Você está na página 1de 10

Universidade Federal de Ouro Preto

ICHS – DELET – LET859 – Prática Supervisionada de Tradução - 2019/1


Prof.: Adail Sebastião Rodrigues-Júnior

ESCRAVIDÃO SEXUAL (Matrimonial?)

1890

Voltairine de Cleyre
Tradução por Beatriz Freitas Queiroz

É noite em uma cela de prisão! Uma cadeira, uma cama, um pequeno lavatório, quatro
paredes nuas, medonhas na penumbra do corredor mal iluminado, uma janela estreita,
trancada e enterrada na pedra, uma porta gradeada! E envolto na horrenda treliça de ferro,
dentro das medonhas paredes: um homem! Um homem velho, grisalho, enrugado e fraco,
sofrendo. Lá ele se senta, em sua grande solidão, encarcerado perante toda a terra. Lá ele
caminha, para lá e cá, dentro de seu espaço medido, segregado de tudo que ama! Lá, toda
noite em cinco longos anos a vir, ele caminhará sozinho, enquanto os flocos brancos da idade
caem sobre sua cabeça, enquanto os últimos anos do inverno da vida se acumulam e passam, e
seu corpo se aproxima das cinzas. Toda noite, durante os cinco longos anos a vir, ele se
sentará sozinho, este escravo, cujo tributo é tomado pelo Estado - e sem nenhuma recompensa
a não ser a que o plantador do sul deu aos seus negros - toda noite ele se sentará lá, dentre as
quatro paredes nuas. Toda noite, durante os cinco longos anos a vir, uma mulher, sofrendo, se
deitará na cama, desejando, ansiando pelo fim daqueles três mil dias; ansiando pelo rosto
amável, a mão paciente, que em tantos anos nunca lhe falhara. Toda noite, durante os cinco
longos anos a vir, o espírito orgulhoso deve se rebelar, o coração amoroso deve sangrar, o lar
desfeito deve ser profanado. Enquanto estou falando, enquanto você está ouvindo, lá dentro
da cela daquela maldita penitenciária cujas pedras absorveram os sofrimentos de tantas
vítimas, assassinadas, tão verdadeiramente quanto qualquer outra fora de suas muralhas, pela
lenta podridão que corrói a existência, lentamente, - enquanto falo, enquanto você escuta, lá
está Moses Harman!

Por quê? Por que, enquanto assassinos caçam, neste momento, em suas ruas, enquanto
os antros de infâmia são tão densos em sua cidade que a concorrência forçou o preço da
prostituição a baixar ao nível dos salários de seus famintos fabricantes de camisas; enquanto
ladrões se sentam no Senado e na Câmara Estadual e Nacional, enquanto o vanglorioso
“baluarte das nossas liberdades”, a franquia eleitoral, se tornou uma caixa de dados dos EUA,
com a qual os grandes jogadores de azar apostam suas liberdades; enquanto os debochados do
pior tipo mantêm todos os seus cargos públicos e jantam a comida dos tolos que os apoiam -
por que, de fato, Moisés Harman está lá, dentro de sua cela de prisão? Se ele é um criminoso
tão atroz, por que ele não está com o resto da "nata" do crime, jantando no Ritz (Delmonico),
ou desfrutando de uma viagem à Europa? Se ele é um homem tão ruim, por que, por tudo que
é sagrado, ele foi jogado numa penitenciária?

Ah não; não é porque ele fez alguma coisa má, mas porque ele, um puro entusiasta,
sempre buscando a causa da miséria daqueles que amava, com aquele amor amplo o qual
apenas a alma pura é capaz de ter, procurou os feitos do mal. E procurando assim ele
1
Universidade Federal de Ouro Preto
ICHS – DELET – LET859 – Prática Supervisionada de Tradução - 2019/1
Prof.: Adail Sebastião Rodrigues-Júnior

encontrou o hall de entrada da vida como uma cela de prisão; a parte mais sagrada e mais pura
do templo do corpo, se de fato uma parte pode ser mais sagrada ou mais pura que a outra, o
altar onde o amor mais devocional deveria ser ofertado, ele encontrou este altar arrebatado,
despojado e pisoteado. Ele encontrou pequenos bebês impotentes, gerados na luxúria,
amaldiçoados por uma natureza moral impura, amaldiçoados ainda em fase pré-natal pelos
germes de doenças, forçados a vir ao mundo para lutar e sofrer, para odiar a si mesmos, para
odiar suas mães por tê-los gerado, para odiar a sociedade e serem odiados por ela - uma
maldição sobre si e sobre a raça, drenando as "borras" do crime. E ele disse, esse criminoso
com as vestes de listras em seu corpo: ”Deixem as mães da raça se libertarem! Deixem as
criancinhas serem filhos de amor puro, gerados do desejo mútuo de paternidade e
maternidade. Deixem as algemas das escravas serem quebradas, para que nunca mais um
escravo seja gerado e um tirano seja concebido”.

