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ROGÉRIO ALVES DA SILVA

CONSEQUÊNCIAS DO PECADO

São Paulo

2021
3

DEDICO ESTE TRABALHO AO MEU DEUS E SENHOR, BEM COMO


MINHA ESPOSA LARA E MINHAS FILHAS LAVINIA E ANA LIVIA.
4

AGRADECIMENTOS

Ao bom Deus pelo sustento durante estes três anos de jornada.

A minha amada e companheira esposa Lara Ludimila, as minhas princesas


Lavinia e Ana Livia que por tantas vezes repetiram a frase “silêncio o pai
está estudando”.

Ao conselho da IPI-Jardim Progresso na Pessoa do Rev. Reinaldo Cardoso


meu amigo, pai no ministério e pastor, obrigado.

Aos professores (a) da Fatipi pelas correções para o meu crescimento, Deus
vos abençoe e sustente a cada um em seu caminhar.
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Sumário

INTRODUÇÃO ............................................................................................................ 6

1. A SEPARAÇÃO DE DEUS E DO PRÓXIMO NO ANTIGO E NOVO


TESTAMENTO ............................................................................................................ 7

1. 1. A separação de Deus e do próximo na perspectiva de Gênesis ........................ 9

1. 2. A separação de Deus e do próximo na perspectiva do Novo Testamento ....... 15

1. 2. 1. A separação de Deus e do próximo nos evangelhos ................................... 16

2. CONSEQUÊNCIAS DO PECADO E A LUTA DOS REFORMADORES ............. 23

2. 1. A questão do pecado e a luta por igualdade de Lutero ..................................... 24

2. 2. Calvino e a desestruturação social como ação do pecado ............................... 28

3. CONSEQUÊNCIA DO PECADO NO CONTEXTO DO BRASIL ......................... 31

3. 1. Consciência Ambiental ..................................................................................... 34

3. 2. Relação social no Brasil ................................................................................... 36

3. 3. O pecado influenciando na política................................................................... 38

CONCLUSÃO ............................................................................................................ 40

Bibliografia................................................................................................................. 42
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INTRODUÇÃO

Este trabalho tem o objetivo de tratar um tema muito delicado que é o


pecado e suas consequências, vamos lançar nosso olhar sobre esta questão
no que se refere a Gênesis, pela narrativa da criação divina e a queda do
homem de seu estado de adoração e intimidade com Deus.

Em seguida veremos o Deus que vem ao encontro do homem e se revela na


pessoa de seu filho, “o cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo”
segundo relatou João 1.29, tirar este pecado tem relação com o fato do ser
humano poder por meio de Cristo ter acesso ao Todo Poderoso.

Mas veremos também que esta mediação fora deturpada pela humanidade
com o intuito de angariar finanças e alcançar poder, neste momento da
história surgem homens que lutam contra estas orientações, daremos
destaque a Martinho Lutero e João Calvino.

Para finalizar tratamos um pouco do quanto o pecado tem afetado a relação


dos brasileiros, com a natureza e seu próximo, e a politica que deveria
estabelecer marcos regulatório encontra-se como as demais áreas de nossa
nação corrompida e influenciada pelo pecado, em todo o corpo deste
trabalho trataremos sobre Consequências do Pecado, vamos ao trabalho.
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1. A SEPARAÇÃO DE DEUS E DO PRÓXIMO NO ANTIGO E NOVO


TESTAMENTO

Qualquer pessoa que se dedicou há estudar Hamartiologia, a doutrina do


pecado e suas consequências em algum momento do estudo confrontou-se
com a questão de sua origem, como surgiu o pecado? Neste projeto não
será diferente, todavia tentaremos driblar esta questão tantas vezes
respondida e que sempre volta.

Não abordaremos há questão como surgiu o pecado? Nem definiremos o


pecado como um conjunto de regras ditadas pela igreja, profetas, pais da fé
ou qualquer outro grupo. O que faremos é observarmos as consequências
deste sobre a humanidade á luz do Antigo e Novo Testamento, o que
faremos de fato é observarmos a narrativa Bíblica sobre o assunto.

É muito comum ouvirmos ou lermos que pecado é fazer isto ou aquilo em


contrário aos princípios da igreja ou determinado líder religioso, falar deste
tema é algo muito delicado, porém necessário para os nossos dias, com o
propósito de aprender sobre o assunto é que surge este projeto, e
obviamente não daremos aqui uma explanação final sobre o tema, mas
aprenderemos um pouco mais sobre o mesmo.

Definirmos pecado simplesmente como desobediência, arrogância ou


egoísmo é darmos margem a certas ideias que distorcem esta ação, por
exemplo; alguém que se vale de um furto com o intuito de sustentar sua
família cometeria pecado? É buscando resposta nesta direção que
caminharemos observando num primeiro momento o que nos diz o Antigo
Testamento. Wicliffe em seu dicionário bíblico denota pecado com o
seguinte pensamento:
Portanto, o pecado não é somente alguma coisa contrária ao
que Deus disse que o homem não deveria fazer, mas é
também algo contrário ao que Deus não quer que o homem
faça, com base nos princípios revelados. Dessa forma, uma
definição completa e inclusiva do pecado seria: o pecado é
tudo o que e contrário ao caráter de Deus. (Wicliffe, p.1502)

Logo o entendimento de contrário nos aponta uma oposição de direção, ou


seja, é andar na contramão do querer santo de Deus, esta inclinação tem
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início na moral humana no seu caráter que se torna enfermo por desejar o
que não lhe é devido, e isto lhe causa a separação da presença santa de
YHWH, uma vez que o homem esta destituído do relacionamento pessoal
com seu criador, ele tem dificuldade de relacionar-se com a criação a sua
volta, seja seu semelhante, a natureza e/ou os animais, o pecado corrompe
e faz separação.

Este distanciamento gera no homem uma visão distorcida daquele que se


revela seu criador, a entrada do pecado faz com que aquilo que era natural
pareça algo negativo ruim, Gn 2.24, mostra o homem despido sem nenhum
constrangimento próximo sua mulher e diante daquele que o criara, após
desobedecer a sua nudez torna-se o argumento para se esconder Gn 3.10,
o que era natural agora gera desconforto, a relação fora afetada modificada
pelo pecado e Geerhardus diz:

Porém, com a entrada do pecado, a estrutura de revelação


natural em si é perturbada e posta numa posição em que
necessita de correção. A natureza interior não mais funciona
normalmente no homem pecador. Seu senso de Deus, tanto
moral com o religioso, pode ter se tornado impreciso e cego e a
busca por Deus na natureza exterior tem se tornado objeto de
erro e distorção. (Geerhardus, p.34, 2010)

A quebra desta união íntima com o Todo Poderoso faz com que o homem
procure preencher a ausência desta relação com o domínio forçado sobre a
natureza e isso se estendeu sobre seu próximo, gerando assim separações
que conhecemos como; segregação, escravidão, exploração, esta postura
de subjugar demonstra com clareza a separação do homem da vontade de
Deus.

Como bem nos informou Wicliffe ir contra o caráter de Jeová é praticar o


pecado, e desta maneira o homem é colocado para fora do que estava
preparado para o seu deleite, uma vez que estivesse em plena obediência,
temos que cuidar para que este ponto de vista não apresente Deus como
responsável pela maneira que a humanidade esta, foi escolha do homem
separar-se das ordens divinas, assim como hoje é uma decisão pessoal e
que causa tanta individualidade.

Doravante observaremos a separação do homem de seu Criador à luz de


Gênesis no Antigo Testamento, desde o chamado pecado original e
9

posteriormente o quanto isso impacta sobre a humanidade, como ficou seu


relacionamento com sua mulher, filhos, aqueles a sua volta e com a criação
como um todo.

1. 1. A separação de Deus e do próximo na perspectiva de Gênesis

A luz do texto de Gn 1.1 BËRESHYT (no princípio) BÅRÅ (criou) ELOHYM


(Deus), o texto expressa que a partir da vontade de Deus se inicia a criação,
e isto ocorre desde o céu e seus luminares, bem como a terra e tudo o que
há sobre a mesma, sem nos esquecermos dos mares e os seres que vivem
nele, tudo o que ocorre durante os seis dias da criação esta registrado em
Gn 1.3-30.

Consta neste texto também que; VAYOMER (e disse) ELOHYM (Deus)


NAASEH (façamos) ÅDÅM (o homem) BËTSALËMENU (a nossa imagem)
KIDËMUTENU (conforme a nossa semelhança) Gn 1.26, o homem é criação
de Deus e semelhante ao que O fez, mas nossa questão não é a criação, e
sim o pecado sobre ela admitido pelo homem, e as consequências neste
relacionamento.

Não há como falarmos deste tema e não revisitarmos os capítulos da


narrativa sobre a criação em Gênesis 1 e 2, sendo o texto extenso algumas
citações pontuais será feita em um e outro momento de nosso texto, não
enfatizaremos a questão do pecado de Adão e Eva, observaremos o que o
mesmo causou sobre eles em sua relação com Deus.

