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Wilson Martins A morte de Machado de Assis parece haver liberado de repente vinham tacitamente si- igos ¢ inimigos para dizer o que de ha mui enciando, da mesma forma por que assinal t foi abordado com animosidade en entrada, em nossa litera- ra, de temas até do considerados tabus. Um deles, claro esta, 0 que to por Hemetério do: tos — mas Hemetério dos Santos nao foi o ‘inico. Escrevendo pat Jornal do ‘io de 29 de outubro de 1908, um artigo, ali ce sensivel Jado “Machado de Assis, impresses e mesmo 0 discreto e insuspeito José Verissimo comet gosto, imediatamente assinalada por Joaquim Nabuco: Jornal”, escrevia-lhe de Washington, a 25 de novembro, std belissimo, mas esta frase causou-me um arrepio: “Mu- lato, foi de fato um grego da melhor época”. Eu ndo teria chamado 0 Machado mulato e penso que nada the doeria mais do que essa sintese. Rogo-the que tire isso, quando reduzir os artigos a péiginas permanentes. A palavra ndo é literdria e é pejorativa, basta ver-the a etimologia. Nem sei se alguma vez ele a escreveu e que tom the deu. O Ma- chado para mim era um branco, ¢ creio que por tal se tornava [sie, por “tomava”, lapso, alids, significativo]; quando houvesse sangue estranho, isto em nada afetava sua perfeita caracterizagao caucdsica. Eu pelo menos sé rinele o grego. O nosso pobre amigo, tao sensivel, preferi- ria o esquecimento a gléria com a devassa sobre suas ori- gens. Essa ligdio de bom gosto ¢ elegancia moral tem um significado que ultrapassa 0 caso todo pessoal de Machado de Assis; ela mostra que, Aquela altura, eram diferentes os limites da ética social e intelectual, € "Reva da Academia Brie de Letras, ano XXIL n° 115, jlbo de 1981, . 387-388. Cumpre hacer «propia, ale ser exto que Machado de Asis exiine siiematleanente © enpego das pulaeas “multe” © “moleque. A primeira aparece vias vez em “Pai canta mie", por exempli 1 segunda, como se sabe, no Bris Cuba 401 ‘A Critica Literdria no Brasil mais sutil a escala de valores. A reprimenda parece ter aproveitado a icluiu o artigo de 1908 em qualquer dos Verissimo, que nfo s6 jamais seus livr como, ainda, escreveu em perspectivas nabuconianas o fa~ moso capitulo final da Histéria da Literatura Brasileira (1916): Fazer reclamo da mesquinhez das suas origens, como & 1d0 vulgar [observa ele a propésito da “mais alta expres- sao do nosso génio literdrio"|, Ihe era profundamente an- tipdtico. (...) Sé a incapacidade de compreender natureza tao finamente aristocrdtica como Machado de Assis ea esquisita nobreza destes sentimentos, poderia reprochar- thos. Nesse mesmo ano, Prado Sampaio [Joaquim do Prado Sampaio Leite (1865- ? )] reuniu sob 0 titulo de Literatura Sergipana os artigos que havia publicado no jornal Estado de Sergipe, dedic ‘Tobias Barreto por “aquele que 0 mais obscuro da coorte que Ihe vela © tdmulo”, Prado Sampaio declarava escrever “ao influxo do método doo volume a filogenético” que revela a “continuidade do solo ¢ unidade da lingua”, comegando romerianamente pelo estudo da poesia popular. A poes ;na s6 aparece com Constantino José Gomes de Sousa, na se~ gunda metade do século XIX, declara desde as primeiras paginas: “Os Hinos de Mink’Alma vieram a lume no Rio de Janeiro em 1851". Ado- tando a cronologia de Romero no Parnaso Sergipano, Prado Sampa divide os poetas locais em quatro grupos; hé um capitulo sobre a mtisiea, seus compositores ¢ executores, mas 0 estado nao havia produzide nem romance nem teatro. Esse disefpulo de Romero encontraria um concorrente muito mais, (1880-1937) que entao leratura com Zoilos e Estetas: Vigoroso na pessoa de Alméquio Din va na critica de e inicia- Retino, nas péiginas que aqui se abrem, cuidadosamente, as letras que, em diversos niimeros, em diversas épocas, sob diversos emocionamentos, finalmente, em crises diver- 402 Wilson Martins sas de minka formagéo literdria, disperse (...) pelas sea- ras ingratas se nao inglorias, fastidiosas se néo aniquilantes da Imprensa (..) Andava longe de ser espirito equilibrado e coeres wa-se simbolista mas reivindicava uma visi ilo € modermo, mas defendia pontos de ica a Os famintos, de Joao Grave: “Na vida exemplo, afirn fica da realidad queria ser avan vista reacionérios, como a c do proletariado, um dos mais ativos fatores de revolugio social, agréve é uma obstrugio do evolucionismo das sociedades. E por outros termos, a violéncia é a fronteira do crime. Dai, ordinariamente, a gréve manifestar-se sob aspectos criminosos”. No que concerne a his intelectual, o dltimo lo, mal intitulado “Uma teoria de ¢ literdria”, sera o mais interessante, porque & de supor que a biografia do to, nele tragada, com a escala de valores que pressupie seu esph a substancialm brasileiros na mes- ela de muitos outros jover ma 6poca. “Repudio, sistematicamente, o pasado”, comegava ele, e, por isso declarava-se inimigo das autobiografias, mesmo as espi entretanto, 6 0 que passa a escrever, confessando ter sido “despertado para a arte” com a leitura da Rosa Mistica, de Jilio Afranio (Afranio Peixoto); as suas grandes admi Maeterlinck ¢ Oscar Wilde, mas nao ficava nisso: eram d’Annunzio e Nievsche, Exgotei as obras completas de Honoré Balzac (sic) e de ile Zola. E eles também deixaram vestigios na minha formagio: agradar a Max Nordau, apesar de todos os seus reconhe- cidos pessimismos... [aqui transcreve em alemio wma car- 1a do filésofo}. | Eo que leio agora?... | Ainda e sempre os sonhadores excelsos de La Figlia di Jorioe de Les Aveugles, isto é, d’Annunzio e Maserlinck: os realistas soberbos de Germinal ¢ de Eugénie Grandet, — Zola ¢ Balzac: 0 sofredor de De Profundis, eo ponatfice da beleza — Oscar atesta-o, de modo sobejo 0 Crises, que veio a 403 Literdria no Brasil Wilde ¢ John Ruskin; as vezes, paginas de Pierre Louys, de Anatole France, de Paul Bourget, de todos os russos, cessencialmente de Gorki e Tolstoi; ¢ todo o teatro de Ibsen ede Sardou, grandioso este em La Sorciére Realmente, mesmo nas suas incoeréncias € confusiio de valores e800 que devia ler um jov brasileiro de 1908, interessado em. literatura, Contudo, Imaquio Dinis queria de acima de tudo, como um espirito em permanente renovagao: os seus “mestres mais dire~ tos”, cerea de seis anos ntes, quando se iniciara nas lides literdrias, tinham sido Cruz € uugénio de Castro, Jilio Afranio, Stéphane Mallarmé e Paul V lera depois os naturistas, especialmente Emile Verhaeren, Sai er Gic) e Maurice Le Blond, tudo ros realistas, a que acrescentava Camilo Castelo Branco, “o Georges Bohél Ss portuguese. Agora, em 1907, quando escreve essas paginas, deseja ser, sob a influéncia de Nietzsche ‘um religiondrio da arte, eriagio de beleza, um operatio do ideal, produto do + um combatente nas fileiras dos que apdiam o surgimento doso- do homem-dguia”. No sistema solar da eritica brasileira, Alméquio Dis redor de ea bre-humani js gravitava ao jo Romero, opondo-se, por c ia e por defini José Verissimo, embora a essa altura ainda no pudlesse medi 0 empuxo dessa repulsio. Percebendo lhor do que ninguém o gradativo ssfrian 10 da Escola do Recife, Romero passou a reagi riamente com violéneia cada ver m: compensato- ior, de que € exemplo, em 1909, 0 itulado de Zeverissimagées Ineptas da Critica, sintomaticamente sub “repulsas e desabalos”, Espicagado, co ‘ticas de Verissimo, ele agarra mais e ormente, pelas oportunidade para reafirmaro seu papel na histéria intelectual do Brasil, reiterando nos termos costu- meiros a parte que the coubera, ¢ a Tobias Barreto, na implantagio e 10 do nosso germ Excegdo feita das péginas em que reivind sia reforma intelectual do Brasil no periodo que vinha de 1870 em dian- te, Romero chama Verissimo sucessivamente de “Tiscano empathado da desenvolvin exclusivamente para 404 Wilson Martins crevinhador de décima ordem’ ¢ “eriticastro das tartarugas”; wando o dito de Tobias Barreto segundo 0 qual toda diseussao literdria no Brasil termina em gramética e branquidade, no lato escuro” e de “o nosso evita a baixeza de chamar Verfssimo de “n sultuoso, também era falso. pardo Ze EI depois de ter lido, na sexta série dos o que, além de i le comegou a escrever o livro em 1907, isto é, imediatamente tstudos de Literatura Brasileira, a critica de Verissimo a sua Histéria; relembrando os anos de formaga intelectual no Recife, afirma que os seus verdadeiros mestres entao ti- rer, Gubernatis, Bréal, nham sido Taine, Renan, Max Muller, S este filtimo e no Ensaio sobre a Desigualdade de 1868", is; “para Lenormant e Gobineau: das Ragas Humanas, que “Ihe eafra nas mos d ontram em germe todas as s rescenta numa notagao psieanalitica, germanism “no havia mister aprender a lingua alema”, ‘Trinta e quatro anos antes, num incidente eélebre, ele havia pro- clamado a morte da metafi nada marcard melhor a distancia intelec- tual percorrida desde entio pelo pais do que a glosa com qf 1909, » mundo do pensamento: A metafisica que foi dada por morta em 1875 era, apren- da, José, a metafisica dogmatica, ontol6gica, aprioristica, inatista, meramente racionalista, a metafisica de vetho estilo, feita a parte mentis, a pretensa ciéneia intuitiva do absoluto, palticio de quimeras fundado em hip6teses trans- cendentes, construido dedutivamente de prineipios, ima- ginados como superiores a toda verificagdo. (...) A metafisica, que se pode considerar viva, é a que consiste na critica do conhecimento, como a delineou Kant nos seus Prolegdmenos (ou). circulava, em “segunda edi 1e com as Zeverissimagoes © Compéndio de Histéria da Literatura Brasileira, em Go refundida’ colaboragao com Joao Ribeiro, e, no segundo ntimero da Revista Ameri- 405 ‘A Critica Literdria no Brasil cana, em novembro de 1909, “Da eritica e sua exata definigio”, que igo de abertura, do qual foi tirada separata. O choque entre Romero e Verissimo era um pouco o choque de Bérbaros e Buro- apareceu peus, para aplicar-lhe o titulo do volume nesse ano publicado por Elisio de Carvalho, num momento em que se discutiam autores e obras es- trangeiras como se f assem direta- n nacionais, como se nos interes Outro disefpulo de Romero era Osério Duque-Estrada (1870- 1927), cujas “impressdes de viagem” pelo norte do pat algumas interessantes observacies, tanto sobre 0 respeetivo objeto quanto pelo sta inicial em que va a escrever 0 preficio solicitado... Sob que permitem inferir sobre 0 autor. A comegar pela Buclides da Cunha se recu: a vida intelectual no Para, por exemplo, ele se mostrava longe de en .. no me parece que 0 Estado do extremo norte seja da- queles em que mais avultam as aptidées literdrias. Poetas, ao menos, néo 0s possui 0 Pard, com restrigdo apenas de Paulino de Brito e de Jodo Marques de Carvatho, este ‘iltimo mais aprecidvel, por certo, na prosa do que no ver- 80. («») Dos que 0 sr, Eustdquio de Azevedo pretendeu reve- Jar na sua Antologia Paraense, quase todos sao desprovi- dos de merecimento notdvel, a comecar pelo préprio au- tor. Ele abria uma e io para Artur L tual mos, “o mais inspirado ¢ 0 Em Sao Luts, a de Frederico mais artista dos poetas que 1e vivem no Para’ pobreza urbanistica parecia uma introdugao a José Correia .. para desembocar, afinal, numa grande praca, toda atu- thada de capim, onde se ergue, sobre uma coluna de pe- dra, « estétua de Goncalves Dias. | O poeta dos Timbiras esté ladeado por quatro wultos da velha Atenas br 406 ‘Wilson Martins Sotero do Reis, Jodo Francisco Lisboa, Gomes de Sousa e Odorico Mendes — este tltimo o famigerado tradutor da Utada, da Eneida e de outros poemas que lamentavel- mente estropiou, em versos ainda mais desenxabidos e duros que os do néo menos famigerado e cacete Domin- g0s José Goncalves de Magathées. Melhor fora que 0 subs- tituissem pelo sisudo e escorreito Antonio Henriques Leal, que a essas qualidades de escritor reunia a de grande e querido amigo do poeta. | Nao sei, tampouco, 0 que faz ali, ao lado do grande lirico, a mediocridade chata de Sotero dos Reis —um gramético de maus bofes que nun- a teve préstimo para coisa alguma. | Parece apoucada a distingio que conferiram a Joao Francisco Lisboa —esse, sim, um bom eultor das letras, que fez honra ao berco de Goncalves Dias e com este emparelhou nao s6 nos eleva- dos surtos do esp pre dedicou ao se ito como no entranhado amor que sem- _formaso torréo natal. Ao contrério de Osério Duque-Estrada, que parecia levé-la na tro- ¢a, Ant6nio Lobo (1870-1916), um dos fundadores e diretores da Revis- sia bairrista de Atenas brasileira: ta do Norte, to propondo, em 1909, alguns Maranhao”, intitulou precisamente de Os Novos Atenienses 0 seu peque- no volume. Quanto ao de Osério Duque-Estrada, é simples repertério de ios para a histéria literéria do escritores nos estudos mais desenvolvidos, como 0 referente a Pernambuco, ¢ sempre em tom informativo. Como ele proprio escreveu propésito dos autores b intuito deste livro é todo um esforgo . Divulgagdo também, mas de sua obra pessoal, era de vulgarizagio © que pretendia A. C. Chichorro da Gama com 0 volun Literdrios, no qual 0 ‘nico capitulo que interessa a eritica litersti mesmo assim marginalmente, é o que trata do teatro brasileiro, Com a nova edigo das Obras Completas, de Cas de Escorcos ro de Abreu, reaparecia 0 respectivo estudo eritico de Joaquim Norberto; na Universidade de Lovaina, Oliveira Lima pron jas, uma sobre a lin- 407 A Critica Literdria no Brasil gua portuguesa ¢ outra sobre a literatura brasileira, imediatamente im- sso Brasileira de ra Louis Michaud, saiu a sua conferéneia Machado de Assis et son ceuore Littéraire. Pode~ em Antuérpia; em Paris, na edi mos por na mesma estante de divulgagao, homenagem ou documentagaio © Euclides da Cunha, de Léo do Amaral (1858-1938), € A Academia Paulista de Letras, em que seu fundador Joaquim José de Carvalho (1850- 1918) registrou o epi « mpinas, como “subs pean sto dx pociems bistsne-iterteio”, Raul Sourns (L876- 1924) publicou O Poeta Crisfal, um dos classicos desconhecidos dos 6dio da inaugu nostos estudos humanisticos, decidindo em favor de Cristévao Faledo contra Bernardim Ribeiro a tradicional questo de autoria: Nada existe em Crisfal com que se possa abonar a reivin- dicagao a Bernardim; a maneira de tratar a écloga, a natu e desenho dos personagens, a auséncia de alu- sdes e criptnimos, detalhes psicolégicos, a prépria trama dos amores, minudéncias de expressiio e métrica, em suma tudo ‘acumplicia para negar-the a paternidade da afia- ‘mada pastoral. Do século XVI, com Cristivio Faledo, a respeito do qual Raul Soares tentou desfazer as diividas existentes, passamos para o XVIII e An a edigdo do Teatro, em quatro volumes, incluindo