Ele olhou, este "obsceno" olhou com clareza para esta coisa mal-intencionada que
você chama de moralidade, selada com o selo do casamento, e viu nela a consumação da
imoralidade, da impureza e da injustiça. Ele contemplou cada mulher casada pelo o que ela é:
uma escrava, que adota o nome, o pão e os mandamentos de seu mestre e serve à paixão dele;
que passa pela provação da gravidez e as dores do parto às ordens dele, não por desejo
próprio; que não pode deter nenhuma propriedade, nem mesmo seu próprio corpo, sem o
consentimento de seu mestre, e de cujos braços tensos os filhos que ela carrega podem ser
arrancados ao bel-prazer dele, ou abortados enquanto ainda nem nasceram. Dizem que a
língua inglesa tem a palavra mais doce do que qualquer outra língua: lar. Mas Moses Harman
olhou para dentro da palavra e viu o fato: uma prisão mais horrível do que aquela em que ele
está sentado agora, cujos corredores irradiam sobre toda a terra e têm tantas celas que
ninguém consegue contá-las.

Sim, mestres! A terra é uma prisão, o leito conjugal uma cela, as mulheres são as
prisioneiras e vocês os carcereiros!

Ele viu - este corrupto - como naquelas celas são perpetuados tais ultrajes, suficientes
para fazer o suor frio repousar sobre a testa, as unhas se cravarem nas mãos, os dentes se
cerrarem e os lábios se tornarem brancos de agonia e ódio. E ele também viu como ninguém
se prontificaria para quebrar as algemas dessas celas, como nenhuma escrava ousaria gritar
por ajuda, como todos esses assassinatos são cometidos em silêncio, sob a sombra de abrigo
do lar, e santificados pela bênção angelical de um pedaço de papel - sob a sombra silenciosa
de uma certidão de casamento, adultério e estupro ocorrem livre e naturalmente.

Sim, pois é adultério quando uma mulher se submete sexualmente ao homem, sem
desejo próprio, somente para "mantê-lo virtuoso", "mantê-lo em casa", dizem certas mulheres.
(Bem, se um homem não me amou e se respeitou o suficiente para ser "virtuoso" sem ter que
me prostituir, ele que se vá e passe bem. Ele não tem nenhuma virtude para manter.) E é
estupro quando um homem se força sexualmente sobre uma mulher, seja ele licenciado pela
lei do casamento ou não. E é a mais perversa de todas as tiranias quando um homem obriga a

2
Universidade Federal de Ouro Preto
ICHS – DELET – LET859 – Prática Supervisionada de Tradução - 2019/1
Prof.: Adail Sebastião Rodrigues-Júnior

mulher que diz amar a suportar a agonia de ter filhos que ela não quer, e os quais - uma regra
mais do que uma exceção - ele não pode prover adequadamente. Isto é pior que qualquer outra
opressão humana; é bastante semelhante a Deus! Para o tirano sexual não há paralelo na terra;
é preciso ir aos céus para encontrar o semelhante que "empurra" seus filhos à vida apenas para
deixá-los famintos, amaldiçoá-los, exilá-los e condená-los! E somente através da lei do
casamento é possível tal tirania.

O homem que engana uma mulher fora do casamento (e lembre-se, este homem
também enganará no casamento) pode negar seu próprio filho, se ele for perverso o suficiente.
Mas ele não pode arrancá-lo dos braços dela - ele não pode tocá-lo! A garota que ele enganou,
graças às tuas normas morais mais puras e delicadas, pode morrer na rua por falta de comida.
Ainda assim, ele não pode forçar seu odioso corpo sobre ela novamente. Mas sua esposa,
senhores... Sua esposa, a mulher que ele respeita tanto que consente em deixá-la fundir sua
individualidade na dele, perder sua identidade e tornar-se sua propriedade - sua esposa, sobre
a qual ele pode não somente forçar crianças indesejadas, mas também ultrajar a seu bel-prazer
e mantê-la como uma peça comum, barata e conveniente de mobília. E caso ela não se
divorcie (e ela não poderia alegando estes motivos), ele pode segui-la, aonde quer que ela vá,
entrar em sua casa, comer sua comida, força-la à "cela", mata-la em virtude de sua autoridade
sexual! E ela não recebe nenhuma reparação a menos que ele seja "indiscreto" o suficiente
para abusar dela de uma forma menos brutal, mas não "licenciada". Eu conheço um caso em
tua cidade onde uma mulher foi seguida durante dez anos pelo marido. Acredito que ele
finalmente tornou-se galante o suficiente para morrer: por favor, aplauda-o pela única coisa
decente que ele já fez.

