fessor quanto com os colegas. Porque todas as atividades propostas dependiam
da participação deles, se os alunos não colocam suas ideias, por vergonha ou por
falta de interesse, o professor fica sem elementos de continuidade para manter a
discussão estabelecida com a turma.
A segunda expectativa era conseguir observar na fala dos alunos as formas
de falar caracterizadas por Silva e Amaral (2013) nas zonas do perfil conceitual de
substância ao longo das etapas da SD. Por isso as atividades procuravam motivar
uma discussão sobre as ideias relacionadas ao conceito de substância química.
A terceira expectativa era observar alguma ampliação dessas formas de fa-
lar dos alunos, observar ao final da sequência mais falas representativas da zona
racionalista. Uma vez que o nosso objetivo com SD é a construção das ideias
científicas.

Realidade

No quesito participação as atividades propostas funcionaram muito bem


para alguns alunos e não tão bem para outros. Sabemos que a sala de aula é um
ambiente muito heterogêneo em todos os sentidos, e cada aluno reage de uma for-
ma diferente às atividades propostas. De maneira geral conseguimos obter uma
boa participação dos alunos, porque alternamos as discussões no grande grupo
(toda a classe) e em pequenos grupos, e esse foi um ponto muito positivo. Porém,

33
como sugestão, indicamos que outras atividades possam ser incluídas para dar
ainda mais oportunidades para que os alunos coloquem as suas ideias, como por
exemplo, atividades escritas (um resumo das discussões ou um pequeno questio-
nário ao final da aula). Porque além de servir como um registro para o professor
pode servir para que o aluno exercite seu poder de síntese e de expressar suas
ideias através da escrita. Muitos alunos se expressam muito bem oralmente, mas
tem dificuldades de escrever.
Em relação às falas observadas dos alunos, as atividades realizadas desem-
penharam muito bem essa função. Conseguimos observar falas de quatro das
cinco zonas do perfil de substância, exceto formas de falar representativas da
zona relacional. Apresentar uma temática que foge do contexto de sala de aula,
proporcionou o surgimento das mais diversas formas de falar sobre o conceito de
substância. E era exatamente o que queríamos que acontecesse, porque a partir
dessas manifestações dos alunos pudemos discutir essas diversas formas de falar
e tentar conscientizar os alunos sobre essa pluralidade, e evidenciar as formas de
falar do contexto científico.
Na primeira aula, por exemplo, observamos que para a maior parte dos alu-
nos os conceitos de substância, elemento e mistura ainda não estavam bem defi-
nidos. Isso pode ser percebido pelo nível de incerteza e imprecisão que das falas
dos alunos. Conseguimos ilustrar isso nesse pequeno recorte 1 de um diálogo que
aconteceu na discussão após a leitura do texto.

Recorte 1

Professora: o ar, é o quê?


Laura: são várias substâncias
Professora: e quando tem várias substâncias a gente chama de quê?
Rafaela: elemento?
José: Não!!! Substância misturada
Laura: então o ar é uma mistura?
Miguel: oxigênio, gás carbônico, água...
Professora: e o que são oxigênio, gás carbônico e água?
Miguel: elementos químicos
Laura: não substâncias! Não? Elemento? Ahhh não ‘tô’ entendendo mais nada!

34
Classificamos algumas dessas formas de falar como generalistas, conside-
rando que os alunos não diferenciam substância, elemento e mistura, demons-
trando dificuldade na compreensão de aspectos microscópicos e macroscópicos
do conceito.
Já na segunda aula conseguimos observar claramente uma reelaboração na
fala de alguns alunos no momento inicial da aula, quando fizemos uma breve
revisão da aula anterior. Como podemos observar no recorte 2 a seguir:

Recorte 2

Professora: a gente viu na aula passada os aspectos microscópicos da substância. Quando a


gente tem uma substância pura?
José: quando tem apenas um tipo de molécula
Laura: quando tem um tipo de átomo
Professora: Um tipo de átomo ou de molécula?
Miguel: molécula porque tipo, por exemplo, é a água que tem dois tipos de átomo, mas é uma
substância pura
José: quando tem um tipo de átomo é uma substância simples

Neste recorte de aula, dois dos alunos (Miguel e José) diferenciam os con-
ceitos de substância pura simples, pura composta, e átomo/elemento químico,
nas duas últimas falas do recorte. A aluna Laura ainda apresenta dificuldades na
distinção destes conceitos, explicitando o seu esforço para responder à pergunta
da professora e acompanhar a discussão.
E na última aula verificamos que mesmo após as discussões feitas nas au-
las sobre o conceito de substância, nas quais foram expostas algumas das visões
cientificas sobre este conceito, ainda emergem, com certa frequência, falas mais
ingênuas e intuitivas sobre este conceito. Quando apresentamos bulas de remé-
dios aos alunos, foram perceptíveis algumas dificuldades em aplicar os conceitos
trabalhados em sala de aula, a partir de diferentes situações. Apesar disso conse-
guimos observar a predominância das formas de falar racionais.
Podemos perceber que a temática favoreceu a emergência de zonas mais in-
gênuas e intuitivas nas quais os modos de falar estão relacionados com experiên-

35
cias vivenciadas no contexto sociocultural. O recorte 3 mostra um trecho de falas
em que surgem formas de falar, classificadas como Utilitaristas/Pragmáticas.

Recorte 3

Professora: Qual a importância de conhecermos as propriedades das substâncias?


Carlos: para saber o que está tomando
José: para saber se vai fazer mal ou bem
Valentina: pra saber se está fazendo mal ou bem para o organismo
Laura: mas é propriedades tipo ponto de fusão e ebulição. Eu acho que a importância é para
saber diferenciar a substância porque tipo uma substância pode ter o ponto de ebulição
diferente da outra e conhecendo essas propriedades é o que vai diferenciar as substâncias.

As falas no recorte foram proferidas no momento em que os alunos estavam


em pequenos grupos e respondiam a questões colocadas no quadro, e podemos
observar os diferentes modos de pensar dos alunos quando é feita a pergunta
pela professora. Neste caso, dos quatro alunos que aparecem no recorte, José e
Valentina relacionam as propriedades das substâncias com a importância que
elas podem ter para o homem, ou como elas podem beneficiar o homem. O aluno
Carlos indica que as propriedades podem nos ajudar a conhecer as substâncias,
possivelmente apontando para a sua ação em medicamentos (“tomando”). Porém
a aluna Laura, ao fazer menção às propriedades, se refere à identificação e dife-
renciação das substâncias, fazendo uma abordagem próxima de uma visão cien-
tífica mais geral, considerando os aspectos macroscópicos do conceito. Nos três
primeiros casos, consideramos que os alunos parecem estar mais voltados para as
situações de uso e aplicação das substâncias propostas nas atividades (zona Uti-
litarista/pragmática) e, no último caso, a aluna parece ter generalizado o conceito
deslocando-o das situações apresentadas na aula (zona racionalista).
Em relação à terceira expectativa que tivemos, podemos verificar que os
alunos apresentam diferenças em seus processos de conceituação. Alguns alunos
compreendem mais facilmente alguns aspectos dos conceitos e outros aspectos
parecem ser mais difíceis de compreensão. Isso acontece em ritmos e com per-
cursos diferenciados para cada sujeito. No entanto, de uma forma geral, podemos

36
verificar que ao longo da discussão nas aulas, os alunos questionam e reelaboram
algumas formas de falar mais intuitivos e ingênuos e passam a utilizar também
as ideias científicas na construção do seu raciocínio. Podemos dizer que as ativi-
dades conseguiram atingir as expectativas, mas deixamos claro de que esse pro-
cesso de ampliação das ideias e construção de um modo de pensar é gradativo e
contínuo.

CONCLUSÃO
As atividades elaboradas conseguiram promover o interesse e participação
dos alunos, tirando eles da posição passiva e transformando-os em agentes ati-
vos do próprio processo de aprendizagem, por isso consideramos válidas todas
as etapas vivenciadas por eles. E destacamos a importância da utilização de es-
tratégias e metodologias diferentes do ensino tradicional no qual são apresen-
tadas apenas as definições dos conceitos científicos desconectados dos demais
contextos. É neste sentido, também, que reforçamos a ideia de que a teoria dos
perfis conceituais possa fornecer uma base no planejamento de tais estratégias
e metodologias, permitindo ao professor conhecer e trabalhar em cima das con-
cepções que os alunos trazem para a sala de aula. Assim, a aula de química pode
se tornar um momento de debate de ideias, no qual os alunos tomem consciência
da multiplicidade de significados que um conceito pode ter.
A elaboração e aplicação desta sequência modificou a forma como ensino o
conceito de substância para os meus alunos, a partir da percepção sobre o perfil,
hoje eu escuto e valorizo o que eles têm para me dizer e a partir das ideias deles
construímos novos significados para o conceito de substância. Espero que a leitu-
ra deste capítulo possa trazer sugestões para possíveis mudanças na sua prática,
assim como aconteceu com a primeira autora deste capítulo e possa te inspirar na
elaboração de novas atividades.

37
BIBLIOGRAFIA
ARAÚJO, D. X.; SILVA, R. R.; TUNES, E. O conceito de substância em química
apreendido por alunos do ensino médio. Química Nova, v. 18, n. 1, p. 80-90, 1995.

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v. 1, 2007.

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cal change. International Journal of Science Education, v. 22, p. 719-737, 2000.
ISSN 7.

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transposição didática e ensino. Dissertação de mestrado - Universidade Esta-
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39
Capítulo 2

A ABORDAGEM
DO CONCEITO DE
ENERGIA POR MEIO
DE UMA SEQUÊNCIA
DIDÁTICA:
VALORIZANDO OS
DIFERENTES MODOS
DE PENSAR
José Euzebio Simões Neto
Edenia Maria Ribeiro do Amaral

40
O ENSINO E A APRENDIZAGEM DO CONCEITO DE ENERGIA
Ensinar o conceito de energia, seja no contexto do ensino da química ou da
física, não é tarefa fácil. Talvez você, leitor desse livro, já tenha encarado o desafio
e chegado à mesma conclusão. No curso do desenvolvimento histórico do concei-
to foram muitas as concepções aceitas e debates deveras profundos, temperados
com controvérsias, que reverberam até hoje, contribuindo para que o conceito
de energia seja considerado polissêmico – palavra difícil que indica que estamos
falando de um termo com diversos significados e muitos usos (BURATINI, 2008),
bastante úteis em diferentes contextos.
O termo energia é uma adaptação do grego antigo energeia (ἐνέργεια), fazen-
do parte da teoria do ato e potência, tentativa de Aristóteles (384 a.C.–322 a.C.)
para resolver a questão da possibilidade de mudança levantada pelos filósofos
pré-socráticos. Nesse contexto, a energeia era uma virtude capaz de transformar
o ser inacabado na sua forma final. Assim, a semente é uma semente em ato e a
lagarta uma lagarta em ato, mas são também, respectivamente, uma árvore e uma
borboleta, em potência, sendo a energeia o fator que provoca as mudanças que
observamos.
O nosso desafio está relacionado com o ensinar e aprender sobre o concei-
to de energia. Entre várias possibilidades apontadas na ampla literatura sobre o
tema, elencamos três possíveis razões, sendo a primeira a longa e complexa evo-
lução histórica do conceito, desde sua proposição até sua incorporação como ter-
mo comum à linguagem científica. Destacamos dois momentos bem controver-
sos, uma no campo da mecânica e outra no campo da termodinâmica.
A controvérsia da vis-viva foi a disputa para explicar a real medida do mo-
vimento e da força de um corpo (ILTIS, 1971; SMITH, 2006), protagonizada por
Gottfried Leibniz (1646–1716), que defendia a conservação de uma grandeza de-
nominada vis-viva, o produto da massa pelo quadrado da velocidade (m⋅v2) e a
quantidade de movimento (m⋅v) defendida pelos seguidores de Renê Descartes
(1596–1650). Tal debate durou décadas até enfraquecer devido ao trabalho de Jean

41
d’Alembert (1717–1783) reconhecendo a importância das duas grandezas para a
compreensão do movimento.
Outra controvérsia importante estava relacionada a uma grandeza que co-
nhecemos bem, o calor. No século XVI alguns pensadores, como Joseph Black
(1728–1799), entendiam o calor como algo material e até explicavam fenômenos
com essa ideia: a dilatação de metais mediante aquecimento ocorreria devido a
repulsão entre as partículas calórico, termo usado para referenciar ao calor (SIL-
VER, 2008). Essa visão era oposta àquela que relacionava calor ao movimento
interno das partículas que compõem os corpos, defendida por outros cientistas,
entre eles Robert Boyle (1627–1691).
Essa controvérsia começou a ser esclarecida em 1798, a partir do trabalho do
inglês Benjamin Thomson, o conde Rumford (1753-1814), desenvolvido enquanto
era supervisor de uma fábrica de canhões em Munique. Ele concluiu que havia
uma produção contínua de calor durante a perfuração do cilindro central de um
canhão, o que contrariava a teoria do calórico, pois nesta visão o calor seria limi-
tado e extraído do metal como o suco de uma fruta até o esgotamento (CHER-
MAN, 2004; PULIDO; SILVA, 2011).
Entre os anos de 1842 e 1847, quatro pensadores espalhados por toda a Eu-
ropa, Julius Robert Mayer (1814–1878), James Prescott Joule (1818–1889), Ludwig
Colding (1815–1888) e Hermann von Helmholtz (1821–1894), buscaram isolada-
mente estabelecer um equivalente mecânico para o calor e assim lançaram a hi-
pótese da conservação de energia, ideia que mudou toda a forma de organizar as
ciências (BESAUDE-VINCENT; STENGERS, 1992), fazendo a energia ocupar posi-
ção de destaque na compreensão do mundo material.
Uma boa descrição da conservação de energia é feita por Feynman (2008),
ao evocar uma criança, chamada por ele de Dênis, o Pimentinha, dono de vinte
e oito cubos de brinquedo indestrutíveis, com os quais brinca todos os dias. Ao
final de toda tarde a mãe de Dênis recolhe todos os cubos e sempre guarda vinte
e oito. Um dia ela encontra apenas 27 e acha estranho, no entanto, ao olhar em-

42
baixo do carpete, encontra o outro. Novo dia e a mãe encontra 30 cubos, porém
descobre que dois não pertenciam a Dênis, mas a um amigo que foi brincar com
ele naquela tarde. Em tempo, os cubos constituem uma quantidade calculada e
que sempre permanece idêntica, sob quaisquer condições.
O segundo problema relativo ao ensino e na aprendizagem do conceito de
energia é o caráter abstrato e pouco informativo acerca da sua natureza, que são
suficientes para causar transtornos para professores e para estudantes. Nos li-
vros didáticos a energia aparece definida sempre da mesma forma, aquela que
respondemos quase que automaticamente quando questionados: “energia é a ca-
pacidade de realizar trabalho”. Arias (2006) aponta essa definição como inexata,
incompleta, parcial e, sobretudo, contraditória, pois se definimos a energia como
a capacidade de realizar trabalho e definimos trabalho como energia em trânsito,
a conclusão é que o trabalho é a capacidade de se transmitir. Além disso, corpos
ainda possuem energia mesmo quando não podem mais realizar trabalho.
Então o que é energia? Voltamos a falar de Richard Feynman (1918–1988),
que afirmou em conferência que “ainda não sabemos o que é energia”, causando
enorme decepção na ampla plateia. Ora, estavam todos na aula de um dos maiores
físicos do século XX, esperando entender o que é energia! Mas, com entusiasmo,
ele continua: “não sabemos por ser a energia uma coisa estranha e a única coisa
de que temos certeza é que a natureza nos permite observar é uma realidade, ou
se prefere, uma lei chamada conservação da energia”. E é nessa direção que segui-
mos, entendendo a energia como uma manifestação da natureza que se conserva,
e também se degrada, na realização dos processos.
Por fim, o terceiro e último problema está associado a popularização do ter-
mo energia, que não é exclusivo da comunidade científica, podendo dar origem a
concepções informais, modos de pensar determinado conceito que não são asso-
ciadas a contextos científicos e possuem um alto grau de coerência, por isso, são
poderosas quando confrontadas com ideias científicas, além de possuírem um
grande grau de generalização.

43
Para o conceito de energia existe uma grande quantidade de estudos sobre
concepções informais, organizados em grupos de ideias, entre os quais vamos
destacar inicialmente o trabalho de Driver e colaboradores (1994), influenciado
pelo trabalho de Watts (1983) e constituído de cinco estruturas organizacionais,
apresentadas no quadro 1:

Quadro 1: Concepções informais de energia segundo Driver e colaboradores (1994)

Concepção Descrição

Energia é associada a objetos vivos e é essencial para


Antropocêntrica manutenção da vida, além necessária para que ocorra
movimento.

Armazenada/Causal/ Existem objetos que armazenam energia, outros que podem


Depósito recebe-la para funcionar, sempre a energia o agente causal.

Força/Trabalho/ Associa energia como a força que gera o movimento ou ao


Movimento próprio movimento.

Associada ao esgotamento das fontes de energia. Os estudantes


Combustível entendem que o combustível é a própria energia, e não uma
fonte.

Fluído/ Energia é algo que pode ser contido, armazenado, cedido ou


Ingrediente/ conduzido por um corpo para outro e se manifesta a partir de
Produto algo que inicie o processo.

Fonte: elaborado pelos autores.

Uma outra proposta com menos categorias foi apresentada por Pacca e
Henrique (2004), elencando três ideias fundamentais associadas ao conceito: (i)
Energia como Causa/Fonte: a energia é agente causal, ou seja, algo que os corpos
possuem e os permite realizar alguma ação, mudança ou transformação no am-
biente; (ii) Energia como Movimento/Ação: a energia se faz na atividade explíci-
ta do movimento, assim, corpos que se movem possuem energia e os que não se
movem não possuem energia; e (iii) Energia como Substância: A energia é algo

44
que tem existência material, ou quase material, e pode ser armazenada nos ma-
teriais. Ainda podemos pensar em outra visão, que não é elencada nos trabalhos
aqui citados, a energia em referência a quantidades imensuráveis e de existência
não-científica, como energias cósmicas ou energia espiritual.
Essa pluralidade de modos de pensar é recorrente nas formas de falar, que
são úteis, ou seja, possuem valor pragmático em contextos específicos, sendo
possível pensar em um perfil conceitual para energia.

O PERFIL CONCEITUAL DE ENERGIA


Perfis conceituais organizam os diversos modos de pensar sobre determi-
nado conceito que são úteis em situações que ocorrem em contextos definidos.
Vamos utilizar o conceito de calor (AMARAL; MORTIMER, 2001) como exemplo:
em um sábado de piscina ou domingo de praia, não importa o grau de instrução
formal, o leigo e o doutor em termodinâmica irão entender quando um dos dois
afirmar “estou com calor”, fazendo referência a sensação térmica. Ambos tam-
bém compreendem que esse modo de pensar, embora pragmaticamente podero-
so nas situações descritas, não deve ser utilizado em uma aula ou em uma prova,
uma vez que no novo contexto se exige conhecimento científico sobre o conceito
de calor.
A teoria dos perfis conceituais (MORTIMER; EL-HANI, 2014) apresenta a
ideia de que um sujeito pode apresentar mais de uma forma de ver e conceituar
o mundo, com valor pragmático em determinados contextos. Cada uma desses
modos de pensar é, por meio de compromissos epistemológicos, ontológicos e/ou
axiológicos, entendido como uma zona, e diferentes zonas podem coexistir em
um indivíduo e devem ser utilizadas para falar sobre aquele conceito.
Propor um perfil conceitual não é simples. Devemos buscar constante
diálogo entre dados que são obtidos de quatro fontes, trabalhados de maneira
dialogada: fontes secundárias de história da ciência (livros sobre história, e não
históricos), literatura acerca das concepções informais, dados obtidos a partir de

45
entrevistas com estudantes e/ou profissionais e análise de interações discursivas
em sala de aula. A partir de rigorosa análise destes dados, é construída uma ma-
triz organizadora da polissemia (MOP), e, por fim, é proposto o perfil conceitual.
A partir de dados coletados a partir das diversas fontes, foi possível a estru-
turação de uma MOP para o conceito de energia. Posteriormente, com a definição
dos compromissos e consideração dos contextos nos quais esses modos de pensar
possuem valor pragmático, foi possível propor um perfil conceitual para o concei-
to de energia (SIMÕES NETO, 2016), com seis zonas e apresentado no quadro 2:

Quadro 2: As zonas do perfil conceitual de energia


Zona Descrição

Em contextos religiosos ou sobrenaturais, como energização de ambientes


ou na consideração de energias cósmicas, essa visão assume um valor
pragmático considerável. Uma das justificativas para essa zona está no
Energia poder da pseudociência, prática que usa a ciência despida do fundamento
como Algo científico. Para fundamentar essa zona, buscamos o compromisso
Espiritual ou epistemológico associado ao vitalismo, que defende a existência quase
Místico real de um ou mais elementos imateriais que constituem os seres vivos
e exercem domínio em suas atividades conscientes ou inconscientes.
Podemos também pensar em um compromisso axiológico, aos valores que
os indivíduos atribuem às coisas.

Situamos as concepções de energia como algo que é útil e que pode ser
usado para garantir conforto aos seres humanos, mas sem nenhuma
preocupação com sua natureza ou propriedades. Associamos essa visão
Energia
a um compromisso epistemológico realista de senso comum, também
Funcional/
chamado de realismo ingênuo que, para Bunge (2012), é uma forma de
Utilitarista
pensamento deveras efetiva contra a fantasia desenfreada e contra o
ceticismo radical, mas que é insuficiente para enfrentar as exigências de
formas elaboradas de pensamento.

Esse modo de pensar pode ser resumido na afirmação: “todo corpo que
Energia como está em movimento, possui energia e todos os corpos que não estão em
Movimento movimento não possuem”. Entendemos que o mecanicismo pode ser
utilizado como compromisso epistemológico para justificar essa zona.

A visão de energia como algo material foi forte durante o período de


Energia como ascensão e apogeu da teoria do calórico. Assumimos um compromisso
algo Material epistemológico substancialista para fundamentar essa zona, bastante
recorrente nas formas de falar sobre a energia dos processos naturais.

46
Essa zona está associada ao pensar a energia como algo que possibilita
a ocorrência de diversos fenômenos da natureza como mecanismo de
Energia disparo: um fenômeno só pode acontecer se a energia estiver disponível
como Agente para ativação. Relacionamos esse modo de pensar o conceito de energia
Causal com o determinismo causal, que apresenta a ideia de que todo evento tem
uma causa específica. Isso é verdade em algumas condições, uma vez que
existem processos espontâneos.

A energia pode ser entendida como o produto do movimento dos


Energia como componentes microscópicos da matéria, destacando dois conceitos, a
algo que se conservação e a degradação. Associamos essa zona a um compromisso
Conserva epistemológico racionalista, ponto de vista que atribui à razão ou ao
pensamento, a principal fonte de conhecimento humano.

Fonte: Elaborado pelos autores.

A nossa ideia para esse capítulo é pensar sobre o ensino do conceito de ener-
gia, geralmente abordado no Ensino Médio na termodinâmica e em associação a
outros conteúdos, como átomos, ligações químicas, reações químicas, conside-
rando os diversos modos de pensar, organizados nas zonas do perfil conceitual
proposto.

A SEQUÊNCIA DIDÁTICA PROPOSTA


A sequência didática foi elaborada a partir de observações sobre a origem,
desenvolvimento histórico e levantamento de concepções, informais e científicas
sobre o conceito de energia, organizada em quatro momento descritos a seguir.

Primeiro Momento

Tem como objetivo inicial realizar o levantamento de concepções prévias


dos estudantes sobre o conceito de energia a partir da aplicação de um questioná-
rio contendo quatro perguntas, apresentadas no quadro 3:

47
Quadro 3: Perguntas do questionário para levantamento de concepções sobre energia
1. O que você compreende por Energia?

2. Como você entende o significado atribuído ao termo energia em cada situação


descrita a seguir:
A) “Nescau, energia que dá gosto! ”
B) “Se o inimigo te atacar, já era! Sua energia está baixa. ”
C) “A energia aumentou novamente. Não vamos conseguir pagar. ”
D) “Esta casa é amaldiçoada, sinto uma energia ruim aqui! ”
E) “Não gaste sua energia com ele, não vale a pena! ”
F) “Olha como ele corre, já percorreu mais de três voltas! Mas ele vai parar, pois correr
assim exige muito gasto de energia. ”

3. O que você entende por:


A) Conservação de energia.
B) Degradação da energia.

4. O que você pode falar sobre o conceito de energia? Como ele é abordado nas
diferentes disciplinas escolares? Em que ele é importante para a ciência e para a
compreensão do mundo em que vivemos?

Fonte: Elaborado pelos autores.

Para proposição da primeira questão seguimos a ideia de Coutinho (2005),


que propõe a utilização de uma questão visando a obtenção de respostas amplas
e não limitadas, para proporcionar uma diversidade de respostas e fazer surgir
várias formas de falar sobre o conceito. A segunda questão apresenta frases sim-
ples, utilizadas pelas mídias comunicativas ou em experiências cotidianas para
identificar significados conhecidos pelos estudantes nos contextos dirigidos pe-
las afirmações. A terceira questão tem relação com a visão científica do conceito
de energia, a partir do entendimento de propriedades determinantes, conserva-
ção e degradação. Por fim, a última questão busca a compreensão do conceito de
energia em abordagem escolar e sua aplicação ao mundo material. Essas ques-
tões, devido ao objetivo da sequência, não devem buscar respostas corretas em
uma visão científica, mas possibilitar a emergência de diversos modos de pensar
sobre energia.
Ainda no primeiro momento sequência didática, temos a exibição do docu-
mentário televisivo intitulado “Ordem e Desordem – A História da Energia”, pri-

48
meiro episódio de uma série de dois, produzido pela BBC de Londres, centrado na
tentativa de entender o que é a energia a partir da investigação de um interessante
conjunto de leis que une muita das coisas que estamos acostumados a ver, como
organismos vivos, motores a combustão, estrelas e processos termodinâmicos.
Após a exibição do documentário, sob mediação do professor, deve ocorrer um
debate sistematizado sobre a evolução histórica do conceito, que encerra o pri-
meiro momento da proposta.

Segundo Momento

No segundo momento da sequência didática propomos uma atividade para


identificar como o estudante compreende o conceito de energia na sociedade,
ou seja, as diversas concepções que são usualmente utilizadas pelas pessoas em
diversas situações, sem necessariamente guardar uma relação com aspectos cien-
tíficos. A atividade deve ser realizada com a turma dividida em pequenos grupos e
consiste na apresentação de duas imagens publicitárias (“Nescau, energia que dá
gosto” e “Guaraná Antarctica, energia que contagia”) e quatro textos jornalísticos
(“Avião solar prepara volta ao mundo a partir de Abu Dhabi”, “O Brasil precisa de
mais fontes de energia”, “Novas fontes de energia renovável estão em desenvol-
vimento no Brasil” e “Pesquisadoras criam bola que transforma energia cinética
dos chutes em eletricidade”).
A ideia da atividade é proporcionar o debate sobre diferentes modos de pen-
sar e formas de falar sobre a energia que podem emergir nos textos selecionados.
Para estimular o diálogo, sugerimos que o professor solicite aos grupos a elabo-
ração de infográficos sobre o conceito de energia, com o objetivo de organizar as
ideias e relacionar os diferentes modos de pensar.

Terceiro Momento

O objetivo do terceiro momento da sequência didática é trabalhar o conceito


de energia em diversos contextos, que são apresentados a partir de cinco situa-

49
ções-problema, elaboradas para tentar fazer emergir uma pluralidade de formas
de falar correspondentes a modos de pensar o conceito. O quadro 4 apresenta as
situações-problema elaboradas.

Quadro 4: Situações-Problema sobre Energia em diferentes contextos

1. A vida precisa de energia! Essa afirmação é facilmente comprovada pela necessidade


que temos de comer para que nosso corpo funcione de maneira adequada. A partir
de pesquisas relacionadas à fisiologia foi determinado o valor de 2000 Kcal diárias
para o bom funcionamento do corpo humano. Se por acaso um amigo perguntasse
o que deveria fazer para manter seu peso constante, qual seria sua recomendação:
exercícios constantes, diminuição na ingestão de alimentos? Por quê?

2. A energia é invisível! Não podemos ver a energia, no entanto, podemos observar


os fenômenos relacionados com a energia a partir das transformações. Como você
poderia explicar:
A. O crescimento de uma planta.
B. A emissão de luz por um vagalume.
C. A trajetória de um corpo esférico em um plano inclinado.
D. A queima de uma vela.
E. O aquecimento de um metal, ao entrar em contato com outro metal em temperatura
mais elevada.
F. A utilização de um painel fotovoltaico.

3. Existem diversos tipos de energia que são discutidos no cotidiano e na ciência. Arias,
em 2006, sugere que podemos classificar a energia quanto à natureza e quanto a
fonte de origem.
A. Como você classificaria a energia quanto à natureza? Dê exemplos.
B. Como você classificaria a energia quanto a fonte de origem? Dê exemplos.
C. Essas manifestações de energia se diferenciam de que forma? São diferentes ou
manifestações distintas da mesma coisa?

4. O místico e o sobrenatural têm tido destaque atualmente na sociedade. Termos


como “energia cósmica” e “energia dos cristais” são apresentados em materiais de
divulgação e textos em revistas, adquirindo significados no cotidiano das pessoas
e fazendo surgirem até novas profissões, como os energizadores, que atuam na
substituição da energia negativa por energia positiva, em determinado ambiente.
A. Como você compreende essa visão de energia?
B. O termo energia é utilizado nesta situação com significado científico? Justifique.

50
5. A energia se conserva! A formulação do princípio da conservação de energia se
caracteriza como um importante marco no desenvolvimento do conceito de energia,
pois a partir desta propriedade podemos entender melhor o conceito. No entanto,
algumas questões podem ser feitas:
A. Se a energia se conserva, por que em diferentes momentos da história se fala em crise
energética?
B. Se a energia se conserva e um litro de combustível pode movimentar um carro por
vários metros, por que não pode movimentar o carro perpetuamente?

Fonte: Elaborado pelos autores.

Os contextos selecionados para as situações-problema foram: energia dos


alimentos e atividades física, energia e as transformações da natureza, as clas-
sificações da energia quanto a natureza e origem, energia em uma perspectiva
mística e/ou espiritual e a energia em termos das propriedades de conservação
e degradação tomando como cenário o processo de queima de combustível au-
tomotivo. Para cada uma, os estudantes devem ser orientados para responder
quatro perguntas auxiliares: “Qual o problema apresentado”?; “Que conceitos são
mobilizados para sua resolução”?; “Qual a resolução para essa situação-proble-
ma”?; Como o conceito de energia é entendido e evidenciado nessa situação”?

Quarto Momento

A atividade proposta para o último momento da sequência didática é um


debate sobre os diversos modos de pensar e as diversas formas de falar sobre
energia, guiado pelas situações-problema resolvidas pelos grupos no momento
anterior.
Todos os momentos da sequência didática foram planejados com duração de
100 minutos, que corresponde ao tempo de duas aulas geminadas, e foram pen-
sados para a aprendizagem de modos de pensar o conceito de energia que pos-
suem valor pragmático em contextos específicos. Descreveremos a seguir alguns
resultados referentes à aplicação da sequência didática aqui proposta, buscando
observar a emergência das zonas do perfil conceitual de energia.

51
A APLICAÇÃO DA SEQUÊNCIA DIDÁTICA
Para verificar, na prática, a potencialidade da proposta em promover a emer-
gência desses modos de pensar, realizamos a aplicação da sequência didática com
23 alunos de uma turma do segundo ano do Ensino Médio em uma escola da rede
particular de ensino, localizada na cidade de Olinda, Pernambuco.
Para verificar a emergência das zonas do perfil conceitual de energia separa-
mos três recortes de aula. Nos recortes de aula, para referência ao professor utili-
zamos a letra P e para referência aos estudantes a letra E seguida de dois números
de ordenação separados por um ponto, sendo o primeiro associado ao grupo e o
segundo para identificar um estudante específico dentro do grupo. Quando da
impossibilidade de reconhecer o enunciador, utilizaremos a notação Ex. O pri-
meiro recorte analisado foi transcrito a partir da discussão acerca da primeira si-
tuação-problema e é apresentado no quadro 5:

Quadro 5: Recorte de Aula 1 – Comer mais ou menos energia

Primeira situação-problema
SP
Contexto: Energia dos alimentos e atividades físicas

Turno Fala

E1 Tipo, é... (inaudível) pra manter a energia constante, teria que manter a ativida-
de, a energia de... manter uma atividade, um exercício legal e comer uma quanti-
1
dade de alimentos certa pra gente manter aquele peso, pra poder resolver a ques-
tão do problema de ter aquele peso constante.

E1.2 O exercício que você vai fazer, você come de acordo com o que vai fazer pra
2
não ganhar nem perder muito. Basicamente isso.

3 P. Tá bom!

E2.1 É... A energia vinda dos alimentos, ela é acumulada no corpo. O corpo faz re-
serva de energia. Quando o corpo perde energia e tem uma quantidade extra
4 de energia, ela é acumulada na gordura. Os exercícios servem pra, é, tirar essa
energia que ficou na gordura, deixando só a energia própria pro corpo se
manter. Ou seja, quando a pessoa come e pratica o exercício... ou seja...

52
5 E2.2 Gordura é acúmulo de energia.

6 E2.1 ...ela não vai nem ganhar e nem perder.

7 E3.1 No caso, é isso mesmo, porque se o objetivo é você manter as 2000 Kcal, é, se
você parar de comer, você não vai ganhar essas 2000 Kcal. Logo, você vai perder
peso. Então, se o objetivo seria manter o peso, você tem que continuar comendo e
praticando exercícios.

8 E2.2 E vendo a sua atividade física no dia-a-dia. Dependendo dela, você vai ter que
comer mais ou menos energia.

9 E1.1 Se, por exemplo, a gente tem uma ingestão de alimentos de 3000 calorias, se
a gente absorve só um terço dessa... dessa energia porque a gente gasta o resto
fazendo a digestão, como era que a gente conseguiria manter esse peso se a gen-
te só comesse 2000 calorias por dia?

10 E2.2 Aí não manteria o peso.

11 E1.1 Sim, aí tu achas que o cara deveria pegar uma ingestão de alimentos maior
ou...

12 E2.2 Maior...

13 E1.1 E praticar mais exercício pra conseguir manter ou só aquilo mesmo?

14 E2.2 Tu poderia praticar, comer mais só que não praticar atividade física, depen-
dendo do teu dia-a-dia.

15 E2.1 Depende do metabolismo da pessoa.

16 E2.2 É.

17 E2.1 Se teu metabolismo é acelerado e tu consegue liberar energia sem precisar


fazer exercício, aí então tu não precisa praticar exercício.

18 P. Grupo 4, como é que a energia é vista nesta situação?

19 E4.1 – De forma que se você digere alimentos, o corpo armazena essa energia. E
quando você se exercita, ela libera em forma de energia mecânica.

Fonte: Elaborado pelos autores.

53
No turno 4 do primeiro recorte de aula o estudante E2.1 apresenta uma for-
ma de falar sobre o conceito de energia que sugere seu acúmulo no corpo, “reser-
va de energia”, que parece se aproximar de uma visão de energia como agente
causal nas transformações.
No turno 5, a ideia inicial da fala de E2.1 é retomada por E2.2 que afirma:
“gordura é acúmulo de energia”. Tal construção, a ideia de que a gordura produzi-
da e acumulada no corpo é uma forma substancializada de energia, pode ser asso-
ciada ao modo de pensar a energia como algo material. Essa visão é retomada no
turno 8, quando o mesmo estudante fala: “dependendo dela [da atividade física
do dia a dia], você vai ter que comer mais ou menos energia”.
A ideia de reserva é constante em todo o recorte, aparecendo novamente no
turno 19, quando E4.1 afirma: “...o corpo armazena essa energia. E quando você
se exercita, ela libera em forma de energia mecânica”. Entendemos esse discurso
como híbrido, evidenciando modos de pensar a energia como algo material e
energia como agente causal nas transformações.
O segundo recorte de aula selecionado, apresentado no quadro 6, tem como
foco o debate sobre a quarta situação-problema, energia associada ao misticismo
e questões espirituais e sobrenaturais.

Quadro 6: Recorte de Aula 2 – Energia pode se transformar em todas as outras?

Quarta situação-problema
SP Contexto: Energia em uma perspectiva pseudocientífica, associada ao misticismo
e questões espirituais e sobrenaturais

Turno Fala

E4.2 É mais de metafísica. É metafísica, física quântica. E é tipo uma energia que
não é muito conhecida, e é no meio... tem um trabalho que é terapeuta-holís-
1
tico que envolve esses cristais... alguns cristais podem curar e outros cristais
podem trazer, é, o avanço para a pessoa em si.

E2.1 A quarta questão é psicológica, que não pode ser provada cientificamente.
2 Foi criada pelo meio popular, pelas pessoas, para que uma conseguisse influenciar
a outra, de forma que ela acha que a outra deve seguir o caminho.

54
3 E2.3 E (Inaudível) tivesse qualquer forma de ganho.

