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Resenha
Gabriela Florêncio¹
Universidade de Brasília, Brasil
gabrielaflorencio1207@gmail.com
1
Universidade de Brasília, GPRAJ. Campus Darcy Ribeiro, Asa Norte, 70910-900, Brasília, DF, Brasil.
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A edição alemã, de 1978, publicada pela Alber, é a atualmente disponível no mercado.
Este é um artigo de acesso aberto, licenciado por Creative Commons Atribuição 4.0 Internacional (CC BY 4.0), sendo permitidas reprodução, adaptação e distribuição
desde que o autor e a fonte originais sejam creditados.
Senra, Florêncio | Waldemar Schreckenberger e a análise semiótica do Tribunal Constitucional Alemão
ta vantagens, traz também perigos metodológicos. Já a semiótico acessível não apenas à teoria científica, mas
proximidade do método com a análise dogmática dos também à linguagem comum, à práxis política e à consi-
problemas veicula o risco de adotar decisões de tipo deração dogmática dos problemas.
dogmático sem submetê-las à prova. Para o autor, isso
seguiria um estilo de argumentação que está relaciona- Pressupostos teóricos linguísticos da
do a um comportamento dogmatizado de solução dos
semiótica retórica
problemas, que não tem o caráter zetético da investiga-
ção científica.
A estreita conexão entre linguagem e ação é a
Para Schreckenberger, a semiótica cientifico-jurídi- concepção linguística básica que orienta a análise semi-
ca seria uma alternativa viável entre esses dois extremos, ótica como disciplina fundamental da ciência do direito.
na medida em que pode trabalhar com o material de ar- Os signos da linguagem comum e da linguagem técnica
gumentação proporcionado pela práxis jurídica, de acordo são complexos esquemas de ação que podem ser for-
com critérios selecionados e corroboráveis. Embora se- mados e utilizados de acordo com regras explícitas ou
jam os pontos de vista dogmáticos que decidem acerca da implícitas. O estudo semiótico é uma reconstrução da
utilização prática dos seus resultados, a análise semiótica realização de ações linguísticas gerais.
não se esgota num descritivismo. As questões que atraem Essa dimensão retórica dos signos vincula-se à
pontos de vista semióticos são aquelas sobre interpreta- função comunicativa da linguagem, que é levada a cabo
ção (correta dos enunciados jurídicos e sua aplicação na no contexto de ação que corresponde à situação es-
pratica, na decisão) e os problemas da validade do direito a pecífica. A função comunicativa aparece com maior ou
ela vinculados. O descritivismo tende a ocorrer quando da menor clareza em diferentes situações retóricas da lin-
abordagem dos problemas oferecidos pela argumentação guagem jurídica. Principalmente na análise de questões
jurídica, ao buscar pontos de vista orientadores do conhe- jurídicas polêmicas, os argumentos só são plenamente
cimento e fundamentais para a atividade analítica, o que compreensíveis no contexto comunicativo.
foge ao propósito da análise semiótica3. É complexo identificar a referência comuni-
Segundo o autor, é preciso elencar critérios que, cativa quando se recorre a argumentos em constru-
de um lado, satisfaçam os interesses práticos da juris- ções que se apresentam com pretensões de validade
prudência e, de outro, superem os limites da análise teórica. Isso porque a teoria e a ciência suposta-
interna especializada. O termo jurisprudência é utiliza- mente têm de satisfazer a uma pretensão de obje-
do, na obra, com o sentido de ciência do direito. Assim, tividade e universalidade, e também de ocultamen-
a análise semiótica por ele proposta desempenha uma to retórico. Esse ocultamento é representado pelo
função crítica na medida em que consegue examinar os anonimato das instituições, pela indeterminação dos
critérios semióticos que são adequados para ampliar a destinatários das normas e das decisões, pela inde-
base retórica4 do acordo especializado e técnico. finição sobre os limites da situação retórica, ou pelo
O ponto de partida metodológico escolhido contexto social criado apenas através das regras ge-
pelo autor é a vinculação entre linguagem e a práxis, rais da obrigação pública.
