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MORFORD, M.P.O. & LENARDON, RJ. (2003). Classical sity Press. Mythology. Oxford: Oxford Univer- ROCHA-PEREIRA, M.H. (1987), Estudos de histéria da cultura Cléssica, Lisboa: Fundacao Cal P te Gulbenkian [vol. 1: Cultura grega: vol. 2: Cultura romana]. Ln Arte e religido no Medievo Arelacao entre arte e religidio no Medievo pode ser inicialmente problematizada em termos de funcionalidade. Desde a Alta Idade Média, atribuiu-se um sentido “pedagégico” (aedificatio, instructio) as imagens cristas, cuja linguagem visual poderia ensinar aqueles que niio sabiam ler. Essa ideia de “Biblia dos iletrados” consolidou-se sobretudo a partir de uma carta enviada pelo Papa Gregério Magno (590-604) a Serenus, bispo iconoclasta marselhés. Ao longo dos séculos, 0 aspecto espiritual das imagens se desenvolveu ampla- mente no Ocidente, com destaque para a atuagdio da Igreja, que Ihes conferiu uma tripla dimensao tedrico-ideolégica: instruir, relembrar e emocionar, Nos séculos XII-XIII, 0 sentido espiritual cristalizou-se cada vez mais, levando ao surgimento do chamado poder “anagégico”, conforme observamos nos escritos de Suger de Saint-Denis (1081-1151), Pedro Lombardo (c. 1100-1160), Tomas de Aquino (1225-1274), entre outros. Essa interpretagio defendida pela Igreja, ainda verificada no Concilio de Trento (1545-1563), também foi adotada por muitos historiadores da arte, entre eles Emile Male. No entanto, a explicacdo é insuficiente, jd que ndo leva em consideracao algumas questées centrais. Como aponta Jéréme Baschet, a epistola gregoriana nao deve ser entendida como um “tratado geral” sobre o uso de imagens. Além disso, necessitamos observar a época de producao da carta ~ a saber, quando o papa buscava destacar a relevancia e variadas uitilidades das imagens, com 0 objetivo de defendé-las da destruicéo. Tal opiniao é cor- roborada por Maria Cristina C.L. Pereira, que acrescenta um problema: “como explicar a funcao didatica de imagens [como 0s vitrais] que ndo podem ser vistas”? Com efeito, a fungao delas ultrapassa largamente 0 sentido pedagdgico, podendo ser também apotro- paico, litirgico, econdmico, politico etc. Torna-se fundamental, pois, escapar desse lugar-comum para compreender a com- plexa relacdo entre arte e religiéo na Idade Média ocidental. Deena nos esquivar, ainda, de certas premissas da histéria da arte tradicional, entre as quais a tendéncia em focalizar apenas as “obras-primas’, esquecendo-se dos outros tipos de imagens. Gragas aos traba- thos, primeiramente de Aby Warburg e Erwin Panofsky, os historiadores comegaram a analisar o maior numero possivel de fontes imagéticas, a fim de favorecer a compreensad da intricada dinamica imagem-sociedade. Para o estudo da religiosidade medieval e se relagio com as imagens, explicitemos dois conceitos empregados por importantes pesqui- sadores atuais. 285.2, Baschet, por exemplo, trabalha com a nogao de “imagem-objeto”, que pretende abran. ger tanto a dimensio visual quanto a materialidade das imagens. De acordo com 9 Autop, as representac6es medievais eram sempre vinculadas a um lugar ou a um objeto com uma fungo, especialmente litirgica. Alguns capitéis das igrejas eram ocos para que Teliquias fossem ali depositadas, com o propésito de proteger 0 local das intempéries que, Para ‘os homens daquela época, eram enviadas pelos poderes sobrenaturais. Assim, a imagem poderia angariar miltiplas fungées (ritualisticas, devocionais etc.) e tornar-se um objeto manipulavel com a possibilidade de ser vestido, despido, beijado e até comido, Essas tiltimas propriedades nos conduzem ao conceito de “imagem-corpo” formula. do por Jean-Claude Schmitt, que busca esclarecer uma faceta da intera¢ao entre os fis e as imagens medievais. Para ele, enquanto muitas imagens eram amadas e veneradas, outras eram temidas e odiadas. Estamos diante de uma relagio semelhante aquela entre pessoas: os cristdos acreditavam que as imagens nao eram inertes, porque podiam se co. municar com eles (chorando, sangrando, falando, piscando...). Algumas podiam amea- ca-los e atormenta-los, o que explica o fato de varias representagées do diabo terem sido apagadas propositalmente nos manuscritos. Sabemos que nem todas as imagens tinham essa “aparéncia de corporeidade’, mas o importante é que poderiam adquirir tal caracte- ristica a qualquer