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Introdução

Dentre muitos autores e teorias da personalidade, a nós nos foi incumbida a


responsabilidade de falar acerca da psicologia do corpo de Wilhelm Reich.

Wilhelm Reich viveu entre anos de 1897 à 1957, natural da Galícia foi médico
e psicanalista. No ano 1918 ingressou na escola médica e terminou os seus estudos no
ano 1922. O interesse pela sexualidade levou-o a ter um encontro com a psicanálise e a
ser discípulo de Freud.

Com a psicologia do corpo Wilhelm dá um contributo forte à psicanálise. A


análise do carácter é resultado da preocupação dos efeitos e melhora da terapia
psicanalítica na vida dos pacientes.

A preocupação em compreender e relacionar certos comportamentos, afectos,


forma de agir, de falar do paciente com os sintomas mencionados por ele, levou
Wilhelm a desenvolver a psicologia do corpo, ou seja, criar algo que fosse além do
conteúdo verbal e que tivesse em conta os movimentos corporais, os afectos e a forma
de agir. Este pensamento nos leva a questionar: como concebia ele a personalidade?

Embora não sejamos peritos na matéria, procuraremos com humildade e


simplicidade falar acerca da psicologia do corpo a fim de que os leitores possam
perceber a personalidade segundo o nosso autor e quais os métodos ou análise se devem
usar para o tratamento de certas patologias.

1
Definição da teoria da personalidade

Antes de começarmos a falar ou definir as teorias da personalidade, é


necessário esclarecermos alguns conceitos importantes, porque não se pode falar das
teorias da personalidade sem antes explicarmos os conceitos de pessoa e de
personalidade.

Muitos e de muitas formas foi definida a pessoa, mas a definição mais aceite de
pessoa é de severino Boécio. Para ele a pessoa é uma substância individual dotada de
razão. Essa individualidade manifesta-se nas diversas formas de reacções, aquilo que
lhe é característico quanto ao agir e ao reagir aos estímulos que lhe é específico. No dia-
a-dia notamos facilmente essa individualidade porque cada um tem a sua maneira de
expressar, de falar, de reagir, de agir, de comer, de pensar, de se viciar, de se comportar,
etc., ou seja, tudo varia de indivíduo para indivíduo.

Por conseguinte, facilmente confundimos a personalidade como uma espécie


de padrão mais ou menos perfeito das características biológicas, psicológicas e morais
que se manifestam a partir do comportamento da pessoa e que a distingue de outra.
Porém, não se deve reduzir a personalidade ao comportamento da pessoa porque o
comportamento é simplesmente um caminho para conhecer a personalidade do
indivíduo, ou seja, nós revelamos a nossa personalidade com o nosso próprio acto. A
personalidade é algo distinta e própria de cada indivíduo.1

A personalidade é o que organiza, dinamiza, integra e harmoniza todas as


formas de comportamento e características do indivíduo, por isso, se pode falar da
estabilidade e coerência no comportamento.2 Não se pode falar da personalidade sem
uma dimensão social porque nós recebemos muitas influências da família, da escola, da
Igreja, do nosso bairro, da nossa cultura. Ou seja, as diferenças e as relações inter-
pessoas nos ajudam a construir a nossa personalidade. A nossa maneira de pensar, de
falar, os nossos hábitos, os nossos costumes se constroem e se manifestam nestes meios
acima citados. A personalidade é a forma de representar as nossas características a fim
de explicar os padrões consistentes: sentimentos, pensamentos e comportamento.3

1
Cfr. PINILLOS, Luís José, princípios de psicologia. 8ª ed. Madrid: alianza universidad, 1980. p. 599.
2
Cfr. GONZÁLEZ, Lucas; LUAKUTI, Hélder, personalidade obsessivo-compulsiva. P.2.
3
Cfr. PERVIN, Lawrence A; JONH, Oliver P. trad. Ronaldo Costa. Personalidade: teoria e pesquisa.
8ªed. Porto alegre: artmed, 2004. P.23.

2
Na verdade, em determinados momentos da história da psicologia, a maneira
de entender a pessoa, a sua natureza, as suas actividades e o seu estado foi variando
porque cada psicólogo olha ou entende a pessoa de forma diferente; isto influenciou nas
diversas teorias da personalidade. De facto, todas as teorias procuram responder ou
descobrir três coisas fundamentais: o “que”, o “como” e o “porque”. Assim, conhecer as
características das pessoas (que), conhecer o que determina a personalidade de um
indivíduo (como), e conhecer os motivos que impulsionam o comportamento do
indivíduo (porque).

