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Álgebra Linear II

Material Teórico
Espaços vetoriais

Responsável pelo Conteúdo:


Profa. Dra. Ana Lúcia Junqueira

Revisão Textual:
Profa. Ms. Selma Aparecida Cesarin
Espaços vetoriais

·· Espaço Vetorial
·· Subespaços Vetoriais
·· Espaço Soma
·· Subespaço Gerado
·· Espaço-Solução de um Sistema Homogêneo
·· Considerações Finais

Os objetivos desta unidade são:


»» Apresentar a noção de espaço vetorial, procurando relacionar com as ideias
que os educandos trazem sobre vetores;
»» Trabalhar espaços vetoriais do R2 e R3 e outros espaços vetoriais sobre R;
»» Definir subespaços vetoriais e explorar as propriedades de espaços e
subespaços vetoriais;
»» Trazer exemplos significativos e algumas aplicações.

Nesta Unidade trataremos de espaços e subespaços vetoriais. A primeira coisa que devemos
pensar é que o plano cartesiano R2 é um espaço vetorial com as operações já conhecidas de
adição e multiplicação por escalar dos vetores de R2.
Isso também se dá com o espaço euclidiano R3 com seus vetores e as mesmas operações.
Então o que faremos aqui? Vamos ver que este tipo de estrutura pode ser estendida para
outros conjuntos, então chamados de espaços vetoriais.
Veremos também como alguns subconjuntos mantêm a mesma estrutura do conjunto que
os contém, sendo assim considerados subespaços vetoriais. Outro aspecto importante é
que você acompanhe o desenvolver da teoria, preste bem atenção nas características das
definições, nas propriedades das operações definidas e confira estas propriedades nos
exemplos dados, preparando-se, assim, para resolver as atividades propostas na unidade.
Também é importante você acompanhar as demonstrações e ir se familiarizando com
a escrita algébrica, pois a matemática tem uma linguagem e uma lógica próprias, muito
importantes de serem decodificadas e compreendidas, ao mesmo tempo em que adquirimos
desenvoltura com essa linguagem.
Desejamos que ao término da Unidade você seja capaz de reconhecer espaços vetoriais,
bem como seus possíveis subespaços, compreender as técnicas e operações algébricas do
conteúdo e saiba utilizá-las em outras situações que as demandem.

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Unidade: Espaços vetoriais

Contextualização

Vocês já devem ter ouvido falar em sinal, como sinal da televisão ou sinal de frequências de
ondas de rádio, por exemplo. E o que é um sinal? É uma função de uma ou mais variáveis, que
veicula informações sobre a natureza de um fenômeno físico.

Estimativa
Sinal da Sinal Sinal do sinal da
mensagem Transmitido Recebido mensagem
Transmissor Canal Receptor

E um sistema? É uma entidade que manipula um ou mais sinais para realizar uma ação
produzindo novos sinais, como por exemplo, sistema digital de reconhecimento de voz, sistema
de geoprocessamento ou sistema de controle de algum objeto e o objeto a ser controlado
chama-se planta, sendo exemplos de sistemas de controle: piloto automático de avião,
motores de automóveis, refinarias de petróleo, usinas elétricas, robôs, temperatura ambiente,
funcionamento do elevador, controle remoto de um aparelho, entre tantos outros.

Diz-se que um sistema é robusto se tem boa regulação, ou seja, se há um processo de


filtragem de perturbações externas, levando a uma realimentação.

Perturbação
v(t)

Entrada de + e(t) v(t) Saída


referência x(t) Σ Controlador Planta Σ y(t)

Sinal de
realimentação r(t)
Sensor(es)

Matematicamente, os sinais de entrada e saída de um sistema são funções. E é muito


importante que essas funções sejam somadas e multiplicadas por escalar (número real).

Essas duas operações em funções têm propriedades algébricas análogas à soma de vetores
e multiplicação de vetor por escalar (número real) nos espaços euclidianos, ou mesmo similar
a estas operações com matrizes, vistas na Disciplina Álgebra Linear I. Por isso, o conjunto de
todas as entradas possíveis (funções) é chamado de Espaço Vetorial.

