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Grajaú

Autor: Everton Figur

Quando Cabral chegou ao que eles chamaram de Novo Mundo, encontraram aqui um
povo nativo e guerreiro, acostumado a viver livre na natureza e que vivia em
comunidades organizadas. Tentaram escravizar os índios, mas não conseguiram por
muito tempo. Nesta peça veremos uma história de um homem que deu sua vida para
salvar o seu povo de uma contaminação causada pela desobediência de um casal.
Personagens: Índios – Grajaú (Eu Sou o Homem, alusão ao filho do Homem Jesus),
Nakana (Mulher, prenda de Deus Eva), Akamu (Adão), Aritana (Cacique), Maraneima
(Mulher virgem, mãe de Grajaú), Konia (Sabedoria, aqui é o pecado).
Portugueses: Pedro Alvares Cabral (descobriu o Brasil), Dom Henrique (oficiou a
primeira missa no Brasil), Bartolomeu Nicolau (soldados portugueses).
Cenário: de um lado do palco uma caravela, do outro lado a aldeia de índios.
CENA I
Chegam os portugueses em seus barcos e ancoram na costa. Descem do barco e
encontram índios. O primeiro encontro, um pouco assustados, os índios ameaçam os
visitantes e os acham estranhos, mas os portugueses mostram para eles coisas diferentes,
como espelhos, anéis, colares, etc. Os índios aceitam e em troca também dão presentes
para os portugueses. Eles encontram o casal de índios, Akamu e Nakana.
Cabral – Oras, pois, vejam só. Que espécime estranha esta que vejo diante de meus
olhos. (Olhando o casal de índios) e vivem nus.
Bartolomeu – Evidentemente que são selvagens, capitão, cuidado, podem ser perigosos.
Nicolau – Podemos explorar esta nova terra a vontade Cabral e usar esses selvagens
para fazer o trabalho forçado.
Padre Henrique – Meu caro Nicolau, eles também são criaturas de Deus, não podemos
maltrata-los.
Nicolau – Padre, estes selvagens nem sabem quem é Deus, devem ser pagãos,
adoradores do sol e da lua.
Padre – Nunca subestime o que você não conhece, meu caro Nicolau.
Cabral – Vamos voltar ao navio e avisar aos outros o que encontramos aqui, depois
vemos o que vamos fazer. Preciso também enviar um comunicado ao rei que
descobrimos novas terras.
Os portugueses saem de cena, mas os índios ficam parados no palco.
Akamu – Nakana, como são estranhos estes que acabaram de passar por aqui, com o
corpo todo coberto com aquelas coisas.
Nakana – Também reparei, de onde vieram? Será que o deus sol os enviou?
Akamu - Eu acho que estão mais para enviados da grande serpente. (O casal vai em
direção a uma arvore que há na aldeia, é uma árvore de Buriti que significa Árvore da
vida, os dois ficam olhando para a árvore, desejando os frutos. Entra o Aritana, que é o
cacique)
Aritana – Os dois, cuidado, não podemos comer dos frutos desta árvore, ela é venenosa.
Nakana – Por que não podemos comer deste fruto?
Aritana – Por que este fruto é o buriti, que é Árvore da vida. É um fruto venenoso, e
quem comer dele irá contaminar a todos da aldeia, e morreremos. (Cacique sai e o casal
também).
CENA II
No navio, os portugueses planejam como fazer para dominar as terras dos índios e
roubar as riquezas que há no lugar.
Cabral – Viste quanta riqueza há neste lugar? Se voltarmos para Europa com tudo que
pudermos levar seremos ricos e famosos, o rei vai nos honrar com o melhor do palácio.
Bartolomeu – Mas como vamos fazer com aqueles selvagens que aqui habitam?
Nicolau – Podemos mata-los.
Padre Henrique – Vocês estão loucos. Não podemos mata-los, eles são criaturas de
Deus também.
Nicolau – Mas eles são pagãos, adoram a lua e o sol.
Padre Henr. – Nós podemos converte-los ao catolicismo, assim adorarão o mesmo Deus
que nós.
Nicolau – Deves estar louco o senhor, Padre. Quer catequizar os índios?
Padre – Por que não? Ou tu achas que Cristo não morreu por eles também?
Nicolau – (exaltado) por mim que vão para o inferno. (Sai)
Padre – Eu vou rezar uma missa aqui nesta terra para os índios, se os convertermos ao
catolicismo poderemos levar tudo o que quisermos deles. (sai o padre também).