Os três primeiros capítulos de Gênesis é de maneira absoluta e resumida


como criação, queda/pecado original e salvação, isto é inegável ao olharmos
para o texto, todavia o que nos atrai num primeiro momento é o que leva o
homem até a consumação do pecado, e apresentaremos esta causa como
angústia um vazio em sua limitação que o conduz ao questionamento interno
de continuar em sua inocência ou deixar a mesma, Adilson Filho argumenta:
10

Esse vazio, simbolizado no casal primordial, é identificado


como angústia, ansiedade, que é um tipo de sofrimento sem
causa aparente e se acha entre dois pontos: a preservação de
sua inocência sonhadora sem experimentar a atualidade do ser
e a perda de sua inocência através do conhecimento, poder e
culpa. (Filho, p.37,2018)

A causa primária de Gênesis 2.17 está no fato que uma vez que se coma o
fruto ocorrerá morte, não apenas como fim ou consequência, mas morte no
relacionamento do Criador e a criatura, a percepção de que algo fora
quebrado ou não permanece como antes ocorre por conta da consciência
que existe somente no homem, no restante da criação a maneira que são e
como estão não lhe causa nenhuma estranheza, o homem por sua vez tem
ciência de sua criação e limitação.

Justamente por ser consciente e ter uma capacidade superior a toda há


criação é que o ser humano é levado ao pecado, não por conta do raciocínio
em si, mas, fazendo o mesmo é atraído para o desejo de tornar-se
semelhante ao seu Criador, é neste anseio que o homem desvia-se do
proposto por Deus a ele, ao invés de continuar como criatura existe o desejo
de ser igual e não semelhante à YHWH.

Ao praticar a desobediência a morte/queda é inevitável e isto faz com que a


criação como um todo destoe da harmonia inicial, Von Zuben argumenta
nesta direção que:

Com a queda, descrita em Gênesis 3, a presença do pecado e


do mal na Criação representa a quebra da fidelidade e da
harmonia em todas as coisas criadas. O pecado afeta toda a
Criação divina, proporcionando deformações e deficiências. O
pecado atinge não só a relação entre ser humano e Deus, mas
também a ordem e o equilíbrio da própria Criação. (Von Zuben,
p.97, 2017)

Esta quebra relacional como temos enfatizado ocorre primordialmente no


relacionamento com Deus, o fato do homem ser posto para fora do jardim do
Éden demonstra com clareza aquilo que se encerrou anterior à expulsão,
percebamos que o casal ao ouvirem a vós que comumente lhes era algo
prazeroso e denotava um relacionamento, agora os leva a se esconder,
Gênesis 3.8-9:
11

Quando ouviram a voz do Senhor Deus, que andava no jardim


pela viração do dia, esconderam-se da presença do Senhor
Deus, o homem e sua mulher, por entre as árvores do jardim.
E chamou o Senhor Deus ao homem e lhe perguntou: Onde
estás? (ARA)
A partir daqui veremos o pecado separando o homem de seu Deus, e
posterior do seu próximo e assim a harmonia existente caminha para o fim,
os versos seguintes apresenta o homem argumentando que se escondeu
por sua nudez, ao ser questionado como sabia que estava nu e se comera
da árvore sua resposta é que a culpa é da mulher, a mulher por sua vez
responsabiliza a serpente, Gênesis 3.10-13.

Deus começa pela serpente apresentando as consequências de cada um


segundo os seus feitos, ela seria maldita entre os animais domésticos e
selvagens, rastejaria e comeria pó por toda a vida e seria ela e sua
descendência inimiga da mulher e sua prole, este lhe feriria a cabeça e ela o
calcanhar dele. A mulher teria filhos em meio a dores e seus desejos estaria
sobre o governo de seu marido, Gênesis 3.14-16.

Os versos 17 a 18 nos apresenta a terra sendo punida por conta da ação do


homem, agora com esforço/fadiga obterá o sustento por meio dela e isto se
torna visível no suor que se derrama do rosto na busca pelo alimento, o que
antes era conseguido por meio do zelo no jardim, agora necessita de
esforço, e por fim a limitação será evidente no retorno ao pó da terra por
meio da morte.

O pecado gera no homem a corrupção, ou seja, a deterioração, modificação,


adulteração das características originais, esta definição se encontra de
acordo com o dicionário Aurélio, o primeiro casal é corrompido, agora no
sentido de suborno por uma fruta que lhe daria conhecimento e igualdade ao
seu Deus, o resultado é trágico; separação e quebra do relacionamento
íntimo entre Criador e criatura e isto recai sobre a humanidade, MacArthur
afirma sobre o Antigo Testamento:

No AT, Deus mostrou a tragédia do pecado — a começar por


Adão e Eva, passando por Caim e Abel, os patriarcas, Moisés
e os hebreus, os reis, os sacerdotes, alguns profetas e nações
gentias. Ao longo do AT encontramos um registro incessante
da contínua devastação produzida pelo pecado e pela
desobediência à lei de Deus. (MacArthur, p.17, 2015)
12

Esta devastação fica ainda mais evidente quando vemos o relato do primeiro
homicídio contado em Gênesis 4.8, Caim primogênito de Adão assassina
seu irmão Abel, por conta de sua oferta ser aceita diante de Deus, apesar de
não ficar claro no texto subtende-se que sua oferta não agradou e
novamente a angústia aparece, não por querer ser algo, mas, por ver que o
seu melhor não satisfaz a vontade de Deus em Gênesis 4.16 diz; ‘Retirou-se
Caim da presença do Senhor e habitou na terra de Node, ao oriente do
Éden’, o homem se distanciando ainda mais da presença de YHWH.

Posterior ao homicídio cometido por Caim no capítulo 6 a humanidade se


multiplicou e com ela o pecado, então o dilúvio aparece como uma tratativa
de Deus com sua criação, demonstrando autoridade sobre os eventos, e
separando os que querem andar com Ele dos demais, a arca simboliza de
maneira clara que o pecado separa a humanidade e também a natureza
criada, apenas parte será livre do juízo derramado por conta do abundante
pecado na terra, Gn 6.17-22:

17. Porque estou para derramar águas em dilúvio sobre a


terra para consumir toda carne em que há fôlego de vida
debaixo dos céus; tudo o que há na terra perecerá.
18. Contigo, porém, estabelecerei a minha aliança; entrarás
na arca, tu e teus filhos, e tua mulher, e as mulheres de teus
filhos.
19. De tudo o que vive, de toda carne, dois de cada espécie,
macho e fêmea, farás entrar na arca, para os conservares
vivos contigo.
20. Das aves segundo as suas espécies, do gado segundo as
suas espécies, de todo réptil da terra segundo as suas
espécies, dois de cada espécie virão a ti, para os conservares
em vida.
21. Leva contigo de tudo o que se come, ajunta-o contigo; ser-
te-á para alimento, a ti e a eles.
22. Assim fez Noé, consoante a tudo o que Deus lhe
ordenara. (ARA)
Mas assim como os primeiros pais decidiram voltar-se para si e seus
desejos, quando olhamos o período pós-dilúvio vemos novamente o homem
desobedecendo à ordem divina, a construção de uma cidade em Gênesis
11, nos mostra que a ordem de habitar toda a terra no capítulo 9.1 é deixada
de lado, e a construção de uma torre demonstraria independência de seu
Criador, a confusão de línguas ali gerada faz mais uma separação, aquele
13

lugar fica marcado por chamar-se Babel, nome relacionado a confundir em


hebraico.

Assim desde a queda do homem o pecado o tem separado de Deus, que


sempre vem ao encontro e revela-se a sua criatura, Gênesis 12 fala com
Abrão, Êxodo 3 é a vez de Moisés ter tal experiência, o relacionamento
quebrado pela desobediência distância o ser finito do Todo Poderoso, mas
assim como no jardim Deus continua a vir ao encontro e isso ocorre por toda
história em especial sobre o povo de Israel, que passa a ter a incumbência
de anunciar o verdadeiro e único Deus criador.

Na quebra do relacionamento perfeito ocorre a separação e o homem passa


explorar a terra e após o dilúvio a alimentar-se de animais, esta separação
gera guerra e destruição seja na humanidade ou na natureza, a expressão
“lei da selva” demonstra com clareza esta situação, pois a mesma apresenta
a necessidade de sobressair, ainda que para tal outro semelhante possa ser
sacrificado.

Uma suposta busca por justiça ou igualdade nada mais é do que o homem
buscando relacionar-se de maneira perfeita com a criação e seu Criador, o
que de fato é impossível, afinal o pecado impera sobre a mentalidade do
homem o fazendo escravo e este emprega suas cadeias sobre o seu
próximo, hoje não mais dizendo: “foi a mulher que me deste”, agora se alega
que sempre foi assim, ou todos vivem desta maneira, o argumento até
mudou a base é que continua a mesma.