E3.1 No caso, não há prova que ela existe cientificamente. Ela é meio que,
algo... pessoal. Se você quiser acreditar ou não. (Inaudível) uma energia espi-
4
ritual. É, vem da pessoa, se você quiser acreditar, você acredita. Mas você não tem
nenhuma prova científica de que ela existe.

5 P. Grupo 1, sobre a quarta situação, alguma coisa?

6 E2.4 Na verdade, é tipo, é... quando a ciência não consegue provar aquilo, aí se
torna quase inexistente. Aí, como ela não consegue provar algumas coisas, aí é
tipo como se fosse descartado pra algumas pessoas, tá entendendo?

7 E1.1 É basicamente isso. É... quando, tipo, a energia dos cristais, a gente tem, ainda
consegue comprovar, mas o... no caso, a energia corresponde também... a ener-
gia, tipo, a gente ainda consegue... esse termo científico, é porque a gente ainda
consegue enxergar um pouco se... futuramente, a gente poderia conseguir extrair
energia cósmica, a energia dos cristais que a gente... acho que a gente consegue
fazer isso hoje em dia, e o místico e o sobrenatural a gente não consegue porque a
gente não entende essa parte. Tipo, a ciência não explica...

8 E2.3 Ele está se referindo aí ao misticismo. Então, eu acredito que quando se


refere à energia cósmica, ele fala sobre o entendimento de signos, esse tipo
de coisa. Então tu achas que nós seríamos capazes de extrair energia elétrica, por
exemplo, de... do cosmo de um signo, escorpião, áries ou algo assim?

9 E1.1 E signo existe?

10 E2.3 Ham?

11 E1.1 Signo existe?

12 E2.3 Então, quero saber se é a discussão.

13 E2.1 Quando tu vê uma pessoa com a bola de crista, um exemplo, “ah, vou desco-
brir o teu futuro”, aquele tipo de energia que a pessoa aparenta mostrar pra tu, é
uma energia meio psicológica. Ou seja, tu achas que a energia que a pessoa tá
dizendo ali que tem ali, tu acha que ela vai conseguir transformar aquela energia
que ela tá dizendo em outra forma de energia?

14 E1.1 Não.

15 E2.2 Tem gente que diz que sente Deus. Tem gente que diz que não sente.

55
16 E3.2 Porque no caso a energia pode se transformar em todas as outras. Se ela
existe, ela se transforma em todas as outras.

17 E2.3 Só que no que ele tá falando não foi provada, entendesse?

18 E4.2 Hoje em dia, a gente já vê algumas clínicas que já utilizam, já, esses...

Fonte: Elaborado pelos autores.

Uma discussão recorrente em todo o recorte é a natureza não-científica des-


se modo de pensar o conceito de energia. Os estudantes entendem que a ciência
não pode provar essa ideia sobre energia e tentam justificar a sua existência. No
entanto, eles assumem, sem o respaldo do discurso da ciência escolar, que este
não apresenta o mesmo poder explicativo dos outros modos. Podemos ver exem-
plos no turno 1, em que o estudante E4.2 cita o trabalho dos terapeutas holísticos.
No turno 4, o estudante 3.1 afirma a existência dessa energia espiritual, mas en-
tende que ela pode ser desacreditada, uma vez que não tem a força do discurso
científico, e, por fim, o turno 6, o estudante 2.4 reforça a autoridade do discurso
científico: “quando a ciência não consegue provar aquilo, aí se torna quase ine-
xistente”. Destacamos a fala do estudante E2.3, no turno 8, quando associa essas
ideias ao misticismo associado ao senso comum e sem compromisso com crité-
rios científicos.
Os estudantes parecem aceitar bem a visão pseudocientífica, associando a
energia como algo espiritual e místico, ligada a metafísica (turno 1), misticis-
mo (turno 7 e 8) e, de maneira equivocada, à física quântica (turno 1) e psicologia
(turnos 2, 13). A associação última pode estar associada a não compreensão da
psicologia como ciência.
Um questionamento relevante aparece no turno 16: se é particular da ener-
gia se converter em diversos tipos, porque essa energia não se transforma em
nenhuma das outras formas conhecidas, por exemplo, energia térmica ou ele-
tromagnética? Essa observação pode apontar uma compreensão dos diferentes
modos de pensar e das diferentes formas de falar sobre o conceito de energia, ou

56
seja, a energia nesse domínio pseudocientífico não é a mesma energia estudada
na ciência, portanto, não são conversíveis.
O último recorte de aula analisado, apresentado no quadro 7, tem como foco
a discussão sobre a quinta situação-problema:

Quadro 7: Recorte de Aula 3 – Ao infinito e além!

Quinta situação-problema
SP Contexto: Energia em termos das propriedades de conservação e degradação to-
mando como cenário o processo de queima de combustível automotivo

Turno Fala

E2.3 A crise energética, ele se refere à falta de energia elétrica. Então, a ener-
gia que se conserva não é só, não é, hum, não se refe... não fala somente de
energia elétrica, porque a energia ela se transforma. Então, a fonte de energia
1
que seria uma fonte de energia, a primeira fonte de energia, ela gera uma outra
que gera outra que gera outra e aí vai acabar gerando energia elétrica. E a crise
energética, aqui no Brasil, é desse tipo de energia, a elétrica, não a energia em si.

E4.1 É mais ou menos que em determinados momentos, tem mais é, tem mais um
tipo de energia que a outra. E quando tá dizendo que tá em crise energética, tá
2
em crise energética da energia que a gente quer. Mas, ainda continua tendo
uma quantidade grande de energia, porém em outra forma.

3 E4.2 Porque a energia se transforma. Ela não fica só na, na sua fonte principal.

4 E4.3 Ela não se perde

5 E4.2 É, ela não se perde.

E1.1 Essa questão da crise energética no Brasil é porque a gente não explora os
outros tipos de energia. Por exemplo, normalmente aqui, como a gente vive num...
num clima subtropical, a gente tem uma energia solar melhor do que nos outros
cantos. A gente consegue, se a gente produzir mais ou, sei lá, colocar mais placas
voltaicas por aí, a gente consegue energia solar. Mas, se tiver num dia nublado, a
6
gente não vai conseguir tanta energia solar como em um dia ensolarado. Tipo, a
questão da seca também... senão chover a gente não vai ter energia das hidrelétri-
cas porque os reservatórios vão secar e não vai conseguir produzir tanta energia. E
a questão da umidade também varia, porque se em um certo canto o vento não vai
conseguir circular totalmente, a gente não consegue produzir energia eólica.

7 E1.2 Eólica.

57
E4.3 Eu acho que vai depender muito de que tipo de energia seja. Eu acredito que
a energia, sim, acabe, ela vem a acabar, mas vai depender muito do tipo de
energia. É... Por exemplo, na outra pergunta, ele fala sobre combustível, de que
também é um tipo de energia. Que se um litro de, de combu... de energia de com-
8
bustível é... possível movimentar o carro por alguns metros, é... quando esse e...
que... o porquê de que ele não pode movimentar esse, esse carro por.. pra sempre.
Porque, tipo, o combustível, uma hora ele vai ter que acabar. Então, quando o
combustível acaba, a energia também vai acabar. Então, o carro vai parar de...

9 Ex A energia é transformada.

E4.3 Sim, mas de todo jeito. Tendo a combustão parando, então a combus.., a ener-
10 gia daquela combustão também vai parar. Então, o carro não vai ter como se mo-
vimentar mais.

E2.1 A energia do combustível não vai acabar, vai ser transformada em outro
11
tipo de energia, que é na cinética e na sonora.

12 Vários falando simultaneamente

E3.1 No caso, a energia mecânica vai se transformar na cinética, na térmica, na so-


nora... e ela vai se acabanado quando ela vai se transformar em outra e vai se,
13
vai se perder na (inaudível) do carro (gestos). Ela vai sair do carro e vai, enfim...
(gestos).

14 Ex Pro universo.

15 E3.1 Pra Natureza.

16 Ex Ao infinito e além.

17 E4.3 Sim, então ele continua o movimento do carro?

18 E2.3 A energia se transforma em outra energia.

E3.1 Toda a energia mecânica se transformou na cinética, na sonora e na tér-


19
mica.

Fonte: Elaborado pelos autores.

Destacamos ainda no primeiro turno de fala a visão funcional/utilitarista


e centrado na energia elétrica que logo se modifica para o modo de pensar asso-
ciado a conservação da energia. O estudante E4.1 afirma que a crise energética é

58
sempre associada à “...energia que a gente quer”, discussão retomada por E1.1 no
sexto turno, que apresenta algumas ações para produção de energia elétrica que
podem contribuir para diminuir os efeitos de uma eventual crise energética.
No turno 9 um estudante que não pôde ser identificado na transcrição co-
menta que a energia se transforma, e esse comentário faz emergir a ideia de de-
gradação ou dissipação da energia, que aparece na fala de EM2.1, no turno 11: “a
energia do combustível não vai acabar, vai ser transformada em outro tipo de
energia, que é na cinética e na sonora”. A mesma ideia é levantada por E3.1, no
turno 13, quando afirma: “... e ela [a energia] vai se acabando quando ela vai se
transformar em outra e vai se, vai se perder...”.
A visão da energia como algo que se conserva pode ser percebida na fala
“ela não se perde”, de E4.3 e E4.2, nos turnos 3 e 4 respectivamente. Nos turnos 18
e 19, a ideia de conservação da energia e degradação em tipos não úteis de energia
aparece mais próxima da linguagem científica. No turno 8, podemos perceber um
outro modo de pensar o conceito de energia, como algo armazenado na sua fonte,
o combustível. Essa visão pode ser associada a zona energia como algo material,
armazenado no combustível utilizado pelo carro para se mover.
No contexto apresentado pela quinta situação-problema, observamos que
os estudantes do Ensino Médio que participaram da intervenção reconhecem os
processos de conservação e degradação da energia, mesmo utilizando um discur-
so mais próximo do senso comum, da percepção (turnos 4, 5 e 9), embora even-
tualmente exista a aproximação a linguagem científica (turnos 11, 18 e 19).
A partir da análise dos recortes de aula podemos verificar que as atividades
pensadas para os momentos da sequência didática permitiram a aprendizagem
dos diferentes modos de pensar associados às zonas do perfil conceitual de ener-
gia, evidenciadas a partir da emergência dos modos de pensar nas falas dos estu-
dantes no debate, em que foi transversal a resolução das situações-problema. As-
sim, podemos inferir que a sequência didática possui potencial em realizar o que

59
foi objetivado inicialmente, ensinar o conceito de energia considerando os dife-
rentes modos de pensar que possuem valor pragmático em diferentes contextos.

ALGUMAS CONSIDERAÇÕES
O conceito de energia é um dos fundamentais da ciência e, segundo Angotti
(1993), também unificador na ciência, capaz de auxiliar na tentativa de desfrag-
mentação do conhecimento científico, principalmente na esfera escolar, pois é a
energia a principal entidade a relacionar aspectos científicos, tecnológicos, so-
ciais e humanos. Em contraste com a importância está a dificuldade em ensinar
energia no Ensino Médio, devido a problemas de desenvolvimento histórico, a
natureza abstrata do conceito, as diversas concepções informais que surgem na
ciência, na mídia e no senso comum, além da abordagem fragmentada em diver-
sos conteúdos escolares, fatores que contribuem para a pouca compreensão nas
escolas e na sociedade, considerando todos os modos de pensar que constituem
as zonas do perfil conceitual.
Considerando a teoria dos perfis conceituais (MORTIMER; EL-HANI, 2014),
trabalhar com os diversos modos de pensar um conceito parece ser um interes-
sante caminho para a superação de alguns desses problemas. Dessa forma, elabo-
ramos uma proposição de sequência didática, em quatro momentos, com ativi-
dades capazes de gerar reflexões e auxiliar na construção e/ou na compreensão
desses modos de pensar, o que contribui para a aprendizagem dos estudantes,
uma vez que possibilita a maximização do quantitativo de zonas conhecidas pelo
indivíduo, bem como permite o reconhecimento dos diferentes contextos em que
os significados possuem valor pragmático, em processo de tomada de consciência.
Percebemos, a partir da aplicação em uma turma do segundo ano do Ensino
Médio, que a sequência didática é capaz de proporcionar a emergência de ideias
que estão associadas as todas as zonas do perfil conceitual de energia, ou seja, as
atividades integrantes da sequência permitiram o reconhecimento dos modos de
pensar e do valor pragmático de cada um desses modos em contextos específicos.

60
Por fim, esperamos que essa proposta possa ser inserida nas práticas dos
professores de Química e Física, buscando uma melhor compreensão do conceito
de energia no Ensino Médio, além de permitir que, para além do entendimento
sobre o termo que é associado ao discurso da ciência, também sejam discutidos
modos de falar não científicos, mas que possuem valor pragmático em outros
contextos e que permitam que os estudantes compreendam e sejam compreendi-
dos ao falar suas ideias referentes ao conceito de energia.

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tual para o conceito de calor. Revista Brasileira de Pesquisa em Educação em
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WATTS, Michael. Some alternative views of energy. Physics Education. v.18,


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62
Capítulo 3

FALANDO SOBRE
ÁCIDOS/BASES E
PRODUTOS PARA
OS CABELOS: UMA
SEQUÊNCIA DIDÁTICA
ENVOLVENDO IDEIAS
DE CABELEIREIROS
E LICENCIANDOS EM
QUÍMICA
Flávia Cristiane Vieira da Silva
Edenia Maria Ribeiro do Amaral

63
ALGUNS PRINCÍPIOS TEÓRICOS QUE FUNDAMENTARAM O
PLANEJAMENTO DA SEQUÊNCIA DIDÁTICA
O presente capítulo apresenta algumas reflexões sobre o processo de cons-
trução de sentidos e compartilhamento de significados1 de conteúdos químicos,
por meio da aproximação do contexto de uma comunidade de prática com a sala
de aula na formação de professores de Química. Entendemos que essa aproxima-
ção – contexto2 e sala de aula – não é um processo trivial, implica levar em consi-
deração diferentes fatores, começando pela compreensão de que contextualizar
vai além da simples exemplificação do cotidiano. Silva e Marcondes (2010, p. 100)
apresentam a contextualização como “um princípio norteador de uma educação
voltada para a cidadania que possibilite a aprendizagem significativa de conheci-
mentos científicos e a intervenção consciente”. O que, para nós, corrobora com
as reflexões de Wartha, Silva e Bejarano (2013), quando afirmam que a contextua-
lização se refere a uma estratégia para a construção de significados, processo pela
qual se estabelecem relações entre o conhecimento que se deseja compreender
com a realidade vivida.
Nesta direção, ao pensarmos na sala de aula como um espaço de encontro
entre conhecimentos diversos, que se modificam constantemente, resultantes
das interações entre diferentes experiências e conflitos entre diferentes visões de
mundo que os estudantes trazem do seu cotidiano, de suas experiências, e que
influenciam a aprendizagem escolar, temos configurado um espaço privilegia-
do para a proposição de experiências pautadas no processo de contextualização.

1 O sentido de uma palavra é a soma de todos os fatos psicológicos que ela desperta em nossa
consciência. Assim, o sentido é sempre uma formação dinâmica, fluida, complexa, que tem várias
zonas de estabilidade variada. O significado é apenas uma dessas zonas do sentido que a palavra
adquire no contexto de algum discurso e, ademais, uma zona mais estável, uniforme e exata.
Como se sabe, em contextos diferentes a palavra muda facilmente de sentido. O significado, ao
contrário, é um ponto imóvel e imutável que permanece estável em todas as mudanças de sen-
tido da palavra em diferentes contextos. (VIGOTSKI, 2001, p. 465).
2 Aqui tomamos como contextos situações que são/podem ser vivenciadas pelos indivíduos
quando participam de uma experiência socialmente situada e que, na interação um com o ou-
tro, mobilizam e compartilham recursos, palavras, conceitos que são compreendidos uns pelos
outros.

64
Mas, para tal, é necessário que haja uma ressignificação um novo modo de orga-
nizar a apresentação dos conceitos científicos são apresentados e até mesmo na
forma como buscando contextualizar os temas discutidos com nossos alunos. Já
que, tradicionalmente, os conceitos se apresentam como produtos finais, trans-
mitidos pelo professor de forma autoritária e sem levar em consideração os di-
ferentes olhares que cada um possa dar a temas e conteúdos em discussão. Aos
estudantes, cabe reproduzir experiências consolidadas no contexto da ciência,
memorizando definições, fórmulas e leis, muitas vezes, sem fazer articulações
com os diversos contextos em que vivenciam suas experiências.
Nesta direção, acreditamos que o professor ao contextualizar deve conside-
rar diferentes modos de pensar associados a formas de falar sobre um determi-
nado conteúdo/tema, e de que forma esses diferentes modos de pensar são úteis
para explicar um determinado tipo de problema, situando entre elas a forma
como os modelos científicos contribuem para explicar e compreender situações
e fenômenos que fazem parte da vida de grupos sociais, que aqui chamaremos
de comunidades de prática nos termos de Lave e Wenger (1991). Contextualizar
é, para nós, aproximar pessoas que fazem parte de grupos distintos, com dife-
rentes concepções, visões de mundo, modos de pensar e formas de falar que se
entrelaçam ao buscar compreender uma determinada situação. Apresentamos,
então, uma proposta de sequência didática que buscou identificar os diferentes
modos de pensar e formas de falar sobre o conceito científico “ácido/base” quan-
do licenciandos em química se aproximam do contexto de um grupo específico,
que aqui chamamos de comunidade de prática de cabeleireiros. A partir de Lave
e Wenger (1991), acreditamos que nessa comunidade são compartilhados temas,
repertórios, práticas, que podem ampliar as concepções sobre ácidos/ bases dos
licenciandos que se envolveram na sequência didática, aumentando o repertório
conceitual que poderá ser acessado quando ele se fizer pragmaticamente podero-
so para lidar com determinados tipos de problemas, sejam eles oriundos do con-
texto escolar ou não escolar.

65
Por meio da Teoria do Perfil Conceitual podemos compreender a heteroge-
neidade de modos de pensar e formas de falar sobre o conceito científico apre-
sentado, que emergem em contextos tradicionalmente presentes em sala de aula
ou quando fazem parte do contexto de uma determinada comunidade de prática.
Deste modo, pretendemos, por meio da sequência didática, que os estudantes/
licenciandos compreendam quando um ou outro modo de pensar pode ser uti-
lizado para guiar ações e resolver problemas no dia-a-dia, sendo acessados em
contextos apropriados (MORTIMER et al, 2010; MORTIMER et al, 2014), em ex-
periências socialmente situadas. Ademais, acreditamos na importância de licen-
ciandos em química entrarem em contato com propostas desta natureza, para
que possam refletir sobre as diferentes possibilidades de abordagem do conceito
científico ácido/base, além da vivência de uma sequência didática que valoriza
a contextualização do referido conceito, sobretudo, a pensar na proposta para
refletir outros conceitos que possam fazer parte de comunidades de prática não
científicas/escolares.

O QUE CHAMAMOS DE COMUNIDADES DE PRÁTICA?


A aproximação dos estudantes/licenciandos com experiências socialmen-
te situadas decorre da ideia de que a aprendizagem não pode ser construída de
forma isolada das atividades vivenciadas pelos indivíduos. Essas atividades estão
relacionadas a contextos diversos, como aqueles associados a sua vida pessoal
ou profissional, que podem ser fenômenos ou situações vivenciadas pelos indiví-
duos em novas experiências, interações com outras pessoas ou, até mesmo, por
fazerem parte de um grupo de pessoas que compartilham de um interesse co-
mum, que fazem parte de Comunidade de Prática (CoP), conforme discutido por
Lave e Wenger (1991) e Wenger (1998). É nas distintas situações que podem ser vi-
vidas em comunidades de prática específicas que os diferentes modos de pensar e
formas de falar são negociados e um determinado termo/conceito ganha sentido.

66
Segundo Wenger (1998), as CoP estão em todos os lugares, é onde desenvol-
vemos, negociamos e compartilhamos nossas teorias e as formas de compreender
o mundo. É, de modo geral, um grupo de pessoas que se organizam em torno de
interesses comuns, estabelecendo relações de pertencimento que se vão intensifi-
cando ao longo do tempo (SILVA; BARTELMEBS, 2013). Wenger (1998) afirma que,
ao longo da nossa vida, nos envolvemos em projetos dos mais variados tipos e, no
curso desses projetos, estabelecemos laços e interagimos com diferentes pessoas
e com o mundo enquanto aprendemos. As práticas surgem a partir do aprendi-
zado coletivo e passam a ser interesse de determinado grupo, que é sustenta-
do por um projeto comum. Essa comunidade pode ser, então, chamada de CoP.
A CoP torna-se, portanto, “espaços” para que ocorra a aprendizagem. Nessa
perspectiva, a aprendizagem vai além do que se entende como um processo de in-
ternalização, ou seja, como algo que vai ser apreendido pelo sujeito tal qual como
lhe foi exposto, preocupa-se com a ação social do sujeito no mundo, o processo
de aprender dá-se com o aumento na participação numa CoP (LAVE; WENGER,
1991), com dois focos, o individual e o global. O foco é individual no sentido de
olhar como se dá o envolvimento do sujeito em determinada atividade, como este
se torna um participante pleno, um tipo de pessoa, um membro. Global, pois ati-
vidades, tarefas, funções e entendimentos não existem isoladamente, eles fazem
parte de um sistema mais amplo das relações existentes entre eles. Esses sistemas
de relações surgem e são reproduzidos e desenvolvidos dentro dessas comunida-
des que são, em parte, sistema de relações entre pessoas (LAVE; WENGER, 1991).
As CoP, de acordo com Wenger (1998), só fazem sentido quando os dois ter-
mos são usados associadamente, os termos comunidade e prática integram-se
para definir um tipo especial de comunidade na qual há o compartilhamento de
três elementos fundamentais, nomeadamente: domínio, comunidade e prática.
Domínio é o conhecimento criado por uma comunidade de praticantes, que
não tem uma fronteira definida nem se define como tal, é o que determina e iden-
tifica uma comunidade, diferencia os membros da comunidade de outras, além

67
de diferenciá-los entre si. Pode-se dizer que o domínio é o tema ou conjunto de
temas de interesse de determinada comunidade. Cyrino e Caldeira (2011) afir-
mam que é o domínio que cria uma base comum de conhecimentos, definindo a
identidade da comunidade. Ainda segundo as autoras, o domínio não se configu-
ra como algo fixo, mas acompanha as mudanças do mundo e da comunidade, a
partir de novos problemas, desafios e perspectivas. É o campo de trabalho ou de
interesse, o pertencimento, que implica um nível mínimo de conhecimento desse
campo (COLL; BUSTOS; ENGEL, 2010).
Comunidade é o que surge a partir de relações requeridas pela ação conjun-
ta, constantemente repetida pelo ato de produzir, formada por membros que se
comprometem a trocar informações sobre o assunto do seu domínio, ou entram
em contato com informações, usando-as, próprias da comunidade que faz parte
(WENGER, 1998).
A prática é projetada pelo compartilhamento dos significados da ação efe-
tuada, produzindo uma identidade que define uma comunidade, os membros
estão dispostos a estudar um problema e/ou resolver um problema, desenvolver
recursos, instrumentos, linguagem, conforme o seu domínio (WENGER, 1998). É
o conhecimento específico desenvolvido, compartilhado e mantido pela comuni-
dade (CYRINO; CALDEIRA, 2011), incluindo o desenvolvimento de um repertório
compartilhado de recursos, experiências, histórias, ferramentas, formas de abor-
dar e resolver problemas recorrentes (COLL; BUSTOS; ENGEL, 2010).
Logo, “uma comunidade cria laços de responsabilidade entre os partici-
pantes, porque estão todos comprometidos em uma atividade compartilhada”
(SILVA; BARTELMEBS, 2013, p. 195). Não há necessidade de que os membros de
uma CoP compartilhem um mesmo espaço físico. Não há também propósitos
instrumentais, mas há, sobretudo, dimensões de relações que tornam a prática
nessas comunidades coerente: engajamento mútuo, empreendimento conjunto
e repertório compartilhado.

68
O engajamento mútuo envolve as relações de corresponsabilidade que se
constroem pelo envolvimento na mesma prática, é o que define a comunidade.
“A prática dentro da comunidade não é abstrata, ela ocorre porque as pessoas
estão engajadas em ações cujos significados são negociados uns com os outros”
(WENGER, 1998, p. 73, tradução nossa). Cada participante envolve-se na prática
de forma diferente, encontra um lugar que é único e ganha uma identidade única
dentro da comunidade.
O empreendimento conjunto cria entre os participantes uma relação de res-
ponsabilidade mútua que se torna parte integrante da prática. Define aquilo que
importa dentro da comunidade, o objetivo, o projeto que será comum a todos. No
entanto, não quer dizer que, ao se envolver no projeto, os membros concordem
com tudo. As formas de lidar com os problemas que envolvem o projeto são dife-
rentes, mas interligadas (WENGER, 1998).
O repertório compartilhado de uma comunidade inclui “rotinas, palavras,
ferramentas, modos de fazer as coisas, histórias, gestos, ações ou conceitos, que
a comunidade tem produzido ou adaptado no curso de sua existência, e que se
tornaram parte de sua prática” (WENGER, 1998, p. 83, tradução nossa). A partir da
apropriação do repertório compartilhado, além dos objetivos, ideias e memórias,
é que temos efetivamente a formação de uma CoP. El-Hani e Greca (2011) afirmam
que, a partir dessa concepção, é possível dizer que uma CoP envolve práxis. Práxis
essa que inclui maneiras compartilhadas de fazer e de aproximar-se daquilo que
se ocupam as pessoas que fazem parte da comunidade. Essa ideia é corrobora-
da por Cyrino e Caldeiras (2011), que colocam o repertório desenvolvido em uma
comunidade como o reflexo do engajamento mútuo, sendo aquele coerente com
a mesma. Completam dizendo que não há um número limitado de significados
possíveis, pois, ao mesmo tempo em que é reconhecido e interpretado, o repertó-
rio também possibilita a negociação e a produção de novos significados.
Aqui, estabelecemos uma primeira aproximação entre a teoria dos perfis
conceituais, cujo pressuposto é de que, embora cada indivíduo tenha o seu pró-

69
prio perfil conceitual, as diferentes zonas que o compõem são semelhantes, mu-
dando apenas a importância relativa de cada zona. Portanto, relaciona-se ao fato
de que, para indivíduos que se engajam mutuamente em uma prática comparti-
lhada, de uma mesma comunidade de prática, a forma de lidar com determinada
situação associada à comunidade dá-se de modo semelhante, devido aos signifi-
cados que são negociados pelos membros.
Como sistemas de aprendizagem social, em que os membros se envolvem
em contextos sociais, a CoP, por meio do engajamento em contextos a ela asso-
ciada, há um processo duplo de construção de significado, que coloca a prática e
a reificação em interação. Wenger (1998) pontua que por um lado há um envolvi-
mento direto em atividades, conversas, reflexões e outras formas pessoais de par-
ticipação na vida social. Por outro lado, é possível produzir artefatos conceituais
ou físicos (palavras, ferramentas, conceitos, métodos, histórias, documentos e
outras formas de reificação) que refletem a experiência compartilhada e em torno
do qual os sujeitos envolvidos organizam a participação.
Para compreender a heterogeneidade de ideias sobre ácidos/bases que po-
dem circular em aulas de química quando processos de contextualização envol-
vem temáticas sobre esse conceito, usamos zonas adaptadas de um perfil concei-
tual proposto para o conceito de substância. Afinal, ácidos/bases são substâncias
químicas com características próprias e identificadas por estruturas ou compor-
tamentos específicos. Algumas teorias podem explicar e identificar essas subs-
tâncias, tais como a Teoria de Arrhenius, Teoria de Bronsted-Lowry, Teoria de
Lewis, e outras.
Diferentes modos de pensar sobre substância podem surgir quando estamos
discutindo esse conceito e situações nas quais ele pode ser aplicado. Algumas
delas foram estruturadas por Silva e Amaral (2013), em termos de zonas de um
perfil conceitual, considerando dados da história da química, de pesquisas sobre
concepções de estudantes e ideias apresentadas por estudantes e professores de
química. São elas: zona generalista; zona essencialista; zona substancialista; zona

70
racionalista e zona relacional. Em trabalho subsequente, Silva (2017) propõe uma
modificação para uma das zonas do perfil, a zona essencialista, que passa a ser
zona utilitarista/pragmática.
Na zona generalista, incluem-se as concepções que consideram substâncias
como algo palpável, real, sem apresentar qualquer esforço de sistematização ou
diferenciação entre substâncias, materiais e elementos (SILVA, AMARAL, 2013),
são concepções que evidenciam as totalidades em detrimento das partes (SILVA,
2017).
Sabino e Amaral (2015) afirmam que, no modo de pensar relacionado a essa
zona, prevalecem ideias intuitivas associadas à uma noção vaga de que a substân-
cia encontra-se em tudo, sem haver distinção. A generalização, no caso dos áci-
dos/bases, pode estar relacionada a dizer que a acidez/basicidade ou que ácido/
base é o próprio material a que se refere, não havendo distinção entre material,
produto, meio, substância. No contexto da comunidade de prática, temos o se-
guinte exemplo:

Exemplo de modo de falar associado ao modo de pen-


sar generalista, no contexto da comunidade de prática
O ácido é uma química de cabeleireiros. O termo “Química” é comumente uti-
lizado por esses profissionais para se referir aos pro-
dutos que utilizam para tratamento capilar.

De acordo com Silva (2017), a zona utilitarista/pragmática reúne concepções


em que a substância aparece como essência das coisas, associando substâncias a
aplicações, nas quais elas adquirem importância na nossa vida, sem que, neces-
sariamente, haja suporte científico para essas considerações.
Uma possível aproximação ocorreria por meio de modos de pensar e formas
de falar que remetem ao estudo dos ácidos/bases a partir dos benefícios/male-
fícios aos seres humanos ou da sua importância na vida e no meio ambiente, a
exemplo dos problemas causados pela ingestão excessiva de alimentos com aci-
dez elevada, a acidez/ basicidade não controlada de mares e rios, o contato com

71
produtos ácidos que podem causar queimaduras e/ou irritação. Quer dizer, de-
terminado produto/ substância é ácido/base se reflete de tal maneira na vida das
pessoas e/ou no ambiente, diferenciando-o de outras entidades a partir de seus
“efeitos” positivos ou negativos.

“Eu não trabalho não por conta também Exemplo de modo de falar associado ao modo
do perigo que o ácido faz no couro de pensar utilitarista/pragmática, no contexto
cabeludo”. da comunidade de prática de cabeleireiros. Os
“Ácido qualquer pingo que ele tocar em exemplos remetem aos benefícios/malefícios
qualquer lugar queima”. que os ácidos podem causar ao serem utilizados
“O ácido deixa mais brilhoso”. para o tratamento capilar.

Concepções de substância que estão associadas as suas diversas proprieda-


des, que são materializadas e ganham o status de uma característica intrínseca
dos materiais, são incluídas na zona substancialista (SILVA, 2011; SILVA; AMA-
RAL, 2013). De acordo com Silva (2017) nessa zona já são identificadas formas de
falar que se relacionam com ideias científicas, como a compreensão da existência
de compostos, no entanto, as propriedades físicas e químicas são manifestadas
também nos seus constituintes. Nesta zona, as substâncias são entendidas como
algo mais material que um modelo químico, mesmo em dimensões atômico-mo-
leculares levando os estudantes a considerar que as propriedades de uma subs-
tância se estendem a seus constituintes (átomos ou moléculas). A partir dessa
zona, as propriedades ácidas e alcalinas são entendidas como a própria substân-
cia e os constituintes das substâncias incorporam as mesmas propriedades.
Na zona racionalista, a substância é entendida por modelos científicos para
explicar suas estruturas, propriedades e classificação em diferentes tipos - sim-
ples, compostos, orgânicos, inorgânicos etc. - dependendo das entidades que os
compõem. (SILVA, 2011; SILVA; AMARAL, 2013). No modo de pensamento racio-
nalista, ácidos e bases são caracterizados por estruturas moleculares atômicas es-
pecíficas - prótons, hidroxila, pares de elétrons, etc caracterizadas como ácidos de
Arrhenius, Brönsted-Lowry ou Lewis, a partir do que propõe cada teoria/modelo.

72
A zona relacional inclui um nível de compreensão mais complexo, no qual as
relações das substâncias entre si, com o meio e a energia são determinantes para a
conceitualização. As propriedades são vistas como um jogo relacional e não como
parâmetros completamente definidos (SILVA; 2011; SILVA; AMARAL, 2013). A
afirmação de que “para um químico do século XVIII, por exemplo, a concepção
de que uma substância com propriedades ácidas, em determinadas condições,
pode se comportar como uma base seria considerada totalmente errada” (SILVA;
AMARAL, 2013, p. 67) nos dá pistas de como analisar as concepções de ácidos a
partir da referida zona.
Para o conceito de ácido/base, propomos ainda um modo de pensar relacio-
nado a formas de falar que remetem a uma concepção empirista. Nesta concep-
ção, podemos entender ácido/base a partir da medida do pH/escala de pH; ácido/
base como possuidor de um pH; pH determinando a acidez/basicidade de uma
substância/produto/meio.

DESENHO DA SEQUÊNCIA DIDÁTICA SOBRE ÁCIDO/BASE A


PARTIR DA COMUNIDADE DE PRÁTICA DE CABELEIREIROS
Apresentamos a sequência didática, que foi organizada no formato de mó-
dulo de formação, em quatro momentos, tendo como objetivo central a resolução
em grupo de um estudo de caso baseado em situação vivenciada por cabeleirei-
ros, que contempla:
a) resolução em grupo de um estudo de caso sobre a temática “química do
cabelo”, associado ao conceito de ácido/base;
b) preparação de relatórios, associados às atividades solicitadas;
c) atividade extraclasse, envolvendo entrevista com profissional da beleza
capilar.
d) elaboração de um relatório baseado no modelo de Kortland (1996), eviden-
ciando as reflexões do grupo sobre o estudo de caso e a organização da res-
posta final do estudo de caso.

73
1º Momento: Ácidos/bases e cabelos, uma relação possível?
Apresentamos um estudo de caso para refletir sobre essa relação.

Antes de compreender a relação entre ácidos/bases e cabelos, propomos


uma discussão sobre o conceito de ácido/base no contexto escolar, como esse
conceito vem sendo abordado na educação básica, de modo que os envolvidos na
sequência didática pudessem (re)significá-lo a partir do contexto da comunidade
de prática. Para tal, os licenciandos se organizaram em grupos para leitura de tex-
to sobre a abordagem conceito de ácido/base no contexto da educação básica. O
texto apresentado, de autoria de Campos e Silva (1999), analisa o conceito de áci-
do/base em livros didáticos, chamando a atenção para o equívoco na abordagem
do conceito nos diferentes níveis de ensino.
Na ocasião, os estudantes foram orientados a discutir o tema, como forma
de iniciar as reflexões acerca da abordagem do conceito em sala de aula, e levá-los
a se envolverem com a proposta apresentada. Essa discussão pode ser feita tam-
bém no contexto da educação básica, visto que é uma forma dos alunos refletirem
sobre o tema relacionando-o inicialmente a modos de pensar que estão relaciona-
dos ao conceito numa abordagem científica/escola, como o modo de pensar racio-
nalista, empirista e relacional. O estudo de caso apresentado aos licenciandos foi:

Quanta química há no cabelo?

Depois de muito tempo no ramo do comércio, vendendo produtos de beleza, Lane decidiu
arriscar, e há dois anos abriu seu próprio salão de beleza, na garagem da sua casa. Ela sempre
fazia alguns procedimentos no seu próprio cabelo e no cabelo das amigas, que a encorajavam
para procurar um curso profissional, já que o interesse pelo mercado da beleza e os serviços
envolvidos é crescente no país. Lane então procurou uma escola técnica que estava oferendo
o curso em sua cidade. Depois de alguns meses de aula, apesar de inexperiente, ela resolveu
ceder a insistência de uma de suas amigas, que havia realizado um procedimento recente-
mente e, não satisfeita com o resultado, pediu que Lane fizesse um novo procedimento.

74
- Lane, gostaria que você fizesse um alisamento no meu cabelo, mas usa um produto mais
forte, porque o que eu comprei não deixou meu cabelo muito liso.
- Vou usar um produto que comprei recentemente, vai arder um pouco, mas é normal, ele vai
deixar seu cabelo muito bonito. Minha professora falou que ele deixa a cutícula bem aberta,
mas depois a gente coloca um creme para neutralizar.

Ao retirar o produto após algum tempo de ação, Lane percebeu que o cabelo de sua amiga
estava caindo muito no lavatório, preocupada com o que estava acontecendo, mandou uma
mensagem para uma amiga que também fazia o curso técnico:

-Dani, estou fazendo um alisamento a base de tioglicolato de amônio. E, logo quando come-
cei a tirar o produto, percebi que o cabelo da cliente estava caindo bastante. Ela falou havia
feito um procedimento em casa, mas que era muito fraco, disse que comprou os produtos no
mercado. Não sei o que fazer.
- Lane, pare imediatamente o procedimento e peça para ela retornar na próxima semana,
vamos perguntar a professora, porque eu não sei o que fazer também.