Ah, não é rara toda essa conversa sobre a preservação da moralidade pela lei do
casamento! Ó esplêndido cuidado para preservar o que não tens! Ó elevada e profunda pureza,
que tanto teme que as crianças não saibam quem são seus pais, porque, na verdade, devem
confiar na palavra de suas mães em vez da certificação contratada de algum sacerdote da
Igreja ou da Lei! Eu me pergunto se as crianças seriam melhores ao saber o que seus pais
fizeram. Eu preferiria, muito mais, não saber quem era meu pai do que saber que ele havia
sido um tirano para minha mãe. Eu preferiria, muito mais, ser ilegítima aos olhos dos
estatutos dos homens, do que ilegítima aos olhos da imutável lei da Natureza. Pois o que é ser
legítima: nascer “de acordo com a lei”?

Serão nove casos em dez, o filho de um homem que reconhece sua paternidade
simplesmente porque é forçado a fazê-lo, e cuja concepção de virtude é compreendida pela
afirmação de que “o dever de uma mulher é manter seu marido em casa"; ser o filho de uma
mulher que se preocupa mais com a bênção da "Dona Damares" do que com a simples honra
da palavra de seu amante, e concebe sua prostituição como sendo pureza e dever quando
exigida por seu marido. É ter a tirania como seu progenitor e a escravidão como seu berço
pré-natal. É correr o risco de um parto indesejado, fraqueza constitucional “legalizada", ter a
moral corrompida antes do nascimento, um possível instinto assassino, herdar sexualidade
excessiva ou nenhuma sexualidade, ambas sendo algo doentio. É ter o valor de um pedaço de
3
Universidade Federal de Ouro Preto
ICHS – DELET – LET859 – Prática Supervisionada de Tradução - 2019/1
Prof.: Adail Sebastião Rodrigues-Júnior

papel, um trapo das vestes esfarrapadas do "Contrato Social", valorizado acima da saúde, da
beleza, do talento ou da bondade; pois eu nunca tive dificuldade em obter a admissão de que
os filhos ilegítimos são quase sempre mais bonitos e brilhantes do que outros, até mesmo de
mulheres conservadoras. E quão supremamente repugnante é vê-las olhar seus próprios filhos
insignificantes, doentios, nascidos da luxúria, sobre os quais se encontram os vestígios de sua
própria servidão terrível, e compará-los a alguma criança “natural”, bonita e saudável, e
dizerem "Que pena, sua mãe não era virtuosa!" Nunca uma palavra sobre a virtude dos pais de
seus filhos, elas sabem bem demais! Virtude! Doença, estupidez, criminalidade! Que coisa
mais obscena a “virtude” é!

O que é ser ilegítimo? Ser desprezado ou lamentado por aqueles cujo despeito ou
piedade não vale suspiro tomado. Ser, possivelmente, o filho de algum homem desprezível o
suficiente para enganar uma mulher; o filho de alguma mulher cujo principal crime foi
acreditar no homem que amava. Ser liberto da maldição pré-natal de uma mãe escrava, vir ao
mundo sem a permissão de qualquer conjunto de tiranos que assumam o direito de encurralar
a terra, e de definir quais os termos que o feto deve respeitar para ter o privilégio de existir.
Isto é legitimidade e ilegitimidade! Escolha.

O homem que caminha para lá e cá em sua cela na penitenciária de Lansing esta noite,
este homem cruel, disse “As mães da raça estão me cobrando com seus olhos mudos, com
seus lábios selados, com seus corações agonizantes. Elas estão buscando, buscando uma voz!
Os que nascerão em desamparo estão suplicando de dentro de suas prisões, implorando por
uma voz! Os criminosos, com banimento invisível sobre suas almas, que os forçou e
empurrou para o vórtice, para fora de seus infernos rodopiantes, estão buscando, esperando
por uma voz! Eu serei a voz deles. Eu irei desmascarar os ultrajes do leito conjugal. Eu tratei
à luz como os criminosos nascem. Eu farei um clamor que será ouvido, e deixarei o que será
ser!". Ele gritou que, através da carta do Dr. Markland, uma jovem mãe, lacerada por uma
cirurgia inábil no nascimento de seu bebê, que se recuperava de uma operação subsequente
bem-sucedida, havia sido esfaqueada, sem remorso, cruel e brutalmente esfaqueada, não com
uma faca, mas com o órgão procriador de seu marido, apunhalada às portas da morte, e ainda
assim não houve reparação!