como se dele fossem as Obras do Diabinho da Mao Furada. Em terreno mais seguro, ele publicou também O Fabordao nio José da Silva, a respeito de quem Joao Ribeiro as aumentou com de pequeninos estudos de bibliografia, folclore, filologia, erftica d mental e outras contribuigées menores de varios assunto”, Diretor, a essa altura, do Alnanaque Brasileiro Garnier, nao se privou do pérfido prazer volume de 1910, a ca Machado de Assis, cuja Critica, reunida ei (1872-1925), foi entio publicada artigos do Mestre, Mario de A de inse 1a de Hemetério dos Santos sobre volu \¢ por Mario de Ale Jun car reunit. os seus proprios, sob o titulo 408 Wilson Martins de Alguns Escritos, exemplo patético de escritor esmagado pelo renome paterno ¢ paralisado por un raya outro livro, de que parece haver escrito apenas o prefiicio, public wseguranga doentia, Em 1910, ele prepa- do pela Revista Americana, em junho de 191 dizia entao, Eesquecer as horas que vivo e assim fazer em mim o esque- cimento de mim mesmo. | O saber, 0 minimo saber que me deram, foi causa do meu sofrimento, Perdi superstigbes, perdi a alegria dos mitos € 0 grato consolo de esperar. lita € sem pouso, Tudo é vo para mim. Vejo a estrada infi ¢ ndo sei onde achar a explicagéo do roteiro que me foi tragado. Sinto 0 mistério ¢ para o indecifrével dele me falta a fé. Vejo viver e nao posso apagar em mim a previ- sdo da morte, a minha e a de todos, (...) Acabarei esta obra? (...) E provdvel que eu ndo tenha outros leitores que ‘0s amigos e parentes, ou ainda nenhum leitor. Nao faz mal; irei até onde puder, e ao cabo tudo sera bem para mim (0). Apesar disso, ou talvex por iss Mario de Alencar foi eleito em 1905 para a Academia Brasileira de Letras, episddio em que a mio do Destino encarnou-se provisoriamente na de Machado de Assis; em 1910, ¢ era age nacle eto, que substitufa Gui Passos, No discurso com que o recebeu, Coelho Neto, mais tarde apontado com inimigo dos jovens, manifestou, ao contrério, o seu entusiasmo pela re- Nao se tratava apenas, claro esti, de uma questao de idades: a visdo do mundo e, por conseqiiéncia, estilo da literatura haviam do de uma geragio para outra, Em Paris, a editora Gamier impr Littérature Brésilienne, de Vietor Orban (1868-1946), que é exatamente uma “antologi ‘o que dela ¢ dic ia Oliveira Lima em breve prefii comentada € tanto quanto possivel completa ea primeira que se 409 A Critica Literdria no Brasil punha ao aleance dos leitores franceses, numa galeria que, comegando com Gabriel Soares de Sousa, terminava em Alcides Maia, mais um aj dice sobre Pedro II enquanto escritor e protetor das letras, um suplemen- to biobibliogréfico & n quacro néptico, Publicada, de toda evidéneii » brasileiro, sob 0 patrocinio do gov antologia de Victor Orban nao conseguiu transpor as barreiras impenetrdveis do provineianismo inte- lectual parisiense (aquele altura nosso macigo do que nunc nismo intelectual sempre se distinguiu, ao contrario, pela e provine cessiva e indiseriminada admiragio pelas literaturas de outros povos, fe da Franca. série dos Homens ¢ Coisas os de 1905 a 1908 e cobrindo amento que ia de Cervantes a Talstoi e do Pe. Antonio Justamente nesse ano, saiu a tere Estrangeiras, de José Verissimo, um campo de per Vieira a Shakespeare, No que se refere a atitude demais literaturas, Veris tal com relagio no diferengava-se da regra comum entre nés pela visio objetiva e critica, Nisso, como em outros aspectos, ele se sal- vava pelo pessimismo orginico ¢ por minguadas tendéncias a idealiza pode-se tomar como earacterfstica geral do seu espirito 0 que dizia dos fundamental ineapaci- dade de idolatria”, a sua “radicada conviegdo do papel secundé “grandes homens da esp ssariana”: a sua o dos homens comparade com o dos acontecimentos e circunstincias que os ai plesmente f fas quanto aos escritores estra 1908, « salutar conviegio de que podia medi-los como a quaisquer outros. (Reciprocamente, os brasileiros deviam ser medidos pelos padrées universais, no pelos provineianos — donde a lenda que se formou sobre a “severidade” de Verissimo e até sobre a sua falta de “gosto”). antes agugava, © espirite critico (no sentido judicativo da palavra) e concorria para estruturar um quadro de valo “Nao ¢ licito ignorar Tolstoi, sua obra, seu pensamento, sua estét eserevia, por exemplo, aduzindo: No meio da confusio, da extranagéncia, da incoeréncia, da anarquia enfim, do espirito e do sensimento contempo- 410 Wilson Martins réineo, que ganhou a ciéncia, a filosofia, a literatura, a arte, sem falar na politica, junta Tolstoi a outros méritos eminentes e peregrinos, que fazem dele uma das mais pre- claras ¢ admirdveis figuras da nossa época, o de ser, a0 menos depois de certo tempo, um dos raros que tém uma doutrina coerente, um principio superior diretor do seu sen- Limento e do seu pensamento, em qualquer dominio men- tal ou prético em que os tenha exercido. E justamente este fato que, ainda com as fraquezas do seu temperamento, 0 torna talvez a mais augusta figura viva dos nossos dias. Para José Verfssimo, a leitura era o instrumento de aperfeigoam to moral do homem, no sentido largo da expressio; nos herdis de Cervantes ele via as duas faces simultdneas da nossa espéc va.a ligdo de que, nas obras de critica, e talvez em todas as outras, “hé que vale mais que o talento, o estilo, as galas e louganias da forma e ainda do fundo literdrio, € a probidade intelectual”. Postula- do que jé cite’ ao tragar-the o retrato de eritico, iio faz mal, antes cumpre, repetir (e igualmente contra a gram: como um flagelo end as qu iis de uma ver). Nao surpreende que fosse og ig0s, 08 “prejudicialis sava em nossa literatura iradores” dos cliissicos, escrevi ele, a propésito do Pe. Vieira, eram “os gramiticos e mestres de grami baixa filologia indiger mados eli da 0s fildlogos dessa nossa que consiste em catar exemplos nos autores cha- cos e Ihes descobr sagiio ou as exceléncias e defeitos aap de linguagem’; exemplo significativo dessa perversao gramaticside (fun dada, n simples ou no capricho fantasioso) a chamada “ortogt editando que raro, na ignorineia pu a etimolégica” entéo em vig a evolugao da grafia portuguesa tendia para a simplificag’ do italiano e do eastelhano”, ele passou ae ever segundo 0 fo da Academia Brasileira, embora nao Ihe desconhecesse “os de imperfeigies”. Instincia privilegiada do nosso aludido provineianismo inte al foi, sem diivida, o tumultuoso episédio que se convencionou chamar a 4u1 A Critica Literdria no Brasil cola do Recife e, em particular, a fascinagdo medusada de Barreto e Silv ensaio sobre L’Allemagne Moderne, de Het Romero pela cultura alemé ¢ 0 respectivo idioma. No i Lichtenberger, Verissimo Jouva-o por ter sabido apresentar com is t \cdo e justiga aos seus compa: as todas as realizagbes germdnicas, para 0 que ndo precisou “nem de exagerar-Ihe os feitos, sublimando-Ihe as exceléneias, nem de menoseabar os do seu pais, e menos ainda de alardear descompostamente um germanismo insolent . E, numa farpa diretam como se tem visto fazer algures ie desferida contra o flanco de Sflvio Romero Aqui mesmo foi assim que se pretendeu trazer para a nossa cultura, exelusivamente francesa, 0 gosto das estudos ale- ies ¢ despertar a nossa atengéo para o pensamento ale- mo. Infelizmente essa tentativa