Você está na página 1de 135

O Corpo Escrito e Visto:

reflexões a partir de livros didáticos das séries iniciais


0
O Corpo Escrito e Visto:
reflexões a partir de livros didáticos das séries iniciais
1

Marcelo Valente de Souza

O Corpo Escrito e Visto:


reflexões a partir de livros didáticos das
séries iniciais

Dissertação apresentada como requisito parcial para obtenção


do título de Mestre em Educação no Programa de Pós-
Graduação em Educação do Centro de Ciências Sociais e
Educação (CCSE) da Universidade do Estado do Pará (UEPA).
Área de Concentração: Educação.
Orientadora: Profa. Dra. Elizabeth Teixeira.

Belém
2010
O Corpo Escrito e Visto:
reflexões a partir de livros didáticos das séries iniciais
2

Marcelo Valente de Souza

O Corpo Escrito e Visto:


reflexões a partir de livros didáticos das
séries iniciais

Dissertação apresentada como requisito parcial para obtenção


do título de Mestre em Educação no Programa de Pós-
Graduação em Educação do Centro de Ciências Sociais e
Educação (CCSE) da Universidade do Estado do Pará (UEPA).
Área de Concentração: Educação.
Orientadora: Profa. Dra. Elizabeth Teixeira.

Data de aprovação: 29/10/2010

Banca Examinadora:

______________________________________________- Orientadora
Profa. Dra. Elizabeth Teixeira
Doutora em Ciências Sócio Ambientais – NAEA (UFPA-PA)
Universidade do Estado do Pará - UEPA

_______________________________________________- Membro Interno


Profa. Dra. Maria de Jesus da Conceição Ferreira Fonsêca
Doutora em Ciências Biológicas (UFPA-PA)
Universidade do Estado do Pará - UEPA

_______________________________________________- Membro Externo


Prof. Dr. Salomão Mufarrej Hage
Doutor em Educação (PUC-SP)
Universidade Federal do Pará - UFPA
O Corpo Escrito e Visto:
reflexões a partir de livros didáticos das séries iniciais
3

DEDICATÓRIA

Á Educação Brasileira, em especial a Educação do Estado do Pará para que


possamos sempre engrandecer nossos saberes e práticas educativas na Terra dos
Tupinambás.

Aos Educandos , sujeitos que motivam nossas pesquisas na busca incansável do


saber de nossa terra “Parauara”

A Universidade do Estado do Pará, em destaque ao Programa de Pós-graduação


em Educação- Mestrado, que sempre possa contribuir com os Saberes Culturais e a
Educação da Amazônia.

Ao Grupo de Pesquisa Práticas Educativas em Saúde e Cuidado na Amazônia –


PESCA e Projeto Trilhas da Vila, para que os “círculos de cultura” possam
desenvolver novos “pescadores” de saberes e cuidados nos povos Amazônidas

A Escola de Ensino Fundamental e Médio Disneylândia, com alegria e entusiasmo


conseguimos desenvolver um trabalho educativo inigualável.

A Escola Estadual de Ensino Fundamental e Médio “Vera Simplício”, que a missão


de ensinar jamais seja esgotada, e sim renovada a cada dia.

Aos Professores e Profissionais da Saúde envolvidos com a educação e os saberes


dos “Corpos” Amazônidas, “encharcados” de encantadores saberes, movimentam a
práxis educativa, “molhando” a esperança de dias melhores na Educação e na
Saúde.
O Corpo Escrito e Visto:
reflexões a partir de livros didáticos das séries iniciais
4

AGRADECIMENTOS

A Deus, Nosso criador que abençoa e protege meu corpo e espírito a cada dia.

A Nossa Senhora de Nazaré, como devoto, entrego meu corpo às bênçãos da Mãe
de Jesus, que me guarde e renove minhas energias da alma.

Aos meu Pais...

Salis Teixeira de Souza (in memoriam), atleta e companheiro, por ter me ensinado
os valores para um corpo saudável e um cuidado inigualável. Será sempre lembrado
como o “Corpo” da alegria e o entusiasmo pela vida. Obrigado!

Doraceli Valente de Souza (Zuca), atleta, amiga e protetora, por ter gerado em seu
ventre meu corpo, cobrindo de afeto e cuidado necessários até hoje para uma vida
de qualidade e saudável. Serás sempre referência em minha vida, de luta, verdade e
amor. Corpo-Mãe-Mulher, obrigado por sua compreensão em meus momentos de
silêncio e recolhimento para meus estudos. És a combinação perfeita de “corpo e
alma” que sempre embala meu coração!

Aos meus familiares por serem “corpos” presentes e necessários em minha vida, em
especial os “Corpos-irmãos” Anderson e Dagmar (Dadá), que o destino nos
aproximou, tornando-nos confidentes de segredos e vitórias, e a Tia Dinéa (Leila)
um “corpo-coração” que não mede esforços em ajudar e cuidar de todos.

Aos familiares que partiram (Avós, Tios e Irmão), que deixaram aqui a marca de um
“Corpo-saudoso”, alegre e batalhadores, para sempre serão lembrados.

Ao Programa de Pós-graduação em Educação, da Universidade do Estado do Pará,


que desenvolve em cada “Corpo-mestrando” a certeza e o compromisso em fazer
uma educação de qualidade na Amazônia.

A minha sempre Orientadora Elizabeth Teixeira, um “Corpo-cuidador”, como guia


acadêmica, amiga necessária em todas as horas e motivadora da busca pelo saber.
Você que engrandece, jamais esmorece e sempre acredita em minhas
possibilidades. Agradeço-te imensamente pelo cuidado e atenção destinados a mim
nestes dias, meses e anos de amizade, tornando-se minha “Mãe-epistemológica”.
Obrigado!

Ao “Corpo docente” do PPGED- UEPA, por acreditar que a educação se faz todos
os dias, pesquisando, tateando e olhando em novos “prismas” a sociedade.

Ao “Corpo discente” do PPGED – UEPA, que a cada aula, seminário e encontros,


descobrimos a essência dos corpos de cada um. A alegria, as lágrimas, os sorrisos e
debates, os momentos de construção e reflexão valeram muito.
O Corpo Escrito e Visto:
reflexões a partir de livros didáticos das séries iniciais
5

Aos “Corpos-intellectualis” dos Amigos -Mestres e viajantes, mas tão próximos


sempre quando preciso, estimulando, dialogando e trocando refelxões da vida, serão
sempre corpos presentes em minhas conquistas: Arlete Marinho (Oriximiná - PA),
Darlison Sousa (Manaus - AM), Francisco Anjos ( Almerin - PA), Jorge Fernando
(Altamira – PA) e Witemberg Zaparoli ( Imperatriz – MA).

Ao “Corpo-amigo” Aleiko Chagas, que a cada dia crescemos na amizade, no


respeito e na sinceridade.

Ao “Corpo-amiga” de Ana Telma Monteiro e Marcia Ferreira, que sempre possuem a


palavra e a oração nos momentos certos e necessários.

Aos Educadores e Educandos, “corpos – necesse”, das Escolas Disneylândia e Vera


Simplício, Curso Exemplo e Universidades em que atuo como professor e
coordenador pedagógico, por confiarem em compartilhar comigo momentos de
cultura e saberes.

Aos “Corpos-enfermeiros”, amigos que conheci e me aproximei nas pesquisas e


encontros saudáveis, que sejamos sempre multiplicadores do ser-cuidativo.

Aos “Corpos-amigos” (que são muitos), saibam todos que gratidão maior não há em
tê-los como amigos verdadeiros. Obrigado!

Ao “Corpo-digital”, Emanuel Gonçalves, que mais uma vez empresta seu dom
artístico-digital há um trabalho meu. Obrigado, pela atenção e colaboração na arte
desta pesquisa.

Aos “Corpos-encantados” da floresta e dos rios, os Caruanas, seres encantados que


emanam energias positivas, contribuindo na preservação da biodiversidade
Amazônica e na saúde dos corpos dos seres viventes com ervas e seivas da selva.
O Corpo Escrito e Visto:
reflexões a partir de livros didáticos das séries iniciais
6

EPIGRAFE

A história que vou contar aconteceu muito longe daqui.


Ela se passou numa ilha mágica e enigmática no interior do Pará.
Era noite de lua cheia.
O povo daquela localidade se preparava para a grande festa em
homenagem a sua padroeira.
Haveria festa e ladainha e após a procissão todos iam celebrar a Nossa
Senhora de Nazaré, num grande arrasta pé no barracão da comunidade.
O barracão estava decorado com flores e balões.
O povo começou a chegar.
As moças de família desfilavam seus belos vestidos e os rapazes admirados
com tanta moça bonita.
De repente no salão, surgiu uma linda morena com os olhos verdes de Jade.
Ela vestia um vestido preto de seda que deixava a mostra partes de seu
corpo, suas coxas grossas e exalava um delicioso cheiro de patichoulim.
Ninguém conseguia deixar de admirá-la.
Enquanto a orquestra tocava os rapazes faziam fila para cortejá-la.
Era meia noite quando um estranho corpo surgiu.
Ele vestia-se de branco e trazia um chapéu na cabeça.
Seu rosto era moreno, queimado de sol, tinha cabelos negros e um olhar
sedutor, uma boca carnuda que parecia pedir beijos.
A moça morena olhou para o rapaz que a olhou nos olhos e segurou o olhar
por alguns segundos.
Ela não resistiu e encheu-se de desejos.
O rapaz aproximou-se da moça e convidou-a para dançar.
Quando os corpos do casal se tocaram o coração da virgem morena
disparou.
Eles dançaram durante horas sem parar.
Foram tantos beijos, abraços e amassos... que o público daquele interior se
escandalizou.
Eles então decidiram ir namorar na ponte em frente ao rio.
Quando o dia amanheceu a população daquela ilha se surpreendeu com a cena que
viu.
A virgem morena foi encontrada nua
deitada na ponte.
Seu corpo exalava um forte pitiú.
O moço estranho havia sumido.
Ao lado da moça flores
vermelhas e um chapéu branco foi
deixado.
Dizem os moradores do lugar que
ele era um “corpo encantado”,
um “corpo sedutor” é Moço
Boto.

A Lenda do Boto - Autor


Desconhecido
O Corpo Escrito e Visto:
reflexões a partir de livros didáticos das séries iniciais
7

RESUMO

SOUZA, Marcelo Valente. O corpo escrito e visto: reflexões a partir de livros


didáticos das séries iniciais. 2010. 130 f. Dissertação (Mestrado em Educação) –
Universidade do Estado do Pará, Belém, 2010.

Neste chão pisam os corpos dos amazônidas ribeirinhos, seringueiros, farinheiros,


castanheiros e coletores de açaí, são corpos “molhados” de encantos da floresta,
remanescentes dos bravos guerreiros que aqui viviam bem antes da colonização.
Corpos que eram preparados para a guerra, para o plantio, caça, pesca e para
reproduzir novos herdeiros dos saberes da floresta, descendentes das aldeias
Tupinambás, Munduruku, Mura, Sataré Maué, Marajoaras e Tapajônicos. Aqui
destaca-se o corpo enquanto um dos objetos de representação, com o qual os
educandos se encontram na escola; e por sua vez as trocas que transversalizam a
“cultura escolar” são marcadas, a nosso ver, pelo que se veicula sobre o corpo nos
livros didáticos. Acredita-se que ensinar saúde na escola tem sido um desafio muito
grande, até por que ainda estamos enraizados a um currículo sanitarista e higienista
nas escolas, priorizando as práticas da higiene pessoal, o funcionamento orgânico e
biológico do corpo como era apresentado no século XIX nas instituições de ensino e
grupos escolares. Objetivou-se analisar as perspectivas sobre o corpo veiculadas
nos livros didáticos das séries iniciais utilizados em escolas de Belém-Pará.
Verificou-se se os textos, figuras, imagens, exercícios e tópicos de conteúdo
contidos nos livros didáticos estão veiculando os conteúdos sobre o corpo numa
perspectiva disciplinadora ou emancipadora, opressora ou libertadora. Conclui-se
que é importante selecionar livros didáticos que apresentem conteúdos sobre o
corpo, exigidos no currículo/série do educando de acordo com os Parâmetros
Curriculares Nacionais, mas há que se escolher livros que também apresentem o
corpo com suas possibilidades múltiplas bem como dêem ênfase ao ser vivo numa
perspectiva dinâmica, que possuiu um lugar e um espaço regionalizado com
características peculiares e diversificadas Há que se considerar que o corpo
comunica-se e desenvolve-se com a linguagem, a arte, a medicina e as condições
culturais.

Palavras – chave: Corpo. Educação. Livro Didático. Parâmetros Curriculares


Nacionais. Saúde
O Corpo Escrito e Visto:
reflexões a partir de livros didáticos das séries iniciais
8

ABSTRACT

SOUZA, Marcelo Valente .The body of writing and seen: reflections from textbooks of
the initial series. 2010. 130 f. Thesis (MA in Education) - University of Pará, Belém,
2010.

In this soil step the bodies of the Amazonian peoples who work with cassava flour,
chestnut, in the seringal and collectors of açaí, are “wet” bodies of enchantments of
the forest, remainders of the brave warriors who lived here well before the
colonization. The bodies that were prepared for the war, the plantation, hunt, fishing
and to reproduce new knowledge heirs of the forest, descendants of the
Tupinambás villages, Munduruku, Mura, Sataré Maué, Marajoaras and Tapajônicos.
Here the body is distinguished while one of representation objects, with which the
students if find in the school; e in turn the exchanges that through the “school culture”
are marked, in our opinion, for what it is propagated on the body in textbooks. It is
given credit that to teach health in the school it has been a very great challenge, until
why still we are taken root to a sanitarian resume and hygienist in the schools,
prioritizing the practical ones of the personal hygiene, the organic and biological
functioning of the body as was presented in century XIX in the institutions of
education and pertaining to school groups. It was objectified to analyze the
perspectives on the body propagated in textbooks of the used initial series in schools
of Belém-Pará. It was verified if the texts, figures, pictures, exercises and contained
topics of content in textbooks are propagating the contents on the body in a
perspective disciplinarian or emancipatory, oppressor or liberator. It concludes that it
is important to select textbooks that present contents on the body, demanded in the
resume/series of educating in accordance with the National Curricular Parameters,
but it has to choose books that also present the body with its multiple possibilities as
well as they give emphasis to the alive being in a dynamic perspective, that have a
regional place and space with peculiar and diversified characteristics. It must to
consider itself that the body is communicated and developed with the language, the
art, the medicine and cultural conditions.

Key words: Body. Education. Textbooks. National Curricular Parameters. Health.


O Corpo Escrito e Visto:
reflexões a partir de livros didáticos das séries iniciais
9

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 10
1.1 A cultura, os corpos e os saberes se encontram na escola ................................ 11
1.2 Questões e objetivos do estudo .......................................................................... 19
2 PERCURSO METODOLÓGICO ............................................................................ 20
2.1 Abordagem e tipo de estudo ............................................................................... 21
2.2 Fontes documentais ............................................................................................ 22
2.3 Passos para a produção dos dados .................................................................... 25
3 CURRÍCULO E LIVROS DIDÁTICOS: DO CONTEXTO TEÓRICO DE
ONDE REFLETIMOS ................................................................................................ 29
3.1 Currículos e saberes escolares ........................................................................... 30
3.2 Dos parâmetros curriculares nacionais (PCN) e temas transversais .................. 35
3.2.1 Os PCN na prática escolar ............................................................................... 35
3.2.2 Os temas transversais ..................................................................................... 40
3.3 Dos Livros Didáticos como artefatos curriculares................................................ 44
3.3.1 Os Livros Didáticos no Brasil............................................................................ 51
4 EDUCAÇÃO E SAÚDE NA ESCOLA E CORPO: DOS CONCEITOS E
SOBRE OS QUAIS DISCUTIMOS ............................................................................ 56
4.1 Arqueologia da educação em saúde ................................................................... 57
4.2 A Prática da educação em saúde nas Escolas ................................................... 59
4.3 Corpo: escrito e visto ao longo do tempo ............................................................ 62
5 CORPO: TEMAS E ENFOQUES ADOTADOS NOS LIVROS DIDÁTICOS
DAS SÉRIES INICIAIS ............................................................................................. 77
5.1 As formas de apresentação do conteúdo corpo nos capítulos
/unidades/lições......................................................................................................... 78
5.2 Os tópicos/temas do conteúdo corpo nos capítulos/unidades/lições. ................. 99
5.3 Sobre a contextualização do conteúdo corpo nos capítulos/unidades/lições ......... 109

5.4 Sobre o enfoque saúde implícito no conteúdo corpo nos capítulos/


unidades/lições........................................................................................................ 113
6 CONSIDERAÇÕES TRANSITÓRIAS .................................................................. 118
REFERÊNCIAS ....................................................................................................... 124
APÊNDICES ........................................................................................................... 131
O Corpo Escrito e Visto:
reflexões a partir de livros didáticos das séries iniciais
10
O Corpo Escrito e Visto:
reflexões a partir de livros didáticos das séries iniciais
11

1.1- A Cultura, os corpos e os saberes se encontram na escola

Meu corpo é a natureza de que eu sou parte transformada no ser de uma


pessoa: eu. Refletida nas águas calmas e límpidas de um pequeno lago, a
natureza devolve a ela a sua imagem. Ela se vê através de meu corpo e
cabe a nós - ela e eu - sabermos distinguir o que faz inteiramente parte de
alguma dimensão de seu domínio de existência no planeta Terra e no
Universo, e o que já é, também, parte e partilha de uma dimensão da Vida.
Pois quando os meus olhos me vêem refletido nas águas claras do lago, é
ainda o mundo natural quem se revela a si mesmo através de um de seus
seres[...] E até mais do que isto. Eu vejo como um ser da natureza, mas me
penso como um sujeito da cultura. Como um alguém que pertence também
ao mundo que a espécie humana criou para aprender a viver (BRANDÃO,
2002, p.15-16).

O pensamento de Brandão (2002) nos convida a pensar e refletir sobre o


corpo com a idéia de construção de identidade, constituição de sujeito e construção
de saberes em situações de cultura bem como, as relações do corpo e suas
vivências. O homem em sua essência convive com culturas e mudanças, mantendo
consigo e com o outro a relação constante do aprender e ensinar; seja por meio de
uma educação escolar ou não-escolar sempre estaremos envolvidos em circuitos de
aprendizagens corporais, afinal não aprendemos sozinhos e assim não podemos
descartar a existência do outro, mas devemos nos entender como sujeitos
aprendentes e construtores de saberes, envolvidos em práticas educativas e em
assimilação de novos conceitos/definições com e entre o (s) outro (s), com e entre
nosso corpo.
O homem revitaliza sua identidade a partir da raça, gênero, credo ou
linguagem provocando uma “pororoca de idéias” e saberes a partir da cultura
(OLIVEIRA, 2004), envolvido então em um processo de crescimento intelectual
constante; cada um com sua particularidade e contextos e aprende mutuamente
com os outros. Como afirma Hall (1999, p. 11) "O sujeito ainda tem um núcleo ou
essência interior que é o "eu real", mas este é formado e modificado num diálogo
contínuo com os mundos culturais "exteriores" e as identidades que esses mundos
oferecem".
Queremos enfatizar que a "cultura é o saber" para que o "saber faça a cultura"
(ARANTES, 1990), bem como é o lugar de uma identidade como a amazônica.
Típicos da região amazônica, os corpos que sobrevivem e vivem "para" e "pelo" rio,
deságuam saberes, tradições e histórias para muitos ainda desconhecidos e
constituem nesse lugar suas identidades, saberes e cultura.
O Corpo Escrito e Visto:
reflexões a partir de livros didáticos das séries iniciais
12

Neste chão pisam os corpos dos amazônidas ribeirinhos, seringueiros,


farinheiros, castanheiros e coletores de açaí, são corpos
“molhados” de encantos da floresta, remanescentes dos bravos
guerreiros que aqui viviam bem antes da colonização. Corpos
que eram preparados para a guerra, para o plantio,
caça, pesca e para reproduzir novos herdeiros dos
saberes da floresta, descendentes das aldeias
Tupinambás, Munduruku, Mura, Sataré Maué, Marajoaras e
Tapajônicos (ASSAYAG, 1996) e que até hoje em seus rituais
de cura a celebração do corpo saudável é feita a partir das
beberagens, emulsões e pastas preparadas pelo pajé, que tem o
dom da cura e das visões sobrenaturais a partir das ervas
medicinais. Nos rituais de passagem e cânticos tribais de guerra
os corpos são pintados como grandes obras de arte
Fig. 01 – Pintura Corporal da Aldeia
com jenipapo e urucum, os corpos também são Xinguana em preparação para o
ritual Kuaíp. Pará, 1998.
ornamentados com uma arte plumária inconfundível,
seus corpos exalam fragrâncias de seiva de pau rosa, patchoulim e priprioca, são as
culturas e o cuidado com corpo que implementam o saber amazônico.
Destacamos que a cultura amazônica se mantém tanto pela tradição oral
como escrita repassada de geração em geração, em que o corpo também ocupa seu
espaço no imaginário popular, apresentando o corpo que seduz (Lenda do Boto), o
corpo que assusta (Lenda da Matinta Perera), o corpo guardião (O Curupira) e o
corpo encantado em animal e/ou vegetal (Lendas do Guaraná, Pirarucú, Açaí e
Mandioca), são mitos e lendas contados até hoje sobre os corpos que se
transformam, são dinâmicos e diversificados, associados às necessidades do tempo
e espaço em que vivem.
Compreendemos a educação formal (tratada em instituições especializadas
do ensino) e não-formal (com possibilidades em educação de diversas vertentes),
porém destacaremos as escolas, que emergem nesse contexto enquanto lugares
(não exclusivos vale destacar) de manutenção, resignificação e re (a) presentação
dessa cultura-saber. No caso da escola especificamente, há diversos dispositivos
que são mediadores da manutenção, resignificação e re (a) presentação dos
saberes-cultura, e um deles é o livro didático.
O Corpo Escrito e Visto:
reflexões a partir de livros didáticos das séries iniciais
13

A escola (um dos núcleos da educação formal), apresenta-se como um


cenário interativo e participativo no que se refere a construção de trabalhos
educativos, provocando nos educandos a participação e efetivação de tarefas, e
muitas dessas tarefas (individuais ou em grupos) se apóiam nos livros didáticos e
nos currículos organizados/estruturados de acordo com sua clientela estudantil. Os
educandos vão construindo ao longo das vivências escolares partilhas e
pertencimentos, comunicações e relações, o que nos faz pensar que estão
“mergulhados” e “encharcados” tanto nessa “cultura escolar” como em
representações sobre inúmeros “objetos”. Aqui destacamos o corpo enquanto um
dos objetos de representação, com o qual os educandos se encontram na escola; e
por sua vez as trocas que transversalizam a “cultura escolar” são marcadas, a nosso
ver, pelo que se veicula sobre o corpo nos livros didáticos. Desse pensar emerge
uma problemática das minhas páginas escolares, até porque
A forma de a escola controlar e disciplinar o corpo está ligada aos
mecanismos das estruturas do poder, resultantes do processo histórico da
civilização ocidental. As práticas escolares, segundo Rumpf, tendem a
perpetuar a forma de internalização das relações do homem com o mundo,
que consiste na supervalorização das operações cognitivas e no progressivo
distanciamento da experiência sensorial direta. Para esse autor, a escola, nos
últimos 150 anos de processo civilizatório, pretende não somente disciplinar o
corpo e com ele, os sentimentos, as idéias e as lembranças a ele associadas,
mas também anulá-lo (GONÇALVES, 2006, p. 33).

Foi na escola que iniciamos


nossa trajetória profissional no mês de
março de 1993. Ao longo dessa
trajetória desenvolvemos projetos e
Fig. 02 – Grupo de
pesquisas envolvendo a cultura e os Performances
Teatrais. Arquivo
Pessoal
saberes populares da Amazônia,
buscando o desenvolvimento sócio-
cultural-artístico dos educandos.
Como arte-educador, desen-
Fig. 03 – Grupo de
Expressões Indígenas
volvemos na escola trabalhos com Marow’Aga. Arquivo
Pessoal
coreografias, performances, excursões
e demais atividades extraclasses, que
proporcionam aos educandos o
conhecer-saber de nossas raízes culturais e também do cuidar da vida e do corpo
como movimento e arte. Entre os projetos que desenvolvemos na escola,
O Corpo Escrito e Visto:
reflexões a partir de livros didáticos das séries iniciais
14

destacamos: Projeto Interdisciplinar (que a cada ano possui um tema regional);


Festival Junino; Feira Artístico-Cultural; City-tour educativo; Halloween Amazônico
(com temas envolvendo rituais indígenas, pajelanças, as benzendeiras, mitos,
lendas e supertições); Mini – Círio de Nossa Senhora de Nazaré; Gincana
EducAÇÃO; Grupo de Expressões Indígenas Marow’Aga e o Grupo de
Performances Teatrais.

Fig. 05 – City-tour Educativo. Fig. 07 – Grupo de Expressões


Arquivo Pessoal Indígenas Marow’Aga.
Arquivo Pessoal

Fig. 06 – Mini-Círio de Nossa Senhora


de Nazaré. Arquivo Pessoal

Tais projetos destacam aspectos


relevantes de nossa cultura e tratam de
cultura e educação em consonância com a
disciplina de Artes e suas manifestações
(dança, artes visuais, teatro e música) em
que o corpo tem sentido e movimento, re-
significando os saberes amazônicos e na
História da Arte em que o corpo é
apresentado como belo artístico e criação Fig. 08 – Homem de Vitrúvio,
Leonardo da Vince (Zöllner, 2010)
divina nas obras de grandes artistas,
como Leonardo da Vince (que inclusive estudou
Fig. 09 – Davi, Michelangelo
(http://carraraassento.files.wordpress.c medicina, anatomia e dissecou cadáveres para
om/2008/03/davi.jpg)
aperfeiçoar os desenhos da forma humana) e
Michelangelo (consagrado como artista oficial do Vaticano) ambos artistas
Renascentistas italianos. Com isso “o processo educacional atrelado a essa
O Corpo Escrito e Visto:
reflexões a partir de livros didáticos das séries iniciais
15

concepção de corpo, visa consequentemente, a aprimorar, controlar, vencer o corpo e


seus limites físicos” (MARQUES, 2005, p. 111).
Além de arte-educador, assumimos o cargo de coordenador pedagógico (em
uma escola privada e em uma escola pública, ambas de ensino fundamental e
médio) e preocupados com a relação corpo e vida saudável, passamos a
desenvolver trabalhos educativos sobre saúde-doença com os educandos,
buscando de várias formas integrar os educandos ao mundo de hoje
multiculturalista, e torná-los preocupados com o cuidar de si e do corpo. Tais
iniciativas foram desenvolvidas com mais ênfase quando nos aproximamos das
discussões acerca do processo saúde-doença e do corpo mais especificamente.
Em 2003 comecei a atuar como palestrante e colaborador do Programa
Quartas Saudáveis1, em 2007 do Grupo de Pesquisa Práticas Educativas em Saúde
e Cuidado na Amazônia2. A partir de 2003, começamos a desenvolver com mais
ênfase projetos educativos na escola, percebendo o desenvolvimento de hábitos e
atitudes e as relações com a saúde e o corpo. Acreditamos que ensinar saúde na
escola tem sido um desafio muito grande, até por que ainda estamos enraizados a
um currículo sanitarista e higienista nas escolas, priorizando as práticas da higiene
pessoal, o funcionamento orgânico e biológico do corpo como era apresentado no
século XIX nas instituições de ensino e grupos escolares,
Como lugar de reunião de um grande contingente de pessoas, a escola
primária configurada segundo esses novos padrões também foi vista como
alvo das políticas sanitárias, no âmbito das quais a vigilância em relação à
instituição escolar e aos escolares representou a possibilidade de deter os
surtos epidêmicos e, ao mesmo tempo, de controlar as condutas das
crianças e suas famílias, procurando substituir os seus modos de viver e se
comportar por hábitos higiênicos, considerados como possibilidade de
prevenção das doenças e indício de civilização. Nesse empreendimento, a
criação da inspeção médica escolar passou a ser vista como corolário do
processo de difusão da escola de massas, como se pode depreender dos
discursos dos médicos-higienistas que, desde meados do século XIX, se
articula na formulação de um amplo projeto de higienização do social, que
incidiu sobre os mais diversos espaços dentre os quais a instituição escolar
(BENCOSTTA, 2007, p. 243).

Neste sentido, implementamos outras formas de ensinar e educar em saúde-


doença na escola em atividades extra-classe, por meio de caminhadas, campanhas,
palestras, encontros, feiras, pesquisas e debates, buscando esclarecimentos em
diversos campos da saúde sobre o cuidar do corpo e da mente para preservar a

1
Programa de Extensão Universitária – UEPA, desenvolvido semanalmente com mulheres e crianças
na Ilha de Caratateua – PA, pautado na Educação Popular em Saúde.
2
Grupo de Pesquisa vinculado ao Programa de Pós-graduação em Educação– UEPA.
O Corpo Escrito e Visto:
reflexões a partir de livros didáticos das séries iniciais
16

nossa essência e os saberes de cada educando, suas experiências e vivências. De


acordo com Feire(2007),
Por que não aproveitar a experiência que têm os alunos de viver em áreas
da cidade descuidadas pelo poder público para discutir, por exemplo, a
poluição dos riachos e dos córregos e os baixos níveis de bem-estar das
populações, os lixões e os riscos que oferecem à saúde das gentes (p.30).

Fig. 10 – Semana da Fig. 11 – Campanha de


Higiene Bucal. Combate a Dengue.
Arquivo Pessoal Arquivo Pessoal

Fig. 12 – Mostra de Atividade de Pesquisa.


Arquivo Pessoal

Somos corpos sujeitos a culturas e relações, juntos, produzimos formas de


ensinar e aprender e de tal maneira ajudando-nos em nossa formação como
homens, cidadãos e seres racionais. Pensamos então, que uma pesquisa torna-se
valorativa no âmbito educacional, quando à atrelamos ao estudo dos saberes da
vida, revitalizando, reestruturando e reencantando-a pelo que há de mais
envolvente, o educar com diálogo e com respeito aos saberes do outro.
Por isso mesmo pensar certo coloca ao professor ou, mais amplamente, a
escola, o dever de não só respeitar os saberes com que os educandos,
sobretudo os das classes populares, chegam a ela – saberes socialmente
construídos na prática comunitária (FREIRE, 2007, p. 33).

