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O artigo 38 do Código de Processo Penal confere ao ofendido o Esclarecendo melhor o pensamento, prossegue o mencionado
direito de intentar a ação penal privada. Tendo em vista que as expressões autor, linhas adiante: "Essa distinção tem grande relevância no tocan\e às
indenizações provenientes do delito. Enquanto que a titularidade de certos
dire tos de caráter formal, como a queixa e a representação, estão ligados,
(3) Op. cit., pág. 35. salvo as exceções abertas em lei, à pessoa do sujeito passivo do crime, as
(4) Op. cit., pág. 35. pretensões ct'o arre1to c.::vil sobre a indenização ex delicto também têm, no
(5) Estudos de Direito Processual Penal, Ed. Forense, Rio, 1960, pág. 157. prejudicado, a pessoa ativamente legitimada para reclamar em juízo o
::ossarcimento desses danos." ' '
(6) Curso de Direito Processual Penal, Ed. Saraiva, São Paulo, 1969, pág. 152.
(7) BASILEU GARCIA - Instituições de Direito Penal, Max Limonad Ed., São
Paulo, 1951, vol. I, tomo I, pág. 216.
(8) Tratad de Direito Penal, Ed. Saraiva, São Paulo, 1955, 2.ª ed., vol. II, pág. 22.
(9) Tratado cit., vol. II, pág. 25,
( 12) MANOEL PEDRO PIMENTEL - Advocacia criminal - teoria e prática, Ed. dos
Tribunais, São Paulo, 196·5, págs. 159/160.
(13) L'azione e ravent-0 nel reato, S/A. Inst. Ed. Se., Milão, 1928, pág. 91.
(14) Op. cit., pág. 111,
(15) L'antigiuridicità, Cedam, Pádun, 1951, pág. 127.
(16) MANOEL PEDRO PIMENTEL - Crimes de mera conduta, Ed. Revista dos Tri
bunais, São Paulo, 1968, 2.ª ed., pág. 51.
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penal. Nessa categoria incluem-se, obviamente, os "crimes de perigo É claro que o prejudicado terá um legítimo inter':sse civil, a ser coloc_ado
comum". em Juízo, através da lide civil, visando o ressarcimento do dano sofrido.
Não terá porém, qualidade para intervir na ação penal, em nome apenas
4 - Os crimes contra a incolumidade pública não se integram desse isoÍado interesse civil, não coligado, ética e juridicamente, ao poder..
com um evento lesivo, ou, de modo mais completo, o dano resultante
desses crimes é de todo indiferente para a existência mesma do½,crime. ..dever de punir do Estado, exercitado através do processo criminal, com o
O resultado de dano é estranho ao conceito jurídico de tais infrações, objetivo de realizar a Justiça penal.
considerando-se ofensa a simples colocação em perigo de um bem ou 5 - Mais clara se torna a questão quando se trata, como neste
interesse da coletividade. O dano efetivamente causado por esses delitos caso, d incêndio culposo. i\o.; cÚilles culposos o resultado de dano é
é um pius, levado em conta quod poenam, funcionando como circunstân cia culposo e o Código Penal lbe confere relevância jurídica nos crimes d dano,
agravante. nos chamados crimes materiais. Nestes delitos o resultado de dano mtegra
Vale dizer, portanto, que nos crimes de perigo comum o "ofen o fato típico, e o sujeito passivo é, ao mesmo tempo, o ofendido, com
dido" não é aquele que sofreu o dano material eventualmente ocorrido, duplo interesse, civil e criminal.
mas o Estado, titular do bem jurídico "incolumidade pública", pela simples Nos "crimes de perigo" - que assumam as formas de delitos da
exposição a perigo de tal bem. mera conduta ou de crimes formais - o resultado de dano é estranho
E isso que acontece, particularmente, com o crime de incêndio. à figura típica. A exposição do bem ou interesse a perigo consuma o
Analisando a figura do sujeito passivo desta infração, Magalbães Noronha crime. O sujeito passivo é o titular desse bem ou interesse. O resultado de
diz: "Sujeito passivo é a coletividade, o conglomerado social ameaçado em dano é um plus, uma conseqüência do crime, mas o prejudicado não é
sua incolumidade; é, portanto, o Estado." (17) sujeito passivo de infração.