que é característica da argumentação jurídica. Dessa Algo similar ocorre nos textos codificados, que
vinculação, resulta, por vezes, a crítica social ou ideológi- veiculam regras gerais e abstratas. No entanto, os textos
ca da argumentação jurídica, que a coloca sob a suspeita oferecem pouca informação sobre as referências comu-
de ocultação argumentativa intencional, uma vez que a nicativas através das quais são criados, em cada caso,
justificação do exercício do poder e dominação decor- os enunciados jurídicos. Em razão disso, para o autor,
rem do estreito vínculo entre argumentação e práxis muito mais informativo é o uso dos enunciados na prá-
jurídica. A análise semiótica não se ocupa das questões tica jurídica, que recorre à situação retórica da criação
crítico-ideológicas, focalizadas pela análise sociológico- e da utilização dos esquemas linguísticos. É justamente
-jurídica, pois sua metodologia fundamenta-se em ou- por esse motivo que, mais adiante, o autor se dedica à
tros critérios. O autor se preocupa em tornar o modelo análise de julgados da Suprema Corte alemã.
3
A Semiótica se ocupa do estudo dos signos (construções significantes) e dos processos de significação (semioses). No caso da Semiótica do discurso jurídico,
o autor se propõe a analisar quais processos de criação de sentido se originam por meio do emprego de certas expressões jurídicas.
4
O autor utiliza o termo “retórica” ou “retórico” com o sentido de “argumentativo”, mas é importante lembrar que a Nova Retórica retoma os conceitos
aristotélicos e, nesse sentido, o “retórico” pressupõe um conjunto de técnicas de escrever com vistas à fundamentação do texto. A exemplo disso, Schrecken-
berger menciona a importância do estilo para a unidade da linguagem, evitando-se infrações sintáticas e discrepâncias de sentido no contexto global. Fazemos
essa ressalva uma vez que o termo “retórica” passou por etapas históricas de esvaziamento de sentido.
A práxis prefere duas situações retóricas: a situ- retórica argumentativa são esquemas de argumentação.
ação de gênese/criação dos enunciados e a situação de O autor define como linguagem jurídica os signos e re-
aplicação de uma medida codificada. Em troca, a prática gras relevantes para a atividade jurídica, tomados con-
jurídica oferece menos pontos de apoio às investigações juntamente. Utiliza o termo conceito como sinônimo de
que se ocupam das estruturas lógicas e semânticas dos esquema linguístico. Adverte, ainda, que emprega a noção
enunciados jurídicos, uma vez que obedecem a uma si- de significado não se restringindo à dimensão semântica
tuação teórico-normativa que trata os códigos jurídicos ou pragmática, mas para todas as dimensões dos signos.
como formações isoladas de proposições e de sistemas O autor considera simples o modelo semiótico
de proposições que devem conter enunciados os mais de análise que propõe. Com critérios claros de classifi-
universais possíveis. cação, visa a descobrir problemas teóricos, interpretati-
Tais problemas só podem ser enfrentados por vos, e de aplicabilidade à situação comunicativa.
meio da diferenciação entre situações retóricas típicas
de cada cultura jurídica, com seleção de correspon- A função crítica e heurística da
dentes técnicas de análises de sentido. A dificuldade de
semiótica lógica
perceber a função comunicativa da linguagem jurídica
também decorre dos dados complexos inerentes a uma
Para Waldemar Schreckenberger, a linguagem da
cultura jurídica muito desenvolvida.
ciência e a linguagem das normas não estão em opo-
sição. Do contrário, as ciências da lógica elaboraram
O modelo semiótico dos signos critérios semióticos extremamente uteis para a com-
como marco metódico de referência preensão da linguagem6. E, apesar das dificuldades e
contradições que os problemas semióticos apresentam,
O modelo semiótico adotado por Waldemar a estreita vinculação com problemas de verdade e vali-
Schreckenberger é o de Charles W. Morris, seguidor dade, interpretados sintática e semanticamente, ocultam
de Charles Sanders Peirce. Nesse modelo, há três di- o caráter retórico do direito. Isso prejudica uma análise
mensões semióticas: sintática, semântica e pragmática. A da questão de saber se a lógica geral é suficiente ou se
sintática (nível da estrutura) designa o uso de signos em para a linguagem jurídica é mais adequada uma lógica
relação a outros signos do mesmo contexto linguístico. deôntica, específica.