O pecado atual nada mais é que fruto da ação de desobediência do homem


na relação inicial do homem e Deus, assim o que vemos hoje tem relação
direta com o relato bíblico da queda humana, Aulen explica da seguinte
forma: A expressão “pecado original” refere-se a todo pecado. Do ponto de
vista da fé cristã todo pecado é “original”. “Pecado Atual”, portanto é a
expressão que denota a manifestação externa do pecado original” (2002,
p.224).

Se no antigo testamento o pecado é visto na perspectiva de separação


Deus/Criador e do homem/Criatura, isto não muda no olhar do novo
testamento, Jesus e seus discípulos vão apresentar esta ótica, de pecado
14

como separação de Deus e consequentemente da criação como um todo,


como veremos a seguir.
15

1. 2. A separação de Deus e do próximo na perspectiva do Novo


Testamento

O pecado tem causado separação da criação e seu Criador, isso ocorre,


pois o pecado aprisiona, segrega e produz alienação do propósito que o
homem fora criado, partindo do pressuposto da fé que IHWH tudo criou e
com um objetivo claro, o homem é criado para adorar a Deus naquilo que lhe
foi proposto como jardineiro, ou seja, alguém que deveria guardar e zelar.

O que vimos até aqui, foi que o homem não cumpriu com as orientações que
lhe fora dada, e por conta disso separou-se da vontade e presença divina, o
que por sua vez gera um efeito em cadeia, o relacionamento com a criação e
seu próximo se torna corrompido e produz distanciamento e uma vivência
conturbada a morte é o fator que demonstra a finitude de todo ser que é
alcançado pelo pecado ou de alguma maneira foi prejudicado por ele.

A maneira que nos relacionamos com Deus, é diferente da que fazemos com
o nosso semelhante ou a natureza, mas é claro que se há uma distorção na
primeira relação o mesmo acontece em proporções maiores com o restante
da criação, a inocência perdida pelo primeiro casal produz consequências
em todo o ambiente de vivência do homem, Erickson nos diz que:

A Bíblia nos diz que, com a Queda — o primeiro pecado —,


ocorreu uma mudança radical no Universo. A morte sobreveio
á humanidade (Gn 2.17; 3.2, 3,19). Deus pronunciou uma
maldição contra a humanidade, representada por alguns
aspectos específicos: o sofrimento para dar a luz (3.16), o
domínio do homem sobre a mulher (v. 16), o trabalho penoso
(v. 17), espinhos e cardos (v. 18) — provavelmente apenas
uma amostra de seus reais efeitos sobre a criação. (2015,
p.423).
Veremos a partir de agora como os evangelistas nos apresenta esta questão
do pecado e mais a frente na perspectiva de Paulo, o que o mesmo
provocou em relação à vida e o relacionamento com a humanidade e Deus,
toda a questão esta em torno de obedecer ou não, Adão e Eva desobedece
ao comer da árvore do conhecimento do bem e do mal.
16

1. 2. 1. A separação de Deus e do próximo nos evangelhos

Uma das definições mais comum sobre o pecado é ‘errar o alvo’, e a mesma
encontra-se em conformidade com o que apresentamos até aqui, o homem
erra o alvo/objetivo do que havia de fazer, e ao invés de obedecer e cuidar
do jardim, ele desobedece e o cuidado também é prejudicado, pois agora
precisa esconder-se de Deus, fugir de sua presença, mas como temos visto
YHWH vem ao encontro deste, se revelando e mostrando meios para que o
mesmo volte a relacionar-se o mais semelhante possível com o que se viveu
no Éden por parte de Adão.

Assim como o primeiro casal errou o alvo a humanidade continua a fazer, e


este erro não se relaciona com falta de conhecimento ou destreza para
realizar o que fora proposto, a ação denota o ato voluntário que mesmo
sabendo o que não se pode fazer o homem faz, ela aponta para outro alvo
ou deixa de cumprir seu propósito e assim distancia-se da vontade de Deus,
tornando-se culpado, no sentido de consciente do erro/pecado cometido.

O Novo Testamento traz uma palavra com este sentido de erro/pecado, a


palavra comumente usada é Hamartia que é o erro consciente, por isso fica
claro que o homem precisa ser salvo do pecado que o cerca, e nesta direção
o evangelho nos apresentará Jesus como o filho amado Marcos 1.11,
Mateus 3.17, Lucas 3.22, o cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo Jo
1.29, a questão do pecado passa a ser reinterpretado nas palavras de Jesus
registradas pelos evangelistas.

Havia uma ideia que pecadores são pessoas não salvas por um estilo de
vida adotado, não ser israelita, não ser circuncidado, terem alguma
enfermidade, e o texto de Mc 2.15-17 sintetiza de maneira clara esta
releitura, vejamos:

15
Achando-se Jesus à mesa na casa de Levi estavam
juntamente com ele e com seus discípulos muitos publicanos e
pecadores; porque estes eram em grande número e também o
seguiam.
16
Os escribas dos fariseus, vendo-o comer em companhia dos
pecadores e publicanos, perguntavam aos discípulos dele: Por
17

que come [e bebe] ele com os publicanos e pecadores?


17
Tendo Jesus ouvido isto, respondeu-lhes: Os sãos não
precisam de médico, e sim os doentes; não vim chamar justos,
e sim pecadores.

A questão não é amar o pecado, mas aquele que reconhece sua debilidade
física e moral, e por que Deus vem ao encontro do homem? Para restaurar a
relação assim como era no Éden, entretanto como fora lá o homem esta
procurando algo, alguém ou situações para responsabilizar por seus erros,
todavia a explicação de Jesus evidencia que sua busca é por enfermos, e a
cura é Jesus revelado como filho de Deus chamando o homem ao
arrependimento.

A desigualdade, segregação, preconceitos tão explícito naqueles dias são


ações produzidas pelo pecado, produzindo separação entre homens e
mulheres de uma mesma nação e debaixo da mesma promessa, estas
pessoas em uma mesma mesa e partilhando do pão demonstra a questão
de comunhão quebrada pelo ser humano no relacionamento com Deus, e
isto implica em uma distorção na comunidade.

O homem passa a ser enfermo desde o momento da queda, e isto aponta


para seu caráter sobrenatural perdido, e agora vivendo de maneira natural,
aquele que tinha uma vida sadia, agora se encontra enfermo ao ponto de
morrer, então o conceito de pecado aponta para o fim da vida com Deus, o
relacionamento quebrado gera enfermidade, Jesus quer sarar os enfermos,
ou seja, livra-los da condição de doentes eternos.

Esta enfermidade é contrária ao desejo divino e ela não é algo transmitido


por genética através da reprodução, mas sim a postura do homem de não
aceitar sua finitude/limitação, e com isso age de maneira desordenada com
os designíos de Deus para sua vida e toda a criação, Zabatiero diz: “Ao
negar sua própria finitude, o ser humano abre as portas para todo tipo de
violência contra a criação de Deus, posto que a verdadeira vida só existe na
comunhão com Deus e não na alienação de Deus.” (2018, p.55)

Por meio desta negação o homem ofende a Deus como criador, e por
consequência o seu próximo e a criação a sua volta, nisto se torna escravo
do pecado, que lhe oprime e o faz oprimir, assim o Cristo que vem para dar-
18

lhe cura, e faz de maneira que este se encontre curado e livre para aceitar
sua limitação e assim caminhar para restauração moral, espiritual e física.

Entender que o homem é um ser completamente limitado é um passo muito


importante para assentar-se a mesa com Deus, todavia, por outro lado é
necessário avaliar-se e para isso a razão é de suma importância, mas como
é nos dias de hoje também naquela época, pensar de maneira racional é
visto de maneira perigosa, sendo que a razão deveria ser um instrumento da
fé, e neste sentido Von Zuben, nos desperta com o pensamento de que:

A razão em si não é má ou contrária à vontade de Deus. Não


devemos confundir a razão como sinônimo de pecado nem
confundir a razão com o chamado racionalismo do século XVIII
que negava a existência de Deus. Razão aqui tem outro
sentido. É a capacidade inerente que o ser humano tem que o
torna capaz de entender, conhecer, raciocinar e refletir sobre
todas as coisas. Sem a razão, o ser humano não compre-
enderia a revelação de Deus e, da mesma forma, a nossa fé
em Deus seria irracional. (2017, p.19)
A razão deve nos ajudar a compreender o Deus criador e que vem ao
encontro do homem perdido e separado de seu propósito, a mesa posta e
todos a sua volta apresenta justamente este relacionamento sendo
restaurado, e aqueles que se encontram ali pensam diferente, tem diversas
peculiaridades, porém ao entorno de Cristo, tudo isso é deixado de lado.

Este convite à mesa é um chamado ao relacionamento com Deus que deve


ser pensado de forma racional, afinal o evangelho é um convite para
mudança de mentalidade e vida, o que chamamos de arrependimento, é
também por meio da razão que separamos o legalismo, religiosidade, regras
de conduta e falsos ensinamentos, daquilo que é a devida orientação do
divino ao homem.

