Morada ou terreno denomina-se a terra que pertence a um lavrador,
servindo como lugar de habitação e trabalho, fazendo essa localização referência ao ato de morar num pedaço de terra cultivado pelos próprios lavradores, não sendo incomum, portanto, chamarem-na também de roça, descartando a casa para designa-la pela agricultura.
A categoria que dá contornos físicos precisos à terra é situ, ter um situ
dá ao seu responsável a condição de situante, indicam aos lavradores uma posição no espaço, como resultado do trabalho.
Enquanto estar à posição do fazendeiro remete a ideia da relação
social fazendeiro e agregado, a autonomia do situante é autonomia ameaçada e até subjugada, em função dos interesses de uma fazenda em formação.
Devido as características do poder coronelístico – controle privado do
aparelho institucional – os fazendeiros não detinham a propriedade jurídica das glebas, fazendo respeitar esse direito pela força e mantendo suas fazendas de geração em geração, graças a manipulação judiciária e cartorária. É esse monopólio expressado no vocabulário local de domínio (área dominada – área controlada de fato e não juridicamente), o que contradiz o significado jurídico da palavra (domínio+ propriedade legitima).
Se a situação se caracteriza pela independência relativa e conjuntural
em relação a fazenda, concentrando–se na reciprocidade diante dos demais situantes, o que configura à primeira vista como uma confirmação da autonomia camponesa. Assediado pela fazenda, sempre propensa a estender seus domínios, tem essa autonomia periodicamente comprometida. Dois movimentos se contrapõem na memória e existência social do situante: a fazenda, que inexiste dessa forma, hoje, por não ter sido cartorialmente comprovada, mas pode ter existido no passado; a fazenda que inexistia no passado e passa a se formar hoje e quer invadir seu situ. Neste contexto, ganha sentido o elemento mais valorizado de sua condição, que é o de não ter que pedir morada dentro da fazenda. No seu situ, que se extrema com outros pelo princípio separador das águas vertentes, categoria divisória costumeira, mas que se transporta também para documentos judiciais, vive separado daquilo que não lhe pertence. Esses limites pareciam ser suficientes para evitar a invasão de seu situ pelo domínio.
O situante não se distingue do sitiante que tem título cartorial da terra e
a produção camponesa os une num mesmo modo de vida. Nesse sentido, aproximam-se ambas as condições sociais numa mesma concepção: a terra é para morar e trabalhar e passar para os descendentes, independentemente de ser ou não classificada como propriedade privada. Ao sítio o poder da fazenda inflige no máximo litígios divisórios que só excepcionalmente evoluem para tomada da pequena propriedade inteira; ao posseiro sobra a parte do leão das confrontações decorrentes da imposição do dominium. A situação pode ser alvo de ações de despejo e de reintegração de posse de cunho patronal, que visam a expulsão dos situantes. As invasões dos situs, tendo caráter costumeiro ou judicial, visam abranger todo o terreno dos lavradores.
O situante, transformado em invasor tolerado, tem no fazendeiro o
benfeitor que agora é malfeitor e o transformou em dependente. Em ações judiciais de caráter divisório contra proprietários de sitio, que possuem apenas formais de partilha, o domínio é insinuado através do argumento de que uma área de sitio que se extrema com a fazenda não tem estatuto autônomo, não é parcela e, portanto, é apenas tolerância do fazendeiro o permitir que, naquele local residissem lavradores separados por uma cerca. Para os situantes retomam questões de autonomia e dependência. Há os situantes que tenham aceito pagar rendas –em –produto ou rendas- em trabalho, modelos de obediência e os que não se permitem subordinar; extremos exemplos opostos de dependência e insubmissão.
O favor imposto ao situante fica bem exemplificado com as cartas de
agregação, que visam criar condições para terminar o domínio dos homens através de papeis assinados que preludiam a tomada da terra – transformar um posseiro em agregado, confirmando essa condição com num documento, o que gera argumentação judiciaria, de que não se trata de livres, mas sim de parceiros necessários a lide da fazenda.