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No contexto histórico, a ideia original associada à definição de espaço vetorial costuma ser
atribuída a Hermann Grassmann (1808-1887), teólogo e filósofo polonês, devido a uma
publicação sua, de 1844, denominada Lineale Ausdehnungslehree conhecida como Teoria
Linear de Extensão, anunciada por ele como uma primeira parte de uma teoria mais geral.
Nesse trabalho, Grassmann discutiu e obteve boa parte dos resultados elementares da
teoria atual de espaços vetoriais e de álgebra linear, perto de uma formalização axiomática.
Na época da publicação, seu trabalho não teve muita repercussão, talvez pela forma
obscura de apresentação ou mesmo pela incompreensão dos seus pares acerca do
assunto. Sentindo-se pouco reconhecido, desanimou e acabou por não completar o
pretendido na versão original. Por não ter influenciado seus contemporâneos, a maior
parte de seus resultados foi redescoberta, independentemente de seu trabalho.
Entretanto, 44 anos depois, o matemático italiano Giuseppe Peano (1858-1932) publicou
uma interpretação condensada dos conceitos tratados por Grassmann.
No entanto, as definições correntes de espaço vetorial, subespaço vetorial, bases e dimensão
foram estabelecidas pelo matemático alemão Hermann Weyl (1895-1955), que reconheceu a
magnitude e relevância do trabalho originalmente proposto por Grassmann.

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Unidade: Espaços vetoriais

Espaço Vetorial

Na Matemática, muitas vezes lidamos com conjuntos e é interessante realizar algumas


operações com os elementos destes conjuntos. Vocês devem ter visto na disciplina Álgebra
Linear I que podemos somar matrizes de mesmo tamanho, como também multiplicar uma
matriz por um número real. E muita coisa foi feita a
partir disto, dependendo destas operações.

Também o R3 pode ser visto como o conjunto


formado por todos os vetores do espaço, de tal
forma que podemos multiplicar um vetor por um
número real ou somar dois ou mais vetores do
espaço, como indicado na figura a seguir.

Pois o R3, com as operações de adição de


vetores e multiplicação de vetor por um número
real (escalar), é um espaço vetorial.

A definição de espaço vetorial envolve um corpo K, cujos elementos são chamados de


escalares e um conjunto não vazio E, munido de duas operações com seus elementos, chamados
vetores. Para o nosso estudo, o corpo K = R, ou seja, o conjunto dos números reais.

Um corpo K é um conjunto não vazio munido de duas operações, adição


e multiplicação, satisfazendo as seguintes propriedades: comutatividade e
associatividade em relação a cada operação, elemento neutro aditivo, elemento
neutro multiplicativo, elemento inverso aditivo, elemento inverso multiplicativo
para todo elemento não nulo de K, distributividade da multiplicação em relação à
adição. Observe que o conjunto R dos números reais constitui um corpo com as
operações usuais de adição e multiplicação.

Definição 1
Dizemos que um conjunto não vazio E de Um axioma ou postulado é uma
elementos, chamados vetores, é um espaço sentença ou proposição que não
vetorial sobre R, se E é munido de duas Glossário é provada ou demonstrada; é tida
como verdade; um consenso inicial
operações, adição e multiplicação por escalar, necessário para a construção ou
satisfazendo as seguintes condições (ou aceitação de uma teoria. É aceito
axiomas), para todos os vetores u, v e w de E como verdade e serve como ponto
inicial para dedução e inferências de
e todos escalares α e β em R:
outras verdades.

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1 A soma de u e v, denotada por u + v, pertence a E (propriedade de fechamento sob a adição)

2 u + v = v + u (propriedade comutativa)

3 (u + v) + w = u + (v + w) (propriedade associativa)

Existe um vetor nulo 0 em E tal que v + 0 = v, para todo v em E (elemento neutro ou


4
identidade aditiva)
Para cada v em E, existe um vetor –v em E, tal que v + (-v) = 0 (elemento oposto, ou
5
inverso aditivo)
O múltiplo escalar de v por α, denotado por αv, pertence a E (propriedade de fechamento
6
sob a multiplicação por escalar)

7 α(u + v) = αu + αv (propriedade distributiva em relação à soma de vetores)

8 (α + β)u = αu + βu (propriedade distributiva em relação à soma de escalares)

9 α(βu) = (αβ)u (propriedade associativa da multiplicação por escalar)

10 1.u = u (elemento neutro ou identidade para multiplicação por escalar).

Usando os axiomas, é fácil verificar que o vetor 0 é único em E, pois veja: suponhamos que exista
outro vetor w tal que w + v = v, para todo v de E. Daí w + 0 = 0(1) e w + 0 = w(2); igualando as
equações (1) e (2), temos w = 0

Agora, tente você mostrar que o elemento oposto é único!

Observe ainda que: 0v = 0,


α0 =0 e
(-1)v = -v.