Compreendendo esta falta de dedicação do homem para se avaliar que


talvez Jesus tenha usado o símbolo da enfermidade para explicar o motivo
pelo qual se encontra a mesa com pecadores e publicanos, nos textos
sinóticos de Mateus 9.10-13 e Lucas 5.29-32 contam o ocorrido de maneira
muito semelhante a Marcos, ele se coloca na posição de um médico, que
ajuda a todos quanto reconhece suas doenças e procuram por ajuda.
19

Mas ao falarmos de reconhecer o pecado, o que tem nos separado de Deus


assim como foi com Adão é conosco, temos a nossa atenção desviada a
nudez, aquilo que toma o lugar do verdadeiro pecado, estes homens a mesa
estão na busca de uma mudança, os que observam julgam eles e o que
pode mudar suas vidas.

A lei que deveria dar direção e demonstrar a semelhança que cada homem
tem com seu próximo, é mal interpretada pelos fariseus e gera ainda mais
separação por conta do pecado, do orgulho e soberba, e neste ponto o que
se apresenta como o ungido de Deus quebra esta interpretação,
aproximando-se daqueles que esta leitura separatista faz, Zabatiero diz:

O agir de Jesus que cura fora dos padrões da Lei interpretada


pelos fariseus (Mc 2.1-12; 3.1-6) e que quebra o rigor da Lei ao
permitir a refeição impura e com impuros (Mc 2.13-17; 23-28) é
que serve de critério para a verdadeira interpretação da Torá.
(2017, p.74)

O ministério de Jesus é marcado pelo fato de se relacionar com pecadores


segundo a interpretação daqueles dias, e isto em todas as áreas da vida
humana seja ela moral como no contato com meretrizes Lucas 7.36-50,
étnicas no contato com gentios e samaritanos, Mateus 15.21-28, âmbito
politico Mateus 21.28-32 encontra-se entre publicanos, e na saúde física
Lucas 5.12-26 curou um homem leproso e outro aleijado.

A mente natural corrompida, pecaminosa necessita de estar à mesa, ou


seja, ouvir o que Criador tem a nos dizer agora por meio de seu filho, não
mais em um relacionamento íntimo que ocorria no jardim, mas pela
mediação que Jesus faz nesta relação que está manchada pelo pecado,
como médico seu diagnostico é de pecadores/enfermos desde a alma.

Aqueles que se encontram a mesa, não podem ser vistos como pessoas
mais ou menos enfermas/pecadoras, o que é posto ali apenas retrata a
humanidade, alguns se sentindo completamente indulgentes quanto a sua
distância moral e espiritual, neste comparativo Jesus demonstra a
necessidade do homem voltar relacionar-se com Deus.

Este relacionamento quebrado adoeceu a humanidade e uma de suas


consequências é a cegueira, que só pode ser curada com o relacionamento
20

restaurado, Jesus é o caminho e a cura para o renovo e conservação desta


ligação com o Pai, à distância do divino adoeceu toda a humanidade, e nas
cartas de Paulo ele argumenta de maneira evidente, como veremos a partir
de agora.

1. 2. 2. As Separações Apresentadas por Paulo em suas Cartas

Os textos paulinos são cheios de orientações e exortações sobre a questão


do pecado e as separações que o mesmo gera, a partir de agora veremos
algumas delas, obviamente que não conseguiremos abordar todas, mas
buscarei apresentar as que melhor nos orienta em conformidade com este
trabalho.

Paulo nos apresenta que o pecado é um ato pessoal com consequências


sociais sobre toda a humanidade e criação, o mesmo se dissemina sobre
nós pelo fato de descendermos do primeiro homem como está registrado na
carta aos romanos no capítulo 5 em especial a partir do verso 12, dai por
diante vemos o contraponto feito entre Cristo e Adão.

Fica evidente que pelo ato do primeiro homem houve separação de Deus e
consequentemente sua descendência nós de nossos semelhantes, e isto
gera o aprisionamento da criação, Cristo é aquele que é apresentado como
o libertador, a perícope do capítulo 5.12-21, traz o retrato de toda a teologia
paulina e dará uma melhor compreensão da separação causada pelo
pecado em Adão e sobre a humanidade.

Neste contraponto que Paulo faz ele demonstra a corrupção moral que o
pecado traz desde Adão, mas ele não se prende apenas a este fato,
implícito aqui esta a iniquidade social, toda ação separatista que segrega,
que humilha, oprime, tem um ponto de partida, que é a inimizade com Deus,
ocorrida pelo desejo de ser e a rejeição da finitude.
21

Esta morte apresentada denota não apenas o fim do homem, mas a relação
deturpada da humanidade em todo o propósito de Deus e fica evidente a
separação causada nas ações de cada um, o primeiro separa-se do criador
o segundo não se relaciona com o pecado, Dalbom argumenta que:

O Apóstolo Paulo estabelece uma evidente diferença entre dois


homens, aquele criado por Deus, que lhe desobedeceu, e
aquele homem enviado por Deus para nosso resgate. Dizendo
ser o primeiro, o homem terrestre, tirado da terra e o segundo,
o homem celeste, enviado pelo Pai. (2017, p.71)

Algo evidente por todas as cartas do apóstolo é a necessidade de um


relacionamento íntimo com o divino e a separação dos atos e desejos
pecaminosos, pois toda a criação sofre com as consequências do mesmo
sobre a humanidade, e observamo-lo tratando do assunto de diversas
maneiras em suas epístolas para diferentes regiões e ocasiões.

Não vamos aqui dar a Paulo o título de antropólogo, porém, é evidente como
ele observa o comportamento daqueles que estão a sua volta ou dos lugares
por onde passou e plantou igreja, sua avaliação de separação passa pelos
diversos âmbitos da vida social, seja familiar, politica, religiosa, o
distanciamento do princípio divino afasta o homem de uma vida plena.

Observemos suas palavras sobre como deve se portar a família, em 1


Coríntios 7.2-5 fala do casamento monogâmico, do pertencimento de um ao
outro e da relação sexual que é para o casal, e ilustra isso ainda melhor na
carta aos Efésios 5.22-33, dando o entendimento de amor e submissão
familiar, bem como deve ser com Cristo.

A politica e a religião tão intrínseca naqueles dias se misturavam entre


legalismo e exclusão, e Paulo se envolveu de maneira direta em favor dos
gentios, pessoas não hebreias e em suma escravas, Onésimo foi um
escravo que fugiu de seu senhor, no envio da carta a solicitação feita é para
recebê-lo não mais como escravo mais como irmão amado, Filemon 1.16.

Constata-se de que neste relacionamento houve uma ruptura e a razão não


fica clara, porém nos é apresentado que Onésimo era escravo, esta posição
ocupada por ele demonstra uma separação de classes, e isso parecia
correto, mas quando existe exclusão, ato de imposição, subjuga o outro isto
22

é pecado e quanto exposto sua afronta à vontade de Deus torna-se visível,


Paulo Hankins chega a nos dizer o seguinte:

Quando o pecado é exposto e revelado exatamente como é


não parece tão atraente. Não há prazer duradouro nele. Paulo
deixou muito claro de onde veio o pecado, como ele entrou em
nós e como nos afeta. Então, Paulo nos disse como Deus
tratou com o pecado na morte, no sepultamento e na
ressurreição de Cristo. (2010, p.54)

Todavia além de não enxergar o pecado contra o seu Deus e também em


desfavor de seu irmão, a humanidade esta destruindo a natureza, Paulo nos
diz em Romanos 8.21-23 o quanto está sofrendo o meio ambiente e chega a
comparar com dores de parto, esperando o fim do cativeiro do pecado sobre
a criação como um todo, retirar este cativeiro é o símbolo de liberdade em
relacionar-se novamente com o divino.

A destruição não é por falta de conhecimento, mas relacionada à prisão que


o pecado faz capítulo 7 de Romanos o apóstolo se identifica como escravo
vendido no verso 14, e por todo o texto seu argumento é de alguém que
conhece o que deveria fazer e não faz por ser escravo de sua carne.

Paulo afirma que “outrora, éreis... inimigos” Colossenses 1.21, e também


que “éramos, por natureza, filhos da ira” Efésios 2.3, o único meio de
restauração neste relacionamento com Deus é por meio do segundo homem
Cristo Jesus, logo a interpretação que temos é que todo homem necessita
relacionar-se com Deus.

Concluímos que Deus o supremo criador aquele que busca relacionar-se


com sua criação, todavia desde Adão o homem procura fugir da presença
divina de seu Senhor, veremos em seguida como se interpretou esta
questão do pecado no período da reforma protestante.
23

2. CONSEQUÊNCIAS DO PECADO E A LUTA DOS REFORMADORES

Um dos grandes momentos do cristianismo protestante é a reforma, aponto


como um “dos” por que há discordância sobre o assunto, existe o período da
pré-reforma, os concílios de confissões de fé e outros acontecimentos,
contudo neste marco da história, um ponto chave é como se trata o aspecto
do pecado, as soluções apresentadas geram separação da palavra de Deus.