Assim, o autor nos apresenta a idéia de fazer uma educação "para a vida",
para conhecermos nossos valores e definições sociais, enfim, nossa cultura.
O Corpo Escrito e Visto:
reflexões a partir de livros didáticos das séries iniciais
17

A pesquisa nos levou a um movimento de ação e reflexão sobre a ação –


práticas de uma educação libertadora. Destacamos, neste estudo a maneira como
está sendo construída a educação para a saúde-doença com ênfase nos conteúdos
sobre o corpo nos livros didáticos das séries iniciais. Um dos interesses foi de
identificar se as novas diretrizes educacionais do livro didático no País, que
recomendam articular o saber escolar com o saber não-escolar articulam-se à
maneira como estão sendo apresentadas as questões sobre o corpo nos livros
didáticos, pois o tema transversal Saúde, é um dos temas apresentados pelos
Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 1997c), e o corpo um de seus
conteúdos.
Devemos considerar as particularidades apresentadas em cada lugar e
região, suas culturas, saberes e relações com a saúde-doença e o corpo, porém,
nossos educandos Amazônidas/Paraenses, necessitam de ações inovadoras no
currículo escolar, no que se refere a saúde e o cuidar do corpo e deverão
progressivamente, ser incorporadas no Projeto Político Pedagógico da escola –
P.P.P. (BRASIL, 1997d), tendo em vista que os temas transversais são suportes
pedagógicos no desenvolvimento dos conteúdos. Os livros didáticos são, entre os
recursos pedagógicos o de maior circulação e acesso nas escolas do País e devem
acompanhar a atualização acerca dos diferentes conceitos e definições dos
conteúdos sobre saúde-doença, e mais especificamente sobre o corpo, sendo este,
então o foco que elegemos para nossa análise dos livros didáticos das séries
iniciais.
De que corpo tratam os livros didáticos? É o que nos instiga. O corpo pode
ser escrito e lido como “corpo-máquina”, segundo as suas partes ou como “corpo-
orgânico”, segundo um todo.
Acreditamos, em primeiro lugar, que a saúde para o corpo e com o corpo
possui uma dinâmica, possibilidades de envolvimento dos sujeitos, relações de
cultura e aceitação, o que implica no respeito à diferença do corpo e limitações do
outro, tudo relacionado a uma concepção de corpo em permanente movimento. Não
podemos nos contentar com a configuração de um corpo estático; devemos, sim,
refletir sobre as possibilidades sociais, culturais e biológicas de se pensar um corpo
“vivo”, nosso corpo, principalmente entre nossos educandos.
Procuramos investigar se os textos, figuras, imagens, exercícios e tópicos de
conteúdo contidos nos livros didáticos estão veiculando os conteúdos sobre o corpo
O Corpo Escrito e Visto:
reflexões a partir de livros didáticos das séries iniciais
18

numa perspectiva disciplinadora ou emancipadora, opressora ou libertadora. Para


Freire (2006) a educação opressora caracteriza-se pelo ato de reprimir, reter e
conter toda e qualquer ação que possibilite a reflexão e análise de situações vividas
pelo sujeito, no caso o educando que, busca, pesquisa e envolve-se com o meio em
que aprende. A educação libertadora, para o mesmo autor, é aquela que impulsiona
a reflexão, a ação mediada pela reflexão, a análise e a prática de liberdade, com
diálogo, tolerância, humanização e disciplina de aprendizagem, para que o sujeito
possa aprender com suas vivências, experiências e com os outros.
Preocupamo-nos também com significados e inter-relações culturais e que
importância estão tendo nos conteúdos dos livros didáticos sabendo-se que a
educação em saúde-doença na escola precisa ser articulada com o contexto social e
as vivências dos educandos. Silva (2004) afirma:
[...] cultura é um campo de produção de significados no qual os diferentes
grupos sociais, situados em posições diferenciais de poder, lutam pela
imposição de seus significados à sociedade mais ampla. A cultura é, nessa
concepção, um campo contestado de significação. O que está centralmente
envolvido nesse jogo é a definição de identidade cultural e social dos
diferentes grupos. A cultura é um campo onde se define não apenas a
forma que o mundo deve ter, mas também a forma como as pessoas e os
grupos devem ser (p.133).

Não se pode compreender ou transformar as representações de um indivíduo


ou de uma coletividade sem levar em conta que ela é produzida
nas relações com o meio físico, social e cultural
(NASCIMENTO, 2002), e também a
partir da interação com os conteúdos dos
diversos recursos pedagógicos utilizados
nas escolas, como os livros didáticos.
Em 2008, ao participar da disciplina
eletiva Educação em Saúde, refletimos com
o grupo sobre os processos vitais que o
homem passa para ter uma vida saudável e de Fig. 13 – Círculo de Cultura, Disciplina
Educação em Saúde – PPGED-UEPA.
qualidade, destacamos o lócus dos grupos Arquivo Pessoal

sociais, onde nascem, vivem e morrem, bem como ampliamos nossas vivências em
temas e conteúdos relacionados à saúde-doença e o corpo. Apreendemos que
inúmeros condicionantes refletem na qualidade vida e de um corpo saudável, como
o biológico, o meio físico, o meio socioeconômico e cultural, que envolve questões
de gênero, raça, alimentação, relações interpessoais, condições de habitação,
O Corpo Escrito e Visto:
reflexões a partir de livros didáticos das séries iniciais
19

serviços de saneamento, hábitos de higiene e atitudes, atendimento médico e renda


familiar (BRASIL, 1997d). A partir do exposto nos motivamos a formular a seguinte
problemática: Quais perspectivas sobre o corpo estão sendo veiculadas nos livros
didáticos das séries iniciais utilizados em escolas de Belém-Pará?

1.2 - Questões e Objetivos do Estudo

As questões norteadoras formuladas para o estudo foram: a) Como os


conteúdos sobre o corpo organizam-se e são apresentados nos livros didáticos das
séries iniciais? b) Quais aspectos sobre o corpo revelam-se nos tipos de texto e nas
imagens/figuras nos livros didáticos das séries iniciais? c) Quais aspectos referentes
ao corpo reforçam-se nos exercícios dos livros didáticos das séries iniciais? d) Que
enfoques de saúde se manifestam nos conteúdos sobre o corpo nos livros didáticos
das séries iniciais?
O objetivo geral da pesquisa é: Analisar as perspectivas sobre o corpo
veiculadas nos livros didáticos das séries iniciais utilizados em escolas de Belém-
Pará. Os objetivos específicos: a) Identificar como os conteúdos sobre o corpo
organizam-se e são apresentados nos livros didáticos das séries iniciais; b)
Diagnosticar quais aspectos sobre o corpo revelam-se nos tipos de texto e nas
imagens/figuras nos livros didáticos das séries iniciais; c) Perceber quais aspectos
referentes ao corpo reforçam-se nos exercícios dos livros didáticos das séries
iniciais; d) Mostrar que enfoques de saúde se manifestam nos conteúdos sobre o
corpo nos livros didáticos das séries iniciais.
O Corpo Escrito e Visto:
reflexões a partir de livros didáticos das séries iniciais
20
O Corpo Escrito e Visto:
reflexões a partir de livros didáticos das séries iniciais
21

2.1- Abordagem e Tipo de Estudo

As abordagens qualitativas nas pesquisas educacionais foram marcadas por


muitas mudanças no século XX. Essas mudanças foram provocadas a partir de
estudos historicamente centrados e relacionados com as transformações sociais,
que se desenvolveram em outros campos das ciências. As investigações, pesquisas
e formulações técnicas, possibilitaram uma nova visão acerca do campo educacional
na pesquisa, provocando um novo foco de análise aos métodos de pesquisa em
educação; fazendo emergir novos objetos de estudo, novas problemáticas e novos
questionamentos aos estudos realizados até então, redirecionando e consolidando a
abordagem qualitativa na pesquisa educacional (VILELA, 2003) .
Compreendemos que são muitas as interpretações dadas à pesquisa
qualitativa, porém algumas teorias apresentam o termo abordagem qualitativa. Entre
uma nomenclatura e outra, o sentido da pesquisa qualitativa é de provocar uma
reflexão e análise por meio de métodos e técnicas para uma investigação detalhada
do objeto de pesquisa, bem como, seu contexto ao longo do tempo e sua
organização/compreensão na/da sociedade (OLIVEIRA, M., 2008).
Na pesquisa qualitativa o pesquisador procura reduzir a distância entre a
teoria e os dados, entre o contexto e a ação, usando a lógica da análise
fenomenológica, isto é, da compreensão dos fenômenos pela sua descrição
e interpretação. As experiências pessoais do pesquisador são elementos
importantes na análise e compreensão dos fenômenos estudados. A
pesquisa qualitativa tem as seguintes características (TEIXEIRA, 2010, p.
137).

A ampliação dos debates sobre a abordagem qualitativa na pesquisa


educacional pode ser evidenciada também a partir dos anos de 1960 e de 1970, que
refletem de forma crítica o papel da escola, fazendo emergir outros olhares sobre as
questões educacionais (CARVALHO et al., 2002; VILELA, 2003; ANDRÉ, 2001). O
investimento em novos suportes metodológicos almeja obter subsídios para o
desenvolvimento de pesquisas de orientação mais interpretativa, que incorporem os
sujeitos como atores sociais e levem em conta que suas práticas são socialmente
construídas. A pesquisa qualitativa é representada por investigações, significados e
contextos, bem como, para as relações sociais multifacetadas e percepções; os
diversos campos de estudos (educação, antropologia, história, sociologia e outros)
podem ser objetos de investigação qualitativa.
O Corpo Escrito e Visto:
reflexões a partir de livros didáticos das séries iniciais
22

[...] As abordagens qualitativas facilitam descrever a complexidade de


problemas e hipóteses, bem como analisar a interação entre variáveis,
compreender e classificar determinados processos sociais, oferecer
contribuições no processo das mudanças, criação ou formação de opiniões
de determinados grupos e interpretação das particularidades dos
comportamentos ou atitudes dos indivíduos (OLIVEIRA, M. 2007, p. 59)

Entre as diversas formas de investigação da pesquisa qualitativa no contexto


escolar destacamos a pesquisa documental, que se assemelha muito à pesquisa
bibliográfica. A diferença essencial entre ambas está na natureza das fontes.
Enquanto a pesquisa bibliográfica se utiliza fundamentalmente das contribuições dos
diversos autores sobre determinado assunto, a pesquisa documental vale-se de
materiais que não receberam ainda um tratamento analítico, ou que ainda podem
ser re-elaborados de acordo com os objetos de pesquisa. O desenvolvimento da
pesquisa documental segue os mesmos passos da pesquisa bibliográfica. Apenas
cabe considerar que, enquanto na pesquisa bibliográfica as fontes são constituídas,
sobretudo por material impresso localizado nas bibliotecas, na pesquisa documental,
as fontes são muito mais diversificadas e complexas. Há, de um lado, os
documentos de primeira mão, que não receberam nenhum tratamento analítico.
Essa é a principal diferença entre pesquisa documental e pesquisa
bibliográfica. Chama-se, porém, a atenção do leitor(a) para o fato de que, na
pesquisa documental, o trabalho do pesquisador(a) requer uma análise
mais cuidadosa, visto que os documentos não passaram antes por nenhum
tratamento científico (OLIVEIRA, M., 2007, p. 70).

Nesta categoria estão os documentos conservados em arquivos de órgãos


públicos e instituições privadas, tais como associações científicas, igrejas, sindicatos
e partidos políticos (VILELA, 2003). Incluem-se aqui inúmeros outros documentos
como cartas pessoais, diários, fotografias, gravações, memorandos, regulamentos,
ofícios, boletins, periódicos e livros. No nosso caso as fontes documentais são os
livros didáticos das séries iniciais utilizados em escolas (públicas e privadas) de
Belém-Pa, do que trataremos a seguir.

2.2 – Fontes Documentais

Percebemos ao longo do estudo da história do livro didático no Brasil o


surgimento de muitas editoras que colocaram em circulação uma grande opção de
livros nas escolas brasileiras, bem como, uma variedade de organização de
conteúdos, formas e distribuição temática. A seleção de nossas fontes se deu a
O Corpo Escrito e Visto:
reflexões a partir de livros didáticos das séries iniciais
23

partir de alguns critérios: coleções lançadas entre os anos de 1998 a 2008, isto é, na
década do Plano Nacional de Educação- PNE, em consonância com os Parâmetros
Curriculares Nacionais - PCN; coleções adotadas em escolas particulares e públicas
de Belém e autorizadas pelo Ministério da Educação – MEC, por meio do Plano
Nacional do Livro Didático - PNLD. Atendendo aos critérios, selecionamos 2
coleções: uma coleção de caráter “disciplinar”, devido ser organizada por disciplinas,
no caso selecionamos os livros da disciplina Ciências (apenas o livro do 1º Ano é
integrado), sendo composta por cinco livros - a) Coleção Projeto prosa, Maria Rosa
Cavernalle, Editora Saraiva, 2008.

Fig. 14 – Capa de Livro Didático


LI - 1
Fig. 15 – Capa de Livro Didático
LDC - 1

Fig. 16 – Capa de Livro Didático


LDC - 2

Fig. 17 – Capa de Livro Didático


LDC - 3

Fig. 18 – Capa de Livro Didático


LDC - 4
O Corpo Escrito e Visto:
reflexões a partir de livros didáticos das séries iniciais
24

Uma outra coleção de caráter “integrado”, pois é organizada em um volume


único com as 5 disciplinas, sendo composta por 5 livros - b) Coleção Eu Gosto, Célia
Passos e Zeneide Silva, Editora IBEP, 2006.

Fig. 19 – Capa de Livro Didático


LI - 2

Fig. 20 – Capa de Livro Didático


LI - 3

Fig. 21 – Capa de Livro Didático


LI - 4

Fig. 22 – Capa de Livro Didático


LI - 5

Fig. 23 – Capa de Livro Didático


LI - 6
O Corpo Escrito e Visto:
reflexões a partir de livros didáticos das séries iniciais
25

Tais coleções são utilizadas em escolas de Belém, o que pudemos constatar


em um levantamento com gestores e coordenadores de escolas participantes de
cursos de formação permanente3. A importância em investigar livros disciplinares e
livros integrados, se dá, devido a organização curricular e conteudista em que cada
editora e/ou coleção apresenta, até por que os livros didáticos são hoje organizados
como projetos pedagógicos, proporcionando um novo olhar às práticas curriculares
na escola, re-significando os conteúdos no ensino escolar.

2.3 – Passos para a produção dos dados

O primeiro passo para a constituição do corpus inicial foi uma análise global
de cada um dos livros das duas coleções selecionadas por meio de um instrumento
elaborado para esse fim (Apêndice A).
Aplicamos o instrumento a cada um dos livros e identificamos capítulos
relacionados à educação em saúde-doença das duas coleções, o que apresentamos
no Quadro 1. Os livros da Coleção Disciplinar – LDC (Livro Didático de Ciências)
foram codificados como LDC1, LDC2, LDC3 e LDC4. Nesta coleção, o primeiro
número, voltado ao 1º ano, por ter características do livro integrado, foi codificado
como LI1. Os livros da Coleção Integrada – LI (Livro Integrado) foram codificados
como LI2, LI3, LI4, LI5 e LI6, totalizando 10 exemplares.

QUADRO 1
Unidade / Capítulos / Lições de educação em saúde-doença
CÓDIGO Nº Títulos Número de Páginas
LDC1 01 - Por que ficamos doentes 04
02 - Higiene é saúde 07
03 - Por que precisamos comer? 08
LDC2 04 - Dieta saudável 10
05 - Os movimentos: ossos e músculos 06
06 - Os sentidos humanos 10
07 - Os alimentos 08
LDC3 08 - O sistema respiratório 14
09 - O sistema circulatório 08
10 - O sistema urinário 12
11 - Os sentidos 09
12 - O sistema nervoso 15
LDC4 13 - A adolescência e suas mudanças 08
14 - A gestação 14
15 - Como o corpo humano está organizado 08
16 - Processos vitais do corpo humano 13

3
Temos atuado desde 2004 em Cursos de atualização e aperfeiçoamento de professores e gestores de escolas
públicas e privadas, o que nos viabilizou tal levantamento das coleções que são utilizadas nas escolas de Belém.
O Corpo Escrito e Visto:
reflexões a partir de livros didáticos das séries iniciais
26

CÓDIGO Nº Títulos Número de Páginas


LI1 17 - Saúde 07
18 -Cuidando da saúde do corpo 08
19 -Corpo Humano 04
LI2 20 - Higiene e Saúde 02
21 - Os dentes 02
22 - Alimentação 03
23 - Nossa alimentação 04
24 - Higiene e Saúde 05
25 - Prevenção de doenças e acidentes 03
LI3 26 - Animais que causam danos aos seres 03
humanos (Animais que transmitem doenças aos
seres humanos)
27 - Animais domésticos e silvestres 02
28 - Os animais em nossa vida (animais perigosos) 04
29 - O corpo humano 06
LI4 30 - Alimentação 02
31 - A higiene e outros hábitos saudáveis 05
32 - Transmissão de doenças 03
33 - Saneamento básico 04
34 - Digestão 02
35 - Circulação, respiração e excreção 04
36 - Sustentação e locomoção 02
37 - Os alimentos como fontes de nutrientes 05
LI5 38 - Água de beber 04
39 - A conservação dos alimentos 02
40 - Os alimentos e a saúde 03
41 - Poluição e saúde 04
42 - O saneamento básico 03
43 - A alimentação dos seres vivos 05
44 - Sistema nervoso 02
LI6 49 - Os órgãos do sentido 04
46 - Reprodução 04
47 - As transformações na infância e na 02
adolescência

Livro Didático Disciplinar


Livro Didático Integrado

Neste primeiro passo constatamos que em todos os livros há


unidades/capítulos/lições relacionados a educação em saúde-doença no entanto,
verificamos que nas coleções, só há títulos afins à educação em saúde-doença na
parte dedicada à disciplina Ciências, o que aponta para a não-transversalidade nas
demais disciplinas do tema como sugerem os PCN (BRASIL, 1997c).
No total, encontramos 47 unidades/capítulos/lições, que foram a base para o
segundo passo. Todas foram reproduzidas na íntegra para leitura e exploração
temática.
O segundo passo foi selecionar os capítulos /unidades/ lições que anunciam
em seu título o conteúdo CORPO e HIGIENE. Do conjunto de 47 identificamos 9 a
seguir listadas.
O Corpo Escrito e Visto:
reflexões a partir de livros didáticos das séries iniciais
27

QUADRO 2
9 Unidades/Capítulos/Lições com títulos sobre o conteúdo corpo e higiene
CÓDIGO Nº Títulos Número de Páginas
LDC1 02 - Higiene é saúde 07
15 - Como o corpo humano está 08
LDC4 organizado
16 - Processos vitais do corpo 13
humano
LI1 18 -Cuidando da saúde do corpo 08

LI2 19 -Corpo Humano 04


20 - Higiene e Saúde 02
LI3 24 - Higiene e Saúde 05

30 - O corpo humano 06
LI4 32 - A higiene e outros hábitos 05
saudáveis

Para proceder a tal seleção, efetivamos a leitura das 47


unidades/capítulos/lições. Após a leitura é que chegamos as 9
unidades/capítulos/lições que constituíram o corpus de análise. A cada uma delas foi
aplicada uma ficha de análise (Apêndice B). A ficha foi constituída com base em
cinco tópicos: 1- Sobre a Unidade/Capítulo/ Lição; 2- Formas de apresentação (tipos
de textos, figuras/imagens e exercícios); 3- Unidades representativas dos
tópicos/temas do conteúdo corpo; 4 - Sobre a contextualização; 5 - Sobre o enfoque
de saúde.
No que tange as formas de apresentação, utilizamos como referência outros
estudos que também analisam livros didáticos, como os de Libâneo (2008),
Fracalanza;Neto (2006), Caporalini (2001), Pretto (1985) e Bittencourt (2008).
Para o preenchimento das demais partes da ficha, nos apoiamos nos PCN
(BRASIL, 1997c) mais exatamente nos volumes referentes aos Temas Transversais
e Ciências e também em outras fontes. Buscamos os Tópicos / Temas (parte 3) nas
propostas de conteúdos para tratar o tema transversal Saúde nas escolas PCN
(BRASIL, 1997d); os aspectos de contextualização foram pautados numa
perspectiva do local ao global; no último tópico (parte 5), nos subsidiamos em Stotz
(1993), mais especificamente nos diferentes enfoques de saúde que o autor
apresenta.
O Corpo Escrito e Visto:
reflexões a partir de livros didáticos das séries iniciais
28

A ficha foi pré-testada em 3 unidades/capítulos/lições e, após aperfeiçoada,


foi aplicada. Os achados foram analisados quali e quantitativamente, sem perder de
vista a opção pela abordagem qualitativa. Os dados quantitativos, organizados em
gráficos, favoreceram as discussões e descrições dos resultados. Ao longo de todo
o processo, efetivamos muitas leituras, e o resultado desse movimento teórico-
conceitual é apresentado nos próximos capítulos.
O Corpo Escrito e Visto:
reflexões a partir de livros didáticos das séries iniciais
29
O Corpo Escrito e Visto:
reflexões a partir de livros didáticos das séries iniciais
30

3.1 – Currículos e saberes escolares

Inúmeros educadores e educadoras não se dão conta que enfrentamos uma


disputa decisiva pela hegemonia de um projeto de sociedade, que se
concretiza pelo predomínio de determinados grupos sobre outros e pela
definição do tipo de homem e mulher que se quer formar. Nesta disputa
acirrada, a educação e o currículo são estratégicos para a construção da
hegemonia (HAGE apud ARAÚJO, 2003, p. 264)

Partimos da idéia de re-organização curricular nas instituições de ensino no


Brasil; podemos iniciar um longo debate acerca das ideologias e propostas
apresentadas pelo MEC ao longos dos anos, que apontam algumas diretrizes e
parâmetros na educação nacional, seja para a educação básica, propostas para as
modalidades de ensino e até mesmo para a formação de professores.
Estaríamos iniciando um debate muito rico em questões sociais, políticas,
econômicas e culturais, porém, preferimos um diálogo panorâmico no que diz
respeito à organização curricular nas escolas brasileiras, para podermos
compreender o desencadeamento das práticas educativas e organização curricular
das escolas.
Entendemos que o surgimento das teorias do currículo, dá-se devido a
compreensão de que o campo do currículo, destaca-se em pesquisa, estudo e
investigação profissional. Muitos profissionais da educação ao longo do tempo, já se
envolviam em questões curriculares antes mesmo do surgimento de uma palavra
específica ao estudo do currículo, para identificar as ações dentro e fora das
instituições de ensino. A importância em estudar o currículo se dá às pesquisas
realizadas por grupos de pesquisas e grupos de trabalho (GT), departamentos
institucionais especializados em currículo e o surgimento das disciplinas escolares;
estudos preocupados em divulgar e promulgar um debate social e político acerca do
currículo (SILVA, 2004).
Acreditamos que as práticas escolares desenvolvidas ao logo dos anos em
um espaço histórico e local, baseados em filosofias e sociologias da educação
convergem para a discussão sobre o currículo, mesmo sem antes termos a
instituição da palavra “currículo”. Não podemos afirmar que as teorias didáticas e
pedagógicas instituíram a palavra currículo, até por que estudos revelam que a
preocupação de uma organização didática; uma atenção ao ato de ensinar; e como
O Corpo Escrito e Visto:
reflexões a partir de livros didáticos das séries iniciais
31

ensinar, estavam expressas em alguns escritos dos teóricos ocidentais modernos,


“um desses exemplos é a Didática Magna de Comenius” (SILVA, 2004, p. 21).
Neste sentido seria mais significativo acentuarmos um discurso, um estudo de
textos e não teorias sobre o currículo, porém, o currículo aparece pela primeira vez
como um objeto de estudo, no início do século XX (anos 20) nos Estados Unidos em
virtude da massificação das escolas para atender as demandas imigratórias e
desenvolvimento industrial, provocando uma nova concepção de administração
escolar e re-organização dos currículos.
As idéias desse grupo encontram sua máxima expressão no livro de Bobbitt,
The Curriculum (1918). Aqui, o currículo é visto como um processo de
racionalização de resultados educacionais, cuidadosa e rigorosamente
especificados e medidos (SILVA, 2004, p. 12).

A perspectiva curricular de Bobbitt a escola é vista como uma fábrica, os


educandos como produto fabril, em que os modelos de comportamento, resultados
pré-testados para um bom desempenho; métodos e técnicas de ensino mecânicos,
se analisarmos em uma ótica tradicional, poderíamos afirmar que Bobbitt teria
descoberto/inventado o currículo. E após seus estudos, muitos administradores
escolares, professores e educandos, acreditaram que o currículo apresentado por
Bobbitt é o verdadeiro e o melhor, bem como, a não existência de um currículo de
vida, social e cultural, apenas o que era ensinado e repassado aos educandos como
“verdades”.
Vale ressaltar que antes de Bobbitt publicar seu livro, outro estudioso chamado
John Dewey, preocupado com a formação escolar das crianças nos Estados Unidos,
escreveu em 1902, “um livro que tinha a palavra currículo no título, The child and the
curriculum” (SILVA, 2004, p. 23), neste livro apresentava uma proposta de
envolvimento social e democrático na formação do cidadão americano dentro das
escolas, com planejamento e relação com as vivências das crianças e jovens, porém
o estudo de Dewey, não influenciou tanto como as propostas de Bobbitt naquele
momento, até porque o currículo apresentado por ele em suas teorias é
institucionalizado como forma de controle, submissão e organização social, mapeando
os interesses profissionais e estabelecendo padrões de conduta estudantil.
Foi quando em 1949, Ralph Tyler, publicou um livro reafirmando as teorias
curriculares de Bobbitt, promulgando um currículo centrado no desenvolvimento e
organização escolar, bem como, perceber o currículo como uma questão técnica e
sistemática. Silva (2004, p. 25) destaca as principais características da atividade
O Corpo Escrito e Visto:
reflexões a partir de livros didáticos das séries iniciais
32

educacional para Tyler: “Currículo; ensino e instrução; avaliação” em uma


perspectiva tradicional. As idéias de Tyler, foram fortificando-se com o tempo, e em
outros países inclusive no Brasil, porém na década de 60 ganhou mais importância
com a educação tecnicista e comportamentalista, incorporando o sentido de
eficiência e eficácia do que era ensinado/aprendido nas instituições escolares.
O sentido da organização curricular apresentado por Bobbitt e Tyler,
assumiam uma postura equiparada com os sistemas liberais clássicos impregnados
na escola das antigas civilizações, por sua vez a idéia progressista e construtivista
de currículo de Dewey, constituíram a uma reação adversa aos conservadores das
escolas humanistas e católicas, promulgando um cenário de grandes debates
ideológicos pro conta do currículo escolar. Na verdade a busca por um currículo que
buscasse a criança como sujeito e não como produto foi muito discutido nos Estados
Unidos nos meados da década de 70, por conta do distanciamento das vivências e
experiências das crianças nas aulas centradas em conteúdos e matérias clássicas
do currículo tradicional (SILVA, 2004).
Entendemos que a discussão de currículo também é política, por isso vale
lembrar de fatos da história que contribuíram para as mudanças sociais e culturais
no mundo, como a guerra no Vietnã; os movimentos feministas; revoluções em
pequenas colônias européias e no Brasil a ditadura militar como opressora do
progresso e da livre expressão popular. A década de 60 foi marcada por muitos
acontecimentos sociais e com isso a educação recebeu influencias na sua
organização formal, no caso a escola. Contrariando a proposta de Bobbitt e Tyler,
emergem novas teorias a partir de Marx, Althusser, Bourdieu, Passeron, Gramsci,
Apple e Giroux (SILVA, 2004), provocando nossos debates e aportes teóricos para
se repensar o currículo nas escolas.
Emerge então, o currículo crítico, tratando o educando como sujeito de
vivências e particularidades, debates acerca das classes populares, classes
dominantes e reprodução social, alguns nomes destacaram-se no novo cenário
educacional. No Brasil, Paulo Freire foi o grande expoente com a Pedagogia
Libertadora (GADOTTI, 2006), preocupado com o movimento opressor
disseminando sujeitos oprimidos, sente-se envolvido em mobilizar a sociedade para
perceber-se sujeitos de mudança e críticos às situações sociais vividas naquele
momento histórico-social. Ao descrever a importância dos sujeitos na sociedade,
Freire (2006, p. 78) afirma que, “ninguém educa ninguém, ninguém educa a si
O Corpo Escrito e Visto:
reflexões a partir de livros didáticos das séries iniciais
33

mesmo, os homens se educam entre si, mediatizados pelo mundo”, em uma


percepção de coletividade e participação de todos no processo educativo, que as
vivências e a problematização no ato de ensinar , resulta no processo de reflexão
sobre a ação dos sujeitos.
Nos anos de 1990, o currículo sofreu muitas influências intelectuais, estudos
apontavam para uma nova perspectiva política, social e cultural de compreensão
dos espaços de relação de poder, o currículo assume um papel sociológico em
detrimento ao psicológico muito presente naquela época, com isso, os estudos
científicos - administrativos do currículo foram sendo lentamente substituído por uma
discussão mais política e centrada nas realidades e identidades dos sujeitos. Na
metade da década, os estudos curriculares iniciam um debate pós-industrial e pós-
moderno, sugerindo novos questionamentos e leituras mais envolventes, como
Foucault e Morin, são pensamentos que influenciaram bastante as percepções de
sociedade e sujeitos, despertando os estudos curriculares para uma nova
teorização, o currículo híbrido (LOPES; MACEDO, 2002).
Percebemos que os estudos avançaram com a contribuição de alguns pilares
que supostamente sustentaram os ideais curriculares do pós-estruturalismo, como
os estudos culturais, os estudos feministas, a inclusão social, discriminação e a
repercussão nos GT e demais publicações em periódicos. Emerge então a
discussão sobre o currículo pós-estruturalista, promovendo debates e estudos
referentes a identidade, alteridade, multiculturalismo e as questões de gênero, raça
e subjetividade, Silva (2002, p. 16), descreve algumas indagações acerca desse
cenário histórico do currículo,
É precisamente a questão do poder que vai separar as teorias tradicionais
das teorias críticas e pós-críticas do currículo. As teorias tradicionais
pretendem ser apenas isso: “teorias” neutras, cientificas, desinteressadas.
As teorias críticas e as teorias pós-criticas, em contraste, argumentam que
nenhuma teoria é neutra, cientifica ou desinteressada, mas que está,
inevitavelmente, implicada em relações de poder. As teorias tradicionais, ao
aceitar mais facilmente o status quo, os conhecimentos e os saberes
dominantes, acabam por se concentrar em questões técnicas. Em geral,
elas tornam a resposta à questão “o quê?” como dada, como óbvia e por
isso buscam responder a uma outra questão: “como?”. Dado que temos
esse conhecimento (inquestionável?) a ser transmitido, qual é a melhor
forma de transmiti-lo? As teorias criticas e pós-críticas, por sua vez, não se
limitam a perguntar “o quê?”, mas submetem este “quê” a um constante
questionamento. Sua questão central seria, pois, não tanto “o quê?”, mas
“por quê?”. Por que esse conhecimento e não outro? Quais interesses
fazem com que esse conhecimento e não outro esteja no currículo? Por que
privilegiar um determinado tipo de identidade ou subjetividade e não outro?
As teorias críticas e pós-críticas de currículo estão preocupadas com as
conexões entre saber, identidade e poder.
O Corpo Escrito e Visto:
reflexões a partir de livros didáticos das séries iniciais
34