Lane, ao chegar no curso, relatou a situação para a professora que fez um alerta:

- Então pessoal, inicialmente, um alerta: quando fazemos algum tratamento químico no cabe-
lo é preciso inicialmente analisar a fibra e saber o histórico da cliente. Também é importante
obter informações, tais como: incompatibilidade química, a acidez/alcalinidade do produto a
ser usado, e fazer alguns procedimentos para que o cabelo atinja um equilíbrio. Ela poderia
ter ficado careca. Bem, mas vamos discutir e buscar uma resposta e uma solução para essa
situação junto com a turma.
Considerem que vocês são estudantes do curso de cabeleireiro e irão buscar uma explicação
e propor soluções para a situação apresentada pela colega à professora, procurem responder
as seguintes questões:

1 – O que pode ter acontecido no cabelo da amiga de Lane? O que acontece ou pode aconte-
cer quimicamente ao cabelo quando são realizados procedimentos sucessivos com produtos
diferentes? Por que isso não deve ser feito?
2- Em que sentido a cabeleireira Lane utilizou a palavra “neutralizar”? De que forma essa neu-
tralização ajuda a fechar as cutículas do cabelo?
3 – Sobre o alerta da professora, qual a importância da determinação a acidez/alcalinidade do
produto que será aplicado no cabelo?
4 – Que tipo de tratamento poderia ser aplicado para resolver o problema de queda de cabelo
da cliente? E o que fazer para que o cabelo da cliente volte a ser saudável?

Para a resolução do caso, foi entregue um guia para análise e solução de ca-
sos, com o objetivo de que os licenciandos tivessem um primeiro contato com o
caso, e buscassem refletir sobre a relação entre o conceito de ácido/base e o con-

75
texto da comunidade de prática das cabeleireiras. O guia foi elaborado baseado no
trabalho de Sá e Queiroz (2010), conforme apresentamos no Quadro 1:

Quadro 1: Guia para análise e solução de casos

Em grupo, analisem o caso e proponham uma resposta inicial. Na análise sigam as seguintes
orientações:
a) listar termos ou frases que pareçam ser importantes na compreensão do assunto
abordado no caso.
b) discutir sucintamente o seguinte: de que se trata o caso? quais são os temas principais
do caso?
Para organizar melhor o trabalho, use a tabela abaixo, tomem nota dos assuntos e perguntas
principais que surgirem:

O que nós sabemos sobre o caso? O que nós ainda precisamos saber para
solucionar o caso?

Proposta de resposta inicial:

2º Momento: Química do cabelo ou cabelo com química? Buscando


informações para compreender e resolver o caso

O segundo dia da sequência didática foi realizado na sala de informática,


para que os grupos pudessem entrar em contato com informações relacionadas
ao estudo de caso por meio da pesquisa na internet. Os grupos foram orientados
a realizar busca de informações de forma livre, quer dizer, não houve nenhuma
interferência da pesquisadora em relação às palavras-chave e sites que deveriam
acessar. Caberia ao grupo buscar e selecionar informações que pudessem com-
preender e resolver o caso apresentado, realizando um relatório ao final do pro-
cesso de pesquisa. A ficha para elaboração do relatório tinha a seguinte orientação:

Produzam um texto sobre o que foi pesquisado. Um texto que tenha o objetivo
de subsidiar possíveis respostas para as questões colocadas no caso. No texto,
deverá ter um relatório de pesquisa indicando: palavras-chave utilizadas, sites
acessados, informações selecionadas.

76
O que foi possível observar foi que, nesta etapa, os grupos se apoiaram em
buscar informações em sites/blogs mais associados à linguagem da comunidade
de prática de cabeleireiros. Sendo então uma forma do professor incluir a dis-
cussão do tema utilizando uma linguagem não escolar, o que, possivelmente, irá
possibilitar a emergência e discussão do valor pragmático de modos de pensar
ácido/base mais intuitivos, como o modo generalista, utilitarista/pragmático e
substancialista.
Ainda nesta etapa, os licenciandos assistiram a um vídeo de uma reporta-
gem exibida no programa Bem Estar (Rede Globo) com título “Reação química
após relaxamento pode fazer o cabelo cair”3, que foi ao ar no programa de 17 de
março de 2017. O vídeo foi incluído no processo tendo como objetivos o de refor-
çar a situação colocada no caso, tornar o caso mais real e atual.
Ainda no segundo dia, os licenciandos entraram em contato com textos
sobre a “química do cabelo” e com uma ficha contendo informações sobre in-
compatibilidade química, substâncias presentes nos produtos para alisamento
capilar e a relação entre acidez/basicidade e a cutícula do cabelo. Nessa etapa os
grupos foram orientados a construírem um relatório a partir da discussão sobre a
relevância das informações para a resolução do caso. Após leitura e discussão nos
grupos, foi solicitado que cada grupo expusesse o conteúdo e a forma como com-
preendeu o texto para os demais grupos. Além de discutir o conceito de ácido/
base no contexto da comunidade de prática, compreendendo os modos de pensar
mais intuitivos, a leitura e discussão dos textos também possibilita o entendi-
mento de como os modos de pensar mais racionalistas estão relacionados com a
temática discutida no estudo de caso.

3 Disponível em http://g1.globo.com/bemestar/videos/t/edicoes/v/reacao-quimica-apos-rela-
xamento-pode-fazer-o-cabelo-cair/5731746/, acesso: 24/08/2018.

77
3º Momento: Planejando um encontro com o contexto da comunidade
de prática

No terceiro momento da sequência didática, foi solicitado a elaboração


de questões para realização de entrevista com profissional da beleza capilar. As
questões deveriam ter como objetivo buscar informações adicionais para solu-
cionar o caso. Algumas orientações adicionais foram dadas aos grupos: 1. Não há
necessidade de identificação do(a) entrevistado(a); 2. Apenas uma entrevista por
grupo; 3. O grupo não precisa gravar a entrevista; 4. O grupo deve escrever a res-
posta conforme compreendeu e fazer comentários sobre as respostas dadas pelo
(a) entrevistado (a). Algumas questões elaboradas pelos licenciandos foram:

Grupo Questões

1 Você costuma fazer perguntas sobre quais produtos a cliente usa, e antes do pro-
cedimento realiza um teste de mecha?; 2. A amônia e a guanidina são compatí-
veis? Explique; 3. O que provoca o corte químico, ou seja, a quebra da fibra capilar?
Como evitar?

2 1. Se uma cliente chega em seu salão depois de um alisamento, feito por você, e
ela destaca que está com queda de cabelo e estes muito quebradiços, o que você
acha que aconteceu? O que você faria para reverter tal dado? 2. Na sua opinião
qual a diferença que existe entre os tipos de alisamento e os seus usos em diver-
sos tipos de cabelo?; 3. Diante de sua vivência você saberia dizer quais dos seus
produtos são ácidos, quais são básicos? Pra você qual seria a importância dessa
informação?; 4. Porque você acredita que procedimentos químicos sucessivos são
prejudiciais ao cabelo?

3 1. Quais os cuidados necessários e fundamentais para a realização do processo


de alisamento capilar?; 2. Quantos e quais produtos são necessários para a rea-
lização do alisamento capilar? Como se dá o processo em cada etapa?; 3. O que
pode acontecer com aplicações seguidas e repetidas desses tipos de produtos?;
4. Para você, o teste de mecha é dispensável?; 5. O uso excessivo de produtos
químicos pode danificar o fio capilar, quais produtos (ou qual procedimento) deve
ser utilizado para amenizar os possíveis futuros danos?; 6. Quais cuidados tomar
para preservar o pH do fio?

78
4 1. Quais produtos vocês utilizam para realizar alisamento em cabelos cacheados e
crespos?; 2. Vocês realizam um teste de mecha para realizar o alisamento? E você
perguntam se o cabelo da cliente já passou por outro processo químico?; 3. Com o
alisamento feito no cabelo vocês procuram realizar a hidratação? Por qual motivo?

É possível observar nas propostas de entrevistas feitas pelos grupos, uma


predominância de perguntas relacionadas ao contexto da prática profissional da
CoP. Quer dizer, mesmo inseridos em um contexto acadêmico os licenciandos se
preocuparam em buscar informações a respeito de como ocorre o procedimento
de alisamento capilar, não se aprofundando em questões científicas relacionadas
ao processo. Apenas o grupo 2 incluiu uma pergunta sobre acidez e basicidade
dos produtos, e o grupo 3 incluiu uma pergunta sobre a importância do pH nos
tratamentos capilares. Possivelmente, a não inclusão de perguntas de caráter
científico/escolar e/ou utilizando termos associados a esse contexto, se dá pela
crença de que o grupo entrevistado não tem conhecimento a respeito dos termos
científicos associados à temática. Modos de pensar mais intuitivos como o utilita-
rista/pragmático podem emergir nesta etapa. Além disso, a inclusão de questões
relacionadas ao pH sugerem permite um olhar para o conceito de ácido/base a
partir do modo de pensar empirista.

4º Momento: Resolvendo o caso

O quarto momento foi reservado para a sistematização das atividades rea-


lizadas/solicitadas nos momentos anteriores. Primeiramente os grupos se reu-
niram para discutir sobre a entrevista realizada com os profissionais da beleza
capilar. Após a discussão nos grupos, foi solicitado que cada equipe expusesse as
perguntas, bem como as respostas adquiridas na entrevista, para o grande grupo.
Em seguida, os grupos se reuniram para elaboração final da resposta do caso e fi-
nalização do relatório de Kortland. A resposta final do estudo de caso foi apresen-
tada pelos grupos de forma oral, utilizando como apoio a apresentação de slide.

79
ALGUMAS CONSIDERAÇÕES
As atividades propostas na sequência didática, para a resolução do estudo
de caso, permitem a discussão do domínio relacionado a comunidade de práti-
ca contexto, do caso proposto e o contexto acadêmico/escolar dos licenciandos.
Além disso, se coloca como um novo olhar para o processo de contextualização
dos conteúdos químicos, na qual é possível discutir de que forma a concepção
científica pode ajudar a compreender as diferentes práticas associadas a comu-
nidade não científicas/escolares, a partir da resolução de um caso oriundo des-
sas comunidades. Entendemos que o conceito de ácido/base, desvinculado de
qualquer contexto social, só permite a emergência de formas de falar associados
a modos de pensar mais científicos. Quer dizer, o conceito de ácido/base está,
tradicionalmente, associado a aspectos teóricos, discutidos nas diferentes disci-
plinas científicas que entramos em contato ao longo da vida escolar/acadêmica.
No entanto, quando propomos o encontro dos licenciandos com o contexto
da CoP, no processo de resolução do estudo de caso, seja por meio da busca em
sites/blogs relacionados a cop ou através da elaboração e entrevista com cabe-
leireiros, modos de pensar generalistas, utilitarista/pragmático, ou seja, mais in-
tuitivos, que não emergiram num primeiro momento, podem ser identificados e
discutidos nas salas de aula. Ao longo das atividades, pela inserção do contexto
da CoP de profissionais da beleza capilar, é possível perceber um movimento de
relação entre significados e contextos. Parece-nos claro que, para o referido con-
texto, há modos de pensar específicos que ganham valor pragmático na hora de
lidar com diferentes situações.
Acreditamos que a proposta contribui para uma reflexão em torno do pro-
cesso de contextualização, e que uma das maneiras de “trazer” o contexto para
sala de aula, é iniciar a partir da aproximação de diferentes pessoas, inseridas em
diferentes contextos, não apenas na licenciatura em química mas, sofrendo as
devidas adaptações, também na educação básica. No entanto, outras pesquisas, a
partir desse olhar, devem ser desenvolvidas, de modo a compreender melhor de

80
que forma essa aproximação possibilita a contextualização e a tomada de cons-
ciência dos sujeitos do valor pragmático de um ou outro modo de pensar concei-
tos que possuem significados específicos em contextos específicos.

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82
SEÇÃO 2

SEQUÊNCIAS
DIDÁTICAS E
ABORDAGEM POR
RESOLUÇÃO DE
PROBLEMAS

83
Capítulo 4

ANÁLISE DE UMA
SEQUÊNCIA DIDÁTICA
SOBRE QUALIDADE
E TRATAMENTO DA
ÁGUA
Verônica Tavares Santos Batinga
Edenia Maria Ribeiro do Amaral

84
INTRODUÇÃO
Neste capítulo, apresentamos uma discussão teórico-prática envolvendo
elementos do ensino-aprendizagem de Química a partir de uma sequência didá-
tica sobre o tema Qualidade e Tratamento de Água. A sequência foi desenvolvida
a partir das abordagens de Resolução de Problemas e Ilhas de Racionalidade vol-
tadas para o Ensino de Química. Do ponto de vista didático-pedagógico foi con-
cebida como um instrumento que poderá ser usado pelos professores nas aulas
de Química do Ensino Médio. Por se tratar de um caminho possível e inspirador
experimentado pelas autoras, em sala de aula, estamos compartilhando com
vocês professores e professoras aspectos do processo de planejamento e desen-
volvimento desta sequência, na perspectiva de que esta poderá ser modificada e
adaptada, conforme o contexto das aulas de Química de cada escola. Como fator
de sucesso, percebemos que a aprendizagem de conteúdos químicos articulados
a aspectos sociais, ambientais e políticos sobre a qualidade e tratamento de água
emergiram nas respostas dos alunos às atividades realizadas na sequência. Além
disso, os estudantes se mostraram motivados e participativos nas interações
ocorridas entre o professor, o conhecimento, seus pares e especialistas durante
as atividades da sequência.

ARTICULANDO A QUALIDADE E TRATAMENTO DA ÁGUA COM


A ALFABETIZAÇÃO CIENTÍFICA
Atualmente, a preservação e conservação dos recursos hídricos têm sido
uma das maiores preocupações para a humanidade, uma vez que a água desti-
nada ao consumo humano tem se tornado um recurso escasso no nosso planeta.
Diante de diversos problemas ambientais, incluindo a problemática da es-
cassez e qualidade da água, para a sobrevivência humana, nas últimas décadas,
diversos trabalhos na área da pesquisa educacional têm enfatizado a incorpora-
ção da dimensão social na educação científica. Essa incorporação objetiva desen-

85
volver nos estudantes a adoção de atitudes responsáveis frente aos problemas que
afetam a humanidade, bem como, a possibilidade da construção de competências
para o exercício da cidadania (GIL PÉREZ e VILCHES, 2003). Nessa perspectiva,
a temática Qualidade e Tratamento da Água pode contribuir para introduzir ele-
mentos da alfabetização científica-tecnológica nas aulas de Química.
Uma importante contribuição do ensino de Ciências e Química na formação
da cidadania pode se dar a partir da criação de espaços, no ambiente escolar, para
discussão e proposição de soluções para problemas sociais e ambientais (SILVA,
2000). Nessa direção, compreendemos que a Química, como componente cur-
ricular pode contribuir para assegurar a formação da cidadania, ao habilitar os
estudantes a participar como cidadão na sociedade (SANTOS e SCHNETZLER,
2014).
Macedo e Katzkowick (2003) apontam para a necessidade do ensino de
Ciências e Química contribuir para a alfabetização científico-tecnológica dos es-
tudantes, ajudando-os a compreender os problemas da sociedade e habilitando-
-os para tomada de decisão responsável e fundamentada no conhecimento cien-
tífico escolar. Então, a sequência didática sobre Qualidade e Tratamento da Água
busca desenvolver elementos da alfabetização científico-tecnológica em aulas de
Química no Ensino Médio.
Neste trabalho, compreendemos a alfabetização científico-tecnológica
como uma ferramenta que potencializa a apropriação de conhecimentos cientí-
ficos a partir da resolução de problemas reais, a interação entre professores-alu-
nos e alunos-alunos e o desenvolvimento da autonomia para: aprender, tomar
e negociar decisões e o domínio e comunicação de soluções de problemas pelos
estudantes (FOUREZ, 1993). Assim, o critério para a escolha do tema da sequên-
cia baseia-se na necessidade de conscientização e busca de soluções alternativas
pelos estudantes quanto às questões sobre escassez, preservação e conservação
da água, bem como, a compreensão sobre transformações químicas e físicas en-

86
volvidas no tratamento, com a finalidade de tornar a água adequada ao consumo
humano.
A seguir, apresentamos características da abordagem didática de resolução
de problemas, que se situa no modelo de ensino por investigação.

ENSINO-APRENDIZAGEM BASEADOS NA RESOLUÇÃO DE


PROBLEMAS E ILHAS DE RACIONALIDADE
Os Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Médio (PCNEM) (BRASIL,
2002) apresentam como um dos objetivos para o ensino de Química o desenvol-
vimento de abordagens didáticas centradas na resolução de problemas, visando a
aprendizagem de conteúdos químicos articulados a temas químicos sociais pre-
sentes na realidade natural, social e cultural dos estudantes, como uma forma
de aproximá-los de atividades de investigação desenvolvidas no contexto escolar
(BRASIL, 2002; 2006).
A abordagem de Resolução de Problemas permite aos estudantes vivencia-
rem processos de observação, reflexão, ação, argumentação, tomada de decisão,
elaboração de hipóteses e estratégias, análise, sistematização e comunicação de
resultados para resolver problemas, e simultaneamente, contribuir para a apren-
dizagem e mobilização de conteúdos científicos no contexto escolar (SOUZA e
BATINGA, 2013).
O significado do termo problema adotado no âmbito escolar refere-se a uma
situação real ou fictícia que um grupo ou indivíduo precisa resolver, entretanto,
eles não dispõem de estratégias e soluções imediatas, por isso, é necessário um
processo de reflexão, tomada de decisão e proposição de atividades e ações a se-
rem desenvolvidas na busca pela resolução de problemas (SOUZA e BATINGA,
2013; POZO, 1988; GARRET, 1988; VASCONCELOS e ALMEIDA, 2012; CRUZ E BA-
TINGA, 2019).
Nesse sentido, no planejamento da sequência didática consideramos algu-
mas características da abordagem de resolução de problemas (RP) e de etapas

87
para a construção de ilhas de racionalidade (IR). Essas ilhas são um modelo apro-
priado para representar um problema específico. Em outras palavras, é a cons-
trução de uma representação teórica adequada a um contexto e um problema
específico, permitindo a compreensão destes e possibilitando aos estudantes se
comunicar e agir diante do problema. Para tal construção podem ser mobilizados
conhecimentos de várias disciplinas e também saberes da experiência cotidiana
(FOUREZ et al., 1993).

UM CAMINHO METODOLÓGICO POSSÍVEL


A sequência foi desenvolvida por uma professora de Química durante doze
(12) aulas de Química, de 50 minutos cada, e teve a participação de 35 alunos do 1°
ano do ensino médio, de em uma escola pública de Recife-Pernambuco. O desen-
volvimento de sequências didáticas fez parte das atividades realizadas no projeto
de pesquisa “Elaboração, Implementação e Análise de Sequências Didáticas para
o Ensino de Química em Escolas do Ensino Médio”. Os procedimentos metodo-
lógicos para o desenvolvimento da sequência didática foram: 1) Elaboração da se-
quência, 2) Aplicação da sequência e 3) Análise da sequência.
Algumas das etapas propostas por Fourez et al. (1993) para a construção da
ilha de racionalidade proposta na sequência foram: 1) fazer um levantamento
da situação de aprendizagem; 2) proporcionar um contexto de aprendizagem; 3)
consultar especialistas; 4) vivenciando a prática; 5) abertura de algumas caixas-
-pretas (CP): identificação de princípios químicos no processo de tratamento de
água e 6) esquematização global do processo de tratamento de água.
Fourez et al. (1993) denomina de caixas-pretas questões específicas relacio-
nadas a certo conhecimento científico, que podem ser respondidas conforme o
contexto no qual se inserem os problemas. Nessa sequência, elegemos as trans-
formações químicas e os processos de separação de misturas que ocorrem no tra-
tamento da água para serem discutidos em profundidade com os alunos.

88
DISCUTINDO POSSIBILIDADES E DIFICULDADES NO
DESENVOLVIMENTO DA SEQUÊNCIA
A sequência Qualidade e Tratamento de Água tem por objetivo tornar con-
creta a abordagem didática de resolução de problemas articulada a construção de
ilhas de racionalidade no contexto escolar. Os problemas que norteiam a constru-
ção de ilhas de racionalidade são: P1) Que transformações ocorrem na água cap-
tada por uma Estação de Tratamento de Água (ETA) até chegar à torneira de sua
residência, como água adequada ao consumo humano? Justifique sua resposta.
P2) Como os fatores de caráter social, tecnológico, econômico, político e ambien-
tal podem interferir na problemática da escassez e qualidade da água?
O processo de problematização e abertura de caixas-pretas (CP), como eta-
pa da IR, é uma forma de exercitar o potencial explicativo de certa realidade por
meio do conhecimento científico, o qual deve ser delimitado pelos objetivos de
ensino e o contexto temático. Nesse sentido, alguns conteúdos de química podem
ser abordados com mais profundidade do que outros (PIETROCOLA et al., 2000).
Para a proposição de uma ilha de racionalidade para os problemas P1 e P2
adotamos algumas etapas propostas por Fourez et al. (1993), descritas a seguir.
Essas etapas podem ser usadas como um esquema que busca evitar que o traba-
lho didático não se torne tão abrangente, a fim de que se consiga finalizá-lo. Esse
aspecto é muito relevante para a avaliação e controle dos professores quando se
propõem a trabalhar com atividades sequenciadas, que envolvem muitas variá-
veis a exemplo das sequências didáticas.

ETAPAS PARA CONSTRUÇÃO DA ILHA DE RACIONALIDADE


Etapa 1 – Fazer um levantamento da situação de aprendizagem

Nessa etapa partimos da experiência cotidiana dos alunos, solicitando que


eles expressem suas ideias iniciais acerca das transformações químicas ocorridas
no tratamento da água, bem como, que aspectos podem interferir na problemá-

89
tica da escassez e qualidade da água. Para isso, o professor apresentou aos alu-
nos dois problemas (P1 e P2) e solicitou aos estudantes, em pequenos grupos, a
resolução inicial destes. A leitura das respostas dos grupos aos problemas per-
mitiu ao professor obter uma visão geral das concepções prévias dos estudantes
sobre a temática da sequência. Em seguida houve a exibição de um vídeo sobre
o tratamento de água e um debate com a turma. O vídeo possibilitou a proble-
matização do tratamento de água e ajudou os alunos no reconhecimento de pro-
blemas relativos a este tema. O reconhecimento do problema é fundamental na
abordagem de resolução de problemas, em sala de aula, uma vez que situações
propostas inicialmente pelo professor passam a ser apropriadas pelos estudantes
como um desafio de aprendizagem. Além de contribuir para um maior empenho
dos alunos na busca de respostas para os problemas. Essa etapa teve duração de
uma aula de 50 minutos.

Etapa 2 - Proporcionar um contexto de aprendizagem

Nessa etapa objetivamos aprofundar a etapa 1 por meio da elaboração de


perguntas feitas pelo professor e alunos, relativas aos problemas P1 e P2. Isto pro-
porcionou nos alunos um maior interesse na busca de respostas para estes proble-
mas. Foi um momento caracterizado pela apreensão e compreensão dos alunos
sobre os problemas apresentados. As perguntas feitas pela professora (P) e alunos
(A) foram: A: Toda água é considerada potável? A: O que ocorre em cada uma das
etapas do tratamento da água numa Estação de Tratamento de Água (ETA)? P:
São utilizadas substâncias classificadas como simples e/ou composta para tratar
a água? P: Em qual(s) da(s) etapas do tratamento da água pode-se observar a for-
mação de mistura heterogênea e/ou homogênea? Justifique sua resposta. A: Qual
a função dos produtos químicos utilizados no tratamento da água? P: Em qual(s)
da(s) etapas do processo de tratamento de água pode-se observar a ocorrência
de transformações físicas e/ou químicas? Justifique sua resposta. P: A partir do
conhecimento sobre as etapas do tratamento da água, qual a sua compreensão

90
sobre transformação química? P: É possível representar as transformações quími-
cas ocorridas no tratamento da água? Se sim, como? A: Qual o consumo e o custo
diários dos produtos químicos utilizados no tratamento da água numa ETA?
Outra atividade realizada pelos alunos em pequenos grupos foi a construção
de um mapa conceitual sobre o tratamento de água. Ao apresentarem os mapas
conceituais os estudantes elencaram aspectos sociais, ambientais, químicos e
relacionados à qualidade da água. Essa etapa foi finalizada com uma atividade
realizada pela professora, que teve a participação dos alunos, descrita a seguir:
- Lista dos sujeitos envolvidos na resolução dos problemas sobre o trata-
mento de água para consumo humano: alunos, seus pais, os professores
e a comunidade escolar, que são consumidores da água que vem da ETA;
os fornecedores de água, os fabricantes de produtos químicos usados no
tratamento da água, e os técnicos que trabalham na ETA.
- Pesquisa sugerida pela professora: normas que regem o padrão de qualida-
de da água para fins de potabilidade, procedimentos e custos dos produtos
químicos usados no tratamento da água.
- Lista de possíveis caixas-pretas (conteúdos) abertas para resolver os pro-
blemas P1 e P2. Conteúdos sugeridos: água potável, processo de tratamento
de água, misturas, substâncias simples e composta, doenças causadas pela
água, poluição e contaminação da água, custo e consumo dos produtos
químicos utilizados no tratamento da água, desenvolvimento de políticas
públicas para o abastecimento de água, conservação e preservação dos re-
cursos hídricos, transformações químicas e físicas, representação de rea-
ção química, balanceamento de equações químicas. Considerando a abran-
gência do tema, esses conteúdos podem ser selecionados pelo professor
para abordagem em sala de aula. Esta etapa teve duração de 100 minutos (2
aulas geminadas).

91
Etapa 3 – Consultar especialistas

Na 3ª etapa buscamos abordar o aspecto tecnológico envolvido no tema da


sequência. Para isso, foi necessário consultar um especialista, cujo critério de es-
colha se deu pelo enunciado dos problemas propostos e dos objetivos de aprendi-
zagem da sequência. Então, foi feita uma consulta com especialista em qualidade
e tratamento da água para fins de potabilidade, a qual ministrou uma palestra
sobre este tema para a turma. Neste trabalho, a professora de Química que apli-
cou a sequência atuou como especialista, pois possuía experiência profissional
sobre a temática discutida. Durante a palestra a professora abordou os conteúdos
de: água potável, qualidade e tratamento de água, misturas, substâncias simples
e compostas, doenças causadas pela água, poluição e contaminação da água. Os
alunos participaram da palestra fazendo perguntas à professora. Percebemos que
a palestra contribuiu para o interesse e curiosidade dos estudantes e uma discus-
são introdutória sobre conteúdos discutidos na etapa 4. A palestra teve duração
de 100 minutos (2 aulas geminadas).

Etapa 4 – Vivenciando a prática

Nessa etapa 4ª realizamos o aprofundamento do tema da sequência e dos


problemas (P1 e P2) a partir de um confronto entre as experiências dos alunos e
a observação de situações concretas. Para tanto, foi realizada uma visita a ETA de
Tapacurá, Recife, Pernambuco, buscando retomar os conteúdos selecionados e
questões suscitadas na etapa 2ª (caixas-pretas abertas). A professora entregou aos
alunos, um roteiro de visita que constou de tópicos e questões sobre o tratamento
de água e solicitou a elaboração e apresentação de um relatório, em pequenos
grupos, na aula posterior. Durante a visita, a turma foi organizada em dois grupos
para conhecer as etapas de tratamento e qualidade de água com a mediação do
técnico da Companhia Pernambucana de Saneamento (COMPESA), que abordou:
os processos físicos e químicos ocorridos na água desde a sua chegada a ETA até a
sua distribuição nas residências; as substâncias usadas para tratar a água; a oferta

92
diária de água produzida em uma ETA; as análises químicas realizadas na água
tratada antes de ser distribuída a população e também respondeu a questiona-
mentos feitos pelos alunos sobre conteúdos relativos aos problemas P1 e P2.
Na apresentação do relatório, os alunos demonstraram o aprendizado de as-
pectos químicos, tecnológicos e sociais envolvidos no tema, além de respostas
mais elaboradas para a resolução das questões levantadas na etapa 2ª. Essa etapa
constou de 150 minutos (três aulas geminadas).

Etapa 5 – Abertura de algumas caixas-pretas: identificação de princípios


químicos no processo de Tratamento da Água

Nessa etapa, a professora abordou especificamente os conteúdos de trans-


formações químicas e físicas, misturas, equação química e água potável, envol-
vidos no tratamento da água a partir da realização de uma atividade experimen-
tal, seguida da resolução de questões pelos estudantes, em pequenos grupos. As
discussões realizadas, em sala de aula, partindo do experimento permitiu uma
compreensão inicial dos estudantes acerca das dimensões micro, macro e repre-
sentacional da reação química e transformação física ocorridas nas etapas de coa-
gulação, floculação e decantação no processo de tratamento de água, simuladas
no experimento. O roteiro da atividade experimental é descrito a seguir:

Roteiro da Atividade Experimental que simula etapas do Tratamento da Água em uma ETA

P1) Que transformações químicas ocorrem na água captada por uma Estação de Tratamen-
to de Água (ETA) até chegar à torneira de sua residência como água adequada ao consu-
mo humano? Justifique sua resposta.

P2) Como os fatores de caráter social, tecnológico, econômico, político e ambiental podem
interferir na problemática da escassez e qualidade da água?

1) Objetivo de aprendizagem: compreender conteúdos químicos envolvidos no processo


de tratamento de água a partir de experimentos em pequena escala.

93
2) Materiais e reagentes utilizados

Proveta, bastão de vidro, béquer, recipientes de vidro alternativo, solução de sulfato de


alumínio a 2%, água potável, areia, suspensão de hidróxido de cálcio, colheres de chá
em material plástico.

3) Procedimento experimental

Adicionar 100 mL de água no béquer ou recipiente de vidro;


Adicionar ½ medida de uma colher de chá de areia a água e homogeneizar, usando um
bastão de vidro;
Adicionar 05 mL de suspensão de hidróxido de cálcio e homogeneizar;
Adicionar 05 mL de solução de sulfato de alumínio a 2%. Homogeneizar e aguardar 10
minutos.
Observar e anotar o que ocorre durante o experimento. Responder as questões a seguir.

Observação: A suspensão e a solução devem ser homogeneizadas antes de sua adição


a água e areia.

4) Questões para resolução e discussão

Q1) Descreva as características dos materiais antes de serem misturados: a) solução de


sulfato de alumínio, b) suspensão de hidróxido de cálcio, c) água e d) areia.

Q2) Descreva as características do material obtido após a mistura de: solução de sulfato
de alumínio, suspensão de hidróxido de cálcio, água e areia.

Q3) Você acha que houve formação de novos materiais? Justifique sua resposta. Se posi-
tivo, você poderia identificar o nome e a fórmula química do(s) material(s) obtido(s)?
Se positivo, como você representaria quimicamente o processo de formação do(s)
material(s) obtido(s)?

Q4) Recordando a visita a ETA, você poderia identificar que etapa(s) do tratamento da
água esse experimento está simulando? Nessa(s) etapa(s) de tratamento, a água já é
considerada potável? Justifique sua resposta.

Q5) Esse experimento contribuiu para responder os problemas P1 e P2? Justifique sua
resposta.

A título de ilustração de aspectos de aprendizagem possibilitados pela se-


quência, apresentamos um trecho da análise das respostas dos alunos a algumas
questões sobre o experimento (etapa 5).

94
A análise evidenciou que 09 estudantes responderam corretamente a Q3)
Você acha que houve formação de novos materiais? Justifique sua resposta. Se
positivo, você poderia identificar o nome e a fórmula química do(s) material(s)
obtido(s)? Se positivo, como você representaria quimicamente o processo de
formação do(s) material(s) obtido(s)? E 11 alunos representaram corretamente a
equação química que corresponde à reação química, que resulta na precipitação
do hidróxido de alumínio, cuja função é promover a eliminação de sólidos sus-
pensos na água.
Nessa perspectiva os objetivos de aprendizagem da Q3 relativos à compreen-
são de fenômenos físicos e químicos presentes nas etapas do tratamento de água
e à representação da reação química ocorrida no experimento foram alcançados
pelos alunos.
Dezenove (19) alunos apresentaram respostas parcialmente corretas para a
Q4) Recordando a visita a ETA, você poderia identificar que etapa(s) do tratamen-
to da água esse experimento está simulando? Nessa(s) etapa(s) de tratamento, a
água já é considerada potável? Justifique sua resposta. Isso indica que mais de
50% dos estudantes da turma conseguiram atingir o objetivo de aprendizagem de
identificar as etapas do tratamento de água simuladas no experimento.
Na Q5) Esse experimento contribuiu para responder os problemas P1 e P2?
Justifique sua resposta, 10 alunos responderam afirmativamente para o problema
1. Isso indica que alguns alunos alcançaram o objetivo de aprendizagem sobre o
reconhecimento de parâmetros de qualidade da água potável.
Ainda na 5ª etapa, a turma organizada em círculo fez a leitura do texto di-
dático intitulado “Ilha de Racionalidade sobre o Tratamento de Água” (Batinga,
2008), seguido de um debate mediado pela professora. Para elaboração desse tex-
to a professora fez leituras diversas sobre o tema da sequência e com base nas
questões: a) A ocupação desordenada em áreas de mananciais pode gerar pro-
blemas ambientais? b) Do ponto de vista econômico pode-se tratar qualquer tipo
de água? c) Que problemas sociais podem ser decorrentes da má qualidade e es-

95
cassez de água no mundo? d) A esfera pública tem implementado políticas que
buscam resolver o problema da escassez e contaminação dos recursos hídricos?
e) Como se posicionar diante da problemática da água doce no mundo? Que solu-
ções possíveis podemos encontrar?
O texto (quadro 1) trata do custo e consumo dos produtos químicos utiliza-
dos no tratamento da água, desenvolvimento de políticas públicas para o abas-
tecimento de água, conservação e preservação dos recursos hídricos, transfor-
mações químicas e físicas, representação de reação química e balanceamento de
equações químicas.
A participação dos estudantes na discussão do texto propiciou-lhes a apren-
dizagem de conteúdos químicos e sobre os fatores sociais, ambientais, tecnoló-
gicos e econômicos relacionados com o tratamento de água. Percebemos que o
debate sobre o texto se constituiu como uma atividade que permitiu a elaboração
de respostas mais próximas do conhecimento químico escolar para a resolução
dos problemas P1 e P2. Essa etapa foi realizada em três aulas geminadas de 50
minutos cada.

Quadro 1: Texto didático

Modelo de Ilha de uma Racionalidade sobre o Tratamento de Água


Autora: Batinga (2008)

Ao observar o mapa-múndi, pode-se dizer que 70,8% do planeta estão cobertos pela água. Tal-
vez por isso esse recurso natural tenha sido considerado durante muito tempo, um bem ines-
gotável. A margem atual de exploração da água é estreita, pois 97,5% da água do mundo é sal-
gada (CP), e dos 2,5% de água doce (CP), 1,75% concentram-se nas geleiras e calotas polares. A
umidade do solo, o vapor de água e os lençóis freáticos profundos retêm mais uma pequena
fração de água, portanto, sobra menos de 1% de água para que a humanidade possa aprovei-
tar para fins de potabilidade (CP), recreação, industrial, hospitalar, etc. Isto é, apenas 0,01% de
toda a água doce do mundo é superficial (CP), formando os rios e córregos. A escassez da água
(CP) no mundo, bem como sua má qualidade (CP) tem causado problemas de saúde (CP) a
população mundial, como a sede e a morte anual de aproximadamente 5 milhões de pessoas
devido a doenças transmitidas por parasitas que se disseminam na água (CP). No Brasil, a po-
luição (CP) mais relevante é provocada pelo lançamento de esgotos (CP) nos rios, pois apenas
27,5% dos distritos do país têm rede coletora, entretanto, não tratam os esgotos e os outros
58,4% não coletam esgoto. Não tratar esgoto (CP) também é ruim para o bolso dos governos.

