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ISBN: 978-85-640590-00-7
Vários autores
1. Contos: Literatura Brasileira
11-04397 CDD-869.93
Charles Bukowski
Vinte anos, paulista e estudante de Letras, começou a ler aos seis anos de idade e desde então
se tornou dependente literária. Escreve desde os 8 anos de idade e tem um gosto particular pelo
sobrenatural, principalmente pela figura da morte, mas também gosta de usar as palavras para
reinventar a vida cotidiana, onde momentos comuns ganham uma nova visão. Atualmente estuda
e mora em São Paulo e escreve contos, microcontos e poesias para o blog Tower of words, rese-
nhas e notícias literárias para Tower of Reading. Seu conto “A menina” será publicado em breve
pela Andross Editora na antologia Moedas para o barqueiro II.
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Contato: brunacsantos@live.com
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Letras corridas no papel tentavam alcançar o ritmo da fala da pro-
fessora, com traços infantes, desesperados, com direito a riscos e grafite
partido. Do lado de fora do vidro, o sol, que ofuscava parte da sua visão,
fazia mais do que clarear a classe apertada. Fazia sua cabeça doer insupor-
tavelmente.
De nada valeram os apelos à professora para mudar de lugar. Não
faz sol todos os dias, menina, sossegue. Desde então a menina ficou ob-
cecada com a ideia de que a professora queria prejudicá-la. E só de
pirraça, começou a fazer de tudo para mostrar serviço. A professora se
surpreendia e admirava a garotinha que, no alto de seus dez anos de idade,
já criara as melhores redações de todas as quartas séries. Começara até a
acreditar que a causa de tudo isso era o fato da menina sentar perto da
janela e assistir as ações cotidianas nas ruas que ladeavam a escola. Se ao
menos ela soubesse o quanto estava certa e errada...
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Em um desses dias de sol, uma mancha escarlate borrou os traços
recém-feitos no papel, um pingo grosso e quente, com um brilho hipno-
tizante. E os olhos fitaram com gana aquela gota de vida manchando o
branco da brochura, ignorando o calor, a dor de cabeça e a tepidez úmida
tal qual lambida de cachorro, que agora escorria pela narina esquerda, chei-
rando a ferro. O lápis deslizou curiosamente a ponta pela gota, descrevendo
riscos uniformes que se tornaram letras sobre o papel, agora manchado de
rubro e grafite. Mas a empolgação durou pouco, pois a “ tinta
mágica”
secou rápido, deixando a garota com vontade de mais. Mal completou
o raciocínio, porém, e a cabeça pendeu, primeiro sobre o peito, depois,
curvando-se sobre o caderno, embebendo as páginas em sangue. A dor
de cabeça desaparecera. E a cor da sala também. Viu tudo vermelho antes
das luzes se apagarem.
Sonhou com vermelho s de vários tons e desejou possuir cada
um deles.
Quando acordou em um quarto de hospital cercada pelos pais, não
entendeu nada. Mas ao vislumbrar a enfermeira ajeitando o sangue na veia
de outro paciente do outro lado do quarto, lembrou-se de tudo. Estava ali,
tão perto, um pacotinho cheio daquela tinta rubra, ainda mais densa e
escura da que possuíra por tão pouco tempo. Estendeu a mão inutilmente,
na intenção de pegá-la, quando seus pais resolveram enchê-la de beijos,
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rir abobadamente, com as pupilas dilatadas e boca frouxa, movimentos
débeis.
– Já não fazem cafés como antigamente... – murmurou a mulher,
ainda sorrindo para a moça.
– Pois é, eles deviam despertar ao invés de dar sono – sorriu de volta,
fingindo um bocejo tão bem que seus olhos lacrimejaram, mas era só por
causa da excitação que se espalhava pelo seu corpo com a ação da adrena-
lina, a inspiração a mil.