Desta forma devemos entender que as teorias são subjacentes aos conceitos
estudados, pesquisados e redefinidos em tempos e espaços, contribuindo para
novas reflexões e análises no contexto sócio-educativo, e em nossa prática escolar,
bem como, repensar nossas possibilidades de avanços nas pesquisas e
compreensão dos currículos escolares. O debate não se esgota aqui, o currículo da
escola brasileira incorporou muitas contribuições de teóricos e fatos históricos para
sua organização, a destacar as Tendências Pedagógicas, os Parâmetros
Curriculares Nacionais – PCN, as Diretrizes Curriculares Nacionais, a Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB 9.394/96) e o Plano Nacional de
Educação – PNE. Por isso, para compreendermos melhor as teorias do currículo,
Silva (2002, p. 17) nos apresenta um quadro com as categorias das teorias
curriculares anunciadas,
QUADRO 3
Teorias do Currículo

Teorias Tradicionais Teorias Críticas Teorias Pós-críticas

Ensino Ideologia Identidade, alteridade,


Aprendizagem Reprodução cultural e diferença
Avaliação social Subjetividade
Metodologia Poder Significação e discurso
Didática Classe social Saber-poder
ABORDAGENS

Organização Capitalismo Representação


Planejamento Relações sociais de Cultura
Eficiência produção Gênero, raça, etnia,
Objetivos Conscientização sexualidade
Emancipação e Multiculturalismo
libertação
Currículo oculto
Resistência
O Corpo Escrito e Visto:
reflexões a partir de livros didáticos das séries iniciais
35

3.2- Dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) & Temas Transversais

3.2.1 – Os PCN na prática escolar

Os Parâmetros Curriculares Nacionais, referenciais para a renovação e


reelaboração da propsta curricular, reforçam a importância de que cada
escola formule seu projeto educacional, compartilhado por toda a equipe,
para que a melhoria da qualidade da educação resulte da co-
responsabilidade entre todos os educadores. A forma mais eficaz de
elaboração e desenvolvimento de projetos educacionais envolve o debate
em grupos e no local de trabalho (BRASIL, 1997a, p. 9)

A introdução do texto que apresenta os PCN, após algumas considerações


sobre a suficiente expansão do ensino fundamental nos últimos anos, detém sua
atenção na qualidade desse ensino, com suas altas taxas de evasão e repetência,
para finalmente concluir que o modelo educativo que vem orientando a maioria das
práticas pedagógicas não atende mais as necessidades apresentadas pelo atual
cenário sócio-político-econômico do país.
Em face a estudos, concluimos que uma tarefa essencial na busca da
melhoria da qualidade do ensino passou a ser a de elaborar parâmetros claros no
campo curricular, capazes de orientar as ações educativas nas escolas (BRASIL,
1997a).
O quadro é o seguinte: a insuficiência e a fragmentação das ações
educativas, no âmbito das Unidades Federadas, exigiriam esforços que garantissem
a generalização no país, das orientações mais atualizadas e condizentes com o
avanço dos conhecimentos no mundo contemporâneo como condição para que
alcancemos “padrões de qualidade” no ensino fundamental e médio.
As críticas muito variadas, apontavam a vinculação da iniciativa ao
fortalecimento de uma política neoliberal, assim como denunciavam a
alienação do trabalho docente proporcionada por planejamentos
curriculares centralizados. Para além de análises gerais dos PCN, outros
trabalhos consideravam questões específicas de diferentes campos
curriculares, em versões críticas ou em proposições metodológicas para a
utilização dos guias. (LOPES; MACEDO, 2006)

Percebemos que os PCN apresentam-se como uma nova reforma do ensino


fundamental brasileiro com todas as suas amplas consequências na formação e no
aperfeiçoamento dos professores, na revisão de livros didáticos etc. Em face da
O Corpo Escrito e Visto:
reflexões a partir de livros didáticos das séries iniciais
36

relevância social da iniciativa, convém que examinemos alguns dos argumentos


adiantados como justificativa do que se pretende.
Identificamos que um desses argumentos, parte do estudo comparativo das
propostas curriculares estaduais e municipais elaboradas a partir do início da
década de 80 e vigentes ainda. Essas propostas, nos termos dos PCN (BRASIL,
1997a), compõem um quadro nacional confuso, fragmentado, com diferentes níveis
de elaboração e de justificação que dificultaria uma política global de melhoria do
ensino fundamental. Para justificar a necessidade de superação dessa situação, foi
feita uma descrição das principais tendências pedagógicas que convivem no Brasil
atual e que, resumidamente, transcrevemos em seguida. Fazendo uma redução
necessária a este contexto, serão expostas as principais tendências pedagógicas: a
tradicional, a renovada, a tecnicista e aquelas marcadas centralmente por
preocupações sociais e políticas, que também são bases teóricas nas propostas
pedagógicas apresentadas nos PCN.
Para construirmos um resumo das tendências pedagógicas, estudamos
Gadotti (2002), Libâneo (2008), Saviani (2008) e Candau (2010)
Pedagogia Tradicional é uma proposta de educação centrada no professor,
sendo função deste vigiar, aconselhar, corrigir e ensinar a
matéria através de aulas expositivas, ficando a cargo dos
alunos prestar atenção e realizar exercícios repetitivos para
gravar e reproduzir a matéria dada.
A metodologia decorrente baseia-se na exposição oral
dos conteúdos, seguindo passos pré-determinados e fixos
para todo e qualquer contexto escolar. Na maioria das
Fig. 24 - Johann Friedrich
escolas esta prática pedagógica foi caracterizada por Herbart (1776-1841).
Google Imagens
sobrecarga de informações passadas aos alunos, tornando o
conhecimento pouco significativo e burocratizado. O professor tem papel central no
processo de ensino e aprendizagem um organizador dos conteúdos e estratégias de
ensino e, portanto, o guia exclusivo do processo educativo. O principal expoente
nesta tendência foi Johann Friedrich Herbart (1776-1841), que influenciou os
estudos humanistas baseados no governo, instrução e disciplina.
A Pedagogia Renovada inclui várias correntes, que de uma forma ou de
outra estão ligadas ao movimento da Escola Nova ou da Escola Ativa, que embora
admitam divergências, assumem um mesmo princípio norteador de valorização do
O Corpo Escrito e Visto:
reflexões a partir de livros didáticos das séries iniciais
37

indivíduo como ser livre, ativo e social. O centro da atividade


escolar não é o professor nem os conteúdos disciplinadores,
mas sim o aluno ativo e curioso. O mais importante não é o
ensino, mas o processo de aprendizagem. O professor é o
oientador/facilitador no processo de busca de conhecimento do

Fig. 25 - John Dewey aluno, organizando e coordenando as situações de


(1859 – 1952). Google
Imagens aprendizagem. O estudo que desenvolvel o movimento
escolanovista nos Estados Unidos foi John Dewey (1859 – 1952), já no Brasil o
movimento recebeu o apoio dos pioneiros da educação nova, em que se
destacaram Fernando de Azevedo (1894-1974), Lourenço
Filho (1897-1970) e Anísio Teixeira (1900 – 1971), este último
coordenou o Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos –
INEP e que hoje recebe seu nome.
Esta concepção trouxe a idéia de globalização e dos
centros de interesses que foram inadequadamente

Fig. 26 – Anísio Teixeira transformados em práticas espontaneístas. Essa tendência


(1900 – 1971). Google
Imagens teve grande penetração no Brasil, na década de 30, para o
ensino pré-escolar e até hoje influencia muitas práticas pedagógicas.
Destacamos também o movimento acelerado na década de 70, que se
chamou de ‘Tecnicismo Educacional’, inspirado nas teorias behavioristas da
aprendizagem (estímulo-resposta), com bases nos estudos de Burrhus Frederic
Skinner (1904-1990) e na abordagem sistêmica do ensino. Definiu uma prática
pedagógica altamente controlada e dirigida pelo professor com
atividades mecânicas inseridas numa proposta educacional
rígida e passível de ser totalmente programada em detalhes. O
que é valorizado nesta perspectiva, não é o professor mas sim
a tecnologia, o professor passa a ser um mero especialista na
aplicação de manuais e sua criatividade fica dentro dos limites
Fig. 27 – Burrhus
possíveis e estreitos da técnica utilizada. Esta orientação foi Frederic Skinner (1904-
1990). Google Imagens
dada para as escolas pelos organismos oficiais durante os
anos 60 e até hoje persiste em muitos cursos com a presença de manuais didáticos
com caráter estritamente técnico e instrumental.
O Corpo Escrito e Visto:
reflexões a partir de livros didáticos das séries iniciais
38

No final dos anos 70 e início dos 80, constituíram-se as denominadas


Pedagogia Libertadora e Pedagogia Crítico-Social dos Conteúdos, ambas propondo
uma educação crítica a serviço das transformações sociais, econômicas e políticas
para a superação das desigualdades existentes no interior da sociedade.
Entendemos que a Pedagogia Libertadora tem suas origens no movimento
da educação popular, no final dos anos 50 e início dos anos 60,
liderada e articulada pelo grande educador brasileiro Paulo
Freire (1921-1997), quando foi interrompida pelo golpe militar de
1964, e retoma o seu desenvolvimento no final dos anos 70 e
início dos anos 80. Nesta proposta a atividade escolar pauta-
se em discussões de temas sociais e políticos e em ações Fig. 28 – Paulo Freire
(1921-1997). Google
sobre a realidade social imediata; analisa-se os problemas, os Imagens

fatores determinantes e estrutura-se uma forma de atuação para que se possa


transformar a realidade social e política. O professor é um coordenador de
atividades que organiza e atua conjuntamente com os alunos.
Já a Pedagogia Crítico-Social dos Conteúdos surge no final dos anos 70 e
início dos 80 e é uma reação de alguns educadores, entre eles
Dermerval Saviani (1944), que não aceitam a pouca relevância
que a pedagogia libertadora dá ao aprendizado do chamado
‘saber elaborado’, historicamente acumulado e que constitui o
acervo cultural da humanidade. Compreende que não basta ter
como conteúdo escolar as questões sociais atuais, mas é
necessário que se possa ter o domínio de conhecimentos, Fig. 29 – Dermerval
Saviani (1944). Google
habilidades e capacidades para que os alunos possam Imagens

interpretar suas experiências de vida e defender seus interesses de classe.


Além dessa exposição das grandes tendências dos modelos vigentes na
educação brasileira desde a década de 30, os PCN ainda fazem referência à
presença, nos últimos anos, da Psicologia Genética, que marcou a pesquisa sobre a
psicogênese da língua escrita a partir dos anos 80, observando que a metodologia
utilizada na pesquisa foi muitas vezes interpretada como uma proposta de
pedagogia construtivista para a alfabetização, o que expressa um duplo equívoco:
redução do construtivismo a uma teoria psicogenética de aquisição da língua escrita
e transformação de uma pesquisa acadêmica em método de ensino.
O Corpo Escrito e Visto:
reflexões a partir de livros didáticos das séries iniciais
39

As considerações anteriores, pretensamente descritivas das principais


tendências pedagógicas históricas na educação, justificariam a proposta dos PCN
como uma superação de modelos que, pelas suas insuficiências e equívocos, no
entanto Lopes; Macedo (2006, p. 168), apresentam outra proeocupação na
organização e prática curricular dos PCN,
Minha preocupação com a matriz conteudista dos PCN é outra natureza e
aponta para a forma como é vista a relação entre os diferentes saberes no
ato pedagógico. É inegável que a pedagogia histórico-critica reconhece e dá
centralidade aos saberes que professores e alunos, como sujeitos históricos
e sociais, trazem para o espaço da sala de aula. Retira-lhes, no entanto, de
seus sistemas conceituais ao negar-lhes organicidade e tratar-lhes como
percepção sincrética do mundo.

É claro que a proposição dos PCN pressupõe que não valeria a pena uma
atuação corretiva e reorientadora das várias tentativas estaduais e municipais que há
anos se esforçam para consolidar orientações pedagógicas de seus respectivos
sistemas. A opção foi a de substituí-las por uma referência curricular para todo o país.
O texto introdutório dos PCN (BRASIL, 1997a) reconhece o caráter redutivista
de suas descrições das tendências prevalecentes nas orientações das práticas
pedagógicas brasileiras, mas esse reconhecimento é meramente formal, pois o que se
propõe é uma substituição radical do que existe por uma nova ordenação curricular.
Nessas condições, com a adoção dos PCN, percebemos o risco de que
novamente se faça uma reforma de uma realidade educacional da qual temos
apenas uma visão em grande parte impressionista. É claro que, muitas vezes, uma
reforma de aspectos da realidade educacional pode se justificar a partir de decisões
políticas, mesmo na ausência de investigações empíricas extensas e exaustivas.
Mas esse não é o caso dos PCN, nos quais são preconizadas alterações das
próprias práticas escolares em todas as suas dimensões (objetivos, métodos,
recursos e avaliação).
Os autores do texto dos PCN (BRASIL, 1997a) assumiram um claro
compromisso com a concepção construtivista de aprendizagem e ensino, mas o
caráter sintético da exposição dificulta, algumas vezes, a percepção de importantes
implicações desse comprometimento.
Embora o texto dos PCN refira-se a uma integração com a experiência
educacional já realizada pelos Estados e Municípios e à possibilidade de adaptações
pelas Secretarias de Educação, é claro que a própria iniciativa ministerial implica a
expectativa de uma profunda alteração da situação atual, com a adoção de novas
O Corpo Escrito e Visto:
reflexões a partir de livros didáticos das séries iniciais
40

diretrizes e de uma nova ordenação curricular de posições e sugestões preparadas


a partir do Conselho Nacional de Educação, que ampliou a expressão constitucional
para diretrizes curriculares a serem propostas pelo MEC/PCN (BRASIL, 1997a).
Nessa alteração, que aumenta o poder central, há uma evidente diminuição do grau
de autonomia de Estados e Municípios. Essa diminuição de autonomia foi agravada
pela iniciativa ministerial elaborando diretrizes curriculares declaradamente
comprometidas com uma particular concepção pedagógica, desrespeitando assim o
princípio do “pluralismo de idéias e de concepções pedagógicas”, na Lei de
Diretrizes e Bases da Educação – LDB. 9 394/96 (BRASIL, 1996).
Compreendemos que as práticas pedagógicas são situações complexas, que
não podem ser reduzidas à aplicação de uma teoria da aprendizagem e do ensino.
Há professores que ensinam com pleno êxito e há professores que ensinam com
êxito menor ou até mesmo quase nulo. Quais são os fatores presentes em cada
situação de ensino e que condicionam o êxito? É claro que não há respostas simples
para essa questão (CANDAU, 2010). Presumir que o grau de êxito depende de uma
correta ou incorreta teoria do ensino e da aprendizagem é, no mínimo, uma
simplificação do problema. Além daqueles fatores específicos de cada sala de aula e
de cada professor, há o complexo ambiente social de cada escola. Por ignorar essa
complexidade, as políticas de aperfeiçoamento de docente não têm alterado
substantivamente a situação do ensino brasileiro.
Ensinar com êxito é ter o domínio de uma prática, de um saber fazer.
Qualquer teoria do ensino, inclua-se aí portanto a teoria construtivista, é um esforço
prescritivo, isto é, uma tentativa de elaborar regras para a prática de ensinar. Nem
todas as práticas são exaustivamente reguláveis. Saber fazer poesia ou saber contar
piadas com graça são, da mesma forma que saber ensinar, o domínio de uma
prática não inteiramente regulável. Trata-se das complexas relações entre teoria e
prática (LIBÂNEO, 2008).

3.2.2 – Os Temas Transversais

Os temas transversais apontam para mudanças na cultura, nos aspectos de


ver e sentir o mundo. Não se trata, portanto, de “mais conteúdos”, nem de
procurar organizar os conteúdos numa perspectiva interdisciplinar ou
trnasdisciplinar, mas sim da formação de valores e padrões de conduta,
como uma espécie de “óculos” que qualifica o olhar dos professores para
certos elementos da formação dos alunos (BARBOSA, 2007, p. 27)
O Corpo Escrito e Visto:
reflexões a partir de livros didáticos das séries iniciais
41

Percebemos que os temas transversais apresentados pelos PCN (BRASIL,


1997c), dizem respeito a conceitos e valores que fundamentam a democracia e à
cidadania, correspondendo a questões de grande importância para a sociedade
brasileira.
No dicionário transversal é definido como o que passa, ou está de través ou
obliquamente (FERREIRA, 2001, p. 683). Na educação, por meio dos PCN, a
transversalidade passa a expressar mais um espaço da organização dos trabalhos
pedagógicos. O resgate de valores e padrões de conduta pela escola já é algo muito
antigo, porém um pouco esquecido da escola. Portanto, os temas transversais não
constituem algo novo, mas aparecem para que se tenha uma transformação no
modo de ser dos educandos, nas mudanças de valores e/ou padrões de conduta no
grupo envolvido e até mesmo uma transformação nos educadores que terão
oportunidade de ultrapassar os limites das salas de aula assumindo uma
responsabilidade maior com a formação dos educandos enquanto cidadãos críticos
e reflexivos. A pressão sobre professores para que abordem temas transversais faz
com que alguns adotem um “tema transversal” sem que haja interação entre
disciplinas e conseqüentemente, não havendo mudança de valor ou atitude em
relação aos temas problematizados.
Quem ensina utilizando temas transversais precisa se preocupar com a
coerência entre aquilo que se mostra e a forma como age no cotidiano. De
nada adianta um professor ensinar a preservação do ambiente e jogar um
toco de cigarro no chão ou sobra de lanche pela janela. Lembre-se de que
as atitudes ensinam mais do que as palavras. Em nossa sociedade, o
professor é visto como modelo, e suas atitudes valem mais do que seu
discurso (BARBOSA, 2007, p. 24)

Acreditamos que os temas acabam sendo superficiais ou trabalhados por


“modismo” e tornam-se mais um dos conteúdos de sala de aula, não despertando o
interesse real do educando. Nesse sentido, a interdisciplinaridade passa a ter sua
importância no tratamento dos Temas Transversais. Os currículos escolares
brasileiros são considerados inflexíveis por não permitirem uma relação maior entre
uma disciplina e outra e, uma das formas de se tratar os temas sociais urgentes sem
abrir mão dos conteúdos curriculares tradicionais é de maneira transversal na
estrutura escolar.
A interdisciplinaridade propriamente dita é algo diferente, que reúne estudos
complementares de diversos especialistas em um contexto de estudo de
âmbito mais coletivo. Aqui se estabelece uma interação entre duas ou mais
disciplinas, o que resultará em intercomunicação e enriquecimento
recíprocos (SANTOMÉ, 1998, p.73).
O Corpo Escrito e Visto:
reflexões a partir de livros didáticos das séries iniciais
42

Entendemos que o exercício da interdisciplinaridade está relacionado com os


Temas Transversais. Ao ampliarmos as discussões de sala de aula para além do
conhecimento específico, estaremos entrando em outras áreas de saberes, o que
torna um Tema Transversal interdisciplinar. Fundamentado em uma educação para
a cidadania, os PCN buscam tratar assuntos sociais importantes e passíveis de
serem discutidos em sala de aula. Tais temas são denominados de temas
transversais representando um conjunto de temas que aparecem transversalizados
nas áreas definidas do currículo, advindos da necessidade de um tratamento mais
significativos e expressivo de temáticas sociais na escola não constituindo, pois,
novas disciplinas dos currículos escolares, mas podendo ser trabalhados pela escola
de forma contextualizada e transversal.
A transversalidade diz respeito à possibilidade de estabelecer, na prática
educativa, uma relação entre aprender conhecimentos teoricamente
sistematizados (aprender sobre a realidade) e as questões da vida real e de
sua transformação (aprender na realidade e da realidade). Brasil, 1997c, p. 30.

Para um trabalho transversal, além da forma interdisciplinar podemos


conduzir os educandos a estudarem sobre a realidade utilizando a observação e a
experiência para abordagem dos conteúdos na tentativa de mudança de atitude
frente ao mundo sendo ele próprio, o educando, o sujeito de transformação do bem
estar social. A proposta da transversalidade sugere uma perspectiva de trabalho
escolar. O ensino por projetos proporciona aos professores de diferentes áreas um
compromisso com a informação e a formação de seus educandos, onde a
compreensão científica proporcionará o entendimento dos fenômenos naturais de
maneira crítica e consciente diante das condições ambientais próximas. O
compromisso dos valores existentes nas vivências e nas relações interpessoais e
sociais dos indivíduos que freqüentam a escola fundamenta a perspectiva do
trabalho transversal, onde a dinâmica da sala de aula pode ser mudada para
utilização de temas diversificados, utilizando trabalhos em grupo, trabalho coletivo,
trabalhos em várias disciplinas simultaneamente de forma a valorizar a interação
social.
Como temas transversais, os PCN propõem a Ética, Saúde, Meio Ambiente,
Pluralidade Cultural, Orientação Sexual e Trabalho e Consumo por serem de
abrangência nacional e envolverem problemáticas sociais atuais, além de
possibilitarem a compreensão da realidade e a participação social. A proposta dos
temas transversais também auxilia a formação de uma postura ética com respeito
O Corpo Escrito e Visto:
reflexões a partir de livros didáticos das séries iniciais
43

mútuo, diálogo e solidariedade, aceitação à diversidade da cultura humana, posturas


sociais e sexuais que respeitam o próximo.
Os PCN (BRASIL, 1997d) destacam a educação para a saúde como fator de
promoção e proteção à saúde e estratégia para a conquista dos direitos de
cidadania. A escola pode fornecer elementos que capacitem os indivíduos para uma
vida mais saudável. Sua função é de apoio ao serviço médico, possibilitando a
entrada desses profissionais no meio escolar, e assumindo suas responsabilidades
no campo da saúde através da educação para a saúde (BARBOSA, 2007).
Segundo Barbosa (2007), a educação para a saúde escolar não deve se
limitar a simples informações de assuntos de saúde. A educação para a saúde só
pode ser efetiva se promover mudanças nos comportamentos das crianças,
tornando-as conscientes do que é necessário à conservação da saúde. Os objetivos
a serem atingidos são no sentido não somente de contribuir para que os alunos
adquiram conhecimentos relacionados com saúde, mas, principalmente, no sentido
de que eles sejam auxiliados a adquirirem, ou reforçarem hábitos, atitudes e
conhecimentos relacionados com a prática específica de saúde.
Compreendemos que os PCN (BRASIL, 1997d), defendem que saúde tem
que ser entendida como resultado das condições de vida, determinadas pela
inserção do indivíduo nos meios de produção, desta forma, saúde não se ensina, se
discute; discute-se a relação entre saúde e condição de vida, discute-se o direito de
toda a população viver em condições adequadas.
A educação em saúde tem por função tornar o cidadão capaz de alterar seus
hábitos e comportamentos e de estar em condições de reivindicar seus direitos,
portanto, a prática educativa em saúde ajuda a construir um cidadão consciente de
seu papel enquanto agente social. Os PCN (BRASIL,1997d, p. 101 ) definem os
objetivos básicos para a educação em saúde nas escolas. Seriam eles:
-Compreender que a saúde é um direito de todos e uma dimensão essencial
do crescimento e desenvolvimento do ser humano;
-Compreender que a condição de saúde é produzida nas relações com o
meio físico, econômico e sociocultural, identificando fatores de risco à saúde
pessoal e coletiva presentes no meio em que vivem;
-Conhecer e utilizar formas de intervenção individual e coletiva sobre os
fatores desfavoráveis à saúde, agindo com responsabilidade em relação à
sua saúde e à saúde da comunidade;
-Conhecer formas de acesso aos recursos da comunidade e as
possibilidades de utilização dos serviços voltados para a promoção,
proteção e recuperação da saúde;
-Adotar hábitos de autocuidado, respeitando as possibilidades e limites do
próprio corpo.
O Corpo Escrito e Visto:
reflexões a partir de livros didáticos das séries iniciais
44

Os objetivos anteriormente descritos, ao assegurarem a autonomia e


capacidade de ação consciente do indivíduo em seu meio, tornam viável a
transformação no espaço familiar e comunitário.
A educação para a saúde tem grandes possibilidades de ser introduzida no
currículo de todos os graus, através do ensino incidental, quando surgem situações
com implicações de saúde durante a rotina e rituais de vida diária da criança. Não é
pressuposto da educação para a saúde a existência de um professor especialista, o
que se pretende é um trabalho pedagógico cujo enfoque principal esteja na saúde e
não na doença (BRASIL,1997d).
Devemos entender que a educação para a saúde deverá ser aceita como
parte integrante do processo educacional, devendo ter início praticamente na fase
pré-escolar com um limitado número dos mais importantes assuntos e ser
continuada por meio dos estágios da vida escolar reforçada na vida adulta de
maneira acidental ou mesmo formal (BARBOSA, 2007).

3.3- Dos Livros Didáticos como artefatos curriculares

[...] a dialética entre a imposição e a apropriação, entre os limites


transgredidos e as liberdades refreadas não é a mesma em toda a parte,
sempre e para todos. Reconhecer as suas modalidades diversas e
variações múltiplas é o objeto primeiro de um projeto de leitura empenhado
em capturar, nas suas diferenças, as identidades entre leitores e sua arte
de ler (CHARTIER, 1994, p. 8).

Na história da humanidade muitos fatores contribuíram para a formação


intelectual do sujeito, bem como para a hibridação de saberes e conhecimentos, em
cada tempo e espaço. As práticas desenvolvidas pelos povos descrevem a
importância de estudarmos a história da educação e a historiografia do sujeito.
Neste capítulo apresentaremos um pouco da história do livro, para que possamos
compreender o aparecimento dos livros didáticos nas práticas educativas das
escolas formais.
O livro didático é compreendido como um suporte pedagógico para a o
desenvolvimento de atividades dirigidas, pensadas e reformuladas de acordo com as
políticas públicas e culturas do tempo em que surgiram. Em cada situação uma
fôrma e forma diferenciadas de tratar os conteúdos escolares e a aprendizagem dos
educandos. Na evolução dos livros podemos perceber a história do homem e seu
O Corpo Escrito e Visto:
reflexões a partir de livros didáticos das séries iniciais
45

desenvolvimento, na história do livro didático a evolução do campo da didática e do


estudo das práticas educativas em espaços escolares.
A presença da oralidade na história da humanidade proporcionou o
surgimento da escrita, com isso o seu registro passou a ser fundamental; o dito, o
falado, as canções, os mitos, as estórias e costumes que antes possuíam um caráter
oral se fazem registrar, tornando-se documentos/monumentos (LE GOFF, 2006).
Para o homem a memória dos fatos é de suma importância, por isso a história ganha
um suporte importantíssimo – o livro, como um arcabouço de informações grandioso
capaz de tornar a memória da humanidade sempre revitalizada. A cada palavra,
texto e páginas viradas um saber, uma receita, um tesouro... Uma aprendizagem.
A história da escrita investigada por Burke (1992) apresenta em seus estudos
personagens da história que desenvolveram seus conhecimentos e confrontos
culturais ideológicos a partir da leitura dos livros, em bibliotecas e acervos, ou até
mesmo em encontros literários. A exemplo podemos citar a obra de Ginzburg (2007)
“O queijo e os vermes”, em que descreve Menocchio, um moleiro, humilde da cidade
de Friuli, no século XVI, em plena época da Inquisição, que foi acusado de heresia,
pois ninguém sabe como teve acesso a uma grande quantidade de leituras, entre
narrativas bíblicas, crônicas e livros de viagens, leituras essas que só poderiam ser
encontradas em bibliotecas da burguesia. Ele – Menocchio - “leu de um modo
agressivo, transformando os conteúdos do material à sua
disposição em uma visão radicalmente não-cristã do mundo”
(BURKE, 1992, p. 201). Assim, percebemos o quanto o homem
e a sociedade podem organizar seus pensamentos e
posicionamentos sociais com a ajuda da leitura, no caso os
livros como memórias/documentos.

