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Plauto Os Cativos PDF
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PERSONAGENS
H e g i ã o ,1 u m v e lh o
E r g á s i l o ,5 um parasito
O c a p a ta z de e sc r a v o s de Hegião
E scravo s
ERGÁSILO (só)
187
for capaz de suportar bofetadas, ou não esteja pronto a
que lhe quebrem a mobília na cabeça e tenha de ir lá
para fora, postar-se com seu saco de mendigo junto da
porta dos Três Irmãos .2
E é este mesmo o perigo que eu estou correndo; o
meu patrão, o meu rei, foi aprisionado pelos inimigos,
durante esta guerra que têm agora os etólios com os
elidenses. Porque isto aqui é a Etólia; e Filopólemo,
filho de Hegião, o velho que habita nesta casa, está
prisioneiro em Élis. Esta casa é para mim um motivo
de tristeza: ponho-me a chorar de todas as vezes que a
vejo. O velho, por causa do filho, pôs-se a fazer um
comércio desonesto, muito alheio à sua maneira de ser.
Negocia em cativos, a ver se encontra algum que possa
trocar pelo filho. E agora vou ter com ele. Mas estão a
abrir a porta, a porta por onde saí tantas vezes tão
bem comido e tão bem bebido!
188
H e g iã o : Mas tu não parecias desses.
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graçado, tão magro que não sou mais que pele e os
so. Não me agrada nada daquilo que como em casa;
só me dá algum prazer o que vou provando em casa
dos outros.
H e g iã o : Viva, Ergásilo!
H e g i ã o : N ã o chores.
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H e g i ã o : E o lh a lá: a in d a n ã o c o n s e g u is te d e sco b rir
q u e m te p u d e s s e c o n v o c a r de n o v o esse e x é r c ito li
c e n c ia d o d e q u e fa la ste ?
E r g á s i l o : I s s o é q u e é fa la r b em .
191
Mas muito ligeiras também não, porque
E r g á s ilo :
nessa altura era como se estivesse a comer em casa.
H e g i ã o : É u m a c o m id a m esm o rasteira.
E r g á s i l o : O p orco ta m b é m é u m a n im a l rasteiro.
H e g iã o : Muitos legumes...
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ATO II
193
C a p a t a z : O q u e v ó s p e n sa is é n a fu ga: b e m sei q u a is
s ã o as v o s s a s in te n ç õ e s.
F i l ó c r a t e s : S ó q u e re m o s q u e nos d ê e m lic e n ç a p a r a
u m a c o isa .
C a p a ta z: Então que é?
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cuidado, e torna-se uma grande desgraça se chega a
revelar-se. Realmente, se tu és agora o meu senhor e
eu finjo ser teu escravo, temos que ter o maior cui
dado, a maior cautela, para que tudo se passe sem
testemunhas e com precisão, saber e diligência. O
que se começou é muito importante: tem que se es
tar bem desperto para o executar.
F i l ó c r a t e s : É o q u e espero.
T ín d a r o : Perfeitamente.
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direito: pelo nosso incerto destino, pela bondade que
meu Pai usou sempre contigo, pelo nosso cativeiro
comum trazido pelas mãos do inimigo, não me trates
melhor do que eu te tratava a ti quando tu me ser
vias e lembra-te sempre do que foste e do que és ago
ra.
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H e g i ã o : M eu filh o e s tá g u a r d a d o p or lá.
H e g i ã o : F o i.
H e g iã o (a Filócrates): V e m cá . H á u m ce r to n ú m ero
de c o isa s q u e d e se jo sab er d e ti; e n ã o qu ero q u e m e
e n g a n e s n esse p o n to .
197
Da família Multirrica, que é a mais pode
F iló c r a te s :
rosa e a mais considerada que há por lá.
H e g i ã o : O q u ê ? O p a i d e le é v iv o ?
F iló c r a te s : Tesaurocrisonicocrisides .5
198
Por Pólux! E ainda mais que sovina! Para
F iló c r a te s :
que o fiques a conhecer só te digo isto: quando sacri
fica ao gênio ,6 usa sempre para a cerimônia vasos de
Sam os ,7 com medo de que o próprio Gênio lhos rou
be. Vê lá se ele se vai fiar em alguém.
199
Já fui tão livre como o teu filho; a mão do
F iló c r a te s :
inimigo a ambos nos tirou a liberdade. Ele é agora
nosso escravo, como eu sou teu escravo aqui. Mas há
decerto um Deus que vê e ouve aquilo que fazemos;
ele o tratará por aquelas terras como tu me tratares
a mim por estas. Ao que for bom responderá com o
bem, ao que for mau com o mal. Como tu tens sau
dade de teu filho, tem meu pai saudades de mim.
