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Roda da Fortuna

Revista Eletrônica sobre Antiguidade e Medievo


Electronic Journal about Antiquity and Middle Ages

Livro das Bestas


Libro de las Bestias (1986). Adaptação: Aurora Díaz Plaja.
Barcelona: Ultramar Editores.

Apresentação e tradução:
Guilherme Queiroz de Souza1 & Laryssa Alves da Silva2

Apresentação

Escrito em Paris (c. 1287-1289), o Livro das Bestas corresponde à sétima parte
do Livro das Maravilhas, obra enciclopédica do filósofo maiorquino Ramon Llull (c.
1232-1316). A história gira em torno da Raposa, personagem que busca alcançar a
posição de única conselheira do rei Leão, não sem antes manipular outros animais (o
Boi, o Elefante, o Coelho, o Pavão etc.). Os pesquisadores acreditam que Llull
desejava compor um “espelho de príncipes”, apontando as ameaças que cercavam o
governante francês daquele período – o capetíngio Filipe IV – e as qualidades morais
que ele deveria cultivar. Estamos diante de um texto metafórico, uma crítica à
sociedade dos homens.

Desde o fim da Idade Média, determinadas obras de Llull, como o Livro das
Bestas, tiveram uma ampla popularização e rapidamente foram traduzidas. As
adaptações infanto-juvenis produzidas a partir delas, por sua vez, surgiram no início
do século XX. Já naquela época, o alvo preferido foi o Livro das Bestas, que recebeu
uma versão para o público adulto (1905) e algumas para o público infantil, como a
edição El Llibre de les bèsties, contat als infants per Ana Rubies (1934). Durante a
comemoração do Any Llull (2015-2016), que marcou o sétimo centenário da morte
do filósofo, o processo adaptativo se intensificou: o Livro das Bestas ganhou várias
adaptações, com outras obras de Llull seguindo o mesmo caminho (Selfa Sastre, 2019:
74; Falguera Garcia & Selfa Sastre, 2020: 42-43).

Apresentamos, nesse trabalho, a tradução de uma pequena edição infanto-


juvenil em espanhol do Livro das Bestas (1986), de Aurora Díaz Plaja (1913-2003), que
conta com 26 páginas, metade delas ilustradas por Pilarín Bayés. Nesse procedimento,

1 Professor de História Medieval da Universidade Federal da Paraíba (UFPB).


2 Graduanda em História pela Universidade Federal da Paraíba (PIBIC-UFPB).
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optamos por conservar ao máximo o sentido original da adaptação. Fomos


favorecidos pela proximidade entre o português e o espanhol, o que contribuiu para
preservar o tom adequado àquele público. Também fizemos comparações com as
edições integrais já publicadas em português (1990; 2006), com a observação das
escolhas terminológicas destas.

Essa tradução é um dos produtos do Plano de Trabalho “As adaptações


infanto-juvenis das obras de Ramon Llull: estudo didático-metodológico e proposta
de tradução”. Ele foi executado pela discente Laryssa Alves da Silva (PIBIC), no
âmbito do Projeto de Iniciação Científica intitulado “Ramon Llull, a Idade Média
Global e o Ensino de História: perspectivas de abordagem” (2020-2021), que
desenvolvemos junto ao Departamento de História da Universidade Federal da
Paraíba (UFPB). Almejamos oferecer aos docentes da Educação Básica (Ensino
Fundamental II), seja de Literatura, seja de História, uma interessante fonte para ser
trabalhada em sala de aula, contribuindo com o processo de ensino-aprendizagem.3

Referências

Fontes

Libro de las Bestias (1986). Adaptação: Aurora Díaz Plaja. Barcelona: Ultramar Editores.

Ramon Llull (1990). Livro das Bestas. Tradução de Cláudio Giordano. São Paulo:
Editora Giordano; Edições Loyola.

Ramon Llull (2006). Livro das Bestas. Tradução de Ricardo da Costa. São Paulo: Editora
Escala.

Bibliografia

Falguera Garcia, E. & Selfa Sastre, M. (2020). El Llibre de les Bèsties (1287-1289) de
Ramon Llull: anàlisi d’adaptacions infantils i juvenils. Caplletra. Revista Internacional de
Filologia, 69, 39-60.

Macedo, J. R. (2003). Repensando a Idade Média no Ensino de História. In: Karnal,


L. (org.). História na Sala de Aula: conceitos, práticas e propostas (pp. 109-126). São
Paulo: Contexto.

3Para introduzir o Livro das Bestas em sala de aula, ver as sugestões de Macedo (2003: 122-123) e Souza (2021:
544-545).