E porque ele chamou uma faca de faca, porque ele nomeou esse órgão pelo seu nome
próprio, assim dado no dicionário de Webster e em todas as revistas médicas do país - por isso
Moses Harman caminha para lá e cá na sua cela esta noite. Ele deu um exemplo concreto do
efeito da escravidão sexual e por isso ele está preso. Resta-nos agora continuar a batalha, e
elevar esta causa onde eles o derrubaram, para espalhar o conhecimento deste crime da
sociedade contra um homem e a razão deste; indagar este vasto sistema de crime licenciado,
suas causas e seus amplos efeitos sobre a raça. A causa! Deixe a mulher se perguntar: “Por
que eu sou a escrava ("costela") do homem? Por que dizem que o meu cérebro não é igual ao
cérebro dele? Por que meu trabalho não é pago igualmente ao dele? Por que meu corpo deve
ser controlado pelo meu marido? Por que ele pode restringir-me ao trabalho doméstico,
dando-me em troca o que ele achar adequado? Por que ele pode tirar meus filhos de mim?
4
Universidade Federal de Ouro Preto
ICHS – DELET – LET859 – Prática Supervisionada de Tradução - 2019/1
Prof.: Adail Sebastião Rodrigues-Júnior

Abortá-los enquanto ainda nem nasceram?" Deixem toda e qualquer mulher se perguntar. (Há
duas razões "porque", e estas, em última instância, são redutíveis a um único princípio: o
poder autoritário e supremo, a ideia de Deus e seus dois instrumentos, a Igreja - isto é, os
sacerdotes - e o Estado - isto é, os legisladores).

Desde o surgimento da Igreja, o ventre do Medo e a paternidade da Ignorância, ensina-


se a inferioridade da mulher. De uma forma ou de outra, através das várias lendas míticas dos
vários credos míticos, circula a crença na queda do homem pela persuasão da mulher, sua
condição subjetiva como castigo, sua natureza vil, sua total depravação, etc.; e desde os dias
de Adão até hoje a Igreja Cristã, com a qual temos especialmente de lidar, fez da Mulher a
desculpa, o bode expiatório das más ações do homem. Esta ideia permeou tão amplamente
pela sociedade que muitos dos que repudiaram totalmente a Igreja estão, no entanto,
encharcados neste estupefato narcótico à verdadeira moralidade. A vinificação do
autoritarismo é tão marcada pela criação masculina, que mesmo aqueles que foram além e
repudiaram o Estado ainda se apegam ao deus; a sociedade, como ela é, ainda abraça a velha
ideia teológica de “chefes de família” - àquela fórmula maravilhosa "de proporção simples" a
qual diz "o Homem é a cabeça da Mulher, assim como Cristo é a cabeça da Igreja”. Não há
mais de uma semana desde então, um anarquista (?) me disse: "Eu serei chefe em minha
própria casa" - um "Anarquista-Comunista", se preferir, que não acredita em "minha casa".
Cerca de um ano atrás, um notável orador libertário disse, em minha presença, que sua irmã,
que possuía uma bela voz e se juntou a uma trupe de espetáculos, deveria “ficar em casa com
seus filhos; esse é o lugar dela". A velha ideia da Igreja! Esse homem era um Socialista e
assim um Anarquista, no entanto, sua maior ideia para as mulheres era a servidão ao marido e
aos filhos, no escárnio chamado de "lar". Fiquem em casa, seus descontentes! Sejam
pacientes, obedientes, submissas! Desencarda nossas meias, remende nossas camisas, lave
nossas louças, prepare nossas refeições, espere por nós e cuide das crianças! Suas belas vozes
não devem deleitar nenhum público que não seja nós mesmos; seu gênio inventivo não é para
trabalhar, seu dom artístico não deve ser cultivado, seus estabelecimentos de negócios não
devem ser desenvolvidos; você cometeu o grande erro de nascer com eles, sofra pela sua
loucura! Vocês são mulheres, portanto, são empregadas domésticas, criadas, garçonetes e
babás!