Uma vez vigentes as práticas próprias de invasão, reedita-se o
fenômeno da expulsão, que incorpora o habitus da subordinação, pois dar renda é reconhecer implicitamente que se tem patrão e que se foi este que liberou o acesso à terra. Sendo formas de subordinação, a cessão da condição de terças e meias que consolidavam a fazenda em formação.
As trocas sociais estabelecidas entre os posseiros e os fazendeiros se
interligavam a duas noções básicas sobre o comportamento político e a etiqueta de convivência que eram submeter-se ao fazendeiro ou resistir a sua conduta. A obediência coagida em uma lógica de independência dos modos de vida. Estas geravam atos de solidariedade entre eles e davam razão a vivência da subordinação.
Os dominados separavam a amizade que os unia aos seus
dominadores do rancor que cultivavam pelos mesmos que eram ocasionados pelas coações e privações sofridas.
Tais características das relações sociais não eram em suma
contratuais, elencavam-se em um sistema comportamental singular, que se rompia quando o domínio dos homens se transformava em passe para sua expulsão, visando o esvaziamento de um espaço social regrado a normas costumeiras de apropriação.
Eric Wolf assinalou algumas características sobre o assédio da fazenda
ao sitiante, que transpassavam da amizade para a relação patrão/cliente, acentuando o fato dessa amizade chegar a um ápice de desequilíbrio, demonstrando que um dos parceiros era evidentemente superior ao outro em sua capacidade de dar bens e serviços se submetendo a essa relação. Tal relação também marcava a transição da coexistência para dependência e por fim da dependência para a ameaça ou a concretização do processo de expulsão dos lavradores da terra.
O “situ” torna-se uma forma de apropriação que coexiste somente com
a fazenda em um âmbito de compressão e extermínio pelo fato do interesse em eliminá-lo não provir apenas da fazenda, mas da aliança entre esta e grandes empresas capitalistas de reflorestamento que visam ocupar terras para o desenvolvimento de grandes projetos.
Para que sobreviva a fazenda necessita agir conforme esse interesse e
para que ocorra isso será necessário: invadir o “situ” para fortalecer-se juntamente a empresa capitalista, facilitar essa empresa apossamentos rápidos de terras devolutas e valer-se de sua penetração nas esferas de poder municipal e estadual que lidam com a questão da terra, no que tange a desaceleração da regularização fundiária dos situantes.
Os situantes explicam esse processo discorrendo sobre a “ofensa” e o
“fecho” ambas decorrentes de violência, essas, denotam a perda das condições de produção e ferem a etiqueta de convivência de forma irremediável. A ofensa é danificar ou suprimir extremas que separam as áreas por diferentes donos, danificar plantações, roças e pomares. Já o fecho remete-se ao impedimento de ir e vir do “situ”, aprisionando o lavrador dentro da área, restringindo seu acesso a água, a lenha ou ao retorno a sua própria morada. Há um liame entre o despejo ocorrido com o agregado e a ofensa ao situante.
A formação da fazenda para fins agropecuários está em questão. Tais
processos levam ao desaparecimento dessas categorias, situante, dono de uma situação, pequeno posseiro. Esses termos evaporam-se dos textos sindicais, categorias e judiciais, já não há mais os livres ocupantes de terras mas sim os agregados ou parceiros, cujo contrato o fazendeiro visa transformar em distrato. Entre o “situ” e o domínio se configurava uma agregação invertida, da qual, o favor pedido, estabelecia a morada na fazenda que seria mantida com os serviços decorrentes daquela fazenda, o desempenho das tarefas corretamente. A dissolução do antigo trato evidência uma nova convivência, da qual mantém o situante como devedor simbólico do invasor. Quando ocorre a expulsão o que lhe resta apenas é a colheita das benfeitorias deixadas.