96
A Organização Mundial de Saúde (OMS) indica que para cada US$1 investido em saneamento
básico (CP), são poupados US$ 4,5 em despesas médicas. A ocupação desordenada em áreas
de mananciais tem gerado problemas de ordem social (CP). Estima-se que 1,5 milhões de
pessoas vivem às margens de represas em grandes centros urbanos do país. Destacamos
como exemplo, as represas Billings e Guarapiranga, que representam áreas de mananciais
responsáveis pelo abastecimento de água da grande São Paulo. Embora haja uma legislação
que permita a ocupação orientada dessas áreas, o fato é que a ocupação continua ocorrendo
à revelia do poder público. A ocupação realiza-se de duas formas: pela compra de terrenos
em loteamentos não legalizados e por meio da ocupação clandestina. Isso ocorre pelo fato do
terreno ser barato e próximo de importantes centros industriais, consequentemente, essas
pessoas teriam maiores oportunidades de inserção no mercado de trabalho. E também, pela
inviabilidade econômica (CP) delas se fixarem em outras áreas, devido ao preço elevado dos
aluguéis e dos imóveis. Alguns problemas ambientais (CP) têm sido causados por essas ocu-
pações, como a devastação da vegetação original, comprometendo as nascentes que abas-
tecem as represas e a contaminação dos mananciais (CP) e das represas pelo lançamento de
esgotos clandestinos e lixos domésticos. Entretanto, as políticas públicas (CP) que planejam a
ocupação dessas áreas continuam ineficientes devido à remota fiscalização do poder público
para coibir a ocupação, e a falta de uma ação política pelas autoridades públicas, que possam
oferecer a essas pessoas alternativas de moradia. O Brasil ocupou o 50º lugar no ranking
de saúde hídrica divulgado pelo Conselho Mundial da Água em dezembro de 2002. Posição
vergonhosa, pois o país detém sozinho 12% de toda a água doce de superfície no mundo. Ci-
dades brasileiras como Manaus e Belém, situadas na bacia hidrográfica do Rio Amazonas en-
frentam racionamento de água (CP). Isso ocorre porque 80% da população do Brasil moram
em cidades, aumentando a demanda por água. Contudo, as companhias de água do Brasil
não se preocuparam de forma efetiva com a eficiência e qualidade dos serviços. Elas perdem
de 40% a 60% da água tratada (CP) que é colocada nas redes de distribuição (CP) com vaza-
mento e ligações clandestinas. Além do desperdício gerado na irrigação da agricultura, nas
residências e indústrias. Precisamos deixar de ver a água exclusivamente como um bem de
consumo (CP) utilizado nas atividades econômicas (lojas, fábricas, hospitais, agricultura, ilumi-
nação, pecuária, turismo, criação de peixes, etc) e sim encará-la como um recurso coletivo e
essencial à vida no planeta terra. A poluição das águas por fertilizantes, detritos de fábricas, li-
xos hospitalares e domésticos, esgotos, vêm causando a morte da fauna e da flora em muitos
rios no mundo, o que tem provocado o desequilíbrio ambiental (CP). Às vezes é com essa água
poluída e contaminada (CP) que são regados os vegetais que vêm para a nossa mesa e tam-
bém para uso na higiene pessoal. Além disso, se gasta muito dinheiro para tratar a água (CP),
pois o consumo de produtos químicos (CP) nas estações de tratamento de água – ETA (CP)
vem aumentando significativamente devido à péssima qualidade das águas dos mananciais
(CP) que abastecem as cidades. Na primeira etapa – coagulação – do tratamento de água, se-
gundo dados da ETA Tapacurá/PE de 14/04/2003, consomem-se uma média diária de 11.100
quilogramas do sal sulfato de alumínio (CP) na forma de uma solução líquida a 50% na reação
com a água bruta (CP) que chega dos seguintes mananciais: Duas Unas, Tapacurá, Várzea do
Una e Rio Capibaribe. Dessa reação [Al3+ (aq) + 3 H2O (l) ↔ Al(OH)3 (s) + 3 H+ (aq)] (CP) forma-se
uma nova substância composta (CP), que pertence à função inorgânica denominada base
(CP), cujo nome científico é o hidróxido de alumínio (CP), o qual é pouco solúvel em água (CP).

97
Tecnicamente, esse hidróxido é chamado de flocos na ETA/COMPESA. Ao hidróxido de alu-
mínio [Al(OH)3] (s) aderem-se a maioria das impurezas presentes na água. Esse processo é
denominado floculação e representa a segunda etapa do tratamento da água. Na terceira eta-
pa, que é a decantação, pela ação da gravidade, ocorre a deposição dos sólidos mais densos,
através de um processo de separação de mistura heterogênea (CP). Após a separação, a água
segue para a quarta etapa de tratamento, que é a filtração (CP) com o objetivo de remover
o restante das impurezas. A quinta etapa que é a desinfecção ou tecnicamente cloração (CP)
objetiva eliminar os microorganismos patogênicos (CP) presentes na água para torná-la potá-
vel (CP). Para isso, é adicionado em média 2.700 quilogramas/dia da substância simples (CP)
cloro gasoso (CP), que reage com a água formando inicialmente o ácido hipocloroso (HClO)
[Cl2 (g) + H2O (l) ↔ HOCl (aq) + H+ (aq) + Cl- (aq)] (CP). Esse ácido se ioniza [HOCl (aq) ↔ H+ (aq) +
OCl- (aq)] para formar o ânion hipoclorito (OCl-), que funciona como agente bactericida (CP).
Para adsorver algumas substâncias dissolvidas nas águas dos mananciais, que podem causar
odor e sabor desagradável são utilizados em média 600 quilogramas/dia da substância carvão
ativado (CP) em pó antes da 1ª etapa do tratamento que é a mistura rápida (CP).

Tabela 1: Preços/toneladas dos produtos químicos usados no TA

Produtos Preço (R$)/Ton.

Sulfato de Alumínio (solução a 50%) – Al2 (SO4)3 259,98

Sulfato de Alumínio (granulado) – Al2(SO4)3 499,63

Cloro (gasoso) – Cl2 1.374,00

Polieletrólito (polímero sintético) 10.000,00

Hipoclorito de Cálcio (Hypocal) – Ca(ClO)2 5.190,00

Fonte: DPQ/COMPESA de 14/04/2003.

Resolver o problema da água no Brasil pelo aumento da oferta pode não ser o caminho.
Obras faraônicas interessam a certo grupo de construtoras, mas não à sociedade. Temos mui-
ta água, basta saber usá-la. É importante refletirmos e agirmos no sentido de buscar a preser-
vação e a conservação (CP) desse recurso tão precioso, pois continuamos não só a devastar
as florestas, a erodir e contaminar os solos e a poluir o ar, mas também a transformar nossos
rios em esgotos a céu aberto, como se não houvesse nada a deixar para as futuras gerações.

CP: caixas-pretas (conteúdos que podem ser selecionados para maior aprofundamento pelo
professor)

Fonte: BATINGA (2008)

98
Etapa 6 – Esquematização do processo de Qualidade e Tratamento
da Água

Nessa etapa buscamos a produção de uma representação teórica para a re-


solução dos problemas, denominada de síntese da ilha de racionalidade (FOU-
REZ, 1994). Para isso, a professora solicitou aos alunos (individualmente) a ela-
boração de um resumo que englobasse respostas sobre os problemas P1 e P2, e os
conhecimentos químicos aprendidos acerca da qualidade e tratamento de água.
Analisando o resumo dos alunos, percebemos que eles demonstraram articular o
conteúdo químico discutido, durante as aulas, por exemplo: etapas do TA, parâ-
metros de qualidade de água potável, jogar lixo nas águas como um fator social
que contribui para sua poluição, a representação da reação química na etapa de
coagulação da água usando a nomenclatura química, doenças causadas por água
contaminada. Essa etapa teve duração de uma aula de 50 minutos.

ALGUMAS CONSIDERAÇÕES

A sequência didática sobre a Qualidade e Tratamento de Água, elaborada


a partir da articulação entre a resolução de problemas e ilhas de racionalidade,
objetivou a abordagem contextualizada de conteúdos de química no 1° ano do En-
sino Médio. A sequência contribuiu para a aprendizagem de conteúdos químicos,
comunicação e resolução de problemas reais (P1 e P2).
Percebemos que aspectos químicos, sociais, ambientais e políticos sobre a
qualidade e tratamento de água apareceram nas respostas dos alunos às ativida-
des realizadas na sequência. Além disso, os estudantes apresentaram motivação,
participação, engajamento por meio das interações ocorridas entre professor, co-
nhecimento, seus pares e especialistas nas atividades da sequência.
Os fatores de sucesso para o alcance dos objetivos da sequência foram: um
bom planejamento e execução da sequência, a proposição de atividades adequa-
das à abordagem dos conteúdos selecionados, e que despertassem o interesse e

99
curiosidade dos alunos, a forma de condução das aulas pela professora e a dis-
ponibilidade de fontes e recursos didáticos necessários para que os estudantes
pudessem atuar como produtores de conhecimento nas aulas de Química.
Na fase de aplicação da sequência houve desafios e possibilidades em sala de
aula. Nas etapas 1 e 2, os alunos apresentaram dificuldades de elaborar questões
relativas aos problemas 1 e 2, uma vez que não estavam habituados a formular
perguntas. Então, o professor precisou intensificar a mediação nessas etapas. O
fato de o professor ter domínio da disciplina de Química e conhecimento teó-
rico-prático sobre o tema e conteúdos abordados na sequência foi um aspecto
positivo na aplicação da SD.
Para facilitar o trabalho do professor com sequências didáticas, baseadas na
resolução de problemas e construção de ilhas de racionalidade, sugerimos: a) o
estudo e apropriação do tema abordado, visando auxilia-lo na delimitação dos
conteúdos explorados na sequência, b) foco na sua atuação como mediador do
conhecimento em sala de aula e c) estar aberto a vivenciar as abordagens de RP e
de IR na sua prática docente.
Por fim, a sequência apresentada e discutida neste capítulo não deve ser
vista como uma prescrição pedagógica, mas sim como um modo de buscar pos-
sibilidades de novas metodologias de ensino-aprendizagem, as quais podem ser
adaptadas, modificadas e utilizadas pelos professores, de acordo com as deman-
das específicas de seu contexto nas aulas de Química.

REFERÊNCIAS
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Água, 2008, 2 p. (texto didático).

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Biologia e Geografia. Porto, Portugal: Porto Editora, 2012, 128 p.

102
Capítulo 5

SEQUÊNCIA
DE ENSINO-
APRENDIZAGEM
SOBRE CONSERVAÇÃO
DE ALIMENTOS:
UMA ABORDAGEM
POR RESOLUÇÃO DE
PROBLEMAS PARA
TRATAR DA CINÉTICA
QUÍMICA
Amanda Maria Vieira Mendes Sales
Leandro Cesar Santos da Silva
Verônica Tavares Santos Batinga

103
INTRODUÇÃO
Uma sequência de ensino e aprendizagem (teaching-learning sequences -
TLS) é considerada como um conjunto de atividades planejadas para a compreen-
são do conhecimento científico pelos estudantes, maximizando potencialidades
de diferentes metodologias, dentro de uma rede interligada de ações que incluem
estratégias didáticas, processos de aprendizagem e aplicação de recursos didáti-
cos, desenvolvidos a partir de ações realizadas por professores e estudantes du-
rante as atividades em sala de aula (MEHÉUT, 2005; AMARAL; FERREIRA, prelo;
SOUZA e BATINGA, 2013).
Em relação ao planejamento, a sequência de ensino-aprendizagem deve con-
ter quatro componentes básicos a serem considerados - professor, alunos, mundo
real e conhecimento científico - e ainda as relações existentes entre esses com-
ponentes, que contemplam duas dimensões: a dimensão epistêmica (processos
de elaboração, métodos e validação do conhecimento articulados ao mundo real)
e a dimensão pedagógica (o papel do professor e do aluno e as interações profes-
sor-aluno e aluno-aluno) (VILELA et al. 2007). Após o planejamento e aplicação
da sequência de ensino-aprendizagem, os resultados das ações e atividades reali-
zadas pelos alunos são utilizados para a validação do processo. Segundo Méheut
(2005), a validação de sequências de ensino-aprendizagem pode ser realizada de
duas formas: a validação externa ou comparativa e a validação interna. Neste tra-
balho, analisaremos a validação externa ou comparativa que consiste em uma vi-
são macro do processo de análise, e implica em avaliar os resultados apresentados
durante a aplicação da sequência com relação ao ensino tradicional.
Este trabalho versa sobre uma TLS que se enquadra na perspectiva de ensino
por Investigação (VASCONCELOS e ALMEIDA, 2012), ao passo que promove um
processo pelo qual os alunos questionam, investigam e resolvem problemas sobre
os fatores que influenciam a velocidade das reações químicas nos alimentos. A
partir das atividades promovidas nesta TLS os alunos são incentivados a adquirir
e compreender conceitos relacionados à cinética química, a fim de construir uma

104
visão científica mais próxima do conhecimento químico, desenvolvendo concei-
tos, competências e habilidades que lhes serão úteis na resolução de problemas
cotidianos.
O ensino de cinética química, normalmente acontece no segundo ano do
ensino médio, uma vez que os alunos já estudaram reação química, ligação quí-
mica e entalpia (JUSTI e RUAS, 1997), os quais são conteúdos necessários para
a compreensão da velocidade que ocorre às reações químicas e dos fatores que
as influenciam (PERUZZO e CANTO, 2003). Alguns professores de Química atri-
buem às dificuldades de aprendizagem dos alunos a cinética química, as lacu-
nas de aprendizagem relacionadas com o conteúdo de reações químicas (JUSTI
e RUAS, 1997), e a teoria corpuscular da matéria (MARTORANO, 2007). Quando
questionados sobre o entendimento acerca das reações químicas, os alunos cos-
tumam referir-se a aspectos macroscópicos, e demonstram uma percepção contí-
nua da matéria (JUSTI e RUAS, 1997) apresentando, portanto, concepções equivo-
cadas sobre o conhecimento químico. Por este motivo nos propusemos a elaborar
e desenvolver uma TLS para contribuir com o processo de ensino-aprendizagem
desse conteúdo que requer um nível de abstração elevado (MARTORANO, 2007).
O tema sobre alimentação foi escolhido por se constituir como um problema
mundial, uma vez que a produção de alimentos é insuficiente para suprir as neces-
sidades da população, bem como o armazenamento adequado para que possam
ser comercializados em todos os locais do mundo com qualidade e próprios para
o consumo. Neste sentido, “o estudo do tempo e dos mecanismos das transforma-
ções químicas” (MÓL e WILDSON, 1998, p. 93) contribui para o desenvolvimento
tecnológico da indústria alimentícia, a partir de métodos eficientes na conserva-
ção de alimentos, que utilizam substâncias químicas que conferem sabor acen-
tuado e mantém as características dos alimentos (MÓL e WILDSON, 1998). Desta
forma, os métodos de conservação de alimentos apresentam-se como conteúdo
relevante do ponto de vista das questões sociais, tecnológicas e científicas.

105
Ao delimitarmos o tema “Conservação de alimentos”, buscamos introduzir
uma abordagem contextualizada do conteúdo de cinética química, aproximando-
-o da realidade cotidiana dos alunos e buscando contribuir para a compreensão
de fenômenos químicos e de tecnologias relacionadas aos métodos de conserva-
ção de alimentos, a partir do Ensino- Aprendizagem Baseados na Resolução de
Problemas (EABRP), o qual se insere na perspectiva do Ensino por Investigação.
Esse tipo de abordagem tem como característica principal o uso de proble-
mas como ponto de partida para a aprendizagem de conceitos e desenvolvimento
de competências. Consolidada nos meios acadêmicos para formação de médicos,
engenheiros, administradores e enfermeiros, o EABRP tem se espalhado por ou-
tros níveis de ensino, como apontam pesquisas voltadas para a Educação Básica
(LEITE; AFONSO, 2001, BATINGA, 2010) e na formação de professores (LEITE e
ESTEVES, 2006).
O EABRP é uma abordagem centrada no aluno, que parte de problemas reais
ou fictícios, facilita o desenvolvimento de competências e habilidades interpes-
soais, sendo orientado e determinado por critérios sociais e ambientais, que au-
xiliam na construção do raciocínio científico, na promoção de questionamento e
resolução de problemas e na investigação pelo aluno (ARAÚJO e ARANTES, 2009;
BATINGA, 2010; ENEMARK e KJAERSDAM, 2009)
Nesse sentido, o EABRP representa um avanço em relação ao ensino por
transmissão-recepção ainda predominante no cenário do ensino de ciências, e
caracterizado pela atitude receptiva do aluno. De acordo com Freitas (2012), ao
colocar o aluno no centro do cenário de aprendizagem, o EABRP contribui para
formar hábitos de aprendizagem autônoma, iniciativa e capacidade resolutiva,
motivando e criando no aluno o senso de responsabilidade pela resolução de pro-
blemas, e também ajudando-os a superar lacunas referentes a tão criticada sepa-
ração entre a formação acadêmica e a realidade profissional dos estudantes, em
outras palavras, entre teoria e prática.

106
Para Camargo Ribeiro (2008) e Barreto dos Santos et al. (2007), o problema é
o foco central do EABRP, o qual além de ser usado para introduzir um conteúdo,
auxilia no foco e motivação da aprendizagem de tópicos em várias áreas do co-
nhecimento. O processo de aprendizagem envolve a procura do que tem que ser
aprendido para resolver um problema, implicando que a motivação advinda da
disciplina confronte o aluno com problemas interessantes e relevantes que pro-
movam o interesse pela aprendizagem.
Dentre as características essenciais desta abordagem, Vasconcelos e Almei-
da (2012) estabelecem pontos principais do EABRP, de acordo com suas finali-
dades educativas, são eles: 1) apresentação de problema fictício, cotidiano ou de
uma situação da vida real; 2) recursos que motivam o aluno para discussão do
problema; desenvolvimento do pensamento crítico do aluno; 3) promoção do tra-
balho colaborativo; 4) identificação das necessidades de aprendizagem do aluno
e 5) sistematização do que foi aprendido a partir da reaplicação do problema de
partida e avaliação do processo de aprendizagem.
Conseguimos implementar esses pontos quando trabalhamos com estraté-
gias e aplicação de atividades menos demoradas, mais interativas e dialogadas,
com trabalhos experimentais e práticos, aulas de campo e pesquisas em livros
ou na internet. Estruturar e aplicar essas atividades de investigação é, no EABRP,
uma oportunidade de promover a aprendizagem do conhecimento científico, o
desenvolvimento de habilidades e proporcionar a reflexão e tomada de decisão
pelos alunos sobre o trabalho desenvolvido..
Diante do exposto, este trabalho objetiva desenvolver uma sequência de en-
sino-aprendizagem (figura 1) baseada no EABRP sobre o tema “Conservação de
Alimentos”, buscando avaliar as dimensões epistêmicas e pedagógicas (Mehéut,
2005) da TLS para o ensino de cinética química. Para análise da dimensão epis-
têmica buscou-se relacionar e discutir as implicações da cinética química para
avaliar e alterar a rapidez das reações químicas nos alimentos. A dimensão peda-
gógica foi explorada conforme eram estabelecidas as interações em sala de aula,

107
seja entre professor-aluno e/ou aluno/aluno. Desta maneira, desejamos que este
trabalho venha subsidiar a elaboração de TLS em outros contextos.

Figura 1: Desenho da sequência de ensino-aprendizagem (TLS)

Fonte: Autores (2020)

ILUSTRAÇÃO DE APLICAÇÃO DA TLS


Para o trabalho em questão, buscamos analisar: na dimensão epistêmica,
como uma TLS baseada na EABRP aproximou o conhecimento científico sobre
cinética química do cotidiano dos alunos a partir do tema “Conservação de Ali-
mentos”; e na dimensão pedagógica, como aconteceram as interações entre pro-
fessor-aluno e aluno-aluno na sala de aula.
Esta TLS foi aplicada a 19 alunos de uma turma do 2° ano do ensino médio de
uma escola pública de Recife, Pernambuco, sendo utilizado um total de 07 aulas
de 50 minutos cada.

108
Na 1ª aula a docente solicitou que os alunos resolvessem dois problemas,
individualmente, com base nos seus conhecimentos prévios e entregassem as
respostas por escrito.
P1) Algumas vezes depois que almoçamos sentimos certa sonolência. Um
dos fatores que contribuem para essa sonolência é a mastigação dos alimentos de
forma inadequada, provocando uma digestão mais lenta, a qual necessita de uma
quantidade maior de suco gástrico para decompor o alimento. O ácido clorídrico
(HCl) compõe o suco gástrico, e para a sua formação são retirados íons H+ do san-
gue, o que provoca o estado de sonolência denominado de alcalose pós-prandial.
Como você explicaria esse fenômeno a partir de seus conhecimentos químicos?
P2) Você já percebeu que algumas frutas ficam escuras quando expostas ao
ar? Diante disso, como podemos proceder para retardar esse fenômeno durante
o preparo de uma salada de frutas? Justifique sua resposta com base no conheci-
mento químico.
Na segunda aula, com o objetivo de propiciar um debate sobre algumas rea-
ções químicas que ocorrem no cotidiano, inclusive nos alimentos, elaboramos
questões (quadro 1) buscando articular o conhecimento prévio dos alunos com
o conhecimento químico. Este debate teve início com a apresentação de imagens
que versaram sobre as reações químicas que ocorrem nos alimentos e em outros
contextos.

Quadro 1. Algumas das questões elaboradas para subsidiar o debate

Analise as imagens e identifique os casos em que as reações químicas se processam de forma


mais rápida ou mais lenta.

Figura 2. Explosão de dinamite

Fonte: Pixabay

109
Figura 3. Formação de Petróleo Figura 4. Formação de estalactites

Fonte: Pixabay
Fonte: Pixabay

Na produção de pães caseiros, utilizou-se aproximadamente 1L de fermento caseiro e 3 Kg de


farinha de trigo. Com essa mesma quantidade de farinha de trigo pode-se produzir a mesma
quantidade de pães, fazendo uso de apenas 03 colheres de sopa de fermento biológico co-
mercial. Como você explicaria esse fato? Justifique sua resposta com base em conhecimentos
químicos.

Como podemos retardar o processo de escurecimento da maçã durante a preparação de


uma salada de frutas?

Figura 5. Escurecimento da maçã

Fonte: Pixabay

Nas aulas 3 e 4 (geminadas) houve uma exposição dialogada, na qual a pro-


fessora fez uso de slides que abordam conteúdos relacionados à cinética química,
procurando enfatizar a influência da cinética química nas reações que ocorrem
nos alimentos e no seu processo de conservação. Os conteúdos trabalhados e dis-
cutidos nas aulas foram: definição de cinética química, importância da cinética
química para a sociedade, reações distintas que ocorrem em diferentes velocida-
des, velocidade média de uma reação, ocorrência de uma reação química, diferen-
ça entre fenômeno físico e químico, noções sobre teoria das colisões, energia de

110
ativação, fatores que influenciam a velocidade de uma reação, leis da velocidade,
reação elementar e ordem de reação.
Nas aulas 5 e 6 (geminadas) os alunos organizados em grupos (G1, G2 e G3)
participaram da realização de atividades experimentais distintas, no laboratório
de química da escola, relacionadas com fatores que influenciam na velocidade
das reações químicas, como: concentração, catalisador, superfície de contato, ini-
bidor e temperatura. Esses experimentos tiveram como objetivo relacionar o con-
teúdo teórico ao prático, a fim de motivar os alunos, propiciar a mobilização de
suas concepções, resolver problemas e questões referentes a cada experimenta-
ção proposto. Cada grupo recebeu um roteiro com procedimentos experimentais
diferentes, intitulados: 1. Investigando a influência da superfície de contato nas
reações químicas; 2. Investigando a influência de um inibidor nas reações quími-
cas e 3. Investigando a influência da temperatura nas reações químicas (Quadro 2).

Quadro 2. Resumo dos roteiros de três atividades experimentais

Experimento O roteiro experimental constou do seguinte procedimento: Adicione


1 – Investigando em cada béquer 50 mL de água; triture 1 comprimido efervescente com
a influência o auxílio do cadinho e do pistilo; adicione, ao mesmo tempo, em um
da superfície dos béqueres o comprimido triturado e no outro béquer o comprimido
de contato inteiro; utilize o cronômetro, anote o tempo e observe o que ocorreu.
nas reações Foram propostas quatro questões para resolução sobre o experimento:
químicas
Q1. Em qual das situações a dissolução do comprimido efervescente
foi mais rápida? Justifique sua resposta com base no conhecimen-
to químico.
Q2. Desenhe e descreva exemplos de reações químicas ocorridas na
preparação e/ou cozimento de alimentos que estão sujeitas às
mesmas variáveis que influenciaram a dissolução do comprimido
efervescente nas situações 1 e 2 do experimento realizado.
Q3. Baseado no experimento realizado responda a questão a seguir:
de que forma você faria a ingestão de um comprimido antiácido,
caso apresentasse sintomas de azia estomacal?
Q4. Com base no conhecimento químico adquirido a partir do experi-
mento responda: como podemos acelerar e retardar a velocidade
das reações químicas ocorridas na preparação e/ou cozimento de
alimentos, e de outras reações que acontecem em contextos dife-
rentes da alimentação? Dê exemplos.

111
Experimento O roteiro experimental constou do seguinte procedimento: Identifique
2 – Investigando cada um dos pratos usando fita adesiva e caneta como: prato 1 e prato
a influência 2; corte a maçã em 2 partes iguais e coloque um pedaço no prato 1 e
de um inibidor o outro no 2; adicione o suco de limão sobre a polpa da maçã que está
nas reações no prato 1. No prato 2, não adicione o suco de limão sobre a maçã;
químicas observe o que acontece com cada pedaço de maçã. Anote o que você
observou quando foi adicionado suco de limão no pedaço de maçã
do prato 1; deixe os pedaços de maçãs em repouso por 25 minutos.
Logo após, observe e descreva o que aconteceu com os dois pedaços
de maçãs. Foram propostas quatro questões para resolução sobre o
experimento:

Q1. O que ocorreu com a maçã nos pratos 1 e 2? Explique com base
no conhecimento químico, nas suas observações e no que você
descreveu.
Q2. Represente quimicamente a reação ocorrida na polpa de maçã dos
pratos 1 e 2?
Q3. Pensando quimicamente, qual o comportamento/caráter apresen-
tado pelo suco de limão adicionado à polpa de maçã?
Q4. Frequentemente se adiciona sucos de frutas cítricas durante a pre-
paração de saladas de frutas. Explique do ponto de vista da quími-
ca, com que finalidade se faz este procedimento?

Experimento O roteiro experimental constou do seguinte procedimento: Identifi-


3 – Investigando que cada um dos béqueres de 100 mL com adesivo e caneta, com as
a influência da seguintes palavras: água gelada, água à temperatura ambiente e água
temperatura quente; coloque 50 mL de água gelada, no béquer intitulada “água
nas reações gelada”; coloque 50 mL de água à temperatura ambiente, no béquer
químicas intitulado “água à temperatura ambiente”; coloque 50 mL de água, no
béquer intitulado “água quente”; adicione simultaneamente, em cada
um dos béqueres 1 comprimido efervescente; utilize os cronômetros e
anote a temperatura e o tempo em que o comprimido se dissolve em
cada situação. Foram propostas quatro questões para resolução sobre
o experimento:

Q1. Em qual condição a dissolução do comprimido efervescente foi


mais rápida? Explique com base no conhecimento químico.
Q2. Faça um desenho que represente os aspectos microscópicos rela-
tivos à dissolução do comprimido efervescente em cada condição
de temperatura no experimento realizado.
Q3. Você percebe a influência da temperatura nas reações químicas
observadas no dia a dia? Se positivo, descreva através de exem-
plos.
Q4. O que você entende/conhece sobre os métodos de conservação
de alimentos? Você usa algum método de conservação em sua
casa? Se positivo, cite exemplos.

112
Na sétima aula a professora solicitou a socialização das respostas dos gru-
pos às questões sobre os experimentos, e auxiliou os alunos nas dificuldades de
aprendizagens encontradas durante o processo de resolução. Na oitava aula foi
entregue aos alunos uma ficha com os problemas apresentados no início da TLS,
para resolução após a vivência da intervenção didática. Durante esta atividade os
estudantes responderam individualmente, e não consultaram nenhuma fonte de
pesquisa.
No quadro 3 apresenta-se uma síntese das atividades desenvolvidas na se-
quência de ensino-aprendizagem, bem como os temas e conteúdos abordados, os
respectivos objetivos e estratégias e ações utilizadas:

Quadro 3. Atividades desenvolvidas durante a sequência


Atividades Temas e conteúdos Objetivos Estratégias e ações
Cinética química Identificar os conhecimentos
Ler o problema;
Apresentação dos articulada a prévios dos alunos sobre
Interpretá-lo;
problemas (1ª aula). fenômenos do o tema; Contextualizar o
Resolvê-lo.
cotidiano. conteúdo; Motivar os alunos.

Debate sobre Relação da cinética Discutir as questões


reações químicas a química com Promover a reflexão e propostas (aluno-
partir de imagens fenômenos do desenvolver a argumentação. aluno, aluno-
(2ª aula). cotidiano. professor).

Exposição Aula dialogada


Desenvolver o conhecimento
dialogada Cinética Química. (interação professor-
químico.
(3ª e 4ª aula). aluno).

Realização de Fatores que Contextualizar o conteúdo; Executar os


três atividades influenciam a aprender habilidades relativas experimentos;
experimentais velocidade das ao “saber como” por parte dos Responder e discutir
(5ª e 6ª aula) reações químicas. alunos. questões.
Fatores que Auxiliar os alunos a superar Discutir as respostas
Socialização e
influenciam a as dificuldades encontradas das questões,
discussão das
velocidade das durante o processo de buscando soluções
respostas (7ª aula)
reações químicas. resolução das questões. mais adequadas.

Identificar respostas com


Cinética química
Resolução dos um maior embasamento Reinterpretar os
articulada a
problemas após a químico, diante do conjunto problemas (P1 e P2) e
fenômenos do
TLS (8ª aula) de atividades e aprendizados discutir as respostas.
cotidiano.
desenvolvidos.

113
RESULTADOS E DISCUSSÃO
1) Aspectos da dimensão epistêmica da TLS proposta

Neste momento, analisamos as atividades da TLS proposta sobre a temática


“Conservação de Alimentos” baseada na Resolução de Problemas (RP) que pro-
picia a aproximação dos conteúdos químicos ao mundo real dos alunos, visando
caracterizar a dimensão epistêmica da TLS. Para esta análise, foram escolhidas
algumas atividades representativas para alcançar os objetivos propostos na se-
quência, tais como: introdução da problemática, atividade experimental, aula ex-
positiva dialogada e debate.
A abordagem dos conceitos químicos incorporados nos contextos tecnoló-
gico e social tem a função de estimular o interesse dos alunos durante as ativida-
des propostas na TLS. As atividades de compreensão da problemática e identifi-
cação dos conhecimentos prévios na aula permitem a sensibilização e motivação
dos alunos ao tema e os ajudam a desenvolver as estratégias de resolução. Essas
atividades também contribuem para a participação e socialização dos resultados
obtidos nas pesquisas com a turma e professor, como na sistematização das ques-
tões da atividade experimental e debate. Acreditamos que essa fase é importante
tendo em vista que o aluno começa a utilizar ou articular o conhecimento que já
possui com o tema de aula, o que possibilita o desenvolvimento de estratégias de
ensino-aprendizagem eficazes no ensino de ciências. Usando seus conhecimen-
tos prévios, os alunos podem emitir hipóteses (respostas iniciais ao problema) e,
posteriormente, articulá-las com as informações obtidas das atividades seguintes
ao processo de resolução.
Uma estratégia importante para a aproximação dos conteúdos químicos ao
mundo real dos alunos é o uso de experimentos que envolvem a participação ati-
va do aluno, considerando o caráter investigativo e a criação de relações entre o
experimento e os conceitos. As aulas 5 e 6 da TLS permitem a integração dos as-
pectos macroscópicos relativos aos fatores que influenciam a velocidade das rea-
ções químicas e a análise dos fenômenos que ocorrem no mundo real, por exem-

114
plo, “como uma cozinheira deve proceder para realizar a cocção de um alimento
de forma mais rápida? O que devemos fazer a fim de que uma fruta leve mais
tempo para se decompor? As reações químicas podem ocorrer de forma rápida ou
lenta?”. Essa etapa desafia o aluno a investigar e buscar por mais informações que
vão além dos conteúdos de química, abrangendo a ótica da temática para outras
áreas do conhecimento. Firme, Amaral e Barbosa (2008) consideram que quando
as atividades experimentais incorporam conceitos científicos a situações cotidia-
nas e incluem o manuseio de materiais há uma maior possibilidade de construção
de significado pelos alunos.
A aula expositiva dialogada e debate se mostraram relevantes no processo
de contextualização dos conceitos científicos às questões do mundo real. O deba-
te (aula 2) trata sobre algumas reações químicas que ocorrem no cotidiano, inclu-
sive nos alimentos e busca articular o conhecimento prévio dos alunos com o co-
nhecimento químico. Este debate tem início com a apresentação de imagens que
versam sobre as reações químicas ocorridas nos alimentos e em outros contextos,
e se configura como estratégias importantes na promoção da reflexão e desenvol-
vimento da argumentação, uma vez que os alunos farão perguntas uns aos outros
e o professor mediará à discussão, respondendo algumas questões e promovendo
outras. A aula expositiva dialogada nas aulas 3 e 4 abordam os conteúdos relacio-
nados à cinética química, procurando enfatizar a influência da cinética química
nas reações que ocorrem nos alimentos e no seu processo de conservação. Os con-
teúdos trabalhados e discutidos nas aulas foram: definição de cinética química,
importância da cinética química para a sociedade, reações distintas que ocorrem
em diferentes velocidades, velocidade média de uma reação, ocorrência de uma
reação química, diferença entre fenômeno físico e químico, noções sobre teoria
das colisões, energia de ativação, fatores que influenciam a velocidade de uma
reação, leis da velocidade, reação elementar e ordem de reação. Esse momento
tem por objetivo desenvolver o conhecimento químico e associá-los ao cotidiano
dos alunos.

115
Portanto, a partir da análise dos conteúdos abordados nas atividades de in-
trodução da problemática, da aula expositiva, experimento e debates, propostas
nesta TLS sobre “Conservação de Alimentos” baseada na Resolução de Proble-
mas, pode-se dizer que estas atividades podem contribuir para os alunos signi-
ficarem os conteúdos químicos abordados ao longo do desenvolvimento da TLS
por meio de problemas do mundo real, que envolvem conhecimentos científicos,
aspectos tecnológicos e questões sociais relativas à velocidade das reações quími-
cas, caracterizando a dimensão epistêmica da TLS proposta.

2) Aspectos da dimensão pedagógica da TLS proposta

Neste momento, analisamos as atividades da TLS proposta a partir do EABRP


que promovem interações sociais na sala de aula. Muitas das atividades propostas
na TLS mostram-se relevantes para a construção de processos interativos entre
os participantes. Os processos interativos significam a criação de uma atmosfera
na qual a competência social, compartilhamento de ideias e estabelecimento de
relacionamento e respeito são desenvolvidas pelos alunos e professores.
Nos momentos de levantamento das questões prévias e debate, os alunos
trabalham de forma individual e em grupo, tendo o professor como mediador das
discussões e provocador das ideias. Esses momentos promovem a expressão das
ideias e trabalho em equipe, possibilitando a discussão de diferentes concepções
e pontos de vista sobre a temática entre os alunos e o professor, fortalecendo as
interações em sala de aula. Segundo Vygotsky (1987), a interação social possibilita
ao aluno vivências, reflexões e questionamentos que contribuem para o desenvol-
vimento cognitivo por favorecer o processo contínuo de redescoberta do conhe-
cimento já formalizado. Neste sentido, é importante que os alunos se envolvam
com as atividades, pois entendemos que interação aluno-aluno e aluno-professor
potencializa o processo de ensino-aprendizagem.
Com relação à atividade experimental - experimento (aula 5 e 6) e sistemati-
zação de questões (aula 7) - o processo interativo é evidenciado devido às oportu-

116
nidades de discussão sobre os fatores que influenciam na velocidade das reações
químicas, a relação entre o conteúdo teórico e prático, as controvérsias e argu-
mentos levantados pelos questionamentos do professor. Segundo Assaí e Frei-
re (2017), o trabalho experimental em grupos deve estimular o desenvolvimento
conceitual, fazendo com que os estudantes explorem, elaborem e supervisionem
suas ideias, comparando-as com as ideias científicas e ainda criar um ambien-
te favorável à aprendizagem pelas interações professor-aluno e aluno-aluno. A
atividade experimental possibilitou uma maior participação dos alunos, devido
à discussão/sistematização trazida pelo professor sobre os resultados da ativida-
de experimental articulada à problemática social. Quando os alunos perguntam
e comunicam suas respostas, que acreditam ser as mais adequadas, eles podem
compartilhar informações e debatê-las, aprendendo não somente novos conhe-
cimentos, mas também o respeito ao outro, investindo em um trabalho coopera-
tivo, em que há respeito entre os participantes.
De modo geral, acreditamos que a dimensão pedagógica no que se refere às
interações entre aluno-aluno e aluno-professor são importantes na significação
da aprendizagem, tendo em vista os muitos momentos em que os alunos pude-
ram participar mais ativamente do processo de aprendizagem, de busca de signi-
ficados e de interpretação, ajudando-os a promover transformações no cotidiano,
estabelecer conexões com a sua realidade, reconhecer o caráter social da constru-
ção do conhecimento científico e entender o pluralismo que envolve o processo
de ensino-aprendizagem em Ciências.
Nesta TLS, as atividades desenvolvidas com os alunos organizados em gru-
po e/ou no grande grupo podem contribuir para promoção das discussões em sala
de aula entre os alunos-alunos e professor, caracterizando a dimensão pedagógi-
ca da TLS proposta.
No panorama geral das atividades identificamos algumas limitações da
TLS: dificuldade em promover três atividades experimentais diferentes de for-
ma simultânea, tendo em vista que um professor só, não consegue dar conta da

117
demanda de dúvidas dos alunos e da mediação no desenvolvimento do roteiro
experimental.
Algumas potencialidades da TLS: as atividades experimentais propiciaram
aos grupos o desenvolvimento de habilidades de observação, registro e procedi-
mentos de manipulação durante a realização dos experimentos; formulação de
hipóteses para resolver questões relativas ao experimento; identificar, em alguns
alunos, dificuldades de aprendizagem quanto à distinção entre fenômenos físicos
e químicos.
A TLS discutida neste trabalho não deve ser vista como uma “receita de
bolo”, mas como uma inspiração para que você professor, conhecendo o contexto
de sua sala de aula e alunos, faça as adaptações e modificações que forem neces-
sárias a sua realidade escolar.