quase gorou por comple- to. Em primeiro lugar pela irracionalidade e insoléncia dos métodos empregados nela, depois porque, salvo um ou ‘outro, os nossos germanistas néo sabiam o alemdo, ¢ al- gum se privou logo de o poder aprender gabando-se de que o sabia. Preconizavam a berros a lingua, a literatura, «a ciéncia, a filosofia alemas, mas, como eu e tu, amado leitor, liam 0 seu alemao, com que nos envergonhavam e confuundiam... em francés. Silvio Romero, como sabemos, acusou golpe a grandes gritos com as Zeverissimagies Ineptas da Critica; em 1910, ele também reuniu, nas Provocacdes e Debates (onde nao faltam as alfinetadas em Verfs 10), em vol artigos e ensaios anterio tre outros os que xutofobia”, como a eha- evelando inesp ou Aleides Munhoz (1873-1930), denunciava o “perigo alemao” no sul do Brasil, Era questo apaixonadamente debatida: Euclides da Cu- nha, por exemplo, pensava que o impe icano era a nossa defesa por assim dizer automsiti espontinea contra o imper snquanto Verissimo via na politica expansionista dos Es- lismo ale’ tacos Unidos um perigo real para o nosso pais: intitulava-se precisamen- 412 Wilson Martins te “O perigo americano” o artigo que dedicou ao livro de Oliveira I Pan-Americanismo. No caso do “perigo alemao”, o nacionalismo de Romero retomava 0 seus direitos contra o germanismo intelectual, fendmeno, aliés, sutil~ ido desprestig m que mergulhava smo interesse nacionalista mente paralelo ao jaa cola do Recife. gradativan m que provocou a reedigio do Gregério de Matos, de Araripe Jinior, ¢ 0 aparecimento de obras tio diversas como 0 Diciondrio Biobibliogréfico Cearense, de Guilherme Studart (1856-1938); Ensaios, de Aleides Fur- tado (?-?),¢ Literatura nacional, de Leopoldo de Freitas ( ? -? ). Nos Perfis do Norte, Santos Neto [Ant6nio Bernardino dos] reduziu 0 nalismo as dimensdes estaduais, declarando logo de infeio que ia e Aquiles, astro dar “somente paraibanos” (Carlos D. Fernandes, Ar Pinto, Rodrigues de Carvalho, Eliseu César e Augusto dos Anjos). Re- f ta em Carlos D. Fe do-se 8 “época de propaganda” em favor de Cruz. Sousa, ele apon- dessa andes “o mais arrojado tita homériea”; além dessa amostra do seu estilo ¢ tipo de abord pode-se lembrar, por exemplo, o que diz de Rodrigues de Carvalho, 78, deve ser relegado para a seara dos eunucos mentais Reconhece-se nessa linguagem um disefpulo de Silvio Romero, se niffo era, com ma individualidade inconteste, também que voltava, em 1911, com o Quadro Sintético da Evolugao dos Géneros na Literatura Brasileira, de interesse tio subsididrio para a historia da critica quanto Caras e Caretas, de Pedro do Couto, “retratos” de conhe- cidas personalidades da politica e das letras, entre outros o de Machado de Assis, em que teve 0 mau gosto de repetir as alusdes de Romero & gaguez do romancista: A timides e 0 defeito de expressao 0 tolhiam de desem- penhd-lo com elegdncia [o “posto” de “chefe supremo dos que se agremiaram em sociedade de letras"], mas nin- guém melhor do que ele tinha 0 direito a exercé-lo, pela familiaridade que com as letras se requer, em uma socie- dade que delas pretende curar (..). 413 A Critica Literdria no Brasil Além de obras menores ta acdas nesse ano, eomo 1935) e os Estudos ), eabe mencionar Psicologia Ur- bana, de Joao do Rio, em que se podem ler, ao lado de diversas confe- so da recepeaio na Academia, aquela sociedade que. io, “pretendia curar” das letras. Outro plumitivo ¥ém_ pub Bernardo Guimardes, de Dilermando C Literérios, de Pedro de Queirés (? ~ segundo Pedro do torrencial era eno Alméquio Dinis, que publicou Da Estética na Lite- ratura Comparada, mais A Cultura Literdria da Bahia Contempordnea & 0 “perfil Iitero-politico” Domingos Guimaraes. E oso assinalar que, em artigo para aRevista Brasileira, Araripe a rejeitado, desde 1895, as “tend seu determinismo seco ¢ a sua falta de lirismo”, pasando a procurar 10 ponto de apoio, sem contudo perder a riqueza dos processos taineanos”; a partir de Zo, escreve ele numa conseqiiéncia que nada tem a ver com as premissas, “a alegria interior passou a ser para mim um credo”. Ora, ele aproveitou esse artigo como prefiicio para o Ibsen, edita- ro art do também em 1911 icialmente recomposto com artigos publ A jo nebulosa do seu espfrito ficard suficiente- 1e demonstrada se lembrarmos que o artigo sobre “a estética de Poe” {alias omitido no volume final) trazia o seguinte subtitulo: “Esquilo— A tragédia grega — O mundo shakespeariano — O sentimento tr século XIX — Ibsen — Bjoernson — Maeterli em forma de livro com 0 nome de /bsen. cados em épocas diversas ¢ nos quais o propésito inicial era estudar estétiea de Po me —eacabou saindo Essa salgalhada toda dé a medida nao s6 do espirito eritico, mas do espfrito de Araripe Jdnior e poderia servir de pega acusatéria cesso dos que ainda hoje pre wr por agudo analista I io. Situava-se no pélo oposto a Vida de Castro Alves, de Xavier Marqus Ja por Otto Maria Carpeaux como a ‘biografia fund mental” do poeta. E, de fato, livro de conscienciosa pesquisa, com ines- pro lem fazé-lo pass ‘onsi¢ timavel documentagao historiografica e escrito em estilo de elegante so- briedade que, ainda por esse lado, denuncia a dupla injustiga do esque- cimento em que caiu o autor, enquanto Araripe Jiinior, ao contritio, rece- eu muito mais do que Ihe é devido, Além da matéria biogréfica prop 414 Wilson Martins amente dita, a Vida de Castro Alves 6 ainda interessante pelo testemunho eriana e com respeito & cafdo, co que representa como reagio anti~ dessacralizagio em q léria crescente de Castro Alves (0 que salientava, diga-se de passagem, io Romero). Assim, fobias Barreto rastando com a um dos lapsos monumentais da visio eritica de por exemplo, esta passagem: Um estudante da época [em que Castro Alves vivia no Recife] transmite-me as impressies que the ficaram dos dois recitadores. Tobias, sempre azafamado, precipite, _febricitante, corria nas ruas aos pontos do itinerdrio das asseatas patriéticas, e chapéu a banda, trajos em desali- nko, em cada esquina improvisava uma tribuna. No tea- 170 portava-se com 0 mesmo nervoso desassossego e fiiria de vencer nos certames literérios. Os olhos dangavam-lhe exorbitantes, a voz retinia-lhe com estridor, pelo rosto for- temente caboelo corria-lhe suor em bagas. Bsse espetdicu- o, se a muitos abalava, produzindo o contdigio do entusi- asmo, desagradava maior e & mais fina porcao do au- ditério. | Castro Alves aparecia num camarote, correta~ mente vestido e uma flor @ lapela. Recebido com palmas, represava a sua forca nervosa, enxugava a testa pélida, de uma tonalidade de marfim antigo, fitava no vago 0 olhar brilhante e magnético, ¢ declamava alto e cheio, modulando sem fadiga, natural e facil nas transigies, acompanhando o sentido dos versos de gesticulagao ani- mada, mas sem desordem (..). 0 techo continua nesse propésito de apresentar Tobias Barreto como agitado € nervoso, desagradavel no trato ¢ ofensivo nas maneiras, como outro bérbaro vindo dos confins das “regides cimérias” e repenti- namente atirado ao convivio dos homens civilizados. Era, também, 0 declinio do Terror na Repdbliea das Letras, instaurado por Silvio Romero 10 significati- que jf durava quarenta anos; nessas perspectivas, 0“! 