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Desde abril de 1998, as comemorações dos 500 Anos da Descoberta do Brasil vêm
Brasileiro de Televisão, por mídias regionais, ou, ainda, por fundações culturais,
Com base na constituição de um corpus de análise com matérias sobre os 500 Anos
produzidas e veiculadas pela mídia no Brasil entre 1999 e 2000, o projeto de pesquisa
1
Professora e pesquisadora do Curso de Ciências da Comunicação da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos),
em São Leopoldo, RS, Brasil, e doutoranda em Ciências da Comunicação na Escola de Comunicações e Artes da
Universidade de São Paulo
2
Professor e pesquisador do Curso de Ciências da Comunicação e doutorando no Programa de Pós-Graduação em
Ciências da Comunicação da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), em São Leopoldo, RS, Brasil.
2
4
brasileira tem como objeto de estudo a análise dos processos de produção de sentido
sobre os 500 Anos na esfera midiática brasileira envolvendo as interpretações dos sujeitos
de negociação de sentidos tem sido assumido, de forma crescente, a partir dos estudos de
Multiculturalism por teóricos como Henry Giroux 5, Peter McLaren6 e David Goldberg7 ,
3
Para maiores detalhes, ver http//:www.brasil500.com.br
4
Esse artigo resulta do projeto de pesquisa com o mesmo nome desenvolvido, desde agosto de 99, junto à linha de
pesquisa Mídia e Processos Socioculturais do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação da Unisinos , em
São Leopoldo, RS, Brasil, contando com a participação dos autores desse trabalho, dos professores Pedro Gilberto Gomes,
Antonio Fausto Neto, José Luis Recktiziegel e das bolsistas de iniciação científica Ana Paula Russo Dalcol e Daniele
Sinhorelli.
5
GIROUX, Henry. Um cambio social arrollador: los colores unidos de Benetton. Placeres inquietantes – aprendiendo
la cultura popular. Barcelona, Paidós, 1996.
6
McLAREN, Peter. Multiculturalismo crítico. São Paulo, Cortex, 1997
3
pelo fotógrafo italiano Oliviero Toscani, alvo insistente das críticas de teóricos como
Henry Giroux. 8
culturais e a diferença. 10 Ao não permitir a separação entre passado colonial e presente pós-
7
GOLDBERG, David Theo. Introduction: Multicultural conditions. In: GOLDBERG, David Theo. Multiculturalism - a
critical reader. Bacwell, Oxford, 1997.
8
GIROUX, Henry. Op. cit., . p. 17-47.
9
SEMPRINI, Andrea. Multiculturalismo. Bauru, EDUSC, 1999.
10
A produção de sentido dos 500 Anos na mídia brasileira do projeto de pesquisa em questão vincula-se ao debate pós-
colonial ao discutir, desde a perspectiva dos contextos de produção e do consumo de textos midiáticos, as releituras e
reatualizações sobre os contatos culturais desencadeados no marco do processo colonizador envolvendo Brasil e Portugal.
4
dos diferentes atores ou das múltiplas “vozes” que o ocupam, o disputam, o reconfiguram
abordagens dos 500 Anos e das identidades culturais. Mais do que um modelo rígido ou um
construção que se relata”, segundo as palavras do argentino Néstor García Canclini 12, ou,
ainda, como representação social que, na visão da historiadora Sandra Pesavento “formula
uma maneira de ser que é inventada ou importada, mas é assumida e consentida, o que
11
PIERUCCI, Antônio Flávio. Ciladas da diferença. São Paulo, Editora 34, 1999.
12
GARCIA CANCLINI, Nestor. Cultura y comunicación: entre lo global y lo local. La Plata, Faculdadede Periodismo
y Comunicación Social – Universidad Nacional de la Plata, 1997 (Ediciones de Periodismo y Comunicación nº 9).
13
PESAVENTO, Sandra Jatahy. A cor da alma: ambivalências e ambigüidades da identidade nacional. Ensaios FEE.
Porto Alegre, v. 20, nº 1, p. 125.
5
indivíduo recortes que abarcam, por um lado, o continental, o nacional, o regional, o local
2. O Brasil pluriétnico, como resultado dos processos de colonização e das migrações, que
estrangeiro.
5. O Brasil “global” e seu (re)posicionamento no marco das redefinições dos vínculo entre
status primeiro mundista, mesmo que sua conquista seja jogada para um futuro
distante.15
Essas “formas de dizer” as identidades permite afirmar, ainda, que as narrativas dos
500 Anos da mídia brasileira são herdeiras das formas modernas de comemoração que
emergem no final do século XVIII, cujos principais beneficiários são o estado nacional, o
14
PESAVENTO, Sandra Jatahy. Op. cit.
15
Do corpus de matérias midiáticas mapeadas até o momento, já constam elencados e analisados vários exemplos
representativos de cada uma dessas “formas de narrar” que não serão, contudo, detalhados nesse paper.