De modo mais claro e objetivo, assim se expressou Maggiore: Isto, porém, não é tudo. Em se tratando de incêudio culp s?,
"Objetividade da incriminação é a necessidade de preservar a convivência o dano patrimonial resultante é igualmente culposo, dando como corolano
civil do perigo de fogo, independentemente do dano que pode resultar para lógico e conclusão de que o dano patrim?nial culposo é p,_to atípico pe1,1al;
a propriedade. Tal característica distingue este delito do crime de dano.
pois o crime de dano, previsto no artigo 163 do Cod1go Penal, so e
Este é um delito típico de lesão ou dano, enquanto que aquele é um crime
exclusivamente de perigo. O dano se constitui aqui uma eventualidade, punível a título de dolo.
estranha à noção do crime." (18) Pergunta-se, então: Se o Estado é o sujeito passivo do crime de
E, para completar bem o pensamento, aduz o 'mesmo autor: "Se incêndio culposo; se o dano patrimonial culposo é resultado atípico penal;
é verdade que o incêndio produz sempre um dano à coisa incendiada, se o prejuízo sofrido pelo prejudicado é de natureza meramente civil,
não é este dano que vem aqui em consideração, mas sim o perigo corrido em nome de que interesse pode o prejudicado pelo dano patrimonial cul
pela incolumidade pública, pela potência de difusão de fogo." (19) poso ingressar na ação penal, para postular a condenação do réu?
Nenhuma dúvida resta, pois, de que o crime de incêndio não se É evidente que a Justiça penal não cuida do "dano patrimonial
integra com o dano que possa resultar do fato ilícito e que é inteiramente culposo". Todos os dias acontecem colisões de veículos no trânsito, dessas
estranho ao conceito do crime. Quem sofre tal dano, evento lesivo concreto, , que fazem resultar apenas danos materiais. Tais fatos, que se referem
não é sujeito passivo da infração, não é o ofendido mas simplesmente o apenas a dano patrimonial culposo, não são objetivados porque não há
prejudicado. crime a considerar, restando ao prejudicado tão-somente a via civil para
Esta conclusão, que é absolutamente jurídica, está arrimada, pedir o ressarcimento do prejuízo,
igualmente, no Direito Penal positivo vigente. O artigo 250 e seus pará Não será diferente a solução, no caso de acidente com vítima
grafos, do Código Penal de 1940, descrevem os fatos típicos constitutivos pessoal, que não seja a proprietária do veículo. A vítima poderá habilitar-se
do crime de incêndio, sem qualquer referência ao dano, pessoal ou patri como Assistente do Ministério Público, mas o proprietário do veículo, sendo
monial, enquanto que o artigo 258, cuidando das formas qualificadas dos apenas prejudicado e não ofendido, não poderá fazê-lo. Nenhum juiz
crimes de perigo comum, destaca o dano pessoal - morte ou lesão corpo criminal deferiria o pedido de Assistência formulado pelo mero prejudicado
ral - como resultado que agrava a pena. pelo dano patrimonial culposo.
Todavia, nenhuma referência faz a lei ao dano patrimonial, e não O simile é perfeito, quando se enfoca o caso concreto de incêndio
é erigido nem mesmo à categoria de agravante qualificadora pelo resultado.
culposo. O terceiro prejudicado pelo dano patrimonial culposo carece de
qualidade para estar no processo penal, na condição de Assistente do
(17) Direito Penal, Ed. Saraiva, São Paulo, 1969, 4.ª ed., 3.0 vol., pág. 346. Ministério Público, porque não é o ofeudido, e o seu interesse, meramente
(18) GIUSEPPE MAGGIORE - Diritto Penale, N. z. Ed., Bolonlla, 1950, voL n, pág. 376.
civil, lbe confere somente o título de parte civil, inadequado, ética e
(19) Op. cit., pág. 376. juridicamente, para o exercício da ação penal, principal ou supletivamente.
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