A semântica (nível do sentido) refere-se aos dados da De acordo com as necessidades retóricas, a fun-
experiência ou a outros objetos em relação aos quais ção de corroboração e de refutação dos argumentos
é aplicável o signo. Finalmente, a pragmática (nível do tem de satisfazer exigências sintáticas, semânticas e
uso) refere-se ao contexto comunicativo, especialmente pragmáticas. Essas se encontram nos critérios da com-
o uso do signo em relação com quem os utiliza e par- binação criada por contextos de dedução ou de funda-
ticipa do processo comunicativo. Esses três níveis são mentação sintática, do aporte comunicativo ou da rede
abstrações do processo semiótico para fins analíticos5. de expectativas da situação comunicativa.
A estrutura dessa forma de discurso é formada Para o autor, a questão de saber se a semiótica
pelas categorias de signos e normas para sua utilização. logica é adequada ou não para a análise perde grande
Especialmente em sua função argumentativa, as regras parte da sua importância quando se leva em conta que,
semióticas ou propriedades de um uso da linguagem ao fim e ao cabo, a linguagem jurídica precisa satisfazer
são retóricas. O que o autor menciona como esque- standards lógicos e semânticos. A linguagem do direito
ma linguístico, ou apenas esquema, refere-se a uma ação tem que estar de acordo, ao menos comparativamente,
linguística disponível em geral e explicita ou implicita- com os critérios da semiótica lógica, a qual proporciona
mente determinada. Os esquemas diretivos, ou de ação, critérios fecundos para esclarecer o complexo estado
são signos para as diretrizes voltadas para a criação de semiótico do problema. A semiótica lógica desempenha
esquemas. Os signos para as regras de criação de re- uma função heurística, ou seja, é um método para en-
ferências argumentativas e as expressões com função contrar soluções. A despeito disso, o autor demonstra
5
Na teoria de Morris (1976), a semiose, ou geração de significados por meio dos signos, possui três dimensões: a Sintaxe – nível da estrutura (conexão de
signos com outros signos); a Semântica – nível do sentido (conexão dos signos com objetos/conceitos); a Pragmática – nível do uso (conexão situacional: signos
utilizados por seus respectivos partícipes).
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Para Charles Pierce (1991), a Semiótica, teoria geral dos signos, poderia ser chamada de Lógica. Os artigos escritos por ele entre 1893 e 1910 compõem Logic
as Semiotics: The Theory of Signs. Sua obra influencia autores como Charles M. Morris (1976) e Roman Jakobson (2015), entre outros importantes estudiosos, a
exemplo de Ferdinand de Saussure (2006) e Umberto Eco (2012, 2010, 1991).
uma preocupação em não reduzir a analise às questões momento que a linguagem jurídica traz apelos afetivos
sintáticas, de modo a conseguir ultrapassar o risco de e indicações diretivas e pragmáticas – ou seja, de uso –,
favorecer uma abordagem a dogmática. ela funciona como uma metalinguagem.