Em Macon, no século VI, diz August Bebel que os padres da Igreja reuniram-se e propuseram
a decisão da questão "A mulher tem alma?" Tendo averiguado que a permissão para possuir
uma insignificância não ia ferir nenhuma das suas parceiras, uma pequena maioria decidiu a
importante questão a nosso favor. De fato, santos padres, esse foi um esquema toleravelmente
bom de suas partes oferecer a recompensa de sua lamentável “salvação ou condenação”
(chances a favor da última) como uma isca para o anzol da submissão terrena; Não foi um
suborno ruim para aqueles dias de fé e ignorância. Mas, felizmente, mil e quatrocentos anos
tornaram-o obsoleto. Vocês, tiranos radicais, não possuem nenhum céu para oferecer - vocês
não têm quimeras encantadoras na forma de “cartões de mérito”; vocês têm (salve a
exclamação) o respeito, os bons ofícios, os sorrisos, de uma escrava-cativa! Isto em troca de
nossas correntes! Obrigada!
5
Universidade Federal de Ouro Preto
ICHS – DELET – LET859 – Prática Supervisionada de Tradução - 2019/1
Prof.: Adail Sebastião Rodrigues-Júnior

A questão das almas é antiga - exigimos nossos corpos agora. Estamos cansadas de
promessas, Deus é surdo e sua igreja é o nosso pior inimigo. Contra isso, nós trazemos a
acusação de ser a força moral (ou imoral) que está por trás da tirania do Estado. E o Estado
dividiu os pães e os peixes com a Igreja, os magistrados, como os sacerdotes pagam as taxas
de casamento; as duas correntes da Autoridade entraram em parceria no negócio de conceder
direitos de patente aos pais pelo privilégio de se reproduzirem, e o Estado chora como a Igreja
chorou antigamente, e agora grita “Vejam como protegemos as mulheres!” O Estado fez mais.
Muitas vezes me disseram, mulheres com mestres decentes, as quais não tinham ideia dos
ultrajes praticados em suas irmãs menos afortunadas, "Por que as esposas não os deixam?"

Por que você não corre quando seus pés estão acorrentados? Por que você não grita
quando uma mordaça está em seus lábios? Por que você não levanta as mãos em sua defesa
quando elas são aprisionadas rapidamente pelas laterais? Por que você não gasta milhares de
dólares quando não tem um centavo no bolso? Por que você não vai para a praia ou para as
montanhas enquanto os tolos queimam no calor da cidade? Se há uma coisa a mais do que
esse tecido maldito desta sociedade falsa, que me deixa com raiva é a estupidez asna que, com
o verdadeiro catarro do torpor impenetrável, diz: "Por que as esposas não os deixam?!" Você
poderia me dizer para onde elas iriam e o que elas deveriam fazer? Quando o Estado, os
legisladores deram a si mesmos, aos políticos, o total e absoluto controle da oportunidade de
viver; quando, por meio desse monopólio precioso, o mercado de trabalho já está tão
sobrecarregado que operários e operárias cortam a garganta uns dos outros pelo querido
privilégio de servir seus senhores; quando as meninas são transportadas de Boston para o sul e
norte, transportadas em cargas, como gado, para encher os bordéis de Nova Orleans ou os
infernos dos acampamentos madeireiros do meu próprio estado (Michigan). Ao ver e ouvir
todas essas coisas, todos os dias, as próprias puritanas exclamam: "Por que as mulheres não
fogem?", elas simplesmente mendigam a linguagem do desprezo.

Quando a América aprovou a lei do escravo fugido obrigando os homens a capturar


seus companheiros mais brutalmente do que os cães caçadores, o Canadá, aristocrático e não-
republicano Canadá, ainda estendia os braços para aqueles que poderiam alçar mais alto. Mas
não há refúgio na terra para o sexo escravizado. Exatamente onde estamos, devemos cavar
nossas trincheiras e vencer ou morrer. Esta é então a tirania do Estado: ela nega, tanto a
mulher quanto ao homem, o direito de ganhar a vida, e concede-o como um privilégio aos
poucos favorecidos que, por esse favor, devem pagar noventa por cento aos que a concedem.
Essas duas coisas, a dominação da mente pela Igreja e a dominação do corpo pelo Estado são
as causas da escravidão sexual.