Cabral – Vamos deixar o padre rezar a missa dele, depois vemos no que isso vai dar.
(apagam-se as luzes do lado do palco que está o navio, ascende do lado da aldeia)
CENA III
Entram o casal, Nakana e Akamu e entra o personagem Konia, que é a sabedoria.
Konia – Olá, meus caros.
Akamu e Nakana – Olá, quem é você?
Konia – Eu sou Konia, sou a sabedoria. Vi que estão sem nada para fazer, resolvi parar
aqui e conversar com vocês.
Akamu – Conversar sobre o que?
Konia – Reparei que esta árvore está cheia de frutos maduros, parecem deliciosos, mas
ninguém está comendo. (Pega um fruto e leva até a boca)
Nakana – Nãoo, não come deste fruto.
Konia – Por que não?
Nakana – O cacique proibiu comer este fruto. Essa é a arvore da vida, este fruto é
venenoso.
Konia- Árvore da vida? Por isso ele proibiu de comer? Por que não comem? Vai, come,
só um. Ninguém vai saber. Se comerem, ganharão força e sabedoria.
Nakana come um fruto e oferece a Akamu. Konia vai embora. O casal adormece ali
mesmo. Passa a noite, vem o dia, o casal acorda e se dá conta que ambos estão pelados e
sentem vergonha. Então colocam uma tanga feita de folhas. Entra Aritana.
Aritana – Por que vocês dois estão com estas folhas tampando as partes?
Nakana – Nos demos conta de que estávamos pelados e sentimos vergonha.
Aritana – (se desespera) Não pode ser... vocês comeram do Buriti?
Nakana e Akamu – Sim, comemos, Konia disse que podíamos comer e que ganharíamos
força e sabedoria.
Aritana – Konia? Maldita serpente venenosa que espalha o mal. O que será de nós?
Agora todos vamos morrer.
Akamu – O que nós podemos fazer para que isto não aconteça?
Aritana – Não podemos fazer nada, o fruto foi comido, vocês estão contaminados e toda
a aldeia vai morrer.
(apagam-se as luzes na aldeia, ascende no navio)
CENA IV
Todos estão no convés, o padre está se preparando para ir até os índios e fazer a missa.
Padre Henr. – Está tudo pronto Cabral? Temos que ir logo rezar a missa.
Cabral – Está tudo aqui Padre. (Pega crucifixo, vinho e hóstias para realizar a missa,
saem do navio e vão até a aldeia, os índios estão todos sentados no chão)
Padre – O que aconteceu aqui?
Aritana – Akamu e Nakana comeram do buriti, a árvore venenosa, agora todos da aldeia
morrerão.
Padre – Como assim?
Aritana – Era proibido comer deste fruto, mas eles foram enganados por Konia, a
sabedoria e agora todos da aldeia também estão contaminados e morrerão.
Padre – Já ouvi essa história em algum lugar... Se esta árvore é venenosa e contaminou
toda a aldeia, nós também seremos contaminados. (Voltando ao Cabral) Temos que sair
desta aldeia, logo.
Cabral – Não podemos sair, temos que pegar as riquezas que tem aqui e voltar para a
Europa.
Padre – As riquezas não são importantes, nós podemos morrer se ficarmos aqui.
Cabral – Vamos voltar ao navio, depois vemos o que fazer. (Eles saem e voltam ao
navio)
Na aldeia os índios continuam sem saber o que fazer. Quando chega um outro índio,
chamando Manaoio, que significa fé.
Aritana – Quem é você?
Manaoio – Eu sou Manaoio, fiquei sabendo que esta aldeia está fadada a morrer.
Aritana – É verdade, foi comido do buriti, o fruto da árvore da vida.
Manaoio – Só há uma forma de salvar a todos.
Todos ficam esperançosos, esperando Manaoio dizer o que é.
Manaoio – Somente o sangue de Grajaú, o Eu Sou o Homem, pode purificar a aldeia e
salvar todos vocês da morte.
Nakana – Quem é Grajaú?
Manaoio – Grajaú é filho de Maraneima, a mulher virgem. Seu sangue é puro e salvará
todos vocês.
Sai Manaoio.
Aritana – Onde está esse tal Grajaú? Como vamos saber quem ele é Manaoio? Ué,
sumiu?