truído sintaticamente seja apropriada para entrar em Sobre a função sintática da retórica
relações de dedução e de fundamentação com outras fundamental
proposições sobre a base de regras e formar, com os
demais signos do sistema, um contexto sintaticamen- Na opinião do autor, o Tribunal Constitucional
te significativo. Por isso, surge a questão do valor do alemão apoia sintaticamente a retórica fundamental sis-
uso sintático e do valor dedutivo dos princípios. Schre- temológica. Em outras palavras, os esquemas argumen-
ckenberger afirma que não há uma resposta uniforme tativos não são um repertório de princípios constitu-
para essa pergunta sobre o valor dedutivo dos princí- cionais isolados, mas as conexões argumentativas que
pios. Os princípios desempenham um papel diferente resultam dos esquemas holísticos (de todos os com-
na jurisprudência da Corte Constitucional alemã. Além ponentes) formam uma estrutura. O Tribunal atua de
disso, existe o risco de uma interpretação subjetiva, ao acordo com modelos retóricos que admitem também
medirem-se as conexões de sentido estruturalmente regras sintáticas para as conexões dedutivas. O estilo
relevantes, pois as regras de dedução usadas no Tribunal de argumentação sistemológico pode ser caracteriza-
não estão explicitadas. do, portanto, como uma combinação de regras de uso
Uma regra pragmática para regulação do uso situ- pragmáticas (de conexão situacional) e sintáticas (de
acional de um signo linguístico pode colocar maior ênfase conexão de signos/princípios/proposições com outros
nas propriedades semânticas (de sentido) ou sintáticas signos/princípios/proposições). A estrutura metateórica
(estruturais) das expressões. O primeiro parece ocorrer da retórica fundamental se caracteriza, por assim dizer,
no método teleológico, voltado para as relações de senti- pelo apoio mútuo de estruturas de signos pragmáticas
do, que são acessíveis de forma limitada às regras lógicas e sintáticas.
ou sintáticas em geral. Fica claro que um procedimento O valor do uso sintático dos esquemas cons-
com regras para o uso retórico dos signos, que preveem titucionais fundamentais no conjunto de decisões
coordenações semânticas variadas, conduz a dificuldades examinadas por Schreckenberger é bastante diverso,
consideráveis num sistema lógica e sintaticamente estru- como o autor aduz. Isso não proporciona um crité-
turado, que exige coordenações semânticas unívocas e rio para a exigência dogmática constitucional de um
invariáveis para as expressões do sistema, ao menos para princípio. O autor sugere que o valor dedutivo de um
as operações temporalmente fixadas. Porém isso não princípio é maior quando o Tribunal se vê obrigado a
significa renunciar às conexões lógicas em geral. Schre- formular diretivas que vão mais além do uso situacio-
ckenberger formula a seguinte hipótese geral: no uso dos nal, em razão da falta de textos legislativos suficien-
esquemas resultantes de uma concretização de princí- temente informativos. O mesmo ocorre quando se
pios, não estão excluídas as conexões dedutivas entre os formulam prescrições interpretativas recorrendo ao
princípios e os esquemas deles dependentes. contexto pragmático. A estrutura sintática se carac-
O campo da argumentação contém esquemas teriza por um pluralismo de esquemas fundamentais,
que ostentam os mais altos índices retóricos (por em que o uso do princípio do Estado de Direito ad-
exemplo, a dignidade da pessoa humana), qualificados quire uma posição sintática preferencial.
como valor supremo ou o centro do sistema valorativo A retórica, em especial os esquemas holísticos
constitucional. A pergunta que o autor coloca é se a (totalizantes) e as regras de uso pragmático (voltadas ao
esse campo retórico corresponde também um valor de aspecto situacional), é um instrumento importante para
uso sintático na estrutura argumentativa. A relação en- a geração de signos. Segundo Schreckenberger, parece
tre os textos da seção de direitos fundamentais de fato seguro dizer que a pretensão holística de uma estrutura
desempenha um papel especial na jurisprudência. Tendo argumentativa que leve a uma decisão em um número
presente a estrutura holística da sintaxe constitucional finito de passos pode ser satisfeita pela pragmática da
geral com seus numerosos esquemas sistemológicos, sintaxe constitucional, quando não o é através dos es-
cabe supor a existência de um contexto sintaticamente quemas constitucionais elementares.