O livro do jeito que nós conhecemos, impresso em Fig. 30 - Johann


Gutenberg. Google
papel, apareceu no século XV, quando Johann Gutenberg Imagens

incentivou a prensa de tipos móveis; essa invenção foi uma verdadeira revolução
(BELO, 2008). Pelo fato de ser mais barato, muitas pessoas tiveram acesso ao livro
impresso em todas as partes do mundo. O livro popularizado modificou a educação,
democratizou a informação e o conhecimento; o livro abalou o status quo da Idade
Média, devido à acessibilidade do povo a algumas leituras, possibilitando
conhecimento e indagações políticas e sociais.
O Corpo Escrito e Visto:
reflexões a partir de livros didáticos das séries iniciais
46

Fig. 31 – Primeiros
impressos nas
máquinas de prensa
inventadas por
Gutenberg. Google
Imagens

Há mais ou menos um milhão de anos os homens vem deixando marcas de


sua existência pelo mundo. Desde os primórdios da humanidade desenhava,
rabiscava e descrevia em gravuras cenas de seu cotidiano, também chamadas “arte
rupestre”, as imagens
registradas nas paredes
rochosas das cavernas e
peles de animais. Assim, a
história do homem começa
a ser contada, inicia a
grande história da escrita
até o surgimento dos livros.
Naturalmente a forma que
os livros assumiram
dependia dos materiais e
dos instrumentos que cada
Fig. 32 – Pintura Rupestre, Serra da Capivara – Piauí/BR. Google Imagens
povo tinha à sua disposição
(BELO, 2008). Quando se escrevia sobre barro, madeira, metal, ossos e bambú,
materiais rígidos, que não podiam ser dobrados, os livros eram feitos de lâminas ou
placas separadas; os materiais flexíveis, como tecido, papiro, couro, entrecasca de
árvore e finalmente papel, permitiram outras soluções, como as dobras e rolos.
Gombrich (1999) apresenta um pouco da trajetória da escrita e da
constituição do livro pelo mundo em sua obra “A história da arte”. Os primeiros livros
feitos pelo homem há cinco mil anos, eram de barro, na forma de pequenas lajotas.
Formavam coleções de documentos, como testamentos, contas e cartas. Na região
O Corpo Escrito e Visto:
reflexões a partir de livros didáticos das séries iniciais
47

da Mesopotâmia foram encontrados muitos exemplares desses documentos escritos


em meio aos achados arqueológicos; nesta região do Oriente, foram encontrados os
primeiros livros, que possuíam formatos
diferenciados (ovais, quadrados, retangulares e
até redondos), as placas eram numeradas para
facilitar a consulta e guardadas em prateleiras;
os povos responsáveis por esses livros foram os
sumérios. Os egípcios, povo vizinho dos
sumérios, escreveram seus livros sobre papiros;
as folhas de papiro emendadas formavam rolos
que chegavam a ter até vinte metros de
comprimento, o título do livro aparecia
naturalmente no final. A maior biblioteca da
antiguidade foi a de Alexandria, que chegou a
ter setecentos mil livros, sob a forma de rolos de
papiro (GOMBRICH, 1999).
Na Índia, em que as palmeiras são
comuns, os livros eram feitos das folhas das
Fig. 33 – A Grammaire égyptienne de
Champollion, da qual se reproduz aqui uma
plantas; as folhas eram cozidas em leite, página, foi publicada entre 1836 e 1841
(SILIOTTI, 2006, p. 79)
secadas e depois escritas com instrumentos
pontiagudos; logo depois, passava-se fuligem sobre as folhas para que a escrita
ficasse mais nítida. Antes da chegada de Colombo à América, os Maias e os
Astecas utilizavam entre - cascas das árvores ou peles de cervos (papel amate e de
agave), um material macio que produzia uma espécie de livro em forma de sanfonas
e neles escreviam e pintavam seus pictogrifos (GRUZINSKI, 2003). Na China
produziam-se livros em tecido, o mais utilizado foi a seda, que eram guardados sob
a forma de rolos; houve também a utilização de tecidos como formas de guardar os
registros escritos enrolados nas múmias.
Há dois mil anos, apareceram em Roma livros semelhantes aos que temos
hoje: com páginas costuradas, feitos de madeira enceradas, tornavam-se muito
pesados e raramente possuíam mais de dez páginas. Os romanos escreviam neles
seus rascunhos, já que suas páginas enceradas permitiam a correção e o
reaproveitamento; quando os originais ficavam prontos, passavam o texto a limpo
sobre papiros. A invenção do pergaminho causou grande progresso na fabricação
O Corpo Escrito e Visto:
reflexões a partir de livros didáticos das séries iniciais
48

dos livros, apesar de ser um material caríssimo (devido a sua matéria-prima: peles
de carneiro); resultava em um livro maleável e com tamanho adequado para guardar
em estantes (BURKE, 1992).
Na Idade Média poucos sabiam ler e escrever, já os monges liam e escreviam
e também copiavam os livros um a um, letra por letra. Aliás, os monges tinham que
ter a mesma caligrafia, para que um pedaço de livro não ficasse diferente do outro;
esses livros recebiam ilustrações muito ricas e coloridas. Levavam, por isso, muito
tempo para serem feitos (LE GOFF, 2006). Quando Gutemberg inventou a imprensa
de tipos móveis, por volta de 1440, já existiam outros processos de impressão. No
Japão há registros de que no ano de 700 houve uma grande impressão de uma
oração budista para ser distribuída a população. Os chineses conheciam o papel
desde o primeiro século da era cristã; mil anos antes de Gutemberg já se faziam na
China livros impressos em papel.
Mas foi a invenção de Gutemberg que realmente abriu o caminho para a
popularização do livro, para o desenvolvimento da imprensa e para a
democratização da educação. O livro tem sido durante os últimos séculos o
instrumento mais importante do desenvolvimento intelectual e espiritual do homem e
da sua possibilidade de aprender e progredir; por meio do livro viajamos para o
passado e para o futuro, conhecemos o pensamento e a fantasia de outras pessoas
e culturas, aprendemos por meio dos livros a conhecer a ciência, a apreciar a arte e
avaliar o que é valorativo para a constituição de nosso saber. De fato, pelo seu
tamanho e formato, o livro pode ser transportado para muitos lugares e nos
transportar para o mundo do saber a qualquer momento. Estamos atravessando
atualmente um período de novas revoluções tecnológicas, podendo ser maior que a
de Gutemberg, em que notebooks, laptops, pendrives, i-pod, MP-9 e outros
mecanismos tendem substituir o livro (STEPHANOU; BASTOS, 2005). A meu ver, no
entanto só ele possui a materialidade do imaginário e do conhecimento
sistematizados pelo homem.
Os regimentos mandavam que as aulas do Colégio Pedro II começassem
no primeiro dia útil de abril e que o período letivo durasse até 15 de
novembro. [...] Nas primeiras horas da segunda-feira fomos conduzidos à
Biblioteca do Colégio para o cerimonial de receber livros. [...] não riscá-los,
não sujá-los, ... porque frágeis como são assim de papel, papelão e tinta
cola – vão durar mais que eu [...] são meus e não são meus (NAVA apud
BENCOSTTA, 2007, p. 79).
O Corpo Escrito e Visto:
reflexões a partir de livros didáticos das séries iniciais
49

E o tempo passou. Com ele a necessidade do homem de conhecer e


aprender mais, porém é nas escolas que o saber deveria ser transmitido e
assimilado e onde surge a relação entre professor e livros didáticos. Os alunos ainda
eram sujeito receptores que ocupavam os longínquos corredores e enormes salas
de aula dos grandes templos dos Colégios ou Grupos Escolares, com arquiteturas
monumentais, que expressavam imponência e grandiosidade, em meados do século
XVII (BENCOSTTA, 2007). Surge então a necessidade de organizar as bibliotecas,
acervos incomparáveis para garantir suporte aos estudos e pesquisas
complementares de alunos e professores. Eis que os primeiros livros de instrução e
lições de coisas são reproduzidos como manuais de estudo, para que os alunos
pudessem acompanhar os estudos do Colégio (saindo de aulas particulares e
tornando-se um estudo coletivo), onde o professor era o detentor do saber
acumulado durante as gerações.
Surgem os primeiros livros didáticos como “manuais” e “guias metodológicos”
ou até mesmo como dispositivos para a “organização do ensino/séries”. Na verdade,
a história da cultura escolar, bem como a história da leitura e do livro escolar, se dá
em meio à grandes revoluções (industriais e da impressa) movidas pelos interesses
capitalistas de cidades européias e a ascensão da aristocracia (STEPHANOU;
BASTOS, 2005). Também devemos considerar o crescimento do público leitor, que
provocou a inserção do livro nas escolas, iniciando nos colégios religiosos e em
seguida chegando aos colégios públicos.
Esse movimento colegial que o mundo atravessou deu condições para um
crescimento avassalador de material escolar (em especial o livro didático), cadernos,
instrumentos de escrita (nanquim, lápis e ponteiras), brochuras, pastas e carteiras.
Os primeiros livros didáticos da escola brasileira foram publicados pela Impressa
Régia (depois conhecida como Impressa Nacional) por volta de 1810; até então
esses livros eram importados, principalmente de Portugal, pois havia interesse em
construir uma sociedade européia na América. Os livros didáticos tinham formato de
manuais de instrução,com textos, frases e muitas figuras para provocar o interesse
do aluno pelo visual do livro; os primeiros livros eram de linguística (gramática,
literatura, ortografia e caligrafia) e depois chegaram as tabuadas para o ensino das
operações matemáticas ( BITTENCOURT, 2008).
Ficou evidente para as autoridades governamentais que não seria suficiente
definir normas para a confecção do livro didático. Os administradores
públicos deveriam permanecer vigilantes quanto à adoção das obras
O Corpo Escrito e Visto:
reflexões a partir de livros didáticos das séries iniciais
50

“adequadas” à idade e ao público escolar. Os livros eram fundamentais


porque evitariam que professores usassem quaisquer textos impressos ou
mesmo manuscritos que poderiam tratar de assuntos “subversivos” aos
desígnos educacionais, além de causarem problemas metodológicos
(BITTENCOURT, 2008, p. 53)

Os Grupos Escolares organizam o ensino simultâneo (vários alunos


recebendo os ensinamentos juntos – hoje a sala de aula), desenvolvendo-se um
processo individual em que cada
aluno deveria possuir seu
material escolar, pois todos os
alunos realizavam as atividades
simultaneamente. O mercado
procura adaptar-se a essa nova
fase das escolas ampliando a
oferta de produtos como
cadernos, mapas, formas
geométricas, laboratórios,
contadores e cartazes Fig. 34 – Em 1869, havia uma escola primária para 541
crianças livres, em idade escolar (6 a 15 anos). Em 1876
(STEPHANOU; BASTOS, 2005). O havia uma para 314 crianças, nas mesmas condições.
http://www.unicamp.br/iel/memoria/Ensaios/LiteraturaInfantil/
livro ganhou uma enorme projeção e contedu.htm

novas editoras interessavam-se


cada vez mais na publicação de exemplares envolventes e interessantes.
Inicia-se então uma preocupação com a materialidade dos livros, capa
cartonada, espessura, tipo de papel, cor e imagens, tudo para adaptar às novas
exigências do mercado educacional.
As livrarias eram muitas. No ano de 1854, no Rio de Janeiro, a Livraria
Francisco Alves ganhou mercado, pois vendia livros brasileiros e importados e iniciou
um processo de abertura de filiais em vários estados, chegando até a ser conhecida
como “O Rei dos Livros” (STEPHANOU; BASTOS, 2005). Entre as editoras, a que
mais popularizou o livro didático nas escolas foi a FTD (sigla em homenagem a Frère
Theophane Durand). Seus livros foram de grande sucesso entre as escolas e as
livrarias; com o tempo, a Livraria Francisco Alves começou a editá-los, ganhando o
prestígio da sociedade e do Estado. Assim, as escolas públicas começaram a adotar
os livros da FTD, como forma de regularização e organização do currículo escolar, já
que possuía distribuição em todo o território nacional.
O Corpo Escrito e Visto:
reflexões a partir de livros didáticos das séries iniciais
51

Com o tempo as cartilhas do jardim de infância ganharam novas formas e as


figuras ganhavam mais espaço na editoração das obras. Houve um momento em
que o livro didático passou a ser instrumento de controle cívico e moral e a Igreja
também passou a questionar algumas publicações por volta de 1902. Foi então que
o Estado determinou que “os livros de leitura deveriam ser destinados ao uso dos
alunos, retrinção que, de saída, eximia os governos de fornecer livros didáticos de
outras disciplinas, às quais ficariam a cargo da palavra do professor” (STEPHANOU;
BASTOS, 2005, p. 107), fazendo com que os alunos apenas lessem, decorassem e
repetissem normas gramaticais, símbolos nacionais e regras cívicas. Passado o
período de controle editorial dos conteúdos, os livros didáticos ganharam novamente
uma abertura com publicações diversificadas, de acordo com a exigência das novas
culturas e realidades educacionais, surgindo para as outras disciplinas,
principalmente matemática e história. Os livros de ciências aparecem como cartilhas
de controle sanitarista da higiene e das boas maneiras, um meio de controlar e
conscientizar os hábitos e atitudes para uma vida saudável.
Compreende-se, que a história dos livros e dos livros didáticos, poderá nos
indicar caminhos didáticos, pois precisamos constituir uma sociedade mais crítica e
fundamentada cientificamente nas leituras e representações de um tempo com
constantes mudanças sociais, econômicas, culturais e políticas. Assim, destacamos
a importância dos livros didáticos dentro do espaço escolar, porém, como suportes
pedagógicos e não como sustentadores de ideologias e pensamentos hegemônicos;
pensamos em um trabalho voltado para o progresso e o desenvolvimento intelectual
do sujeito, promovendo políticas de ação educativas que proporcionem tal
progressão.

3.3.1- Os Livros Didáticos no Brasil


O Brasil comemora todos os anos no dia 27 de Fevereiro, o Dia Nacional do
Livro Didático. O Ministério da Educação distribuiu cerca de 120 milhões de obras,
entre livros didáticos e dicionários, para todos os alunos, inclusive os de educação
especial, da rede pública fundamental de todo o País, de acordo com os dados
apresentados no portal do MEC em 12/07/2010. Até os livros didáticos, os
dicionários, as obras literárias e os livros em braile tornarem-se companheiros dos
alunos e dos professores das escolas públicas brasileiras, foram percorridos um
longo caminho.
O Corpo Escrito e Visto:
reflexões a partir de livros didáticos das séries iniciais
52

São mais de 80 anos de história, com períodos de lentidão e marasmo, que


deram lugar a cronogramas, definição de recursos, cuidados com a qualidade,
adesão dos professores, enfim, a um conjunto de ações que levou ao sucesso atual
do Programa Nacional do Livro Didático do Ministério da Educação (PNLD/MEC).
Essa trajetória tem início em 1929, com a criação do Instituto Nacional do Livro (INL)
que, de imediato, não saiu do papel. Só em 1934, quando Gustavo Capanema torna-
se ministro da Educação do governo do presidente Getúlio Vargas, o INL recebe
suas primeiras atribuições: a edição de obras literárias para a formação cultural da
população, a elaboração de uma enciclopédia e de um dicionário nacionais e a
expansão do número de bibliotecas públicas. Em 1938, o livro didático entra na
pauta do governo. O Decreto-Lei nº 1.006/38 institui a Comissão Nacional do Livro
Didático para tratar da produção, do controle e da circulação dessas obras
(FREITAG; COSTA; MOTTA, 1993).
Essa medida permaneceria incompreensível, se analisada isoladamente.
Reexaminada à luz da política educacional do Estado Novo e das funções
dessa política para a estabilização da ditadura Vargas, a Comissão e sua
forma de atuar passam a ter sentido. A criação da comissão insere-se em
um rol de medidas visando a reestruturação e o controle ideológico de todo
sistema educacional brasileiro (FREITAG; COSTA; MOTTA, 1993, p. 24).

Passados 11 anos (1934/1945), quando Gustavo Capanema deixa o MEC,


não estavam concluídos o dicionário nem a enciclopédia, mas as bibliotecas
cresceram para além do Rio de Janeiro e de São Paulo, graças à oferta de acervo
oferecido pelo Governo Federal. Das inúmeras formas experimentadas pelos
governantes para levar o livro didático à escola durante 67 anos (1929/1996), só
com a extinção da Fundação de Assistência ao Estudante (FAE), em 1997, e com a
transferência da política de execução do PNLD para o Fundo Nacional de
Desenvolvimento da Educação (FNDE) é que começam sua produção e distribuição
de forma contínua e massiva.
Com a transferência da política de execução do PNLD para o Fundo Nacional
de Desenvolvimento da Educação (FNDE) é que começam sua produção e
distribuição de forma contínua e massiva.
Todos os estudantes do ensino fundamental passam a receber livros didáticos
de todas as disciplinas. A partir daí, o programa deslancha. Em 2001, começa a
distribuição de dicionários de Língua Portuguesa para os alunos de 1ª a 4ª séries do
ensino fundamental e de livros em braile para os alunos cegos (FRACALANZA;
NETO, 2006). No ano seguinte, os alunos de 4ª e 5ª séries passam a receber a
O Corpo Escrito e Visto:
reflexões a partir de livros didáticos das séries iniciais
53

coleção Literatura em Minha Casa. Em 2003, dicionários são entregues aos alunos
da 1ª, 7ª e 8ª séries. Em 2004, o Ministério da Educação cria o Programa Nacional
do Livro para o Ensino Médio (PNLEM), para distribuir, livros de Matemática e de
Português para todos os alunos matriculados na 1ª série do ensino médio das
escolas públicas.
O governo federal executa três programas voltados ao livro didático: o
Programa Nacional do Livro Didático (PNLD), o Programa Nacional do Livro Didático
para o Ensino Médio (PNLEM) e o Programa Nacional do Livro Didático para a
Alfabetização de Jovens e Adultos (PNLA). Seu objetivo é prover as escolas das
redes federal, estadual e municipal e as entidades parceiras do programa Brasil
Alfabetizado com obras didáticas de qualidade.
Os livros didáticos são distribuídos gratuitamente para os alunos de todas as
séries da educação básica da rede pública e para os matriculados em classes do
programa Brasil Alfabetizado. Também são beneficiados, por meio do programa do
livro didático em braille, os estudantes cegos ou com deficiência visual, os alunos
das escolas de educação especial públicas e das instituições privadas definidas pelo
censo escolar como comunitárias e filantrópicas. Cada aluno do ensino fundamental
tem direito a um exemplar das disciplinas de língua portuguesa, matemática,
ciências, história e geografia, que serão estudadas durante o ano letivo
(FRACALANZA; NETO, 2006).
A definição do quantitativo de exemplares a ser adquirido para as escolas
estaduais, municipais e do Distrito Federal é feita com base no censo escolar
realizado anualmente pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais
Anísio Teixeira (Inep/MEC), que serve de parâmetro para todas as ações do Fundo
Nacional para o Desenvolvimento da Educação Básica – FUNDEB. Os resultados
do processo de escolha são publicados no Diário Oficial da União, para
conhecimento dos estados e municípios. Em caso de desconformidade, os estados
e municípios podem solicitar alterações, desde que devidamente comprovada à
ocorrência de erro. Todos os programas de livros didáticos são mantidos pelo
FUNDEB com recursos financeiros do Orçamento Geral da União, sendo a maior
parte da arrecadação do salário-educação.
Hoje o livro didático possui uma importância no cenário da educação, aqui
compreendida em termos históricos, através da relação entre este material educativo
e as práticas construtivas da escola e do ensino escolar. Esta importância é
O Corpo Escrito e Visto:
reflexões a partir de livros didáticos das séries iniciais
54

atestada, entre outros fatores, pelo debate em torno da sua função na


democratização de saberes socialmente legitimados e relacionados a diferentes
campos de conhecimento, pela polêmica acerca do seu papel como estruturador da
atividade docente, pelos interesses econômicos em torno da sua produção e
comercialização e pelos investimentos de governos em programas de avaliação e
adequação do livro didático, como o Plano Nacional do Livro Didático (PNLD) e os
Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN).
Os livros didáticos ao logo dos tempos também sofreram com as políticas
curriculares e as práticas educativas, podemos perceber que seus conteúdos,
formas e uso pelos professores e educandos variam de acordo com tempo e espaço
a serem utilizados.
Enfim, buscamos destacar um caráter valorativo, ao pensar os livros didáticos
como artefatos curriculares. A aprendizagem dialogada e o construir da linguagem
(seja escrita ou falada) perpassam por um pensamento crítico de acordo com
Bakhtin (2004), pois, a literatura é um forte campo da singularidade social, relatando
e identificando o indivíduo em seu meio.
Levantamos a questão da cultura como sistema de significados inter-
relacionados e o saber popular que constitui-se de um conjunto de elementos para a
valorização desse homem como sujeito de sua dinâmica social e cultural, tendo em
vista as transformações humanas e sua co-participação no processo de
engrandecimento das rupturas dos sentidos mais remotos e vagos no caminhar para
o multiculturalismo da sociedade globalizada em que hoje estamos inseridos.
Sendo assim, buscamos destacar o valor de uma nova educação escolar, em
que o currículo incorpore parâmetros singulares e significativos da cultura e seus
saberes. Silva (2004, p.139) diz que,
Agora a equiparação está completa: através dessa perspectiva, ao mesmo
tempo em que a cultura em geral é vista como uma pedagogia, a pedagogia
é vista como uma forma cultural: o cultural torna-se pedagógico e a
pedagogia torna-se cultural.

O autor nos leva a crer, que a pedagogia como ciência da educação está
articulada ao conhecimento cultural da sociedade e vislumbra o fazer dinâmico
desse indivíduo.
Ao valorizarmos o encontro da educação com a cultura do educando, no
refletir e aplicar conhecimentos a partir dos livros didáticos, tornamos o trabalho
enriquecedor no que se refere ao aprendizado do educando, bem como, ao
O Corpo Escrito e Visto:
reflexões a partir de livros didáticos das séries iniciais
55

envolvimento dos sujeitos em um processo de constante aprendizado para o cuidar


do meio ambiente, da saúde, da cultura, da ética e das relações com o saber. Por
isso os PCN (BRASIL, 1997a) destacam o interesse em uma educação escolar
diversificada, contextualizada e interdisciplinar.
Devemos propor situações e travessias de valores mais acessíveis, para
reforçar e repensar o fazer pedagógico dentro de uma sociedade sucumbida por
valores ainda obscuros, já que o real valor está no "fazer" e no "saber"; afinal, o
homem desenvolve aquilo que aprende, fazendo florescer os pensamentos de uma
sociedade crítica e distante de uma situação oprimida, de acordo com Freire (2006).
De tudo aqui exposto, fica a mensagem “o livro didático chegou para ficar”, e
neste sentido, precisa ser avaliado, analisado, ampliado, melhorado e atualizado
constantemente, incorporando a reflexão de uma prática dinâmica, interdisciplinar e
contextualizada para o educando.
O Corpo Escrito e Visto:
reflexões a partir de livros didáticos das séries iniciais
56
O Corpo Escrito e Visto:
reflexões a partir de livros didáticos das séries iniciais
57

4.1- Arqueologia da educação em saúde

A análise histórico-crítica da educação em saúde no Brasil apresentada na


literatura demonstra que, desde o século XIX, a medicalização da vida social
vinculava-se a um controle do Estado sobre os indivíduos, no sentido de manter e
ampliar a hegemonia da classe dominante. Tal orientação foi reforçada pelas
descobertas bacteriológicas, reduzindo a doença a uma relação de causa e efeito de
ordem estritamente biológica. Não eram consideradas, no seu contexto, a questão
social nem o processo histórico de sua origem e manutenção (LIMA, 1985).
Data da década de 1920 a criação da cátedra de higiene na Faculdade de
Medicina do Rio de Janeiro . Também na mesma década, como aponta Lima (1985),
houve o deslocamento da ação da polícia médica para a educação sanitária, através
do modelo norte-americano. Antes disso, a questão da saúde na escola elementar
era focalizada, no contexto da higiene escolar, de modo incipiente na segunda
metade do século XIX, tornando-se institucionalizada, a partir da primeira década do
século XX, em alguns estados brasileiros.
A visão positivista subjacente era de que a educação poderia corrigir, através
da higiene, a ignorância familiar que comprometia a saúde da criança, e de que a
saúde individual era a base da estabilidade e segurança da nação. A escola não
seria apenas o espaço de ensino, mas um agente terapêutico, recaindo sobre o
professor a tarefa de transformar o mundo (LIMA, 1985).
Na década de 1940, a ênfase recaiu sobre a educação rural, visando educar o
homem do campo para garantir o aumento da produção pelas novas técnicas e
máquinas agrícolas. “Devido ao interesse econômico decorrente do incremento à
produção da borracha na Amazônia, passou-se a incentivar a prática da educação
em saúde, como forma de diminuir os riscos das doenças e atrair trabalhadores para
esta área” (SABÓIA, 2003, p. 61).
Segundo Melo (1987), entre as décadas de 1950 e 1960, houve um período
áureo da educação sanitária no Brasil que articulava a saúde e a educação,
integradas nas propostas das políticas oficiais. Isto resultou em avanços
institucionais significativos em diversos campos, como a valorização da higiene
mental, a implantação das escolas maternais, creches e parques infantis, dentre
outros. Entretanto, todo este movimento se pautava por uma ideologia
O Corpo Escrito e Visto:
reflexões a partir de livros didáticos das séries iniciais
58

modernizadora, encaminhando a hegemonia da burguesia industrial no domínio


estrutural da sociedade (LUZ, 1981).
A pedagogia da saúde, de cunho modernizador, tinha por meta remover os
obstáculos (culturais e psicossociais) às inovações tecnológicas de controle às
doenças (CANESQUI, 1984). A perspectiva de participação da comunidade nos
processos de educação em saúde, da década de 1960, visava mobilizar as
populações a cooperarem com os agentes de saúde e os serviços de saúde
inaugurados nas zonas rurais e periferias urbanas. Entretanto, a centralização
administrativa da política nacional de saúde ainda era dominante (CANESQUI,
1984), e assim permanece até recentemente.
Dentro dessa perspectiva, por conseguinte, as práticas educativas em saúde,
além de prescreverem normas gerais de higiene e profilaxia respaldadas pelo
conhecimento científico, exercem um controle sobre os corpos individuais e
um esquadrinhamento dos espaços urbanos; um exemplo é a atual
fiscalização dos domicílios exercida pelos agentes sanitários no combate a
dengue (GAZZINELLI; REIS; MARQUES, 2006, p. 21)

Durante os anos da década de 1970, após sucessivas reformas na área da


política de saúde, a pedagogia de Paulo Freire era assimilada nas ações de saúde,
embora não incorporada no contexto geral do país. Segundo Canesqui (1984),
Encontrando seus limites, esta pedagogia se reformulou, indo de encontro á
saúde popular nas formas organizadas do movimento popular e às metas
gerais das camadas trabalhadoras, sem desprezo por suas condições de
vida e saúde (p.85).

Esses movimentos, comprometidos com as necessidades e possibilidades


das classes populares, encaminharam uma nova articulação entre a educação e a
saúde, onde, em paralelo à causalidade biológica, são consideradas as condições
de vida e trabalho como fatores predisponentes essenciais. Percebemos também o
crescente debate no campo da educação em saúde hoje, no que se refere a
qualidade de vida do indivíduo, quanto o meio em que vive, suas relações culturais e
saberes, por meio de seus recursos naturais e diversidade, incluindo os tratamentos
fitoterápicos, as benzendeiras e parteiras, comuns a região Amazônica, para que
possam entender a relação do homem com a natureza e preservação para
disseminar um senso de responsabilidade às questões do meio ambiente que
fornece ao indivíduo suportes para uma qualidade de vida atrelada a biodiversidade
do planeta (FONSECA apud OLIVEIRA; TEIXEIRA, 2004).
Considerando o exposto, podemos sintetizar tal trajetória conceitual em dois
grandes eixos e “falas” de uma educação em saúde-doença higienista-sanitária
O Corpo Escrito e Visto:
reflexões a partir de livros didáticos das séries iniciais
59

(para representar as ações desenvolvidas com base estritamente biológicas), e uma


outra sócio-ambiental (para representar as práticas que levam em conta as
condições de vida das pessoas).

4.2- A Prática da educação em saúde nas Escolas

Partimos do debate que inicia no


século XIX, em que a medicina
envolvesse com a escola, para promulgar
uma vida saudável, isto é, sem doenças,
até porque naquele momento ser saudável
era uma condição de não ter doença
alguma, com isso, as campanhas contra
as viroses e epidemias estendiam-se
grandiosamente às escolas,
principalmente de áreas periféricas, onde
a falta de saneamento contribuía para falta
de “saúde” da população.
Nos estudos de Stephanou; Bastos
(2005) até mesmo os professores eram
submetidos a exames de rotina no
combate às doenças, as crianças
deveriam ter as vacinas e exames
periódicos atualizados constatemente e
apresentá-los nas matrículas.
Com o constante crescimento das
áreas urbanas, já no início do século XX, o
governo criou a Faculdade de Medicina e

Cirurgia em 1913 e o Instituto de Higiene


Fig. 35 – Educadoras sanitárias em ação nos grupos
em 1918 “para discutir, propagar e escolares paulistanos “Prudente de Morais” e “Regente
Feijó”, 1925 (VASCONCELLOS, 1995, p. 39)
implementar novas concepções sobre
higiene, saúde, trabalho e educação, com base em dispositivos técnicos-
racionalizadores” (VASCONCELLOS, 1995, p. 29)
O Corpo Escrito e Visto:
reflexões a partir de livros didáticos das séries iniciais
60

A partir de então as atividades médicas e do Instituto de Higiene


desenvolveram nas escolas e fábricas um trabalho incansável acerca da nutrição,
atitudes e hábitos de higiene, qualidade da água e saneamento básico. Com isso os
higienistas do Instituto desencadearam um intenso exercício com os inspetores,
normalistas, administradores escolares, famílias e educandos para tentar amenizar
os problemas causados pela falta de higiene, “pois acreditavam que a higiene era
antes de tudo uma questão de educação” (VASCONCELLOS, 1995, p. 38)
A educação em saúde se tornou obrigatória nas escolas brasileiras de 1o e 2o
graus pelo Artigo 7 da lei 5.692/71, com o objetivo de estimular o conhecimento e a
prática da saúde básica e da higiene. A própria operacionalização da lei, através do
parecer 2.264/74 (MELO, 1987), estabelece que a aprendizagem deve se processar,
prioritariamente, através de ações e não de explanações, o que não se efetivou de
fato.
Exceção feita a alguns grupos de pesquisa e escolas, a prática cotidiana da
grande maioria das atividades escolares nestas áreas não produz resultados
animadores. Tal situação pode ser atribuída a um conjunto de fatores, direta ou
indiretamente, relacionados ao ambiente escolar. Cumpre sublinhar que tal quadro
não é exclusivo dos temas aqui discutidos; antes, associa-se ao crítico panorama da
educação nacional, sendo, ao mesmo tempo, conseqüência e, na parcela que lhe
cabe, origem de tal situação.
A formação do professor nos domínios da educação ambiental e da educação
em saúde é muito deficiente. Claro está que existem gradações nesta falta de
preparo, mas, de maneira geral, podemos verificá-la tanto no professor oriundo das
escolas de formação de professores, a nível de 2o grau, quanto naquele que,
licenciado, atingiu a formação universitária. Quando a formação teórica do docente,
no seu campo de especialidade (ciências biológicas, por exemplo), é de sufiente
qualidade, faltam-lhe conhecimentos teóricos e/ou práticos sobre procedimentos
didáticos ou, ainda que estes sejam de seu domínio, dificuldades se colocam,
impedindo-o de desenvolvê-los na realidade de sua classe. Os professores, via de
regra, não se encontram preparados para organizar atividades de ensino a partir da
análise de uma dada realidade concreta. Estudos de Melo (1987) demonstram a
falta de formação teórica de professores em assuntos relacionados à educação em
saúde.
O Corpo Escrito e Visto:
reflexões a partir de livros didáticos das séries iniciais
61

Parcialmente decorrente da situação acima discutida, temos que o livro


didático deixa de ser mais um entre os recursos didáticos disponíveis ao professor e
passa a assumir o papel de único material presente na classe, sendo o principal
suporte das atividades de sala de aula (MELO, 1987). Freqüentemente, o professor
descarta a licenciatura que cursou e fica com o livro didático. Neste contexto, a
qualidade do livro didático deve ser considerada com muita atenção. Embora sejam
raras as análises de livros didáticos que abordam a saúde, (MELO, 1987)
demonstraram inadequações e incorreções do ponto de vista da metodologia e dos
conteúdos que os compõem. Vem somar-se à falta de excelência do livro didático a
escassez de material de qualidade produzido para divulgação científica, o qual
poderia suprir, com vantagens, a lacuna do livro didático.
Verifica-se, ainda, o regime de trabalho e de remuneração extremamente
desfavoráveis a que está submetida a maioria dos docentes, bem como as
condições físicas desagradáveis, e até mesmo insalubres, a que foi reduzida a
grande maioria das unidades escolares.
Completando o quadro, ressalta-se a breve vida escolar de grande parte da
população brasileira, motivada entre outros fatores pela repetência e evasão escolar.
Desta forma, é deficiente a formação do indivíduo no que diz respeito a conceitos,
processos e comportamentos envolvidos na manutenção ou recuperação da saúde
individual ou coletiva.
A metodologia empregada e os conteúdos desenvolvidos nas atividades de
educação em saúde na escola concorrem grandemente para esta situação. Vários
estudos têm demonstrado que, geralmente, as atividades de educação em saúde na
escola são desenvolvidas com conteúdos ultrapassados; às vezes deturpados;
apresentados de maneira estritamente teórica; desvinculados da realidade e
necessidades dos alunos e inapropriados do ponto de vista da estrutura cognitiva
da faixa etária às quais se destinam (BRASIL, 1997d). A metodologia das aulas, via
de regra, baseia-se na exposição teórica e prescrição de regras que os alunos
seriam compelidos a seguir. Some-se a isto o fato dos conhecimentos transmitidos
basearem-se, quase que unicamente, em informações a respeito da descrição de
agentes etiológicos, no ciclo das zoonoses e na sintomatologia das doenças,
ignorando o desenvolvimento de conteúdos sobre processos e fatores
condicionantes envolvidos na infecção, na doença e nos acidentes. Além disso, o
programa de saúde, paradoxalmente, tem sua ênfase na doença e não na saúde.
O Corpo Escrito e Visto:
reflexões a partir de livros didáticos das séries iniciais
62

Com os PCN (BRASIL, 1997c, p. 36)


As áreas convencionais devem acolher as questões dos Temas Transversais
de forma que seus conteúdos as explicitem e seus objetivos sejam
contemplados. Por exemplo, na área de Ciências Naturais, ao ensinar sobre
o corpo humano, incluem-se os principais órgãos e funções do aparelho
reprodutor masculino e do feminino, relacionando seu amadurecimento às
mudanças no corpo e no comportamento de meninos e meninas durante a
puberdade e respeito as diferenças individuais.
Dessa forma o estudo do corpo humano não se restringe à dimensão
biológica, mas coloca esse conhecimento a serviço da compreensão da
diferença de gênero (conteúdo de Orientação Sexual) e do respeito à
diferença (conteúdo de Ética).