Em primeiro lugar, isto introduziu no mundo o crime construído de obscenidade:


estabeleceu um padrão de moralidade tão peculiar que falar os nomes dos órgãos sexuais é
cometer o ultraje mais brutal. Isso me lembra que em sua cidade há uma rua chamada
"Callowhill". Ela já foi chamada de "Colina das Forcas", por causa de todos os enforcamentos
ocorridos lá, agora conhecida como “Colina Cerejeira”, foi o último local na terra tocado
pelos pés de muitas vítimas assassinadas pela Lei. Mas o som da palavra se tornou muito
6
Universidade Federal de Ouro Preto
ICHS – DELET – LET859 – Prática Supervisionada de Tradução - 2019/1
Prof.: Adail Sebastião Rodrigues-Júnior

"agressivo", então eles suavizaram, embora os assassinatos ainda ocorrem, e a sombra negra
da forca ainda paira sobre a Cidade do Amor Fraterno. A obscenidade fez o mesmo: colocou a
virtude na carapaça de uma ideia e rotulou de "todo o bem” o que reside dentro da sanção da
Lei e do costume respeitável (?). E "todo o ruim" o que contraria o uso da carapaça. Diminuiu
a dignidade do corpo humano abaixo ao nível de todos os outros animais. Quem pensa que um
cachorro é impuro ou obsceno porque seu corpo não está coberto de roupas sufocantes e
irritantes? O que você pensaria da mesquinhez de um homem que colocaria uma saia em seu
cavalo e o obrigasse a andar ou correr com tal coisa impedindo seus membros? Ora, a
"Sociedade para a Prevenção da Crueldade aos Animais" iria prendê-lo, tirar a fera dele, e ele
seria mandado para um manicômio para tratar sua mente impura. E, no entanto senhores,
vocês esperam que suas esposas – as criaturas que vocês dizem respeitar e amar – usem as
saias mais longas e as blusas de golas mais altas, a fim de esconder o obsceno corpo humano.
Não há nenhuma "Sociedade para a Prevenção da Crueldade às Mulheres". E vocês, embora
um pouco melhores, olhem para as lãs que usam neste clima tórrido! Como vocês amaldiçoam
seus pobres corpos com a lã que roubam das ovelhas! Como vocês se sentam em uma casa
lotada abarrotados de casacos e coletes, porque a querida "Dona Damares" se choca com a
“vulgaridade” das camisas de manga curta ou dos braços nus!

Vejam como o ideal de beleza foi prejudicado por essa noção de obscenidade.
Desistam de seus preconceitos de uma vez por todas. Olhem para uma mulher de moda, com a
cintura cercada por uma cerca alta chamada espartilho, os ombros e os quadris angulosos da
pressão acima e abaixo, os pés mais estreitos onde deveriam estar mais largos, o corpo preso
pela saia da prisão eterna. O cabelo dela estava apertado o suficiente para fazer sua cabeça
doer e envolta por uma coisa sem senso nem beleza chamada chapéu, dez para um, uma
corcova em suas costas como um dromedário - olhem para ela, e então imaginem uma coisa
como que esculpida em mármore! Imaginem uma estátua no Parque Fairmount com um
espartilho e apressem-se. Imaginem para si mesmos uma mulher que cavalga. Somos
autorizadas a cavalgar, desde que nos sentemos em uma posição ruinosa para o cavalo;
contanto que usemos um vestuário de montaria por tempo suficiente para esconder o obsceno
pé humano, pesando dez quilos de cascalho para enganar o vento em seu sopro livre, correndo
o risco de nos incapacitarmos completamente caso o acidente nos jogue da sela. Pensem como
nós nadamos! Devemos usar roupas até na água, e usar a luva de escárnio caso nos atrevermos
a lutar nas ondas de surf! Imaginem um peixe tentando avançar com uma roupa de flanela
embebida em água sobre ele. Mas vocês ainda não estão satisfeitos. O padrão vil de
obscenidade mata até os bebês com roupas. A raça humana é assassinada, horrivelmente, "em
nome do vestido".

E em nome da pureza, quantas mentiras são contadas! Que moralidade mais peculiar
foi gerada. Por medo dela, você não ousa dizer aos seus filhos a verdade sobre o nascimento
deles; a mais sagrada de todas as funções, a criação de um ser humano, é um assunto para a
mais miserável falsidade. Quando eles chegam até você com uma pergunta simples e direta, a
qual eles têm o direito de perguntar, você diz: "Não faça essas perguntas", ou conta alguma
história idiota; ou você joga a incompreensibilidade do fato para outro - Deus! Você diz
7
Universidade Federal de Ouro Preto
ICHS – DELET – LET859 – Prática Supervisionada de Tradução - 2019/1
Prof.: Adail Sebastião Rodrigues-Júnior

"Deus te criou". Você sabe que está mentindo quando diz isso. Você sabe, ou deveria saber,
que a fonte de investigação não será represada assim. Você sabe que o que você poderia
explicar puramente, reverentemente, corretamente (se você tem alguma pureza em você), será
aprendido através de muitos grupamentos cegos, e que ao redor disso será lançada a sombra
do pensamento errado, enraizado pela sua negação. e nutrido por essa opinião social
prevalente em todos os lugares. Se você não sabe disso, então você está cego para os fatos e
surdo para a experiência.