200
Por Pólux! Mas é um cliente dele! (Mostra
F iló c r a te s :
Tíndaro). Isso vai-te ser tão fácil como a água correr
por um telhado.
201
H e g iã o : E n t ã o fica a s s e n te q u e se ele n ã o v o lta r m e
p a g a s v in te m in a s ? 8
T ín d a r o : Está perfeitamente.
T ín d a r o : Chama-o.
202
H egião : Realmente o gênio que tens há de servir-te de
muito para suportar a escravidão como se tem que
suportar. Vem cá. (A Tíndaro, a quem traz Filócrates
.) Aqui está o homem.
T í n d a r o : E ag o ra a te n çã o : v o u d izer-te o q u e d e se jo
q u e a n u n c ie s a m e u p a i q u a n d o ch e g a r e s à terra.
203
F i l ó c r a t e s : É a p e n a s p erd er te m p o fa la r-m e d a q u ilo
q u e e u sei ta m b é m .
T í n d a r o : É p re c is o q u e ele o so lte e o m a n d e p a r a cá
em tr o c a d e n ós a m b o s.
F iló c r a te s : Perfeitamente.
H e g i ã o : E u g o s to d o m eu . C a d a u m g o s ta d o s seus.
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cidamente que eu o fiz; na realidade, Filócrates, se
eu fosse lembrar todos os benefícios que de ti recebi
não acabaria antes da noite. Se tivesses sido meu es
cravo, nunca terias sido mais obsequioso do que fos
te.
H e g i ã o : É s u m h o m e m h on rado.
205
fiança de vinte minas. Trata de ser fiel a quem te é
fiel; cuidado, não amoleças na fidelidade. Sei perfei
tamente que o meu pai fará tudo aquilo que tem de
fazer. Faze que eu me conserve sempre teu amigo e
arranja nele (mostra Hegião) um novo amigo. É isto
o que te peço, pela tua mão direita, que estou aper
tando com a minha mão direita. Procede assim; tu és
agora o meu senhor, és o meu protetor, és o meu pai.
Confio-te todas as minhas esperanças, todas as mi
nhas possibilidades.
T ín d a r o : Ficarei.
T ín d a r o : Que documento?
F iló c r a te s : Passa b em .
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deuses, é como se já tivesse tirado meu filho da es
cravidão. E ainda estive muito tempo hesitante a sa
ber se os havia de comprar ou não! E vós, escravos,
tratai de o guardar bem, lá dentro; é preciso que ele
não vá sem guarda a parte alguma. Eu volto já para
casa. Vou agora visitar os outros cativos meus que
estão em casa de meu irmão e vou perguntar-lhes se
por acaso não conhecerá algum este moço. (A Filó
crates.) E tu vem comigo para eu te mandar embora;
quero que isto se faça antes de mais nada. (Saem.)
207
ATO III
ERGÁSILO (só)
209
dos. Nem se riem de mim. “ Onde é que ceamos?” , per
gunto eu. Só dizem que não com a cabeça. Disse então
uma das minhas melhores graças, uma daquelas que
dantes me davam de jantar para um mês inteiro. Pois
ninguém se riu. Vi logo que estavam mesmo de propó
sito; nem quiseram mostrar-me focinho de cachorro
zangado; ora, se eles não estavam para se rir, podiam
pelo menos ter mostrado os dentes. Depois, vendo que
estavam a brincar comigo, fui-me embora. Dirigi-me a
outros, procurei outros, depois outros ainda. Tudo o
mesmo. Estavam combinados como azeiteiros do Ve-
labro .9 Troçaram também de mim, de modo que voltei
para a praça. Na praça andavam outros parasitos pas
seando e sem resultado algum. O que é certo é que to
dos os meus direitos estão sendo cortados por uma lei
bárbara. Pois vou chamá-los a juízo e mover-lhes um
processo em que lhes exija como castigo dez jantares à
minha vontade, tanto mais que os gêneros estão carís
simos. É o que vou fazer. E agora vou ao porto; é só
por lá que pode haver alguma esperança comestível.
Se a esperança se for, tenho de voltar à casa do velho,
para a tal ceia terrível. (Sai.)
HEGIÃO
210
triste estado, e fui ao pretor, onde mal pude repousar.
Pedi um documento, deram-mo e passei-o a Tíndaro,
que partiu logo para a terra. E eu aqui volto a casa
depois de ter tratado de tudo isto. Mas também fui ter
com meu irmão, que está guardando os outros cativos.
