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O valor de se enxergar no mundo de Horimyia e Words Bubble up like soda pop

As animações japonesas nos trazem histórias únicas em identidades visuais


cheias de cores e vida. Assim, usufruímos de narrativas que trazem nas trajetórias de
seus personagens momentos decisivos, assustadores e de crescimento (como já
vimos em Naruto, Dragon Ball, Fullmetal Alchimist). E são diversos gêneros, dentre
eles, temos o shoujo que nos apresenta aquelas histórias voltadas para o público
adolescente – e que amam romance – e somando a isso, também encontramos o slice
of life, que explora momentos decisivos na vida de seus personagens, semelhante ao
come out age. São esses gêneros que as duas obras conversas hoje se inserem.

Os animes, assim como todo fruto do audiovisual, buscam trazer uma fatia de
nossa realidade em episódios que possamos nos ver e reconhecer dentro das
histórias. Mas diferente de filmes, novelas ou séries – quase – totalmente ocidentais,
os animes nos gêneros acima citados (soujo e slice of life) trazem, em sua ficção,
abordagens mais agradáveis e, quem sabe, fugindo um pouco da dureza da “vida
real”.

Seriam apenas duas histórias para adolescentes?

Se com Horimyia, anime de 13 episódios, poderíamos reconhecer algo


semelhante à Malhação ou uma versão totalmente Family friendly de Skins, por contar
as etapas em que um casal se apaixonada e, em plano de fundo, as desventuras de
seus amigos e família; em Words Bubble up like soda pop encaramos um filme quase
que indie que a nossa personalidade de 13 anos, viciada no Tumblr, adoraria assistir a
abordagem cheia de cores pastéis e sonoridade estrategicamente silenciosa do filme.

Apesar do estilo e estrutura (uma está dividida em episódios e outra, um filme)


das histórias serem diferentes, ambas trazem em seus desenvolvimentos personagens
que buscam não serem zombados de terceiros e, de maneira inconsciente, a própria
aceitação. Apesar do óbvio público-alvo – o jovem -, as duas histórias, lançadas em
2021, ultrapassam suas barreiras e os mais diversos públicos podem – e vão – se
identificar.

As inseguranças dos personagens protagonistas

Sendo seus nomes o título de HoriMyia, ambos são retratos da adolescência


dentro do Ensino Médio: enquanto Myia é popular na escola, com muitos amigos,
estilosa e uma das melhores alunas da classe, Hori é o oposto: silencioso, invisível e
praticamente inexiste na escola, só notam sua presença quando é para comentar o
quão taciturno ele é. Em uma estrutura clássica – para não dizer clichê - ambos são
opostos, mas que carregam consigo um segredo individual.

Myia, fora da escola, não é glamorosa ou com tanta presença. Na verdade, ela
é comum até demais. Em casa, ela assume o papel de dona de casa e babá do irmão
mais novo, uma vez que a mãe trabalha o dia todo fora de casa e o pai, é ausente em
decorrência de muitas viagens, também, a trabalho. E totalmente oposto à
personalidade cultivada na escola, Hori é cheio de tatuagens e piercings, que ele
esconde no colégio, com o uniforme e cabelo solto.
Ambos possuem essa “dupla identidade” por um medo descomunal de
julgamentos: como ela pode ser uma estrela na escola e se em casa ela é tão simples
e apagada? Ele seria uma boa influência ou boa companhia? Afinal, moralmente,
tatuagens e piercings carregam um natural estigma desaprovante, ainda mais no
Japão, que consegue ser bem conservador em alguns aspectos sociais.

Um encontro fora da escola – e construído pelo destino – faz com eles se


encontrem e realmente se (re)conheçam. A partir daí, o laço se molda em uma
amizade que, naturalmente, desenvolve-se em amor.

Words Bubble up like Soda Pop possuem protagonistas similares a HoriMyia:


ela, Smile, é uma estrela da internet, super-popular e adorada; mesmo por trás de
tanto carisma, Smile usa uma máscara para esconder seus dentes acavalados com
aparelhos, o que é meio irônico porque foi seu sorriso que contribuiu para a sua
popularidade. Cherry é totalmente oposto de Smile. Ele é introspectivo e silencioso e
não consegue se comunicar se não for por meio de haiku, poema de origem japonesa
com versos limitados.

Enquanto os protagonistas de Horimyia moram no meio urbano, os de Words


Bubble up moram em um vilarejo com uma aura campista bem acolhedora. A digital
influencer e o poeta se conhecem em um incidente que desencadeia alguns outros
encontros que contribuem para eles desenvolvam uma amizade e construam
sentimentos entre si.

