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FRANGA NA ERA VIKING urante a Bra Viking (séculos vitt-xt), 0 territério que hoje corres- ponde & Franca viu suas fronteiras serem constantemente redefinidas. Fe frtalecimento do Reino dos Francos pela dinastia dos carlingios, seguiv-se uma “restauragio” do Império Romano do Ocidente, condu- sida por Carlos Magno em 800. Logo depois, a unidade imperial foi fissolvida no Tratado de Verdun (843), de onde surgiu a Frincia Oci- ‘lental (Francia occidentalis), Esse embrido da atual Franca também nao ficou incélume a fragmentaco territorial: a partir dos séculos 1x-x, 0 podercentral enfraqueceu, o que contribuiu para o aparecimento de i ‘yersas unidades politicas (principados), que passaram a agir de forma independente, Nesse processo politico secular, resumido ao extremo nas linhas ‘cima, a presenga escandinava influenciou a dinémica da regio, esta, ‘que, igualmente, os influenciaria. Do ponto de vista econémico, a clés- ssica tese de Henri Pirenne — para quem o Império Carolingio teria (apés a expansio arabe no Mediterraneo) uma economia carente de recursos ¢ limitadas ligagdes mercantis, com uma villa “fechada” ¢ autarcica ~ nio é aceita atualmente. A conquista da Saxdnia possibilitou aos fran- cos novas e lucrativas rotas comerciais no fim do século vir. Ainda esse periodo, a reforma monetiria de Carlos Magno estabeleceu 0 mo- nopélio real de cunhagem e introduziu os novi denarii, moeda de prata com boa aceitagao, inclusive no mundo nérdico. Existe um debate sobre o impacto das invasdes escandinavas na economia carolingia do século rx. Algumas interpretagdes apontam uma época de crise causada pela escassez sobretudo de moedas, que ti- ham sido roubadas pelos invasores ou oferecidas a eles como tributo. Essa visio de “decadéncia” consta nas fontes daquela época, para as uais seria preferivel pegar em armas em vez de recorrer a esse “vergo- nhoso” artificio, que teria tido efeitos desastrosos. O historiador fran- cés Simon Coupland afirma que 0 tributo funcionava bem para repelir novos ataques escandinavos, ao contri Costuma imaginar. Além disso, as informagées de que dispomos de- Monstram que os francos poderiam pagar tais quantias, sem ocasionar ualquer crise monetéria duradoura entre a populacio. Outros acadé- 283 snicos ainda argumentam que 08 Saques ‘vikings podem ter sido até he. nn i ecm, aque recolOcaFam em CiCUlAGAO 0s tesouros de tdificios eclesfésticos (‘desentesouramento"), ‘Uma caracteristica da Francia Ocidental na Era Viking era a diy. sao dos agos de vassalagem, largamente propagados desde os primer os carolingios. Hé uma discussio sobre o periodo no qual as relagées feudo-vassilicas foram difundidas na Normandia, com destaque para ‘uma histdria (real ou ficticia) ocorrida quando da concessio ~ do mo. yparea Carlos, o Simples, a0 chefe viking Rollo (911) ~ das ters ae redor de Rugo (praticamente a Alta Normandia de hoje). Segunde » clérigo Dudo de Saint-Quentin (c. 965-1026), o viking prestou “home- nagem” ao rei franco e seguitto ritual de colocar as mos entre as do futuro senhor. Com um tom lendétio e anedético, ele ainda conta que Rollo, quando soube que o préximo passo seria ajoélhar ebeijar opé do soberano carolingio, recusou, alegando que jamais ficaria de joclhos beijariao pé de um homem. Em seu lugar, o lider enviou um confrade que, para evitar a genuflexo, erguen os pés do rei a altura de sua boca. Outro aspecto da Francia dessa época era o desenvolvimento da cavalaria, que tinha uma importancia crescente desde o periodo caro- Iingio. Ainda que o estribo (elemento asiatico que chegou ao Ocidente no século vit) tenha possibilitado ao cavaleiro maior