415 A Critica Literdria no Brasil vo" do foi A Morte da Polidez, composto de cinco artigos publieados por A. Bandeira de Melo no Jornal Pequeno do Recife, entre dezembro de 1910 ¢ janeiro seguinte. Ninguém poderia prever que o autorseria no is Chateaubriand (1892-1968); ulado “A propésito das Zeverissimagies Ineptas do st. Silvio Romero” —log volume, diz. a adverténcia, apare futuro o eélebre jornalista A: subinti rebatizadas de Romerizagées Ineptas da Critica — esse a sem ciéncia de José Verissimo; no apéndice, figuravam ainda: outro artigo de Bandeira de Melo em forma de carta a Liberato Bittencourt, também safdo no Jornal Pequeno, a 24 de agosto de 1910; 0 artigo de A. de M., “Briga de c no Correio de Campinas, a 16 de julho de 1910; o artigo de Oliveira Lima sobre Verissimo, que O Estado de S, Paulo inseriu a 1.° de agosto de 1906, ¢ a eritiea do jomal A Provincia do Paré, a 15 de junho de Silvio Romero, eos”, publieado 1910, revidando ao volume d Este io respeita”; o tom, a tese eo tema da polémica sio fixados por andeira de Melo ja no primeiro pardigrato: timo, dizia desde logo a advert cia, era um “eseritor que Quando um pensador esquecido do préprio decoro e aban- donado a violéncia do seu temperamento, entra a. firmar nna indeterminagao e inconsisténcia do doesto chulo, da pacholice pulha, da linguagem mascarada e da probida- de defeituosa os seus processos de critica; e, muito de in- diistria, postergando os meios de defesa dos sujeitos edu- cados, elege a grosseria ¢ o desaforo armas de combate entre homens de letras, vem a pélo saber se estamos diante de um cérebro equilibrado, de uma consciéncia pondera- da e justa, ou 0 que é melhor, e muito mais acertado, se diante de uma mentalidade em decadéncia, de uma inte- ligéncia enferma, combalida, impotente para dominar as suas paixdes, para jugular a béte humaine, cuja posse da alma s6 inspira o desejo de injuriar e de malsinar 416 Wilson Martins Nao ha noticia de que Silvio Romero tenha jamais respondide a esse livro — que 0s seus bidgrafos costumam igualmente passar em si- léncio; trés anos mais tarde, nas Minhas Contradigdes, ele explicava que ‘o nao havia feito por motivo da moléstia que o tinha acometido, ¢ ao filho mais velho, “pelos anos de 1899-1900". Ora, A Morte da Polide: & de 1911, ano, igualmente, 0s Proceres da Critica os seus optisculos de 1900 ¢ 1903 sobre Romero e -e, as criticas que cada um que Laudelino Freire reuniu no volun Verissimo, acrescentando-lhes, em apét deles escrevera sobre 0 outro — e é exclusivamente a Os Priceres da Critiea que Stlvio Romero retruca em Minhas Contradigaes. “0 st: Silvio”, dizia o implacdvel Bandeira de Melo, nido & demais repeti-lo (..) 6 sempre o mesmo brigdo exa~ gerado, exibicionista, bufio, espathafatoso; 0 mesmo tem- peramento onde se focalizam as virtudes e os defeitos da nossa gente — ou endeusando Tobias em Romerizag bombésticas, ou malsinando Verissimo em Romerizagé ineptas. Os tempos haviam realmente mudado: por um lado, Silvie Romero emudecia diante de ataques tio desafiad res: por outro lado agora do mesmo Recife legendério as contestagées mais depreciativas & sléria de Tobias Barreto — e Silvio Romero eontinuava si cola do Recife, escrevia Bandeira de Melo, no ti- lade de pensamento; era um mero divulgador sem grande mestre da E: nha nenhuma ori espirito eritico, ao que devia, alids, por paradoxo, a sua enorme influén- “Porque se a grande fama de Tobias Ihe adviesse dos seus foros de filésofo e de homem de ciéncia, nada restaria ao futuro historiador para o levantar da craveira em que justamente esto todos os nossos pseudocientistas e pseudofilésofos”. Linhas acima, havia observado: Ele seria na época em que surgiu o homem de que mais carecia um povo entregue ao ramerrio de uns compéndios sovados de filosofia e de direito em francés e portugues. 417 ‘A Critica Literdria no Brasil (...) E nesses mesmos defeitos [de simples vulgarizador], que a todo o transe os seus amigos procuram ocultar, que residem justamente as suas virtudes intrinsecas e superiores. Cravado, assim, 0 punhal, profundamente, nos tecidos mais sen veis, Bandeira de Melo ainda 0 remexia, negando que Silvio Romero conhecesse realmente a Iingua alema; © concluia que, depois de ter matado o Romantismo ¢ a Metafisiea, de que tanto se gabava, além de outras execugées menos importantes, ele agora também matava a Polidez. Silvio Romero ia terminar 0 ano de 1911 e penetrar por 1912 afora desferindo violentos golpes de tacape em Pinheiro Machado e no gover- no gaticho, por motives pessoais que aqui nao nos interessam. A literatu- ra nao s6 parecia, mas estava efetivan nnte abandonada, a tal ponto que, esse terreno, pode-se considerar como encerrada a sua carreira. Era, de qualquer forma, um gigante que tombava, no momento em que s6 havia homens de estatura comum para reveré-lo. Assim, por exemplo, € nesse mesmo ano fatfdico que Afrainio Peixoto (1876-1947), “subs indo” Euclides da Cunha na Academia Bra ra de Letras, pronuneia ‘odiscurso gotejante de inveja que devia sex, em teoria, o elogio do prede- cessor, Numa declaragio que podemos epigrama involuntario, pelo menos como uma autori espiritual, ele comegou por dizer que a sua “primeira ambigo cons te” fora esta: “ser académico”, @ que nos permite tomar a palavra nos seus dois sentidos possiveis. O amor da frase levou-o a dizer tolices, como a de que Os Sert ss “no 6 livro de hi ria, estratégia ou geografia, € apenas olivro que conta o¢feito dos sertdes sobre a alma de Euclides da Cunha”. Realmente, Os Sertées niio cram “livro de histéria, esteatégia ou geografia”; manifestando tai revelava a exter expectativas de leitura, Afranio Peixoto do irrepardvel da sua desleitura, ainda mais catastrofi- ca no que se refere a Euclides da Cunha enquanto esc (..)falta-the a miudeza pertinaz de expressdo, a continui- dade articulada dos argumentos que se coordenam, a cer- teza fria de demonstracdo, que apenas espera ser feita 418 Wilson Martins (..) Risea sumariamente a sintese linear de uma figura e de uma paisagem, deforma-a como caricaturista inverti- do, que em vez de deprimir quisesse sublimar e dispara em outra arremetida, num tmpeto de imagens e de idéias, nao raro lugares-comuns projetados como escdrnios a relutdin- cias obsoletas, paradoxos retorcidos ou humorismos macabros... vertiginoso, possesso, divino .. as vezes fati- gante. | Cultivou por isso esse mau gosto nacional, espécie de gongorismo retardado, que 0 povo chama, avisadamente falar dificil. (..) Estd na indole mesma de nossa gente (...). Os brasileiros continuam assim pompo- sos, sonoros, vazios, enfatuados, exprimindo idéias raras em termos impréprios edificeis... Nao renegava Euclides 0 seu povo, Tomava nota nos punhos da camisa, de pala- tras estranhas que ouvia, ornava com elas frases refitl- agentes, etalvez buscasse assuntos heréicos ou sinistros para ‘as ensartar (..). Se the faltava o gosto as vezes, tinha sem- pre o seu gosto: a palavra havia de ser sonora e rara; a imagem era enfeitada, se néo crepitasse em deflagracao ‘ou lampejasse em deslumbramento; o préprio pensamen- to, dom sereno dos que meditam, sem fadliga nem pressa, parecia-the esptrio, se nao the empinasse o dorso atitude arrogante de énfase (..) Pensadorfrivolo, amador ignorante de palavras desconhecidas, que ‘obria quando ouvidas de outros ¢ entdo eserevendo-as