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Os animes, assim como todo fruto do audiovisual, buscam trazer uma fatia de
nossa realidade em episódios que possamos nos ver e reconhecer dentro das
histórias. Mas diferente de filmes, novelas ou séries – quase – totalmente ocidentais,
os animes nos gêneros acima citados (soujo e slice of life) trazem, em sua ficção,
abordagens mais agradáveis e, quem sabe, fugindo um pouco da dureza da “vida
real”.
Myia, fora da escola, não é glamorosa ou com tanta presença. Na verdade, ela
é comum até demais. Em casa, ela assume o papel de dona de casa e babá do irmão
mais novo, uma vez que a mãe trabalha o dia todo fora de casa e o pai, é ausente em
decorrência de muitas viagens, também, a trabalho. E totalmente oposto à
personalidade cultivada na escola, Hori é cheio de tatuagens e piercings, que ele
esconde no colégio, com o uniforme e cabelo solto.
Ambos possuem essa “dupla identidade” por um medo descomunal de
julgamentos: como ela pode ser uma estrela na escola e se em casa ela é tão simples
e apagada? Ele seria uma boa influência ou boa companhia? Afinal, moralmente,
tatuagens e piercings carregam um natural estigma desaprovante, ainda mais no
Japão, que consegue ser bem conservador em alguns aspectos sociais.
Quando somos mais jovens, adolescentes mais precisamente, tudo parece ser
mais intensificado: medos, inseguranças, paixões. Horimyia ainda busca ser bem mais
otimista em sua narrativa, isto é, não foca nos quadros mais intensos pela tristeza,
mas prioriza a avaliação de seus personagens com o seu passado. Por exemplo,
ainda que Hori nunca tenha sofrido alguma perseguição escolar direta – envolvendo
agressões e similaridades -, ele passou por alguns episódios de colegas fazendo
piadas incômodas, em razão de sua quietude. E isso o afetou bastante, contribuindo
para ele mesmo se mantivesse mais recluso, quieto e focado na própria existência.
Além desse afastamento de todos, Myia se culpava muito por não ter amigos.
Sempre perdurando se era por seu comportamento, gostos, aparência: tudo fruto da
insegurança que todos nós, pelo menos em algum momento de nossa adolescência,
possamos já ter vivenciado.
Ao passo que ele se permite conhecer Hori, ele também acaba conhecendo
novas pessoas e, finalmente, criando amigos e restabelecendo antigos laços. Ele se
permite se perdoar – pelo medo que um dia deixou lhe consumir e por ter se cobrado e
culpado também -, mas também compreende a sua coragem em se libertar dos medos
e se aceitar com seus piercings, tatuagens e ser ele mesmo.
A cena que Myia se reencontra com o seu eu mais novo é emocionante, além
dele se enxergar e compreender seus sentimentos com o passado, o telespectador
pode se ver espelhado naquela situação.
Já em Words bubble up like soda pop, Smile, desde muito novinha, sempre fez
vídeos na internet, expondo sua espontaneidade, alegria e seu lindo sorriso – o que
lhe entregou o “nome artístico”. Mas quando chegou a certa idade, passou a rejeitar
seu sorriso. Não aceitava os próprios dentinhos – mesmo que todos amassem – e ela
passou a se esconder.
Como o medo de não ser aceito, como a expectativa do primeiro beijo ocorrer,
como atrativa a vontade do primeiro toque, como DÓI o primeiro coração partido:
todas essas sensações são nostalgicamente construídas dentro das histórias
exploradas aqui para quem já viveu tudo isso, mas também são bem desenvolvidas
para aqueles que ainda vão vivenciar, como uma boa introdução.
As histórias não são restritas aos protagonistas, mas também vemos alguns
capítulos das dores dos outros personagens construídos em Horimyia e Words Bubble
Up like Soda Pop, que buscam expor outras perspectivas do nosso universo. São
recortes construídos para entendermos outros lados, outras histórias, que são
docemente feitas.
Histórias adolescentes podem soar bobas para aqueles adultos que já julgam
ter vivido tudo que a vida pode promover. Contudo, para aqueles que ainda não a
viveram ou estão cansados demais para repeti-las... ver a construção de novas
personagens, em novos capítulos da vida, pode ser tão animadora quanto acolhedora.