Pensem no duplo padrão social para o qual a escravização do nosso sexo evoluiu. As
mulheres, considerando-se muito puras e muito morais, zombarão do caminhante da rua, mas
admitem em seus lares os mesmos homens que vitimaram o andarilho. Os homens, no seu
melhor, terão pena da prostituta, enquanto eles próprios são o pior tipo de prostitutas. Tenham
pena de vocês mesmos, senhores - vocês precisam!

Quantas vezes vocês viram um homem ou mulher atirar em outro por ciúmes! O
padrão de pureza decidiu que é certo, “mostra espírito”, “é justificável” matar um ser humano
por fazer exatamente o que vocês mesmo fazem: amar a mesma mulher ou mesmo homem!
Moralidade! Honra! Virtude! Passando da fase moral para a física, peguem as estatísticas de
qualquer manicômio e vocês descobrirão que, das diferentes classes, as mulheres solteiras
estão lá em maior número. Para preservar seu padrão de pureza (?) cruel, terrível e indecente
vocês deixam suas filhas loucas, enquanto suas esposas são mortas pelos excessos. Assim é o
casamento. Não tomem minha palavra: leiam o relatório de qualquer asilo ou percorram os
anais de qualquer cemitério.

Vejam como seus filhos crescem. Ensinados desde a mais tenra infância a refrear suas
naturezas amorosas - contidas a cada esquina! Suas mentiras explosivas poderiam escurecer
até o beijo de uma criança. As meninas não devem ser "masculinizadas": não devem andar
descalças, não devem subir em árvores, não devem aprender a nadar, não devem fazer nada
que desejem fazer - tudo o que dona "Dona Damares" tenha decretado como "impróprio".
Garotinhos são ridicularizados como garotinhas tímidas e efeminadas se querem bordar ou
brincar com uma boneca. Então, quando eles crescerem, “Oh! Os homens não se importam
com casa ou filhos como as mulheres!" Por que eles deveriam, quando o esforço deliberado
de suas vidas têm sido esmagar tal natureza? "As mulheres não podem fazer isso como os
homens." Treinem qualquer animal, ou qualquer planta, como vocês treinam suas garotas, e
eles também não serão capazes de desempenhar as "funções de homens". Agora alguém pode
me dizer por que algum dos sexos deveria manter uma especialidade nos esportes atléticos?
Por que qualquer criança não deve ter o uso livre de seus membros?

Estes são os efeitos do seu padrão de pureza, da sua lei matrimonial. Este é o seu
trabalho - olhem para isto! Metade dos seus filhos morrem com menos de cinco anos de idade,
suas filhas são insanas, suas mulheres casadas andam em cadáveres, seus homens são tão
maus que eles mesmos admitem que a prostituição tem uma garantia de endividamento contra

8
Universidade Federal de Ouro Preto
ICHS – DELET – LET859 – Prática Supervisionada de Tradução - 2019/1
Prof.: Adail Sebastião Rodrigues-Júnior

a PUREZA. Este é o belo efeito do seu deus Casamento, antes do qual o Desejo Natural deve
se abater e desmentir. Estejam orgulhosos disso!

Agora sobre a cura. É em uma palavra, a única palavra que já trouxe equidade em
qualquer lugar - LIBERDADE! Séculos sobre séculos de liberdade é a única coisa que
causará a desintegração e a decadência dessas idéias pestilentas. A liberdade foi tudo que
acalmou as ondas de sangue da perseguição religiosa! Vocês não podem curar a servidão
substituindo-a por qualquer outra coisa. Não cabe a vocês decidirem que é “assim que a raça
ama”. Deixem as coisas seguirem seu fluxo.

Não haverá mais crimes atrozes? Certamente. É um tolo quem diz que não haverá.
Mas vocês não podem impedi-los cometendo o arqui-crime e estabelecendo um bloqueio
entre os raios das rodas do Progresso. Vocês nunca vão acertar até começarem da forma certa.