febril- mente nos punhos da camisa (sic) para empregé-las na primeira oportu- idade e até sem oportunidade nenhuma, Euclides da Cunha era tam bém uma alma séfara e cruel, “ineapaz da ternura e da piedade”; en suma, tudo 0 que sabia era “escrever com um cip6”. Tudo isso era dito ¢ aplaudido na Academia Brasileira de Letras no momento mesmo que circulava a quarta edigdo de Os Sertaes. A “Casa de Machado de $6 as des 419 A Critica Literdria no Brasil dalos na longa histéria das suas elei ies fraudulentas — precisamente a que fez de Afranio Peixoto 0 sucessor de Euclides da C cio ao livro de Ferndo Nev sabia do que estava falando, relembra alguns episédios conhecidos: a No prefaé- es sobre a Academia, Afranio Peixoto, que eleigao de Dom Silvério “fez-se com uma apresentagio fora do tempo, ja encerrada, A de Laudelino Freire, diretor da Gazeta de Nott- cias, quis-se apurar um voto chegado depois de apurada a eleiglo... Ade Santos Dumont fo meracio nao é exaustiva, pois nao ine prio A\ ais fraudulenta que uma eleigao politica”. A enu- notadamente, a eleigéo do pré- io Peixoto, que parecia querer legitimé-la pelo curioso proces- so de lembrar ser essa uma prética corriqueit Sube-se que, por meio do ca, uma “fi le pia”, Mario de Alencar imitou-1 se chamou, em linguagem académi- a letra na carta de inserigdo e nos carties conveneionais de visita, com isso promovendo- Ihe a escolha contra Alméquio Dinis, que era o tnico candidato regular mente inserito, Com u la hoje inacreditavel, Afra- nio Pel o declararia mais tarde que, estando nesse mon gem pelo Egito, compreendera a necessidade de “justifi Academia e fazer uma obra literdr raescolha da —de onde nasceu o romance mui- to apropriadamente (my lado A Esfinge. Justamente nesse ano de 1912, aparecia o eélebre vol Aleides Maya, Machado de Assis (Algumas notas sobre 0 humour), do qual d nova na biografia pé al ne de com justiga Augusto Meyer que mareou “o infeio de uma fase na de Machado”, embora acrescentasse, nfo sem 10 Machado”, m exagero, que al le envolta com iscera “o gen as melhores paginas sobre o ‘humour 1 jd se escreveram em nossa lingua’ caa dite Seri, talvez, mais semantica do que simplesmente ortografi- -a entre humorismo e “humour”, que seria um dos humores biolégicos da fisiologia britaniea e que Machado de Assis, por qualquer °F oe porme Hiri das Iigécia Brasileira, V, 519 © 420 Wilson Martins mente com a grafia inglesa que a palavra aparece no livro de Alcides e prova a absoluta originalidade da sua andlise, para a mo havia ainda um yoeabulario adequado, -Lhe respeitabilidade c ‘mente para confer sio consagradas a uma caracterizagio do fer Enfado e tristeza do mundo e do homem, mas tristeza mis- ta de impossibilidade e de pena d percepeao das coisas ¢ enfado que o prazer da andlise tempera de orgulho, eis nfado que 0 p como psicologia, dois elementos notdveis do “humour”. Identificando-lhe a presenga nos mais diversos autores ¢ literatu- ras, ele conelufa que pode haver grandes humoristas “fora das fronteiras germanicas”: (...) @ nossa raga também cultiva o humour, conforme as notas “taineanas” ¢ as outras destacadas nas linhas an- teriores. / Demonstram-no duas obras, que honrariam qual- quer literatura. | — Uma é a de Camilo Castelo Branco |. Outra, a de Machado de Assis, pela filosofia, pelo estilo, pela técnica dos seus livros, pela visa tragicdmica do mundo, pelo agror de critica humana, pelo incisivo do esedrnio indireto, pelo talento no exibir a sandice, pelo poder de irrisao ¢ pela tristeza oculta no ataque. jo, ele ca- Excedendo um pouco as fronteiras da propria defi racterizava Machado de Assis como “profundamente pessimista”; com m-Mancha”, 0 que o distingue e singula- ro celicismo com as formas risonhas e nitidas; € relagiio aos humoristas riza “é a mescla de humour, na saliéncia vepentina da contradigio burlesca assaltando a si- sudez das méximas a alternar com a graga leve, preponderante, do espi- rito latino”. Era, de resto, como se poderia dizer no jargio dos nossos dias, um “alienado”: 421 A Critica Literdria no Brasil Nao vibrow com as geragoes artisticas da patria. Cantou constrangidamente o selvagem, buscando, como em Potira, nao um elemento de afirmagao romantica da nacionali- dade ou a grande poesia barbara das tribos que se com- batiam em plena natureza virgem, mas um primeiro resul- tado moral da conquista, uma estuagéo inicial de sonko na alma cabocla, abalada pela catequese.O aventurei- rismo que nos trouxe o europeu, 0 pitoresco do incola pri- mitivo, a expanséo, sertées a dentro, das levas conquista~ doras, e 0s dramas correlativos e a tragédia inédita da avancada temerdria sobre o interior bravio, seguida de um retrocesso herdico incompardvel na sua fatalidade mesoldgica —retirada de fortes ante oinevitdvel, —nada disso inspirou a Machado de Assis. Em out s palavras, Machado de Assis nao era José de Alencar, ta e regionalista de que o pro prio Aleides Maya havia dado o exemplo em suas obras. Vé-se, por outro lado, que Heme rio dos Santos havia, com efeito, estabelecido um dos estereétipos mais tenazes da critica machadiana. Aleides Maia de dlistinguia, entretanto, por procurar compensatoriamente na unive dade de inspiragao (“O homem e 0 seu absurdo: eis o dor cabe”) uma desculpa honrosa para o seu brasileirismo deficiente. Além disso, era um eético: niio passa de uma farsa. (..) De feito, nfo acredita no amor, nem na religiosidade, nem no patriotismo, ontrastével, pita ¢ domina os atos, os projetos, as conquistas, todas as fundagdes anas”. hu Por af entramos em cheio, ¢ era inevitével, no puro contra-senso critico: Aleides Maya chega a falar na “resignagao zombeteira de D. C: muro; de qualquer forma, ele consagra o Gitimo capitulo a reabilita fa que tinha sido “vivamente criticada” pela “critiea naciona- lista, que a acusa de io inspirar em fonte sociolégica brasileira”; leressante para a hist6ria intelectual — 422 Wilson Martins “a corrente interpretativa que tende a prevalecer é justa, simpitica, de Resultado, pois, pelo menos em parte, dessa nova ides Maya concorreu_ poderosamente para crescente admiraga almosfera, 0 livro de Al consolidé-la. O curioso & que, passando em revista os julgamentos eriti- cos, de Magalhaes Azeredo a Mério de Alencar, através de José Verissimo ¢ Pedro co Couto (mas silenciando sobre Romero e Hemetério dos S tos), ele no evita a contradigo com o que havia sustentado anterior mente: ass da critica” a opinido de que falta A obra de Machado de Assis “o dom de m, por exemplo, aponta como “erro vulgar € preconceituoso simpatia e de piedade”... Jéino fim da vida e vendo assim glorificado o inimigo literdrio que elegera num impulso de vaidade ferida (0 que, ao mesmo tempo, langava sérias dividas sobre a sua acuidade erftica), Silvio Romero ter encon trado algum consolo na Histéria da Literatura Espirito-Santense, de Afonso Claudio (1859-1934), que Ihe era dedicada, em 1912, em “homenagem. “egrégio au lo mais obscuro dos seus diseipulos e admiradores” com tor da Historia da Literatura Brasileira e ine lica literdria neste pais”. Com efeito, concluide desde 1907 (o que The tira alguma representatividade como indice do prestigio romeria 1912), 0 livro s6 pade sair cinco anos mais tarde, em co peripécias que o autor menciona na “Explicagao prelimi