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Selfa Sastre, M. (2019). La transmisión de la ideología medieval en la literatura infantil


y juvenil actual: el caso de los exempla de el Llibre de les Bèsties (1289), de Ramon Llull,
y sus adaptaciones infantiles y juveniles. Revista de Educação, Ciência e Cultura, 24, 2, 71-
79.

Souza, G. Q. de. (2021). Raimundo Lúlio, a Idade Média Global e o Ensino de


História: perspectivas de abordagem. Esboços: histórias em contextos globais, 28, 48,
531-557.

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Introdução

Quando Félix, o protagonista do Livro das Maravilhas, despediu-se de seu amigo


filósofo, dirigiu-se a um lindo vale, cheio de árvores e fontes agradáveis. Ali se
encontrou com dois homens que ostentavam barbas muito longas e aos quais Félix
perguntou de onde vinham. Eles lhe responderam assim:

– Viemos de longínquas terras e, ao passar por uma planície, perto daqui, vimos uns
animais selvagens que pretendiam eleger um rei.

Félix, entusiasmado com a notícia, quis saber como era aquilo, para depois poder nos
explicar como as bestas se organizavam para eleger um rei. E eis aqui o que nos
contou:

O rei Leão

Realmente, era muito bela a planície onde se encontravam todos os animais da


comarca, embalados pelo barulho da água que corria por meio da folhagem entre as
árvores.

As bestas discutiam entre elas, e muitas acreditavam que o Leão era o mais indicado
para tornar-se rei, porque era forte e belo.

Mas o Boi disse:

– Senhores, nosso rei deve ser grande, mas humilde, e, sobretudo, não pode trazer
danos a seus irmãos. Sendo carnívoro, o Leão come animais como nós. Elejam o
Cavalo, que é um animal grande e belo, não come carne e é uma besta ligeira e nada
orgulhosa.

Grande prazer causou o discurso do Boi às bestas que vivem somente de erva, como
o Cervo, o Cordeiro e a Cabrita. Mas foi aqui que a Raposa, a besta mais astuta e de
língua afiada, tomou a palavra e disse assim:

– Amigos, não devais dar ouvidos ao Boi, pois, se elegerdes o Cavalo como vosso rei,
tratando-se de uma besta nem valente nem forte, ele nunca nos defenderá quando
alguém mais forte nos atacar.

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Depois de muitas discussões e disputas, os animais carnívoros venceram, e o Leão foi


escolhido rei das bestas.

E, para celebrar a eleição, o Leão devorou um bezerrinho e um jumentinho.

Quando o Cavalo e o Boi, desesperados ao verem que o rei havia comido os seus,
quiseram ir em busca do homem para pedir ajuda a fim de vingar-se do infame rei, o
homem simplesmente fez duas coisas: montar no Cavalo e colocar o Boi no arado,
fazendo-lhe trabalhar de sol a sol.

Quando os dois amigos se encontraram, lamentaram de sua má sorte. E o Cavalo


aconselhou ao Boi que fugisse, pois tinha ouvido dizer que o senhor queria vender o
Boi ao açougueiro.

O Boi pensou que realmente seria melhor sentir-se uma besta, livre e tranquila, do
que trabalhar sem descanso entre estranhos, com o risco de ser esquartejado.

As armadilhas da Raposa

Entretanto, na corte do Leão, houve grande alvoroço depois que o monarca


pronunciou as seguintes palavras:

– Vossa vontade me fez rei, mas haveis de saber que é um ofício muito difícil, e
necessito de uns conselheiros que, igualmente, tereis que escolher entre vocês.

A Raposa estava confiante de ser a escolhida como a conselheira principal por haver
ajudado na nomeação do Leão como rei, mas os outros animais, conhecendo sua
malícia, tiveram medo de seus truques e escolheram o Urso, o Leopardo, o Lobo e a
Pantera; todos eles animais fortes, belos e valentes. E, sobretudo, leais ao rei, pois
eram de sua mesma condição de carnívoros.

Então, a Raposa, vendo-se excluída, mudou de estratégia e tomou a defesa dos pobres
animais que se nutrem de erva.

– E não seria melhor que escolhêssemos conselheiros animais humildes e pacíficos


como são o Elefante, o Javali e o Cordeiro? O rei Leão já é forte e poderoso; necessita
de conselheiros que sejam animais simples e pacíficos.

Essa defesa inesperada que a Raposa fez dos animais menosprezados pelo rei ao
escolher seu conselho agradou tanto aos animais que comem erva, que eles se
sentiram agradecidos e dispostos a seguir os conselhos da Raposa.