Um conjunto V não vazio com duas Caso algum dos 10 axiomas (basta um!)
operações satifazendo os 10 axiomas é
um espaço vetorial
X não seja confirmado, então V não será
um espaço vetorial

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Unidade: Espaços vetoriais

Exemplo 1
Espaço vetorial dos vetores do plano R2.
Recordemos que um vetor u do R2 pode ser escrito
u = (x, y), em que x é a coordenada projetada no
eixo horizontal, a abscissa, e y é a coordenada
projetada no eixo vertical, a ordenada, como indica
a figura a seguir.
Consideremos os vetores u = (x1, y1) e v = (x2,
y2) em R2 e o escalar a em R. Então, u + v = (x1
+ x2, y1 + y2) e au = (ax1, ay1), são vetores que
pertencem ao R2. Como as abscissas e ordenadas, bem como os escalares, são números
reais e os números reais constituem um corpo, a adição e a multiplicação por escalar dos
vetores de R2 satisfazem todos os axiomas de espaço vetorial.

Verifique!
Da mesma forma, podemos mostrar que espaços
euclidianos de ordem superior, Rn, cujos vetores
Importante! são as n-uplas u = (x1,x2,x3, ...,xn) com as mesmas
operações de adição de vetores e multiplicação de
vetor por escalar, são espaços vetoriais sobre R.

Exemplo 2
Seja E o conjunto das matrizes 2x2, com elementos reais, e munido das operações de
adição de matrizes e multiplicação de matriz por escalar. E é um espaço vetorial.

Vejamos!
éa a12 ù éb b12 ù éc c12 ù
Sejam as matrizes u = ê 11 ú, v = ê 11 ú, w = ê 11 ú e os escalares r, s, em R.
ê a21 a22 úû êb21 b22 ú ê c 21 c 22 úû
ë ë û ë

éa a12 ù é b11 b12 ù é a11 + b11 a12 + b12 ù


1 u + v = ê 11 ú+ê ú=ê úÎ E
ê a22 ûú ëêb21 b22 ûú ëê a21 + b21 a22 + b22 ûú
ë a21
éa a12 ù é b11 b12 ù é b11 b12 ù é a11 a12 ù
2 u + v = ê 11 ú+ê ú=ê ú+ê ú = v+u
ê a21 a22 úû êëb21 b22 úû êëb21 b22 úû êë a21 a22 úû
ë
éa a12 ù æç é b11 b12 ù é c11 c12 ù ÷ö é a11 a12 ù
u + ( v + w ) = ê 11 ú + çê ú+ê ú÷ = ê ú+
ê a21 a22 ú ççè êb21 b22 ú ê c 21 c 22 ú ÷÷ø ê a21 a22 ú
3 ë û ë û ë û ë û
é b + c11 b12 + c12 ù é a11 + b11 a12 + b12 ù é c11 c12 ù
ê 11 ú=ê ú+ê ú = (u + v ) + w
êb21 + c 21 b22 + c 22 ú ê a21 + b21 a22 + b22 ú ê c 21 c 22 ú
ë û ë û ë û

10
é 0 0ù éa a12 ù é 0 0ù é a11 + 0 a12 + 0 ù é a11 a12 ù
Existe a matriz nula 0 = ê ú tal que u + 0 = ê 11 ú+ê ú=ê ú=ê ú=u
4 ê ú
ë 0 0û
ê a21
ë a22 úû êë 0 0úû êë a21 + 0 a22 + 0úû êë a21 a22 úû

é a11 a12 ù é-a -a12 ù


Para cada u = ê ú existe a matriz (-u) = ê 11 ú tal que
ê a21 a22 ú ê-a21 -a22 ú
ë û ë û
5
é a11 a12 ù é-a11 -a12 ù é a11 + -a11 a12 + -a12 ù é 0 0ù
u + (-u) = ê ú+ê ú=ê ú=ê ú=0
ê a21 a22 ú ê-a21 -a22 ú ê a21 + -a21 a22 + -a22 ú ê 0 0ú
ë û ë û ë û ë û
éa a12 ù é ra11 ra12 ù
6 A matriz ru = r ê 11 ú=ê úÎ E
ê a21 a22 úû êëra21 ra22 úû
ë
é a + b11 a12 + b12 ù é ra11 + rb11 ra12 + rb12 ù éa a12 ù éb b12 ù
7 r (u + v ) = r ê 11 ú=ê ú = r ê 11 ú + r ê 11 ú = ru + rv
ê a21 + b21 a22 + b22 úû êëra21 + rb21 ra22 + rb22 úû êa21 a22 úû êb21 b22 ú
ë ë ë û