fica que a “Introduga0”, posta desde logo sob a égide de Silvio Re refira-Ihe a Histéria como de publicagao recente; 0 que importa, porém, iudio, atribuindo & palavra “disefpulo” o seu pleno s 6 que Afonso C tido, acompanhe o Mestre nas idéias, conceitos e metodologia, como, por exemplo, no que se refere & concepgao “evolucionista” da literatura e condigies peculiares ito-santense, a “dois momentos literarios” Ao periodoligica, reduzida, esta diltima, pel erat las, como é de vulgar pratica’; e, realmente, conforme Clovis Bev registrava na carta-prélogo, “fica-se vendo melhor que, se o Esp noso de irradiagao litersria, n pai no se tem constituide um foco lun passaram ao Jonge as correntes que tém movimentacdo a literatu 423 A Critica Literdria no Brasil Evolucionista ¢ cientificista quanto fosse, Afonso Cléudio era ai sta, e, como tal, rejeitava sem apelacao a doutrina do Na- turalismo, Ass Barroso (1873 Flaubert e Ega de Queirés, via no Naturalismo “o terminus de uma lite- mn, por exemplo, contestava 0 ponto de vista de Colatino 1931) que, confessando-se disefpulo de Balzac, Zola, ratura” (o que, entre paréntesis, permite alguma reserva quanto & sua inclusio tre os simbolistas): Nao houve contribuigao mais fecunda para o deserédito do naturalismo, do que a predilegao pela deligivescéncia na natureza. | Foi invertendo a sucesso natural das coi- sas, transformando as anomalias em fendmenos regula- res, ensombrando de escuro o que era nitidamente didfano, que os dois corifeus do naturalismo nomeados por C. Bar- oso, chegaram as eriagdes extravagantes e obscenas de Nana, do Regabofe, do Primo Basilio e Crime do Padre Amaro. O livro de Afonso C se por nossa evolugio literdria e outros aspectos da vida provineial: para io no era o finico, nesse ano, a interessar~ nada dizer das Ligdes de Literatura Brasileira, de José Ventura Bascoli (1855-1919), professadas mesma cidade, pode-se mencionar O que tem dado Pernambuco ai hist Escola Normal de iteréi e impressas na ria de nossa literatura, conferéncia de Jeronimo Silvano Range! Moreira (1888- ? ) no Mackenzie College, de , uma apresentagio d do, nac acreditava em literaturas estaduais, ne norte, como o sul, niio tem, nao pode ter uma literatura & part tomada de posigo contra a te critica completava-s lo Paulo, e qui 0 0 ti escritores pernambucanos, O autor, cont mesmo regionais: “O » clara a famosa de Franklin Tavora. A estante 10, com as Paginas Escolhidas, dois volu- Jério de Alencar re ness ram “as obras dos Autobio- nego (1871- 1951), ¢ as Conferéncias Literdrias, de Olavo Bilae, reedi¢&o ampliada mes em que Jodo Ribeiro e M primeiros académicos ¢ dos seus sucessores (1897-1912 grafia e Inéditos de Cléudio Manuel da Costa, de Alberto L 424 Wilson Martins do livro de 1906, entre elas “A tristeza dos poetas br: 15”. Os poetas brasileiros sao tristes, sim”, exelamava el Mas nio porque sejam ho- mens tristes. Sao tristes porque so poetas. Sao tristes todos os homer que sabem sentir e pensar”, Os homens que sabiam sei ;praziam em temas mundanos ¢ fi beijo” ou “O lengo”; a série promovida pela Biblioteca Nacional, a par- tirde setembro de 1912, constituiu verdadeiro balango da vida nacional, 26 de setembro, José Verissimo falou sobre “A nossa evolugdo literiria”, e a 28 de julho do Oli posi © pensar também faziam conferéne as, e nem todos se co olos como “O sem esquecer a literatura ‘guinte, Alberto de ra pronuneiou a conhecida palestra sobre “O culto da forma na brasileira”; entre os dois, tratando de “arte € gosto artistico no Roberto Gomes (1882-1923) ainda se recusava a reconhecer qualquer legitimidade ao Faturismo no quadro Brasil”, a 10 de outubro de 1912 eclético das correntes artisticas contemporiineas: (...) S6 néo tivemos ainda nem futuristas, nem cubistas, eujas telas sao realmente um pouco dificeis de se entender e que vim a ser dis um deles, “a sintese daquilo que vemos ) Cada objeto pintado expri- e de que nos lembramos. ‘me seu ritmo particular, seu movimento, sua forga interna. Cada objeto exerce influéncia no seu vizinho. Quantas rezes, no rosto da mulher que falava conosco distinguimos 0 cavalo que passava ao longe, na rua... Os nossos corpos entram nos sofés onde nos sentamas e os sofiis entram em nds. Eo transcendentalismo fisico”. | Os senhores fiuturis- tas afirmam que esto no seu perfeito bom senso ¢ eu 0 cereio. Talvez vejamos no préximo “Salon” alguns quadros de cubistas. O que parece é que os senhores futuristas con- fundem uma arte com outra e querem obrigar a pintura a exprimir o que s6 pertence a misica. Um grupo de literatos estabelecer lagos jd tentou, é verdade, em uma ocas estreitos entre a poesia, a pintura e a miisica. Todas as rogais tinham uma cor: A era branco, E.era verde, O 425 ica Literdria no Brasil vermetho; O era a trompa, E era a flauta, ete., ete. Mas a orquestra parece que dew um resuliado um tanto cacofnico ¢ acho preferivel tratar da misica isoladamente. Alvorada modernista c que, bem antes clo famoso artigo de Emesto Bertarelli, em Estado de S, Paulo, em 1914, a literatura brasileira manifestava as pri- meiras reaces com respeito a estética futurista, o que toma mais organ do Moderismo, embora subtraindo al vanguardismo dos paulistas, Confor ca a histor a coisa ao. we observei na Histéria da Inteli- géncia Brasileira (V, 520), em 1912 o presente parecia ¢ oja a metamorfose para o nciado, precisamente, pelas duas palavras que iam defin dominar a década de 20: 0 moderno e 0 futurismo. Tomande posse na Academia Brasileira de Letras, a 14 de agosto de 1913, Félix Pacheco (1879-1935), confirmando as assimilagies feitas por Roberto Gome anunciava a sutil passagem do Simbolismo deliqiiescente para o Fat decisio das suas escamas passadistas e prepar futuro, mo triunfante, jé claramente acampado as portas da cidade: ses nem necesito igualmente renegar as predilegdes que tive € que conservo por Verlaine, Rimbaud, Mallarmé, Moréas, Regnier, Maeterlinck e tantos outros, quando hoje 0 simbolismo nalgumas coisas venceu e quando jé por at vem Marinetti com o fiturismo, deixando a perder de Les Villes Tentaculaires ¢ Les Campagnes Hallucinées, ista de Werhaeren (sic). ecessitando 2s, a essa altura, um clardo no ho se configurar em tendéncias el ente percepti- bsistia por forca do seu préprio impulso adquirido, Vendo a sua “arte de eserever” honrada no opi Xavier Marques, de Jackson de Figueiredo (1891-1928), 0 ese assim intitulava nesse ano a sua “teoria do est pquanto a literatura tradicional publicada juntamen- 426 Wilson Martins te com a segunda ediglo, “revista e ratura Brasileira, de Coelho Neto; acrescentem-se 0 Diciondrio de Ri- wentada”, do Compéndio de Lite- mas, de Guimaraes Passos, “o mais completo até hoje publicado”, tam- bém em segunda edigao, revista e aumentada por Olavo Bilae; aAniolo- gia da Lingua Verndcula, “organizada como curso de literatura brasilei- ra”, por Alméquio Dinis, simultaneamente hom no volume Alméquio Dinis no seu Decénio Literdrio, mais dois volumes de Medeiros & Albuquerque (1867-1934): a terceira edigao de Km Voz Alta, coletinea de conferéncias 4 moda do tempo, e a misceldinea dos Pontos de Vista, ensaios de natur relacionados com a critica lit de qualquer informagio de ordem literéria ou biografica, e As Cart ras, em que, participando no jogo predileto dos nossos eruditos, Alberto dle Faria (1869-1925) apostava na autoria de Gonzaga. A critica de atribuigao repousa essencialmente sobre similar des estilisticas nas quais $6 se e mitra, como itigamente se dizia dos albergues espanhdis, aquilo que nés mesmos trazemos. Em 1914, estilo ra purismo gramatical, mas a preocupagio purista, iniciada e dada com o elimax retumbante da Réplica, j4 comegava a pro Clasicos Esquecidos, para confirmar a ligio & onferir auto o Leite (1867-1930), jurista de profisso como Rui Barbosa e, como ele, amador da filologia classicos reconhecidos. 