Quanto ao resultado final, não importa nem um pouco. Eu tenho meu ideal, e é muito
puro e muito sagrado para mim. Mas a sua, igualmente sagrada, pode ser diferente e nós dois
podemos estar errados. Mas estou certa de que, com o contrato livre, essa forma de associação
sexual sobreviverá, sendo melhor adaptada ao tempo e lugar, produzindo assim a mais alta
evolução do tipo. Se isso é monogamia, variedade ou promiscuidade não importa para nós; é o
negócio do futuro, ao qual não nos atrevemos a ditar.

Por liberdade falou Moisés Harman, e por isso ele recebeu a marca do criminoso. Por
isso ele se senta em sua cela esta noite. Se é possível que sua sentença seja encurtada, não
sabemos. Nós só podemos tentar. Aqueles que querem nos ajudar a tentar, deixem-me pedir
para colocarem suas assinaturas neste simples pedido de perdão dirigido a Benjamin Harrison.
Para aqueles que desejam mais plenamente se informar antes de assinar, eu digo: Sua
consciência é louvável - venha a mim no final da reunião e citarei as palavras exatas da carta
de Markland. Para aqueles anarquistas extremos que não podem dobrar sua dignidade para
pedir perdão por uma ofensa não cometida, e por uma autoridade que não podem reconhecer,
deixe-me dizer: As costas de Moses Harman estão curvadas, curvadas pela força bruta da Lei,
e embora eu nunca pediria a ninguém para se curvar, eu posso pedir, facilmente, a ele que luta
contra a batalha do escravo. Sua dignidade é criminosa; cada hora atrás das barras é um selo
para sua parceria com a Comstock. Ninguém pode odiar petições mais do que eu, e ninguém
tem menos fé nelas do que eu. Mas, pelo o meu defensor, estou disposta a tentar qualquer
meio que não invada o espaço alheio, mesmo que tenha pouca esperança nisso.

Se, além destes, houver aqueles aqui esta noite que já forçaram a servidão sexual de
uma esposa, aqueles que se prostituíram em nome da Virtude, aqueles que trouxeram à luz
filhos enfermos, imorais ou indesejados, sem os meios de provisão para eles, e ainda assim
partirão deste salão e dirão, “Moisés Harman é um homem imundo - um homem
recompensado apenas com punição”, então eu digo, e que as palavras soem profundamente
em seus ouvidos ATÉ VOCÊ MORRER: Vá em frente! Guie suas ovelhas para o caos!
Esmague aquele velho, doente, aleijado debaixo do seu rolo compressor! Em nome da
Virtude, Pureza e Moralidade, faça isso! Em nome de Deus, Lar e Céu, faça isso! Em nome
9
Universidade Federal de Ouro Preto
ICHS – DELET – LET859 – Prática Supervisionada de Tradução - 2019/1
Prof.: Adail Sebastião Rodrigues-Júnior

do Nazareno que pregou a regra de ouro, faça-o! Em nome da Justiça, Princípio e Honra, faça
isso! Em nome da Bravura e Magnanimidade, você se coloca do lado do ladrão nos corredores
do governo, do assassino na convenção política, do libertino nos lugares públicos, toda a força
bruta da polícia, da polícia, da corte e da penitenciária. Perseguindo um pobre homem que
ficou sozinho contra o seu crime autorizado! Faça. E se Moisés Harman morrer dentro do seu
"Inferno em Kansas", fique satisfeito quando você o matar! Mate-o! E você apressa o dia em
que o futuro lhe enterrará dez mil palmos abaixo de suas maldições. Mate-o! E as listras nas
roupas de sua prisão o açoitarão como a malha! Mate-o! E os loucos exalarão ódio em você
com seus olhos selvagens, os bebês não-nascidos devem chorar seu sangue sobre você, e as
sepulturas que você preencheu em nome do Casamento, produzirão comida para uma raça que
o difamará, até que a memória de sua atrocidade tornar-se-á um fantasma sem nome,
esvoaçando com as sombras de Torquemada, Calvino e Jeová no horizonte do mundo!

Você sorriria para vê-lo morto? Você diria "Estamos livres deste obsceno?" Tolos! O
cadáver riria de vocês com suas pálpebras frias! Os lábios imóveis iriam zombar, e as mãos
solenes, as mãos sem pulso e dobradas, em sua quietude, escreveriam a última acusação, que
nem o tempo nem você podem apagar. Mate-o! E você escreverá sua glória e sua vergonha!
Moses Harman em suas listras criminosas está muito acima de você agora, e Moses Harman
morto continuará vivo, imortal na escravatura que ele morreu para libertar! Mate-o!

10

Você também pode gostar