Como resultado, verifica-se que os conhecimentos que são pretensamente


desenvolvidos com os alunos não são traduzidos em comportamentos, seja por falta
de condições de internalização dos conteúdos ou porque estes não possuem
significado para a realidade do estudante. Assim devemos refletir também acerca do
tema transversal saúde, em que o corpo é conteúdo de acordo com os PCN
(BRASIL, 1997d) e deve ser apresentado como forma de organização biológica,
orgânica e sócio-cultural, entendendo o corpo como um sistema em constate
mudanças e adaptações às questões culturais e ambientais. Do que trataremos a
seguir

4.3 – Corpo: escrito e visto ao longo do tempo

[...] Nós e nossos corpos feitos de argila e de sangue, feitos de minerais, de


matéria orgânica e também do gesto do amor dos pais e do sopro do
espírito, somos, como o mundo onde vivemos, a Natureza. Os panos com
que nos cobrimos, transformando o algodão ou pelo dos carneiros, a
comida que antes de comermos, semeamos, zelamos, colhemos e
colocamos sobre o fogo que aprendemos a acender, são porções do todo
da natureza transformada não apenas em coisas de utilidade, mas em
seres de sentimento, de sentido, de significado e de sociabilidade. Logo, em
um momento de uma cultura. (BRANDÃO, 2002, p.20)

Refletir sobre a história do corpo requer uma profunda imersão no contexto


que cerca o indivíduo. Se considerarmos que o corpo esteve no interior das
civilizações, tratado desta ou daquela maneira, fruto da concepção de um tempo
histórico, estamos, definitivamente, diante de um tema de infinitas proporções. Na
história do corpo revela-se o universo cultural, religioso, social e econômico do
indivíduo e da sociedade. Contudo, à medida que desconstruirmos a idéia de corpo
subordinado as estruturas sociais, isso implica reconhecer:
O Corpo Escrito e Visto:
reflexões a partir de livros didáticos das séries iniciais
63

Não teremos pretensão aqui que contar a história do corpo desde a criação
do homem por Deus, nem mesmo apresentar os estudos da ciência sobre a
evolução da espécie humana. Conseguir compreender a relação do corpo com as
grandes construções, força, beleza, prazer e exibicionismo em algumas civilizações
antigas (Egito, Grécia, China e Roma), refletir sim, sobre o corpo quanto elemento
social e cultural, para podermos trilhar o estudo, partimos do período histórico-
artístico em que o corpo humano teve grande importância e significação na
sociedade, a Renascença.
Retrataremos a história do corpo a partir da Renascença (séculos XIV e XVI)
até o século XX em que atravessou por diversas concepções ligadas ao sagrado, ao
uso comum dos corpos, a sexualidade, ao esporte, a anatomia, a saúde-doença,
dentre outras, que, obviamente, reflete o olhar da igreja, do artista, do médico, da
nobreza e do homem e que representa, portanto, a condição do corpo num
determinado contexto sócio-cultural datado.

Fig. 36 – A criação de Adão, Capela de Sistina, Roma,


1508 a 1512 (Abril Cultural, 1967, p. 13).

Esse percurso agrega, num primeiro momento, a relação do corpo com a


religião que passa pelo universo da palavra e pelo texto escrito ou a imagem como
referências inquestionáveis que influenciam os comportamentos, propondo modelos
que se impõem aos fiéis que vivem seu corpo em relação com o religioso e o
sagrado.
O Corpo Escrito e Visto:
reflexões a partir de livros didáticos das séries iniciais
64

Se por um lado, “a fé e a devoção ao corpo de Cristo contribuíram para


elevar o corpo a uma alta dignidade” Gélis (2008, p.19) por outro, o corpo humano é
configurado numa imagem pecadora, sobretudo, o corpo feminino que traz uma
representação de pecado carregada de preconceitos. Nesse sentido, é possível
observar, a partir da igreja, que “uma ambigüidade atravessa, pois o discurso cristão
sobre o corpo e as imagens que ele suscita: um duplo movimento de enobrecimento
e de menosprezo [...]” Gélis (2008, p.20).
Todavia, o corpo retratado pela religião encontra em si meios capazes de
assemelhar-se a Cristo, de forma a conquistar a possibilidade de aguardar a
ressurreição (salvação). Esse caminho, constituído de renuncias, doação, auto-
flagelo, simboliza aos olhos de Gélis (2008, p.55) a percepção de um corpo
desmerecedor de algum respeito.
Pellegrin (2008, p.133) reforça a idéia do corpo que não encontra em si,
mas na religião, um lugar no universo, quando a firma que:
Oficialmente desprezado, sistematicamente ocultado, o corpo
particularizado os indivíduos só é glorificado quando faz um todo com
outros corpos e se torna parte de um “verdadeiro” corpo: o corpo-oração, a
comunidade de habitantes, a Igreja que é corpo e Cristo e primeira das três
ordens do Estado [...] o corpo não é para (quase) todos, senão o habitat
temporário de uma alma imortal.

Quando pensamos uma proposta de pesquisa que refere-se à saúde, nos


remetemos simultaneamente ao corpo, uma vez que a saúde ou, o contrário, a
doença só pode materializar-se a partir de um corpo. Corpo esse que traz na sua
constituição simbologias próprias, carregadas de influências que, por certo,
atravessaram séculos.
A influência marcante exercida pela igreja sobre os corpos na antiguidade
também se estendeu aos jovens que representavam, já na antiguidade, a maior
potencialidade de transgressão, assim dita por Matthews-Grieco (2008, p.217):
Ainda que a sexualidade “legítima” fosse teoricamente limitada ao conjugal,
a adolescência não era, necessariamente, um período de abstinência
sexual, nem para os rapazes, nem para as moças [...] os jovens tinham à
sua disposição práticas sexuais variadas que eram toleradas – mais ou
menos segundo o caso, na media em que as atitudes em relação à
experiência sexual em sua idade diferiam de maneira significativa segundo
as classes sociais ou os meios urbanos ou rurais.

Se hoje atribuímos aos jovens a imaturidade, a irresponsabilidade, o


desrespeito ás normas pré-estabelecidas socialmente como condições que refletem
condutas indesejadas, essa percepção não corresponde um pensar contemporâneo
pois Matthews-Grieco (2008, p.222) aponta que, já nos séculos XV a igreja atribuía
O Corpo Escrito e Visto:
reflexões a partir de livros didáticos das séries iniciais
65

essas mesma atitudes “ao humor pândego da juventude, ao ressentimento dos


jovens em relação a toda autoridade e aos impulsos sexuais indisciplinados de um
corpo capaz de procriar”.
A despeito dessa realidade, a igreja busca meios de controlar esses
corpos, uma vez que as desordens morais e sociais se configuravam como
condicionantes contra a religião.
Tendo como finalidade a transformação dos adolescentes rudes em
guardiões dos costumes públicos e privados, os grupos de juventude
encarnavam e reforçavam coletivamente – e muitas vezes com a
participação dos adultos e superiores – os valores sociais esperados da
maturidade. Nos séculos XV e XVI, tanto nas regiões rurais como urbanas,
os jovens eram agrupados em confrarias religiosas e seculares
(MATTHEWS-GRIECO, 2008, p.223).

Pensar o corpo pressupõe pensar sua sexualidade e a igreja reconhece


essa relação quando procura “salvaguardar” os jovens de iniciações e experiências
“indesejadas”. Contudo é preciso contextualizar esse período no qual as próprias
condições materiais levavam a convivências sexuais precoces já que as camas eram
na maioria das vezes divididas entre pais, filhos e empregados.
É notável como a alma e a razão se sobrepõem ao corpo fazendo-o
parecer a causa maior de toda desgraça humana. Tanto pela ótica da igreja quanto
da medicina os corpos representavam um lugar que deveria receber tratamentos
religiosos ou médicos por conta das suas “anormalidades”. A esse respeito Mattews-
Grieco (2008, p.275) diz o seguinte:
A religião e os poderes seculares mobilizaram-se periodicamente para
reformar um corpo social culpado de pecados “contra a natureza” [...] a
medicalização da sexualidade – em expansão desde a segunda metade do
século XVII – visava antes de tudo cuidar dos corpos individuais afligidos
pelos efeitos deletérios de práticas consideradas doentias.

Além dos encontros que visavam educar os corpos para resguardar a


moralidade social, os jogos também representaram nos séculos XVI, XVII e XVIII
uma forma de conceber o corpo que não destoa do que já foi mencionado até aqui.
Essa forma de relação do corpo com outras possibilidades, segundo
Vigarello (2008, p.303):
[...] traduzem um mundo dominado pelo tempo do trabalho e tempo
religioso, um mundo no qual o lúdico se imiscui, algumas vezes sem
precisão, nos interstícios o trabalho, e também se imiscui, com uma
regularidade totalmente tradicional, desta vez, nas festas do calendário.
Neles o corpo reflete a ação de paixões e de sociabilidades:
convergências, tensões, conflitos, exutórios das exaltações locais, ou
exibições das distinções, as de uma sociedade categorizada, de práticas
socialmente bem confinadas.
O Corpo Escrito e Visto:
reflexões a partir de livros didáticos das séries iniciais
66

À medida que a antiguidade vai-se “desfalecendo” e “emprenhando-se” da


modernidade, outras formas de olhar o corpo vão surgindo. A esse respeito Gélis
(2008, p.123) diz o seguinte:
No domínio das representações do corpo, onde as evoluções são muitas
vezes lentas, mutações são perceptíveis no curso dos séculos modernos.
Às vésperas da Revolução, o homem não vê mais seu corpo com o olhar
que no tempo da Reforma. É que foram modificados a consciência e a
cosmovisão. Para a igreja, é indispensável encontrar processos de
adaptação a essas mudanças [...]. Mas se ela se opõe com certo sucesso
aos progressos da heresia, dificilmente consegue sobrepor-se ao
movimento científico.

Quando outras perspectivas são anunciadas, a maneira de conceber o


corpo também, muito embora não devamos desconsiderar que “entre cultura
eclesiástica e cultura da grande maioria das pessoas existe uma grande fluidez, uma
multiplicidade de passagens. Mas essas passagens, longe de serem pacíficas,
inscrevem-se no quadro de um confronto secular” Gélis (2008, p.123).
Quando mencionamos outras possibilidades do corpo no mundo, isso
implica dizer que “a igreja se viu confrontada, a partir do
século XVI, com um outro desafio” Gélis (2008, p.124),
não mais de aprisionar o corpo a uma concepção divina
que ao mesmo tempo que o divinizava, o satanizava, mas de
lidar com “com os marcos de uma nova visão do mundo com
Copérnico, Kepler, Galileu e depois Nilton, e de uma nova
imagem de corpo com Vesálio”. Gélis (2008, p.124),
Se as mentalidades evoluíram, a exemplo dos
“achados” dos cientistas acima mencionados, isso implica
dizer que “a ampliação dos horizontes do mundo vai de par
com o aprofundamento das interrogações do ser
humano a respeito do corpo” Gélis (2008, p.124).
Fig. 37 – O Discóbolo de Mirón, sec. V
aC, sínbolo dos jogos olímpicos e da
Considerando que a alma e a razão se beleza corporal.
http://devirfotografia.blogspot.com.html
sobrepunham ao corpo, isso implica dizer que os
jogos também tinham uma função de garantir a
este menor possibilidades de excessos já que “nos jogos o corpo também reflete
uma visão particular do orgânico: o movimento físico ajudaria a evacuar as “partes
internas”, expulsando os humores cuja estagnação seria um perigo” Vigarello (2008,
p.303).
O Corpo Escrito e Visto:
reflexões a partir de livros didáticos das séries iniciais
67

Todavia, o jogo mesmo representando uma possibilidade de expurgação


para o corpo, de uma atividade benéfica, também pode levar o indivíduo a outros
rumos não tão desejáveis já que, representa também o caminho da diversão, do
prazer, que vão de encontro a todos os preceitos da religião desse período, ou seja,
de encontro à condição divina do humano.
Se os jogos se fazem existir pela presença humana, ou seja, de um corpo,
isso implica afirmar também que a saúde possui conexões com estes. Vigarello
(2008, p.367) ressalta que:
Além do prazer dos jogos, é impossível ignorar a vertente voluntariamente
sanitária do exercício, está prática da qual o autor espera um efeito sobre o
corpo: saúde consolidada, órgãos reforçados. Não que todo jogador seja
sensível a esta expectativa: o resultado está muito distante para ser um
atrativo do jogo. Ele é suficientemente reconhecido, porém, para fundar
desde sempre uma certeza, a de um ganho em vigor e em saúde obtido
pelo movimento repetido: “diremos que ele é próprio para conservar a
saúde”.

A saúde, aqui representada como resultante da relação dos corpos com


os jogos, movimenta-se na direção do divino, já que corpo são implica em mente e
espírito são.
Courtine (2008, p. 404-405) se referindo ao corpo como espelho da alma
remete-nos a olhar a tradição fisiognomônica, que embora questionada, teve sua
fluidez entre os séculos XVI e XVIII. Decifrar a linguagem do corpo foi o papel a que
essa ciência se prestou ao longo da sua trajetória. Ela enquanto ciência:
[...] promove normas corporais, estabelece uma definição “média” da
fisionomia, descobre na proporção do tipo ideal de beleza,empurrada para
as margens do olhar distorções, deformações, monstruosidades. Ela
prescreve técnicas do corpo, legitima habitus, reprova e sanciona algumas
práticas. Ela responde, aliás, a um desejo de transparência individual e
social e pretende assegurar identidades e intenções quando a percepção
delas fica enturvada. [...] Ela participa ainda na construção das
discriminações sociais e das diferenciações sexuais no campo do olhar. Os
olhares que a fisiognomonia lança sobre o corpo constroem portanto uma
imagem, uma memória, usos do corpo.

Não diferente da igreja medieval, esta ciência também se propõe a


controlar o corpo, a identificá-lo, sem escapar, obviamente, a própria condição
história a que se inscreveu, já que “as percepções dos sinais no corpo se deslocam,
as sensibilidades à expressão individual se complexificam, a leitura da aparência
humana se transforma” Courtine (2008, p.405).
Na história do corpo, saúde e doença também são elementos constitutivos
do seu processo e nos remete a medicina, tanto tradicional quanto a popular.
O Corpo Escrito e Visto:
reflexões a partir de livros didáticos das séries iniciais
68

Segundo Vigarello (2008, p. 443), antes do advento da modernidade:


A vida integral do corpo era concebida pela medicina grega da mesma
maneira que a concebeu mais tarde o pensamento popular: importância
dos ritmos naturais do desenvolvimento e da mudança, importância dos
principais fluídos contidos no invólucro da pele, uns e outros ajustando o
equilíbrio entre a saúde e a doença. [...] Não é aberrante fazer do “estado”
dos fluidos, indícios do “estado” do corpo.

A idéia de que os fluídos funcionavam como condicionantes entre a


presença da saúde e/ou da doença no corpo medieval representava nesse período a
concepção de que “tudo corria bem quando os fluídos vitais coexistiam
pacificamente em bom equilíbrio de forças [...] A doença sobrevinha quando um
desses fluídos se acumulava ou secava” Vigarello (2008, p.445).
Se os fluídos são produzidos pelo corpo os responsáveis pela saúde ou
doença, isso implica dizer que esses dois estados do corpo (saúde e doença)
estavam sobre a responsabilidade do próprio corpo. Considerando que esses fluídos
tinham um lugar de produção “as concepções tradicionais do organismo vivo, tanto
do povo como da elite, concediam [...] uma extrema atenção aos órgão implicados
nesta alquimia da manutenção da vida: à boca, a garganta, as vísceras, aos
intestinos [...]” Vigarello (2008, p.446).
Na medicina popular o corpo assume outras perspectivas já que “ele está
no centro das simpatias, aquelas que vinculam o ser humano ao meio ambiente. Ele
está em correspondência com o mundo e “ressoa’ com ele” Vigarello (2008, p.447)
já que “o princípio da analogia, o da medicina das assinaturas está onipresente na
medicina popular: cor, forma, odor, calor, umidade, os elementos da natureza
“assinam sua relação profunda com o corpo humano, assim como seu caráter
nefasto ou benéfico” Vigarello, p.447.
Para sintetizar a idéia de saúde entre os séculos XVI e XVIII a partir da
relação do homem com o meio e as suas possíveis conseqüências tomaremos uma
fala de Vigarello e (2008, p.447) que diz o seguinte:
A saúde é um estado de equilíbrio, sempre ameaçado, instável, entre o
corpo humano, o universo, a sociedade. As influencias devem ser
mensuradas para contrabalançá-las melhor ou, simplesmente ajudá-las.
Neste sentido a prevenção é a arte de viver de acordo com a natureza, isto
é, fazer corresponder a harmonia interna a harmonia externa. O segredo
último para atingir o equilíbrio corporal consiste, em última análise, em
evitar todo excesso.
O Corpo Escrito e Visto:
reflexões a partir de livros didáticos das séries iniciais
69

A antiguidade reflete na história do corpo a convergência da religião, da


medicina e da cultura popular, onde diferentes olhares e perspectivas tocam e são
tocados. Contudo:
No fim da idade média, a insatisfação provocada por algumas doutrinas,
mesmo enraizadas, tornou-se cada vez mais importante em certos meios, e
a agitação intelectual inédita, a “Renascença” – em particular, a vontade de
purificar as doutrinas antigas e de descobrir verdades – incentivou
pesquisas biomédicas inteiramente renovadas. A partir da Renascença
seguiu-se uma série de tentativas para estabelecer a medicina sobre
alicerces mais sólidos, em particular a partir do momento que a revolução
científica obteve evidentes sucessos nas ciências mecânicas, na física e na
química (VIGARELO, 2008, p.450)

Essas novas perspectivas apontadas pelo autor serviram como


termômetro para que as teorias que se assentavam nos fluídos como a condição par
a saúde e/ou a doença desse lugar as primeiras idéias de funcionalidade interna do
corpo. Entretanto, as verdadeiras causas pelas quais os corpos poderiam ser
acometidos por doenças ainda encontravam respostas mil, respostas estas ainda
ligadas aos dogmas da igreja, e as concepções da medicina popular e científica da
época.
Diante do olhar moderno, o corpo é tomado com outras representações,
vistas por meio dos tratados que exaltam o corpo saudável e o envelhecer bem.
Nasce uma forma de ver o corpo que nos remete a desconstrução dos dogmas
religiosos.
Essa nova aspiração de prolongar a vida na Terra não combina com a
idéia de que a vida aqui na Terra é forçosamente um vale de lágrimas,
como prometem alguns discursos rigoristas. Esse otimismo e a vontade
humana de triunfar da adversidade estão à base da cultura urbana da
Renascença. Nesse contexto, o corpo, longe de ser um lugar de perdição,
pode tornar-se, ao contrário, fonte de plena expansão (GÈLIS 2008, p.125).

Há de se questionar, onde fica a religião nesse novo contexto?


Não podemos negar a presença viva do divino, do sagrado, seja no
advento da modernidade ou na própria contemporaneidade. O que se percebe é um
conflito de cultura, de valores, se avivando com a Renascença, onde o corpo se
singulariza em toda a sua autonomia, passando a assumir alguma referência na vida
humana.
Da Renascença às Luzes, uma dupla tensão atravessa o investimento no
corpo, esboçando as primícias das visões de hoje: uma acentuação das imposições
coletivas, uma acentuação da libertação individual.
O Corpo Escrito e Visto:
reflexões a partir de livros didáticos das séries iniciais
70

Posterior a este período um novo cenário, engendra um panorama que


delineia o corpo como um território instável, isso porque:
Aos poucos impõe-se a consciência da gestão social do corpo. Nessa nova
perspectiva culturalista, o corpo aparece como resultado de uma
construção, de um equilíbrio estabelecido entre o dentro e o fora, entre a
carne e o mundo. Um conjunto de regras, um trabalho cotidiano das
aparências, de complexos rituais de interação, a liberdade de que cada um
dispõe para lidar com o estilo comum, com as posturas, as atitudes
determinadas, os modos usuais de olhar, de portar-se, de mover-se,
compõem a fábrica social do corpo. [...] Até a própria transgressão
manifesta a força do contexto social e ideológico (CORBIN, 2008, p.7).

A modernidade traz consigo uma complexidade corpórea que conjuga


uma infinidade de elementos com os quais a antiguidade sequer supunha relacionar-
se. Entretanto sua relação ainda se estabelece a partir da religião e da ciência,
agregando outras perspectivas acerca do corpo trabalhado, do corpo elaborado.
Seja na antiguidade, na modernidade ou mesmo na contemporaneidade,
as concepções de corpo representam um contexto datado. Dizemos isso para
desconstruir qualquer idéia de que seja pretensão nossa subjugar a antiguidade à
modernidade pelas novas perspectivas que esta ultima apresenta. De certo que, os
primeiros achados, os primeiras conflitos, no qual o corpo se constitui como o centro,
representam os primeiros passos para que trilhados na direção de pensar um corpo
moderno ou mesmo pós-moderno.
Na modernidade segundo Corbin (2008, p.7):
O corpo ocupa lugar no espaço. E ele mesmo é um espaço que possui
seus desdobramentos [...] Esse corpo físico, material, pode ser tocado,
sentido, contemplado. Ele é esta coisa que os outros vêem, sondam em
seu desejo. Desgasta-se com o tempo. É objeto de ciência [...].

No contexto da modernidade, outras conquistas se apresentam como


parte deste novo cenário, dentre elas: o reconhecimento dos conflitos entre o corpo
e a ciência, o trabalho, o prazer, a dor, a espiritualidade, etc. Caminhando na busca
de resolver esses dilemas, a sociedade constrói novas representações do corpo e
passa a reconhecer que estamos em nosso corpo e não podemos deixá-lo, que ele
e o eu se configura numa correlação em que todas as possíveis vertentes advindas
de mim e dele estão numa relação em que não é possível apreender suas conexões.
A medicina é a grande representante do século XIX, no que diz respeito a
história do corpo, não só pela sua evolução enquanto um campo da ciência mas por
ter no corpo sua matéria-prima que justifica sua existência. Porém além do olhar da
medicina, que vai em direção de explorar o corpo como objeto de pesquisa
O Corpo Escrito e Visto:
reflexões a partir de livros didáticos das séries iniciais
71

científica, sua relação com a dor, com os cuidados terapêuticos, sua psiquê etc.,
outros olhares se fazem presente na modernidade, sejam eles, o olhar da religião,
do artista, etc.
Quanto a medicina, a relação com o corpo também se estabelece através
dos aparelhos resultantes dos avanços científicos e ligados a examinar partes do
corpo humano, isso porque “cada vez mais profundamente explorado pelos
aparelhos, o corpo vai sendo apreendido de maneiras sempre mais refinadas e
especializadas” Faure (2008, p.13).
Em linhas gerais podemos dizer que “a medicina do século XIX mais abriu
os campos das possibilidades do que tentou definir-lhes uma orientação unívoca”
Faure (2008, p.55) para as questões referentes ao corpo, isso porque:
O corpo descrito pelos médicos continuou sendo um corpo social, em parte
modelado por sua pertença a uma genealogia familiar, modificada pelas
condições de sua existência, tanto físicas quanto sociais e, por fim,
influenciado por seu psiquismo. Sendo esta última, uma constatação tardia
e apenas esboçada no final do século XIX (FAURE 2008, p.55).

No que diz respeito a influência da religião, apesar de abalada com novos


rumos anunciados, fruto da Revolução, da mudança de paradigmas, sobretudo os
que iam de encontro a própria igreja católica (“guardiã do corpo e do espírito”) não
representou perda total isso porque “esquecer o peso do catolicismo sobre as
representações e usos do corpo seria condenar-se à incompreensão da cultura
somática do século XIX”[...] Corbin (2008, p.59)
Não é estranho pensar porque ainda no século XIX a igreja católica prega
o desprezo pelo corpo. Se considerarmos que o centro da existência do homem está
no espírito, aos olhos da igreja, isso implica num posicionamento que menospreze o
carnal e que o coloque num lugar coadjuvante na trajetória da vida humana por isso
que seu trabalho vai na direção da defesa das práticas destinadas a dominar os
impulsos do corpo.
Em se tratando do olhar do artista, que apesar de não ser contemplado
nos parágrafos que destinamos a algumas perspectivas do corpo entre os séculos
XV e XVIII, isso não implica dizer que também não construíram suas representações
através das várias formas de expressão artísticas que desde lá o ser humano vem
experimentando.
Sem dúvida o corpo se constituiu, para os artísticas, como foco temático
no século XIX, obviamente com outras perspectivas que apesar de ser
O Corpo Escrito e Visto:
reflexões a partir de livros didáticos das séries iniciais
72

compreendido como a única e verdadeira imagem fiel à natureza (herança da


Renascença), diferentemente desta que concebia o corpo como objeto de intensa
excitação agregou elementos subjetivos considerando que suas perspectivas se
assentavam na idéia de que “a observação e a coisa observada se combinam para
fazer do corpo um lugar privilegiado da imaginação” Zerner (2008, p.103).
Considerando que o artista da modernidade trazia consigo uma carga de
tradições greco-romanas assim como da judaico-cristã, isso segundo Zerner (2008,
p.104) talvez tenha sido os elementos que configurariam uma perspectiva de
questionamento da concepção tradicional de corpo pelos artistas do século XIX.
Esses questionamentos se fincaram a partir do imaginário e do simbólico,
procurando “aproximar a imagem da realidade, a arte e a natureza. [...] e eliminar os
limites entre a arte e a vida” Zerner (2008, p.110).
Quando pensamos na arte como um veículo que também nos leva a
realidade, e neste caso, numa realidade do corpo, estamos caminhando na direção de
reconhecer elementos que até então foram negligenciados, mas que não deixaram de
estar sempre lá (no corpo). De certo que o século XIX se constitui como mais uma
etapa pela qual a história do corpo deveria passar para ganhar outros contornos.
Adentrar no século XX procurando mencionar as diferentes mutações do
olhar sobre o corpo, suas representações, seu uso e seu desgaste, sua exploração e
seu culto, a estética e o espetáculo será nossa intenção a partir daqui. Essas
mutações profundas, sentidas na carne, constituem igualmente mutações no olhar
que se depositou sobre o corpo.
Segundo Courtine (2008, p. 10):
Jamais o organismo foi tão penetrado antes como vai sê-lo pelas
tecnologias de visualização médica, jamais o corpo íntimo, sexuado,
conheceu uma superexposição tão obsessiva, j amais as imagens das
brutalidades sofridas pelo corpo na guerra e nos campos de concentração
tiveram equivalente em nossa cultura visual, jamais os espetáculos de que
foi objeto se aproximaram das reviravoltas que a pintura, a fotografia, o
cinema contemporâneo vão trazer à sua imagem.