Personalidade segundo Wilhelm

Para Wilhelm, a pessoa é uma unidade psicossomática, isto é, não é


simplesmente somático, mas sim um sistema formado de corpo e mente. Estes dois
elementos formam um só sistema e não podem ser separados. O nosso corpo muitas
vezes manifesta aquilo que se passa na nossa mente como sentimentos, emoções, ideias
etc,. Por exemplo, quando estamos alegres, a nossa forma de agir manifesta o nosso
sentimento, ou seja, saltamos, pulamos, abraçamos; e isto também acontece com a nossa
mente. Wilhelm ao ver o homem como psicossomático nos ajuda a perceber que as
emoções correspondem sempre às reacções tanto psíquicas e físicas e não simplesmente
a umas e não a outras.

Como resultado dos seus primeiros trabalhos, Wilhelm percebeu que, quando
um paciente esta deitado, fala livremente, e quando o seu corpo começa a expressar-se,
ele tomado de raiva, a mesma raiva é notada por causa das alterações físicas como os
olhos vermelhos e também o tamanho do pescoço é diferente. Depois desta análise, a
maneira como se sentava um paciente, como falava, como se vestia, como andava
passou a ter um valor importante, ou seja, não se analisava só o conteúdo verbal, senão
também as expressões do corpo enquanto fala, pois, as palavras podem mentir, mas o
comportamento não mente.4

Ora, para compreendermos melhor o nosso autor, é necessário conhecer e


entender os seguintes conceitos: carácter, couraça, perda de couraça muscular, carácter
genital, bioenergia e energia orgânica:
4
Cfr. FADIMAN, James; FRAGER, Robert, trad. Camila Pedral Sampaio. teorias da personalidade.
São Paulo: HARBRA, 1986. P. 92.

3
Carácter: é a composição de atitudes habituais de uma pessoa e da forma
como ele responde às várias situações firmemente, quer dizer, aquilo que fazemos no
nosso dia-a-dia e a maneira como nos resistimos às diversas situações do dia. Todos os
valores e atitudes conscientes como timidez, agressividade, postura e movimentos
permanentes (mexer a mão enquanto se fala) fazem parte do carácter. Como
consequência, passou-se a analisar o carácter e a natureza do paciente e não os seus
sintomas.5

Couraça caracterológica: é a responsável pela formação do carácter. Cada


indivíduo tem a sua forma de se defender perante à ansiedade e aos medos. Essa defesa
leva ao indivíduo a reprimir as emoções e a energia. Ela acaba por se tornar uma camisa
de força das emoções e dos movimentos do corpo, embora comece como simples defesa
a momentos de dor e ameaças. Existem sete segmentos responsáveis por reprimir as
emoções e os movimentos físicos do nosso corpo: os olhos, a boca, o pescoço, o tórax, o
diafragma, o abdómen e a pélvis.

 Os olhos: são responsáveis por manter a testa imóvel e um expressar


vazio do olho.

 A boca: é responsável por impedir que as pessoas chorem, gritem e


suguem.

 O pescoço: ele vai do pescoço até a língua; é responsável por segurar a


raiva e o choro, ou seja, impede que a raiva que sentimos seja
manifestada.

 O tórax: responsável por impossibilitar que o riso, a raiva, a tristeza e o


desejo sejam manifestados, por conseguinte, não consigo expressar com
o meu corpo a minha tristeza, os meus desejos e a minha alegria.

5
Cfr. FADIMAN, James; FRAGER, Robert, trad. Camila Pedral Sampaio. teorias da personalidade. P.
92

4
 O diafragma: é composto pelo mesmo diafragma, pelo estômago, o
plexo solar, vários órgãos internos e músculos ao longo das vértebras
torácicas baixas6. É responsável por dificultar a saída do ar.

 O abdómen: é composto pelos músculos abdominais longos e os


músculos das costas. A tensão nos músculos lombares está ligada ao
medo de ataque7. É responsável por impossibilitar o rancor e que o ódio
ou o ressentimento que sentimos por alguém não seja exprimido pelos
nossos movimentos corporais.