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122
Capítulo 6

VIVÊNCIA DE UMA
SEQUÊNCIA DIDÁTICA
SOBRE ETANOL E
EFEITOS NA SAÚDE
HUMANA NO ENSINO
NOTURNO
Charleide Xisto Vilela
Edenia Maria Ribeiro do Amaral
João Roberto Ratis Tenório da Silva
Ana Lucia Gomes Cavalcanti Neto

123
INTRODUÇÃO
Neste capítulo, iremos apresentar uma proposta e análise de sequência
didática que visa relacionar o estudo de conceitos químicos com situações que
fazem parte da realidade vivenciada por estudantes do ensino noturno de uma
escola pública. A sequência trabalhou com uma temática sobre o uso de bebidas
alcoólicas, e foi vivenciada por estudantes na faixa etária de 17 a 37 anos. Os re-
sultados sugerem que o uso de temática vinculada ao contexto de vivências dos
sujeitos tornou o ensino mais motivador e significativo, possibilitando aos estu-
dantes construírem significados e refletirem sobre diferentes formas de abordar
uma situação real, favorecendo a apropriação do conhecimento científico de for-
ma significativa e crítica.

A CONTEXTUALIZAÇÃO NO ENSINO DE QUÍMICA E O ENSINO


NOTURNO
Atualmente, há uma demanda social sobre a educação científica dos indiví-
duos voltada para a compreensão e ação em uma sociedade fortemente influen-
ciada pelo desenvolvimento científico e tecnológico, e que exige de todos tomar
decisões que direta ou indiretamente envolvem conhecimentos científicos. Nesse
sentido, a Química tem muito a contribuir, necessitando para isso que esses indi-
víduos adquiram, durante sua formação, um “conhecimento mínimo indispensá-
vel que os ajude a entender o papel da ciência, da tecnologia e das inter-relações
sociais, dando-lhes suporte para o desenvolvimento de atitudes e valores” (PER-
NAMBUCO, 2013, p. 21).
Na Educação de Jovens e Adultos (EJA), esse processo pode ser facilitado
quando o professor conhece os conteúdos que fazem parte do interesse dos estu-
dantes engajados nessa modalidade de ensino, buscando resgatar e compreender
conhecimentos prévios e contribuir para a construção de novos conhecimentos.
Conforme os Parâmetros Curriculares de Química:

124
Nessa concepção de educação de jovens e adultos, deve ser assegu-
rado aos estudantes que aprendam os conteúdos mínimos preesta-
belecidos em um currículo, considerando também suas vivências
pessoais, familiares e comunitárias para a construção de novos
conhecimentos. Assim, é importante utilizar abordagens que colo-
quem os estudantes do EJA como centro do processo de aprendiza-
gem (PERNAMBUCO, 2013, p 18).

Desse modo, conforme os documentos orientadores do currículo de Per-


nambuco, a escolha dos conhecimentos a serem ensinados deve, portanto, levar
em conta as experiências dos estudantes, de modo que eles sejam capazes de es-
tabelecer relações existentes entre aquilo que estuda na sala de aula, a natureza e
sua própria vida. Dessa forma, os professores devem privilegiar a abordagem de
situações vivenciadas por jovens e adultos, enfatizando estratégias de contextua-
lização a fim de garantir uma melhor compreensão dos conceitos científicos. No-
vos conhecimentos poderão ser apreendidos de forma mais significativa se forem
vinculados ou associados a contextos de vivência dos estudantes.
De acordo com os PCN+ (BRASIL, 2002) o objetivo da contextualização do
ensino não é promover uma ligação artificial entre o que é ensinado e a vida diária
do aluno. Não é apenas exemplificar um conteúdo, mas propor “situações pro-
blemáticas reais e buscar o conhecimento necessário para entendê-las e procu-
rar solucioná-las (GOUVÊA & MACHADO, 2005 apud SILVA et al., 2009). Nessa
perspectiva, a contextualização inter-relaciona conhecimentos diferentes con-
tribuindo para a estruturação de novos significados. Contextualizar, portanto,
é construir significados. Wartha e Alário (2005) citados por Silva e et al., 2009,
argumentam que esses significados incorporam valores, porque explicitam o co-
tidiano, constroem a compreensão de problemas do entorno social e cultural e
facilitam viver processos de descoberta acerca da realidade em que se vive.
Para Mortimer e Santos (1999) existem formas diversas de contextualização
que podem ter consequências também diversas. Os autores consideram três cate-
gorias distintas: a) contextualização como exemplificação de fatos do cotidiano:

125
esse tipo de contextualização, apenas exemplifica pontualmente uma ocorrência
de um fenômeno do cotidiano, não o desenvolvendo de modo a propiciar uma
reflexão social, econômica e cultural mais ampla; b) contextualização como es-
tratégia de ensino aprendizagem. Nesse tipo identifica-se o emprego de situações
do cotidiano como estratégia para tentar facilitar a compreensão de conceitos
científicos por parte dos alunos, também sem desenvolver uma reflexão social,
econômica e cultural e; c) contextualização como desenvolvimento de atitudes
e valores para a formação do cidadão crítico: aqui a contextualização correspon-
de àquela que vem sendo defendida nos documentos oficiais, especialmente nos
PCN+, bem como na literatura da área de ensino de ciências, a qual se propõe a
formar o estudante/cidadão de modo a facilitar sua compreensão e melhorar sua
capacidade de atuação na sociedade.
Conforme os parâmetros na sala de aula de ciências da natureza da EJA
(PERNAMBUCO, 2013), a contextualização tira o estudante da condição de espec-
tador e o faz assumir a responsabilidade da aprendizagem, movimento importan-
te para o estabelecimento de relação do sujeito com o objeto do conhecimento.
A modalidade de EJA é ofertada predominante no turno noturno, no qual temos
a presença de estudantes-trabalhadores, que muitas vezes percebem a escola
como mais uma jornada de trabalho, aonde chegam cansados, muitas vezes mal
alimentados, e esses estudantes têm que se esforçar para manter a atenção, em
raciocinar. É necessário que sejam feitos esforços para dominar o sono, negociar
suas motivações, para muitas vezes se engajar em um ensino que não reflete a sua
realidade (CARVALHO 1998). O distanciamento entre os conteúdos programáti-
cos e a experiência desses estudantes certamente respondem, entre outros, pelo
desinteresse e evasão constatados nas escolas.
Os alunos que frequentam o ensino médio noturno são na maioria trabalha-
dores ou estão à procura de trabalho, com faixa etária e taxa de defasagem ele-
vadas. O ensino noturno é caracterizado por turmas muito heterogêneas quanto
à idade, nível cognitivo, perspectivas de futuro; tempo de estudo reduzido, seja

126
na escola ou fora dela. Dessa forma, questões relativas às especificidades dos es-
tudantes devem ser levadas em conta neste turno, e alguns autores propõem o
uso de estratégias de contextualização, de forma a imprimir significado aos con-
teúdos ensinados, tentando diminuir as distâncias entre o que é ensinado e as
experiências vivenciadas pelos sujeitos. Um processo de contextualização geral-
mente apresenta um caráter interdisciplinar, uma vez que há uma complexidade
inerente ao se retratar a realidade e fenômenos concretos.
Neste trabalho, o nosso objetivo foi desenvolver uma estratégia de ensino
que promovesse maior motivação e participação dos estudantes do turno notur-
no em aulas de química. Mais especificamente, buscamos propor uma interven-
ção didática na qual aspectos da realidade vivenciada por eles fossem ressaltados
e, dessa forma, para a intervenção, estruturamos uma Sequência Didática (SD)
com a temática sobre a ingestão de bebidas alcoólicas e os efeitos do etanol no
organismo humano.
A escolha deste tema se justifica por se tratar de um assunto que está próxi-
mo do mundo real dos estudantes. É comum os estudantes inseridos nesta mo-
dalidade fazerem uso do álcool com frequência e não reconhecerem os efeitos
maléficos deste para o organismo. Assim, problemáticas relativas ao consumo de
álcool podem motivar os estudantes no engajamento das discussões, balizadas
pelo conhecimento químico, e ainda contribuir para a formação crítica e social
desses sujeitos, conforme apontado pelos PCN (BRASIL, 2000?). Os conteúdos
químicos envolvidos na abordagem do tema foram: substâncias e misturas, rea-
ções químicas e soluções.

PLANEJAMENTO E DESENHO DA SEQUÊNCIA DIDÁTICA


O desenvolvimento da intervenção constituiu-se em duas etapas. A primeira
consistiu no planejamento e aplicação da sequência didática e elaboração de ma-
teriais. Nesta etapa, inicialmente foi construída a situação-problema que emer-
giu da necessidade de discutir com os estudantes o tema da ingestão de bebidas

127
alcoólicas. O consumo de bebidas alcoólicas era uma prática comum para quase
todos os estudantes da turma, que não demonstravam interesse sobre problemas
decorrentes do uso excessivo de álcool. Em seguida foram produzidos dois textos,
um versando sobre o teor de álcool nas bebidas e um segundo sobre o efeito do
álcool no organismo. Além disso, foi elaborada uma atividade experimental para
a determinação quantitativa do teor de álcool nas bebidas e foram propostas 10
questões para serem respondidas pelos estudantes.
A segunda etapa consistiu no desenvolvimento da sequência didática, com
duração de 9 dias (14 aulas de 40 minutos cada), realizada em sala de aula, com
os estudantes organizados em grupos de 6 participantes. A avaliação do nível de
compreensão sobre os conteúdos estudados, o envolvimento e satisfação dos es-
tudantes foi feita a partir de questões que deveriam ser respondidas por escrito ao
final de cada atividade. As atividades serão descritas a seguir.

Elaboração e Desenvolvimento da SD
Atividades no Primeiro Dia: (03 Aulas Geminadas)

• Apresentação da situação pela professora e discussão feita pelos estu-


dantes com o objetivo de levantar as concepções prévias dos estudantes
acerca do problema. Organizados em seis grupos, os estudantes propuse-
ram o que seria necessário saber para chegarem a resposta do problema
apresentado.

A situação para contextualização do estudo sobre álcool, que teve como


tema “Bebidas Alcoólicas” foi apresentada para os estudantes como segue abaixo:

• Nos grupos, os estudantes foram solicitados a criar um personagem fic-


tício que representasse um sujeito que teria ido ao bar mencionado. A
partir de uma discussão, a professora e os estudantes selecionaram as-
pectos necessários para caracterizar o personagem: nome, quantidade e

128
tipo de bebida ingerida; características físicas (peso, altura, resistência);
aspectos sobre alimentação e comportamento. Os personagens propos-
tos foram:

Personagem 1: CLODOALDO PÉ INCHADO, pesando 55 kg, com 1,75 m de altura, tendo uma
boa resistência ao álcool e tinha se alimentado razoavelmente. Ingeriu 2 L de cachaça.

Personagem 2: TRICOLOR, pesando 78 kg, com 1,80 m de altura, tendo uma boa resistência
ao álcool e estava sem se alimentar. Ingeriu 10 garrafas de cerveja e 4 doses de uísque.

Personagem 3: MÁRIO BROTHER, pesando 71 kg, com 1,86 m de altura, tendo uma boa resis-
tência ao álcool e tinha se alimentado. Ingeriu 3 L de cerveja e 3 L de vinho.

Personagem 4: JOSELITO SEM NOÇÃO, pesando 90 kg, com 1,75 m de altura, tendo pouca
resistência ao álcool e tinha feito apenas uma refeição pela manhã. Ingeriu 1 L de vinho, 10
quartinhos de cana, 12 garrafas de cerveja e 1 copo de uísque.

Personagem 5: TAVARES, pesando 70 kg, com 1,78 m de altura, tendo pouca resistência ao
álcool e não tinha se alimentado. Ingeriu 48 garrafas de cerveja e ½ L de aguardente.

Personagem 6: SÉRGIO, pesando 56 kg, com 1,70 m de altura, de resistência fraca ao álcool e
não tinha se alimentado. Ingeriu 5 copos de 300 mL de vinho, 15 garrafas de cerveja de 600
mL e 500 mL de vodka.

Aplicação das questões avaliativas: (1) Faça seus comentários sobre a aula de
hoje; (2) O que você fez hoje que lhe ajudou para resolver a questão feita? (3) O que
fizemos hoje ajudou na compreensão da Química? (4) O que você aprendeu hoje?
(5) Qual a relação com a situação estudada?
Os estudantes responderam às questões de avaliação das atividades realiza-
das. As respostas para a questão 01 (comentários sobre a aula), na sua maioria, pa-
recem refletir o entusiasmo, a participação e o interesse que havia sido observado
pela professora em sala de aula, o que pode ser ilustrado pelas respostas a seguir.
Nas questões 02 a 05 perguntamos, em linhas gerais, o que eles aprenderam
naquele momento, em que essa aprendizagem lhes ajudava na resolução do pro-
blema colocado e se o que fizeram ajudava na compreensão da Química. Respos-
tas como: “... a aula de hoje me ajudou a analisar melhor esse tipo de situação” e

129
“... todos temos que saber sobre bebidas e os danos que nos causam”, mostram que,
apesar do tema bebidas alcoólicas representar uma situação comum, a discussão
parece ter levado a uma reflexão mais crítica sobre o ato de beber. Com relação à
compreensão da Química, podem ser verificadas concepções que apontam para
algumas incompreensões sobre os conceitos de substância, mistura e reações,
por exemplo, quando eles colocam: “Sim, porque o álcool é um componente quí-
mico”; “Sim, porque fala sobre misturas e reações”
De uma forma geral, nesse primeiro momento, houve uma participação ativa
dos estudantes, que mostraram familiaridade com o tema proposto e permane-
ceram até o final da aula (22h), fato que incomum nesse turno da noite. Na apre-
sentação dos personagens propostos por um representante de cada grupo, obser-
vamos maior desembaraço e envolvimento dos estudantes na discussão em sala
de aula. É interessante ressaltar o caráter relativamente lúdico que a atividade de
criação de um personagem adquiriu e o quanto as características propostas pelos
estudantes podem ser representativas de uma situação real, como por exemplo,
quanto à quantidade de bebidas ingeridas por alguns personagens.

Atividades no Segundo Dia: (02 Aulas Geminadas)

No segundo momento da sequência didática, foi realizada uma atividade


experimental para verificar qualitativamente o teor de álcool na cerveja, no vi-
nho e na aguardente e, em seguida, feita a leitura e discussão do texto “Bebidas
alcoólicas” com o objetivo de oferecer dados (teor de álcool em cada bebida) para
o cálculo do teor de álcool ingerido. Por fim, foram realizados os cálculos do teor
de álcool ingerido pelos personagens. Em um primeiro momento, a professora
deu uma aula expositiva sobre o cálculo do teor de álcool presente na bebida,
em seguida os grupos realizaram os cálculos referentes ao seu personagem. Na
atividade prática, os estudantes se mostraram interessados e participativos. E na
resolução dos cálculos, houve um bom envolvimento e trocas de conhecimentos
entre eles, uma vez que num mesmo grupo estudantes tinham meios diferentes

130
de fazer os cálculos, alguns utilizaram a regra de três ou a operação de soma, e
outros não sabiam como resolvê-los. Para os cálculos, os estudantes considera-
ram os dados do quadro 1 abaixo, no entanto outros dados foram posteriormente
disponibilizados no texto lido e discutido em sala de aula. É importante ressaltar
que ao buscar se situar com relação ao problema proposto, os estudantes precisa-
ram mobilizar conhecimentos de outras áreas, como a matemática. No quadro 1
a seguir, sistematizamos o teor alcoólico em bebidas destiladas e não destiladas
consideradas nesta intervenção didática.

Quadro 1. Teor alcoólico em bebidas destiladas e não destiladas

Bebida não-destilada Teor alcoólico (em ºGL) Matéria-prima

cevada, lúpulo, arroz, cereais


Cerveja 3a5 maltados (germinados), água e
fermento

Vinho até 12 Uvas

Champagne 11 uvas (fermentação na garrafa)

maçã (semelhante ao
Cidra 4a8
champagne)

Bebidas destiladas Teor alcoólico (em ºGL) Matéria-prima

Pinga (aguardente de
38 a 54 cana-de-açúcar
cana)

cereais envelhecidos (tipo


Uísque 43 a 50
escocês) e milho (tipo Bourbon)

Vodca 40 a 45 batata, cereais (trigo)

Conhaque (brandy) 40 a 45 destilado do vinho (uva)

Rum 45 melaço de cana

Gim 40 a 50 Zimbro

Fonte: Koche, Boff e Marinello (2017)

131
Atividades no Terceiro Dia: (02 Aulas Geminadas)

• Apresentação pelos grupos do teor de álcool etílico ingerido pelos seus


respectivos personagens;
• Aplicação da questão 6: Você já teria algo a dizer sobre o seu personagem
(estado de lucidez ou embriaguez)?

No terceiro momento, os grupos apresentaram o resultado dos cálculos feitos


para encontrar a quantidade de álcool etílico ingerida pelos seus respectivos per-
sonagens e em seguida foi aplicada a questão 06. Na apresentação dos resultados
pelos grupos, percebemos que, de uma forma geral, os estudantes compreende-
ram a dinâmica dos cálculos. Consideramos que tal verificação pode ser resultado
da maior interação entre eles na busca de soluções para o problema proposto. A
partir do valor calculado para a quantidade de álcool ingerida pelos personagens,
os estudantes emitiram opiniões muito mais de caráter pessoal do que científico
para justificar um posicionamento quanto à situação do personagem, conforme
pode ser percebido em algumas respostas: “Sim, pelo que ele ingeriu de álcool, que
foi de 1710 mL, acho que essa quantidade de álcool no organismo humano é sufi-
ciente para a morte.”; “Ele entrou em coma alcoólico por ter ingerido 934 mL de
álcool”; “Sim, depois de tomar uma certa quantidade de álcool (510 mL) eu já me
considero embriagado devido a vários fatos, tais como, excesso de bebida”.
Até então os estudantes não tinham tido contato com o texto sobre os efei-
tos do álcool no organismo humano.

Atividades no Quarto Dia: (01 Aula)

• Sistematização dos conhecimentos – nesse momento foi feita uma re-


trospectiva dos passos dados até então, com o objetivo de orientar os es-
tudantes na busca de uma solução para o problema proposto.

132
No quarto momento, de sistematização dos conhecimentos adquiridos, foi
feita uma retrospectiva das atividades realizadas até então, objetivando orien-
tar os estudantes na busca de uma solução científica para o problema proposto.
A necessidade dessa sistematização surgiu a partir da análise das respostas dos
estudantes à questão 06 apresentada anteriormente, pois para os mesmos a si-
tuação-problema já estava resolvida, como podemos ver no seguinte trecho: “O
personagem Mário ingeriu 3 litros de vinho e 3 litros de cerveja. Conclusão, ficou
completamente inconsciente e foi parar no hospital por conta do alto teor de ál-
cool.”; “Sim ele ainda não está embriagado, pois o teor alcoólico que ele consumiu
não foi suficiente pra ele chegar a este ponto.”; “No meu ponto de vista é uma pes-
soa que não tem limites, dessa vez ele entrou em coma.” Nesse momento, a análise
sobre o grau de embriaguez apresentada por eles era intuitiva. Diante deste fato,
buscando apresentar diferenças entre as argumentações científicas e aquelas en-
contradas no senso comum, foi discutida a relevância das respostas terem ou não
respaldo científico, a partir do uso de tabelas para relacionar o teor de álcool no
organismo e os efeitos causados ao mesmo.

Atividades no Quinto Dia: (01 Aula)

• Leitura e discussão do texto “Álcool e Corpo Humano”. Nesse momento,


cada grupo ficou responsável pela discussão de uma parte do texto, que
foi apresentada na aula seguinte.

No sentido de contribuir para uma melhor fundamentação das respostas


dos alunos foi trabalhado o texto “Álcool e Corpo Humano”.

Atividades no Sexto Dia: (01 Aula)

• Apresentação do texto pelos grupos.

133
No sexto dia, os grupos apresentaram o trecho do texto pelo qual ficaram
responsáveis. A apresentação constou de um momento inicial no qual foi feita
a leitura do texto e em seguida foi apresentada uma explicação sobre o que foi
lido. Em paralelo, surgiram questionamentos, comentários e depoimentos dos
ouvintes, com base em suas experiências. É interessante ressaltar que, diferen-
temente de situações semelhantes de exposição de ideias, eles não se mostraram
inseguros em suas falas, muito pelo contrário, apresentavam certa desenvoltura
na construção de um discurso próprio. Quanto ao grupo que assistia, também foi
percebida uma participação mais efetiva, pelo fato de estudantes mais reservados
se pronunciarem. Isso vem evidenciar a relevância que o conhecimento adquire
quando está relacionado ao mundo real, motivando os alunos para a aprendiza-
gem. Nesse sentido, o processo de contextualização promovido contribui não so-
mente nos aspectos de uma aprendizagem significativa, mas no desenvolvimento
de habilidades e atitudes perante a discussão dos temas propostos.

Atividades no Sétimo Dia: (01 Aula)

• Sistematização dos conhecimentos – nesse momento foi feita uma re-


trospectiva dos passos dados até então, com o objetivo de orientar os es-
tudantes na busca de uma solução para o problema proposto.

Nesse sentido, foi dada ênfase aos dados fornecidos pelo texto para o cálculo
do grau de lucidez dos personagens, discutindo-se a necessidade de avaliarmos
esse grau de lucidez sob o ponto de vista científico.

Atividades no Oitavo Dia: (02 Aulas Geminadas)

• Determinação do grau de lucidez das personagens – nesse momento os


estudantes teriam que calcular o teor de álcool no sangue a partir dos da-
dos de ingestão de bebida alcoólica colocados inicialmente e relacioná-lo
com o grau de lucidez da personagem;

134
Para o cálculo da quantidade de álcool que pode ser encontrada no sangue
de cada personagem, eles deveriam associar o teor alcoólico da bebida ao número
de copos ingeridos e ao peso do personagem, sendo necessário a consulta dos
dados do quadro 2 a seguir para a efetivação dos cálculos:

Quadro 2. Concentração de álcool no sangue em função da massa corporal

Tipo de bebida Massa da pessoa em kg

45 63 81

Cerveja g de etanol/L de sangue

1 copo (200mL) 0,5 0,4 0,3

2 copos 0,8 0,6 0,5

3 copos 1,1 0,9 0,8

Vinho g de etanol/L de sangue

1 cálice 0,3 0,3 0,2

2 cálices 0,6 0,5 0,4

3 cálices 0,8 0,6 0,5

Destilados* g de etanol/L de sangue

½ dose (28mL) 0,4 0,3 0,2

1 dose (56mL) 0,7 0,5 0,4

1 dose e meia 0,9 0,7 0,6

*Uísque, gim, vodca, aguardente, etc.


*1mL de etanol tem 0,8 gramas de massa.
Fonte: Koche, Boff e Marinello (2017)

• E para avaliar o dano causado pela quantidade de bebida ingerida, os


estudantes deveriam consultar o quadro 3 sobre os efeitos do álcool no
organismo

135
Quadro 3. Efeitos para o organismo devido a álcool no sangue

Etanol no
Efeitos
sangue g/L

Até 0,2 O álcool não produz efeito aparente na maioria das pessoas

De 0,2 a 0,5 Sensação de tranquilidade, sedação; reação mais lenta a estímulos sono-
ros e visuais; dificuldade de julgamento de distância e velocidade.

De 0,5 a 1,5 Aumento do tempo de reação a estímulos, redução da concentração; alte-


ração do comportamento (falar muito, ficar extrovertido, etc.)

De 1,5 a 3,0 Intoxicação; descoordenação geral; confusão mental; visão dupla; deso-
rientação.

De 3,0 a 4,0 Inconsciência, às vezes coma.

5,0 Morte

Fonte: Koche, Boff e Marinello (2017)

• Aplicação da questão 7: Como a atividade realizada hoje contribuiu para


resolver o problema colocado na situação?
• Em grupo, os alunos finalmente elaboraram soluções para o problema
apresentado inicialmente.

Os grupos conseguiram desenvolver os cálculos matemáticos com certa de-


senvoltura e de forma coletiva, valendo destacar que nos casos nos quais a solu-
ção do problema seria de que os personagens foram a óbito, foi constatado que
em uma situação real isso poderia não ocorrer, a partir da experiência real de al-
guns estudantes. Este fato se deve a algumas limitações em termos da previsão
proposta, as quais foram discutidas com os estudantes, tais como, não poderia se
considerar nos cálculos fatores como: a metabolização do álcool pelo organismo,
o tempo de ingestão, a resistência do organismo ao efeito do álcool, a ingestão ou
não de alimentos e outros, conforme podemos verificar na resposta de um alu-
no à questão: “Em parte ajuda, mas não responde totalmente às perguntas. Tem

136
que se levar em consideração outros fatores como alimentação, o ato de urinar, a
respiração, a transpiração e o metabolismo da pessoa”. Isso foi importante para o
aluno tomar consciência da complexidade que muitas vezes pode estar envolvida
nas explicações científicas sobre fenômenos cotidianos.
Ao término da atividade foi aplicada a questão 07(Como a atividade reali-
zada hoje contribuiu para resolver a situação-problema?), que tinha por objetivo
avaliar se os estudantes poderiam estabelecer relação do que estavam fazendo
com a situação-problema através da pergunta: como isso ajuda a resolver a situa-
ção-problema? Foi percebido, nas respostas da grande maioria dos estudantes,
uma relação entre as atividades realizadas com a situação-problema apresentada
no início para eles, o que possibilitou chegarem à solução do problema. Isso pode
ser verificado na seguinte resposta do estudante: “Ajudou a elucidar a situação-
-problema, pois através dos cálculos temos uma base de quanto de álcool o nosso
personagem ingeriu e qual o seu grau de lucidez”. Nas respostas dos estudantes,
podemos perceber uma evolução no conhecimento, quando os mesmos emitem
opiniões embasadas em conhecimentos científicos (matemáticos e biológicos) de
forma mais segura, sugerindo domínio das informações adquiridas.
Quanto à solução do problema, todos chegaram não somente a uma respos-
ta, mas a várias, devido ao caráter subjetivo da situação-problema proposta. A
resposta ao problema exigiu conhecimentos que, aos poucos, foram sendo adqui-
ridos. Conhecimentos que não só subsidiaram as respostas para a situação-pro-
blema, como também enriqueceram os conhecimentos dos estudantes sobre o
álcool, o que pode contribuir para torná-los mais autônomos e críticos.

Atividades no Nono Dia: (01 Aula)

• Aplicação das questões: (8) O que você achou do assunto abordado? (9)
Cite pontos positivos e negativos do trabalho desenvolvido; (10) O que foi
discutido, e como foi discutido, teve alguma relevância para sua vida?

137
No nono e último dia da intervenção, houve a aplicação das questões 08,
09 e 10, (8) O que você achou do assunto abordado? (9) Cite pontos positivos e
negativos do trabalho desenvolvido; (10) O que foi discutido, e como foi discuti-
do, teve alguma relevância para sua vida? O propósito era verificar a relevância
do tema abordado e avaliar a metodologia utilizada. Em relação ao assunto que
foi abordado, obtivemos algumas respostas como: “Eu achei importante, porque
é um assunto que precisa ser esclarecido na sociedade e a importância de estar
sabendo o que a bebida causa em nosso organismo em nosso corpo e nossa mente”,
e “Muito bom, pois ele abordou um assunto que é muito frequente na sociedade”.
Em linhas gerais, podemos dizer que as respostas dos estudantes mostraram que
o álcool é um assunto que faz parte do cotidiano de todos e precisa ser discutido,
o que parece evidenciar a importância de se contextualizar os conhecimentos e
colocar a escola como um espaço no qual são discutidas questões relacionadas a
vida das pessoas. Isso torna o processo educativo mais inclusivo, a aprendizagem
mais significativa e o ensino mais prazeroso, por tornar o professor um media-
dor do crescimento pessoal e social de indivíduos que muito têm a contribuir.
No que diz respeito a proposta metodológica, os alunos avaliaram de forma po-
sitiva, considerando-a direta, objetiva, interativa, divertida, diferente, dinâmica,
participativa, permitindo que eles expressassem seus pontos de vista e tirassem
suas dúvidas, o que parece evidenciar que o uso da situação-problema motiva
a aprendizagem. Essa avaliação vinda de estudantes do turno noturno pode ser
uma evidência de que o quadro colocado no início deste trabalho para o ensino
noturno pode ser revertido se forem redimensionados o papel da escola, as estra-
tégias pedagógicas e os conteúdos ensinados para esse público.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Possibilitar a aprendizagem significativa para os estudantes é papel daque-
les que são responsáveis pelo processo de ensino, e aprender de forma signifi-
cativa representa estabelecer relação entre o conhecimento escolar e o conhe-

138
cimento resultante da experiência de vida dos sujeitos que aprendem. Quando
esses sujeitos são jovens e adultos, a contextualização parece ser um caminho
promissor nesse processo por se constituir como possibilidade de estabeleci-
mento de relação entre os saberes instituídos nos espaços formais e os saberes
desses estudantes. Isso é ainda mais significativo quando a temática discutida
pode contribuir para construção de uma nova forma de se relacionar com subs-
tâncias, como é o caso do álcool, e que possam estimular o desenvolvimento de
tomadas de decisão necessárias para uma melhor qualidade de vida do sujeito e
da sociedade. Nesse contexto, podemos inferir que a escolha da temática para a
intervenção didática realizada se constituiu como uma excelente oportunidade
de aproximação dos vários saberes. O uso do álcool é uma realidade na vida de jo-
vens e adultos na atualidade e priorizar essa discussão nesse meio parece ser um
modo para construção de conhecimentos da química de forma significativa. Por
outro lado, quando a contextualização é propiciada, conforme pudemos perceber
nessa experiência com jovens e adultos, ao estudante é possibilitado oportunida-
de de formação de uma postura investigativa. No desenvolvimento da sequência
didática, os estudantes foram estimulados a problematizar, construir hipóteses,
analisar dados e a comunicarem, aspectos necessários a proposta educativa que
se responsabiliza com o processo de alfabetização científica. Importante ainda
destacar que a vivência dos nove momentos formativos parece ter despertado os
estudantes para a tomada de consciência sobre os malefícios que o álcool pode
propiciar ao organismo.

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141
SEÇÃO 3

SEQUÊNCIAS DIDÁTICAS
CONTEXTUALIZADAS E
INTERDISCIPLINARES

142
Capítulo 7

VALIDAÇÃO DE
UMA SEQUÊNCIA
DE ENSINO E
APRENDIZAGEM
DE QUÍMICA COM
ABORDAGEM CTS
SOBRE O DESCARTE
DE PILHAS E
BATERIAS
Ruth do Nascimento Firme

143
INTRODUÇÃO
Neste estudo, validamos uma sequência de ensino e aprendizagem (SEA) de
Química fundamentada na abordagem Ciência-Tecnologia-Sociedade (doravante
CTS) sobre a temática “O descarte de pilhas e baterias”. Nesse sentido, nosso ob-
jetivo é compartilhar com você, professor, o desenho e a proposta de validação da
SEA, caso pretenda adotar esta abordagem de ensino e aprendizagem em sua prá-
tica docente, utilizando-a ou adaptando-a de acordo com a sua realidade escolar.
A abordagem CTS tem como objetivo a alfabetização científica e tecnoló-
gica (ACT) dos estudantes, concebida como a condição de “saber ler a realidade,
uma realidade concreta marcada pelo desenvolvimento científico e tecnológico”
(MARCO-STIEFEL, 2001, p. 34). Por meio da ACT, pretende-se dar condições aos
estudantes de participarem do processo democrático de tomada de decisão, pro-
movendo o exercício de ações cidadãs, diante de questões sociais relativas à ciên-
cia e à tecnologia (WAKS, 1992, 1996; MEMBIELA, 2002).
Esta abordagem pode ser inserida no currículo das disciplinas das ciências
da natureza, como é o caso da Química, de diferentes formas, como, por exemplo,
por meio de temas CTS. Para Vieira et al (2011), os temas CTS devem, por exem-
plo, ter relevância social e ser de interesse dos estudantes. Esses autores destacam
temas que podem ser trabalhados, tais como: qualidade do ar; saúde e doenças
humanas; recursos energéticos; entre outros.
Na SEA em questão trabalhamos o tema O descarte das pilhas e baterias. As
pilhas ou células galvânicas são dispositivos nos quais “uma reação química es-
pontânea é usada para gerar uma corrente elétrica” e as baterias são, tecnicamen-
te, constituídas “de células galvânicas unidas em série para que a voltagem pro-
duzida – [...] – seja a soma das voltagens de cada célula” (ATKINS; JONES, 2006, p.
543). Portanto, por serem dispositivos que armazenam energia, a quantidade de
pilhas e baterias consumidas e descartadas é alta.
Como algumas pilhas e baterias têm em sua composição metais pesados,
termo normalmente usado pelo fato deles contaminarem o meio ambiente, o

144
descarte destes dispositivos não pode ser feito junto aos metais recicláveis ou em
lixos domésticos. Isso porque os metais pesados, como o cádmio e o mercúrio, são
retidos no solo, por exemplo, por reações de precipitação de íons mercúrio com a
formação do sulfeto insolúveis HgS e, apesar do mercúrio na forma de Hg2+, liga-
do aos sedimentos, não se redissolver “prontamente na água, problemas ambien-
tais têm aumentado em muitos corpos de água pela conversão do metal em me-
tilmercúrio e sua subsequente liberação na cadeia alimentar aquática” (BAIRD;
CANN, 2011, p. 766). O metilmercúrio (CH3HgX), forma mais perigosa do mer-
cúrio, é produzido em regiões aquáticas anaeróbicas, sendo uma toxina solúvel
em tecidos gordurosos, e tem seus principais efeitos tóxicos no sistema nervoso
central (BAIRD; CANN, 2011).
Portanto, é considerando questões relativas ao descarte de pilhas e baterias
que as Resoluções nº 257/99 e 263/99, revogadas pela Resolução 401/2008 do
Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA), regulamentam e normatizam
sobre o descarte destes dispositivos no Brasil. A resolução 401/2008 do CONOMA
normatiza a comercialização e o gerenciamento ambiental de pilhas e baterias,
estabelecendo os limites máximos de chumbo, cádmio e mercúrio, e dá outras
providências.
Nesse sentido, destacamos o descarte de pilhas e baterias como tema perti-
nente para ser trabalhado na abordagem CTS considerando que ele abre possibi-
lidades para a abordagem de conceitos científicos envolvidos no conteúdo Pilhas
articulando-os aos aspectos tecnológicos e sociais.
Para o planejamento e desenvolvimento da SEA na abordagem CTS, consi-
deramos o modelo do Ciclo de Responsabilidade de Waks (1992, 1996). Para este
autor, dar condições aos estudantes de participarem do processo democrático de
tomada de decisão implica no desenvolvimento de responsabilidade social so-
bre questões sociais relacionadas ao desenvolvimento científico e tecnológico. O
modelo de Waks propõe uma estruturação cíclica constituída de cinco fases, as
quais, em conjunto, segundo o autor, conduzem para a formação da responsa-

145
bilidade social pelos estudantes a partir: da compreensão do como a ciência e a
tecnologia afetam nossas vidas; da reflexão e decisão sobre o que é melhor para
a sociedade; e do comprometimento em participar ativamente, como indivíduo e
como membro da sociedade, da tomada de decisão coletiva fazendo seus valores
prevalecerem na perspectiva de mudanças positivas.
Segundo este modelo, as cinco fases são: autocompreensão (fase em que o
estudante compreende a si mesmo, toma consciência de suas necessidades, de
seus valores, de suas perspectivas e de suas responsabilidades); estudo e refle-
xão (fase em que o estudante toma conhecimento da ciência e da tecnologia e de
seus impactos na sociedade; tomada de decisão (fase em que o estudante aprende
sobre processos de tomada de decisão e de negociação); ação responsável (fase
em que o estudante planeja e desenvolve uma ação, pessoal ou social, de interes-
se público); integração (fase em que o estudante amplia suas visões de ciência,
tecnologia e sociedade incluindo questões éticas e de valores pessoais e sociais)
(WAKS, 1992; 1996).
Ilustramos este modelo na figura 1. Nela, estão apresentadas as cinco fases
do ciclo de responsabilidade, cuja direção segue no sentido horário, ou seja, a
formação da responsabilidade social do estudante começa desde a compreensão
de si mesmo, passa pelo estudo e reflexão, pela tomada de decisão e pela ação
responsável, e retorna para uma reavaliação de valores e responsabilidades, inte-
grando o que vivenciado e as ações tomadas.

146
Figura 1: Fases do Ciclo de Responsabilidade de Waks

Fonte: Adaptado de Waks (1996).