O século XX apresenta uma parte da história humana cujo percurso está


direcionado aos:
[...] saberes médicos e genéticos sobre o organismo, a tensão entre desejos
do corpo sexuado e normas de controle social, a transformação das
percepções do corpo anormais e as necessidades da identificação dos
indivíduos perigosos, a soma incalculável dos sofrimentos infligidos pela
sangrenta tragédia das violências do século XX e, enfim, os prazeres
oferecidos pelas imagens, as telas, as cenas, as tribunas de onde se
contemplam as metamorfoses atuais do corpo [...] (COURTINE 2008, P.11).
O Corpo Escrito e Visto:
reflexões a partir de livros didáticos das séries iniciais
73

Esse século “apagou a linha divisória do ‘corpo’ e do ‘espírito’ e encara a


vida humana como espiritual e corpórea de ponta a ponta, sempre apoiada sobre o
corpo” [...] “Podemos dizer que o século XX é que inventou teoricamente o corpo”.
[...] “E assim aconteceu que o corpo foi ligado ao inconsciente, amarrado ao sujeito e
inserido nas formas nas formas sociais da cultura” Courtine (2008, p.7 - 8).
Alguns teóricos contribuíram para que este arcabouço teórico se fizesse
existir: Edmund Husserl com a idéia do corpo humano como o “berço original” de
toda significação influenciou outros teóricos como Merleau Ponty que tratava como
corpo “encarnação da consciência, seu desdobramento no tempo e no espaço,
como pivô do mundo”. Courtine (2008, p.08).
Além deles, Marcel Mauss, do campo da antropologia, também agrega a
esse corpo teórico, a partir da Primeira Guerra Mundial, discussões referentes as
“técnicas corporais” elucidando “as maneiras como os homens, sociedade por
sociedade, de maneira tradicional, sabem servir-se do seu corpo” Courtine (2008, p.8).
Não há possibilidade de negar também que nesse contexto o corpo
representa para a massa popular desfavorecida o meio pelo qual suas angustias e
luta contra o poder, veiculado pelo discurso, florescesse. Isso nos incita dizer que o
corpo passa também a fazer parte das representações sociais como instrumento de
luta contra a ordem estabelecida, já que ele “foi investido no contexto das lutas
travadas pelos direitos das minorias no decorrer da década 1970: um lugar
importante de repressão, um instrumento crucial de libertação, a promessa de uma
revolução” Courtine (2008, p.9).
O século XX é cenário de um deslocamento das relações entre saúde e
doença, entre corpo normal e corpo deformado; a vida e a morte em uma sociedade
medicalizada cada vez mais especializada. Ele, “saudou um novo direito do homem,
o direito à saúde, compreendida como a plena realização da pessoa, direito de fato
compreendido, sobretudo, como o direito à assistência” [...] A definição de saúde da
OMS como estado de completo bem-estar físico, mental e social, tornou-se
referência inevitável [...] Moulin (2008, p.15 -18).
Em outras palavras, [...] “a saúde passou a ser a verdade e também a
utopia do corpo, aposta da ordem social e de uma ordem internacional futura, mais
eqüitativa e mais justa, no conjunto do mundo” Moulin (2008, p.18).
O Corpo Escrito e Visto:
reflexões a partir de livros didáticos das séries iniciais
74

Um exemplo de paradoxo entre capacidade e impotência humana em


interação corpo, ciência e sujeito é a Aids que “projetou uma sombra sobre a
liberdade sexual, abalou o uso e os costumes dos eruditos e dos homens comuns, e
mostrou claramente a grandeza e os limites da ciência” Moulin (2008, p. 33).
Não só a Aids, mas outras doenças crônicas também têm contribuído para
que, no atual contexto, os indivíduos assumam
diante de seus problemas de saúde uma postura
ativa em que não só o olhar clínico é quem
direciona o caminha na direção de uma vida mais
tranqüila, mesmo diante da incurabilidade a quem
estão sujeitos, isso porque “o corpo se tornou o
objeto de incessantes negociações com as normas
proclamadas pelo poder dos médicos” Moulin
(2008, p.38).
Se, de alguma forma, condenamos os
posicionamentos passados que aprisionavam, de
certa forma, o corpo a um conjunto de preceitos,
sobretudo, os religiosos, agora estamos diante da
Fig. 38 – Cartaz da Campanha de
perspectiva da medicalização, fruto de outras enfrentamento da AIDS – 2008.
http://www.ggb.org.br/faca_oque_quiser.html
visões do corpo, que engendra um poder
coercitivo pouco captado.
Em linhas gerais a relação do sujeito contemporâneo com seu corpo tem
anunciado segundo Courtine (2008, p.11):
[...] a eliminação das distinções entre são e enfermo, corpo normal e
anormal, da relação entre a vida e a morte em uma sociedade
medicalizada de ponta aponta; o afrouxamento de coerções e disciplinas
herdadas do passado, a legitimação outorgada ao prazer e, ao mesmo
tempo, a emergência de novas normas e de poderes novos, biológicos e
também políticos; a saúde que agora se tornou um direito e a ansiedade
face ao risco, a procura do bem-estar individual e a extrema violência de
massa, o contato com das epidermes na vida íntima e a saturação do
espaço público pela frieza dos simulacros sexuais.

Podem parecer paradoxais essas duas condutas contemporâneas. De um


lado os avanços e do outro os regressos, não o regresso ao passado, mas ao
descaso a que os corpos estão sendo sujeitados em nome de uma vida fútil,
irresponsável, refletida num capitalismo perverso, que pouco tem cuidado da
O Corpo Escrito e Visto:
reflexões a partir de livros didáticos das séries iniciais
75

materialidade organicidade, espiritualidade, culturalidade, etc. que atravessam a


corporeidade humana.
Apesar de reconhecermos o contexto social no qual os corpos estão
inseridos também como ponto de referência, e portanto, de influenciados, não
podemos negar que “cada ser humano conhece um destino singular e não é igual a
nenhum outro. O corpo toma parte nessa aventura [...] Ele é um meio único de
expressão, de ação e de pathos, de sedução e repulsa, vetor fundamental de nosso
ser no mundo” Moulin (2008, p.50 – 51).
Moulin (2008, p 53) fazendo um balanço da condição do corpo no contexto
da história humana, ressalta que:
A renascença havia eito emergir o indivíduo, quebrando as solidariedades
comunitárias e corporativas, usando da razão crítica para combater as
tradições. As luzes acrescentaram a essa emergência reivindicações de
igualdade. O século XX dotou o indivíduo autônomo do lastro de um corpo
singular. O penhor dessa evolução foi o aumento da solidão. A solidão é o
mal do século, solidão dos doentes, solidão dos operados, dos moribundos,
daqueles a quem de ora em diante compete decidir sobre a sorte de um
corpo que não se assemelha a nem um outro. Tudo concorre para
intensificar essa solidão.

Diante do que foi dito até aqui, nos resta pergunta: É possível olhar a
história do corpo por outros vieses? A este questionamento Peter Burke através da
sua obra A Escrita da História responde o seguinte:
Até há pouco tempo, a história do corpo tem sido, em geral, negligenciada,
não sendo difícil se perceber o porquê. Por lado, os componentes
clássicos, e por outro, os judaico-cristãos, de nossa herança cultural,
avançaram ambos para uma visão fundamentalmente dualista do homem,
entendida como uma aliança muitas vezes ansiosa da mente e do corpo,
da psiquê e do soma; e ambas as tradições, em seus caminhos diferentes,
elevaram a mente ou a alma e denegriram o corpo (BURKE, 2002, p.292).

Além dos pontos tocados pelo autor, uma história que se pretende,
teoricamente, construir sobre o corpo reflete as concepções criadas em torno dele.
Se “os estudiosos operaram tipicamente dentro de tradições interpretativas, para as
quais os significados que são mentais, espirituais e ideais assumem uma automática
prioridade sobre as questões puramente materiais, corpóreas e sensuais” (Burke
2002, p.292), isso significa dizer que o silenciamento do corpo não está relacionado
exclusivamente as questões religiosas, num primeiro momento da sua história, mas
também as próprias produções teóricas, que a julgar pelo que diz o autor,
representam concepções sociais intrínsecas aos autores que se aventuram
historicizar o corpo da sua época ou de épocas anteriores.
O Corpo Escrito e Visto:
reflexões a partir de livros didáticos das séries iniciais
76

Assim sendo, Burke (2002) nos leva em direção de uma nova história que
privilegia a cultura material como objetos de estudos, na qual está incluída o corpo.
Essa nova perspectiva busca, dentre outras coisas, quebrar com conceitos que
privilegiam a mente em detrimento do corpo.
Considerando que nenhuma história, da natureza que for, se inscreve no
vazio, Burke (2002, p.294) nos faz ver a importância da antropologia cultural, da
sociologia e da sociologia médica no redirecionamento do trato do corpo que os
historiadores puderam engendrar em seus trabalhos.
A antropologia cultural tanto na teoria quanto na prática, proporcionou [...] a
discussão dos significados simbólicos do corpo, em particular como
contextualizados no interior de sistemas de mudança social; e de uma
maneira bem similar, a sociologia,e a sociologia médica acima de tudo ,
encorajou os historiadores a tratarem o corpo como encruzilhada entre o
ego e a sociedade.

Para o autor, essas outras possibilidades de olhar o corpo vai de encontro


a uma perspectiva que assume o corpo:
[...] como um objeto natural não problemático, com necessidades e desejos
universais, afetado de maneiras variadas pela cultura e pela sociedade (em
uma época “reprimido” e em outra, “liberado” etc). Tal divisão grosseira
entre natureza e cultura seria obviamente inútil; e seria equivocado – e
irônico! – proporcionar ao velho dualismo mente/corpo uma nova vida,
tentando-se estudar a história (“biológica”) do corpo independente das
considerações (“culturais”) da experiência e da expressão na linguagem e
na ideologia (BURKE 2002, p.295).

Diante do que é dito, evidencia-se a necessidade de olhar o corpo a partir


da condição e do contexto sócio-cultural no qual se insere e das mudanças que
sofre e que faz sofrer seu espaço de convivência ao longo do tempo.

Se interpretações enfatizam “o modo como o corpo deve ser encarado,

não como um objeto de “carne e osso”, mas como uma “construção simbólica” Burke

(2002, p. 297), isso representa, dentre outras coisas, que a racionalidade está

dividindo espaço com aquilo que a modernidade desprezou no âmbito das suas

construções teóricas. Em outras palavras, podemos apreender que elementos do

cotidiano e da intimidade corpórea estão disponíveis para que também se possa

pensar a história do corpo a partir deles.


O Corpo Escrito e Visto:
reflexões a partir de livros didáticos das séries iniciais
77
O Corpo Escrito e Visto:
reflexões a partir de livros didáticos das séries iniciais
78

5.1 – As formas de apresentação do conteúdo corpo nos


Capítulos/Unidades/Lições

O primeiro aspecto analisado foi em relação as diferentes formas de


apresentação do conteúdo corpo. Para a análise consideramos: Tipos de textos;
Figuras e Imagens; Exercícios.
Quanto ao primeiro aspecto - Tipos de textos - buscamos nos
Capítulos/Unidades/Lições o que indica o Quadro 4 a seguir:

QUADRO 4
Formas de Apresentação – Tipos de Textos
A - Textos – Histórias em quadrinhos
B - Textos-Tópicos
C - Textos-Narrativos
D - Textos-Box
E - Textos-Descritivos
F - Outros

Verificamos que todos os tipos de textos foram encontrados no corpus


analisado, como demonstrado no Gráfico 1 a seguir:

GRÁFICO 1
Formas de Apresentação – Textos nos Capítulos/Unidades/Lições

Os tipos de textos que mais se destacam nas lições/capítulos/unidades


analisadas são os Textos - Narrativos e Textos -Descritivos, que poderão
provocar um estudo dirigido e reflexivo acerca da temática/assunto abordado no
capítulo/unidade/lição. É interessante registrar que em apenas um
O Corpo Escrito e Visto:
reflexões a partir de livros didáticos das séries iniciais
79

capítulo/unidade/lição destaca-se o Texto- História em Quadrinhos, percebendo-se a


falta de ludicidade e do despertar da criatividade do educando. A ação lúdica na
educação é importante; para Maluf (2003, p.9) “torna-se importante e prazerosa
quando a criança aprende brincando. É possível, através do brincar, formar
indivíduos com autonomia, motivados para muitos interesses e capazes de aprender
rapidamente”.
Os textos-narrativos caracterizam-se por ser a exposição de fatos já vividos,
em que fomos espectadores ou tomamos conhecimento através de informações
transmitidas por terceiros. Para Pereira (2004), podemos descrever uma coisa móvel
ou imóvel, mas nunca podemos narrá-la; mas é possível narrar um acontecimento e
descrevê-lo; ao expor um fato real ou imaginário, estaremos fazendo uma narração.
É preferível seguir a ordem em que os fatos se sucederam, numa ordem natural e
suprimir os fatos desnecessários para não tornar a narração enfadonha.
Para que possamos produzir um texto-descritivo é indispensável o
conhecimento básico da percepção, análise e classificação de um objeto. Descrever
para Pereira (2004, p.18) “significa traduzir em palavras, de forma minuciosa, um
determinado objeto, uma cena ou um ser”.
Um texto-descritivo não é desenvolvido com base na ação, mas sim com
base no estado do objeto; deve ser precedido de um levantamento de dados por
parte de quem prepara a descrição. No texto-descritivo o importante é saber analisar
o objeto descrito, a análise é a forma de se observar algo pelo lado da sensibilidade
e da inteligência. Para que o texto-descritivo não assuma um aspecto fragmentado e
superficial é indispensável essa análise, que no final das contas, nada mais é do que
um levantamento (PEREIRA, 2004).
Percebemos com esse resultado que, os capítulos/unidades/lições
analisados, ainda podem estar presos aos modelos dos “manuais de instrução”
(FRACALANZA ; NETO, 2006) da década de 20; os textos apresentados nos
“manuais de instrução”, indicavam: o que fazer? Como fazer? Para que fazer? Com
quem fazer? E assim, limitavam-se a instruir narrando fatos e descrevendo objetos e
a determinar e disciplinar o ato de aprender, incorporando um sentimento de que
somente nestes textos didáticos, apresentava-se a verdade, o que é comum à uma
educação tradicional. Hoje, devemos nos preocupar em selecionar livros didáticos
que compartilhem em suas descrições e narrativas, os fatos da sociedade moderna,
os comportamentos, o desenvolvimento e a evolução do homem. Ao tratar dos
O Corpo Escrito e Visto:
reflexões a partir de livros didáticos das séries iniciais
80

conteúdos referentes ao corpo, devemos perceber um corpo em movimento e em


constante transformação, e também destacar questões hormonais, climáticas,
intervenções cirúrgicas e ideais de beleza impostos pelo capitalismo.
Compreendemos o corpo como um sistema orgânico, integrado, que viabiliza
a relação do sujeito com o meio, consigo e com o outro e que está em constante
mudança, procurando adaptar-se às situações da vida social e ao ambiente,
constituindo parte da história de vida dos homens. Entendemos o corpo como uma
organização sistemática, que em sua dinâmica cotidiana, re-significa seu próprio
funcionamento, que em sua complexidade manifesta emoções, ações; relações de
vida afetiva e angustias, são momentos de enlaces da razão e emoção, criatividade
e desanimo, autoconsciência e inconsciente, são momentos de ação de um corpo,
orgânico, biológico influenciado pelo meio social (GARCIA, 2002).
Sugerimos textos-narrativos e textos-descritivos, que tratem o conteúdo
corpo como um sistema orgânico, hormonal e biológico em movimento com a vida
social, econômica e cultural, para que o educando possa refletir sua condição de
sujeito, a partir do encontro entre o “eu” e o “outro” (MEYER, 1998); que realcem o
desenvolvimento do corpo, suas necessidades físicas, emocionais, a aceitação do
“meu corpo”, com seus limites e possibilidades. O que cobre o corpo é pele que
determina o contato, a higiene, a prevenção e os estímulos; perceber a importância
do sujeito “outro” para o desenvolvimento do “meu corpo”, que quer expressar um
sentimento e sentir-se envolvido com o cuidar do corpo.
Quando falamos em corpo não devemos pensar no sentido usual da
palavra, que contrapõe corpo a alma, matéria a espírito. Corpo seria uma
parte do ser humano e não sua totalidade. Nas ciências contemporâneas
prefere-se falar de corporeidade para expressar o ser humano como um
todo vivo e orgânico. Fala-se de homem-corpo, homem-alma para designar
dimensões totais do humano (BOFF, 1999, p. 142).

O texto-histórias em quadrinhos, pouco


explorado no corpus analisado poderia aspectos do
corpo de forma a apresentar às crianças/educandos o
quanto o corpo muda, sugerindo novas possibilidades e
adaptações sociais, considerando o cuidado e os saberes
para uma conduta ética, vida saudável e prevenção, como
vem sendo demonstrado de forma bem criativa nas
histórias em quadrinhos da Turma da Mônica
Fig. 39 – Capa de revista em quadrinhos,
Turma da Mônica (Google imagens)
O Corpo Escrito e Visto:
reflexões a partir de livros didáticos das séries iniciais
81

Jovem, em que os personagens apresentam um corpo em mudança; tipo: Mônica-


quando criança apresentava uma personalidade forte e incontrolável, já adolescente
revela-se afetuosa e mais controlada emocionalmente;
Cebolinha – mudou de apelido para Cebola, continua com
problemas de dicção, porém está mais confiante e revelou-se
apaixonado por Mônica; Magali – ainda muito gulosa, porém
comendo de forma mais equilibrada para manter a forma,
consumindo frutas, barras de cereais e não abusando em
gorduras e refrigerantes; Cascão - que antes queria sempre
se dar bem, agora procura ser mais amigo e apaixonado

Fig. 40 – Capa de revista em pela Cascuda tornou-se um pouco mais higiênico,


quadrinhos, Turma da Mônica Jovem
(Google imagens) tomando banho uma vez ao dia, quando só tomava
banho uma vez por semana. Nos quatro personagens encontramos aspectos do
desenvolvimento do corpo em formas diversificadas: relações sociais, limitações e
possibilidades, ser saudável e higiene. Desta forma, lúdica e simbólica a mensagem
dos textos-histórias em quadrinhos a ação-reflexão-ação, acerca do desenvolvimento
do corpo no meio em que estamos inseridos.
Ao se analisar os conteúdos tratados nos textos mais freqüentes (Textos-
Narrativos e Textos-Descritivos), pudemos identificar três tipos de conteúdos:
Conceituais, Procedimentais e Atitudinais, do que trataremos a seguir.
Os conteúdos conceituais visam desenvolver as competências do
educando quanto ao estabelecimento de relações com símbolos, expressões, idéias,
imagens, representações e nexos, com os quais aprende e re-significa o real
(NOGUEIRA, 2010). As competências do aluno materializam-se através do trato
reflexivo de conteúdos específicos de ensino, em situações problematizadoras e
desafiadoras para o grupo (situação didática planejada pelo professor). A elaboração
de conceitos permite ao aluno vivenciar o conhecimento, elaborar generalizações,
buscar regularidades, re-significando e relacionando a dimensão conceitual do
conteúdo numa perspectiva científica, criativa e produtiva. Ilustram esse tipo de
conteúdo as unidades de registro a seguir destacadas:
O Corpo Escrito e Visto:
reflexões a partir de livros didáticos das séries iniciais
82

Fig. 41 – Unidades de registro de livro didático - LDC-4, 2008, p.74

Fig. 42 – Unidades de registro de livro didático - LDC-4, 2008, p.86

Um segundo tipo de conteúdo, apresenta-se em uma dimensão


procedimental, que envolve o processo ensino-aprendizagem, articulando três pólos
distintos: a construção de uma lógica, uma pedagogia e uma área específica de
conhecimento (NOGUEIRA, 2010). Materializa-se numa perspectiva educacional
dialógica, participativa, compartilhada, bem como no papel desempenhado pela escola
no sentido de ampliar a capacidade reflexiva do aluno acerca da realidade complexa e
contraditória, adotando um compromisso coletivo, interativo, integrativo, viabilizado com
a construção coletiva do projeto político-pedagógico. Os conteúdos procedimentais
expressam um saber fazer que envolve tomar decisões e realizar uma série de ações,
de forma ordenada e não aleatória, para atingir uma meta. Os mesmos sempre estão
presentes num projeto de ensino, pois uma pesquisa, um experimento, uma síntese, um
festival, uma oficina, são proposições de ações presentes em sala de aula.
Representam esse tipo de conteúdo as unidades registro a seguir:

Fig. 43 – Unidades de registro de livro didático - LI-3,


2006, p.299

Fig. 44 – Unidades de registro de livro didático - LI-4,


2006, p.426
O Corpo Escrito e Visto:
reflexões a partir de livros didáticos das séries iniciais
83

Um terceiro tipo de conteúdo (e mais representativo) encontrado nas


lições/capítulos/unidades dos livros didáticos analisados, refere-se à dimensão
atitudinal que está presente no cotidiano escolar, envolvendo valores, atitudes,
normas, posturas que influem nas relações e interações da comunidade escolar
numa perspectiva educacional responsável e valorativa (NOGUEIRA, 2010). Está
presente na visão ideológica subjacente ao contexto pedagógico construído nas
interações cotidianas em que se materializa a produção do saber. A escola é um
contexto socializador, gerador de atitudes relativas ao conhecimento, ao professor,
aos colegas, às disciplinas, às tarefas, à sociedade. A não compreensão das
relações, das atitudes, dos valores, das normas como conteúdos escolares faz com
que estes sejam comunicados, sobretudo de forma inadvertida. As unidades de
registro a seguir destacadas ilustram tal tipo de conteúdo:

Fig. 46 – Unidades de registro de livro


didático - LI-1, 2008, p.32

Fig. 45 – Unidades de registro de livro didático - LI-4,


2006,p.433

Esse resultado, a nosso ver, indica que a organização dos conteúdos nos
livros didáticos analisados, poderão atender aos interesses e às necessidades dos
educandos e serem articulados às suas experiências de aprendizagem anteriores e
atuais.
O Corpo Escrito e Visto:
reflexões a partir de livros didáticos das séries iniciais
84

Esta relação requer do professor o domínio mais amplo e aprofundado do


conteúdo e do livro didático a ser adotado em suas aulas, por meio do que será
possível criar situações de aprendizagem diversificadas e transformar cada aula em
uma experiência desafiadora e agradável.
Vale lembrar que a forma de ensinar cumpre uma função social específica,
em termos das possibilidades de apropriação de conhecimentos e de reconstrução
do saber que suscita. Se o professor, embora conheça bem seu conteúdo, não se
preocupa em organizá-lo de maneira que o torne acessível a seus educandos, não
corresponde às condições necessárias a sua função e mesmo que não pretenda de
modo consciente, reproduz a ignorância e o desconhecimento (SCARPATO, 2004).
Não se trata de facilitar ou dificultar, mas de encontrar formas mais
adequadas para trabalhar com os conteúdos referentes ao corpo, a fim de garantir a
realização do processo ensino – aprendizagem. Para tanto, será necessário
conhecer e selecionar procedimentos de ensino compatíveis com as demandas da
modalidade de ensino com a realidade escolar, com os educandos, com os objetivos
e conteúdos, entre outros aspectos. Percebemos então que a presença dos tipos de
conteúdos didaticamente organizados nos livros didáticos analisados, contribuem
com o aprendizado do educando, desde que o professor também articule-se com o
tempo e o espaço da classe aprendente, bem como, estimule os alunos a ter a
percepção das mudanças “em seu corpo”, nos amigos, na família e a perceber os
mais jovens, os idosos e as crianças; favoreça a compreensão de corpo dinâmico e
mutável. Tais atitudes devem se fazer presente nas aulas e nos livros didáticos, até
por que na fase infanto-juvenil (em que estão os educandos do ensino fundamental
menor) as características corpóreas e as necessidades orgânicas, determinam a
personalidade e o desenvolvimento do corpo.
Nesta perspectiva, entendemos o corpo como um lócus de inscrição de
identidade e diferença que produz sujeitos de uma cultura. Por isso,
afirmamos que o corpo é história. Nele se inscrevem muitas marcas
sexuais, com e através de práticas afetivas, políticas, esportivas, estéticas,
dentre outras (MEYER; SOARES, 2004, p. 66).

Nos livros pode então emergir um debate acerca das “idades do corpo”,
mediados por um discurso pós-moderno, em que o multiculturalismo ganha força e
percepção, no que se refere a diferença, diversidade, alteridade e identidade. Para
Veiga-Neto (apud GARCIA, 2002), o corpo apresenta suas idades não com o
envelhecimento e sim por movimentos culturais da sociedade, movido pelos Estudos
O Corpo Escrito e Visto:
reflexões a partir de livros didáticos das séries iniciais
85

Culturais, pelas Ciências Humanas e Ciências Biológicas, como: “(material)idades,


(divers)idade, (corporal)idade, (ident)idades” (p. 35), estimulando a pensar sobre as
idades vividas pelo corpo com o tempo.
Acredito que estamos vivendo um tempo de transformações e debates
crescentes quanto a evolução do homem e o meio em que vive e necessitamos re-
organizar o currículo de nossas escolas para um olhar mais preocupado em estudar
e apresentar o corpo como uma dimensão do mundo e não (apenas) como um corpo
que ocupa um lugar no espaço com suas divisões orgânicas, isto é, perceber o
corpo além do biológico, e assim enquanto social e cultural.
Quanto ao segundo aspecto, Figuras e Imagens, buscamos nos
capítulos/unidades/lições que indica no Quadro 5.

QUADRO 5
Formas de Apresentação: Figuras/Imagens
A - Para ilustrar alguma modalidade de texto
B - Para ilustrar, mas sem relação direta com os textos
C - Para propor exercícios
D - Outros

Constatamos que em todos os capítulos/unidades/lições há o uso de Figuras


e Imagens, como evidenciado no Gráfico 2.

GRÁFICO 2
Formas de Apresentação – Figuras/Imagens nos Capítulos/Unidades/Lições
O Corpo Escrito e Visto:
reflexões a partir de livros didáticos das séries iniciais
86

As figuras e imagens estão mais presentes em duas modalidades. A


primeira é “Para ilustrar alguma modalidade de texto”; vejamos alguns exemplos:

Fig. 47 – Página de Livro Didático (LI-3, 2006, p. 298)


O Corpo Escrito e Visto:
reflexões a partir de livros didáticos das séries iniciais
87

Fig. 48 – Página de Livro Didático (LI-4, 2006, p. 436)


O Corpo Escrito e Visto:
reflexões a partir de livros didáticos das séries iniciais
88

Essa forma de apresentação a nosso ver, é uma ferramenta adequada para


facilitar a compreensão e assimilação do conteúdo sobre o corpo, até por que a
imagem e a figura possibilitam a memorização de informações a partir de ilustrações
significativas, ao invés de preocupar-se apenas com a transmissão de conteúdos,
sem nenhuma preocupação didático-padagógica.
A segunda modalidade é “Para propor exercícios”; a seguir apresentamos
alguns exemplos (Fig. 49 e 50):

Fig. 49 – Página de Livro Didático (LDC-4, 2008, p. 89)


O Corpo Escrito e Visto:
reflexões a partir de livros didáticos das séries iniciais
89

Essa forma de apresentação a


nosso ver, proporciona ao educando um
impulso e a lembrança do conteúdo
estudado, seja de forma diretiva ou
reflexiva, possibilitando em algumas
situações, com mais ênfase, o estímulo-
resposta, muito utilizado nas atividades
escolares na década de 70, em meio a
educação tecnicista (LIBÂNEO, 2008).
Destaca-se que em nenhum capí-
tulo/unidade/lição, encontramos figuras/
imagens “sem relação direta com os textos”
e nem “outra forma de utilização”. Reforça-se
a idéia que os livros analisados apresentam
imagens diretivas (provocativas ao cognitivo
e intelecto) e dificilmente imagens como
recurso de reflexão e construção de
conhecimento, isto é, em um processo cons-
trutivista como apontado pelos Parâmetros
Curriculares Nacionais (BRASIL, 1997a).
Para Libâneo (2008) o uso diretivo
significa desenvolver um trabalho peda-
gógico direcionado à cognição do educan-
do, estruturado, organizado e em alguma
situações distante de sua realidade social,
prevalecendo um enfoque de educação
conteudista e bancário; já o uso reflexivo-
construtivo significa envolver e re-significar
a aprendizagem, bem como, estimular o
educando a analisar, refletir e perceber o
meio em que vive, provocando uma re-
organização do saber acumulado e fazendo florescer Fig. 50 – Página de Livro Didático
um novo sentido ao objeto estudado e pesquisado. (LI-4, 2006, p. 430)
O Corpo Escrito e Visto:
reflexões a partir de livros didáticos das séries iniciais
90

A imagem do corpo hoje tendo em vista às questões pós-


orgânicas/biológicas (que são discutidas nos estudos pós-estruturalistas) vai muito
além de uma divisão corporal, distribuição funcional, partes, órgãos e estrutura
material; tem-se debatido o corpo como imagem do social, da estética e resultante
de uma cultura ocidental que cultiva o “belo” e o “perfeito”, esquecendo que as suas
funcionabilidades dependem do cuidado, prevenção e atenção a saúde, que produz
energia, gasta energia e necessita ser energizado. As imagens devem conduzir a
uma percepção que ultrapasse o antigo dualismo corpo-mente, impregnado nos
estudos da história do corpo, “fortemente arraigada na percepção ocidental-
moderno-burguesa, e herdeira de valores iluministas, onde a dualidade se impõe
dividindo o indivíduo em dois” (CAVALCANTI, 2005, p. 54).
A imagem do corpo pós-orgânico pode ser reflexo da cultura vivida pelo
sujeito, até porque devemos entender cultura como,

[...] o estudo da perfeição que nos leva a conceber a verdadeira perfeição


humana como uma perfeição harmoniosa conduzindo ao desenvolvimento
de todas as facetas de nossa humanidade; e como perfeição geral,
conduzindo ao desenvolvimento de todos os aspectos de nossa sociedade.
Cultura é, portanto, estudo e busca [...] (WILLIAMS, 1969, p. 131).

Compreender a valorização da imagem do corpo influenciada pela


sociedade contemporânea, que re-significa a imagem do corpo na busca de uma
beleza imagética, seja por meio de uma cirurgia plástica, magreza excessiva (que
indicam casos de bulimia e anorexia), uso de anabolizantes por adolescentes e os
milagrosos suplementos alimentares, induzem às novas “imagens” e “(des)
configurações” do corpo. Os PCN (BRASIL, 1997b), ressaltam que se deve ter a
preocupação com a imagem do corpo para o jovem, seu cuidado, informação e
prevenção, indicando os caminhos do seu desenvolvimento e percepções
hormonais, sexuais e sociais, o que na verdade é esquecido em alguns tópicos dos
livros didáticos analisados. Os livros didáticos, reproduzem imagens de livros de
anatomia com órgãos, membros, ossos, células, tecidos e outras “partes” do corpo.
Sugerimos que utilizem mais imagens/figuras que ressaltem a mudança do corpo,
seu desenvolvimento, a prática esportiva; que mostrem que os deficientes que
possuem limitações, possuem um corpo em movimento; que apontem as causas do
uso excessivo de entorpecentes, anabolizantes e hábitos sedentários, lembrando
que o corpo é movimento, vida e ação. De acordo com Oliveira, Marcus (2006),
O Corpo Escrito e Visto:
reflexões a partir de livros didáticos das séries iniciais
91

O tempo escolar pode ser pensado a partir dos comportamentos


corporais dos alunos ou apesar deles. Esse duplo movimento, a
compreensão dos seus determinantes, dos seus desdobramentos, das
suas conseqüências é uma das marcas distintivas dos estudos sobre e a
partir das diferentes culturas escolares. Aquilo que foi escrito no corpo
pelo processo de escolarização ou inscrito na escola a partir da
corporalidade dos seus agentes não escapa à analise de uma sociedade
que mudava de forma célere a partir dos anos finais do século XIX. A
escola, além de não se ter mantido imune aos ventos da mudança, foi
um dos dispositivos mais mobilizados na direção da consolidação da
“modernidade”. Falta compreender melhor o processo histórico de
mobilização dos corpos infantis (via escolarização) para a consolidação
do imaginário da modernidade (p. 17).

Quanto ao terceiro aspecto analisado, Exercícios, buscamos nos


capítulos/unidades/lições o que indica o Quadro 6 a seguir.