momento, dependendo das expectativas e interesses envolvidos. “Arte e religio no Medievo também podem ser compreendidas por meio da asso- ciagao entre luz e beleza, jé explorada por autores da Igreja hispano-visigoda, entre os quais Isidoro de Sevilha (c. 560-636). No século XII, essa “estética da luz’, infundida pelo neoplatonismo na tradi¢ao cristé, ganhou notoriedade gracas a atua¢ao do abade Suger de Saint-Denis. Tal pensamento indicava que o homem, buscando uma elevagio ao divino, deveria elaborar representacdes que irradiassem luz e cores brilhantes. Em razao disso, as catedrais passaram cada vez mais a explorar a luminosidade, como em seus vitrais. Embo- raaluz ndo fosse uma exclusividade do gético, é com ele que ocorre o seu “triunfo’, o que reflete uma verdadeira aspiracao por espiritualidade. E fato que varias imagens religiosas medievais foram elaboradas com base em textos canénicos da Igreja, a Biblia, antes de tudo. Entretanto, também existia certa “liberdade” artistica, como notamos em diversos temas iconogrdficos que nao se inspiraram no mo- delo dogmatico textual e optaram pela tradic’o dos apécrifos. Diferentemente do que defendia Male, a arte religiosa néo pode ser caracterizada como “passiva” e simples “Te produtora” da doutrina da Igreja. Exemplos paradigmiticos, o crucifixo com trés cravosé as estétuas das Virgens que se abriam e exibiam a Trindade acabaram sendo condenados por alguns clérigos. Se por um lado a “autoria” da imagem nao era muito relevante para os cristios medievais, por outro determinadas representacdes eram consideradas “aqueiropoiét™ cas” (no produzidas por maos humanas). Entre os casos mais conhecidos esto a Cr” dos Anjos (Astirias, séc. IX) e 0 crucifixo de madeira Volto Santo de Lucca (Tose Sée. XI-XAL), objetos que, segundo certas cronicas e hagiografias, teriam sido esculp@™® 236= por anjos. Em outras circunstancias, acreditava-se que os santos, a Virgem Maria ou 0 proprio Cristo haviam Participado do processo de fabricagao. De fato, as imagens aqueiropoiéticas” também sao manifestagdes da profunda e complexa relagio entre arte e religiéo no Medievo, Guilherme Queiroz de Souza Ver também Igrejas; arquitetura e arte; Labirintos sdmi, BASCHET, J. (2006). “A expansao ocidental das imagens”. In: A ci colonizacao da América, Rio de Janeiro: Globo, p. 481-523. izagdo feudal: Do Ano Mil & (1996). “Introduciio: a imagem-objeto”. In; SCHMITT, J.-C. & BASCHET, J. L'image - Fonctions et usages des images dans l’Occident médiéval. Paris: Le Léopard d’Or, p. 7-26 [trad.: Maria Cristina C.L. Pereira]. BESANCON, A. (1997). “Idade Média”. In: A imagem proibida: uma histéria intelectual da ico- noclastia. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, p. 243-268. DUGGAN, L.G. (1989). Was art really the “book of the illiterate”? Word & Image, vol. 5, n. 3, p- 227-251. ECO, U. Arte e beleza na estética medieval. Rio de Janeiro: Record, 2010, PANOFSKY, E. (1991). Arquitetura gética e Escoléstica - Sobre a analogia entre arte, filosofia e teologia na Idade Média. Sao Paulo: Martins Fontes, PEREIRA, M.C.C.L. (2010). Algumas questées sobre arte e imagens no Ocidente medieval. Atas Eletrénicas da VIII Semana de Estudos Medievais do Programa de Estudos Medievais da UFR], p. 01-29, SCHMITT, J.-C. (2007). O corpo das imagens - Ensaios sobre a cultura visual na Idade Média. Sao Paulo: Edusc, (2006). “Imagens”. In: LE GOFF, J. & SCHMITT, J.-C. (orgs.). Diciondrio Temdtico do Oci- dente Medieval. Vol. 1. Bauru: Edusc, p. 591-605. Astrologia alexandrina O conceito de destino se mostrou muito presente nas narrativas publicas e individuais das sociedades antigas, o que esta relacionado a relevancia de conhecimentos ¢ praticas de adivinhagdo. O senador e orador romano Cicero (De Divinatione, 1.11, 2.26) relata que havia uma adivinhagdo “natural’, diretamente inspirada pelas divindades (como os sonhos e outros ordculos), e outra “artificial”, que inclufa toda técnica divinatéria que exi- gisse observacao e andlise para se desvendar os propésitos da nature © dae divindades: A astrologia se encontraria neste segundo grupo, categorizada ne especificamente conto uma forma de auspicia ex coelo, ou seja, a arte de lograr os sinais da a celeste a partir da movimentagao dos astros, eclipses solares e lunares, cometas, troves etc. ay

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