estruturado entre o valor jurídico supremo ou em geral Uma estrutura argumentativa construída
entre o sistema valorativo da constituição e os demais como um sistema não pode prescindir da compati-
princípios-esquemas. O princípio constitucional ele- bilidade retórica dos esquemas argumentativos. Isso
mentar ao qual o Tribunal Constitucional alemão parece significa preservar a unidade da linguagem evitando-
atribuir uma posição sintática prioritária é o princípio -se infrações sintáticas e discrepâncias de sentido no
do Estado de Direito, sobretudo em relação ao princí- contexto global, pois elas perturbam a comunicação.
pio geral da igualdade. A estilização sintática contribui para a coerência lógi-
ca e estabiliza o sistema, elimina dissonâncias na com- arbitrariamente, mas na medida em que o status retórico
preensão e facilita o controle. geral e as regras pragmáticas autorizam a criação e a ad-
missibilidade de esquemas de argumentação.
Sobre as regras de uso de alguns esquemas
fundamentais Sobre a estrutura temporal da sintaxe
geral da constituição
Os dados concretos são certos critérios para
decidir se um argumento é admissível ou não para a Os fatores pragmáticos são também temporais,
solução de um problema. Dar uma classificação retó- pois dizem respeito ao uso, ao aspecto situacional. O
rica dos distintos modos de argumentação exige falar campo de argumentação geral da Constituição, ao con-
de uma retórica semântico-ideônoma, de um lado, e de siderar o aspecto pragmático, considera, necessaria-
uma retórica pragmático-sintônoma, de outro. Elas se mente, os aspectos do tempo, da história ou da modifi-
distinguem pelo tipo de argumento que admitem como cação da sintaxe constitucional e das situações por ela
apropriados ou relevantes para o processo de decisão. alcançadas.
A competência pragmática é a zona pragmática O campo de argumentação se apresenta mais
de uma situação retórica que traz o marco heurístico de como uma estrutura retórica para a qual é característica
argumentos admissíveis. A regra de uso criada situacio- a combinação de regras sintáticas e pragmáticas. O fator
nalmente e obtida através de um recurso ao contexto tempo é um dos mais importantes elementos pragmáti-
pragmático da sintaxe constitucional não deve perder a cos no manejo comunicativo da linguagem. A argumen-
referência retórica à sintaxe geral da constituição. tação tempórica se apresenta como um processo linear
Do contrário, a expressão “Estado de Direito”, da modificação continuada de situações sociais.
por exemplo, pode aparecer tanto como definidor O Tribunal parte de um esquema de argu-
quanto como definição, o que corresponde a um uso mentação que está fundamentalmente caracteri-
tautológico dos signos, representando carência de valor zado por esquemas retrospectivos de orientação.
informativo. Há várias outras expressões que, do modo Waldemar Schreckenberger opina que esse modelo
como são empregadas, podem carecer de sentido. pragmático de argumentação abre espaço para ser
Os esquemas impõem limitações às operações visto como conservador.
permitidas para criar argumentos a partir do contexto
pragmático menos controlável da sintaxe da constitui-
Sobre a aplicação geral e a função
ção. Nesse sentido, as diferentes referências retóricas
indicam os limites que estão impostos às regras a fim de pragmática das estratégias sistemológicas
satisfazer as condições pragmáticas do procedimento
ante o Tribunal Constitucional. O Tribunal Constitucional, além de argumentar
Por exemplo, a regra pragmática da carga da de forma situacional, proporciona regras geras de ar-
argumentação pode sugerir que é preciso supor uma gumentação e tenta mostrá-las como elementos de um
espécie de carga na apresentação da argumentação. To- contexto retórico total. Os contextos semióticos se-
davia, esse exemplo é pouco adequado para responder guem só parcialmente regras sintáticas. Para Schrecken-
às condições pragmáticas da situação processual do Tri- berger, o estilo da argumentação da Corte é melhor
bunal Constitucional. Já a competência pragmática da caracterizado por uma combinação de regras e opera-
argumentação tem um papel decisivo, ao caracterizar a ções sintáticas e pragmáticas que, através de uma retó-
zona pragmática de uma situação retórica que propor- rica holística fundamentalmente teórico-constitucional,
ciona argumentos admissíveis. Embora o uso comparati- ocorrem num contexto semiótico.