Perguntei se havia algum que conhecesse Filócrates de
Élis. Um gritou logo que era amigo dele e eu disse-lhe
que o tinha em casa. Pediu-me, rogou-me que lhe
desse licença de o ver. Mandei-o desatar imediatamen
te. (A Aristofonte.) Então anda comigo, para teres
aquilo que me pediste: vais encontrar-te com o nosso
homem. (Saem.)
TÍNDARO (só)
211
artimanha. Mas o quê? Que desgraça! Que hei de eu
maquinar? De que me hei de lembrar? Só me vêm à
idéia as coisas mais absurdas, as maiores tolices. Es
tou mesmo perdido.
H E G IÃ O , TÍN D AR O , A R IS T O F O N T E
212
Hegião, toda a gente dizia em Élis que este
T ín d a r o :
homem tem ataques de raiva. O melhor é não presta
res ouvidos às histórias que ele te contar. Até em
casa ele andava de lança na mão a perseguir o pai e
a mãe. E de vez em quando vem aquela doença que
obriga a cuspir.10 O melhor é afastares-te dele.
T í n d a r o : À s v e z e s a té se e s q u e c e d o p ró prio n o m e e
n ã o s a b e q u e m é.
T ín d a r o (olhando-o): Pronto.
A r i s t o f o n t e (a Hegião): E tu a c r e d ita s n e s te h o m e m ?
215
T ín d a r o (a Hegião):Olha! Não ouves o que ele diz?
Por que não foges? Se não mandas atá-lo vai pôr-se
para aí a atirar-nos pedras.
A r is to fo n te : Oh, que tortura!
A r i s t o f o n t e : O q u e m e d e se sp e r a é n ã o ter a q u i u m a
p e d r a p a r a re b e n ta r c o m a c a b e ç a d e ss e b a n d id o ,
q u e m e e s tá a pôr lo u c o co m o q u e diz!
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T ín d a r o : Olha, Hegião, faz-lhe a vontade, manda-o
atar.
T í n d a r o : J á fui.
A r i s t o f o n t e : E u c o n h e ç o -o d e sd e m en in o.
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(colérico): Poderás tu garantir-me que este
H e g iã o
homem foi escravo em Élis? E que não é Filócrates?
H e g iã o : Tens a certeza?
H e g i ã o : É isso m esm o .
219
Pois estes patifes destes prisioneiros far
H e g iã o :
taram-se de me enganar hoje. Um fez de escravo, o
outro fez-se de livre. Entreguei o miolo e fui ficar com
a casca. Que estúpido que fui, deixando-me levar as
sim tão às claras! Mas este pelo menos não vai ficar
a rir-se de mim. Olá, Cólafo, Cordálio, Córax, vinde
cá, trazei as correias.
E sc r a v o -c a p a ta z : Iremos à lenha?
220
destruíste todos os meus recursos, confundiste todos
os meus planos. Com as tuas manhas me roubaste
Filócrates. Julguei que ele era um escravo e que tu
eras um homem livre. Era o que vós dizíeis e afinal
tínheis trocado os nomes.
221
Pelos deuses imortais agora é que eu
A r is to fo n te :
percebo, agora é que eu sei que história é esta; meu
amigo Filócrates está livre, com seu pai e na pátria.
Ótimo. Não lhe quero menos bem do que a mim pró
prio. Mas o que me custa é ter posto este aqui em má
situação. Lá está ele preso por causa de mim e das
minhas palavras.
T í n d a r o : É v erd a d e .
H e g iã o : Muito malfeito.
H e g i ã o : E u a c h o q u e sim .
222
T ín d a r o : Então por que é que estás zangado comigo?
223
até a velhice mais avançada, nunca haverá tempo
bastante para sofrer tudo aquilo de que tu me estás
ameaçando. Adeus. Passe bem, embora seja certo
que merecias outras despedidas. E tu, Aristofonte,
vai passando conforme o que mereces; é por causa de
ti que tudo isto me sucede.
H e g iã o : Levai-o já.
H E G IÃ O , A R IS T O F O N T E
224
Hoje os meus auspícios foram correntes;
A r is to fo n te :
e segundo me parece vou ter amanhã o mesmo aus
pício das cadeias.
225
ATO IV
E R G Á S IL O
H E G IÃ O , E R G Á S IL O
227
de tal coisa?! Quando eu chegar à praça dirão todos:
“olha, aquele é o tal velho que eles enganaram”. Mas
aquele homem que vejo além não é Ergásilo? E está
de manto arregaçado! Será que está a representar?
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Ai desses patifes dos moleiros, ai desses la
E r g á s ilo :
drões que alimentam os porcos com farelo e que lhes
fazem deitar tal cheiro que nem se pode passar
diante dos moinhos. Se hoje pilho à vista alguma
porca hei de lhe fazer vomitar e ao dono o farelo to
do.