Ao propor este modelo, concebido pelo autor como “núcleo interno” da


abordagem CTS, Waks considera que a vivência destas fases pelos estudantes
pode contribuir para o desenvolvimento de responsabilidade social.
Podemos olhar para o desenvolvimento de responsabilidade social pelos
estudantes a partir de pressupostos da perspectiva sociocultural, mais especifi-
camente, da teoria da atividade de Leontiev, o que implica considerarmos que
este desenvolvimento ocorre por meio da atividade que eles realizam. Segundo
Leontiev, a relação do homem com o mundo ocorre pela atividade e, como resul-
tado, ocorre a transformação dos objetos e do próprio homem enquanto sujeito
da atividade. A atividade é concebida “por aquilo a que o processo como um todo

147
se dirige (seu objeto), coincidindo sempre com o objetivo que estimula o sujeito a
executar esta atividade, isto é, o motivo” (LONGAREZZI; PUENTES, 2013, p. 89).
Leontiev distingue atividade e ação. Para ele, a atividade se constitui de um
conjunto de ações, que surgem quando os sujeitos compreendem o objetivo delas
e o motivo da atividade. Portanto, segundo Leontiev (2004), a atividade depende
dos motivos que movem os sujeitos e as ações dependem dos objetivos.
Para Leontiev (2004), em determinados momentos da vida, algumas ativida-
des são dominantes, isto é, determinam o desenvolvimento das funções psíquicas
superiores, das quais destacamos a atividade de estudo. No período escolar, a ati-
vidade principal é a atividade de estudo, constituída por um conjunto de ações de
estudo, cuja finalidade e resultado é a transformação do próprio sujeito (LEON-
TIEV, 2004).
Nessa perspectiva, professor, entendemos que numa SEA com abordagem
CTS, o engajamento dos estudantes em ações de estudo, pode contribuir para a
apropriação de conceitos científicos e conhecimentos tecnológicos implicados
em questões sociais e ambientais, e para o desenvolvimento, por exemplo, da res-
ponsabilidade social diante dessas questões.

O CONTEXTO DA ELABORAÇÃO DA SEA


A SEA em tela foi elaborada no contexto de um projeto de pesquisa finan-
ciado pelo CNPQ intitulado “Elaboração, implementação e análise de sequências
didáticas para o ensino de química em escolas do ensino médio” que contou com
a participação de professores pesquisadores da educação superior e da educação
básica, e estudantes da pós-graduação e da graduação. Neste projeto tínhamos o
objetivo de analisar o desenvolvimento de sequências didáticas em salas de aula
de química, a partir de abordagens inovadoras para o ensino de ciências.
Na elaboração da SEA consideramos quatro componentes básicos (profes-
sor, estudantes, mundo real e conhecimento científico), relacionados entre si em
duas dimensões: a dimensão epistêmica que considera processos de elaboração,

148
métodos e validação do conhecimento científico em relação ao mundo real; e a
dimensão pedagógica que considera aspectos inerentes às interações professor-
-estudante e estudante-estudante, conforme propostas de Mehéut (2005). Na
dimensão epistêmica buscamos articular conceitos químicos (oxidação, redu-
ção, ânodo, cátodo etc.) ao mundo real dos estudantes, considerando questões
tecnológicas das pilhas e baterias e questões sociais e ambientais envolvidas no
descarte inadequado destes dispositivos. Na dimensão pedagógica consideramos
atividades que propiciassem processos interativos entre professor e estudantes e
entre estes últimos. É neste sentido, que Méheut (2005) propõe considerar con-
juntamente a dimensão epistêmica e pedagógica em uma perspectiva denomina-
da construtivista integrada.

DESCRIÇÃO DA SEA
Os objetivos de aprendizagem da SEA foram: apropriar-se de conceitos cien-
tíficos e aspectos tecnológicos a partir do estudo da temática “O descarte das pi-
lhas e baterias”; utilizar conhecimentos científicos e tecnológicos na compreen-
são da temática, busca de soluções e adoção de atitudes de responsabilidade
social; avaliar criticamente possibilidades e limitações da ciência e da tecnologia
para o bem-estar da sociedade.
A SEA foi desenvolvida em uma turma da 2ª série do Ensino Médio de uma
escola pública da rede Estadual de Pernambuco em 2006, contou com a participa-
ção de 42 estudantes, e constituída de sete momentos didáticos, e cada um deles
corresponderam a duas aulas de 50 minutos cada.

1º Momento Didático

Este momento didático teve como objetivo orientar os estudantes para a


coleta de informações em diferentes fontes de dados sobre aspectos relativos à
temática em questão, tais como: o descarte inadequado das pilhas e baterias e
problemas decorrentes deste descarte; o destino e tratamento do lixo; e a forma

149
como pessoas descartam as pilhas usadas. Para a coleta dessas informações, os
estudantes, divididos em quatro grupos, foram orientados a desenvolverem as
seguintes tarefas em horário extraclasse: pesquisa sobre o descarte das pilhas e
baterias (grupo 1) e sobre o destino e as formas de tratamento do lixo domésti-
co (grupo 3); entrevista com pessoas da comunidade sobre o consumo e descarte
das pilhas usadas, os diferentes modelos de pilhas, o significado das informações
trazidas nos rótulos destes dispositivos (grupo 2); e a construção de um terrário
(grupo 4). Portanto, neste momento didático os estudantes receberam orienta-
ções para o desenvolvimento das quatro tarefas solicitadas.
A entrevista, sob a responsabilidade do grupo 2, foi constituída pelas se-
guintes questões:
1. Você utiliza pilhas constantemente?
2. Onde você descarta as pilhas que não servem mais para uso?
3. No mercado existem vários modelos de pilhas. Em sua opinião, qual a
diferença entre um modelo e outro?
4. Na compra de pilhas, o que você leva em consideração?
5. Você compra pilhas fabricadas em outros países (pilhas que têm no rótu-
lo outro idioma que não seja o português)?
6. Qual o significado das figuras ao lado, que estão nos rótulos das pilhas?

Fonte: SANTOS, W. L. P; MOL, G. de S. Química e Sociedade, v. único.


São Paulo: Nova Geração, 2005.

150
2º Momento Didático

Neste momento, após a realização das atividades solicitadas no momento


didático anterior, os grupos 1, 2 e 3 socializaram os resultados das pesquisas rea-
lizadas e das entrevistas para o grande grupo na sala de aula, por meio da elabo-
ração de cartazes. Exceto o grupo 4 que construiu o terrário, cuja apresentação
foi em outro momento didático da SEA considerado como mais pertinente. O ob-
jetivo deste momento foi o de socializar, analisar e avaliar, junto aos estudantes,
as informações por eles coletadas. Tais apresentações foram conduzidas visando
respostas para as seguintes questões: como a maioria das pessoas descarta as pi-
lhas usadas?; para onde vai o lixo doméstico e como ele pode ser tratado?; quais
as informações mais interessantes sobre o descarte das pilhas no meio ambiente?
A partir das respostas dos estudantes para essas questões, foi posta outra questão
para a turma: existe um problema social e ambiental relativo ao descarte de pilhas
e baterias, gente? Os estudantes discutiram sobre o questionamento posto pela
professora e responderam, quando consideraram a triangulação das informações
obtidas pelas pesquisas e entrevistas, que o descarte de pilhas e baterias era um
problema social e ambiental.

3º Momento Didático

Este momento, com os estudantes organizados individualmente, teve como


objetivos os de apresentar a eles, por meio de aula expositiva dialogada, dife-
rentes tipos de pilhas e informações técnicas específicas e explorar a dimensão
tecnológica das pilhas. Foi esperado que os estudantes, após este momento, pu-
dessem classificar algumas pilhas e apreciar inovações científicas e tecnológi-
cas relacionadas às pilhas e baterias quando, por exemplo, se discutiu sobre as
vantagens das pilhas alcalinas (maior vida média) sobre as pilhas secas comuns.
Inicialmente, foram coletadas, por meio de questionário impresso, ideias prévias
dos estudantes a partir das seguintes questões: para que servem as pilhas?; o que
você acha que tem no interior de uma pilha?; dê exemplos de pilhas que você

151
conhece; em sua opinião, o que é uma pilha; como você acha que uma pilha fun-
ciona, ou seja, gera energia?. Seguida da coleta das ideias prévias dos estudantes,
foi abordado o conteúdo Pilhas e suas tecnologias com uso de slides que discor-
riam sobre o histórico das pilhas em ordem cronológica e sobre diversos tipos de
pilhas, bem como, sobre o uso e especificidades deles, como, por exemplo, pilhas
secas de zinco-carbono, pilhas alcalinas, pilhas de níquel-hidreto metálico, pi-
lhas de níquel-cádmio e pilhas miniaturas.

4º Momento Didático

Neste momento, com os estudantes organizados em grupos e no laborató-


rio de ciências da escola, foram abordados a composição e o funcionamento das
pilhas e baterias com o objetivo de propiciar aos estudantes a construção de con-
ceitos científicos envolvidos no conteúdo Pilhas a partir da experimentação. Era
esperado que os estudantes, após este momento didático, pudessem: conceituar
pilhas; descrever os componentes das pilhas; explicar a função dos componen-
tes da pilha; explicar o funcionamento da pilha; aplicar regras de nomenclatura
para a pilha; e simular uma pilha alternativa. Inicialmente, foi apresentada aos
estudantes, por meio de slides, figuras que representavam uma pilha comum des-
montada, com o objetivo de discutir com eles os componentes de uma pilha. Um
outro slide foi usado com uma figura representativa da Pilha de Daniel, cujo ob-
jetivo foi o de discutir com os estudantes o funcionamento da pilha. Em seguida,
os estudantes foram conduzidos à realização da atividade experimental. A ativi-
dade experimental desenvolvida pelos estudantes foi a construção de uma pilha
alternativa, a pilha-batata, para a qual foram necessários os seguintes materiais:
batata inglesa, clipes de zinco, placa de cobre, fio, e voltímetro. Os objetivos, os
materiais necessários, os procedimentos para a montagem da pilha e para medi-
ção da voltagem, e as questões que seriam discutidas após a atividade experimen-
tal estão descritos e ilustrados na figura 2.

152
Figura 2: Descrição da atividade experimental

Após a realização da atividade experimental, os grupos mediram a voltagem


das pilhas construídas. Posteriormente, foram solicitados a discutir com o grande
grupo as questões propostas no tópico Vamos pensar?. Em seguida, os grupos de
estudantes responderam uma ficha de exercício (com cinco questões de múlti-
plas alternativas envolvendo semi-reações de oxidação e de redução, sentido do
fluxo de elétrons, notação da pilha, identificação de catodo e anodo e cálculo da
voltagem de uma pilha) e um questionário (Q2) impresso com as seguintes ques-
tões: o que é uma pilha?; como as pilhas geram energia?; quais os componentes
principais de uma pilha?; escreva exemplos de alguns tipos de pilhas indicando
em que diferem.

153
5º Momento Didático

Neste momento, com os estudantes organizados individualmente, foi discu-


tido o descarte das pilhas e baterias propriamente dito, com o objetivo de propi-
ciar ao mesmos a articulação dos conhecimentos científicos e tecnológicos traba-
lhados nos 3º e 4º momentos didáticos da SEA com aspectos sociais e ambientais
relativos ao descarte das pilhas e baterias. Esperava-se que os estudantes, após
este momento, conseguissem: identificar relações entre o descarte das pilhas e
baterias, o meio ambiente e a sociedade; compreender o descarte das pilhas e ba-
terias como problemática social e ambiental; e perceber limitações da ciência e da
tecnologia considerando aspectos culturais, socioeconômicos, etc. Inicialmente,
foi apresentado aos estudantes o vídeo intitulado “Não fique pilhado”. Em segui-
da, os estudantes discutiram sobre o vídeo a partir da questão: que ideias foram
trazidas pelo vídeo? Após as discussões, outro vídeo “Ilha das flores” foi exposto,
para complementar as discussões em curso. Em seguida, os estudantes do grupo
4 apresentaram o terrário por eles construído, descrevendo, por exemplo, os ma-
teriais utilizados (recipiente quadrado de vidro transparente, areia, planta, pilhas
enterradas na areia), os procedimentos seguidos e as mudanças no aquário após
o deixarem a céu aberto por aproximadamente um mês.

6º Momento Didático

Este momento didático teve como objetivo propiciar o exercício de tomada


de decisão diante do descarte de pilhas e baterias. Nesse sentido, esperávamos
instigar os estudantes a: produzirem discursos argumentativos; conscientizarem-
-se da importância do uso de pilhas com menor toxidade; perceberem limitações
da ciência e da tecnologia considerando aspectos culturais, socioeconômicos,
etc.; e adotarem atitudes socialmente responsáveis frente a temática em tela. Ini-
cialmente, foi solicitada aos estudantes, organizados em grupos, a leitura do texto
“O descarte de pilhas e baterias’’ extraído do livro Química e Sociedade (SANTOS;
MOL, 2005). Seguida da leitura, foi desenvolvida uma discussão sobre este texto

154
pelos estudantes. Posteriormente, os estudantes participaram do fórum escolar.
O fórum foi norteado a partir da seguinte proposição escrita no quadro negro pela
professora: Os produtos da ciência e da tecnologia sempre promovem o bem-es-
tar da sociedade. Então, cinco estudantes, de forma voluntária, foram convidados
para compor a mesa e destes, dois assumiram a defesa (a favor da proposição),
dois a acusação (contra a proposição), e um assumiu a coordenação da mesa para
informar o veredito. Após os posicionamentos da defesa, da acusação e as discus-
sões com a audiência, uma questão foi colocada para toda a turma: como podere-
mos agir conforme a decisão deste fórum?

7º Momento Didático

O último momento da SEA teve como objetivo promover a construção de


ações de responsabilidade social por parte dos estudantes. Esperava-se possibi-
litar a eles o desenvolvimento de ações concretas sobre o descarte de pilhas e
baterias. Contudo este momento não foi realizado, mas se o fosse, tínhamos como
proposição inicial a exposição de uma palestra para a comunidade escolar sobre o
descarte de pilhas e baterias.

VALIDAÇÃO DA SEA
Para a validação da SEA tomamos por base as fases do ciclo de Responsabi-
lidade de Waks – autocompreensão, estudo e reflexão, tomada de decisão, ação
responsável e integração – e as ações de estudo realizadas pelos estudantes nos
momentos didáticos.

Autocompreensão

Nesta fase é esperado que os estudantes tomem consciência de suas neces-


sidades, de seus valores, de seus planos de ação e de suas responsabilidades e
compreendam a si mesmo (WAKS, 1992; 1996). Algumas ações de estudo realiza-
das pelos estudantes podem ter contribuído nesse sentido, como, por exemplo: 1)

155
ação de socialização dos resultados das pesquisas e das entrevistas para o grande
grupo (2º momento didático); 2) ação de discussão sobre os vídeos “Não fique
pilhado” e “Ilha das flores” (5º momento didático); 3) ação de apresentação do ter-
rário construído (5º momento didático); 4) ações de leitura e discussão do texto
Descarte de pilhas e baterias (6º momento didático); e 5) ação de participação do
fórum escolar (6º momento didático).
Isso porque tais ações de estudo colocaram os estudantes diante de ques-
tões acerca do descarte de pilhas e baterias que podem ter suscitado neles a com-
preensão de si, como membros interdependentes da sociedade diante de aspec-
tos relativos, por exemplo, aos riscos decorrentes do descarte de pilhas e baterias
em locais não apropriados e à responsabilidade de descartar estes dispositivos de
forma adequada.

Estudo e reflexão

Esta fase ocorre quando os estudantes tomam conhecimento da ciência e


da tecnologia e de seus impactos sociais (WAKS, 1992; 1996). Entendemos que
esta fase pode ter sido oportunizada aos estudantes, por exemplo, por meio da: 1)
ação de experimentação da construção da pilha-batata (4º momento didático); 2)
ação de apresentação do terrário construído (5º momento didático); e 3) ações de
leitura e discussão do texto Descarte de pilhas e baterias (6º momento didático).
Portanto, na realização destas ações os estudantes podem ter assimilado concei-
tos científicos e conhecimentos tecnológicos sobre pilhas e baterias, bem como,
compreendido alguns impactos destes dispositivos à sociedade quando descarta-
dos inadequadamente em locais não apropriados.
Ilustramos no quadro 1, respostas de estudantes para duas questões de Q1
(aplicado no 3º momento didático) e de Q2 (aplicado no 4º momento didático),
para evidenciar a assimilação de conceitos envolvidos no conteúdo Pilhas por
parte dos estudantes.

156
Quadro 1: Respostas de estudantes aos questionários Q1 (concepções prévias) e
Q2 (após a ação de experimentação)

Q1 Q2

Questão 4: Em sua opinião, o que é uma


pilhas? Questão 1: O que é pilha?

E2: “É um objeto cuja função é fazer E2: “É um artefato tecnológico que gera
funcionar um certo aparelho”. energia”.
E3: “É uma bateria pequena”. E3: “É um instrumento que produz energia”.
E7: “É um objeto que dá energia e E7: “É um instrumento de produção de
eletricidade a diversas coisas”. energia”.
E30: “Armazenamento de energia ou energia E30: “Armazenamento de energia”.
reserva”.

Questão 5: Como você acha que uma pilha


funciona, ou seja, gera energia?
Questão 2: Como as pilhas geram energia?

E2: “Com a junção de metais contidos nesta


E2: “É um processo de reação onde ocorre a
pilha e as condições do aparelho”.
redução e oxidação”.
E3: “Através de um imã que passa a energia
E3: “Através de uma reação onde ocorre
da pilha para o aparelho”.
oxidação e redução”.
E7: “Juntando alguns elementos químicos
E7: “Através de reações químicas”.
e físicos; ao se chocarem acaba surgindo a
E30: “Pela uma reação oxi-redução”.
eletricidade”.
E30: “Sim, ela gera energia”.

Tomada de decisão

Nesta fase é esperado que os estudantes desenvolvam o exercício de tomada


de decisão (WAKS, 1992; 1996). Portanto, algumas das ações de estudo podem ter
refletido neste exercício pelos estudantes, como, por exemplo: 1) ação de socia-
lização dos resultados das pesquisas e das entrevistas para o grande grupo (2º
momento didático); e 2) ação de participação do fórum escolar (6º momento di-
dático). Nessas ações de estudo os estudantes expuseram seus posicionamentos,
escutaram os argumentos dos outros e negociaram posicionamentos para a to-
mada de decisão.
Ilustramos, com três trechos transcritos, a exposição de argumentos de al-
guns estudantes durante o fórum. Antes de iniciar, a professora escreveu no qua-

157
dro a proposição “Os produtos da ciência e da tecnologia sempre promovem o
bem-estar da sociedade”, e em seguida, abriu a discussão do fórum.
Trecho 1:
1 - Prof: Pode começar.... primeiro a acusação.
2 - E1: Pode começar, professora?
3 - Prof: Pronto, gente?
4 - E1: Eu vou, eu vou refazer essa frase aí... “os produtos da ciência e
tecnologia ‘nem sempre’ promovem o bem estar da sociedade”. Vou
colocar nem sempre... porque é... tanto faz eles colocarem uma coisa
para nos beneficiar hoje e amanhã nos prejudicar. Exemplo de vida
mesmo... eles inventaram a pilha pra que a gente possa usar... e tá todo
mundo usando.. e tá tudo numa boa. Depois, a gente não sabe o que
essas pilhas podem nos fazer futuramente. Então, portanto eu não
concordo com essa frase.
5 - Prof: Ô, A1, você já pensava dessa forma ou você começou a pensar de
acordo com esses encontros da gente?
6 - E1: No começo eu não sabia que isso poderia nos prejudicar, então,
comecei a pensar dessa forma depois das aulas e do aprendizado.
7 - Prof: Ok... alguém quer se colocar quanto ao que A1 falou?
8 - E2: eu professora... eu concordo.... porque hoje realmente é um bene-
fício, né? Mas o que tá fazendo a gente, tipo, contaminando o ar, o
solo, enfim... tá nos prejudicando bastante né? E nisso a gente já sabe
de hoje, né? É uma coisa que a gente faz, consome, né? Usa e utiliza a
pilha... mas sabendo que está nos prejudicando.
9 - Prof: então você concorda com E1.
10 -Hanrãn.. (a estudante responde afirmando).
Trecho 2:
1 - Prof: Agora outra pessoa de acusação...

158
2 - E3: Eu também não concordo com a frase... porque você tá vendo um
negócio que está muito em alta, que é o carro.. o automóvel... o carro
é muito bom... realmente, é bastante cômodo para se locomover... pra
fazer entregas, várias coisas, em compensação ele está poluindo o ar..
e por aí vai, né? Gerando o aquecimento global. Então nem sempre...
é... essas descobertas, esses produtos criados são.. assim... totalmente
bons... porque às vezes é bom agora, mas.. vê, a gente já tá sofrendo as
consequências das coisas que já vem a muito tempo acontecendo.
3 - Prof: Alguém quer se colocar em relação ao que ela falou? Ninguém,
gente? Se... se... você, é... concorda com a acusação eu poderia dizer,
eu poderia levantar uma questão assim: se a ciência e tecnologia tam-
bém pode trazer problemas para o ambiente, será que é necessária
uma avaliação do cidadão comum frente a esses problemas dos pro-
cessos da ciência e tecnologia?
4 - Alguns estudantes: sim.. sim.
5 - Prof: quem está de acordo com a acusação, tá bem claro, não tá?
6 - Alguns estudantes: tá...
7 - Prof: Alguém mais da acusação? Ninguém?
Trecho 3:
1 - Prof: A primeira pessoa da defesa...
2 - E4: Ela deu o exemplo do carro que causa o aquecimento global. Mas,
não é só o carro... é o dono do carro. Porque se o carro tem problema..
o problema da fumaça, é aquele problema do carro... e se, a pilha... a
pilha... quem tá jogando a pilha no rio? Somos nós. O cientista que
desenvolveu a pilha tem a ver com o que estamos fazendo? Jogando
pilha no chão? Tem nada a ver! Então é por isso que eu sou totalmen-
te... a favor dessa frase.
3 - Prof: quem quer se colocar? Quem concorda com o colega?

159
Após a pergunta da professora, a turma, ao escutar os argumentos da acu-
sação e da defesa, tomou a decisão de considerar que a proposição “Os produtos
da ciência e da tecnologia sempre promovem o bem-estar da sociedade” deve ser
modificada para “Os produtos da ciência e tecnologia ‘nem sempre’ promovem o
bem estar da sociedade”.

Ação responsável

Na fase da ação responsável é esperado que os estudantes planejem e de-


senvolvam ações pessoais e sociais (WAKS, 1992; 1996). Na SEA essa fase não foi
oportunizada aos estudantes. Entendemos que ela poderia ter sido contemplada
no 7º momento didático da SEA, caso ele tivesse sido realizado.

Integração

Nesta fase é esperado que os estudantes ampliem suas visões de ciência, tec-
nologia e sociedade incluindo questões éticas e valores pessoais e sociais (WAKS,
1992; 1996). Algumas ações de estudo podem ter oportunizado aos estudantes
discutirem aspectos éticos relacionados ao descarte de pilhas e baterias, como,
por exemplo: 1) ação de socialização dos resultados das pesquisas e das entre-
vistas para o grande grupo (2º momento didático); 2) ação de discussão sobre os
vídeos “Não fique pilhado” e “Ilha das flores” (5º momento didático); e 3) ação
de participação do fórum escolar (6º momento didático). Essas ações de estudo
podem ter ampliado uma compreensão mais ampla sobre o descarte de pilhas
e baterias ao considerar outros aspectos envolvidos. O aspecto socioeconômico
foi discutido na ação de socialização dos resultados das pesquisas e das entrevis-
tas, por exemplo, quando os estudantes identificaram que algumas das pessoas
entrevistadas compram pilhas considerando apenas preço, não importando se
foram inspecionadas ou não pelo CONAMA. O aspecto cultural foi discutido na
ação de participação do fórum quando os estudantes destacaram que o descarte
das pilhas e baterias depende de uma cultura de preservação do ambiente, de um

160
posicionamento ético diante do descarte de pilhas e baterias em locais não apro-
priados, pois segundo eles, mesmo que orientações a este respeito estivessem in-
seridas nos rótulos destes dispositivos, algumas pessoas não as seguiriam.
Portanto, professor, validamos a SEA à medida em que nela identificamos
um potencial para propiciar aos estudantes o desenvolvimento de responsabili-
dade social diante do tema do descarte de pilhas e baterias, ao tempo em que
as ações de estudo realizadas pelos estudantes oportunizaram as fases de: au-
tocompreensão, à medida que os estudantes podem ter tomado consciência de
suas responsabilidades quanto ao descarte adequado de pilhas e baterias, bem
como de algumas necessidades, como, por exemplo, de compreender porque
pilhas e baterias não devem ser descartadas no lixo comum; estudo e reflexão,
considerando que os estudantes podem ter assimilado tanto conceitos científicos
e conhecimentos tecnológicos sobre pilhas e baterias, como ampliado suas con-
cepções acerca de impactos destes dispositivos à sociedade quando descartados
inadequadamente em locais não apropriados; tomada de decisão, ao tempo em
que eles negociaram, por exemplo, posicionamentos divergentes sobre o fato dos
produtos da ciência e da tecnologia nem sempre promovem o bem-estar da socie-
dade; integração, dado que os estudantes podem ter ampliado suas reflexões so-
bre o descarte de pilhas e baterias refletindo em uma visão de ciência e tecnologia
articulada à sociedade, bem como, a necessidade de um posicionamento ético,
agregado a valores, diante desta problemática social e ambiental.
Entretanto, vale destacar que a SEA não oportunizou aos estudantes a fase
de ação social. Isso porque, eles não realizaram ações de estudo que os condu-
zissem efetivamente ao planejamento e desenvolvimento de ações pessoais e/ou
sociais correspondentes a temática do descarte de pilhas e baterias.

161
PROFESSOR, EIS ALGUMAS CONSIDERAÇÕES
Neste texto, professor, compartilhamos com você o desenho e uma proposta
de validação da SEA com abordagem CTS sobre o tema O descarte de pilhas e
baterias.
A partir de nossa proposta, validamos a SEA considerando seu potencial
para promover aos estudantes o desenvolvimento de responsabilidade social
diante de questões sociais e ambientais relativas ao descarte de pilhas e baterias.
Nesse sentido, ela pode ter oportunizado aos estudantes a realização de ações de
estudo que: propiciaram a compreensão de si, ou seja, a tomada de consciência,
por exemplo, da responsabilidade de descartar pilhas e baterias de forma adequa-
da; promoveram a apropriação de conceitos científicos e conhecimentos tecno-
lógicos sobre pilhas e baterias, bem como, de alguns impactos destes dispositivos
para a sociedade e o meio ambiente quando descartados inadequadamente; pro-
piciaram a negociação de posicionamentos e o exercício de tomada de decisão; e
possibilitaram o entendimento mais amplo de relações entre ciência, tecnologia
e sociedade.
Entretanto, a SEA vivenciada não oportunizou aos estudantes ações de estu-
do que conduzissem ao planejamento e desenvolvimento de ações pessoais e/ou
sociais relativas à temática do descarte de pilhas e baterias.
Nesse sentido, quando planejamos uma SEA com abordagem CTS visando o
desenvolvimento de responsabilidade social pelos estudantes, precisamos consi-
derar todas as fases do ciclo de responsabilidade propostas por Waks. Portanto,
parece-nos pertinente questionarmos juntos, enquanto professores de química,
quais ações de estudo poderiam ser solicitadas aos estudantes em uma SEA com
abordagem CTS para o exercício da fase da ação responsável, no sentido proposto
por Waks?

162
REFERÊNCIAS
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meio ambiente. Bookman. Porto Alegre: Brasil. 2006.

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CONAMA - Conselho Nacional do Meio Ambiente (2008). Resolução N° 257/1999,


substituída pela Resolução 401/2008, de 04 de novembro de 2008. Publicada no
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LEONTIEV, A. O desenvolvimento do psiquismo. Lisboa: Horizonte, 2004.

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VIEIRA, R. M.; TENREIRO-VIEIRA, C.; MARTINS, I. P. A educação em ciências


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munitario. In: ALONSO, A.; AYESTARÁN, I.; URSÚA, N. Para comprender cien-
cia, tecnología y sociedad. Espanha: EVD, 1996.

163
Capítulo 8

UMA PROPOSTA DE
SEQUÊNCIA DIDÁTICA
SOBRE COMBUSTÍVEIS
E IMPACTOS
AMBIENTAIS NO
ENSINO DE QUÍMICA
Simone Maria de Andrade Medeiros
Wilka Karla Martins do Vale
Antônio Inácio Diniz Júnior

164
INTRODUÇÃO
Neste capítulo apresentamos uma proposta de sequência didática sobre
o tema “combustíveis e impactos ambientais”, uma vez que consideramos esse
tema relevante para o ensino de química e para o cenário da formação de profes-
sores na área.
Desenvolvemos a sequência didática (SD), balizados pela abordagem de
Questões Sociocientíficas (QSC). Segundo Pérez (2012) a abordagem de QSC exi-
gem “o comprometimento dos professores de Ciências com a mudança de uma
sociedade desigual, na qual a ciência e a tecnologia também se entrelaçam às re-
lações de exclusão e dominação. Assim, o papel do professor é fundamental para
orientar discussões com seus alunos sobre questões sociocientíficas para que eles
se posicionem criticamente diante dessas questões” (PÉREZ,2012, p. 61). Assim,
sinteticamente, os momentos didáticos dessa SD buscaram articular aspectos
da vida cotidiana com conhecimentos químicos relacionados com a temática de
combustíveis e impactos ambientais.
Elegemos diferentes tipos de combustíveis para nortear as discussões, sa-
bendo que todos eles desencadeiam discussões sobre questões ambientais. Des-
tacamos que os temas ambientais fazem parte de um sistema complexo que en-
volve QSC e necessitam ser analisados por múltiplos aspectos que considerem a
linguagem descomplicada da sociedade até as vertentes mais utilizadas da pes-
quisa científica. Não basta relacionar e denunciar os fatos que envolvem os danos
ambientais, é preciso criar condições para que os estudantes adquiram consciên-
cia crítica sobre as questões ambientais que envolvem leis, cumprimento das leis,
investimento econômico em ciência e tecnológico visando a preservação ambien-
tal. Torna-se interessante evidenciar que estas questões demandam discussões
em sala de aula que remetem ao raciocínio moral e/ou ao julgamento ético dos
estudantes. Assim, compreendemos a importância de inserirmos estratégias ino-
vadoras, como as abordagens de QSC, pois possibilita que questões dos mais di-

165
versificados temas ganhem sentido para os estudantes e esses sejam capazes de
se envolver nas discussões dentro e fora do ambiente escolar.
Diante do exposto, consideramos importante que o professor ao escolher o
tema que será estudado como QSC resgate e apresente a história do que será estu-
dado, pesquise com os estudantes todo movimento social e cultural que envolve
o tema e considere as concepções da vida cotidiana dos estudantes ao apresentar
as concepções da ciência.
Portanto, antes de descrevermos o planejamento e o desenvolvimento da SD
apresentaremos a motivação da escolha da QSC que como já foi dito tem como
tema: Combustíveis e impactos ambientais. Resgataremos a história do domínio
do fogo pelos povos antigos como um acontecimento importante no desenvolvi-
mento humano, que envolveu várias explicações filosóficas ao longo destes sé-
culos. E, o uso dos combustíveis durante vários períodos da história e da quími-
ca que devem ser considerados em sala de aula, para que haja entendimento da
totalidade que envolve as mais variadas fontes de energias. Assim, poderemos
estudar a composição do combustível, a fração relativa deste, a quantidade neces-
sária de oxigênio que deve reagir para que ocorra a combustão, a temperatura, a
pressão e os diversos produtos que podem ser gerados em função da reação entre
combustíveis e oxigênio. Os produtos gerados pela combustão podem ser rela-
cionados com temas que abordam impactos ambientais, tais como: aquecimento
global, efeito estufa, chuva ácida, acidificação dos mares e do solo etc. Essas dis-
cussões suscitam argumentos para entender a sobrevivência dos seres humanos
no planeta Terra.

MOTIVAÇÃO DA QUESTÃO SOCIOCIENTÍFICA: COMBUSTÍVEIS E


IMPACTOS AMBIENTAIS
No desenvolvimento dos modos de vida humanos, fomos aprendendo cada
vez sobre a importância de fontes de energia, como o fogo, em tempos mais remo-
tos, e mais recentemente que existem diversos tipos substâncias que produzem

166
energia quando ocorre uma reação química, entre elas, os combustíveis. Podemos
nos perguntar: O que são combustíveis? Qual a sua história? Qual a melhor es-
colha das fontes energéticas para o meio ambiente? Como é visto pela ciência os
impactos ambientais? Quem controla as principais fontes de combustíveis fósseis
e lucram com isso, tem interesse na busca de combustíveis renováveis? Qual o
papel da educação na conscientização cidadã para exigir o cumprimento da lei
ambiental e para participar dos processos que elaboram as leis?
Discutir e propor soluções para estes questionamentos pode ser o motivo
para estudar a QSC combustíveis e impactos ambientais no ensino básico e en-
sino superior. Tendo em vista que é cognitivamente estimulante aprender sobre
as fontes de energia e o que acontece no mundo industrializado com consumido-
res vorazes por mais energia. A discussão sobre como os combustíveis afetam o
meio ambiente é de natureza interdisciplinar e demanda que pensemos nos vá-
rios aspectos de como os combustíveis são extraídos, gerados, produzidos, trans-
portados, utilizados, descartados etc. As fontes de energia que temos atualmente
são as mais variadas: petróleo, carvão, gás natural, energia nuclear, energia solar,
energia do vento, energia geotérmica, energia dos mares, energia hidroelétrica,
energia de biomassa.
A queima de biomassa renovável como lenha, carvão vegetal acumulam
grandes quantidades de dióxido de carbono que foram absorvidos na fotossínte-
se e transformados em matéria orgânica. A biomassa é um material constituído
principalmente de substâncias de origem orgânica (vegetal, animal, microrganis-
mos). Desde a pré-história até a Revolução Industrial, essa era a maior fonte de
energia utilizada pela humanidade. A exploração do petróleo e a enorme quanti-
dade de sua aplicação foi um divisor no consumo de energia.
Entretanto, os combustíveis renováveis foram os que impulsionaram a evo-
lução da humanidade. Historicamente desde o momento em que a espécie huma-
na se deparou com o fogo, proveniente da queima de matas e florestas, aprendeu

167
a utilizá-lo como fontes de energia para sua sobrevivência. Daí então, não parou
mais!
Porém, a humanidade é livre para fazer escolhas e a ciência oferece expli-
cações e argumentos para quebrar a barreira do desconhecido, das mentiras, dos
preconceitos e das dominações. Segundo Chiavenato (1989):

Todos os sistemas e fatos históricos que resultam na castração da


liberdade do homem são antinaturais. O resgate da liberdade do ho-
mem, isto é, da sua plenitude como ser humano, é o ponto de par-
tida para todas as políticas de justiça social, entre elas, a luta pelo
meio ambiente. Devemos conhecer o homem e a natureza em sua
essência, para desenvolvermos uma consciência capaz de modifi-
car a própria tradição de desumanização do homem (CHIAVENATO,
1989, p. 14).

Para desenvolvermos esta consciência é fundamental o entendimento da


complexidade dos fenômenos que impulsionam os avanços da humanidade, da
ciência e da tecnologia. A despeito do quanto de energia nós utilizamos, sempre
queremos mais, pois os bens são consumidos em quantidades cada vez maiores
pelos habitantes principalmente dos países mais industrializados. E já estamos
sofrendo as consequências deste uso descontrolado dos combustíveis. O desen-
volvimento econômico e industrial impõe necessidades que precisam ser discuti-
das no ambiente escolar e acadêmico.
Acreditando na importância da discussão de temas que envolvem esse tema,
promovemos discussões entre estudantes no minicurso intitulado “Combustíveis
e Impactos Ambientais: Construindo Relações entre Contexto e o Perfil Concei-
tual”. Objetivamos no minicurso promover discussões entre os estudantes sobre
combustíveis buscando identificar as diferentes concepções que emergiam nas
falas, nas resoluções escritas dos problemas e na apresentação da síntese elabo-
rada pela equipe. Descreveremos abaixo o planejamento das atividades didáticas.

168
PLANEJAMENTO DA SEQUÊNCIA DIDÁTICA
A sequência didática foi planejada e executada em um minicurso que fez
parte da programação de atividades do IV Encontro de Química e Formação Do-
cente, evento promovido pela coordenação do curso de Licenciatura em Química
da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE). O minicurso intitulado
“Combustíveis e Impactos Ambientais: Construindo Relações entre Contexto e o
Perfil Conceitual” foi elaborado e ministrado pelo Núcleo de Pesquisa em Didá-
tica e Conceituação em Ciências (NUPEDICC), que tem como uma das linhas de
pesquisa a análise do processo de conceituação a partir da dinâmica discursiva
em sala de aula.
A SD proposta para o minicurso foi planejada para ter duração total de 4 ho-
ras. As atividades decorrentes da SD buscaram promover discussões sobre con-
teúdos de química, fenomenológicos e moleculares, relacionados a produção, ob-
tenção e utilização de diferentes tipos de fontes energéticas, e suas articulações
com viabilidade política, econômica, tecnológica, social e ambiental (GUARIEI-
RO, 2006).
Diante do exposto, para o planejamento da SD voltada para QSC foram ne-
cessárias a separação, preparação e a escolha de múltiplos materiais didáticos.
Para todos os materiais utilizados buscamos estabelecer conteúdo específicos
ou mesmo uma temática atrelada a discussão genérica de fontes energéticas e
seus impactos. Por exemplo, o vídeo, as imagens, e, os textos de apoio, foram se-
lecionados a partir da realização de pesquisas nessas plataformas digitais, como o
Google Acadêmico e o Youtube. Eles foram selecionados quando sua composição
estava coerente com os objetivos de cada uma das ações da SD e com tempo de
realização das atividades, por exemplo.
Outros materiais para realização do minicurso; como o questionário diag-
nostico, voltado para reconhecer concepções iniciais dos estudantes sobre os
temas contemplados da SD, e as Situações Contextualizadas, que são enuncia-
dos que apresentam um contexto específico relacionado a uma QSC; foram ela-

169
borados com a finalidade de obter um material viável para atingir os objetivos
do minicurso. Na sequência, apresentamos essas construções, uma vez que esse
material pode auxiliar os professores de química a sistematizar e organizar esses
e/ou outros materiais didáticos.
O questionário inicial exposto no quadro 1 objetivou identificar o pensamen-
to dos estudantes sobre combustíveis. Contou que 3 perguntas diretas e 1 indireta.
As perguntas diretas direcionam os estudantes a expressarem seus pensamentos
com falas da sua vida cotidiana e com o aprendizado científico acumulado du-
rante sua vida escolar e acadêmica. A pergunta indireta envolve imagens de uma
sociedade industrializada e os estudantes devem atribuir conceitos químicos e
reconhecer os combustíveis envolvidos nas produções, como vemos no quadro 1.