é a11 a12 ù é(r + s) a11 (r + s) a12 ùú éê ra11 ra12 ùú


(r + s) u = (r + s) êê ú=ê = +
ë a21 a22 úû êêë(r + s) a21 (r + s) a22 úúû êëra21 ra22 úû
8
é sa11 sa12 ù éa a12 ù éa a12 ù
ê ú = r ê 11 ú + s ê 11 ú = ru + s u
ê sa21 sa22 úû ê a21 a22 úû ê a21 a22 úû
ë ë ë
é(rs) a11 (rs) a12 ù é sa sa12 ù
9 (rs) u = êê ú = r ê 11 ú = r ( su) = s (ru)
(ëê rs) a21 (rs) a22 úûú êë sa21 sa22 úû
é a11 a12 ù é1.a11 1.a12 ù
10 O escalar 1∈R é tal que 1.u = 1 êê ú=ê ú=u
ëa21 a22 úû êë1.a21 1.a22 úû

Para demonstrar cuidadosamente, exige certo trabalho. Entretanto, muitas vezes, apenas
usamos e argumentamos sobre o que já é conhecido. O mais importante é perceber e nos
convencermos de quando é um espaço vetorial.

Exemplo 3
Considere o conjunto E de todas as funções reais a valores reais, f: R → R, tal que para cada
x ∈ R, f(x) ∈ R, com as operações de soma de funções e multiplicação de função por escalar, a
saber: (f + g) (x) = f(x) + g(x) e (αf) (x) = α.f(x).
Observe que também neste caso estaremos trabalhando com números reais que, sendo
um corpo, já satisfazem todos os axiomas de espaço vetorial para estas duas operações, nas
quais a adição de funções lida com a adição de números reais e a multiplicação de função por
escalar (também um número real) lida com a multiplicação de números reais. Sendo assim, E
é um espaço vetorial sobre R.
Se você quiser treinar um pouco mais, mostre a validade dos 10 axiomas neste caso.

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Unidade: Espaços vetoriais

Exemplo 4
Considere V um plano qualquer do R3 que passa pela origem. Nesse caso, a equação geral
desse plano é dada por: ax+by+cz = 0, com a, b, c números reais fixos.
Vamos mostrar que V é um espaço vetorial, com as operações usuais do R3. Sejam dois pontos
de u e v de V, u = (x1, y1, z1) e v = (x2, y2, z2). Então, temos ax1 + by1 + cz1 = 0 e ax2 + by2 + cz2 = 0,
pois satisfazem a equação do plano.
Temos então u+v=(x1 + x2, y1 + y2, z1 + z2) e tu=(tx1, ty1, tz1). Daí, vamos verificar se u + v e
tu pertencem a V:
a(x1 + x2) + b(y1 + y2) + c(z1 + z2) =
ax1 + ax2 + by1 + by2 + cz1 + cz2 =
(ax1 + by1 + cz1) + (ax2 + by2 + cz2) =
(ax2 + by2 + cz2) + (ax1 + by1 + cz1) =
0 + 0 = 0, com o que u + v ∈ V.

Também a(tx1) + b(ty1) + c(tz1) = t(ax1 + by1 + cz1) = t.0 = 0, e assim tu ∈ V, o que satisfaz as
propriedades de fechamento em relação às duas operações (axiomas 1 e 6).
Como o plano passa pela origem, existe o vetor 0 = (0, 0, 0) em V (axioma 4), e 1 . u = u,
para todo u de V (axioma 10). É fácil de ver que u + v = v + u pela propriedade comutativa
dos números reais:
(ax1 + by1 + cz1) + (ax2 + by2 + cz2) =
(ax2 + by2 + cz2) + (ax1 + by1 + cz1) = 0 + 0 = 0 (axioma 2).
Também não é difícil verificar a propriedade associativa u+(v+w) = (u+v)+w, pois
(ax1+by1+cz1) + [(ax2 + by2 + cz2) + (ax3 + by3 + cz3)] =
[(ax2 + by2 + cz2) + (ax1 + by1 + cz1)] + (ax3 + by3 + cz3) =
0 + 0 + 0 = 0 (axioma 3).

O axioma 4 é trivial, vez que a(-x1) + b(-y1) + c(-z1) = –(ax1 + by1 + cz1) = 0, daí o vetor –u ∈ V.
O axioma 7 pode ser verificado, pois
t[(ax1 + by1 + cz1) + (ax2 + by2 + cz2)] =
t(ax1 + by1 + cz1) + t(ax2 + by2 + cz2) = t.0 + t.0 = 0;
logo, t(u + v) ∈ V.
E (r + s)u pertence a V, pois
(r + s).(ax1 + by1 + cz1) =
(r + s) ax1 + (r + s)by1 + (r + s)cz1 =
a[(r + s) x1] + b[(r + s)y1] + c[(r + s)z1] = 0,
vez que o vetor (r + s) u = tu ∈ V (axioma 8).

O axioma 9 pode ser verificado da mesma maneira.