Sobre a Reforma Protestante e a necessidade de se pautar por meio das


Sagradas Escrituras compreendendo que a mesma nos apresenta a queda
do ser humano de seu estado íntimo de relação a Deus, Lloyd Jones em seu
famoso discurso Rememorando a Reforma em abril de 1960 em Edimburgo
na Escócia nos orienta assim:

De fato opino que, talvez, a maior de todas as lições da


Reforma Protestante seja que o meio de recuperação é sempre
ir atrás, de volta ao modelo primitivo, à origem, às normas e ao
padrão que só se encontram no Novo Testamento. Foi isso
exatamente o que aconteceu há quatrocentos anos. (1993, p.9)

O pecado é uma questão central no período da reforma, a maneira que a


igreja trata do assunto distante dos princípios bíblicos é um dos estopins que
leva os reformadores a romper com a igreja romana. O desejo não era de
começar uma nova igreja ou algo assim, mas de retorno às origens, houve
resistência e por isso nomes vão surgindo desde o período da pré-reforma
até o momento que destacaremos; A Reforma Protestante.

Dos grandes nomes deste momento da história da humanidade e igreja,


destacaremos Martinho Lutero e João Calvino, seus questionamentos e
argumentos, desta separação do homem e Deus e posterior com seu
semelhante e a criação divina.
24

2. 1. A questão do pecado e a luta por igualdade de Lutero

O grande momento da reforma protestante sem dúvida alguma está nas 95


teses de Martinho Lutero fixadas na catedral do castelo de Wittemberg em
31 de outubro de 1517, mas o que levou este homem chegar a este ponto?
Poderíamos aqui apresentar inúmeros argumentos, todavia não teríamos
tempo e fugiríamos do proposto aqui, então se atentaremos na questão do
pecado e a venda de indulgências uma espécie de perdão concedida pela
Igreja Romana na pessoa do Papa.

Temos discutido aqui a questão do pecado e a separação que o mesmo


causa na relação com Deus e o próximo, notavelmente a igreja da época
também compreendia esta distância que o pecador esta de seu Senhor,
porém faz disto um meio para adquirir finanças, ao invés de aproximar causa
ainda mais afastamento, Lutero tem esta compreensão segundo Von Zuben:

Para Lutero, as indulgências, em vez de aproximarem as


pessoas de Deus, acabavam distanciando-as. Ele ensinou que
as indulgências impediam os cristãos de praticarem o
verdadeiro arrependimento. Além do mais, comprar indul-
gências prejudicava os atos cristãos de misericórdia como, por
exemplo, a ajuda aos pobres. (2018, p.79)

Neste ponto da reforma a preocupação tem direção de não se cometer o


mesmo erro de Adão e ouvir outras vozes que não seja a de Deus, pois a
consequência deste ato esta sobre toda a humanidade e a Bíblia se
apresenta como palavra de Deus, ou seja, o que se deve usar como ponto
de referência, único guia de fé e prática, Barrett orienta:

A VIDA DA BÍBLIA NA ALMA DA IGREJA O lema da Reforma


Ecclesia Reformata et Semper Reformanda Est não se referia
apenas às questões soteriológicas (sola fide, sola gratia, solus
Christus), mas, sob ele estava o próprio alicerce, o princípio
formal da Reforma: sola Scriptura, a crença de que somente a
Escritura, por ser a Palavra inspirada de Deus, é a autoridade
inerrante, suficiente e final para a igreja. Em nenhum lugar
esse princípio formal estava mais visível para as pessoas
comuns do que na reorientação da igreja em torno da Palavra
pregada e proclamada. (2017, p.95)

É justamente a distorção da palavra dita por Deus que leva o homem ao


pecado, a serpente deturpa o que fora dito quando afirma que o comer do
25

fruto não geraria a morte Gênesis 3.4, após a distorção a dúvida surge e
com ela o ato de desobediência, propositalmente nas questões de Lutero
está o aspecto da fé, o homem não pode se relacionar com o divino sem fé.

Exatamente a falta de convicção na palavra que Deus dita ao primeiro casal


faz com que o pecado entre na humanidade, é a separação inicial e primária
as demais consequências que surgirão a partir deste ponto, o homem se
distancia da vontade de seu criador, não que o mesmo fora deixado a sua
própria sorte, mas se Deus não agir e o homem confiar nesta ação, é
impossível que se restaure a relação.

Sola Fide, somente a fé pode desfazer a inimizade do homem com Deus, é


por este olhar que veremos que por ausência de acreditar que em algum
momento as ações do homem terão sérias consequências, pela ausência de
crer que o pecado produz suas separações, aprisionando, segregando,
oprimindo, excluindo, afligindo seu próximo em afronta ao divino.

Esta postura adotada pelo homem é justamente um ato soberbo e como


texto de Provérbios 16.18 nos ensina é o que leva a queda, Lutero em um
sermão pregado em 26 de dezembro de 1531 teria dito:

Portanto, a santidade da igreja e a minha santidade provém da


fé. Embasam-se não em algo dentro de nós mesmos, senão
exclusivamente em Cristo. Diga a igreja: “Eu sei que sou
pecadora”, e confie-se jazer por inteira no cárcere do pecado e
no perigo de morte. “Em mim não há mais que iniquidade, em
Cristo não há mais que justiça; e se eu creio em Cristo, Sua
justiça chega a ser minha justiça”. (2012, p.7)

Perder a fé resulta em deixar de crer e obedecer e o fruto desta ação esta


por toda a humanidade atribui-se a Martinho uma inquietação na
arrecadação da igreja na época, afinal a mesma crescia em suas finanças
enquanto o povo passava necessidade, a Basílica de São Pedro é o grande
símbolo desta controvérsia, povo pobre e igreja totalmente rica, sem dizer
que para tal fato as indulgências é o sistema financiador.

São pontos como esse que inquieta o reformador, as condições da igreja


deveria ser algo que nutrisse o cuidado e zelo por seu povo, mas suas
riquezas advêm das promessas de perdão de pecados dos vivos e mortos,
pelo pagamento de perdão dado por um ser semelhante em modo ser e
26

necessidade de Deus como pecador, o que poderia ser um símbolo de


aproximação, conduz há uma distância indescritível.

Com inúmeras dúvidas, mas observando a Sagrada Escritura que Lutero


busca identificar a vontade divina, e o caminho para trilhar, mantendo-se fiel
a cada palavra dita e escrita com objetivo de retornar o relacionamento com
Deus, por esta fidelidade MacArthur orienta:

Como Martinho Lutero, que possamos nos erguer acima das


dúvidas interiores e confrontar as ameaças externas quando a
Palavra de Deus for questionada. Que Deus nos ajude a
sermos fiéis batalhadores pela fé. Permaneçamos somente
com Deus e as Escrituras. (2015, p.30)

Se na própria igreja existe esta segregação financeira obviamente é por


conta da moral corrompida e desta maneira isso se estendera por toda a
sociedade, voltar para um estado primário de fé é quebrar barreiras e
desfazer isolamentos que se faz dentro da comunidade de fé, os conceitos
de unidades estão totalmente distorcidos, afinal a escravidão de negros e
opressão de pobres é comum e gera um efeito em cadeia.

O machismo impera no seio familiar, a esposa também é vista como objeto


de prazer, e até o momento íntimo do casal pode ser interpretado como
pecado, pois o entendimento que reina é que este ato deve acontecer com o
propósito de procriação e não de prazer, e os conceitos apresentado vai
inquietando seus ouvintes, até porque se observa uma incoerência entre o
que é pregado e feito, em seus erros afirma-se a vontade de Deus.

As penitências que davam caráter de pagamento dos pecados cometidos


encontrava profunda resistência nas teses de Lutero, Fischer ao fazer um
compilado das obras de Martinho atribui o seguinte texto a ele:

Contudo, demonstro-a por causa dos incultos: em primeiro


lugar a partir do próprio termo grego metanoite, isto é, fazei
penitência, o que pode ser traduzido de maneira extremamente
exata por transmentamini, isto é, tomai outra mente e maneira
de pensar e sentir, recobrai os sentidos", fazei uma transição
da mente e uma passagem do espírito", de modo que vós, que
até aqui compreendestes as coisas terrenas, agora
compreendais as celestiais. (1987, p.63)
27

Com o desejo que todos participassem e usufruíssem do perdão divino,


reconhecendo seu pecado e sendo transformado, deixando a velha
natureza, possibilitando a todos esta mudança por meio de Jesus, é por esta
releitura baseada em Hebreus 10.19-22 que se elimina a possibilidade de
vários intermediários que em suma causava ainda mais separação, inclusive
durante a liturgia do culto.