Quadro 1: Questionário inicial – levantamento dos pensamentos dos


estudantes sobre combustíveis.

1. Para você, o que são combustíveis?


2. Que tipos de combustíveis você conhece? Dê exemplos de alguns deles, seus usos e im-
pactos ambientais que podem causar.
3. Que associações você faz entre os combustíveis mencionados e conceitos químicos que
você estudou na escola, e estuda na universidade?
4. Muitos desses combustíveis fazem parte da nossa vida cotidiana. Podemos ver sua aplica-
ção em diversas áreas da sociedade. Abaixo, são mostradas imagens nas quais podem ser
identificadas situações de produção e uso de combustíveis. Identifique em cada imagem
tipos de combustíveis usados, e conceitos químicos envolvidos.

Figura 1 Figura 2

170
Figura 3 Figura 4

Fonte:
Figura 1: https://www.infoescola.com/quimica/gasolina/
Figura 2: https://www.infoescola.com/ecologia/energia-nuclear-e-limpa/
Figura 3: https://www.infoescola.com/desenvolvimento-sustentavel/fontes-renovaveis-de-energia/
Figura 4: https://www.infoescola.com/combustiveis/carvao-vegetal/

Fonte: Própria

As situações para contextualização SC1 e SC2, foram elaboradas para promo-


ver discussões sobre a relação custo-benefício da gasolina e do etanol; o processo
de produção de etanol; quais seriam as principais vantagens socioambientais do
etanol combustível e quais seriam os problemas gerados que impedem a amplia-
ção dessas vantagens? Os estudantes deveriam analisar a utilização de gasolina e
etanol em veículos e as vantagens e desvantagens socioambientais quando utili-
zados, como vemos no quadro 2.

171
Quadro 2: Enunciados das Situações Contextualizadas sobre Etanol e Gasolina.

Situações Contextualizadas 1 - Tema: Etanol e Gasolina

SC1: Tarsila estava indo para seu curso de SC2: Não é de hoje que existe a preocupa-
formação acerca de Educação Ambiental, ção com a geração de energia, sobretudo
cujo tema da aula deste dia seria “Fontes de sobre a geração de energia limpa e susten-
energia: combustíveis além do petróleo”, mas tável. Visando trazer novas possibilidades
no caminho parou em um posto de combus- aos combustíveis fósseis, nos anos 70 surgiu
tíveis para abastecer seu carro flex. O custo no Brasil o Programa Proálcool, em prol de
do litro do álcool etanol derivado da cana-de- buscar investimentos e desenvolvimento
-açúcar era R$ 3,48 e da gasolina derivada do tecnológicos das usinas de cana-de-açúcar
petróleo R$ 4,59. Ela fez um cálculo rápido para a produção do etanol anidro e hidrata-
de rendimento do combustível em relação do. Hoje, a inserção do álcool já está mais
a quilometragem percorrida. Dividiu o preço consolidada e regulamentada pela Agência
do etanol pelo da gasolina e obteve como re- Nacional do Petróleo, Gás Natural e Com-
sultado 0,758. Então resolveu abastecer com bustível. No entanto, também sabemos que
gasolina, pois sabia que se o resultado fosse existem problemas que precisam ser resol-
inferior a 0,7, era melhor abastecer com eta- vidos para que o álcool se torne realmente
nol e se fosse maior que 0,7, a opção seria uma alternativa socioambiental sustentável.
a gasolina. Ao chegar na aula participou de Mediante o material disposto, quais seriam
discussões a respeito de aspectos envolven- as principais vantagens socioambientais do
do os vários tipos de combustíveis e seus im- etanol combustível e quais seriam os pro-
pactos ambientais. Tarsila só considerou um blemas gerados que impedem a ampliação
aspecto. Então, leia os materiais disponibili- dessas vantagens?
zados, discutam e respondam: quais fatores
podem interferir na escolha de Tarsila no mo-
mento de abastecer o carro? Discorra sobre a
relação custo-benefício, liberação de energia,
produção de poluentes e seus impactos am-
bientais.

Fonte: Dos autores

A problematização da questão SC3 aborda as vantagens e as desvantagens do


gás natural; a melhor escolha entre gás natural e biodiesel e quais são os impactos
ambientais desses dois combustíveis? E, na situação problema SC4 o estudante
deve analisar se o gás natural é uma energia limpa e todo caminho que envolve
seu consumo, detalhando os impactos ambientais causados desde a extração até
o consumo final, como vemos no quadro 3.

172
Quadro 3: Enunciados das Situações Contextualizadas sobre Gás natural e Biodiesel

Situações Contextualizadas 2 - Gás Natural e Biodiesel

SC3: Como atividade escolar, a professora so- SC4: O gás natural é uma fonte não reno-
licitou a Thiago que realizasse uma pesquisa vável, que foi formada ao longo de milhões
apontando vantagens e desvantagens do gás de anos nos reservatórios subterrâneos do
natural e teria que indicar uma alternativa ao planeta. A produção do gás natural, desde
uso do gás natural como combustível. Quais a exploração das bacias, processamento,
dados ele apontaria o biodiesel como combus- até o transporte pode gerar grandes im-
tível alternativo ao uso do gás natural? Como pactos no ambiente, como vazamentos em
é produzido o biodiesel? Há impactos ambien- plataformas e gasodutos. Que impactos
tais na sua produção? O biodiesel vendido em ambientais são ocasionados nos processos
postos de combustíveis é mais limpo do que o de produção, processamento, transporte,
gás natural? distribuição e combustão do gás natural.
O gás natural é uma fonte energética “lim-
pa”? Avalie se o uso do gás natural pode
ser considerado viável diante de impactos
ambientais provenientes da extração, pro-
dução e distribuição desse combustível.

Fonte: Dos autores

As Situações Contextualizadas SC5 e SC6 contemplam em seus enunciados


questionamentos sobre os desafios da energia eólica e qual o combustível envol-
vido na geração dessa energia? Também foi enfatizado questões relacionadas com
capacidade de produção e distribuição de energia, relação investimento e rendi-
mento quando comparado a outras fontes energéticas e impactos ambientais. Na
SC os estudantes deveriam discutir sobre os aerogeradores e energia renovável,
conforme quadro 4.

173
Quadro 4: Enunciados das Situações Contextualizadas sobre Energia Eólica.

Situações contextualizadas 3 - Energia Eólica

SC5: Em um texto intitulado: Energia eólica e SC6: Alice e sua família foram visitar a avó no
os desafios socioambientais, o professor da interior de Pernambuco, e percebeu a pre-
Universidade Federal de Pernambuco, Hei- sença de equipamentos gigantes, parecidos
tor Scalambrini Costa, definiu energia limpa com cata-ventos. A menina então questio-
como aquela que não libera, durante seu nou o pai: Pai, isso é um cata-vento gigante?
processo de produção, resíduos ou gases Qual a finalidade dele? O pai, prontamente
poluentes geradores do efeito estufa e do lhe respondeu: Não. São aerogeradores,
aquecimento global. Ou ainda, que apresen- usados para produzir energia renovável, o
ta um impacto menor sobre o ambiente do que eles chamam de energia limpa. A meni-
que as fontes convencionais, como aquelas na então aumenta ainda mais a curiosidade
geradas pelos combustíveis. e fez muitas outras perguntas ao pai. Entre
Como você define um combustível? Há um outras, perguntou:
combustível envolvido na geração da energia O que é energia renovável? Por que chamar
eólica? Como comparar a energia produzida de energia limpa? A energia produzida nas
por aerogeradores e outros combustíveis? hidrelétricas não é limpa? Porque os “cata-
Justifique. -ventos” estão localizados nos pontos mais
altos? Por que eles estão sempre girando? E
como produzem energia?
Considerando os impactos socioambientais
causados pela instalação das usinas eólicas
e as vantagens apresentadas pela produção
dessa energia ‘limpa’, o que você faria se
fosse um morador de uma área que estives-
se sendo alvo da empresa Renova energia?
Qual decisão você julgaria mais coerente,
assinar ou não o contrato? Justifique sua es-
colha.

Fonte: Própria

Diante do exposto as situações contextualizadas produzidas para aplicação


da sequência didática buscam discutir aspetos relacionados com a produção,
distribuição, consumo e impactos ambientais causados pelos combustíveis. Es-
ses combustíveis, frequentemente são utilizados no cotidiano e repercutem em
discussões científicas, econômicas, políticas, tecnológicas, ambientais e éticas.
Entretanto, diante das diversas fontes energéticas e das discussões sobre essa te-
mática, outros pontos podem e devem ser explorados a fim de motivar o estudo

174
de conceitos químicos, facilitando sua compreensão e auxiliando estudantes e
professores a reconhecer que a química é um conhecimento necessário para que
os indivíduos possam reconhecer algumas dicotômicas que rodeiam o processo
inevitável que é o uso de fontes energéticas para a realização de diferentes ativi-
dades humanas.

SEQUÊNCIA DIDÁTICA EM DEZ MOMENTOS


Descreveremos a SD em dez momentos:

• Primeiro momento - apresentamos o objetivo da proposta das ativida-


des e o objeto do curso (combustíveis e impactos ambientais) para os
estudantes. A proposta de atividade previu a compreensão dos estudan-
tes acerca dos objetivos formativos. Frisamos que diante do desenvolvi-
mento de um planejamento que envolve diferentes atividades didáticas,
é importante para o estudante reconhecer os objetivos formativos do
planejamento, possibilitando assim um maior engajamento e motivan-
do-os para realização das atividades, e ainda, fomentando um processo
de reflexão sobre sua atuação no decurso da aplicação do planejamento
didático. Algumas das outras vantagens ao explicitar os objetivos forma-
tivos, são: os estudantes podem articular seus objetivos individuais com
os objetivos coletivos da atividade e o fato de oportunizar aos estudantes
um espaço aberto e dialogado em que podem sugerir tarefas ou mesmo
apontar outros objetivos concatenados com as discussões pretendidas;
• Segundo momento - exibimos um vídeo que apresentava tipos diferentes
de combustíveis para os estudantes. O vídeo teve a função motivadora de
captar a atenção dos estudantes para as informações e instruções sobre
combustíveis e impactos ambientais. Os vídeos, as imagens e os textos de
apoio, que fizeram parte do material didático foi disponibilizado para os

175
estudantes e foram selecionados a partir da realização de pesquisas em
plataformas digitais;
• Terceiro momento - aplicamos um questionário inicial para ser respon-
dido individualmente pelo estudante. Esse levantamento inicial do pen-
samento dos estudantes é importante para identificar as concepções da
vida cotidiana e conhecer como o estudante explica os fenômenos e os
conceitos que os rodeiam na vida dentro e fora do ambiente escolar e
acadêmico, pois partindo desse conhecimento podemos decidir a esco-
lha da sequência de atividades didáticas que devem ser desenvolvidas
em sala de aula;
• Quarto momento - organizamos grupos estabelecendo que os estudan-
tes escolhessem livremente seus pares para as discussões. O trabalho em
grupo é fundamental no processo de aprendizagem, pois nas interações
entre os estudantes ocorrem as negociações de argumentos, e experiên-
cias. O trabalho em grupo é determinado por regras, papéis e convenções
para boas interações e trocas. Em vários contextos da vida humana, per-
ceberemos que as trocas de pensamentos, atitudes quando se trabalha
em grupo é fator relevante no processo de aprendizagem. A colaboração
que ocorre em grupo na sala de aula faz parte da construção histórica,
cultural e social que envolve os estudantes;
• Quinto momento - distribuímos um tema para cada equipe discutir. A
organização dos temas e das atividades seguiram a ordem: Grupo 1 e 2
- Petróleo e outros combustíveis; Grupo 3 e 4 - Etanol; Grupo 4 e 6 - Gás
Natural e Biodiesel; Grupo 7 e 8 - Energia Eólica. Cada grupo tinha como
problema duas situações contextualizadas, que foram apresentadas e
fundamentadas por dois textos de apoio.
• Sexto momento- os estudantes analisaram e solucionaram a situação-
-problema. Os estudantes identificaram as variáveis, discutiram as hipó-
teses, organizaram o texto, desenharam imagem de acordo com suas con-

176
cepções e por fim finalizaram com a escolha de quem deveria socializar o
pensamento do grupo para o grande grupo (estudantes e organizadores);
• Sétimo momento - mediamos as discussões nos grupos. Cada grupo foi
acompanhado por dois componentes do NUPEDICC, seu papel foi de me-
diador, observador e avaliador. As observações seguiam a seguinte estru-
tura de avaliação: 1 – Como a atividade está organizada no grupo (muitos
ou poucos participaram da discussão, há líderes no grupo, como foi feita
a leitura das situações e dos textos; 2 – Em ordem cronológica, descreva
tópicos, ideias de senso comum, informações do texto, conteúdos quími-
cos e conceitos químicos, que estão sendo discutidos para cada situação,
no grupo; 3 - Concepções relevantes expressadas pelos estudantes (espe-
cificar em que situação elas emergem), e associação dessas concepções
a contexto (se forem feitas); 4 – Dificuldades apresentadas pelos partici-
pantes na realização da atividade;
• Oitavo momento- as ideias foram socializadas e discutidas com o grande
grupo, ou seja, cada grupo responsável pela discussão de duas situações
contextualizadas teve a oportunidade de expor as suas discussões e reso-
lução das respectivas SC para os demais grupos, em um tempo aproxima-
do de 10 minutos. Este momento de interação discursiva foi fundamen-
tal, pois os estudantes expuseram seu pensamento de síntese produzido
na análise da situação contextualizada. A heterogeneidade das ideias dos
grupos ficou evidenciado nos diferentes contextos, valores, níveis de co-
nhecimento de cada grupo, aprofundamento teórico científico, cotidia-
no e trajetórias pessoais citadas nas falas. Todo pensamento socializado
durante esse momento imprimiu ao minicurso a possibilidade de trocas
de repertórios, de visão de mundo, ajuda mútua e consequentemente a
ampliação da capacidade de aprendizagem de cada estudante;
• Nono momento - os componentes do NUPEDICC articularam as ideias
dos grupos fazendo assim uma síntese das diferentes concepções que

177
emergiram nas discussões, destacando a importância de das situações-
-problema e os textos de apoio na construção/seleção e negociação dos
argumentos pelos estudantes;
• Décimo momento - houve a avaliação da SD. Foi avaliada com o intuito
de identificarmos até que ponto a organização de uma SD bem planeja-
da pode influenciar na argumentação e desenvolvimento de discussões
entre estudantes. Nesse sentido, a avaliação detectou avanços e identi-
ficou dificuldades. O avanço é termos um núcleo de estudo que possui
consciência de todo processo do minicurso na sua totalidade, significan-
do assim, capacidade de mediar os grupos, analisar e solucionar as difi-
culdades imediatas que surgiram no entendimento das atividades. Deste
modo, fazer avaliação das ações durante o minicurso significou com-
preender o processo na sua totalidade. Para isso, foi necessário esforço,
para que pudéssemos apontar a necessidade de revermos algumas eta-
pas. Acreditamos que uma avaliação coerente se dá a partir do momento
em que o avaliador toma consciência do contexto e da heterogeneidade
que envolve um ambiente escolar e fica atento ao processo de ensino e
aprendizagem, como forma dinâmica e processual.

Deixamos evidenciado para o leitor que o décimo e último momento não foi
uma etapa final, pois a avaliação ocorreu durante toda execução do minicurso e o
décimo momento deu-se entre os componentes do NUPEDICC, após a execução
do minicurso. A avaliação é um momento da SD que se estende ao momento pre-
sencial com os estudantes.
A organização dessa SD proporcionou um espaço de interação social e pro-
moveu condições adequadas para que os estudantes discutissem e trocassem
experiências entre seus pares através da mediação sistemática promovida por
atividades didáticas. Compreendemos que essa dinâmica só é possível quando
envolve e motiva professores e estudantes em seus esforços de ensinar e apren-

178
der. Deste modo, afirmamos que a SD que ocorreu no minicurso baseou-se nas
funções interpessoais e nas interações recíprocas de estudantes ativos interagin-
do com seus pares e componentes do NUPEDICC.
Para melhorar a visualização da SD apresentamos na Figura 1 uma represen-
tação dos dez momentos. Enfatizamos que essa visualização/separação didática
da SD facilita para que possamos reconhecer como ela pode ser aplicada, mas não
é uma única possibilidade, uma vez que os momentos didáticos podem e devem
ser (re)pensados, considerando aspectos e objetivos de ensino e aprendizagem.
Adicionalmente, é importante considerar que os momentos de uma SD devem
priorizar que os estudantes explorem as temáticas delineadas pela SD, para isso
precisam dispor de materiais e recursos capazes de atender seus objetivos de en-
sino e aprendizagem

Figura 1: Sequência Didática em 10 momentos.

Fonte: Dos autores.

179
UM OLHAR PARA ALGUNS DOS DADOS PROVENIENTES DA
APLICAÇÃO DA SD
Alguns dos aspectos positivos da SD foram explicitados nas respostas e
discussões desencadeadas pela realização das ações didáticas propostas para a
discussão do tema sobre combustíveis e impactos ambientais. Selecionamos res-
postas a algumas das questões presentes no questionário usado para levantamen-
to das concepções iniciais (terceiro momento) e trechos das falas dos estudantes
provenientes da apresentação do grupo 1, que ficou responsável pela discussão e
soluções para as situações contextualizadas 1 e 2 (sétimo momento).

Análise das concepções iniciais sobre combustíveis

A seguir, no Quadro 1, estão dispostas respostas que foram recorrentes na


pergunta Q1 do questionário de levantamento das concepções iniciais (terceiro
momento da SD) a qual investigou, as conceituações dos estudantes de química
sobre combustíveis.

Quadro 4: principais conceituações dos estudantes sobre combustíveis

Q1. Para você, o que são combustíveis?

-São fontes de energia que podem ser renováveis ou não-

-Substância que ao sofrer combustão (queima) reage com oxigênio produzindo energia em forma
de Trabalho-

-São substâncias que auxiliam em diversos processos do mundo industrializado, desde o desloca-
mento dos carros funcionando de máquinas-

-São substâncias ou compostos químicos que oferecem energia para a realização de trabalho,
por meio da reação bioquímica e por combustão-

-Os combustíveis geram energia, mas degradam a atmosfera quando provém de material fóssil-

Fonte: Própria

180
Conforme notamos no Quadro 1, verificamos os estudantes conceituam os
combustíveis enfatizando sua relação com a produção/consumo de energia, de-
senvolvimento tecnológico, ou seja, conseguem explorar questões com linguagem
muito próxima da ciência, destacando assim a epistemologia do conceito relacio-
nadas a essa QSC, dando destaque a questão científica, tecnológica e ambiental.
Em outra fase da SD utilizamos de imagens para suscitar a discussão e re-
flexão dos estudantes sobre combustíveis e sua relação com conceitos químicos.
Apresentamos algumas das descrições dos estudantes no quadro abaixo.

Quadro 5: Expressões dos estudantes perante as imagens apresentadas

Exemplos de expressões utilizadas pelos estudantes na descriminação das imagens

Imagem 1 – “Gasolina, combustível orgânicos composto por uma cadeia carbônica de em


média 8 carbonos”, “Combustão completa e incompleta, cinética química, ligação química,
hidrólise, catálise química”;

Imagem 2 – “Usina nuclear, energia química”, “Radioatividade, decaimento radioativo, ponto


de fusão e ebulição, física de partículas, princípios de estabilidade nuclear”;

Imagem 3 – “Hidrelétrica, utiliza a força hídrica para fornecer energia; imagem”, Energia
potencial, energia cinética, gravitação, viscosidade, de líquidos, tensão superficial, e hidrodi-
nâmica”;

Imagem 4 – “Queima alimentos, carvão mineral”, “Combustão completa e incompleta, oxida-


ção, isolamento e condução térmica, transformação química, funções orgânicas”.

Fonte: Própria

A partir das imagens os estudantes puderam expressar diferentes conceitos


químicos relacionados à temática e a discussão sobre combustíveis, por exemplo,
cinética química, ligações e catálise química, quando descreveram a imagem 1. Ou
seja, os estudantes conseguiram perceber que uma temática como combustíveis
pode conduzir a diferentes discussões sobre conceitos da química. Diante disso,
consideramos que existe uma significação expressiva da temática para esclarecer
conceitos químicos de forma contextualizada. Os estudantes também consegui-

181
ram reconhecer diferentes tipos de combustíveis, como o carvão mineral, usinas
nucleares e gasolina e combustíveis orgânicos, mostrando assim, que já refletem
sobre diferentes fontes de energia.
Entretanto, a partir da descrição dessas imagens os estudantes não enfati-
zaram questões relacionadas com consumo e impactos ambientais quando são
apresentados a diferentes situações de utilização e tipos de combustíveis. Con-
tudo, acreditamos que essa falta de relação com aspectos de consumo e impactos
ambientais, está associada ao direcionamento dado no enunciado da questão,
que enfatizava, a partir da identificação de cada tipo de combustível utilizado nas
imagens tipos de combustíveis usados e conceitos químicos envolvidos.
No entanto, reconhecemos que a leitura de imagens, solicitada no questio-
nário de concepções prévias poderia ter oportunizado outro momento de refle-
xão sobre aspectos sociocientíficos relacionados com a temática Combustíveis,
ao passo que diante de diferentes imagens os estudantes podem vir a atribuir
valor e relacionar com suas concepções que são provenientes da experiência his-
tórica, cultural e social que acumula sobre os símbolos apresentados nas respec-
tivas imagens.

Análise das situações contextualizadas do grupo 1

Aqui, destacamos as situações contextualizadas 1 e 2, que buscaram traçar


uma discussão acerca da escolha entre o abastecimento com etanol ou gasolina.
Os estudantes discutiram e responderam a essas situações, visando reconhecer
aspectos dicotômicos sobre a utilização de álcool ou gasolina em carros de motor
Flex, fazendo inferências com relação ao conhecimento científico (conceitos de
álcool e gasolina e sua propriedades), à questão sobre custos e benefícios desses
combustíveis (aspectos econômicos) e aos impactos socioambientais (aspectos
sociais e ambientais). Em suma, durante as discussões do grupo, os estudantes
estavam abertos a discutir e analisar conceitos químicos atrelados aos combustí-
veis, ao rendimento energético e apontaram vantagens e desvantagens. Compa-

182
raram aspectos econômicos, de rendimento, de tecnologia e impactos ambientais
resultantes do uso dos diferentes combustíveis .
No momento da apresentação para o grande grupo, o grupo de estudantes
responsável pela discussão dessas situações contextualizadas utilizaram fluxo-
gramas em cartazes e esquemas no quadro branco para apresentar a síntese das
discussões.
Percebemos que os estudantes sistematizaram o fluxograma com conteúdo
científicos, apresentando a reação de combustão da gasolina e do álcool. Compa-
raram o rendimento dos dois combustíveis, a liberação de energia e a formação
de compostos poluentes, como o dióxido de carbono (CO ). Sendo assim, os estu-
2

dantes baseiam-se na linguagem científica para justificar aspectos econômicos e


ambientais, como vemos nesses trechos a seguir:

Quadro 6: Trecho da fala de um dos componentes do grupo 1.

“Para o ambiente o motor flex. Temos a opção de escolher gasolina ou álcool. A gasolina polui
mais como mostramos na reação, o álcool polui menos só que anda mesmo, se essas informa-
ções fossem repassadas para população como foi para a gente, eles poderiam repensar se é
melhor escolher o combustível pelo custo e considerar outros fatores, como o meio ambiente”
(Fala de um dos estudantes).

Esse trecho expressa que o grupo responsável pela resolução das situações
contextualizadas 1 e 2, justificou a escolha feita pela capacidade calorífica, do ál-
cool ou da gasolina, de gerar energia, e neste caso, seria interessante comparar
aspectos do rendimento e do custo-benefício para escolher entre esses combustí-
veis. No entanto, o grupo destaca o etanol como um combustível menos poluente
em relação à gasolina, e enfatiza que o custo da gasolina é maior. No entanto, o
carro quando abastecido com etanol consome mais e gera menos energia, quan-
do comparado com a gasolina. Sendo assim, segundo os estudantes, questões fi-
nanceiras, como o custo-benefício e o rendimento, foram consideradas e devem
ser relacionadas com os impactos ambientais no momento do abastecimento do
veículo automotivo. Os estudantes enfatizam que é necessário reconhecer as van-

183
tagens e desvantagens do uso da gasolina e do etanol e assim diante do contexto
de utilização, tempo de uso, custo-benefício, frequência de utilização etc., esco-
lher um desses combustível quando estiver diante de um veículo automotor Flex.
Em síntese, consideramos que as discussões apresentadas pelo grupo 1 pos-
sibilitaram que seus membros e os demais estudantes percebessem que existem
diferentes aspectos sociocientíficos relacionados à temática dos combustíveis,
como aspectos econômicos e ambientais etc. Ao passo que os estudantes do gru-
po 1, evidenciaram aspectos que devem ser levados em consideração, além dos
econômicos, quando se pretende escolher entre álcool e gasolina, e entre um mo-
tor comum ou um motor Flex.

CONSIDERAÇÕES
O planejamento e execução de uma SD considerando a QSC é uma ferra-
menta para os professores, de diferentes níveis de escolaridade, pois esses po-
dem ampliar os conhecimentos históricos, culturais, sociais nas discussões dos
estudantes, possibilitando assim, discussões da Ciência e dos valores cotidianos,
à medida que permite envolver e incentivar os estudantes a refletirem acerca de
seus construídos historicamente nas suas relações vivenciadas coletivamente
em sociedade. No que se refere à SD apresentada neste capítulo, os estudantes
puderam discutir sobre aspectos científicos, tecnológicos, sociais, ambientais e
econômicos relacionados à QSC sobre combustíveis e impactos ambientais. Ao
passo que registramos, momentos de discussão sobre: aplicações para os concei-
tos de reações de combustão, propriedades dos gases, entalpia e ligações química;
e questões controversas como o rendimento, a produção, a origem e a tecnolo-
gia empregada na extração/obtenção, distribuição e utilização de diversas fontes
energéticas etc.
Sendo assim, consideramos que o planejamento e desenvolvimento da se-
quência didática atrelada às questões sociocientíficas possibilitou reflexões, so-
bretudo quando os estudantes conseguiram fazer inferências e problematizar a

184
temática envolvendo questões da realidade. Além disso, observamos a pertinên-
cia dos estudantes ao articularem questões provenientes dos problemas sociais
e conjecturas científicas, quando passam a usar o conhecimento científico como
um dos caminhos que corrobora para compreender e interpretar atitudes e vivên-
cias sociais e culturais.
Nesse sentido, consideramos que organizar uma SD a partir de QSC pro-
piciou o desenvolvimento das argumentações dos estudantes. Sendo assim,
distintos conhecimentos foram mobilizados e nas interações discursivas houve
diferentes desempenhos, produções de sentidos, percepções e tomadas de deci-
sões. Tal processo, pode possibilitar uma formação de cidadãos com pensamento
crítico, alfabetizados cientificamente, com raciocínio ético e moral em todas as
esferas que envolvem a vida.

REFERÊNCIAS
CHIAVENATO, J. J. O massacre da natureza. 14ª ed. São Paulo: Moderna, 1989.

PÉREZ, L. F. M. Questões sociocientíficas na prática docente: ideologia, auto-


nomia e formação de professores. São Paulo: Editora Unesp, 2012.

GUARIEIRO, L.L.N. Metodologia analítica para quantificar o teor de biodiesel na


mistura biodiesel:diesel utilizando espectrometria na região do infravermelho.
Dissertação de Mestrado. Instituto de Química, Programa de Pós Graduação em
Química Orgânica, Universidade Federal do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 2006.

MEDEIROS, S. M. A. de., AMARAL, E. M. R. do. A reação química de combustão


nos artigos da Revista Química Nova na Escola. XI Encontro Nacional de Pes-
quisa em Educação em Ciências – XI ENPEC. Universidade Federal de Santa
Catarina, Florianópolis, SC – 3 a 6 de julho de 2017. Disponível em: http://www.
abrapecnet.org.br/enpec/xi-enpec/anais/resumos/R1957-1.pdf Acesso em 02 de
Julho de 2018.

185
Capítulo 9

PROPOSTA DE
SEQUÊNCIAS
DIDÁTICAS COM
ABORDAGEM
INTERDISCIPLINAR
Rita Patrícia Almeida de Oliveira
Edenia Maria Ribeiro do Amaral

186
INTRODUÇÃO
Neste trabalho, propomos e avaliamos um conjunto de atividades curtas
para o ensino e aprendizagem, estruturadas como sequências didáticas, buscan-
do caracterizar abordagens metodológicas que podem possibilitar a vivência de
práticas interdisciplinares no fazer pedagógico do professor, a partir da sua prá-
tica docente. Especificamente, estamos defendendo que as sequências didáticas
tenham desenhos específicos a partir de atividades que possibilitem a concreti-
zação de uma abordagem interdisciplinar para o ensino, o que iremos tratar como
Sequências didáticas Interdisciplinares (SDI).
Na literatura, existem vários estudos sobre práticas interdisciplinares no
ambiente escolar, por exemplo: as unidades didáticas integradoras, que se con-
figuram a partir da contribuição de diferentes saberes para a elaboração de um
currículo integral e visam incluir conteúdos de diferentes disciplinas participan-
tes (ZABALA,1998); as ilhas interdisciplinares de racionalidade que representam a
construção de um modelo no qual conhecimentos advindos de várias disciplinas
se articulam a saberes presentes na vida cotidiana (FOUREZ, 2001); a pedagogia
de projetos que tem como objetivo estruturar projetos didáticos partindo de um
tema que envolve situações-problema e mobiliza diferentes atores no desenvol-
vimento de atividades e na resolução de problemas (LEITE,1996); os momentos
interdisciplinares que se apresentam como uma forma de relacionar, articular e
integrar os conhecimentos disciplinares no processo de ensino e aprendizagem
(LAVAQUI; BATISTA, 2007); e finalmente, as oficinas pedagógicas interdiscipli-
nares, que se constituem a partir de uma abordagem de temas ou situações da
realidade vivida pelos sujeitos para a articulação de diferentes disciplinas e pro-
fessores na resolução de questões levantadas (ALMEIDA; BASTOS, 2005). Neste
capítulo, traremos uma proposta de Sequências didáticas Interdisciplinares (SDI),
considerando-as como forma de estruturar propostas interdisciplinares no fazer
pedagógico do professor, como parte de uma pesquisa de doutorado, que buscou

187
entrelaçar teoria e prática, a pesquisa e a vivência de professores e estudantes no
ensino e aprendizagem do conhecimento científico.
Para o embasamento teórico da nossa proposta, partimos das ideias de Mar-
tine Méheut (2005), nas quais a proposição e análise de sequências de ensino e
aprendizagem (Teaching Learning Sequences –TLS) são feitas estabelecendo uma
articulação entre duas dimensões: a epistêmica - que se refere a relações entre
o conhecimento científico e o mundo real; e a pedagógica – que está centrada
nas interações entre professores e estudantes. Com isso, procuramos investigar
vivências da interdisciplinaridade oportunizadas por SDIs, propostas como pos-
sibilidade de concretização efetiva e significativa desse tipo de abordagem na prá-
tica dos professores.
Neste capítulo, o nosso objetivo é apresentar como os professores estrutu-
raram e organizaram um desenho de SDI para orientar suas práticas docentes
em uma abordagem interdisciplinar. É um recorte de um trabalho mais amplo
de doutorado, no qual além das propostas, foram analisados os planejamentos e
as vivências da SDIs, em sala de aula. Para o no intento aqui, apresentamos uma
discussão sobre práticas interdisciplinares no planejamento e na ação pedagógica
e seus rebatimentos na prática do professor.

SEQUÊNCIAS DIDÁTICAS PARA PESQUISA E ENSINO


O trabalho com sequências didáticas surge como uma tentativa de respon-
der às pesquisas sobre as concepções informais dos estudantes, em períodos
anteriores. Posteriormente, as chamadas “atividades curtas” (nossa tradução)
tinham como objetivo a realização de pesquisa em desenvolvimento (MÉHEUT,
2005). Nessa perspectiva mais recente, Méheut (2005) propõe considerar sequên-
cias didáticas para a análise de abordagens de ensino a partir de duas dimensões,
a serem consideradas conjuntamente: uma dimensão epistêmica, que relaciona
o conhecimento científico, nos seus aspectos históricos e sociais com situações
reais que são parte do mundo no qual os sujeitos vivem; e uma dimensão peda-

188
gógica, que inclui as relações estabelecidas em ambientes de aprendizagem, in-
cluindo principalmente as interações entre professor e estudantes. Considerando
uma perspectiva construtivista integrada, Méheut (2005) tomou como base para
os seus estudos duas linhas de pesquisas, são elas: a Engenharia Didática que tem
como base ideias de Artique (1985) e a Reconstrução Educacional, que é desenvol-
vida por Kattman e Duit (1995) e seus colaboradores.
Kariotogiau e Tselfes (2000) apontam que as sequências de ensino, nomen-
clatura utilizada por esses dois autores, são desenvolvidas como ferramenta de
pesquisa e inovação enfatizando um tratamento do conteúdo específico com
base em problemas de aprendizagem. Os autores enfatizam dois aspectos básicos
nas atividades de investigação: a pesquisa e o desenvolvimento que estão estreita-
mente articuladas com as relações entre ensino e aprendizagem de um conteú-
do específico. Lijnse (1994, 1995) destaca que a atividade, que ele denominou de
“investigação em desenvolvimento”, se baseia em entrelaçar um modelo de de-
senvolvimento com a aplicação de uma sequência de ensino sobre um tema espe-
cífico, que tinha um tempo de duração de algumas semanas, que foi denominada
de sequência de ensino e aprendizagem (LIJNSE, 1995). Em geral, as sequências
propostas na literatura abordam tópicos específicos considerando dados de pes-
quisas e podem se desenvolver em poucas semanas (MÉHEUT e PSILLOS, 2004).
Essa dinâmica diferencia as sequências didáticas propostas para pesquisa e de-
senvolvimento de abordagens tradicionais que se adequam a currículos pré-esta-
belecidos e podem ter longa duração.
Neste trabalho, fizemos uma opção por trabalhar sequências didáticas con-
siderando a perspectiva proposta por Méheut (2005), na qual são articulados as-
pectos de várias abordagens didáticas, tais como a Reconstrução Educacional e
a Engenharia Didática. Com relação à ideia de Reconstrução Educacional (Katt-
man e Duit, 1995), é dada ênfase a um modelo que se pauta na articulação entre
a tradição hermenêutica alemã sobre conteúdo científico e abordagens constru-
tivistas de ensino-aprendizagem. Dessa forma, na análise do conteúdo científico

189
são levadas em conta não somente as dimensões epistêmicas (função original e o
significado dos conceitos), mas também, aplicações e implicações éticas e sociais.
As abordagens devem evidenciar a estrutura do conceito científico, com análises
sobre o significado pedagógico do conteúdo em questão e com estudos empíricos
sobre o processo de aprendizagem e os interesses do estudante.
As concepções e os interesses dos estudantes são pontos essenciais, uma vez
que se busca reconstruir a estrutura do conteúdo da ciência, dando respostas a
perguntas como: quais são os elementos mais relevantes e que devem ser res-
peitados no arcabouço conceitual dos estudantes? Que pontos devem ser con-
siderados das concepções ou perspectivas dos estudantes? Que concepções dos
estudantes sobre os conceitos científicos podem ser utilizadas para uma apren-
dizagem mais adequada e proveitosa? Dessa forma, esse modelo é baseado numa
visão construtivista integrada, na qual o processo de aquisição do conhecimento
é visto como uma construção ativa do indivíduo dentro de um contexto social e
material, enquanto o conhecimento da ciência, por sua vez, é visto como uma
construção humana.
Ampliando a discussão acima, apresentamos a perspectiva de Méheut
(2005), na qual uma sequência didática pode ser desenhada com objetivo de pro-
mover uma investigação progressiva, na qual pode se entrelaçar as visões focadas
no estudante com aquelas pautadas no conhecimento científico. Para a autora,
em geral, os desenhos de sequências didáticas se amparam em discussões sobre
conteúdo a ser estudado, epistemologia das concepções e restrições pedagógicas,
para organização das ideias. Buscando organizar e ampliar a análise e discussão
sobre as sequências didáticas propostas na literatura, Méheut (2005) traz a repre-
sentação de um losango didático, como mostrado na figura a seguir:

190
Figura 1 - Losango didático proposto por Martine Méheut (2005)

Fonte: Méheut (2005, nossa tradução).