Assim sendo, todos os axiomas foram verificados, ou seja, são válidos. Portanto, um plano
V do R3 que passa pela origem é sempre um espaço vetorial.
Mostre, por analogia, que uma reta do R2 que passa pela origem é um espaço vetorial.

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Exemplo 5
Um conjunto que não é espaço vetorial.

Seja E = R2 com as seguintes operações assim definidas: Se u = (x1, y1) e v = (x2, y2) são dois
vetores do R2, u + v = (x1 + x2, y1 + y2) e para todo escalar (real) t, tu = (tx1, x2).

Como a adição é a mesma usualmente conhecida, valem os axiomas de 1 a 5. Mas a


operação multiplicação por escalar é diferente da usual. Então, vamos verificar. Claro é que
tu = (tx1, x2) ∈ R2,(axioma 6), mas vejamos o axioma 7:

t(u + v) = t[(x 1, y 1) + (x 2, y 2)] = t(x 1 + x 2, y 1 + y 2) =


(t(x1 + x2), y1 + y2) = (tx1 + tx2, y1 + y2) = t(x1 + x2) + (y1 + y2) =
tu + v

Vimos, portanto, que o axioma 7 não é satisfeito. Logo, com essas operações assim
definidas, o conjunto E=R2 não é espaço vetorial.

O que isto nos mostra?

Evidencia que as operações comumente definidas em conjuntos não o foram de forma


arbitrária, mas intencional, para atender algumas propriedades, o que os tornam, em geral,
espaços vetoriais.

Também serve para vermos que basta um dos axiomas não ser verdadeiro para não
configurar um espaço vetorial.

Vale lembrar que este é um dos raciocínios lógicos da Matemática: se todas as condições
da hipótese são verificadas, então a conclusão (tese) é verdadeira. Entretanto, basta um contra
exemplo para que a tese não possa ser verificada.

Como definir uma soma de vetores do R2 de forma que este conjunto não
seja um espaço vetorial?
Para pensar

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Unidade: Espaços vetoriais

Subespaços Vetoriais

Na seção anterior, vimos que os planos do R3 que passam pela origem formam um espaço
vetorial, enquanto que o próprio espaço euclidiano R3 é um espaço vetorial.

Mas, observe que o plano passando pela origem é um espaço vetorial com as operações
herdadas do R3. Isto pode ocorrer para alguns subconjuntos de um espaço vetorial, quando o
subconjunto, por si só, é um espaço vetorial com as operações do espaço vetorial. Nesse caso,
recebem um nome especial.

É o que veremos agora.

Definição 2
Um subconjunto W de um espaço vetorial E é chamado de subespaço vetorial de E, se W é
um espaço vetorial em relação às operações de adição e multiplicação por escalar definidas em E.

Para mostrar que os planos do R3 que passam pela origem formam um espaço vetorial,
tivemos de verificar todos os axiomas, o que deu certo trabalho, mas vimos que as demonstrações
dependeram basicamente das propriedades das operações usuais do R3 como espaço vetorial.
Então, veremos que é isso mesmo.

Para verificar se um subconjunto não vazio de E é um subespaço vetorial, precisaremos


verificar apenas duas propriedades.

Vejam!

Teorema 1
Se W é um subconjunto não vazio de um espaço vetorial E, então W é um subespaço
vetorial de E se, e somente se, forem válidas as seguintes condições:
a. Se u e v são vetores de W, então u + v pertence a W;
b. Se k é um escalar qualquer e u um vetor de W, então ku pertence a W.

Demonstração
Se W é um subespaço vetorial de E, então valem todos os axiomas de espaço vetorial, em
particular, as condições (a) e (b), que são os axiomas 1 e 6, respectivamente.

Reciprocamente, se as condições (a) e (b) são válidas, então são válidos os axiomas 1 e 6
do espaço vetorial.

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Em relação aos demais, observemos que são válidos os axiomas 2, 3 e 7, bem como os
axiomas 8, 9 e 10, vez que os vetores de W são vetores de E, já que W é um subconjunto de E.

Basta, então, verificar os axiomas 4 e 5. Vimos (axioma 6) que para qualquer escalar k e
qualquer vetor u de W, o vetor ku pertence a W. Considere, então, o escalar k = 0; daí temos
que 0.u = 0 pertence a W, com o que W tem um vetor nulo 0 (axioma 4).

Agora para qualquer vetor u de W, tome o escalar k = -1 e (-1) u = -u pertence a W (axioma


5). Portanto, como todos os axiomas de espaço vetorial são válidos para os elementos de W
com as operações herdadas de E, w é um subespaço vetorial de E.