As separações ficavam ainda mais evidentes com a postura adotada durante


a eucaristia e uso de linguagem não comum ao povo, Galasso diz:

A Ceia do Senhor transformara-se num ritual elaborado em lín-


gua desconhecida (latim) e a música, nas mãos de
especialistas, pouca oportunidade dava para a participação
popular. A comunhão (“Ceia do Senhor”) era celebrada uma
vez por ano apenas, a pregação não se prendia ao texto bíblico
e estava em latim, uma língua desconhecia pela maioria dos
párocos ignorantes, que nos dias de festa se dedicavam a
comentar a vida dos santos. Missas e indulgências tornaram-se
fonte de renda para a Igreja e, com outros erros, gerava um
verdadeiro clamor por reforma. (2017, p.49)

Até nos momentos de celebrações as consequências do pecado aparecem


fazendo separações pela ausência de uma vida diária com Deus, a falta de
relação verdadeira produz exclusões em toda relação humana, Lutero atuou
em muitas áreas, todavia o ponto chave de sua caminhada esteve focado na
direção do relacionamento com Deus por meio da fé, em seguida veremos o
quanto Calvino contribuiu sobre o tema do pecado na sociedade.
28

2. 2. Calvino e a desestruturação social como ação do pecado

O francês João Calvino tido por muitos como “O Teólogo da Reforma” ou “A


Inteligência da Reforma”, desenvolveu “As Institutas” seu mais famoso
escrito, que marcou sua época, e que se estendem até dias atuais, os cinco
pontos do calvinismo tão afamado, porém não por ele escrito, na verdade é
uma argumentação em oposição há alguns de seus pensamentos,
produzidos por alunos de Jacob Arminius, que argumentava contrário às
afirmações de depravação total, eleição incondicional, expiação limitada,
graça irresistível e perseverança dos santos.

Mas se engana quem imagina que a vida e história deste homem pauta-se
no que fora citado acima, embora não seja pouca coisa, Calvino era um
amante das escrituras sagradas e afirmava categoricamente a centralidade
de Deus em todas as áreas da vida humana e atribuía ausência do divino
para a depravação do homem e isto refletia sobre a sociedade, Shirley
corrobora com este pensamento:

Para Calvino, a vivência da fé na perspectiva cristã faria toda a


diferença para a organização da cidade. A igreja não seria uma
instituição isolada, pois os cristãos poderiam contribuir para o
desenvolvimento da cidade e para realizar a missão de adorar
a Deus e ser testemunha da ação divina na vida das pessoas.
(2018, p.49)

A destruição social passa segundo a visão calvinista pela má relação do


homem com Deus, em sua vivência refugiou-se em Genebra onde se
destacou como pregador, também ficou conhecido por suas ações
humanitárias, refugiando pessoas que eram perseguidas em suas cidades,
com afinco cuidou de enfermos sem condições para custear os valores
médicos de um tratamento adequado.

As questões sociais vão permear a vida de Calvino, ele embora até certo
ponto liberal enquanto as questões financeiras, e alguns de maneira até mal
intencionada atribui a ele o capitalismo, e de fato não era contrário, todavia o
29

entendimento de que o dinheiro deveria estar a serviço do próximo e jamais


ser usado para humilhar, subjugar ou qualquer coisa nesta direção.

De maneira até utópica ele imagina o estado gerindo o povo sobre leis o
mais próximo possível das orientações do criador, nesta direção Biéler
aponta:

Para Calvino, a missão política do estado implica, pois, em


intervenção na esfera econômica; não tanto como produtor de
bens, mas como regulador das trocas econômicas e da
distribuição da riqueza. Na ausência desse regulador, o bom
funcionamento da vida econômica é corrompido pelo pecado. A
ganância e os monopólios obstruem a circulação dos bens
entre todos, e o esbanjamento de alguns dizima as riquezas da
sociedade. (2009, p.38)

Em suma as mazelas da sociedade acontecem por uma falta de estrutura


que começa em uma missão corrompida na falta de compreensão da
vontade de Deus, o homem trabalha em busca de sua própria glória
necessitando se firmar sobre poderes que a jornada nesta vida finita pode
lhes dar de maneira temporal, cargos públicos, condição financeira,
liderança no trabalho e o mesmo usa isto para oprimir, afinal a sua ação hoje
é fruto da atitude tomada pelo primeiro casal.

Em Calvino a perspectiva de satisfação caminha em direção com a vontade


de Deus de certo modo nossa condição financeira não está relacionada
apenas há questão estrutural, ela condiciona-se pelo querer divino há
humanidade deve agradar-se da mesma, ele afirma em um de seus
sermões:

Se nós não temos tal estoque de alimentação como


gostaríamos, suportemos a nossa pobreza, pacientemente, e
pratiquemos a doutrina de São Paulo; e saibamos tão bem
suportar tanto a pobreza quanto a riqueza. Se o Senhor nos
conceder mais do que poderíamos ter desejado, ainda assim
devemos refrear nossos apetites. Por outro lado, se agradar-
Lhe cortar a nossa porção, e nos alimentar apenas
pobremente, devemos nos contentar com isso, e rogar-Lhe que
nos dê paciência quando não temos o que nossos apetites
anseiam. (2015, p.3)

A pobreza é uma questão social sem nenhuma dúvida, mas também sobre o
prisma da vida cristã em um olhar calvinista a mesma tem relação com
pecado que desestruturou o homem em sua vida no jardim, colocando este
30

pra fora da vontade de Deus, e agora não ocupa mais o lugar de zelador, ele
destrói a natureza e de alguma maneira também não desfruta do devido
relacionamento com aqueles que estão a sua volta.

Notavelmente suas afirmações engloba o homem como um todo,


desestruturado em seu interior ele externa isso em todo âmbito de sua vida
em sociedade, a vontade de deixar de ser semelhante ao divino e ser igual
num todo, rejeitou-se a soberania divina sobre o homem, que não quer mais
reconhecer seu criador, ao perdermos esta referência tratamos uns aos
outros de maneira hostil, sem bases.

O calvinismo compreende que ascensão do homem deve servir para a glória


de Deus no cuidado, não é abrir mão de sua condição financeira, é deixar a
imoralidade do ter em opressão e passar a possuir em serviço, a revista
Teologia e Sociedade em sua publicação de número 6, traz as seguintes
palavras de Gruchy: “isto não significa necessariamente que os cristãos
reformados têm de abandonar sua posição social ser da classe média não é
pecado, mas significa estar ao lado dos oprimidos em suas lutas por justiça
e libertação”. (2009, p11)

Compreendendo do ponto de vista de João Calvino o pecado desestrutura o


homem de dentro para fora, inclinação interior para atos errôneos, rebelar-se
contra Deus é perder os padrões estabelecidos por ele e afrontar sua ordem
“dela não comeras” Gênesis 2.17, incapacitando o homem moralmente e
nesta postura a criatura que fora posta para fora de Deus agora é expulsa
para longe dele.

O que Calvino nos orienta de maneira clara é o quanto o homem está


destruído sem seu criador, faltando-lhe estrutura moral, espiritual e
relacional, é a chamada depravação total, o fato de termos qualquer
condição e não agirmos em cuidado com o próximo denota afronta a Deus,
tantos anos se passaram e nos parece que as palavras do francês foram
escritas há poucos dias, a seguir veremos as distorções deste tema pecado
em nossa sociedade brasileira.
31

3. CONSEQUÊNCIA DO PECADO NO CONTEXTO DO BRASIL

Quando observamos nosso país e identificamos parte de sua história


identificamos que o mesmo é muito rico em miscigenação de povos,
somos uma nação que recebeu pessoas de todas as raças, africanos,
asiáticos, europeus, ocidentais com tanta gente chegando de fora e com
elas seus costumes em algum momento haveria algum tipo de conflito.

Muitos povos e vários hábitos, muitas religiões e interpretações de fé,


segundo a Wikipédia aproximadamente 85 por cento da população se
denomina cristã seguidores de Cristo, destes 22 a 25 apresentam-se
como protestante, ficaríamos assim na casa de 40 milhões, a questão
que surge é por que não percebemos a influência deste cristianismo em
nossa sociedade marcada por tantas mazelas.

Não quero aplicar aqui nenhum olhar preconceituoso ou de exclusão,


mas farei esta abordagem sobre os aspectos da igreja protestante em
nossos dias no Brasil, em observação as comunidades mais próximas de
mim, e o que identifico é que grande parte delas deixaram a pregação do
Cristo que resgata o homem do pecado e seguem a linha triunfalista do
“você pode”, “você vai vencer”, “não permita isso sobre você” e por ai vai,
e deixa seu papel transformador de lado, Renildo Diniz contrapõe que:

Estes fatores que caracterizam em parte a igreja protestante


brasileira têm na verdade, produzido um grande desafio
àqueles que se comprometem com a igreja do Senhor, eu diria
que as nossas igrejas precisam refletir muito sobre o seu
verdadeiro papel diante às transformações contemporâneas.
Como ser igreja diante uma sociedade com aspectos religiosos
sincréticos e triunfalistas? (2014, p.56)

O tratamento do caráter humano distorcido pelo pecado tem ganhado cada


vez mais distorções, se em Lutero a desigualdade e enriquecimento traz
separação e opressão parece que escrevia e lutava em solo tupiniquim, as
exclusões sociais questionadas por Calvino se aplicaria em sua totalidade
por aqui, é cada vez mais comum em nosso país há interpretação que
32

pessoas com poder aquisitivo são abençoadas e os que menos têm talvez
esteja amaldiçoado por pecado.