As dores precedentes de amadurecer

Quando somos mais jovens, adolescentes mais precisamente, tudo parece ser
mais intensificado: medos, inseguranças, paixões. Horimyia ainda busca ser bem mais
otimista em sua narrativa, isto é, não foca nos quadros mais intensos pela tristeza,
mas prioriza a avaliação de seus personagens com o seu passado. Por exemplo,
ainda que Hori nunca tenha sofrido alguma perseguição escolar direta – envolvendo
agressões e similaridades -, ele passou por alguns episódios de colegas fazendo
piadas incômodas, em razão de sua quietude. E isso o afetou bastante, contribuindo
para ele mesmo se mantivesse mais recluso, quieto e focado na própria existência.

Além desse afastamento de todos, Myia se culpava muito por não ter amigos.
Sempre perdurando se era por seu comportamento, gostos, aparência: tudo fruto da
insegurança que todos nós, pelo menos em algum momento de nossa adolescência,
possamos já ter vivenciado.

Ao passo que ele se permite conhecer Hori, ele também acaba conhecendo
novas pessoas e, finalmente, criando amigos e restabelecendo antigos laços. Ele se
permite se perdoar – pelo medo que um dia deixou lhe consumir e por ter se cobrado e
culpado também -, mas também compreende a sua coragem em se libertar dos medos
e se aceitar com seus piercings, tatuagens e ser ele mesmo.

A cena que Myia se reencontra com o seu eu mais novo é emocionante, além
dele se enxergar e compreender seus sentimentos com o passado, o telespectador
pode se ver espelhado naquela situação.
Já em Words bubble up like soda pop, Smile, desde muito novinha, sempre fez
vídeos na internet, expondo sua espontaneidade, alegria e seu lindo sorriso – o que
lhe entregou o “nome artístico”. Mas quando chegou a certa idade, passou a rejeitar
seu sorriso. Não aceitava os próprios dentinhos – mesmo que todos amassem – e ela
passou a se esconder.

Quando somos pré-adolescentes ou adolescentes (ou mesmo adultos, quem


sabe?), ainda que não tenhamos quem nos apontem dedos ou críticas, nós não
perdemos a oportunidade de nos compararmos com todo mundo que exista,
aumentando nossas inseguranças e até mesmo “ódio próprio”. Entretanto, Smile lê um
haiku de Cherry que, com o uso de metáforas em seus curtos versos, a faz refletir um
pouco sobre como ela mesma permite se enxergar.

Na adolescência, tudo é uma primeira vez

Primeiro amor, primeiro beijo, primeira declaração, primeira vez, primeiro


coração partido. Como comentando algumas vezes acima, tudo experimentado na
adolescência se potencializa. E isso se concentra nas boas e, principalmente, más
experiência. Observando tudo isso como telespectador – e já adulto, calejado de
várias outras experiências que a vida adulta e nossas relações constroem -, vemos
como a inexperiência podem nos fazer bobos. Mas também vemos sentido por toda
essa ansiedade para que tudo ocorra.

Como o medo de não ser aceito, como a expectativa do primeiro beijo ocorrer,
como atrativa a vontade do primeiro toque, como DÓI o primeiro coração partido:
todas essas sensações são nostalgicamente construídas dentro das histórias
exploradas aqui para quem já viveu tudo isso, mas também são bem desenvolvidas
para aqueles que ainda vão vivenciar, como uma boa introdução.

Compreender que somos nossos protagonistas da história

As histórias não são restritas aos protagonistas, mas também vemos alguns
capítulos das dores dos outros personagens construídos em Horimyia e Words Bubble
Up like Soda Pop, que buscam expor outras perspectivas do nosso universo. São
recortes construídos para entendermos outros lados, outras histórias, que são
docemente feitas.

Já que Horimyia buscou estabelecer um relacionamento beirando à perfeição


entre os protagonistas, com os personagens secundários vimos os cenários que
fogem a isso. Temos aqueles que experimentam a rejeição – diante a um amor
platônico não declarado e aquele que é cuidadosamente dispensado -, também
enxergamos como pela perspectiva de uma relação em que houve deslealdade e
como os dois lados encararam isso. Ousamos subestimar a maturidade que crianças e
adolescentes conseguem ter, mas todas essas passagens de vida citadas acima
foram digeridas por quem era imaturo e inexperiente e teve de enfrentar isso, de um
jeito ou de outro.

Em Words Bubble Up, não temos outros cenários tão amplamente


desenvolvidos como no anime, mas encaramos a dor de um coração partido pelo luto.
E como essa dor não tem como se superada, mas ao menos, amenizada. E o filme
nos mostra como isso é possível, a partir de lembranças, sendo estas mantidas ou
construídas a partir de novas experiências.

Histórias adolescentes podem soar bobas para aqueles adultos que já julgam
ter vivido tudo que a vida pode promover. Contudo, para aqueles que ainda não a
viveram ou estão cansados demais para repeti-las... ver a construção de novas
personagens, em novos capítulos da vida, pode ser tão animadora quanto acolhedora.

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