Você agora deve ter se animado, pois ficou mais simples verificar se um subconjunto de um
espaço vetorial E é um subespaço vetorial de E.

Vejamos, então, alguns exemplos.

Exemplo 6
Seja E o espaço vetorial das matrizes 2x3, a valores reais, com as operações usuais de
adição de matrizes e multiplicação de matriz por um escalar real. Considere o subconjunto W
de E, tal que uma matriz A de W é da seguinte forma:

éa a12 0ù
A = ê 11 ú
ê a21 a22 0úû
ë

Vamos mostrar que W é subespaço vetorial de E. Para tal, basta que os vetores de W
satisfaçam as duas condições (a) e (b) do teorema 1.
éa a12 0ù éb b 0ù
Sejam u e v dois vetores de W. Logo, u = A = ê 11 ú e v = B = ê 11 ú.
ê a21 a22 0ú êb21 b22 0ú
ë û ë û
é a + b11 a12 + b12 0ù
Então u + v = A + B = ê 11 ú que pertence a W.
ê a21 + b21 +b22a22 0úû
ë

éa a12 0ù é ka11 ka12 0ù


Também para qualquer escala k real, a matriz ku = kA = k ê 11 ú=ê ú
ê a21 a22 0úû êëka21 ka22 0úû
ë
pertence a W. Logo, W é subespaço vetorial de E.

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Unidade: Espaços vetoriais

Exemplo 7
Considere o espaço vetorial E das funções reais a valores reais, definidas por f: R→R, tal que
para todo x ∈ R, y = f(x) ∈ R, com as operações usuais de soma de funções e multiplicação de
função por um escalar real (como definidas no exemplo 3).

Seja W o subconjunto de E constituído das funções f de E, assim definido:

W = {f ∈ E, tal que f(x) = ax + b, a, b ∈ R}.


Então, dados dois vetores u e v de W, u = f(x) = ax + b, v = g(x) = cx + d, daí u + v = f(x)
+ g(x) = (a + c)x + (b + d). Logo, u + v ∈ W. Seja agora k um escalar (real) qualquer, então
ku = k . f(x) = k(ax + b) = (ka)x + kb. Com isso, ku ∈ W.

Dessa forma, W satisfaz as condições (a) e (b) do teorema 1 e, portanto, W é subespaço


vetorial de E.

Exemplo 8
Considere agora o conjunto P dos polinômios de grau menor ou igual a n, n ≥ 0. Então, se
u ∈ P, u = p(x) = anxn + an - 1xn-1 + an - 2xn-2 +.....a1x + a0., nem todos os coeficientes são nulos.

Observe que P é um subconjunto do espaço vetorial E das funções reais a valores reais, com
as operações usuais, dado no exemplo anterior. Assim é fácil verificar que dados dois vetores
u e v de W, u = p(x), v = q(x), nas condições definidas em W, então u + v = p(x) + q(x) ∈ P, vez
que a soma de dois polinômios é um polinômio de grau igual ao maior grau entre p(x) e q(x).
Também, para qualquer escalar k real, ku = k . p(x) ∈ P, vez que é um polinômio de mesmo
grau de p(x).

Então, como as condições (a) e (b) do teorema 1, P é um subespaço vetorial de E.

Exemplo 9
Na figura ao lado, o prisma triangular tem um dos
vértices na origem e o plano α é um plano do R3 que
contém a face verde do prisma triangular.

Observe que o plano α não passa pela origem.


Portanto, o plano α não é um subespaço vetorial do R3.

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Exemplo 10
Seja E um espaço vetorial e S o subconjunto de E, que só contém o vetor nulo de E, ou
seja, S = {0}, então S é subespaço vetorial de E, chamado subespaço trivial. O próprio E é
considerado subespaço de E, nesse caso também chamado de subespaço trivial.

Na verdade, se E é um espaço vetorial, então {0} e E são subespaços impróprios ou triviais.


Qualquer outro subespaço de E é chamado de subespaço próprio.

Todo subespaço vetorial V de E contém o vetor nulo de E.


Um subespaço V de E é também um espaço vetorial com todos os axiomas
herdados de E.
Importante! Todo espaço vetorial E admite pelo menos dois subespaços, V1 = {0} e V2 = E,
chamados subespaços triviais de E. Qualquer outro subespaço W de E, diferente
desses, é chamado subespaço não trivial, ou próprio, de E.

Exemplo 11
O espaço vetorial R2 não é subespaço vetorial de R3, aliás, o R2 não é nem mesmo um
subconjunto do R3, vez que os vetores do R2 têm apenas duas coordenadas, enquanto os vetores
do R3 têm três. Já o subconjunto V do R3 tal que V = {(x,y,0), x, y ∈ R} é subespaço vetorial do R3.