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Ela, para convencer o Elefante de que devia lutar para converter-se um dia em rei,
explicou-lhe uma fábula que dizia assim:

O Leão e a Lebre

Eis que uma vez, em um país distante, um Leão feroz aterrorizava todas as bestas do
território, pois cada dia comia uma delas, e todas viviam com a alma por um fio. Um
dia, decidiram negociar com o desalmado Leão:

– Te prometemos que cada dia encontrarás uma caça na entrada de tua cova se nos
assegurares de que nós estaremos livres de tua constante perseguição.

O Leão aceitou maravilhado aquele plano tão cômodo, e, desde então, cada noite as
outras bestas sorteavam entre elas a que devia ser a vítima na manhã seguinte.

Mas é aqui que, um dia, a má sorte recaiu em uma pequena Lebre, que se fez de difícil
na hora de ir à cova do Leão. Não lhe agradava, de nenhuma maneira, acabar seus
dias na barriga do Leão. Por isso, quando não teve escolha senão se aproximar da
cova, o Leão estava furioso, porque a fome lhe corroía as entranhas.

– Perdoai-me, senhor, pois, ao vir até aqui, me deparei com outro Leão que,
avidamente, queria me comer. Eu tive que convencê-lo de que isso era impossível,
pois já estava destinada a ser a vossa comida de hoje. Não consegui convencê-lo e tive
que correr o máximo que pude para escapar de suas garras.

– O Leão disse que era impossível que houvesse outro Leão na comarca.

– Se não quiserdes acreditar, vinde comigo e vereis – disse a Lebre.

O Leão, curioso e desconfiado, respondeu: “Pobre de ti se for mentira!” Mas se


apressou em seguir a pequena Lebre que corria à frente dele. A Lebre o conduziu a
um lago, grande e profundo, rodeado por um muro.

– Aqui está o Leão que queria me devorar.

O Leão espia por cima dos muros e fica surpreendido. Efetivamente, à sua frente,
olhando fixamente, há outro Leão. Abre a boca para comê-lo, e o outro também abre.
Então, furioso, se lança sobre o seu rival e, naturalmente, como o outro Leão era
apenas o seu reflexo, cai dentro d’água e se afoga.

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Dessa maneira, a pequena Lebre, animal herbívoro e muito humilde, não apenas se
salvou de uma morte certa, mas salvou também todas as bestas da região que estavam
destinadas ao sacrifício diário na goela do Leão.

O Elefante admirou a sabedoria da Raposa ao demonstrar como um Leão pôde ser


vencido pela astúcia. Mas, a cada dia, era maior o pânico que sentia do rei Leão e, por
nada no mundo, queria tentar destroná-lo ou substituí-lo.

O retorno do Boi

Quando a Raposa percebeu que não convencia o Elefante, procurou atrair o Boi, que,
tendo escapado da tirania do homem, havia há pouco retornado e andava fugindo da
presença do rei Leão por medo de que ele não perdoasse a sua deserção. A Raposa
lhe aconselhou que se apresentasse com toda a humildade para solicitar o perdão e
estava segura de que o rei lhe perdoaria.

E assim foi. O Leão não só lhe perdoou, como também o nomeou seu camareiro
maior, o que deixou o Boi enormemente agradecido, jurando fidelidade eterna ao rei.
A Raposa não gostou do que tinha acontecido, pois pretendia valer-se do Boi para se
vingar do Leão, desejosa de provocar sua queda.

A Raposa, astuta e má besta, vendo que não conseguia do Boi a traição que pretendia
inculcar-lhe, decidiu sacrificá-lo com suas artimanhas.

E eis que sendo aquele um inverno duríssimo, com muita neve e pouco alimento,
aproveitou a fome do rei para sugerir que ele comesse o Boi, pois era a maior besta
entre as muitas que existiam ao seu redor.

O rei, que apreciava o Boi, recusou indignado.

– Senhor, por acaso comeríeis o Boi se ele mesmo pedisse?

– Bem, se for assim, talvez aceitaria comê-lo.

Então, a Raposa, dissimuladamente, foi ao encontro do Boi e lhe disse que o rei estava
tão faminto que ela e o Corvo haviam decidido se sacrificar, oferecendo-se como
iguaria. Contudo, ela afirmaria que a carne do Corvo era ruim, e o Corvo, por sua vez,
diria que a da Raposa era venenosa.