vo da linguagem esteja situacionalmente condicionado, é A retórica fundamental se limita a recorrer a
semanticamente fecundo, na medida em que estabelece esquemas com um alto grau de combinação que, além
relações com regulações desejáveis. das distintas situações problemáticas, estão disponíveis
De certo modo, a sintaxe geral da constituição pa- em geral e são situacionalmente atualizados pela ajuda
rece ser um sistema semiótico totalmente retórico, que de regras pragmáticas gerais e critérios tempóricos. Es-
integra em uma teoria geral da Constituição, através de ses esquemas tem garantida uma excelente hierarquia
regras pragmáticas. De certo modo, os princípios cons- retórica pelo fato de que indicam orientações últimas
titucionais transformados em regras operativas marcam e totais, para situações de ação alcançáveis no âmbito
lugares sintáticos vazios que têm de ser preenchidos não pragmático de validade da sintaxe constitucional. O mo-
delo de argumentação sistemológico proporciona as ba- modificada. O Tribunal possui uma forma de falar “te-
ses semióticas para uma teoria da Constituição elabora- oricamente cultivada”, de ampla aceitação. Uma forma
da judicialmente que, em vista da validade universal no de falar habitual e relativamente exigente é o modo
âmbito social de ação, cumpre a função de uma teoria utilizado pelas instâncias judiciais e órgãos de decisão
básica do direito positivo. política quando desejam argumentar a partir do ponto
Nas linguagens especializadas, o modelo de de vista jurídico-constitucional. Para o autor, esse modo
argumentação sistemológico é uma estilização dife- de falar cria uma base retórica comum, que não deveria
renciada do contexto pragmático da compreensão ser subestimada.
cotidiana. Ela proporciona o modelo retórico para O autor vê como positivo o fato de a argumenta-
o objetivo permanente de restabelecer a unidade da ção do Tribunal seguir um estilo já arraigado e acessível
orientação geral – colocada em perigo através das tanto à orientação cotidiana quanto às atividades mais
transformações sociais – num nível linguístico mais elevadas de interpretação, voltadas às questões de senti-
complexo. A estratégia de orientação total trata de do. A retórica do Tribunal valoriza regras pragmáticas, o
oferecer a medida de segurança que parece indispen- que pressupõe respeito às regras de argumentação, em
sável como elemento da ação. A estratégia sistemoló- razão dos organismos de decisão afetados. As questões
gica adquire nos processos complicados da comuni- argumentativas suscitam contrastes de opinião, que po-
cação, como das linguagens especializadas, a função de dem ser tratadas como questões de competência.
assegurar e estabilização retórica das argumentações. Pode-se tentar incorporar o Tribunal nas contro-
vérsias próprias dos embates de opiniões políticas, com
Sobre a época inicial do Tribunal Federal consequências para o Tribunal e para a retórica por ele
Constitucional e sua práxis posterior desenvolvida, pelo que o autor recomenda uma atitu-
de de “reserva retórica”. Essa atitude de reserva corre
O Tribunal Federal Constitucional alemão foi mais risco quando os encarregados de tomar decisões
criado no contexto do pós-guerra. A esse âmbito per- insistem em modificações básicas da situação jurídica
tencem os questionamentos acerca dos fundamentos existente, mas, ao fazê-lo, encontram uma retórica fun-
ideológicos da política, das políticas gerais da criação da damental elaborada para estratégias de mudança de lon-
ordem estatal, além da própria crise da teoria política. go prazo.