0 titulo do livro de Soli¢ pitoresea, curiosa e divertida, pode caracterizar esse momento do nosso pensam le, de “elissicos esquecidos”, mas de autores secundarios e sem importancia (Fr Manu da Esperanga, Manuel Rodrigues Leitao, Pe. Diogo Monteiro, Fiz Fra cisco de Santa Maria, ete., ete.), todos, excecio feita de Matias Aire tito de ate indignos de un qui o. Solidénio Leite explica, no prolog voltava aos “clissicos dest sempre que podia rados”, os quais, nio raro, lhe abriam “tesoiros, que em muito abonam a riqueza da nossa lingua”, lugar-comum), que a atenta leitura dos b mpre ouvi dizer, acrese “(e tomou-se La em outra passagen modelos clissicos 6 0 n 427 A Critica Literdria no Brasil 4 que deverio recorrer os que desejarem escrever com propriedade & lL, joi realizada por Artur Pesquisa de natureza diversa, €, cerlamente, muito mais 6 reconduzindo-nos & romeriana “escola mineira” Viegas (pseudnimo do Pe. Antunes Vieira, S.J.), com apoio em docu- de arquivos geralmente inacessiveis ao investigador profano (0 Poeta Santa Rita Duro), a que se vinham juntar a segunda edi da Littérature Brésilienne, de Victor Orban, “revista e aumentada”s a critica impressionista de Medeiros e Albuquerque em Literatura Alheia, 0 volume em que Francisco Luis da Gama Rosa (1852-1918) reuniu parte de sua colaboragdo jornalistiea na Folha do Dia, do Rio de Janeiro, sob o titulo pomposo de Sociologia e Esiética. ‘do importante € \6rica e biogrifica, infelizmente negligenciada pelos especialistas, foi, em 1914, A Loucura dos Intelectuais, de Lief Contribu no seu género para a eritiea his- tos (? - ? ), com preciosos depoin prestados por alguns dos nossos mais reputados escritores do momento, de Hermes Fontes a Dantas Barret . pasando por Alméquio Dinis e Pedro do Couto; observe-se, de passagem, que ‘outros tantos se 1 ram a responder ou responderam com desd ito intelec- tamente por nao avaliarem devidamente o interesse do inqui tual pela primeira vez proposto entre nds."® No m 1a sua carreira de eseritor, Ficou dito, em paginas anteriores, era como panfletério que Silvio Romero ia termi que, nas Minhas Contradigées, livro ne: exelusivamente As eriticas, aliés moderadas, de Laudelino F ran Paxeco, Bandeira de Melo, “e outros e ¢ ano publicado, ele retrucava ire, dei xando de lado Labieno, outros”, que apenas insultou, aqui e ali, em passager esparsas de seus livros. E que Laude ‘ou Lomelino Boceta, al » Freire, por ele chamado de Lomelino de Freitas n de haver tocado no ponto entre todos sensivel das incoeréncias romerianas, situava-se como advei rio no plano local \s sandices do estiipido af vao desma da politica sergipana Ch Minded iigteia Brasil, V, 657 © 428 Wilson Martins eserevia para con sem nada perdoar-the por haver citado José Ver pelo nome de José Verfssimo, famoso leiloeiro das tais contradig6es, 0 imo ainda mais duramente — “esse desmantelado chaveco que dé qual aliés nunca as definira, contentando-se com as afirmagies vagas, tio do gosto de toda casta de paspalhies ousados”, todo inteiro consagrado a refutar uma por dé o tom do volun um ‘contradigdes” de julgamento apontadas, a titulo de exem nos Proceres da Critica, tisfecit” triunfante que a si lo coroado pelo“ mesmo confere na linha final: “Cai o pano sobre as acusagbes de Lomelino, todas esmagadas”. Deseia também 0 pano sobre a existéncia combativa de Silvio Re livro a 15 de margo de 1914, faleceria quatro meses depois, a 17 de ero, que, tendo devolvido as tilltimas provas do julho, Comega para ele outra fase, curiosa e inesperada, do seu destino, aquela em que muito Ihe seria perdoado porque muito amara a literatura brasileira, Na Chave de Salomdo, Gilberto Amado estabeleceria desde logo essas novas coordenaclas de julgamento: A primeira virtule de Silvio Romero era a sinceridade. O amor ao trabalho néo foi nele sendo uma modalidade desse sentimento que dominow a sua vida e nutrix e enri- queceu a sua obra, (..) Essa grande sinceridade de Silvio Romero constituta o seu temperamento. | A sua obra de critico e de panfletério era orientada pelos impulsos dela | Foi ela que o fez eritico. | Dela é que nasceram a inexorabilidade hirsuta das suas atitudes, os seus ranco- res inexplicdveis e essa ansia de reformar, que é um dos primeiros sinais por que ela se traduz. / A sua arremetida contra as rodinhas literdrias, contra os cendculos inécuos dos poetinhas sonhadores do tempo, néio era uma diver- sdo esportiva. / Tinka para ele a importancia de uma mis- sdo sagrada. Ele estava convencido do seu papel apostéli- 0. (..) Porque era um temperamento herciileo, wm histo- riador avisado, as vezes profundo, esse trabalho de eritica nem sempre ponderada tomou logo, nas suas maos, as 429 A Critica Literdria no Brasil proporgdes de um empreendimento colossal. / A stir da Literatura Brasileira é uma obra respeitével. (..) Na Historia da Literatura Brasi ra ha idéias que néo apai- xonam mais; todavia, esse livro desengoncado e admird- vel €a maior contribuigdo que ainda tivemos para a.com- preensao do problema brasileiro, em toda a sua complexi- dade. (...) .. langando os olhos sobre as perspectivas dessa obra, & com prazer que o meu olhar se detém diante dos monumentos que a assinalam e dos sulcos beneméritos que abriu, | Ela 6 imortal. A maioria dos que hoje vociferam nao sero ouvidos na posteridade. Silvio sobreviverd, por- que os assuntos que 0 absorveram e 0 apaixonaram e a que dew o influxo da sua alma poderosa, hao de interes- sar sempre, enquanto se falar a lingua que falamos. | Havemos eternamente de querer saber donde viemos, o que somos, para onde vamos. | Pode dizer-se que, em substn- cia, a obra de Silvio Romero é uma explicagdo, ao seu modo, ou pelo menos, um longo comentario destes proble- mas. Ele ndo quis, em suma, em sua obra sendo saber a origem da nossa nacionalidade, ¢ os elementos de que ela dispunha na atualidade para sobreviver no futuro com um cardter proprio. | Fez 0 estudo das ragas que nos vém formando, do cendirio que elas vivificaram, das lutas, aci- dentes, vicissitudes que sofreram, dos vagos feitos que rea- lizaram. Era um dos grandes conhecedores da nossa ter- ra, nas suas gentes ¢ no seu meio. Foio primeiro a recolher, ea sistematizar as observagies de Southey, os comentérios de Rocha Pita, as sugestoes de Buckle e de quantos histo- riadores tentaram apreender e interpretar as possibilida- des da nossa existéncia de nagio dentro da terra ameri- cana, as relagdes da populagao com o meio. | A certos respeitos, pode dizer-se que Os Sertoes, de Euelides da Cunha, no seriam escritos se nao existisse a obra de Stl- vio Romero. (..) Quase tudo que escreveu, porém, conta- 430

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