6
“comunidade imaginada”, segundo a concepção inaugurada por Benedict Anderson 17, que
se insere, em grande medida, a ênfase discursiva no nacional como posição identitária nos
narrativa dos 500 Anos da mídia brasileira, numa espécie de recomposição do ideário de
nação promovido no âmbito do projeto desenvolvimentista dos anos 60 18. Duas óticas – a
programação dos 500 Anos, quando, por exemplo, o Canal Futura 20, leva ao ar a série
material e imaterial do Brasil, através das diversas manifestações culturais que formam a
16
ARRUDA, José Jobson de Andrade. O Trágico 5º Centenário do Descobrimento do Brasil – comemorar, celebrar,
refletir. Bauru. EDUSC, 1999Op. cit., p. 10.
17
ANDERSON, Benedict. Comunidades imaginadas – reflexiones sobre el origen y la difusión del nacionalismo.
Mexico, Fondo de Cultura Económica, 1997.
18
A construção de Brasília ou, ainda, a estética do cinema novo de Glauber Rocha despontam como exemplos desse
ideário.
19
Segundo o pesquisador brasileiro José Teixeira Coelho, os intelectuais de esquerda empenham-se em fundar a idéia de
nação em cima do popular ou de uma cultura nacional popular (cultura popular voltada à integração de todas as classes),
ao passo que “direita” se mobiliza em constituir a nação a partir da noção de patrimônio nacional como preservação da
idéia de passado e como orientadora da idéia de país.
20
Emissora a cabo de caráter educativo pertencente ao sistema Globosat
7
hino dos 500 Anos encomendado pelo Ministro do Esporte e Turismo, Rafael Greca, aos
cantores sertanejos Chitãozinho e Chororó e celebrado ao estilo do “Eu te amo meu Brasil”
do governo militar.
cientistas políticos, escritores, etc) 22, sobretudo nos espaços de opinião da mídia brasileira,
que tratam de enfatizar a renúncia a um projeto nacional em suas reflexões sobre os 500
Aponta para isso a crítica formulada pelo jornalista Clóvis Rossi na Folha de São
artigo, “serão cotadas as ações de empresas do subcontinente (na verdade, muito mais as de
não é pretensão excessiva imaginar que, por sua extensão territorial e abundância de
riquezas naturais, é o Brasil que deveria estar usando a Espanha como ponte para atingir a
21
Ver http://www.futura.org.br/site/home/01.htm
22
Aqui também enquadram-se alguns jornalistas (articulistas) que têm privilegiado em suas trajetórias reflexões mais
aprofundadas sobre a sociedade brasileira, como é o caso de Clóvis Rossi.
23
ROSSI, Clóvis. Caravelas de papéis. Folha de São Paulo. 06 de novembro de 1999, p. 2.
8
[...] Falta-lhe, é claro, história. Mesmo assim, 500 anos já deveria ter sido tempo suficiente
para que o país produzisse algo mais consistente, em matéria de economia, do que o que
tem hoje. Mais que história, portanto, parece faltar ao país, desde sempre, um projeto
nacional.24
do mito das origens, cuja mestiçagem é a metáfora definidora por excelência de um Brasil
que “já nasce como mestiço e cuja alma já vem marcada pela cor” 25
Tomando como mote os 500 Anos, sucedem-se pensadores, cujas vozes, no cenário
Cardoso, na véspera da virada do ano 2000 durante a abertura oficial das comemorações
shoppings centers Iguatemi em todo o Brasil 27. Os presépios e a oficina do papai noel
24
ROSSI, Clóvis. Op. cit., p. 2.
25
PESAVENTO, Sandra. Op. cit.,
26
ABERTA a festa dos 500 Anos do Brasil. Zero Hora. Porto Alegre, 02/01/2000, p. 6
27
Joãosinho Trinta é um dos mais famosos carnavelescos brasileiros. Atuou vários anos como idealizador dos desfile da
escolas de samba Beija Flor do Rio de Janeiro.
9
da chamada fábula das três raças – branco, índio e negro -, deixando de fazer alusão ao
alemães e japoneses na vida econômica e social dos estados brasileiros do sudeste e sul,
recomposição de uma gênese nacional e, agora passaporte para a sociedade global, que têm
projeto de nação que, segundo Sueli Carneiro, o imaginário televisivo busca consolidar para
29
o próximo milênio a partir da telenovela Terra Nostra . Carneiro alerta para o impacto
contrário, permanecem se defrontando nessa novela com as questões básicas que envolvem
28
O “embranquecimento” passou, portanto, a significar “a capacidade da nação brasileira (definida como uma extensão da
civilização européia, em que uma nova raça emergia) de absorver e integrar mestiços e pretos. O que supõe,
implicitamente, a concordância das pessoas de cor em renegar sua ancestralidade africana ou indígena.
“‟Embranquecimento‟ e „democracia racial‟ são, pois, conceitos de um novo discurso racialista. Ver GUIMARÃES,
Antonio Sergio Alfredo. Racismo e Anti-Racismo no Brasil. São Paulo, Editora 34, 1999, p. 51
1. 29 A estratégia de marketing do lançamento da telenovela Terra Nostra esteve orientado a vincular o novo produto
cultural à comemoração dos 500 Anos de Descobrimento do Brasil.