 A pélvis: ela inibe o prazer sexual e consequentemente a ansiedade e a


raiva.

A perda da couraça muscular: Wilhelm ao descobrir que a posição do nosso


corpo está ligada à nossa maneira de falar, de sentar, de vestir de olhar, etc., e o que nos
fizemos muitas vezes em forma de manifestar nosso carácter é feito tendo em conta a
rigidez muscular, e era necessário relaxar a couraça muscular, a fim de libertar a energia
libidinal e melhorar o processo da psicanálise. A repressão dos sentimentos afecta
muitas partes do nosso corpo. Para ele, o prazer é a saída livre da energia do organismo
para a periferia e o mundo exterior, e a couraça retrai esta energia, a fim de não ter
contacto com o mundo exterior. A ansiedade, por exemplo, é fruto desta retracção e por
isso a importância da perda da couraça.

O carácter genital: refere-se a aquisição da potência orgástica. Quando um


homem tem a capacidade de abandonar-se e de não se sentir inibido pelo fluxo de
energia biológica, ele descarrega, por meio de contracções musculares involuntárias, a
excitação sexual. A perda da couraça influencia no desenvolvimento da potência
orgástica.

A bioenergia: é o processo que tem em conta o que sentimos em função do


calor ou do frio e o despertar daquelas emoções provenientes da perda da couraça

6
Cfr. FADIMAN, James; FRAGER, Robert, trad. Camila Pedral Sampaio. teorias da personalidade. P.
97.
7
Cfr. Ibidem. P. 98.

5
muscular, porque antes de se romperem as couraças musculares não se sente com
frequência essas sensações, isto é, são raras essas sensações.

Energia orgânica: está energia é proveniente do organismo e do orgasmo. O


seu funcionamento no organismo é igual a uma energia biológica. A maneira como
manifestamos as nossas emoções e os movimentos dos nossos órgãos, tanto físicos
quanto biológicos, é fruto da governação do organismo por meio dessa energia.

Estrutura da personalidade segundo Wilhelm


Quando nos referimos à estrutura da personalidade, estamos a referir-nos a um
elemento que varia em função do autor da teoria. Todos os aspectos mais estáveis e
duradouros da personalidade são considerados estrutura. As partes que constituem o
corpo da pessoa e a maneira como a pessoa reage a diversas situações, como grita, se
sempre fala, e como classifica o outro, faz parte da sua estrutura.8

Wilhelm fala da estrutura da personalidade referindo-se a cinco traços do


carácter. Os traços de carácter referem a descrição de uma pessoa: se é inteligente,
organizado, competente, determinado, etc. Os cinco traços do carácter são: esquizóide,
oral, psicopata, masoquista e rígido. Eles mostram como nós somos, como
funcionamos, como pensamos, como agimos, como sufocamos certos sentimentos, os
medos que temos e de que coisas temos medo.

 Traço esquizóide: refere-se às pessoas inteligentes, criativas,


imaginárias, com o corpo rectangular, cabeça grande, mente muito
desenvolvida e muitos calados. A sua maior dor é a rejeição.

 Traço oral: refere-se às pessoas muito comunicativas, que querem ser


sempre aprovadas (dependentes) e com muito medo da solidão.

8
Cfr. PERVIN, Lawrence A; JONH, Oliver P. trad. Ronaldo Costa. Personalidade: teoria e pesquisa.
P.24.

6
 Traço psicopata: refere-se às pessoas com características de
manipuladoras, boas negociantes e que negam os seus próprios
sentimentos e os sentimentos dos outros.

 Traço masoquista: refere-se às pessoas muito organizadas e que


conseguem lidar com situações de fortes pressões.

 Traço rígido: refere-se às pessoas muito determinadas, competentes e


focadas naquilo que fazem.

Factores que influenciam na formação da personalidade


O nosso autor considera cinco fases importantes da vida que influenciam na
formação da personalidade:

 Fase uterina: esta é a fase da gestação e dos primeiros meses em que as


emoções e os problemas influenciam o feto e o bebé. As emoções e os
problemas vividos pela mãe afectam o bebé. É uma fase em que a
criança não se sente amada. Nesta fase desenvolve-se o traço
esquizóide.