QUADRO 6
Formas de apresentação – Exercícios
A - Caça-palavras
B - Lacunas
C - Perguntas abertas
D - Completar
E - Interpretação de texto/imagem
F - Correspondência entre colunas
G - Perguntas fechadas
H - Perguntas abertas com complemento (exemplo, justificativa, etc.)
I - Marcar F ou V ou outra marcação
J - Pesquise, recorte e cole nos espaços
K - Observar figuras e responder
L - Faça uma pesquisa sobre...
M - Outros

Constatamos que alguns tipos de exercícios são mais freqüentes, como


demonstrado no Gráfico 3.
O Corpo Escrito e Visto:
reflexões a partir de livros didáticos das séries iniciais
92

GRÁFICO 3
Formas de Apresentação – Exercícios dos Capítulos/Unidades/Lições

A modalidade “Observar a figura e responder” foi a mais freqüente. Essa


modalidade pode ser representada pelos seguintes exemplos:

Fig. 51 – Página de Livro Didático


(LDC-4, 2008, p. 83)
O Corpo Escrito e Visto:
reflexões a partir de livros didáticos das séries iniciais
93

Fig. 52 – Página de Livro Didático


(LI-2, 2006, p. 268)

As modalidades “Perguntas abertas” e “Perguntas abertas com


complemento (exemplo, justificativa, etc.)”. Também foram bem freqüentes. Tais
modalidades podem ser representadas pelos exemplos a seguir:
O Corpo Escrito e Visto:
reflexões a partir de livros didáticos das séries iniciais
94

1 - Perguntas abertas

Fig. 53 – Página de Livro Didático


(LI-3, 2006, p. 302)
O Corpo Escrito e Visto:
reflexões a partir de livros didáticos das séries iniciais
95

Fig. 54 – Página de Livro Didático


(LDC-4, 2008, p. 75)

1- Perguntas abertas com complemento (exemplo, justificativa, etc.)

Fig. 55 – Página de Livro Didático


(LDC-4, 2008, p. 77)
O Corpo Escrito e Visto:
reflexões a partir de livros didáticos das séries iniciais
96

Fig. 56 – Página de Livro Didático


(LDC-4, 2008, p. 83)

Constatamos que os exercícios também tem um uso diretivo, sem a


preocupação em desenvolver no educando o senso crítico ou o modo reflexivo-
construtivo diante do conteúdo apresentado/estudado. Os PCN (BRASIL,1997a)
expressam a necessidade de uma prática de ação-reflexão-ação diante dos
conteúdos escolares.
Esse resultado, a nosso ver, indica que a escola por conta dos livros
didáticos acaba desenvolvendo um enfoque crítico-reprodutivista em seus
ensinamentos, porque não enfatiza o aspecto político, denunciando o caráter
reprodutor da escola, enfocando o discurso pelo discurso. Libâneo (2008) afirma que
a escola é reprodutora porque fornece às diferentes classes e grupos sociais, formas
de conhecimento, habilidades e cultura que não somente legitimam a cultura
dominante, mas também direcionam os alunos para postos diferenciados na força de
trabalho.
Isso mostra que nós, educadores, fazemos a crítica, o discurso, apontando
os conteúdos conflitantes, mas relegamos para segundo plano a especificidade
destes conteúdos. É a reprodução do saber acumulado. Para que servem esses
conteúdos se não são coerentes com a realidade sócio-cultural em que estão
inseridos? Essa incoerência leva ao questionamento da prática escolar. Nos
dizemos críticos, mas na realidade somos meros reprodutores da ideologia
dominante.
O Corpo Escrito e Visto:
reflexões a partir de livros didáticos das séries iniciais
97

A perspectiva crítico-reprodutivista se revela capaz de fazer a crítica do


existente, de explicitar os mecanismos desse existente, mas não tem proposta de
intervenção na realidade. Limita-se apenas a constatar que é assim e não pode ser
de outra forma (SAVIANI, 2008).
Sugere-se exercícios sobre o conteúdo corpo que despertem a curiosidade,
a análise, o questionamento e a pesquisa, problematizando o que foi
transmitido/assimilado pelo educando, buscando nos exercícios de “caça-palavra”,
“lacunas”, “pesquise, recorte e cole nos espaços”, “faça uma pesquisa sobre...” e
“perguntas abertas com complemento (exemplo, justificativa, etc)” o
desenvolvimento do raciocínio, do olhar investigativo e reflexivo sobre o corpo.
Estamos de acordo com o reforço de aprendizagem nos exercícios de “perguntas
fechadas”, “lacunas”, “completar”, “marcar V ou F ou outra marcação”, mas, com a
busca de uma re-leitura e re-interpretação do que foi aprendido, e não como mera
repetição do corpo higiênico, orgânico e sem doenças.
Diante do exposto, podemos perceber que os exercícios sobre o conteúdo
corpo não desenvolvem no educando um sentimento emancipatório do
conhecimento (FREIRE, 2006) e ainda representam um modo reprodutor e limitado,
comum às tendências liberais da educação.
Nessa perspectiva, levando agora em consideração as três modalidades de
apresentação (Tipos de textos, Figuras e Imagens, Exercícios), o conteúdo corpo
está sendo tratado de um modo compartimentado, de forma que ainda percebe-se o
corpo em partes, em órgãos, tecidos, células e fases de crescimento. É importante,
no entanto estudar/conhecer as “partes” do corpo humano, de modo a levantar a
questão: em que região, sujeitos, vivências, tempo e espaço meu corpo está? Mas
como discutir/refletir sobre um corpo em constante mudança, se este é apresentado
como “molde” a partir de uma “forma”?
A nosso ver esse resultado é preocupante, principalmente ao estudarmos os
PCN (BRASIL, 1997c), que indicam em seus temas transversais a Saúde e a
Orientação Sexual, que o corpo é sentido, vida, beleza, socialização e cultura. Mas,
ao contrário, o que está sendo apresentado aos educandos é um corpo como
“máquina da vida”, movido por combustíveis (boa alimentação, vitaminas e sais
minerais) e sistemas organizados (circulatório, excretor, respiratório, reprodutor e
digestivo).
O Corpo Escrito e Visto:
reflexões a partir de livros didáticos das séries iniciais
98

O conhecimento das relações dos aparelhos com os sistemas orgânicos do


corpo e sua relação com o meio em que vive, corresponde a maneira como se dá a
transformação e adaptação do corpo às situações da vida cotidiana. Dessa forma
que se discute a relação do corpo com a história da vida do sujeito, suas limitações
e relações afetivas, nutricionais e econômicas, se desenha um corpo multifacetado
de acordo com o momento vivido, influenciando até mesmo em seu funcionamento.
O conhecimento do corpo para o educando perpassa em perceber seu próprio
corpo, como único e subjetivo às escolhas e envolvimentos sociais; o educando tem
que se perceber como um corpo que aprende, experimenta e reflete, compreender
suas intimidades que ninguém poderá analisar, somente o próprio sujeito. Essa
reflexão proporcionará uma visão de respeito consigo e com o corpo do outro, assim
tornando-o um sujeito de cultura, social e pedagógico, aprendendo sempre com o
seu próprio corpo.
Será que ainda estamos ensinando conteúdos sobre o corpo com bases
didáticas e curriculares do início do século XX? É o que nos faz pensar Stephanou
(apud MEYER, 2006), quando reflete sobre o currículo nas escolas daquele período,
A máxima “informar para formar” também pode ser identificada na
composição do currículo explícito de algumas escolas. [...] inaugurou-se a
disciplina denominada ginástica e higiene, organizada, e muitas vezes
ministrada, pelos próprios médicos que atuavam na escola.
[...] uma preocupação didática com a organização dos temas/exercícios
propostos, segundo as idades dos alunos, o grau de complexidade dos
assuntos, como também a redundância e repetição, com vistas à efetiva
assimilação dos mesmos. Os temas eram tratados cientificamente e
vinculados a situações práticas.

Logo após, com a criação do Ministério da Educação e Saúde, reforça-se o


tratamento dos modelos de Higiene e Sanitarismo nas escolas, propagando um
grande arsenal de informativos instrutivos no que se refere aos bons hábitos de
limpeza corporal, ditando regras sobre o banho, uso de colônias, como escovar os
dentes, como mastigar alimentos, manter as mãos limpas, cortar as unhas e outras
mais, que até hoje norteiam conteúdos, figuras e exercícios nos livros didáticos.
O Corpo Escrito e Visto:
reflexões a partir de livros didáticos das séries iniciais
99

5.2 – Os tópicos/temas do conteúdo corpo nos Capítulos/Unidades/Lições.

Nesse aspecto, buscamos nos capítulos/unidades/lições o que indica o


Quadro 7 a seguir.
QUADRO 7
Tópicos/Temas do conteúdo corpo

A - Localiza os órgãos e aparelhos; Indica a função dos órgãos e aparelhos;


Estabelece a relação dos órgãos e aparelhos com as funções de
relação/nutrição/reprodução
B - Indica as medidas de autocuidado (uso de sanitários, lavagem das mãos,
limpeza de cabelos e unhas, higiene bucal, uso de vestimenta e calçados,
banho diário)
C - Valoriza as medidas de autocuidado com ênfase na autonomia
D - Aponta a responsabilidade das medidas de autocuidado para a saúde
E - Ressalta o respeito às potencialidades e limites do próprio corpo e do de
terceiros

Verificamos uma diversidade de ocorrências e não-ocorrências dos


tópicos/temas, como evidenciado no Gráfico 4

GRÁFICO 4

Tópicos/Temas Encontrados nos Capítulos/Unidades/Lições


O Corpo Escrito e Visto:
reflexões a partir de livros didáticos das séries iniciais
100

O tópico A - “Localiza os órgãos e aparelhos; Indica a função dos órgãos e


aparelhos; Estabelece a relação dos órgãos e aparelhos com as funções de
relação/nutrição/reprodução”, é um dos mais presentes e está em 6 (seis)
capítulos/unidades/lições. As unidades a seguir exemplificam esse tópico.

Fig. 57 – Página de Livro Didático


(LI-4, 2006, p. 426)

Fig. 58 – Página de Livro Didático


(LI-4, 2006, p. 425)

Segundo os PCN (BRASIL, 1997d), esses conteúdos devem tratar da


“identificação, no próprio corpo, da localização e da função simplificada dos
principais órgãos e aparelhos, relacionando-os aos aspectos básicos das funções de
relação (sensações e movimentos), nutrição (digestão, circulação, respiração e
excreção) e reprodução” (p.109). Compreendemos que o funcionamento do corpo,
O Corpo Escrito e Visto:
reflexões a partir de livros didáticos das séries iniciais
101

como “máquina”, com suas “engrenagens” e “peças para manutenção”, e a


concepção de organização corporal e anatômica, é necessária à percepção do
educando, mas os livros didáticos acabam reforçando um “biologismo” da
saúde/corpo e suas funcionalidades.
[...] A experiência dos profissionais de saúde vem comprovando, de longa
data, que a informação, isoladamente, tem pouco ou nenhum reflexo em
mudanças de comportamento e que a mera informação, ou o "biologismo"
— que valoriza a anatomia e a fisiologia para explicar a saúde e a doença
—, não dá conta dessa tarefa. Os detalhes relativos a processos fisiológicos
ou patológicos ganharão sentido no processo de aprendizagem na medida
em que contribuírem para a compreensão das ações de proteção à saúde a
eles associadas [...]. (BRASIL, 1997d, p. 98)

O tópico B –“ Indica as medidas de


autocuidado (uso de sanitários, lavagem das
mãos, limpeza de cabelos e unhas, higiene
bucal, uso de vestimenta e calçados, banho
diário)”, também é bem presente na análise e
está em 5 (cinco) capítulos/unidades/lições. As
unidades representativas a este tópico são
exemplificadas nas figuras 59 e 60.
Segundo os PCN (BRASIL, 1997d, p.
110) há que se tratar das “medidas práticas de
autocuidado para a higiene corporal: utilização
adequada de sanitários, lavagem das mãos
antes das refeições e após as eliminações,
limpeza de cabelos e unhas, higiene bucal,
uso de vestimentas e calçados apropriados,
banho diário”. Percebemos que a preocupação
higienista e sanitarista com o corpo é muito
presente e bem anunciada nos conteúdos dos
livros didáticos analisados. Mesmo oriundos de
um pensamento construtivista como são os
PCN, os conteúdos são tratados de forma
distanciada dos contextos dos educandos; os
livros didáticos aprovados pelo MEC não se
preocupam em discutir as condições sociais
Fig. 59 – Página de Livro Didático
(LI-3, 2006, p. 300)
O Corpo Escrito e Visto:
reflexões a partir de livros didáticos das séries iniciais
102

em que esses “corpos” dos


educandos estão vivendo e nem
refletem, questões que envolvem
água encanada e tratada,
saneamento básico, atendimento de
qualidade de urgência e emergência
e as próprias condições sócio-
econômicas para possibilitar uma
alimentação equilibrada e adequada.
Fracalanza;Neto (2006),
afirmam que o “livro didático, ao
tratar o corpo humano, explicita a
relação entre as formas dos órgãos e
suas funções, se considera a forma

Fig. 60 – Página de Livro Didático


(LI-3, 2006, p. 433)

permitindo a execução de uma função ou, ainda, se considera a forma como


necessidade para uma função” (p.59). Ao nosso ver, o resultado aponta, que o
tópico analisado sobre o corpo, exigido pelos PCN, está bem representado, porém
apresenta o corpo de forma sistematizada e por partes, não refletindo uma
organização harmoniosa.
O Corpo Escrito e Visto:
reflexões a partir de livros didáticos das séries iniciais
103

O tópico C – “Valoriza as medidas de autocuidado com ênfase na


autonomia”, encontra-se em 3 capítulos/unidades/lições. Destacamos as seguintes
unidades representativas deste tópico:

Fig. 61 – Página de Livro Didático


(LDC-1, 2008, p. 73)
O Corpo Escrito e Visto:
reflexões a partir de livros didáticos das séries iniciais
104

Fig. 62 – Página de Livro Didático


(LI-1, 2008, p. 35)

Segundo os PCN (BRASIL, 1997d, p.110) a “valorização da prática cotidiana


e progressivamente mais autônoma de hábitos de higiene corporal favoráveis à
saúde”, constitui em uma atividade coletiva entre as famílias e a escola, para que o
educando compreenda em uma dinâmica social e individual o que foi
transmitido/assimilado pela escola, quanto aos conteúdos sobre o corpo. Devemos,
no entanto, considerar os padrões de vida, culturas e pré-disposição em aprender-
fazendo, não podemos mencionar uma dieta alimentar universal em que os povos
compartilhem do mesmo seguimento nutricional, devemos perceber o contexto da
região e re-significar os saberes locais, os nutrientes (ervas, leguminosas, frutos e
sementes) e as possibilidades de uma alimentação saudável e rica culturalmente.
Garantir a formação e a informação aos educandos de que há necessidade
em analisar questões referentes ao tratamento de água, poluição de lençóis
freáticos, fontes de contaminação, armazenamento de alimentos, coleta seletiva do
O Corpo Escrito e Visto:
reflexões a partir de livros didáticos das séries iniciais
105

lixo e a higiene corporal, são aspectos relevantes, porém sem estarem


desassociados das influências do meio em que vivem, desenvolvendo assim uma
conduta de respeito e cidadania.
O tópico D – “Aponta a responsabilidade das medidas de autocuidado para a
saúde”, está presente em 6 (seis) capítulos/unidades/lições. Destacamos algumas
unidades representativas ao tópico analisado:

Fig. 63 – Página de Livro Didático


(LDC-1, 2008, p. 71)
O Corpo Escrito e Visto:
reflexões a partir de livros didáticos das séries iniciais
106

Fig. 64 – Página de Livro Didático


(LI-1, 2008, p. 37)

Fig. 65 – Página de Livro Didático


(LDC-4, 2008, p. 90)
O Corpo Escrito e Visto:
reflexões a partir de livros didáticos das séries iniciais
107

Fig. 66 – Página de Livro Didático


(LI-4, 2006, p. 434)

Segundo os PCN (BRASIL, 1997d, p. 110), a “responsabilidade pessoal na


higiene corporal como fator de proteção à saúde individual e coletiva” é importante
para que o educando compreenda que o processo de aprendizagem não se dá
apenas de forma individual e sim coletiva, apontando a prevenção e o envolvimento
de todos da comunidade para a formação de uma vida socialmente mais saudável.
Muitos problemas enfrentados pela sociedade resultam em conseqüências graves
ao corpo, porém a ajuda comunitária partindo de um interesse individual tem grande
resultado. No entanto, não podemos deixar a comunidade trabalhar por nós.
Creio poder afirmar, na altura destas considerações, que toda prática
educativa demanda a existência de sujeitos, um que, ensinando, aprende,
outro que, aprednendo, ensina, daí o seu cunho gnosiológico; a existência
de objetos, conteúdos a serem ensinados e aprendidos; envolve o uso de
métodos, de técnicas, de materiais; implica, em função de seu caráter
diretivo, objetivo, sonhos, utopias, ideais. Daí a sua politicidade, qualidade
que tem a prática educativa de ser política, de não poder ser neutra.
(FREIRE, 2007, p. 69)
O Corpo Escrito e Visto:
reflexões a partir de livros didáticos das séries iniciais
108

O sentido de re-avaliar os conteúdos sobre o corpo nas escolas do ensino


fundamental, com ênfase naqueles tratados e apresentados nos livros didáticos,
propõe um novo sentido ao olhar para o corpo, destacando sua complexidade
cultural e orgânica, atrelado aos saberes historicamente construídos pelo homem.
O tópico E – “Ressalta o respeito às potencialidades e limites do próprio
corpo e de terceiros”, não está presente em nenhum dos capítulos/unidades/lições.
Posso enfatizar que o tópico apareceu em apenas um exercício proposto e não
como conteúdo, como é proposto pelos PCN; segue o exemplo do exercício:

Fig. 67 – Página de Livro Didático


(LI-1, 2008, p. 39)
O Corpo Escrito e Visto:
reflexões a partir de livros didáticos das séries iniciais
109

Segundo os PCN (BRASIL, 1997d, p. 110) o “respeito às potencialidades e


limites do próprio corpo e do de terceiros”, provoca o encontro com o debate dos
Estudos Culturais e do Currículo Pós-estruturalista, abrindo a discussão para o
multiculturalismo, em que o cidadão, sujeito globalizado e constituído por momentos
de cultura, esteja atento as questões da diferença e diversidade dos corpos, seja
pelo gênero, grupo étnico, orientação sexual (bissexual, transexual,
homossexual/afetivo e outros) e classe econômica.
Trabalhar neste sentido de promover uma visão das identidades como
frutos de construções, sempre provisórias e híbridas, pode ser um
importante ponto em propostas curriculares multiculturais. Ao mesmo
tempo, a ancoragem de discursos disciplinares em perspectivas de desafio
a racismos e outros preconceitos representa também uma forma de se
tentar “conciliar” diretrizes curriculares impostas e a perspectiva multicultural
crítica (CANEN apud LOPES;MACEDO, 2002, p. 191)

Com base no exposto, no que tange aos Tópicos – Temas sobre o Corpo,
constatamos que falta nos conteúdos escolares, apresentar os limites do “eu” corpo
e do corpo do “outro” e suas possibilidades, principalmente sobre os corpos dos
portadores de deficiência, que antes não sentiam-se atletas por não terem um corpo
“perfeito”, mas que hoje em suas potencialidades psicológicas e avanços da ciência,
puderam mostrar ao mundo que o corpo também esmera superação. Há que
respeitar o corpo do outro como segredo íntimo, inigualável e incomparável; cada
um de nós segue uma ordem genética, social e biologica que influencia no
desenvolvimento de nosso corpo (GARCIA, 2002); assim, podemos refletir quanto
nossas aflições e re-significamos os valores do corpo e sua complexidade.

5.3 – Sobre a contextualização do conteúdo corpo nos Capítulos/Unidades/Lições

Neste aspecto, buscamos nos capítulos/unidades/lições o que refere o


Quadro 8 a seguir.
QUADRO 8
Formas de Contextualização do Conteúdo corpo

A - Relação com o bairro/distrito onde o aluno mora


B - Relação com o município onde o aluno mora
C - Relação com o Estado do Pará
D - Relação com a Região Norte/ Amazônia
O Corpo Escrito e Visto:
reflexões a partir de livros didáticos das séries iniciais
110

Constatamos que em nenhum dos 9 (nove) capítulos/unidades/lições, tal


aspecto foi tratado; como evidenciado no Gráfico 5.

GRÁFICO 5
Formas de Contextualização do Conteúdo Corpo nos Capítulos/Unidades/Lições

De acordo com os PCN (BRASIL, 1997a) e o Plano Nacional do Livro Didático


– PNLD (BRASIL, 2001), é de extrema necessidade que as editoras e autores se
preocupem com a contextualização e interdisciplinaridade, bem como com a
utilização dos temas transversais nos conteúdos a serem apresentados aos
educandos, proporcionando-lhes a formação para a cidadania e a qualificação para
o trabalho.
Embora os conteúdos de ensino constituam o cerne da relação pedagógica e
o aspecto essencial da aula, precisam ser organizados de modo que atendam aos
interesses e às necessidades dos educandos e sejam articulados às suas
experiências e contextos de aprendizagem anteriores e atuais (SCARPATO, 2004).
“Ressalta-se aí a importância do professor na prática diária de sala de aula.
Cabe a ele a tarefa, tão necessária, de fazer com que o conteúdo do livro didático
torne-se reflexo das diferentes partes da realidade que é dinâmica e mutável”
(CAPORALINI apud VEIGA, 2001, p. 102).
O Corpo Escrito e Visto:
reflexões a partir de livros didáticos das séries iniciais
111

Na verdade, a nossa prática pedagógica tradicional levou-nos a tratar os


acontecimentos da realidade social de forma fragmentada e desvinculada das
experiências significativas do educando, não dando real valor aos contextos
culturais, sociais, políticos, econômicos e pessoais. Há necessidade de se trabalhar
a abordagem contextualizada fundamentada no ponto de vista globalizador,
buscando a operacionalização por meio do aprendizado da interdisciplinaridade. Ao
adotar o exercício interdisciplinar na escola, envolvemos os temas transversais às
disciplinas. Só assim professores e educandos compartilham o aprendizado e
constroem juntos o conhecimento (FAZENDA, 2005).
A educação, como processo de socialização integralizador dos indivíduos no
contexto social, tem sido abordada de diferentes formas na sociedade brasileira,
variando com o tempo e o meio. Atualmente o ensino adquiriu uma tonalidade de
que qualquer coisa a ser estudada deve ter relação com o mundo de vida do
educando. Ao formular atividades que não contemplam a realidade imediata dos
educandos, formam-se então indivíduos treinados para repetir conceitos, aplicar
fórmulas e armazenar termos, sem, no entanto, reconhecer possibilidades de
associá-los ao seu cotidiano. É importante o educando reconhecer as possibilidades
de associação do conteúdo com contextos locais, para que haja o significado
imediato daquilo que se vê em sala de aula, no nosso caso não percebemos a
relação dos livros didáticos analisados com o bairro, cidade, estado e a região em
que o educando vive.
A contextualização tem muito a ver com a motivação do educando, ou seja,
dar sentido naquilo que ele aprende, fazendo com que relacione o que está sendo
ensinado com sua experiência cotidiana. Por meio da contextualização, o educando
faz uma relação entre teoria e a prática, o que é previsto na Lei de Diretrizes e
Bases da Educação Nacional 9.394/96 e nos PCN (BRASIL, 1997a), que definem o
ato de ensinar como uma elaboração humana para a compreensão do mundo.
Com todos os problemas, o professor se vê sem instrumentos que mudem o
“jeito de ser” que as aulas têm há muitos anos, restando como um dos poucos
recursos o livro didático que acaba por ditar o que deve ser ensinado nas escolas.
As mudanças na sociedade, bem como nas atitudes e pensamentos das pessoas
passaram a exigir um auxílio imediato na reflexão e resolução de problemas e
situações do dia-a-dia. Diante disto, a escola não consegue abarcar a diversidade do
mundo, pois a demanda atual é por transformar conhecimentos escolares em
O Corpo Escrito e Visto:
reflexões a partir de livros didáticos das séries iniciais
112

instrumentos dos objetos sociais presente na atualidade e a forma como as disciplinas


estão organizadas no sistema escolar não permitem alcançar este objetivo. Assim
sendo, a educação contempla uma aprendizagem voltada à memorização de
fórmulas, datas e dados totalmente alheios às preocupações daqueles que
freqüentam as escolas. A atualidade em que a sociedade se encontra exige uma
maior participação do educando no que se refere ao ensino-aprendizagem.
A contextualização visa a dar significado ao que se pretende ensinar para o
educando, auxilia na problematização dos saberes a ensinar fazendo com que o
aluno sinta a necessidade de adquirir um conhecimento que ainda não tem e é
fundamental para motivar nossos educandos (LIBÂNEO, 2008). Se, como
educadores, conseguirmos trazer para sala de aula situações que permitem ao
educando se identificar, conseguiremos uma interação maior em sala de aula pois o
educando vê, assim, ligação com a vida. A escola deve contribuir para a formação
do sujeito aprednente, vendo-o como pessoa humana, crítico e reflexivo frente à
realidade em que vive. Portanto, as várias estratégias de ensino devem permitir a
significação da aprendizagem e a contextualização mostra-se como uma boa
possibilidade de dinamizar o ensino, envolvendo mais os educandos com o
conhecimento científico, mas inserido no seu mundo de vida.
Reconhecemos que contextualizar o corpo na escola e na sala de aula é uma
tarefa árdua e que requer pesquisas, debates e reflexões; há que se considerar que
os educandos do ensino fundamental menor em virtude do acesso às informações
da rede informatizada e das “imagens” dos corpos “perfeitos” e sarados, convivem
com os “cyber-corpos”- Termo utilizado pelo Prof. Dr. Edvaldo Souza Couto, na
Mesa Redonda “Corpo e cultura contemporânea” no 2° Seminário Brasileiro de
Estudos Culturais e Educação – ULBRA-Canoas, em 03 de agosto de 2006- que são
diagramatizados pela internet e pelos meios de comunicação, e que só fazem alusão
ao que é belo. Devemos então conceber uma contextualização sobre um corpo
mutável, ágil e dinâmico na sociedade, valorizando seus cuidados e prevenção, em
busca de uma vida saudável.
Devemos avançar no discurso sobre o corpo, salientar que a cada dia os
adolescentes precisam buscar as práticas esportivas, controlar a alimentação, curtir
as “coisas” da vida e da idade. “Mas será que seu corpo-orgânico está preparado
para tal situação?” Há que contextualizar as mudanças de humor, os sentimentos e
até agressividade (bulling) que compromete o desenvolvimento do corpo-mente; tem
O Corpo Escrito e Visto:
reflexões a partir de livros didáticos das séries iniciais
113

que refletir sobre as relações corpo e afeto, corpo e intelecto, corpo e estética e
corpo e diferença (GARCIA, 2002). São tantas relações e contextos, que a escola
necessita provocar um olhar mais significativo aos corpos dos educandos,
sensibilizando e humanizando a convivência adequada do cidadão.

5.4 – Sobre o enfoque saúde implícito no Conteúdo corpo nos Capítulos /


Unidades / Lições.

Neste aspecto, buscamos nos capítulos/unidades/lições os seguintes tópicos


apresentados no Quadro 6.
Quadro 9
Enfoques de Saúde Implícitos no Conteúdo Corpo
A - Preventivo (indica comportamentos específicos a serem adotados)
B - Escolha informada (propõe uma ação com base no princípio da eleição
informada sobre os ricos à saúde)
C - Desenvolvimento pessoal (indica destrezas para a vida que levem ao
aumento das potencialidades do indivíduo de uma maneira global,
relacionando o corpo com o contexto)
D - Radical (critica as condições e a estrutura e orienta para a transformação
das condições geradoras de doenças)

Constatamos que dois enfoques se destacaram, como demonstrado no


Gráfico 6.
GRÁFICO 6
Enfoques de Saúde implícitos no Conteúdo Corpo nos Capítulos/Unidades/Lições
O Corpo Escrito e Visto:
reflexões a partir de livros didáticos das séries iniciais
114

O enfoque mais presente foi o B – Escolha Informada, encontrado em 7 (sete)


capítulos/unidades/lições dos 9 (nove) analisados. Segundo Stotz (1993), o enfoque
chamado “Escolha Informada” trata de indicar ao indivíduo o seu lugar como sujeito
da sociedade, informando-o dos riscos à saúde, sua privacidade e dignidade como
cidadão. Apresenta uma preocupação em investigar e respeitar os saberes dos
usuários para uma determinada atividade/ação em educação em saúde; tornou-se
muito utilizado após a preocupação em humanizar o atendimento a população nos
sistemas de saúde pública.
A unidade de registro a seguir apresentada representa tal enfoque.

Fig. 68 – Página de Livro Didático


(LDC-4, 2008, p. 87)

Outro enfoque encontrado em 5 (cinco) conteúdos dos


capítulos/unidades/lições analisados foi o A - Preventivo. Segundo Stotz (1993), este
enfoque significa, prevenir a população dos ricos à saúde com a falta de higiene,
dietas desequilibradas, falta de exercícios, uso indevido de medicamentos, falta de
saneamento básico e outras situações que acarretam em doenças e infecções
degenerativas, provocando um exercício de educação em saúde voltado a uma
educação sanitarista e higienista, seguindo um modelo médico,biológico e
preventivo. As unidades a seguir ilustram o referido enfoque.
O Corpo Escrito e Visto:
reflexões a partir de livros didáticos das séries iniciais
115

Fig. 69 – Página de Livro Didático


(LI-2, 2006, p. 274)
O Corpo Escrito e Visto:
reflexões a partir de livros didáticos das séries iniciais
116

Fig. 70 – Página de Livro Didático


(LDC-1, 2008, p. 68)
O Corpo Escrito e Visto:
reflexões a partir de livros didáticos das séries iniciais
117

O enfoques C foi encontrado em um conteúdo analisado e o D não foi


encontrado em nenhum conteúdo analisado. Segundo Stotz (1993) o enfoque C –
Desenvolvimento Pessoal, refere-se ao desenvolvimento de potencialidades no sujeito
em perceber e controlar seus impulsos, conhecer melhor seu corpo, gestar melhor seu
tempo para cumprir prescrições médicas, saber trabalhar em grupo e perceber uma
educação em saúde emancipadora. Já o enfoque D – Radical, apresenta ao indivíduo
que a precariedade no atendimento à saúde advêm de situações sociais, enraizadas na
sociedade de classe, aponta as gerências falhas dos sistemas de saúde, das
organizações e da própria sociedade que deve procurar unir-se cada vez mais
preocupada com seu bem-estar, este enfoque parte de um princípio libertário,
renovador e que possibilita transformações emergenciais no atendimento a saúde.
Este resultado revela que o conteúdo corpo está sendo tratado numa perspectiva
tradicional e bancária, sem preocupação em mudar o pensamento do educando para as
possíveis situações de educação em saúde de seu próprio corpo e do outro. Enquanto
não percebermos a necessidade de reformular os conteúdos dos livros didáticos, a idéia
que sempre teremos do corpo é a de “máquina orgânica”, “sistema funcional”, que deve
ser higiênico e sem doenças (BUENO, 2007). O corpo escrito e visto nos livros didáticos
analisados, é um corpo cartesiano pautado no controle corporal e no equilíbrio da vida,
sem se compreender as necessidades do homem, o mercado de trabalho, sua vaidade,
as doenças oportunistas, as mutações de vírus e bactérias, as relações do meio em que
se vive que também influenciam o corpo.
Apresentado desta forma, o ser humano será construído na imaginação de cada
criança como sendo a superposição dos membros, dos órgãos, enfim, uma mera
soma de todas as suas partes. E o que é pior, os livros ao colocarem o corpo
humano como fábrica ou máquina, o cérebro como chefe e os órgãos como
operários, passam aos estudantes uma concepção hierárquico-funcionalista do
corpo humano, estando aberto o caminho para compreendermos dessa mesma
forma as relações sociais (PRETTO, 1985, p. 66).