Para grande parte o pecado só pode existir proveniente de uma ação que
prejudique alguém ou a natureza, Tiago 4.17 nos apresenta a ideia de que
se existe conhecimento do que se deve ser feito e o mesmo não ocorre por
conta de desinteresse isto é pecar, ficar inerte também contribui para o mal,
Joyce traz o seguinte pensamento:

Há pecados agressivos, ou pecados de execução, e há


pecados passivos, que são pecados de omissão. Em outras
palavras, há coisas erradas que fazemos e há coisas certas
que não fazemos. Por exemplo, um relacionamento pode ser
destruído por palavras irrefletidas, mas pode também ser
destruído pela omissão de palavras bondosas de apreciação,
que deveriam ter sido ditas, mas nunca o foram. (2012, p.104)

Este pensamento corrobora com a ideia de que Adão embora não converse
com a serpente tinha conhecimento que não devia comer do fruto ofertado
por sua esposa, é muito comum à expressão ‘jeitinho brasileiro’ que além de
ser de conotação negativa diria que tem aspectos de pecado, fingir não ver,
forçar uma situação em busca de beneficio próprio burlando normas, e
depois a alegação é que não fui eu, não sabia e outros, com isso a nação
perece em fome, ausências sanitárias, médicas e uma crescente
perseguição religiosa e politica, assim diz Shirley:

Nas crises políticas, econômicas, sociais e religiosas, os países


latino-americanos, particularmente o Brasil, procuraram no
ensino das Escrituras respostas para perguntas que envolviam
a participação da igreja cristã em situações de extrema opres-
são, perseguição e morte. (2018, p.66)

Praticar o pecado é do homem seja por uma ação ou ausência da mesma,


em nossa sociedade é muito comum identificarmos alguém com o
pensamento de não é meu dever ou papel, é claro que existem poderes
instituídos e precisam ser respeitados, mas não falo nesta direção,
argumento na situação de dar um remédio, uma cesta básica, uma
passagem ou algo do tipo, não feri nenhum princípio de nossa sociedade.

Mas o comum diante destas situações é a omissão, pois é papel do estado,


o que me questiono é sobre qual perspectiva este cristianismo é mantido, se
33

ele não sente a dor do outro, não se compadece, sente-se inconformado


com o lamento de seus irmãos, como pode este pensamento ser semelhante
a Jesus em obediência ao Pai, se há distância dele o Cristo e proximidade
com o pecado.

Nossa compreensão de pecado tem partido da ideia de pecado original onde


o homem desobedece a Deus e procura viver a sua própria sorte, assim
como se encontra nosso momento nacional, cada um busca a sua fruta em
detrimento da vontade soberana de comunhão com o criador e o próximo, o
pecado é progressivo e vai aos poucos deteriorando, em discordância com
argumentos evolucionistas Morris afirma:

Ao invés de todas as coisas irem sendo “feitas” isto é, irem


sendo organizadas em sistemas e estrutura altamente
complexos como aconteceu na semana da criação, estão
agora sendo “desfeito”, vão se tornando desorganizados e
simples. Em vez de vida e crescimento, há decadência e morte,
em lugar de evolução há degeneração. Eis ai o segredo do que
há de errado com o mundo. (2001, p.44)

Utilizando-me da parte final da frase de Morris, eis ao o que há de errado


com o Brasil, na criação tudo é feito com um propósito que é a relação de
Deus com sua criação, quando isso se perde o efeito em cadeia vai se
espalhando, o conceito de certo e errado passa a ocupar uma posição moral
meramente humana e deturpa o que é afronta com a vontade divina.

Em nosso país existem alguns campos bem exacerbados quanto ao


conceito do que se é correto ou não, e com isso alguns se sentem na
posição de também ditar o que é pecado, deixam de lado as orientações
bíblicas e caminham por seus desejos pessoais de dominação e sincretismo
religioso na busca pelo poder.

Como temos dito até aqui o pecado corrompe o homem em todo o seu ser, e
com isso a criação sente as consequências do mesmo, no Brasil instalou-se
uma inquietação politica e isso tem se estendido por toda a sociedade,
falaremos a seguir como a distorção do pecado tem assolado a população.
34

3. 1. Consciência Ambiental

A compreensão incorreta do propósito em ser povo de Deus culmina em


uma sociedade desprovida de toda a consciência espiritual e isto
desemboca em uma moral pervertida, que gera danos terríveis, se esta
possibilidade ocorre sobre a igreja, nos diz MacArthur:

Se uma pessoa tão evidentemente libertina e não espiritual


pode conquistar um número tão grande de discípulos
desmiolados, imagine o perigo que os falsos mestres
representam, quando procuram parecer genuinamente
piedosos. Imagine o que o inimigo da verdade poderia fazer na
igreja, se fingisse ser um crente sincero e conquistasse a
reputação de mestre respeitável. (2008, p.112)

Esta distorção de moral e pecado cada vez mais é confundida, se nossa


natureza geme a sociedade também sofre o aquecimento global, cada vez
se evidencia mais, águas contaminadas, e a ganância do ser humano se
sobrepondo as demais necessidades da vida humana, contudo temos igrejas
caladas sobre o assunto ou por vezes pouco se toca no mesmo.

É preciso falar sobre o assunto, procurar estudos sérios e repensarmos


como o pecado tem nos levado agir junto à criação de Deus, entender a
razão que o homem foi posto no jardim mudara o pensamento brasileiro, não
somos donos, sim cuidadores ou mordomos como nos fala Carriker:

A tarefa humana implica a responsabilidade de preservar a


ordem que Deus estabeleceu e zelar pela integridade de todos
os seus elementos. Tal incumbência não implica liberdade
autônoma e autocrática para dispor dos recursos do mundo
para finalidades autodeterminadas. Os seres humanos são
mordomos de Deus, responsáveis perante Ele, e têm como
primeira tarefa assegurar a permanência e o equilíbrio da
criação. Somos conservacionistas por vocação de Deus, mas
não somos regentes independentes. (2014, p.15)

Aqui talvez more a grande problemática do pecado sobre o cristianismo


brasileiro, é bem possível que se use a expressão mordomo de maneira
popular como alguém que está desocupado, tranquilo ou sem compromisso,
porém quando nos aprofundamos no sentido da mesma percebemos que
35

sua relação é a prestação de serviço e cuidado, podemos atribuir má


interpretação, falta de formação, desconhecimento ainda sim chegaríamos
ao pecado como raiz deste desajuste.

Por vezes na competição entre igrejas, algo que não deveria acontecer,
surgem às mensagens voltadas para o ego do homem, massageando o
orgulho e não confrontando com a verdade do evangelho que faz “separação
entre alma e espírito, juntas e medulas” Hebreus 4.12, se o mesmo não é
feito como haverá alguma mudança de mentalidade, é preciso descansar
mais debaixo das árvores que em casas feitas com elas.

O gemido da natureza é na esperança de manifestação dos filhos de Deus,


aqueles portadores da boa notícia e agentes do cuidado, como uma mulher
que com dores aguarda a chegada de seu bebe e que ira lhe gerar alegria
assim clama nossas florestas e animais, na ardente expectativa.

Falamos um pouco da postura que se deve ter ante as tantas distorções ao


cuidado da criação, agora veremos sobre a relação nossa em sociedade,
afinal temos vivido dias de inquietação sobre nossa nação.
36

3. 2. Relação social no Brasil

O pecado deforma o homem em suas ações e palavras, com isso gera


inimizade e contendas, “de onde vêm as contendas que há entre vós? Não
vem das paixões que guerreiam dentro de vocês?” Tiago 4.1, assim como
aconteceu com Adão em sua queda, Davi com Batseba, Salomão com suas
várias esposas, o cenário brasileiro social vive assim cheio de desejos, se
esquecendo do criador e buscando seus anseios.

Desigualdade financeira sempre existiu em nosso país, todavia nos últimos


tempos surgem igrejas pomposas, com estruturas astronômicas e o povo
necessitando de pão, parece-me que Calvino e Lutero seriam ótimos coach
no treinamento de servir a Deus com seus bens, não ver o que está dando
certo ou errado na busca de crescer em detrimento do cuidar, deve-se
trabalhar para Deus como servo.

A falta de mentalidade de uma mudança social é evidente, a chamada


síndrome de Gabriela referência à canção de Dorival Caymmi, é muito
comum em uma sociedade que em parte tem a mente cauterizada pelo
pecado, segundo Warren:

É comum as pessoas destacarem sua identidade em torno dos


defeitos. Elas dizem: “É meu jeito de ser”; “Eu sou desse jeito”.
A preocupação inconsciente é que, livres de um hábito, de uma
dor ou de uma inibição, não sabem em quem irão se tornar.
Esse medo pode certamente retardar o crescimento. (2013,
p.236)

Este medo é concebido pelo pecado, tira nossa unidade como nação nos
divide e assim gera individualidades que por vezes culminam em
depressões, destruindo ceio familiar, causando guerras monetárias que
aprisiona ao que tem na busca por mais, e ao necessitado que se coloca em
condições precárias em busca de um pedaço de pão.