 Fase oral: é o período de amamentação. Esta fase é composta por dos


elementos: a falta e o excesso. A falta diz respeito às necessidades do
menino que não são atendidas, por exemplo, quando ele quer mamar e
não o amamentam. Já o excesso tem a ver com o atendimento de uma
necessidade que não satisfaz o seu desejo, ou seja, ele chora porque
quer mamar e levam-no a passear. É a fase do abandono. Nesta fase
desenvolve-se o traço oral.

 Fase dos 2 anos e meio: esta é a fase da independência (andar sozinho


sem auxilio de alguém) e de interagir com os outros. É nesta fase onde
vivemos e aprendemos a fazer as coisas que as pessoas gostam a fim de

7
ser amado, e, caso não o fizermos, somos rejeitados. Nesta fase
desenvolve-se o traço psicopático.

 Fase do desfralde: refere-se a fase da humilhação por não conseguir


controlar a urina e as vezes acabar por fazer as necessidades na roupa
ou em qualquer lugar. Nesta fase desenvolve-se o traço masoquista.

 Fase dos 5 anos: é fase em queremos toda a atenção dos nossos pais,
de modo especial da nossa mãe. Queremos tudo para nós e passamos a
disputar a atenção da mãe com os nossos irmãos mais novos ou mais
velhos. Nesta fase desenvolve-se o traço rígido.

Patologia
Ora, quando falamos de patologia, estamos a referir-nos à doença. Wilhelm fala
da neurose e da psiconeurose. Para ele, a neurose é uma doença gerada por
determinadas condições sociais e a psiconeurose tem como causa a estagnação da libido
no corpo. Quanto à psiconeurose, a descarga da libido por meio do orgasmo genital em
adultos é a solução, quer dizer, os órgãos genitais se encarregaram de descarregar a
libido acumulada.9
Por outro lado, a terapia da análise do carácter é aquela que vê a personalidade
como um todo, a mesma busca analisar não só os sintomas, mas também os traços do
carácter. Wilhelm ao se aperceber que muitas pessoas tinham os sentimentos naturais
destruídos e distorcidos, os sentimentos sexuais inibidos, e que dificilmente atingiam o
orgasmo ou a satisfação completa, criou a terapia com a finalidade de romper com as
couraças musculares que são as responsáveis pela destruição e pela inibição dos
sentimentos. A perda da couraça muscular, por intermédio dessa terapia, permitirá que
haja energia em todo o corpo de forma livre e homens livres e soltos para atingir o
orgasmo.

9
Cfr.ALBERTINI, Paulo, na psicanálise de Wilhelm Reich. São Paulo, 2015. P. 62.

8
Conclusão

Em suma, a associação do conteúdo verbal com os movimentos corporais, a


forma de sentar, de falar e de agir permitiu que os traumas vivenciados na infância
fossem tratados com rapidez. Por conseguinte, os efeitos da terapia da análise do
carácter eram mais rápidos do que o da análise dos sintomas.

Muitas vezes nos martirizamos pelo facto de não percebermos o porque de ser
“não carinhosos” com as pessoas, ou o ser um manipulador. A nossa forma pensar, a
nossa estrutura física, os medos que temos, na análise do carácter nos é ajudado a
perceber que são fruto dos traumas vividos na nossa infância. A partir de um
movimento corporal do paciente, o terapeuta identificará os seus traumas e a sua
doença. Enfim, o nosso corpo revela muitas vezes o nosso mundo interior, os nossos
sentimentos, a nossa personalidade, os conflitos internos e os desejos que são sufocados
por nós.

Finalmente, esperamos que depois desta abordagem tenhamos mais paciência


connosco mesmo em relação a nossa postura física, a forma de pensar, de agir, de viver
a vida e os nossos hábitos, pois, não somos culpados por tudo isso. E, que possamos
procurar nos conhecer melhor.

9
Referências bibliograficas

ALBERTINI, Paulo, na psicanálise de Wilhelm Reich. São Paulo, 2015

GONZÁLEZ, Lucas; LUAKUTI, Hélder, personalidade obsessivo-compulsiva.

PERVIN, Lawrence A; JONH, Oliver P. trad. Ronaldo Costa. personalidade: teoria e


pesquisa. 8ªed. Porto alegre: artmed, 2004.

PINILLOS, Luís José, princípios de psicologia. 8ª ed. madrid: alianza universidad,


1980.

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