A dinâmica do ser social falta ser acentuada e re-significada, é aceitável


aprender os conteúdos relacionados à higiene pessoal, prevenção, funcionamento dos
sistemas orgânicos e localização dos órgãos, músculos e ossos, porém, do que
adianta se ainda não me conheço como potencialidade humana, como posso
contribuir para a evolução do outro de minha espécie? O corpo é funcional, habitual e
necessário, não apenas usual; é o grande mistério da vida, urge cultivá-lo com
cuidado, prevenção e humanização, para que possamos em breve, em outros estudos
perceber um corpo saudável escrito e visto nos livros didáticos das séries iniciais.
O Corpo Escrito e Visto:
reflexões a partir de livros didáticos das séries iniciais
118
O Corpo Escrito e Visto:
reflexões a partir de livros didáticos das séries iniciais
119

Ao longo do estudo realizado com os livros didáticos das séries iniciais,


percebemos que o corpo possui representações significativas em torno de um
simbolismo social, econômico e cultural, ainda atrelado a concepções biologicistas,
higienistas e sanitárias; ainda predomina o ensinar a ter um corpo saudável
imunizado contra vírus, bactérias e doenças oportunistas, mas um corpo sem
cuidados, sem atenção e sem qualidade de vida.
Quando se estuda as concepções do corpo ao longo do tempo, o corpo ganha
diferentes perspectivas de acordo com os momentos da história cultural e social do
homem, o que ficou evidente em textos sobre a evolução da espécie humana.
Na descoberta do fogo e emergência das lideranças nos povos primitivos,
destaca-se o corpo da guerra e da beleza cultuado pelas civilizações antigas; em
outros tempos temos o corpo das cruzadas, da igreja e da renascença (entre os
séculos XIV e XVI), período em que o homem voltou o olhar para si próprio tendo
Deus como ponto de partida para todas as coisas do universo. Nesse contexto, o
corpo ganhou um olhar diferenciado e delicado nas mãos de artistas, a exemplo de
Michelangelo, Botticelli e Leonardo da Vince; este último considerado o grande gênio
do renascimento italiano (músico, pintor, escultor, arquiteto, engenheiro e estudioso
de anatomia), que dissecou cadáveres para melhor compreender as dimensões e
composição do corpo humano.
Enquanto no século XVI o corpo era discutido como fonte de inspiração
artística, no Brasil iniciava-se o processo de colonização dos corpos indígenas, em
que os aspectos da higiene corporal eram questionados, principalmente quando
ocorre o encontro dos “pelados limpos” (os índios) com os “cobertos sujos” (os
portugueses), pois enquanto os índios banhavam-se umas dez vezes ao dia os
colonizadores em suas embarcações levavam dias, semanas e até meses para ter
um banho.
Percebemos no desenrolar do estudo que os textos e imagens ao longo do
tempo e na história da higiene corporal em nosso país, pouco se preocupam com a
diversidade e possibilidades do corpo, priorizando o controle sanitário, higiênico e
biologicista (cabeça, tronco e membros). A situação ganhou mais proporção com a
criação do Ministério da Educação e Saúde, em que os dois eixos, educação e
saúde, caminhavam juntos, disciplinando os corpos escolares e familiares dos
educandos, como forma de amenizar as epidemias muito presentes nos meados do
início do século XX.
O Corpo Escrito e Visto:
reflexões a partir de livros didáticos das séries iniciais
120

As discussões curriculares mais contemporâneas, que tratam da organização


das disciplinas e conteúdos sobre os cuidados com o corpo, com a saúde e demais
questões de uma vida saudável, foram crescendo nas escolas, adotando-se um
olhar transversal e interdisciplinar, que passa então a influenciar disciplinas e
atividades pedagógicas, envolvendo e dando destaque a um dos mais antigos
artefatos pedagógicos, os “manuais de instrução”, os “livros-textos”, hoje
apresentados como livros didáticos. Os livros didáticos receberam uma política de
organização e publicação, preocupada em disseminar qualidade de ensino e
oportunizar à classe estudantil adquirir coleções que oferecessem aprendizado e
pesquisa.
Em nossa pesquisa analisamos as perspectivas sobre o corpo veiculadas nos
livros didáticos das séries iniciais utilizados em escolas de Belém-Pará. Com base
nos resultados apresentados, podemos concluir que a idéia de transversalidade
inserida nos PCN de saúde, pluralidade cultural, orientação sexual, meio ambiente,
ética, trabalho e consumo, não é atendida, pois os temas não são articulados e
encontram-se isolados nos livros didáticos. Exemplo disso foi que a discussão sobre
saúde só foi encontrada nos livros didáticos referentes à disciplina Ciências, o que
comprova nas coleções analisadas o desacordo com o PNLD, em que os livros
didáticos devem ser desenvolvidos em uma perspectiva interdisciplinar, transversal e
construtivista.
No que tange ao primeiro objetivo específico de nossa pesquisa (identificar
como os conteúdos sobre o corpo organizam-se e são apresentados nos livros
didáticos das séries iniciais), concluímos que o conteúdo corpo mesmo sendo
obrigatório no currículo da disciplina Ciências, não se encontra organizado e
apresentado de acordo com as idéias contidas nos PCN da disciplina, que referem
que devemos perceber o corpo como produto de um meio, da cultura e em
permanente processo de desenvolvimento, procurando conhecer seu
funcionamento, valorizando o autocuidado e as mudanças ao longo da vida coletiva.
Os livros didáticos apresentam um corpo único, escrito e visto de maneira
disciplinadora e marcado por concepções higienistas, sanitaristas e orgânicas de
décadas passadas. Parece existir um tabu para tratar de temas referentes à
orientação sexual e princípios de prevenção às doenças sexualmente
transmissíveis, ficando a cargo do professor dinamizar e incorporar tal unidades de
estudos, que no livro didático é inexistente.
O Corpo Escrito e Visto:
reflexões a partir de livros didáticos das séries iniciais
121

Quanto ao segundo objetivo específico (diagnosticar quais aspectos sobre o


corpo revelam-se nos tipos de texto e nas imagens/figuras nos livros didáticos das
séries iniciais), consideramos que o corpo escrito e visto nos livros didáticos
analisados é revelado em “partes”, como um organismo que deve funcionar
perfeitamente, em que os órgãos, sentidos e aparelhos exercem funções e são os
elementos da “máquina” humana. Percebemos que há um colorido, uma
preocupação em apresentar os elementos do corpo e os cuidados com a higiene
corporal necessários para uma vida saudável, porém sentimos falta de imagens da
vida diária, do cotidiano, do mundo-da-vida que os educandos vivem; sentimos falta
do corpo saudável, corpo em mudança e transformação e conseqüentemente
vinculado às situações culturais do educando.
No que se refere ao terceiro objetivo específico (perceber quais aspectos
referentes ao corpo reforçam-se nos exercícios dos livros didáticos das séries
iniciais), concluímos que a idéia reforçada é a “decorativa”, o que se confirma a partir
dos exercícios apresentados, pois, a maioria são perguntas estimuladas com
imagens enquanto reforço de aprendizagem com vistas a revisão das
unidades/capítulos/lições já estudados, não se valorizando possibilidades de
reflexão e análise dos educandos sobre o seu corpo, mas apenas uma reafirmação
de um corpo sistematizado e biológico.
Finalmente, sobre o quarto objetivo específico de nossa pesquisa (mostrar
que enfoques de saúde se manifestam nos conteúdos sobre o corpo nos livros
didáticos das séries iniciais), podemos afirmar que os enfoques mais evidentes,
escritos e vistos sobre o corpo nas unidades/capítulos/lições, são os que salientam a
prevenção (higienista e sanitarista) e os cuidados para não adquirir doença,
descartando a crítica ao ambiente em que os educandos vivem, as condições
sociais e políticas de atendimento à saúde pública, bem como, a não
contextualização do mundo vivido pelos educandos.
Do exposto, sugerimos uma revisão cautelosa dos currículos da disciplina
Ciências, bem como, um trabalho exaustivo para se atender às exigências do MEC,
PNLD e PCN, para que possamos pensar em desenvolver uma nova ação
pedagógica voltada para a construção e re-elaboração de saberes sobre o corpo na
escola e conseqüentemente na vida cotidiana.
Não podemos restringir o tema saúde às questões relativas ao corpo, pois há
outros aspectos a serem tratados. No entanto, sentimos falta nas
O Corpo Escrito e Visto:
reflexões a partir de livros didáticos das séries iniciais
122

unidades/capítulos/lições analisadas de aspectos sobre a relação do corpo com o


meio ambiente, de pontos que tratassem do sujeito enquanto parte da
biodiversidade do planeta; questões de ética, referentes a violência e ao respeito do
corpo do outro; não há ênfase à pluralidade cultural nem debates sobre as
diversidades da raça, gênero e cultura dos corpos sociais; há pouco destaque à
orientação sexual, apesar de que a cada ano o tempo e o espaço vivido por nossos
educandos apresentam novas formas de perceber e experimentar o corpo e por fim
não há pistas sobre o tema transversal consumo, que manifesta a relação do corpo
malhado, do corpo na moda e do corpo perfeito.
A escola como campo de saberes e conhecimentos, deve preocupar-se com a
organização curricular e com os conteúdos dos livros didáticos, para não
desenvolver um trabalho pedagógico distanciado das necessidades e vivências dos
educandos.
É importante selecionar livros didáticos que apresentem conteúdos sobre o
corpo, exigidos no currículo/série do educando de acordo com os PCN, mas há que
se escolher livros que também apresentem o corpo com suas possibilidades
múltiplas bem como dêem ênfase ao ser vivo numa perspectiva dinâmica, que
possuiu um lugar e um espaço regionalizado com características peculiares e
diversificadas (principalmente em nosso caso, os corpos Amazônidas). Há que se
considerar que o corpo comunica-se e desenvolve-se com a linguagem, a arte, a
medicina e as condições culturais.
Queremos sim, uma escola contextualizada, interdisciplinar e construtivista,
seguindo a harmonia da floresta, a sutileza do caboclo amazônico, em que o meu e
o teu corpo sejam re-significados a cada instante. Assim como as curas dos males
são encontradas no chão da floresta amazônica, em raízes, folhas e caules, que
encontremos também neste chão um apoio pedagógico consistente e valorativo.
Ao tratarmos do corpo, que seja sempre a partir de uma possibilidade de
compreensão e percepção mais orgânica, que destaque as necessidades
hormonais, de hábitos e atitudes, relações sociais e culturais. Apoiamos a editoração
de livros didáticos mais próximos a nossa realidade amazônica e paraense, para que
nossos corpos sintam-se revitalizados e tenham sentido no saber escolar.
As reflexões aqui ainda transitórias, sem pretensão de serem conclusivas
sobre o corpo escrito e visto nos livros didáticos das séries iniciais, impulsionam a
esperança de lançarmos um olhar aos corpos em busca da qualidade de vida,
O Corpo Escrito e Visto:
reflexões a partir de livros didáticos das séries iniciais
123

buscando o desenvolvimento de um saber crítico sobre o que se refere a


funcionabilidade do organismo humano e suas atribuições sociais.
A pesquisa não se esgota aqui, é na verdade uma nova possibilidade de
compreender a necessidade de se ampliar o olhar e os estudos acerca dos saberes
culturais e a educação na Amazônia. Nossa contribuição acerca dos corpos vistos e
lidos é para os aprendentes amazônidas, para que possam crescer, se
desenvolverem e criarem uma grande rede de relações humanas com outros corpos
do planeta. Assim, num futuro breve, quem sabe já teremos o que analisar, ler,
escrever e ver sobre o corpo nos livros didáticos.
O Corpo Escrito e Visto:
reflexões a partir de livros didáticos das séries iniciais
124
O Corpo Escrito e Visto:
reflexões a partir de livros didáticos das séries iniciais
125

ABRIL, Cultural. Coleção dos grandes artistas. Michelangelo. São Paulo: Abril
Cultural, 1967.

ARANTES, Antonio Augusto. O que é cultura popular. São Paulo: Brasiliense,1990.

ASSAYAG, Simão. Boi-bumbá: festas, andanças, luz e pajelanças. Brasília:


Ministério da Cultura-Fundação Nacional de Arte, 1996.

BAKHTIN, Mikhail. Marxismo e filosofia da linguagem. Trad. de Michel Lahud e


Yara Frateschi Vieira. São Paulo: HUCITEC, 2004.

BARBOSA, Laura Monte Serrat. Temas Transversais: como utilizá-los na prática


educativa? Curitiba: Ibpex, 2007.

BELO, André. História & livro e leitura. Belo Horizonte: Autêntica, 2008.

BENCOSTTA, Marcus Levy Albino (Org.). Culturas escolares, saberes e práticas


educativas: intinerários históricos. São Paulo: Cortez, 2007.

BITTENCOURT, Circe. Livro didático e saber escolar (1810 – 1910). Belo


Horizonte: Autêntica, 2008.

BOFF, Leonardo. Saber cuidar: ética do humano- compaixão pela terra.


Petrópolis, RJ: Vozes, 1999.

BRANDÃO, Carlos Rodrigues. A educação como cultura. São Paulo: Campinas:


Mercado das Letras, 2002.

______. A educação popular na escola cidadã. Petrópolis: Vozes, 2002.

BRASIL, Ministério da Educação e Cultura. Lei de Diretrizes e Bases da Educação


Nacional, Lei n. 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Brasília: DF, 1996.

BRASIL, MEC (Ministério da Educação e Cultura). Parâmetros Curriculares


Nacionais: Introdução. Vol. 1. Brasília: SEF, 1997a.

______, MEC (Ministério da Educação e Cultura). Parâmetros Curriculares


Nacionais: Ciências Naturais. Vol. 4. Brasília: SEF, 1997b.

______, MEC (Ministério da Educação e Cultura). Parâmetros Curriculares


Nacionais: Apresentação dos temas transversais e Ética. Vol. 8. Brasília: SEF,
1997c.

______, MEC (Ministério da Educação e Cultura). Parâmetros Curriculares


Nacionais: Meio ambiente e Saúde. Vol. 9. Brasília: SEF, 1997d.

______, MEC (Ministério da Educação e Cultura). Parâmetros Curriculares


Nacionais: Pluralidade cultural e Orientação sexual. Vol. 10. Brasília: SEF, 1997e.
O Corpo Escrito e Visto:
reflexões a partir de livros didáticos das séries iniciais
126

BUENO, Eduardo. Passando a limpo: a história da higiene pessoal no Brasil.


São Paulo: Gabarito de Marketing Editorial, 2007.

BURKE, Peter. A escrita da história: novas perspectivas, São Paulo: Editora


UNESP, 1992.

CANDAU, Vera Maria (Org.). A didática em questão. 30 ed. Petrópolis, RJ: Vozes,
2010.

CANEN, Ana. Sentidos e dilemas do multiculturalismo: desafios curriculares para o


novo milênio. In LOPES, Currículo: debates contemporâneos. Alice Casimiro;
MACEDO, Elizabeth (Orgs.).. São Paulo: Cortez, 2002.

CANESQUI, A. M. Trajetória da educação popular nas instituições estaduais de


saúde. Rio de Janeiro: Graal, 1984.

CAPORALINI, Maria Bernadete Santa Cecília. Na dinâmica interna da sala de


aula: o livro didático. In Repensando a didática. VEIGA, Ilma Passos Alencastro
(Org.). Campinas, SP: Papirus, 2001.

CARVALHO, M. P.; VILELA, R. A. T.; ZAGO, N. (Orgs.). Itinerários de pesquisa:


perspectivas qualitativas em sociologia da educação. Rio de Janeiro: DP&A,
2002.

CAVALCANTI, Diego Rocha Medeiros. O surgimento do conceito “corpo”:


implicações da modernidade e do indivíduo. CAOS – Revista eletrônica de
Ciências Sociais, n 9, set./2005, p. 53-60. http://www.cchla.ufpb.br/caos

CHARTIER, Roger. A ordem dos livros:leitores, autores e bibliotecas na Europa


entre os séculos XIV e XVIII, tradução de Mery Del Piore, Brasília: Universidade de
Brasília, 1994.

COURTINE, Jean – Jacques. O espelho da alma. In História do corpo: Da


Renascença às luzes. CORBIN, Alain; COURTINE, Jean Jacques; VIGARELLO,
Georges (Orgs.). Petrópolis, RJ: Vozes, 2008.

FAURE, Olivier. Olhar dos médicos. In História do corpo: Da revolução à grande


guerra. CORBIN, Alain; COURTINE, Jean Jacques; VIGARELLO, Georges (Orgs.).
Petrópolis, RJ: Vozes, 2008.

FAZENDA, Ivani C. A. (Coord.). Práticas interdisciplinares na escola. São Paulo:


Cortez, 2005.

FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Miniaurélio Século XXI Escolar. O


minidicionário da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001

FRACALANZA, Hilário; NETO, Jorge Megid (Orgs.). O livro didático de Ciências


no Brasil. Campinas: Editora Komedi, 2006.
O Corpo Escrito e Visto:
reflexões a partir de livros didáticos das séries iniciais
127

FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática


educativa. São Paulo: Paz e Terra, 2007.

______. Pedagogia do oprimido. São Paulo: Paz e Terra, 2006.

FREITAG, Bárbara; COSTA, Wanderly F.; MOTTA, Valéria R. O livro didático em


questão. 2 ed. São Paulo: Cortez, 1993.

GADOTTI, Moacir. História das Idéias Pedagógicas. São Paulo: Ática, 2006.

GARCIA, Regina Leite. O corpo que fala dentro e fora da escola. Rio de janeiro:
DP&A, 2002.

GAZZINELLI, Maria Flávia; REIS, Dener Carlos; MARQUES, Rita de Cássia (Orgs.),
Educação em saúde: teoria, método e imaginação. Belo Horizonte: Editora
UFMG, 2006.

GÉLIS, Jacques. O corpo, a igreja e o sagrado. In. História do corpo: Da


Renascença às luzes. CORBIN, Alain; COURTINE Jean Jacques; VIGARELLO
Georges (Orgs.). Petrópolis, RJ: Vozes, 2008.

GINZBURG, Carlo. O queijo e os vermes; o cotidiano e as idéias de um moleiro


perseguido pela Inquisição. São Paulo: Companhia das letras, 2007.

GOMBRICH, E. H. A história da arte. Rio de Janeiro: LCT, 1999.

GONÇALVES, Maria Augusta Salin. Sentir, pensar, agir – Corporeidade e


educação. Campinas, SP: Papirus, 2006.

GRUZINSKI, Serge. A colonização do imaginário; sociedades indígenas e


ocidentalização no México espanhol, séculos XVI-XVII. São Paulo: Companhia
das Letras, 2003.

HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. 3a ed. Rio de Janeiro:


DP&A, 1999.

HAGE, Salomão Mufarrej. Currículo e política cultural: movimentos de construção da


hegemonia de um projeto de sociedade. In Pesquisa em educação no Pará.
ARAÚJO, Ronaldo Marcos de Lima (Org.). Belém: EDUFPA, 2003.

LE GOFF, Jacques. História e memória. 5ª edição. Campinas, SP: Editora


UNICAMP, 2003.

LIBÂNEO, José Carlos. Didática. São Paulo: Cortez, 2008.

LIMA, G. Z. Saúde escolar e educação. São Paulo: Cortez, 1985.


O Corpo Escrito e Visto:
reflexões a partir de livros didáticos das séries iniciais
128

LOPES, Alice Casimiro; MACEDO, Elizabeth (Orgs.). Currículo: debates


contemporâneos. São Paulo: Cortez, 2002.

______. Políticas de currículo em múltiplos contextos. São Paulo: Cortez, 2006.

LUZ, M. T. As instituições médicas no Brasil: instrução e estratégia de


hegemonia. 2 ed. Rio de Janeiro: Graal, 1981.

MALUF, Angela Cristina Munhoz. Brincar: prazer em aprendendo. 4 ed. Petrópolis,


RJ: Vozes, 2003.

MARQUES, Isabel A. Dançando na escola. 2 ed. São Paulo: Cortez, 2005.

MATTHEWS – GRIECO, Sara F. Corpo e sexualidade na Europa do Antigo Regime.


In. História do corpo: Da Renascença às luzes. CORBIN, Alain; COURTINE Jean
Jacques; VIGARELLO Georges (Orgs.). Petrópolis, RJ: Vozes, 2008.

MELO, J. A. C. Educação Sanitária: uma visão crítica. Cadernos do CEDES. N° 4,


São Paulo-SP, 1987.

MEYER, Dagmar E. Estermann (Org.). Saúde e sexualidade na escola. 3ed. Porto


Alegre: Mediação, 2006.

______; SOARES, Rosângela de Fátima Rodrigues (Org.). Corpo, gênero e


sexualidade. Porto Alegre: Mediação, 2004.

FONSECA, Maria de Jesus da Conceição Ferreira. Biodiversidade Amazônica no


contexto escolar:algumas considerações. In Referências para pensar aspectos da
educação na Amazônia. OLIVEIRA, Ivanilde Apoluceno de; Teixeira, Elizabeth
(Orgs.). Belém: EDUEPA, 2004.

MOULIN, Anne Marie. O corpo diante da medicina. In História do corpo: as


mutações do olhar. CORBIN, Alain; COURTINE, Jean Jacques; VIGARELLO,
Georges (Orgs.). Petrópolis, RJ: Vozes, 2008.

NASCIMENTO, Ivany Pinto. As representações sociais do projeto de vida dos


adolescentes: um estudo psicossocial. Tese de Doutorado. São Paulo: Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo. 2002.

NAVA, P. Chão de ferro. In Culturas escolares, saberes e práticas educativas:


intinerários históricos. BENCOSTTA, Marcus Levy Albino (Org.).. São Paulo:
Cortez, 2007.

NOGUEIRA, Nilbo Ribeiro. Pedagogia de Projetos: uma jornada interdisciplinar


rumo ao desenvolvimento das múltiplas inteligências. 7 ed. São Paulo: Érica, 2010.

OLIVEIRA, Ivanilde Apoluceno de (Org.). Cartografias ribeirinhas: saberes e


representações sobre práticas sociais cotidianas de alfabetizandos
amazônidas. Belém: Graphitte, 2004
O Corpo Escrito e Visto:
reflexões a partir de livros didáticos das séries iniciais
129

OLIVEIRA, Marcus Aurélio Tabosa de . Educação do corpo na escola brasileira.


Campinas, SP: Autores Associados, 2006.

OLIVEIRA, Maria Marly de. Como fazer pesquisa qualitativa. 2 ed. Petrópolis: RJ:
Vozes, 2008.

PARÁ, Secretaria de Estado de Cultura. Unamazônia: órgão noticioso, crítico,


cultural, consagrado à integração latino-americana. V.1, n.0. Belém : SECULT, 1998.

PELLEGRIN, Nicole. Corpo do comum, usos comuns do corpo. In. História do


corpo: Da Renascença às luzes. CORBIN, Alain; COURTINE Jean Jacques;
VIGARELLO Georges (Orgs.). Petrópolis, RJ: Vozes, 2008.

PEREIRA, Luiz Carlos de A. Curso prático de redação. São Paulo, SP: Meca,
2004.

PRETTO, Nelson de Luca. A ciência nos livros didáticos. Campinas: Editora da


UNICAMP; Bahia: Universidade Federal da Bahia, 1985.

SABÓIA, Vera Maria. Educação em saúde: a arte de talhar pedras. Niterói:


Intertexto, 2003.

SANTOMÉ, Jurgo Torres. Globalização e interdisciplinaridade: o currículo


integrado. Porto Alegre: Editora Artes Médicas Sul Ltda, 1998.

SAVIANI, Dermeval. História das idéias pedagógicas no Brasil. 2 ed. Campinas,


SP: Autores Associados, 2008.

SCARPATO, Marta (Org.). Os procedimentos de ensino fazem a aula acontecer.


São Paulo: Avercamp, 2004.

SILIOTTI, Alberto. Grandes Civilizações do Passado- Egito. Barcelona: Folio,


2006

SILVA, Tomaz Tadeu. Documentos de identidade: uma introdução às teorias do


currículo. Belo Horizonte: Autêntica, 2004.

STEPHANOU, Maria; BASTOS, Maria Helena Camara (Orgs.). Histórias e


memórias da educação no Brasil. Vol. III: Século XX, Petrópolis:Vozes, 2005.

STEPHANOU, Maria. Currículo escolar e educação da saúde: um pouco de história


do presente. In Saúde e sexualidade na escola. MEYER, Dagmar E. Estermann
(Org.).. 3ed. Porto Alegre: Mediação, 2006.

STOTZ, Eduardo Navarro. Enfoques sobre educação e saúde. Rio de Janeiro:


Relume-Dumará, 1993.
O Corpo Escrito e Visto:
reflexões a partir de livros didáticos das séries iniciais
130

TEIXEIRA, Elizabeth. As três metodologias: acadêmica, da ciência e da


pesquisa. 7 ed. Petrópolis, RJ : Vozes, 2010.

VASCONCELLOS, Maria da Penha C. (Coord.). Memórias da saúde pública: a


fotografia como testemunha. São Paulo: Hucitec Abrasco, 1995.

VEIGA-NETO, Alfredo. As idades do corpo: (material)idades, (divers)idade,


(corporal)idades, (ident)idades..., In. O corpo que fala dentro e fora da escola.
GARCIA, Regina Leite.. Rio de janeiro: DP&A, 2002.

VIGARELLO, Georges. Excitar-se, jogar. In. História do corpo: Da Renascença às


luzes. CORBIN, Alain; COURTINE Jean Jacques; VIGARELLO Georges (Orgs.).
Petrópolis, RJ: Vozes, 2008.

VILELA, R. A. T. O lugar da abordagem qualitativa na pesquisa educacional:


retrospectiva e tendências atuais. In Perspectiva, Florianópolis, v. 21, n. 02, p. 431-
466, jul./dez. 2003.

WILLIAMS, Raymond . Cultura e Sociedade: 1780-1950. Trad. Leônidas H. B.


Hegenberg, Octtanny Silveira e Anísio Teixeira. São Paulo: Nacional, 1969.

ZERNER, Henri. Olhar dos artistas. In História do corpo: Da revolução à grande


guerra. CORBIN, Alain; COURTINE, Jean Jacques; VIGARELLO, Georges (Orgs.).
Petrópolis, RJ: Vozes, 2008.

ZÖLLNER, Frank. Leonardo da Vince (1452-1519): artista e cientista. Lisboa;


Fotocomposição, 2010.
O Corpo Escrito e Visto:
reflexões a partir de livros didáticos das séries iniciais
131
O Corpo Escrito e Visto:
reflexões a partir de livros didáticos das séries iniciais
132

APÊNDICE A

FICHA DE ANÁLISE GLOBAL DOS LIVROS DIDÁTICOS DAS SÉRIES INICIAIS

1- Dados gerais do livro:

- Nome da coleção: ..........................................


- Tipologia: ........................................................
- Ano: ................................................................
- Série / Ano: ....................................................
- Autor: .............................................................
- Editora: ...........................................................
- Código: ...........................................................
- Número de páginas: .......................................

2- Unidades/Capítulos e/ou lições que tratam de dimensões relacionadas à


Educação em Saúde-doença.

N° no sumário* Títulos / Sub-títulos / Intratítulos N° de páginas

*Foi analisado somente o sumário do conteúdo da disciplina Ciências Naturais.

3- Demais sessões:
O Corpo Escrito e Visto:
reflexões a partir de livros didáticos das séries iniciais
133

APÊNDICE B
FICHA DE ANÁLISE DOS CONTEÚDOS DOS CAPÍTULOS/UNIDADES/LIÇÕES
1. Sobre a Unidade/Capítulo/ Lição
- Código: _________________________
- Título: ______________________________________________
- Sub-Títulos:
- __________________________________________
- __________________________________________
- __________________________________________
- __________________________________________
- __________________________________________
- __________________________________________
- Nº de pág. Total: _____

2. Sobre a forma de apresentação:


FORMAS DE APRESENTAÇÃO SIM NÃO Observação
TIPOS DE TEXTOS
A. Textos – Históricos em quadrinhos
B. Textos-Tópicos
C. Textos-Narrativos
D. Textos-Box
E. Textos-Descritivos
F. Outros
FIGURAS/IMAGENS
A. Para ilustrar alguma modalidade de texto
B. Para ilustrar, mas sem relação direta
com os textos
C. Para propor exercícios
D. Outros
EXERCÍCIOS
A. caça-palavras
B. Lacunas
C. Perguntas abertas
D. Completar
E. Interpretação de texto/imagem
F. Correspondência entre colunas
G. Perguntas fechadas
H. Perguntas abertas com complemento
(exemplo, justificativa, etc.)
I. Marcar F ou V ou outra marcação
J. Pesquise, recorte e cole nos espaços
K. Observar figuras e responder
L. Faça uma pesquisa sobre...
M. Outros
O Corpo Escrito e Visto:
reflexões a partir de livros didáticos das séries iniciais
134

3. Unidades representativas dos tópicos/temas do conteúdo corpo:

TÓPICO / TEMA SIM NÃO Observações


- Localiza os órgãos e aparelhos; Indica a função dos
órgãos e aparelhos; Estabelece a relação dos órgãos e
A
aparelhos com as funções de relação / nutrição /
reprodução
- Indica as medidas de autocuidado (uso de sanitários,
B lavagem das mãos, limpeza de cabelos e unhas, higiene
bucal, uso de vestimenta e calçados, banho diário)

- Valoriza as medidas de autocuidado coma ênfase na


C
autonomia

-Aponta a responsabilidade das medidas de


D
autocuidado para a saúde

-Ressalta o respeito às potencialidades e limites do


E
próprio corpo e do de terceiros

4. Sobre a contextualização:
FORMAS DE CONTEXTUALIZAÇÃO SIM NÃO Observações
A - Relação com o bairro/distrito onde o aluno mora

B - Relação com o município onde o aluno mora

C - Relação com o Estado do Pará

D - Relação com a Região Norte/ Amazônia

5. Sobre o enfoque de saúde, segundo Stotz (s/d):


FORMAS DE ESTRUTURA SIM NÃO Observações
-Preventivo (indica comportamentos específicos a
A
serem adotados)

-Escolha informada (propõe uma ação com base no


B princípio da eleição informada sobre os ricos à
saúde)
-Desenvolvimento pessoal (indica destrezas para a
vida que levem ao aumento das potencialidades do
C
indivíduo de uma maneira global, relacionando o
corpo com o contexto)
-Radical (critica as condições e a estrutura e orienta
D para a transformação das condições geradoras de
doenças)

Você também pode gostar