firmeza em seu cavalo, nao podemos acreditar numa “revolugo” militar causada pelo objeto. Com o objetivo de penetrar o interior da Francia, os préprios vikings se transformaram em cavaleiros, montando em animais que ti nham trazido ou roubado na regio. De modo geral, 0 equipamento de jum cavaleiro carolingio dos séculos rx-x consistia numa langa (acon pasha Par fei, de uma espada longa), escudo redondo de madeira, armadura com escamas de ferro. Aliés, a arqueologia com Provou que as armas foram os produtos francos mais exportados para © mundo escandinavo alto-medieval. Saree rans pode militar earolingio ~ responsivvel direto Saaitan pees ns era 0 exército, e nao a marinha, cuja Ber aoe connatmente defensiva, Embora a forea naval ten sil ascot rae dee ules no Metitertineo, no mar do Nat 10 literal, coms tents. Ali os francos construram diverses delet qi a Frisia, territorio que, na definigao de Janet L- Net 284 son, era “o calcanhar de Aquiles do Império” vvrios reides vikings atingiram essa regio, uum verdadeiro contra-ataque naval langado por um governante cane lingio. De toda forma, embarcagdes foram construfdas no tempo de Las, o Piedoso (814-840), muitas das quais diecionadas & defo fo Dorestad, importante entreposto comercial, No plano teérico, a sociedade francesa da Era Viking estava orga nizada em trés ordens, Com efeito, o mais antigo escrito sobre esse esquema trifuncional aparece com o carolingio Aimon (#865), mestre daescola de Auxerre, que dividiu o corpo social em trés ordens: sacer- dotes (clérigos), guerreiros ¢ produtores. Essa perspectiva tripay propagava um modelo que a sociedade deveria ter de si prépria, po- rém néo era uma simples representacao da realidade, Tratava-se, efe- tivamente, de um projeto e uma construgio ideol6gica elaborada pela Igreja para justificar a supremacia dos eclesidsticos, os detentores das superiores armas espirituais. Em 891, por exemplo, os religiosos re- ceberam uma parte do espélio adquirido dos vikings em Saint-Omer, visto que tinham ajudado ao rezar pelo triunfo do exército franco. ‘A Francia Ocidental caracterizava-se por uma rica diversidade étnico-cultural. O cronista Flodoardo de Reims (c. 894-966) era um dos que distinguiam, naquele territério, “os francos, os borgonheses, 08 aquitanios, os bretées, os normandos, os homens da Flandres, os da regio gética, da fronteira com a Espanha”. Considerando as frontei- ras hodiernas da Franga, 0 ntimero de habitantes girava em torno de 5 milhdes no ano 800, subindo para 6,5 no ano 1000 ¢ 7,7 em 1100. O {impacto da chegada dos escandinavos nesse crescimento populacional, especialmente na Normandia, jé foi muito debatido pelos pesquisado- tes. Em um artigo classico, Lucien Musset afirma que essa regiéio assis- tiu a um boom demografico a partir do final do século x, com destaque no processo para a contribuicdo dos escandinavos, sobretudo dos dina- marqueses. Os dados arqueolégicos recentes indicam, contudo, que @ Presenca nérdica nio pode ser apontada como a razio principal para © aumento demogrifico da Normandia. Houve, sem divida, um cres- cimento populacional, com inicio ainda no século vit, mas ele éresul- tado de um fendmeno interno, associado ao fim das grandes epidemias, & seguranca interna e ao crescimento agricola. Ao longo do século rx, mas nenhuma fonte cita 285 {A presenca dos vikings em solo francés também reaquecey a tica da escravidao, ao menos na Normandia. Em Rudo, os nonmands onganiearam um importante mercado de escravos,cuja "meron, principal era composta por irlandesese frisios. Até o século m,n forme Anne Nissen-Jaubert, a escravidio era uma caracteistie yr distinguia a Normandia do restante da Francia, onde