Apagam-se as luzes da aldeia, ascende do navio
CENA V
Padre – Cabral, o que faremos agora que a aldeia está contaminada?
Cabral – Não podemos voltar de mãos vazias, padre. Não viajei tão longe para sair
daqui sema nada.
Nicolau – Isso mesmo, temos que levar logo tudo que tem de bom neste lugar.
Bartolomeu – E se os roubarmos a noite, enquanto dormem e voltamos para a Europa
sem eles saberem que estamos partindo?
Padre – Precisamos ajudar eles.
Cabral – Estás maluco? Queres morrer?
Padre – Deus não permitirá que nada de mal nos aconteça.
Apagam-se as luzes no navio, ascende da aldeia.
CENA VI
Todos os índios estão reunidos com o cacique.
Cacique – Quando este tal Grajaú aparecer, como saberemos que é ele? Como ele vem?
Akamu – Será que ele é um deus?
Nakana – A deusa lua deve ter o mandado para nos salvar.
Aritana – Ele deve ser um homem muito forte, imponente, um guerreiro.
Entra um homem pequeno, não muito forte. É o Grajaú, mas ninguém desconfia que
seja.
Aritana – Quem é você? Está perdido de sua aldeia?
Grajaú– Eu fui enviado para ajudar vocês.
Akamu – Você nos ajudar? Quem pensa que é?
Grajaú– Eu sou... (é interrompido por Aritana)
Aritana – Nós estamos esperando o homem que irá nos salvar. Ele é um homem forte e
guerreiro.
Nakana – (Para seu marido Akamu). Será que este homem não é o Grajaú?
Akamu – Nunca, ele é tão pequeno, fraco. Não pode ser o homem que vai nos salvar.
Nakana – (Para Grajaú). Você é o Grajaú, O Eu sou o Homem? Vejam, é ele.
Aritana – Não pode ser ele. Este homem não é um guerreiro. É fraco.
Grajaú– Eu não vim para guerrear, eu vim dar vida para todos.
Aritana – É você mesmo? É o filho de Maraneima?
Grajaú– Vocês estão dizendo isso.
Aritana – Como fará isso?
Grajaú– Eu tenho que morrer. Assim o meu sangue purificará todos. Não é o que disse
Manaoio?
Os índios pegam Grajaú e o amarram em um poste. Com luzes apagadas os índios
pintam o rosto com duas marcas de vermelho, representando o sangue de Grajaú. E
começam a dançar com chocalhos.
CENA VII
No navio, os tripulantes estão todos no convés, percebem uma movimentação diferente
na aldeia.
Padre- O que será que acontecendo na aldeia?
Cabral – Não sei, parece que estão dando uma festa.
Nicolau – Esses selvagens sabem se divertir (irônico).
Padre – Vou lá ver o que está acontecendo.
O padre chega na aldeia, os índios estão com Grajaú amarrado em um pau, já morto.
Padre – O que vocês fizeram? (Desesperado ao ver o homem morto).
Aritana – Este homem é filho de Maraneima, a mulher virgem, seu sangue é puro e
purificou toda a aldeia, agora ninguém mais vai morrer.
Os índios continuam sua dança e o padre vai ver o homem morto. Tira-o dali e o coloca
em uma gruta para o enterro, ajudado por um outro índio, faz uma oração e volta para o
navio.
Padre– Estes índios mataram um homem para usar seu sangue para purificar a aldeia,
dizem que seu sangue é puro e os purificou. Isso é selvagem demais.
Nicolau – Mas Deus não fez o mesmo com seu Filho, Jesus, Padre? Não o deu para a
morte para nos purificar dos pecados? (Com um tom irônico).
Padre- ... (pensativo) tem razão Nicolau, tem razão. Alguém tinha que pagar o preço
pelo erro cometido, esse preço é muito alto (O padre sai).
Apagam-se todas as luzes. Passa uma noite, vem a manhã. A cena continua no navio. O
padre acorda cedo e pega todas as coisas para rezar a missa com os índios. Pede para a
tripulação ir com ele. Todos vão até a aldeia. O padre arruma o altar e começa a missa.
Padre – In nomine Patris et Filii et Spiritus Sancti. (Todos, menos os índios dizem
amém)
Os índios acompanham tudo atentos. O padre continua falando.
Akamu – O que ele está fazendo?

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