Muitas das ações corruptas que se tornaram cotidianas em nosso meio seja
politico ou não, nasce por corrupção em coisas pequenas como estacionar
em uma vaga de idoso já que ninguém esta olhando, dai chegamos a passar
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a frente de alguém em uma fila de hospital, infelizmente este tipo de situação


tem acometido os brasileiros e tomado sentido de natural se é pro bem da
minha família então pode.

Estamos tão divididos pelo egoísmo de sermos de determinada igreja,


termos tal emprego, fazermos parte do partido politico a ou b, que não
refletimos sobre o que estamos fazendo e como vivemos, o cerne é o
pecado, e o mesmo afugenta o prazer de servir a Deus, Hernandes diz sobre
o quanto deveríamos nos orgulhar de sermos servo de Deus, veja:

Não deveríamos nos envergonhar de sermos chamados servos


de Deus, de sermos escravos do Rei dos reis e do Senhor dos
senhores, pois essa posição nos coloca em associação não
somente com os patriarcas, profetas e apóstolos, mas também
com os santos anjos e com o próprio Filho de Deus. (2009,
p.34)

Assim o compromisso social em especial da igreja é de dialogar com todas


as frentes e desta maneira encontrar meios de viver em sociedade como um
todo, contudo resistindo o pecado e seus atos, não que como povo de Deus
não pecamos, ao contrário precisamos reconhecer para que possamos nos
identificar como homens que se relacionam com o divino, aplicando as
seguintes orientações de Cole:

Parece-me que a maior dificuldade do homem é a de


reconhecer seus próprios erros. Mostrar-se disposto a reparar
erros não é algo fácil para ele. No entanto esse é o primeiro
requisito para quem quer ser um verdadeiro homem. Meu
jovem, assuma a postura de reconhecer seus erros. E continue
a seguir o Senhor, em retidão. (2009, p.104)

Se como sociedade não compreendermos a necessidade de admitirmos


nossos erros, caminharemos ao caos social que se aproxima de nossa
sociedade, socialmente vivemos cada um no seu mundo, e o conceito de
comunidade vai sendo transformado, veremos como estamos no cenário da
politica como organização social, que também sofre influência do pecado.
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3. 3. O pecado influenciando na política

A politica é parte importante da sociedade, é por meio dela que se espera


que aja organização social delimitando o que pode ou não ser praticado, de
certo modo e com um número bem maior copiamos o modelo do decálogo,
mas não temos Moisés e nem é Deus o autor de tais leis, sua palavra
deveria ser suficiente para a orientação de uma sociedade, e o homem
procura em seu meio um que possa ser o Messias.

Os reformadores empenharam-se em ajudar nas questões sociopolíticas em


meados dos anos 70 o envolvimento deles auxilio nas questões dos direitos
humanos conforme nos informa Gruchy:

Nos anos 70, os teólogos reformados, atuando em conjunto


com a Aliança Mundial de Igrejas Reformadas, deram atenção
especial às questões sociopolíticas e especialmente aos
direitos humanos. De interesse capital, entretanto, foi à luta
contra o racismo, ou seja, contra o apartheid. (2009, p.15)

É nesta direção que deveríamos caminhar e observar pessoas presas na


falta de conhecimento, aprisionadas pela fome, cativas de enfermidades,
segregadas por sua religião ou cor da pele, todavia nossas politicas
demonstram o quanto o pecado influência a mesma, pois a cada dia que
passa tem no Brasil a construção de muros morais, sem o devido diálogo.

Vivemos em desconfiança a tudo, parece que estamos a todo tempo sobre


uma mesa de cartas onde blefar é constante em nossos diálogos, em alguns
momentos até parece que pecamos apenas de maneira exterior, como se
pudesse separar o interior do que é externo, Ridderbos nos fala:

Antes, a descrição completa “homem” exterior e interior aponta


para uma outra direção: o homem não apenas “tem” um lado
exterior e outro interior, mas também é, como homem, tanto
“exterior” como “interior”; ele existe tanto de uma forma como
de outra. A relação entre esse homem exterior e interior é, de
fato, de importância especial na definição da corrupção do
pecado. (2004, p.122)

Existindo esta corrupção interna e externa no homem e creio que exista, o


mesmo é influenciado em suas tomadas de decisões por este caráter
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corrompido, nossa questão é que para alguns lideres religiosos no Brasil


parece estar negociando seus princípios não denunciam a fome e a miséria
recorrente sobre a nação e que evidência sua pobreza moral no cuidado.

Este poderia ser o ponto chave de nossa corrupção moral que se apresenta
na postura da sociedade, mistura-se pornografia ao conceito de cultura, ódio
aos que se apresentam como discípulos daquele que se apresentou com o
maior ato de amor da história, Jesus, e assim a moralidade toma o lugar de
atitudes humanitárias, o Cristo não se separou dos homens caídos.

Contudo quebrou paradigmas da época para alcançar os pecadores, tocou


enfermos excluídos pela sociedade, falou com mulheres algo absurdo para
aqueles dias, tudo que advém do pecado separa, porém o que ouve a voz
de Deus busca a unidade, precisamos como grande parte de cristãos que
somos deixar as placas ministeriais de lado, fugirmos da aparência do mal,
juntos de mãos dadas caminharmos na direção da voz de Deus.
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CONCLUSÃO

Tratamos neste trabalho da separação causada pelo pecado, no primeiro


momento vimos à relação com Deus sendo deturpada em consequência da
desobediência humana, identificamos um desejo em oposição ao que o
criador havia apresentado ao primeiro casal.

O homem na pessoa de Adão desobedeceu a Deus, o pecado gerado por


ele recai sobre toda a humanidade como nos apresenta Gênesis, sua função
como mordomo é perdida, pois seu caráter também se perdeu e isto implica
em uma relação distorcida com sua esposa e família e posterior a
humanidade, sua relação com o criador deixa de ser pessoal.

A partir deste ponto vimos à opressão e segregação que o ser humano


passou há produzir em suas relações, na família existem aqueles que
ocupam lugar de mais preeminência que outros, na sociedade injustiça e
miséria subvertendo as relações sociais, no meio da igreja ou povo de Deus
há um silêncio as exclusões praticadas e chega ao ponto das mesmas
serem feitas durante a liturgia do culto.

Este pensamento separatista e que visa oprimir para obter lucro e status
colocando o homem em um pedestal ou altar como alguém que possa
intervir junto a Deus na questão do pecado através de rituais passa a ser
questionado. Na reforma identifica-se que o homem por meio de Cristo pode
se relacionar novamente com o Pai celeste, pois nos evangelhos isto ficou
evidente, nota-se que o homem não pode pagar pelo perdão, e não há um
meio ou caminho possível fora da ação de Deus.

As reformas reproduzidas naqueles dias aplicam-se a todas as nações, mas


olhando para nossa nação vemos de maneira clara o quanto somos
influenciados pelo pecado em nossa maneira de ser, nossa sociedade vive
um momento de exclusão sem precedentes em nossa história, ocorre por
religião, politica, orientação sexual e uma influência muito grande do
humanismo, aproximando o homem há uma vida de desobediência.
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Em nosso contexto brasileiro vemos o quanto nossa natureza tem sofrido


com atitudes que não agradam a Deus, a sociedade esta dividida em seus
interesses e na politica quem deveria legislar luta por poder, assim nossas
matas e toda a biodiversidade de nosso país sofre pelas distorções
causadas muitas vezes por atitudes religiosas para favorecimento de
algumas pessoas.

Por conta do pecado iniciado lá no Éden e que levou o ser humano para
longe da voz de seu Criador é que observamos as distorções das igrejas que
deveriam ser instrumentos nas mãos de Deus, também se evidência o mau
uso da política em favor próprio ao invés de legislar para uma harmonia em
sociedade.

Este é mais um dentre muitos estudos existentes sobre o pecado, e muitos


outros irão surgir, por isso nos é valioso entender que o ponto de vista de
outra pessoa é tão importante quanto o nosso, mas que sempre
precisaremos ouvir a voz de Deus para tomarmos decisões que nos
aproxime de sua vontade, e que de fato verdade absoluta somente pode ser
a palavra de YHWH, partindo obviamente do ponto de vista da fé.

Justamente a falta de fé na palavra de Deus é que leva o homem a desejar


frutos que lhe foi proibido, o anseio por ser mais do que de fato se é produz
no ser humano inúmeras distorções, uma vez que se perde esta relação com
o Criador às demais também se degradarão, que o homem possa
reconhecer sua limitação e aceitá-la reconhecendo a vontade soberana de
seu Deus, até o dia que retornaremos para o propósito original.
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