predominay’ regime de servidéo, Alguns eclesiésticos daquela época sentiam incomodados com isso: 0 itilico Lanfranco (c. 1010-1085), abade de Saint-Etienne de Caen e depois arcebispo da Cantuatia, chegou at: ¢ aconselhar o duque Guilherme 1 a abandonar 0 trfico de escravos, ‘Ao longo da Era Viking, a Frincia viu o surgimento de muitas fort ficagées. Ainda que Carlos, o Calvo, tenha proibido (864) aconstrugio de qualquer fortaleza sem a sua autorizagao, a populagio logo destes- peitou essa interdigdo. Jé no fim do século rx, muitas defesas foram er- guidas por bispos e abades para conter os vikings; eram simples obras de madeira, edificadas entre o Sena e 0 Reno. Com a seguida descen- tralizagdo politica a partir do século x, a regio teve suas defesas cada vez mais “privatizadas”, o que levou a construgao de castelos, base do poderio militar feudal. Na primeira metade do século x1, surgiram 10 castelos em Anjou e 36 em Charente; seu objetivo nao era mais prote- ger das ameagas escandinavas, mas dos proprios senhores vizinhos. Guilherme Quezor de Soma Ver também Era Viking; Normandia; Rollo; Viking; Vikings na Franga; COUPLAND, Simon. The Carolingian Army and the Struggle against the Vikings. Viator, vol. 35, 2004, pp. 49-70 couptanp, Simon. The Frankish tribute payments to the Vikings and their consequences. Francia, vol. 26, 1999, PP. 57-75- D'HAENENS, Albert. As Invasées Normandas: Uma Catistrof?? $° Paulo: Perspectiva, 1997. 7 busy, Georges. A Idade Média na Franga (987-1460). De Hugo Capeto Joana D’Arc. Rio de Janciro: Jorge Zahar Ed., 1992. McKITTERICK, Rosamond, The Frankish Kingdoms Un ans, 751-987. London: Longman, 1983. der the Caroling: 286 usser, Lucien. Essai sur le peuplement de la Normandie (vi*-xu® sitcles). In: Actes des congrés de la Société d’archéologie médiévale, vol. 2,2. 1, 1989, PP. 97-102. 1wxsoN, Janet L. The Frankish Empire. In: sawyer, Peter (ed.). The Orford Illustrated History of the Vikings. Oxford-New York: Oxford University Press, 1997, pp. 19-47. issen JAUBERT, Anne, Some aspects of Viking research in France. ‘Acta Archaeologica, vol. 71, 2000, pp. 159-169. price, Neil. The Historical Background: France in the Viking Age. In: ‘The Vikings in Brittany. London: Viking Society for Northern Research, University College London, 1986, pp. 21-54. FREYDIS EIRIKSDOTTIR ‘A Saga dos Groenlandeses e a Saga de Eirickr apresentam, ao longo de suas narrativas, algumas personagens emblematicas; entre elas, a figura de Freydis Biriksdéttir merece destaque. Na Saga dos Groenlandeses ela é apresentada como uma mulher ar- dilosa ¢ traicoeira, enquanto que na Saga de Eirickr ela é descrita como excepcionalmente corajosae forte, entrando em luta corporal com nati- vos de Vinland. E importante salientar que ambas as sagas foram com- postas cerca de duzentos anos apés os eventos que esto descritos no seu enredo e podem ser consideradas como evidéncias histéricas. Mui- tas dessas narrativas que remetem a fatos ocorridos nos séculos 1x, x € xt contém varios elementos histéricos, mas também muitos ficcionais, ois nio havia documentos escritos que comprovassem, por exemplo, as viagens e a descoberta de novas terras. No caso especifico de ele- mentos apresentados na Saga de Eirickr, a arqueologia comprova que no século xr existiu um assentamento nérdico. No sitio arqueologico de Lanse aux Meadows, na Terra Nova, Canadé, pode-se confirmar Nowe tices foram os primeiros europeus a chegar na América do dig No event da Saga de Eirickr, apresenta-se ao leitor como Frey- ieee Karle tide @ Vinland em uma expedigdo liderada por i € sua esposa Gudridur Porbjamnardéttir. Quando 287

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