– Você não se importa se... – a professora não terminou sua fala,
tropeçando nos próprios pés e se apoiando no sofá novamente. – Vida
de professor é tão difícil... – ela continuava sorrindo, os lábios perdendo
a cor, mas os olhos de Ludmilla brilhavam ainda mais vivos, ela sorria e
deslizava a mão para a bolsa.
– Vai ficar tudo bem, professora. Eu te garanto... Pelo menos pra mim!
– a professora não esboçou qualquer reação notável, só emitiu um gemido
fraco ao ver a moça colocar luvas cirúrgicas e proteção nos pés, limpando
cuidadosamente qualquer vestígio de que fora ali. – Sabe que... Na lite-
ratura se aprende muito? Mas em livros de enfermagem e medicina...
Se aprende ainda mais... Bons escritores pesquisam, sabe? – Ludmilla
continuava sorrindo, os lábios finos e levemente rachados, torcidos de
forma penosa, garantido um ar diabólico às suas feições de menina-moça,
enquanto ela pegava um vidro como esses de xarope para tosse da bolsa
e um kit para tirar sangue, os olhos da professora estavam arregalados,
mas quase inexpressivos. – Relaxa, você não vai morrer com Rivotril...
Ninguém nunca morreu com isso ainda... – ela girou uma ampola por entre
os dedos e sorriu.
Tinha em mente, primeiramente, apenas assustar a professora, mas
ao ver o medo estampado nos olhos dela, sentiu uma sensação incomum,
deliciosa e inspiradora. Tinha em suas mãos a chance que procurara a vida
toda, uma inspiração... E a tão desejada “tinta rubra” que buscara matando
pequenos animais desde criança, mas não sabia o suficiente para manter o
sangue utilizável por muito tempo. Agora, adulta, com suas técnicas teori-
camente aperfeiçoadas, ela faria da professora a sua primeira experiência.
Se fosse eficiente, por longos anos, seria a única.
– Sabe, eu descobri, em uma das minhas muitas pesquisas para o livro
que pretendo escrever, que a Condroitina, substância presente na cartilagem
de tantos animais e tão acessível em alguns suplementos, potencializa o
efeito dos anticoagulantes... Se a minha pesquisa estiver correta, então eu
não preciso me preocupar... Principalmente porque com a quantidade que
preparei... A senhora ficaria admirada com o que pode acontecer...
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E lá estava ela, sentada com sua beleza atraente e discreta no fundo
da livraria, os olhos castanhos tinham algo de especial, diferente, mas ela
sorria para todos, quase docilmente. Uma grande fila se formou assim
que os funcionários da loja informaram que estava aberta a sessão de au-
tógrafos. Os que já o tinham pegado admiravam a caligrafia fina em um
tom tão lindo de vermelho, puro, real. Na capa do livro, uma caneta bico-
-de-pena dourada pingando sangue, no título, letras rubras em caixa alta
“VERMELHO SANGUE”. Na contracapa, a história de um poeta que
se torna um serial killer fissurado em escrever poesias com sangue de mu-
lheres, pois só assim obtém inspiração para criar suas obras.
Os leitores se acotovelavam para conhecer a jovem escritora e tirar
fotos com ela, e depois saiam comentando a sacada genial dela autografar
com uma caneta igual à usada pelo assassino, e também o tinteiro, cuja cor
assemelhava-se ao sangue, servindo para promovê-la ainda mais. Quando
chegou a minha vez, abri o livro para ela autografar e lhe dei o meu melhor
sorriso. Ela retribuiu sem me olhar nos olhos. Ao invés disso, tomou minha
mão com delicadeza e ficou ligeiramente vidrada nas veias verdes que cor-
riam por baixo do meu pulso pálido. Ao olhar novamente para mim, buscou
meus olhos e finalmente viu, com grande susto, um reflexo de si mesma.
Sob a forma de um poeta fissurado por sangue de mulheres que sempre são
imortalizadas em poesias sangrentas e apaixonadas.
fim
] Tinta vermelho sangue - Bruna Caroline [