Nas discussões sobre o texto constitucio-
nal, as concepções jusnaturalistas e axiológicas, bem Conclusão
como a discussão da doutrina do juspositivismo se
fizeram presentes. Os Tribunais não ficaram alheios à A obra Semiótica del Discurso Jurídico traz ques-
análise de questões básicas da teoria do direito, espe- tões muito atuais sobre a complexidade do contexto
cialmente da validade jurídica e da complexidade da comunicativo e dá relevo às questões situacionais, a
argumentação judicial. partir das quais avalia a conexão ente os signos e os
A práxis de decisão juridicamente organizada do partícipes da comunicação, ou seja, o aspecto pragmá-
Tribunal Federal Constitucional converteu-se numa te- tico. Ao fazê-lo, aproxima a Nova Retórica à – então
oria básica do direito positivo, pois seu esquema comu- – Nova Semiótica.
nicativo abarca todos os problemas sociais e contextos Em sua análise, a obra traz diversas acepções
de ação. Assim, a teoria constitucional possui função de sobre os signos e focaliza o aspecto icônico ou emble-
uma teoria política da sociedade. mático dos princípios constitucionais, além de abordar
Informa o autor que o Tribunal possui amplas a Constituição como símbolo. Em trechos da análise,
competências jurídicas, capacitando-o para declarar nu- aponta na estrutura superficial do texto a busca da
las leis, decisões públicas dotadas do mais alto nível de aprovação de um auditório universal pela adoção de
legitimação política, com força de lei, efeito obrigatório pontos de vista que não se traduzem na imposição, mas
e irreversível para todos. Desenvolveu, além disso, refe- cuja irrefutabilidade se apoia nas tradições do direito
rências para a utilização obrigatória de textos jurídicos, natural e do historicismo como instrumento dogmático.
especialmente no que diz respeito à interpretação de Quando menciona a existência de uma “idolatria
acordo com a Constituição. de princípios”, o autor não faz uma crítica ao Tribunal
Apesar de alguns problemas sintáticos e se- no que diz respeito à interpretação da Lei Fundamental,
mânticos, a sintaxe geral da Constituição possui uma pois não é esse o propósito do cientista que é. An-
consistência de tal ordem que dificilmente poderá ser tes, procura elucidar os critérios sob os quais os riscos
de possíveis imprecisões possam ser evitados. Para ele, momentos nos quais as sociedades em crise voltam suas
termos como liberdade, direito, ou dignidade, reúnem expectativas para valores mais altos.
linguagem do direito e linguagem da política e originam-
-se na reflexão filosófica que perpassa a teoria de base Referências
da Constituição Federal alemã, cujo substrato cultural
remonta ao Iluminismo e ao Idealismo. ECO, U. 2012. Interpretação e Superinterpretação. São Paulo, Martins
Essas construções universalizantes, que se mos- Fontes, 184 p.
tram com aparência de validade universal, por um lado ECO, U. 2010. Os limites da interpretação. São Paulo, Perspectiva, 315 p.
ECO, U. 1991. Semiótica e filosofia da linguagem. São Paulo, Ática, 325 p.
são abstrações. Por outro, representam os mais altos
JAKOBSON, R. 2015. Linguística e comunicação. 22ª ed., São Paulo, Cul-
valores da cultura idealista alemã, não circunscritos à trix, 207 p.
ação prática, mas inspirados pela ética. MORRIS, C. 1976. Fundamentos da Teoria dos Signos. Rio de Janeio, Edi-
No contexto do pós-guerra ao qual pertence tora Eldorado, 92 p.
a Constituição alemã, a retomada dos valores míticos PIERCE, C.S. 1991. Peirce on Signs: Writings on Semiotic by Charles Sand-
ers Peirce. Chapell Hill/London, The University of North Carolina
e ideais da civilização humana é coerente com o mo- Press, 294 p.
mento histórico. Mais que isso, representa a atitude de SAUSSURE, F. de. 2006. Curso de linguística geral. São Paulo, Cultrix,
busca de significado, perceptível especialmente naqueles 279 p.