Na Figura 1, o eixo vertical representa a dimensão epistêmica e o eixo hori-


zontal representa a dimensão pedagógica, conforme definidas anteriormente. No
eixo epistêmico, podem ser enquadrados os pressupostos sobre o conhecimen-
to e a investigação científica - métodos, processos de elaboração e validação de
conhecimento científico subjacente à concepção de sequência proposta, de for-
ma conectada com as dimensões históricas, sociais e culturais associadas a esse
conhecimento. Ao longo do eixo pedagógico, podem ser caracterizados o papel
do professor, os tipos de interação entre professor e estudantes, ou mesmo entre
estudantes, ou seja, a dinâmica de discussão e construção de conhecimento que
se estabelece na situação de ensino e aprendizagem.
Em uma perspectiva mais ampliada, Artique (1996) sugere três dimensões
principais para a análise a priori das atividades que estruturam uma sequência di-
dática: a dimensão epistemológica - a análise dos conteúdos a serem ensinados, os
problemas a responder e sua origem histórica; a dimensão psicocognitiva - analisa

191
as questões cognitivas e psicológicas dos estudantes; e a dimensão didática - ana-
lisa o funcionamento da instituição de ensino. Essas percepções estão ancoradas
sobre um modelo de aprendizagem por meio da resolução de problemas. Assim,
as análises a priori se entrelaçam a fim de definir com precisão problemas a serem
geridos pelos estudantes e de antecipar a elaboração do conhecimento através
desses problemas.
Neste trabalho, faremos uma associação das dimensões propostas por
Méheut e Artique, de forma a adequar o desenho da sequência didática a uma
abordagem interdisciplinar.

Elementos da interdisciplinaridade na elaboração das


Sequências didáticas

A partir da discussão sobre sequências para o ensino e aprendizagem, fa-


remos algumas considerações sobre as possibilidades de propor atividades que
promovam práticas interdisciplinares por meio de um desenho de sequências
didáticas. Com isso, pretendemos caracterizar o que denominamos de sequên-
cias didáticas interdisciplinares (SDI), constituídas a partir do planejamento de
atividades de natureza interdisciplinar. Conforme discutido acima, as sequências
didáticas podem incluir o objetivo de desenvolver atividades que possibilitem
explorar os conhecimentos prévios dos estudantes. Essa característica também
faz parte da maioria das práticas interdisciplinares, que seriam favorecidas pela
preocupação em trazer para a discussão na sala de aula não só conteúdos científi-
cos, mas temáticas de interesse dos estudantes, o que necessariamente passa pela
compreensão que eles expressam sobre o conhecimento científico e a realidade
em que vivem.
Lenoir e Larose (1998) destaca alguns pontos que devem ser considerados
para o desenvolvimento de uma prática interdisciplinar e nós consideramos que
esses pontos devem estar presentes no planejamento de uma SDI, são eles: o ob-
jeto de estudo, que deve ser apresentado aos estudantes de forma adequada bus-

192
cando promover a aprendizagem e significação de conhecimentos específicos, e
respeitando os aspectos cognitivos, afetivos e sociais desses estudantes. Esse as-
pecto se alinha com a proposição de estreitar os laços do conhecimento científico
com o mundo real, de acordo com Méheut (2005).
Outro ponto importante destacado por Lenoir e Larose (1998) é o sistema re-
ferencial, que visa considerar as áreas específicas que constituem o saber escolar,
não ficando restrito à ciência como saber de referência, mas respeitando os limi-
tes desenhados para as disciplinas escolares. Com isso, compreendemos que é fei-
ta uma distinção entre o saber de referência e o saber escolar, sendo este último
passível de ser trabalhado a partir das articulações entre as diferentes disciplinas
escolares. E, como terceiro ponto, o autor se refere às modalidades de aplicação
dessas práticas, que têm a preocupação principal na formação do estudante e sua
relação com o conhecimento.
Com base nos aspectos levantados por Lenoir, consideramos que as SDI de-
vem estabelecer ligações de complementaridade entre diferentes disciplinas es-
colares, e buscar desenvolver algo novo, uma visão mais holística e ampla para os
conhecimentos estudados. Acreditamos que as SDI devem ter um caráter que pro-
mova a compreensão social e cognitiva dos estudantes de forma que eles possam
estabelecer relações entre os novos conteúdos e os conhecimentos prévios. Nesse
sentido, a abordagem interdisciplinar poderá promover uma visão mais ampla do
conhecimento, sem perder de vista as especificidades disciplinares, possibilitan-
do a construção de autonomia intelectual dos estudantes quando a eles é dada a
liberdade de buscar em diversas áreas respostas para os seus questionamentos.
Vale salientar que, as práticas interdisciplinares não pretendem eliminar
nem diminuir a importância das disciplinas e, sim, promover uma articulação e
entendimento dos conteúdos escolares em perspectiva mais ampla. Isso não sig-
nifica dizer que existe uma exigência de abranger todas as disciplinas ou áreas do
conhecimento, e sim articulá-las, promovendo assim o desenvolvimento de ações
mais complexas.

193
ASPECTOS IMPORTANTES PARA O PLANEJAMENTO DE SDIS
Os aspectos aqui mencionados não se constituem como condições exclusi-
vas ou rigorosas para uma abordagem interdisciplinar, pois temos consciência de
que toda proposta de ensino deve se adequar ao contexto de instrução, o que põe
em evidência a flexibilidade do planejamento de atividades em qualquer sequên-
cia didática.
Considerando que práticas interdisciplinares incluem necessariamente uma
demanda de articulação de diferentes saberes, como ponto inicial para o planeja-
mento de SDIs, indicamos a escolha de uma situação problematizadora. Em geral,
os professores parecem ter dificuldades para adotar situações problematizadoras
no planejamento curricular das disciplinas, o que parece representar um entrave
para o desenvolvimento de práticas interdisciplinares que fortalecem uma cultu-
ra escolar pautada em programas curriculares engessados na abordagem discipli-
nar fragmentada. Esse quadro persiste mesmo com as proposições inovadoras de
documentos curriculares atuais, que muitas vezes são desconhecidos pelos pro-
fessores ou pouco trabalhados nas escolas e com os docentes. Aqui, é importan-
te ressaltar que atualmente temos a proposta de itinerários formativos na BNCC
(2018), que traz uma perspectiva interdisciplinar para o ensino, no entanto, tem
sido criticada por não evidenciar a importância das disciplinas específicas na
prática interdisciplinar. Isso pode trazer consequências desastrosas para a ação
e formação docente.
As sequências didáticas podem adquirir um caráter interdisciplinar quando
promovem uma negociação compromissada entre diferentes disciplinas no sen-
tido de buscar resolver situações associadas com a realidade vivida pelos estu-
dantes e geram interações e discussões de ideias que levam ao aprendizado e à
elaboração de produtos na forma de relatórios, seminários, vídeos, cartazes, car-
tilhas, músicas, peças de teatro etc. Por partir de situações problematizadoras, a
SDI valoriza a utilização tantos dos espaços formais, quanto dos não formais de

194
aprendizagem, destacando especificamente que a aprendizagem das ciências se
configura como um processo que se desenha ao longo da vida.
Alguns autores, como Batista e Salvi (2006), trazem propostas de práticas
interdisciplinares que podem ser vivenciadas ainda que não estejam orientadas
por um currículo interdisciplinar, a partir de uma articulação coerente entre o
conhecimento disciplinar e interdisciplinar. Batista e Salvi acreditam ser essa
uma forma de relacionar, articular e integrar os conhecimentos disciplinares no
processo de ensino e de aprendizagem, promovendo uma educação científica,
na qual o educando possa aprender para interpretar a complexidade do mundo
atual. Nessa direção, momentos interdisciplinares surgem no intuito de promover
uma análise interfacetada, relacional e integradora, na qual o entrelaçamento das
partes produz novo significado ao todo. É importante que a interdisciplinaridade
não seja associada exclusivamente a finalidades sociais, mas se constitua como
uma alternativa de proporcionar a superação excessiva da especialização dos
conteúdos presentes nas disciplinas escolares.
Pombo (1994) faz uma discussão sobre diferentes práticas interdisciplinares,
que incluem níveis diversos de interação entre disciplinas, tais como: a) a impor-
tação para uma única disciplina de especificações que pertencem a outras disci-
plinas para a compreensão de situações; b) a abordagem de questões amplas que
não sugerem uma disciplina central no trabalho interdisciplinar, mas que ressalta
a contribuição das várias disciplinas na solução de problema; c) abordagem de
questões interdisciplinares amplas que podem se constituir de objetos dotados
de certa unidade, que podem ser uma área geográfica com grande unidade cul-
tural e linguística; d) abordagens interdisciplinares relacionadas com problemas
difíceis de serem reduzidos às disciplinas tradicionais e precisam da colaboração
de diversas áreas e que se referem a um bem comum; e) práticas que suscitam
colaboração ampla, de conhecimentos internacionais e comprometimentos polí-
ticos, estando em uma esfera que vai além da escola, como por exemplo, a fome, a
miséria, a violência e tantos outros problemas de ordem global.

195
Aqui, nossa preocupação está alinhada com as primeiras práticas apontadas
por Olga Pombo e buscamos contribuir com alguns aspectos que poderão ajudar
professores a planejar sequências didáticas com uma abordagem interdisciplinar

DISCUTINDO A PROPOSIÇÃO DE SEQUÊNCIAS DIDÁTICAS


INTERDISCIPLINARES –SDI
Para discutir uma possível estrutura para a SDI, levamos em conta as ideias
de Méheut (2005) com relação às dimensões epistêmica e pedagógica e propuse-
mos uma dimensão da prática docente, que se referem principalmente à relação
do professor com o conhecimento e como ele planeja o ensino pautado em ideias
de interdisciplinaridade, na perspectiva de Lenoir (1998). Dessa forma, na propo-
sição da SDI, devemos levar em consideração o objeto de estudo, o sistema refe-
rencial, a modalidade de aplicação e a interação entre as disciplinas.
Para a dimensão epistêmica, levamos em consideração que a aproximação
entre conhecimento científico e situações reais pode ser propiciada por uma abor-
dagem interdisciplinar, a partir de práticas nas quais se destacam: a elaboração de
situações problematizadoras que trazem o objeto de estudo, tendo como parte do
sistema referencial, além do conhecimento científico, as experiências e os conhe-
cimentos prévios dos estudantes. Para a abordagem do objeto de estudo deve ser
buscada a contribuição de diferentes saberes oriundos de diferentes disciplinas
ou áreas de conhecimento. Com isso, é recomendado introduzir os estudantes
em discussões de questões científicas e tecnológicas, destacando a necessidade
de ensiná-los a utilizar o conhecimento científico articulado a aspectos sociais,
ambientais, econômicos, educacionais ou políticos.
Na dimensão pedagógica, para tratar sobre as interações sociais em sala de
aula, consideramos fatores como: a intenção dos professores em propiciar aos
estudantes formas de aprendizagem significativas e que tragam uma visão am-
pla dos problemas abordados; o planejamento de aulas dinâmicas e motivadoras
tornando maior o engajamento dos estudantes e proporcionando liberdade de

196
expressão de suas ideias; o despertar dos estudantes para gerenciar sua própria
aprendizagem, como sujeitos autônomos e ativos.
Na dimensão da prática docente, destacamos as ações dos professores que
se referem ao planejamento e à prática do ensino, aqui focados na inserção da
dimensão interdisciplinar para abordagem do conhecimento a ser ensinado. Para
isso, consideramos as ideias de Fazenda (2008, p.22) quando afirma que a prática
interdisciplinar somente é possível quando várias disciplinas se reúnem a partir
de um mesmo objeto. Essa ideia se alinha com as definições de práticas de impor-
tação e de cruzamento feitas por Pombo (1995). Aqui, ressaltamos a necessidade
de se criar uma problematização sobre situações vivenciadas pelos sujeitos para
que o ensino esteja pautado no reconhecimento da complexidade da realidade
Acreditamos que, na prática interdisciplinar, as relações entre diferentes
disciplinas devem ser estabelecidas a partir de um objeto comum, não partindo
de um conteúdo específicos para estabelecer a relação do conhecimento cientí-
fico com a realidade, mas problematizando a realidade para estimular os estu-
dantes a buscarem compreensão sobre problemas do seu tempo, articulando co-
nhecimentos de diversas disciplinas escolares. Com isso, esperamos propiciar o
desenvolvimento de modos de pensar científicos, articulados às experiências dos
sujeitos e aos saberes que eles expressam, favorecendo assim a compreensão e o
enfrentamento dos desafios que eles vivenciam.
Uma síntese da discussão feita nesta seção, foi esquematizada na figura 1.

197
Figura 1: Esquema de orientação para proposição de SDIs.

Na Figura 1, podemos apontar que, na dimensão epistêmica, as relações


entre conhecimento científico e a realidade podem ser abordadas por temáticas
transversais e socialmente relevantes, buscando discutir os sentidos próprios que
os estudantes atribuem a essas temáticas e que poderão ser confrontados aos sig-
nificados estabilizados por uma visão científica implicadas em situações a serem
estudadas a partir da temática. Nesse sentido, a problematização dessas situa-
ções é fundamental para fazer emergir sentidos e significados em um processo
de negociação que pode gerar uma compreensão mais ampla da realidade e dos
conceitos científicos.
Da mesma forma, na dimensão pedagógica, é essencial que sejam promovi-
das interações entre professores e estudantes para propiciar discussões nas quais
haja a valorização das experiências e dos conhecimentos prévios trazidos pelos
estudantes. Ao criar oportunidades de falas para os estudantes, os professores
promovem o seu engajamento ativo e são desafiados a construir conjuntamente
os significados para os modelos da ciência, uma perspectiva de que a visão cien-
tífica do mundo está situada entre outras visões. Ao se disporem a esse diálogo,
os professores se comprometem com uma prática docente que pode incluir um

198
planejamento voltado para abordagens interdisciplinares, uma vez que a reali-
dade trazida pelos estudantes tem natureza complexa e demandam articulações
de diferentes disciplinas. Com isso, eles são convidados a adotar estratégias que
favoreçam a aprendizagem dos estudantes numa perspectiva interdisciplinar (di-
mensão da prática docente).

ILUSTRANDO A APLICAÇÃO DE UMA SDI PROPOSTA POR DOIS


PROFESSORES
Para ilustrar a aplicação de uma SDI, traremos um recorte muito sucinto de
um trabalho realizado com dois professores de disciplinas distintas – Biologia,
Química e Matemática (essas duas últimas sob a responsabilidade de um mes-
mo professor) - em uma escola pública. Os professores fizeram um planejamento
conjunto para abordagem de um tema em suas turmas, a partir do qual definiram
objetivos para o ensino e exploraram os conhecimentos prévios dos estudantes.
No planejamento da SDI, os dois professores perceberam a necessidade de iniciar
a abordagem com uma temática que favorecesse a integração das duas disciplinas
e que pudesse subsidiar a proposição de situações problematizadoras que deve-
riam ser trabalhadas em sala de aula. A partir dessas situações, os professores
criaram objetivos de ensino específicos para cada uma das disciplinas de forma
que possibilitasse a interação entre elas.
Com relação ao planejamento das metodologias de ensino, as propostas fo-
ram ficando mais elaboradas no decorrer das discussões sobre o planejamento
que foi realizado em reuniões de estudo, partindo da necessidade de adequá-las
às articulações das disciplinas na SDI. Nesse sentido, a escolha de recursos didá-
ticos foi diversificada, enquanto uma professora (PA) se preocupou em escolher
filmes e produzir slides que fossem adequados à utilização nas duas disciplinas,
o professor (PB) optou por apontar materiais didáticos para a realização de expe-
rimentos. Dessa forma, as metodologias para o ensino foram desenhadas a partir

199
dos recursos didáticos escolhidos buscando favorecer a realização de atividades
multifacetadas, que poderiam ser desenvolvidas nas duas disciplinas.
No processo de planejamento conjunto com os dois professores, verificamos
que eram feitas reflexões teóricas e práticas sobre um tema integrador, que tem
como objetivo articular saberes das duas disciplinas envolvidas. Percebemos que
os movimentos realizados no planejamento foram importantes no sentido de res-
peitar a autonomia de cada professor(a) na construção contínua de sua prática
docente. Isso também nos possibilitou sistematizar aspectos representativos,
concretos e relacionais que se configuram como orientação ao exercício da prá-
tica pedagógica do professor, quando pretende adotar uma abordagem interdis-
ciplinar. Destacamos um desses aspectos, inerentes aos saberes profissionais do
professor, conforme Souza (2009), ressaltando as condições oferecidas ao profes-
sor para que ele possa adotar diferentes estratégias na construção de um saber
fazer interdisciplinar, como por exemplo, a sugestão para fazer o planejamento
considerando as três dimensões propostas na SDI: epistêmica, pedagógica e da
prática docente.
Ainda com relação ao planejamento da abordagem interdisciplinar, segun-
do Fazenda (2001), este envolve a tríade: necessidade, intenção e cooperação de
modo que o movimento gerado tenha como propósito, a construção da cidadania
e exercício da autonomia pessoal. Entendemos que a necessidade diz respeito ao
contexto da escola e envolve múltiplos aspectos e diferentes dimensões da vida
social. Por sua vez, a intenção deve ser parte do projeto pedagógico da escola e
do planejamento das atividades pelo professor, de modo que elas possibilitem a
construção do conhecimento. Já a cooperação ocorre quando se tem o propósito
de confrontar e ajustar posicionamentos, discutir e promover questões sobre a
realidade e principalmente transpor os diferentes campos do conhecimento.
Nessa perspectiva, acreditamos que uma prática interdisciplinar represen-
ta um trabalho coletivo e solidário que tem como exigência a descentralização
do poder e uma efetiva autonomia do sujeito, sendo que o exercício da prática

200
docente envolve saberes tais como: perceber-se interdisciplinar; contextualizar
os conteúdos; valorizar o trabalho em grupo; desenvolver atitude de pesquisa e
de reflexão; dinamizar a comunicação e trabalhar com práticas interdisciplinares.
Isso traz ao professor o desafio de mudança de atitude frente às formas tradicio-
nais de ensino e de relação com o conhecimento.
Na experiência descrita nesta seção, os professores escolheram a temática
do meio ambiente para criar a seguinte situação problematizadora: “Em uma área
geograficamente ocupada pelo Espaço Ciências, que é um grande Museu a céu
aberto do país, onde você pode explorar o mundo da ciência de forma agradá-
vel e divertida. Localizado numa área de 120.000m2, entre as cidades de Recife
e Olinda, o Espaço Ciência conta com laboratórios de Biologia, Física, Química,
Matemática, Geografia, Astronomia e Informática. Oferece uma exposição per-
manente e itinerante em diversas áreas. Conta também com um ecossistema
manguezal que precisa ser preservado para a manutenção do seu equilíbrio. O
que fazer para manter o equilíbrio ecológico desse ecossistema?”. A partir dessa
situação, os professores planejaram a SDI considerando os aspectos mostrados a
seguir de forma simplificada:
1. Objetivos Educacionais: Resgatar os conhecimentos prévios dos estu-
dantes; Sistematizar o conhecimento sobre o mangue; Identificar os ele-
mentos constituintes (Fatores Bióticos e Abióticos) de um ecossistema
manguezal; Reconhecer teias e cadeias alimentares num ecossistema
manguezal; Diferenciar a vegetação do mangue; Construir cadeias ali-
mentares; Reconhecer a importância da fotossíntese para a respiração
celular; Delimitar e calcular a área de figuras geométricas diversas; Medir
área de grandes proporções utilizando apenas a medição do passo duplo;
Classificar os animais em primários, secundários, terciários, quaterná-
rios...herbívoros, carnívoros, onívoros e decompositores; Reconheci-
mento dos impactos ambientais presentes no manguezal visitado; entre
outros

201
2. Metodologia: a metodologia incluiu várias atividades tais como: a exibi-
ção de vídeos para análise sobre animais que fazem parte do ecossistema
manguezal; elaboração de texto para coleta de concepções sobre equilí-
brio e desequilíbrio ambiental; levantar questionamentos a respeito do
mangue presente no vídeo; elaborar e apresentar cadeias alimentares a
partir de listagens contendo animais do ecossistema manguezal; aulas
para sistematização de conceitos básicos de ecologia: ambiente, níveis
de organização biológica (ecológicos, habitat, cadeia e teia alimentares,
dentre outros); sistematização sobre ecossistema manguezal através de
documentários, vídeos e textos; construção de cadeias alimentares de
manguezais em forma de esquemas; visita ao Espaço Ciência; realização
de experimento para determinação de densidade de líquidos – água e
óleo de cozinha, e outros.
3. Recursos didáticos: pesquisas em livros e na internet, textos escritos, do-
cumentários, videoaulas, material para desenho e confecção de cartazes,
equipamentos de laboratório, garrafa PET para coleta de amostras, óleo
de cozinha, e outros
4. Avaliação: Análise das construções feitas pelos estudantes em momentos
específicos da SDI e de uma elaboração final que deverá responder à si-
tuação-problema de forma interdisciplinar.
O planejamento da SDI pelos professores pode ser analisado a partir dos as-
pectos mencionados anteriormente, conforme mostrado no quadro 1.

202
Quadro 1: Síntese dos aspectos que constituem a SDI proposta pelos professores.

Dimensões/
Aspectos Epistêmica Pedagógica Prática Docente
Interdisciplinares

Objeto de estudo Tema amplo que O tema será Com o tema da


traz elemento de explorado com SDI, está posto
uma vivência dos discussões e um desafio de
estudantes com visitas in loco, ação coletiva na
relação ao ambiente o que sugere a realização do
possibilidade de planejamento.
interações entre os
sujeitos.

Sistema referencial As ciências naturais, A abordagem aos As atividades


principalmente conhecimentos propostas não
ecológicas, parecem científicos escolares poderiam ser
prevalecer no considera as realizadas pelo
planejamento concepções trazidas professor de uma
da SDI, numa pelos estudantes, única disciplina, o
perspectiva ampliando o que conduz a uma
das disciplinas sistema referencial ação conjunta e
escolares. a partir de interdisciplinar.
interações.

Modalidades de Levantamento de As atividades As estratégias e


aplicação conhecimentos propostas sugerem recursos adotados
prévios dos participação ativa demandam uma
estudantes, com dos estudantes, que prática docente
visita ao ambiente deverão executar interdisciplinar e
de estudo, e o tema experimentos, coletiva, quando
problematizado por assistir vídeos, ler algumas atividades
meio de diferentes textos, visitar um são propostas para
recursos didáticos museu, interagindo realização sob
com colegas e diferentes visões
professores. disciplinares.

Interações entre Biologia (Ecologia), As atividades A vivência


disciplinas Química e sugerem interações compartilhada de
Matemática (em entre estudantes atividades de outras
menor proporção) e professores disciplinas contribui
de diferentes para uma prática
disciplinas e turmas interdisciplinar.
distintas.

203
Ao longo da aplicação da SDI, em todas as atividades, os professores tive-
ram a preocupação de relacionar o conhecimento científico com o mundo real.
Percebemos que ao aproximar a realidade da discussão de conhecimentos cientí-
ficos, por vezes, os estudantes não se expressavam frequentemente com respeito
a questões científicas, apresentando certa timidez talvez devido à falta de conhe-
cimento. Sobre a abordagem de conhecimentos da experiência, houve um mo-
mento em que o professor B mediu uma área, no Espaço Ciências, e quando fez o
cálculo matemático considerou que o resultado obtido não era coerente. Um dos
estudantes, que trabalhava como pedreiro, interveio falando sobre suas experiên-
cias e comentou que o resultado seria aquele encontrado pelo professor. É impor-
tante ressaltar que as interações possibilitaram a confrontação de conhecimentos
matemáticos e práticos.
Em outro momento, diante do contato com o ecossistema de manguezal,
uma estudante expressou uma surpresa com relação aos conhecimentos já adqui-
ridos, conforme retratado no excerto abaixo.

Aluna A – Professora, quando se falava de mangue eu pensava que


cada lugar era um tipo de mangue. E não vários tipos de mangues den-
tro de um ambiente só.
Professora A – Não. Aqui, por exemplo, tem mangue branco, vermelho
e preto. No mangue do Espaço Ciências. E cada uma das plantas tem
uma estrutura diferente e sua localização também muda em relação à
distância da margem.

Fonte: Registro de áudio e vídeo da aula do dia 05/10/2013.

Diante do exposto, na SDI proposta pelos professores, observamos a valo-


rização do conhecimento a partir do resgate das experiências dos estudantes e
de interações dialógicas, buscando a partir daí engajar os estudantes em ativi-
dades interdisciplinares que promovem contextualização e problematização. As
discussões são momentos importantes, pois possibilitam compartilhar sentidos
e significados que permeiam a compreensão de situações problematizadoras, a

204
partir de estratégias e recursos que podem favorecer a aprendizagem de forma
significativa.
Dessa forma, verifica-se a importância de se estudar a fundo as dimensões
do processo educativo, a interdisciplinaridade, a contextualização, a formação
do professor e suas implicações na prática docente. Acreditamos que é possível
vencer as dificuldades inerentes de uma prática interdisciplinar quando profes-
sores e estudantes se envolvem no processo possibilitando a construção coletiva
de novos conhecimentos práticos e teóricos, (re)significando as práticas docentes
e discentes em sala de aula.

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206
SOBRE OS AUTORES

Amanda Maria Vieira Mendes Sales


Licenciada em Química pela UFRPE, bacharela em Administração pela UNINA-
BUCO, especialista em Docência do Ensino Superior pela FAFIRE, mestra e dou-
toranda em Ensino de Ciências pelo PPGEC-UFRPE. Atuou como professora de
Matemática e Química em instituições de ensino privadas, e na disciplina de Pro-
jeto de vida, na rede estadual de Pernambuco. Atualmente é professora contra-
tada pelo Estado de Pernambuco, atuando na disciplina de Química. É membro
do NUPEDICC/CNPq e do NuPeABRP/CNPq. Atua na área de Ensino de Ciências,
com ênfase no estudo, desenvolvimento e análise da abordagem de resolução de
problemas no ensino de química, sob a orientação da Profa. Dra. Verônica Tavares
Santos Batinga.

Ana Lucia Gomes Cavalcanti Neto


Doutora em Ensino de Ciências pelo PPGEC–UFRPE e professora do curso de Li-
cenciatura em Ciências Biológicas - Universidade de Pernambuco (UPE), Campus
Mata Norte. É integrante do Núcleo de Pesquisa em Didática e Conceituação em
Ciências- NUPEDICC/UFRPE e do Grupo de Pesquisa em Ensino de Ciências e
Matemática - GPECM, da UPE, desenvolvendo pesquisas sobre atividades e práti-
cas docentes de professores de Ciências.

Antônio Inácio Diniz Júnior


Graduado em Licenciatura Plena em Química pela Universidade Federal Rural
de Pernambuco (UFRPE), Unidade Acadêmica de Serra Talhada (UAST). Mestre
e doutorando em Ensino das Ciências pelo PPGEC-UFRPE. Docente do curso de
Licenciatura em Química da UFRPE/UAST. Membro do Núcleo de Pesquisa em
Didática e Conceituação em Ciências–NUPEDICC. Desenvolve pesquisas na área
de Ensino de Química, especificamente, investigando processos de conceituação,
contexto e contextualização e teoria dos perfis conceituais.

207
Charleide Xisto Vilela
É professora da Educação Básica da Rede Estadual de Ensino de Pernambuco. Es-
pecialista em Ensino de Química em convênio da UFRPE com a SEE-PE (2006),
com defesa da monografia “O uso de situações-problema no ensino de química
noturno”. Licenciada em Química pela UFRPE, tendo desenvolvido trabalho de
iniciação científica sobre elaboração de textos de história da química para a pro-
dução de um livro didático (1997). Participou do NUPEDICC, no período de 2006
a 2010.

Edenia Maria Ribeiro do Amaral


Professora Titular da Universidade Federal Rural de Pernambuco - UFRPE. Tem
graduação em Engenharia Química, mestrado em Ciências e Tecnologias Ener-
géticas Nucleares (UFPE). Doutorado em Educação, com foco na Educação em
Ciências, na Universidade Federal de Minas Gerais (2004), com estágio doutoral
na University of Leeds - UK (2002-2003). Pós-doutorado no Centre for Studies
in Science and Mathematics Education (2009-2010) University of Leeds (UK).
Atuou como Professora Visitante na UMass-Boston (2019). Atualmente, é docen-
te no PPGEC-UFRPE, PROFQUI-UFRPE e RENOEN- Pólo UFRPE e do Curso de
Licenciatura em Química. É líder do NUPEDICC - Núcleo de Pesquisa em Didática
e Conceituação em Ciência, com interesses de pesquisa em: estudos sobre perfis
conceituais, linguagem e cognição em sala de aula, contextualização e relações
entre diferentes tipos de conhecimento e aspectos socioculturais no ensino e
aprendizagem de conceitos científicos voltados para uma educação química crí-
tica e transformadora.

Flávia Cristiane Vieira da Silva


Licenciada em Química (UFRPE), Mestre e Doutora em Ensino das Ciências (PP-
GEC/UFRPE). Professora Adjunta do curso de Licenciatura em Química, atuando
nas disciplinas de Ensino de Química, na Unidade Acadêmica de Serra Talhada
da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UAST/UFRPE). Professora Cola-

208
boradora do Programa de Pós-Graduação em Educação em Ciências e Matemática
(PPGECM/UFPE). Líder do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Educação Química
(NEPEQui) e Editora da Revista Debates em Ensino de Química (REDEQUIM).

Jaqueline Dantas Sabino


Licenciada em química pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), mestre
e doutoranda em Ensino de Ciências pelo Programa de Pós-graduação em Ensino
das Ciências da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE). É membro
do Núcleo de Pesquisa em Didática e Conceituação em Ciências (NUPEDICC).
coordenado pela professora Dra Edenia Amaral. Tem experiência na área de ensi-
no de química/ciências com ênfase em processos de formação de conceito e pro-
cessos de ensino e aprendizagem investigados sob a perspectiva sócio-cultural
de Vygotsky e da teoria do Perfil Conceitual. Atua como professora de química na
educação básica e como professora substituta no Centro de Educação da UFPE.

João Roberto Ratis Tenório da Silva


É professor adjunto do Núcleo de Formação Docente, na Universidade Federal de
Pernambuco, Campus do Agreste. É licenciado em Química e mestre em Ensino
das Ciências, pela Universidade Federal Rural de Pernambuco, e doutor em Psico-
logia Cognitiva pela Universidade Federal de Pernambuco, com estágio doutoral
na Universidade de Aalborg, Dinamarca. Professor permanente do Programa de
Pós-graduação em Educação em Ciências e Matemática (UFPE) e colaborador no
Programa de Doutorado da RENOEN - Rede Nordeste de Ensino. Além disso, é
membro do comitê executivo da International Organization for Science and Te-
chnology Education (2020 - 2022). Atualmente, seus interesses de pesquisa giram
em torno dos seguintes temas: perfis conceituais, psicologia cultural semiótica e
a relação entre memória, imaginação e aprendizagem.

209
José Euzebio Simões Neto
Licenciado em Química (UFPE), Mestre e Doutor em Ensino das Ciências (PPGEC/
UFRPE). Professor do Departamento de Química da Universidade Federal Rural
de Pernambuco (DQ/UFRPE), do Programa de Pós-Graduação em Educação em
Ciências e Matemática, Universidade Federal de Pernambuco (PPGECM/UFPE)
e do Programa de Pós-Graduação em Ensino das Ciências, Universidade Federal
Rural de Pernambuco (PPGEC/UFRPE). Líder do Grupo de Instrumentação e Diá-
logos no Ensino de Química (GIDEQ) e Editor-chefe da Revista Debates em Ensi-
no de Química (REDEQUIM).

Leandro Cesar Santos da Silva


Mestre em Ensino das Ciências e Matemática, Licenciado em Química pela UFRPE
e Técnico em Química pelo Instituto Federal de Pernambuco (IFPE). Sua tese de
mestrado focou no Ensino e Aprendizagem Baseado na Resolução de Problemas
(EABRP) para o processo de assimilação de conceitos de química por licencian-
dos em Química a partir de aspectos da Teoria das Ações Mentais por Etapas de
Galperin, com destaque para os avanços obtidos em função do desenvolvimento
de sequências de aprendizagens e o seu potencial de instrumentalização para o
Ensino de Química à nível superior. Atualmente vive em Portugal, onde exerceu
a função de mentor/tutor no projeto GAP - Gulbenkian Aprendizagem, parceira
entre a Teach for Portugal e a Fundação Calouste Gulbenkian. Este projeto é uma
iniciativa inédita em Portugal para apoiar alunos a recuperar aprendizagens e a
desenvolver competências importantes para o estudo autónomo, como a autorre-
gulação e a motivação para a aprendizagem.

Rita Patrícia Almeida de Oliveira


Licenciada em Ciências Biológicas pela Funeso, Olinda. Especialista em Ensino
da Biologia pela UFRPE. Mestre e Doutora no Ensino das Ciências e Matemática
pela UFRPE e Pós Doutora em Ensino das Ciências e Matemática (2018-2020) pela
UFRPE. Professora Adjunta da Universidade de Pernambuco - UPE. Técnica Peda-

210
gógica da Secretaria de Educação do Estado de Pernambuco. Professora da Escola
Técnica Estadual Chico Science.

Ruth do Nascimento Firme


Doutora em educação, professora do magistério superior, lotada no Departamen-
to de Química da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE), na área
de Ensino de Química. Professora do Curso de Licenciatura em Química e dos
Cursos de Pós-Graduação: Mestrado Profissional de Química em Rede Nacional
(PROFQUI); Mestrado em Ensino de Ciências no Programa de Pós-Graduação em
Ensino de Ciências (PPGEC); e Doutorado em Ensino na Rede Nordeste de Ensino
(RENOEN). Coordenadora voluntária do Núcleo Química (Sede) no Programa Ins-
titucional de Bolsas de Iniciação à Docência da UFRPE. Colaboradora do Grupo de
Pesquisa Didática e Conceituação em Ciências (NUPEDICC) e Coordenadora do
Núcleo de Estudos e Pesquisas em CTS (NEPCTS), desenvolvendo pesquisa so-
bre Ensino de Química, Formação de Professores, Abordagem CTS, Alfabetização
Científica e Tecnológica, Saberes Docentes, Construção de conhecimento cientí-
fico, Sequências Didáticas, Linguagem e Ensino de Ciências, Argumentação, Aná-
lise Semiolinguística do Discurso.

Simone Maria de Andrade Medeiros


Doutora em Ensino das Ciências e Matemática pela Universidade Federal Rural de
Pernambuco- UFRPE. Mestra em Ensino de Ciências (Modalidades Física, Quími-
ca e Biologia) pela Universidade de São Paulo - USP. Possui graduação em Química
pela Universidade Federal do Maranhão - UFMA. Professora da Secretaria de Es-
tado da Educação do Maranhão. Pesquisadora do Núcleo de Pesquisa em Didáti-
ca e Conceituação em Ciências- NUPEDICC. Desenvolvendo pesquisa em sala de
aula com foco no Sistema de Atividades referenciado na Teoria da Atividade em
Vygotsky, Leontiev e Engeström.

211
Verônica Tavares Santos Batinga
É graduada em Licenciatura em Química (1999) e mestre em Ensino das Ciências
(2003) pela Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE). Possui doutora-
do em Educação (2010) pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Atual-
mente é professora Associada do Departamento de Química, membro permanen-
te do Programa de Pós-graduação em Ensino das Ciências (Mestrado e Doutorado)
e do Mestrado profissional de Química em Rede Nacional da UFRPE. Foi coorde-
nadora da Área Química do Programa de Bolsas de Iniciação à Docência (PIBID)/
UFRPE no período de 2014-2016 e coordenadora do Curso de Licenciatura em
Química da UFRPE no período de 2018-2019. Ministra disciplinas relacionadas
com o Ensino de Química e Metodologia de Pesquisa no Curso de Licenciatura em
Química e na Pós-graduação. É líder do núcleo de pesquisa Ensino e Aprendiza-
gem baseados na Resolução de Problemas (NUPEABRP) @nupeabrp, cadastrado
no CNPQ. Tem experiência em pesquisa na área de Educação Química, com ên-
fase nas temáticas: Ensino e Aprendizagem de Ciências baseados na Resolução
de Problemas, Validação de Sequências Didáticas de Ciências, Ensino de Ciências
por Investigação, Formação de Professores de Química, Argumentação e Perspec-
tiva CTSA no Ensino de Química.

Wilka Karla Martins do Vale


Doutoranda em Ensino de Ciências pelo Programa de Pós-graduação em Ensino
das ciências e Matemática da Universidade Federal Rural de Pernambuco (PPGE-
C-UFRPE), Mestra em Ensino das ciências (PPGEC-UFRPE) e Licenciada em Quí-
mica pela Universidade Federal Rural de Pernambuco. Atua como professora da
educação básica, vinculada a Secretaria de Educação da Ciência e da Tecnologia
do Estado da Paraíba.

212
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