Ocorre que V desse exemplo não é o espaço vetorial R2, apenas se ‘parece’ e ‘age’ como ele.

Exemplo 12
Seja E o espaço vetorial das matrizes ìé a11 a12
ï a13 ù ü
ï
ï
ïêê ú ï
ï
3 x 3 e considere V o subconjunto das
Então V = ï
íê a21 a22 i, j = 1, 2, 3ï
a23 ú , tal que aij = a ji ,  ý
matrizes simétricas de E. ï ú ï
ï ê ú ï
ïë a31 a32
ï
î a33 û ï
ï
þ

Como a soma de matrizes simétricas é uma matriz simétrica, bem como o múltiplo de uma
matriz simétrica também é uma matriz simétrica, então V é um subespaço vetorial de E.
Observe que o mesmo é verdade para E, o espaço das matrizes nxn e V, o subconjunto das
matrizes simétricas de E.

Exemplo 13
Sejam U e V dois subespaços de um espaço vetorial E. Então W = U∩V é também subespaço
vetorial de E. Vejamos: certamente W ≠ ∅, que 0 ∈ W, pois 0 ∈ U e 0 ∈ V. Ainda se w1,w2
∈ W, então w1,w2 ∈ U ∩ V, daí w1 + w2 ∈ U ∩ V, e também kw1 ∈ U ∩ V, satisfazendo as
condições (a) e (b) do teorema 1.
Logo, W = U ∩ V é subespaço vetorial de E.

Vimos que a intersecção de dois subespaços de um espaço vetorial E é


também um subespaço vetorial de E. Mas será que o mesmo ocorre com
Para pensar a união de dois subespaços vetoriais?

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Unidade: Espaços vetoriais

Espaço Soma
Definição 3
Sejam U e V dois subespaços do espaço vetorial E. O espaço soma de U e V, denotado
por U + V, é o conjunto de todos os vetores w que podem ser escritos como soma de um
vetor de U e um vetor de V, isto é, U+V = {w = u + v, u∈ U, v∈ V}. Assim definido, U +
V é um espaço vetorial de E.
Caso U ∩ V = {0}, diz-se que o espaço soma U + V é soma direta de U e V e denota-se
por U⊕V(Confira o exemplo 15 mais adiante).

Subespaço Gerado
Vamos ver agora que podemos ter subespaços vetoriais que são gerados por um conjunto
de vetores de um espaço vetorial. Para isto, temos de definir o termo combinação linear.

Definição 4
Dado um conjunto de vetores S = {u1,u2, ...,uk} de um espaço vetorial E, uma combinação
linear dos vetores de S é uma soma de múltiplos desses vetores, ou seja, a1u1 + a2u2 +....+akuk,
com a1, a2, ...,ak escalares.

Teorema 2
Considere um conjunto de vetores S = {u1,u2, ...,uk} de um espaço vetorial E. Seja [S] o
conjunto de todas as combinações lineares dos vetores de S. Então [S] é um subespaço vetorial
de E, denominado subespaço gerado por S.

Demonstração
Vemos que a própria definição de combinação linear garante a validade das condições (a) e
(b) do teorema 1 para [S]. Então, [S] é um subespaço vetorial de E.

Exemplo 14
Sejam os vetores u = (1, 2, 0) e v = (0, 1, 1) do R3. Então [S] = [u, v] é o subespaço do R3
gerado por S = {u, v}. Entretanto, vamos ver qual é este subespaço gerado. Um vetor genérico
de [S] é uma combinação linear de u e v. Então, temos que se w ∈ [S], w = au + bv = a(1, 2, 0)
+ b(0, 1, 1) = (a, 2a, 0) + (0, b, b) = (a, 2a + b, b), com a, b números reais.

Logo, [S] = {(a, 2a + b, b), a, b ∈ R}.

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Exemplo 15
Sejam S e T dois subespaços gerados por vetores do R3 assim definidos S = [(1, 0, 0),(0, 1,
0)] e T=[(0, 0, 1)]. S representa um plano e T uma reta do R3 , ambos passando pela origem
(0,0,0) e T ortogonal a S. Daí temos que S ∩ T = ∅ e, nesse caso, S ⊕ T = R3 .

Espaço-Solução de um Sistema Homogêneo


Seja Ax = b é um sistema linear de m equações e n incógnitas, no qual A é a matriz mxn
dos coeficientes, x é a matriz coluna nx1 ou vetor das incógnitas e b o termo independente.
Então, cada vetor x que satisfaz esta equação é chamado de vetor-solução.