30
CARNEIRO, Sueli. “Terra Nostra” só para os italianos. Folha de São Paulo. 27 dez. 1999, p. 1-3.
10
Nacional na Consciência Negra, pelo Governo do Estado do Rio Grande do Sul em parceria
31
com a Prefeitura de Porto Alegre, sob a denominação de Aqui são outros 500. Com
vigência de diferentes formas de colonialismos nos discursos celebrativos dos 500 Anos.
site sobre história do Brasil criado na Internet. Os 500 Anos são enunciados pelo conjunto
Brasil 500 do governo federal que “através de recursos das áreas de educação, cultura e
comunidade solidária se une aos detentores das grandes mídias de comunicação para
torno de um suposto ideário nacional, a mestiçagem aparece ora para recompor o mito de
31
Vale destacar que, embora esse seja também um discurso governamental, tem como especificidade ser produzido no
contexto de um governo com perfil de esquerda, como é o caso do Partido dos Trabalhadores que ocupa a Prefeitura de
Porto Alegre e o Governo do Estado do Rio Grande do Sul, que tem se configurado como oposição política ao governo
federal.
32
Ver http://www.brasil-outros500.com.br
33
Ver http://www.brasil-outros500.com.br
34
MCLAREN, Peter. Pluralidade cultural: a diversidade na educação democrática. Pátio – Revista Pedagógica, nº 6,
ago./out. 1998, p. 2.
11
imposição do campo jornalístico apontada por Pierre Bourdieu 35, emerge ainda, no campo
campo acadêmico. 36
dizer” a brasilidade em uma em várias mídias; explorando os modos como cada mídia
compõe diversas versões temáticas do Brasil ou enfrenta cada um dos “modos narrativos”
35
BOURDIEU, Pierre. Sobre a televisão. Rio de Janeiro, Zahar, 1997.
36
Exemplos de jornalistas-historiadores são Eduardo BUENO com as obras Náufragos, traficantes e degredados - as
primeiras expedições ao Brasil :1500-1531. (1ª. edição). Rio de Janeiro, Objetiva, 1998. A viagem do descobrimento –
a verdadeira história da expedição de Cabral. Rio de Janeiro, Objetiva, 1998. Capitães do Brasil. Rio de Janeiro,
Objetiva, 1999; Jorge CALDEIRA, com o obra A nação mercantilista. São Paulo, Editora 34, 1999 e CALDEIRA, Jorge
et al. Viagem pela história do Brasil. (2 ª edição). São Paulo, Cia. das Letras, 1997 e Walter GALVANI com a obra Nau
Capitânia – Pedro Álvares Cabral, como e com quem começamos. Rio de Janeiro, Record, 1998. Os historiadores de
formação acadêmica seguem, contudo, presentes na mídia, sobretudo nos espaços de opinião para proporem (re)leituras
históricas sobre as relações com o Outro colonizador, embora não alcancem o sucesso dos jornalistas-historiadores.
37
A conclusão da etapa de coleta das matérias midiáticas está prevista para abril de 2000, quando se encerra oficialmente
a programação comemorativa dos 500 Anos.
12
configura como um fenômeno ao mesmo tempo tributário e provocador das fra gmentações
identitárias.38
enviar e debater, via a rede, o material coletado sobre o tema nas mídias regionais 39.
servirá como suporte para a etapa seguinte da pesquisa, que consiste em identificar e
analisadas pela equipe da pesquisa como seleções e interpretações dos discursos sobre os
500 anos mediados por recortes identitários específicos (étnico, religioso, militante, etc).
através de uma intervenção etnográfica que teve como objetivo coletar as impressões dos
38
O incremento significativo de publicações impressas orientadas a universos identitários específicos como negros, gays,
mulheres, terceira idade, sexualidade (inclusive, on line), no contexto brasileiro, exemplifica esse fenômeno.
39
Os “observadores”, participantes do seminário de extensão em desenvolvimento desde setembro de 1999, estão
mapeando mídias em Minas Gerais, Paraíba, Maranhão, Santa Catarina, São Leopoldo, Porto Alegre, Uruguai e Bolívia,a
partir de uma metodologia estabelecida em conjunto com a equipe de pesquisadores da Unisinos.
40
A intervenção está documentação em suporte videográfico.
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Título do trabalho: Multiculturalismo e esfera midiática: a (re) descoberta dos 500 Anos
na mídia brasileira
Autores:
1. Denise Cogo: professora e pesquisadora do Curso de Ciências da Comunicação da
Universidade do Vale do Rio dos Sinos, em São Leopoldo – RS – Brasil e doutoranda
em Ciências da Comunicação na Escola de Comunicações e Artes da Universidade de
São Paulo
2. Endereço:
R. Luiz de Camões 131/202
Porto Alegre – RS – CEP 90.620-150
BRASIL
Fone: 021 51 219-5161
E-mail: denisecogo@uol.com.br
cogo@midias.unisinos.br
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