Olá? Onde é
E r g á s i l o (batendo à porta de H egião):
que está essa gente? Não há ninguém para abrir a
porta?
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Toca já a abrir as portas de par em par, se
E r g á s ilo :
não o que eu faço é metê-las dentro à força.
H e g iã o : Olha cá para m im .
E r g á s ilo : Dá cá a m ão.
H e g iã o : A m ão?
H e g iã o : Pronto.
E r g á s ilo : Alegra-te.
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Não te zangues. Olha que eu hoje vou tirar-
E r g á s ilo :
te do corpo todas as nódoas negras da tristeza. Va
mos, não tenhas medo de te alegrar.
H e g iã o : M an do o quê?
H e g iã o : Um grande lume?!
231
Não tenhas ilusões: olha que não comes nem
H e g iã o :
hoje, nem mais tarde. Tens que me trazer apenas a
tua barriga habitual.
Pois hei de arranjar de maneira que tu te
E r g á s ilo :
hás de pôr a fazer despezas, mesmo contra minha
vontade.
H e g iã o : E u ?
E r g á sil o : T u !
E r g á s ilo : Dá cá a m ão .
H e g i ã o : A q u i e s tá a m ão .
E r g á s i l o : O s d e u se s e s tã o co n tig o .
H e g i ã o : M a s p or q u ê ?
H e g i ã o : A q u e d e u s?
232
H e g i ã o : A m im o q u e m e p a r e c e é q u e tu e s tá s c o m
fom e.
E r g á s i l o : A m im é q u e m e p a r e c e q u e e s to u c o m fo
m e, n ã o é a ti.
H e g i ã o : É u m a fo m e q u e su p o rto fa c ilm e n te .
E r g á s i l o : É u m a c o is a q u e j á sei d e sd e cria n ça .
H e g i ã o : A m eu filho?
233
E ao meu escravo Estalagmo que me roubou
H e g iã o :
um filho?
H e g iã o : Já há muito tempo?
H e g iã o : Chegou?!
H e g iã o : É verd ad e?
H e g iã o : Vê lá se é.
H e g i ã o : A i d e ti!
H e g iã o : Da Sicília.
234
E r g á s i l o : A sério.
H e g iã o : E u e meu filho.
H e g iã o : Prometo.
E R G Á S IL O
235
destruição para os toucinho! Que matança de cevados!
Que calamidade para as porcas! Que trabalho para os
magarefes! Que fadiga para os chouriceiros! Agora, se
eu me ponho a lembrar tudo quanto posso comer lá se
me vai o tempo. O que eu vou é tomar conta do meu
governo e dar leis ao toucinho! E vou já salvar esses
presuntos que enforcaram sem julgamento! (Sai.)
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ATO V
UM E S C R A V O D E H E G IÃ O
H E G IÃ O , FILO PÓ LE M O , F IL Ó C R A T E S , E S T A L A G M O
(acorrentado),
escravos que os conduzem
237
este em meu poder; (designando Estalagm o) e tam
bém porque encontrei neste moço (mostrando Filó
crates) fidelidade e firmeza. Já sofri bastante, já tive
bastantes cuidados, já chorei bastantes lágrimas.
238
Quando soube que me tinham enganado,
H e g iã o :
mandei-o preso para as pedreiras.
F iló c r a te s : Cá vou .
H E G IÃ O , E S T A L A G M O
239
Como tu o dizes,
E s t a la g m o : já não tenho que corar
dizendo-o eu.
H e g iã o : M as a quem ?
240
grande Júpiter, vela por mim e por meu fi
H e g iã o : Ó
lho! (Cham ando em voz alta.) Filócrates! Peço-te
pelo que tens de melhor que venhas cá. Preciso de ti.
F IL Ó C R A T E S , H E G IÃ O , E S T A L A G M O
H e g iã o : Estará vivo?
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E s t a la g m o : E u recebi o meu dinheiro e não quis saber
do resto.
TÍN D AR O , H E G IÃ O , F IL Ó C R A T E S , E S T A L A G M O
242
T ín d a r o : E tu ta m b é m , p or c u ja c a u s a e s to u sofren do
to d a e s ta d e sg r a ça .
H e g i ã o : S o u te u p a i, m eu filho.
243
Agora é que eu me lembro. Agora, por Pólux,
T ín d a r o :
é que me recordo. Agora é que me vem à memória,
como se fosse assim num nevoeiro, que eu tinha ou
vido dizer que meu pai se chamava Hegião.
E s t a l a g m o : A q u e m n a d a te m é q u e se d e v e dar tu d o.
O ORADOR DA CO M PAN H IA
244