Teorema 3
Se Ax = 0 é um sistema linear homogêneo de m equações e n incógnitas, então o conjunto
dos vetores-solução é subespaço de Rn.
Demonstração
Seja V o conjunto dos vetores-solução de Ax = 0. Certamente V ≠ ∅, pois existe pelo
menos a solução x = 0. Sejam x e x’ dois vetores-solução em V.
Lembremos que os vetores de V são matrizes-coluna com n elementos. Temos A(x + x’) =
Ax + Ax’ = 0 +0 = 0, logo x + x’ ∈ V. Temos também A(tx)= t.Ax=t.0=0, logo tx∈ V.
Portanto, como foram satisfeitas as condições (a) e (b) do teorema 1, o espaço-solução V é
um subespaço vetorial do Rn.

Exemplo 16
Seja o sistema homogêneo de equações lineares Ax = 0, cuja representação matricial é dada por:

é 1 -2 3ù é x ù é 0 ù
ê úê ú ê ú
ê 2 -4 6 ú ê y ú = ê 0 ú
ê úê ú ê ú
ê 3 -6 9 ú ê z ú ê 0 ú
ë ûë û ë û

Já sabemos que tem solução e que o conjunto V dos vetores-solução é um subespaço do R3.
Queremos saber quem é o conjunto V.

Agora, vamos recordar o que já dever ter sido visto em álgebra linear sobre resolução de
sistemas: se observarmos bem a matriz A dos coeficientes, vemos que a segunda e terceira
linhas são múltiplas da primeira linha de A.

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Unidade: Espaços vetoriais

Isto significa que a matriz escalonada por linhas A’ associada à matriz A tem posto 1,
ou seja, terá apenas uma linha não nula.Então, o grau de liberdade será 2, já que o vetor-
solução tem 3 componentes.
é 1 -2 3ù
ê ú
Também é fácil de ver que a matriz A’ = ê 0 0 0ú e, portanto, o sistema equivalente A’x =
ê ú
ê 0 0 0ú
ë û

0 nos dá como solução a equação x-2y+3z = 0, que é um plano do R3 passando pela origem.

Considerações Finais
Vimos, nesta Unidade, o que é um espaço vetorial e quais axiomas devem ser satisfeitos para
garantir que um conjunto não nulo seja espaço vetorial. Em seguida, tratamos de subespaços
vetoriais e vimos que bastam duas condições para garantir que um subconjunto não vazio de
um espaço vetorial seja subespaço vetorial dele.
Apresentamos variados exemplos de espaços e subespaços vetoriais, como espaços
euclidianos, espaços de funções, espaço de matrizes, espaço-solução de sistemas lineares
homogêneos, entre outros, com o objetivo de dar uma visão ampla desses importantes
conceitos e esclarecer procedimentos de verificação ou demonstração de suas características,
contribuindo, assim, para a construção das estruturas algébricas. Afinal, sempre podemos nos
lembrar da frase do matemático alemão Hermann Henkel (1839-1873):

“Na maior parte das ciências uma geração põe abaixo o que outra construiu
e o que uma estabeleceu, a outra desfaz. Somente na matemática é que cada
geração constrói um novo andar sobre a antiga estrutura.”

Espero que você tenha aproveitado! E se teve dúvidas, recomendo que retorne aos exemplos
e procure refazê-los você mesmo.
Além disso, você pode também consultar outras referências, como as indicadas.

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Material Complementar

Se você deseja aprofundar seus estudos sobre Álgebra Linear, consulte os links a seguir.
São livros sobre o tema e estão disponíveis na internet. Afinal é sempre bom poder ver
outras abordagens, exemplos e aplicações.
Leitura:
http://www.mat.ufmg.br/~regi/gaalt/gaalt2.pdf;
http://www.labma.ufrj.br/~mcabral/textos/alglin/CursoAlgLin-livro.pdf;
http://www.icmc.usp.br/pessoas/szani/alglin.pdf.

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Unidade: Espaços vetoriais

Referências

ANTON, H. Álgebra Linear com aplicações. 8.ed. Porto Alegre: Bookman, 2001.

BOLDRINI, J. L. Álgebra linear. 3.ed. São Paulo: Harbra, 1986.

EDWARDS JR, C. H., PENNEY, D. E. Introdução à álgebra linear. Rio de Janeiro:


Prentice-Hall do Brasil, 1998.

LAY, D. C. Álgebra linear e suas aplicações. 2.ed. Rio de janeiro: LTC Editora, 1999.

LAWSON, T. Álgebra Linear. São Paulo: Edgard Blücher, 1997.

STEINBRUCH, A. Álgebra linear. 2.ed. São Paulo: Makron Books do Brasil, 2004.

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Anotações

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