– Se tu quiseres oferecer-te também, o rei ficará muito agradecido e emocionado de


ter tantos leais servidores. De minha parte, eu diria que tua carne é a menos saudável
de todas. E, assim, ele não colocaria os dentes em ninguém.

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O Boi achou o plano muito bom. O Corvo, que era o porteiro e tinha de avisar ao rei
se houvesse alguma besta para comer, já estava de acordo com a jogada proposta pela
malvada Raposa.

O Boi, com sua boa-fé e lealdade ao Leão, ficou muito feliz em poder demonstrar-
lhe, sem nenhum risco, sua predisposição ao sacrifício.

Tal como haviam combinado, apresentaram-se ao rei os três animais: o Corvo, a


Raposa e o Boi.

O rei os recebeu com simpatia. O Corvo se ofereceu como primeira comida, mas a
Raposa desaconselhou ao rei que comesse a carne do Corvo, pois era muito má.

– Comei a mim, bom senhor – disse a Raposa docemente. – Ofereço-me de todo


coração.

Mas o Corvo advertiu:

– Não o façais, senhor. O sangue da Raposa pode ser venenoso.

Então, o Boi disse:

– Senhor, se a comida que o Corvo e a Raposa vos oferecem não é boa para vós,
pensai que a minha é abundante e muito farta. Se tendes fome, disponde de mim,
senhor.

O Corvo e a Raposa calaram-se como mortos. Ninguém abriu a boca para advertir
que a carne do Boi era pouco saudável. O silêncio era tão convincente que parecia
afirmar o contrário, que as palavras do Boi eram verídicas, sua carne era abundante e
boa para comer.

Por outro lado, sendo o próprio Boi que se oferecia, o rei tinha o direito de aceitar.
E, assim, o devorou.

Mas também a Raposa teve o que merecia

Como vês, a Raposa seguia seu malvado plano, eliminando as bestas leais, e
conspirava a cada dia mais contra o rei. Faltava-lhe, porém, chegar ao triunfo final,
conquistando o trono. E voltou a intimidar o Elefante, prometendo-lhe a coroa se ele
a ajudasse a destronar o Leão. O Elefante não desejava reinar, mas não ousava

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contradizer a Raposa, porque temia sua condenação, de modo que aparentou estar
convencido. Mas procurou avisar ao rei.

– Convém que afastai a Raposa, é uma conspiradora e não me estranharia que


preparasse uma conspiração contra Vossa Majestade.

Mas o rei não se contentou com o que disse o Elefante sobre as armações da Raposa
e convocou outras bestas para que opinassem também. Os animais perderam o medo,
e todos se declararam contra a Raposa. O Coelho, o Pavão, o Corvo, o Porco Espinho
se manifestaram, contando as mil e uma trapaças da Raposa e como, por seu mau
conselho, o rei havia matado o bezerrinho e o jumentinho, havia comido o Boi e
como havia destroçado o lar do Leopardo, devorando sua fêmea e seus filhotes.

– Oh, senhor, meu rei. – ousava defender-se a Raposa – Isso não é de todo verdade,
pois sempre agia com boa intenção; tudo fazia com a finalidade do bem. Se provocava
o Elefante contra vós, era para provar se ele era fiel.

Mas, perante tanto cinismo, todos os animais, tanto carnívoros quanto herbívoros,
protestaram conjuntamente. E o rei decidiu matar a Raposa.

Desde então, o rei Leão reina em paz, rodeado de fiéis conselheiros e desprezando os
conselhos de falsos amigos.

E, para finalizar, contaremos o último exemplo que o Galo explicou sobre os


conselhos, bons ou maus, quando são indesejados:

No galho de uma árvore, viviam dois vizinhos e amigos: um Corvo e um Papagaio.


Perto deles, vivia um Macaco. Uma noite, as duas aves presenciaram algo estranho.
Embaixo da árvore, o Macaco tentava acender um fogo com um vagalume: colocava
lenha sobre o inseto e soprava com força.

– Que diabos estás fazendo? – perguntou o Papagaio. – Não vês que isso não é fogo?

O Macaco, sem fazer o menor caso, seguiu soprando com a maior vontade. O Corvo
disse ao Papagaio:

– O que te interessa? Ele te perguntou se é fogo ou não?

Cada noite se repetia a mesma coisa. O Macaco tentando acender a lenha em cima do
vagalume, o Papagaio buscando convencer-lhe de que era inútil tentar acender o fogo
e o Corvo querendo calar o Papagaio.

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Mas, uma noite, o Papagaio não aguentou mais. Impaciente, desceu da árvore para
demonstrar ao Macaco seu erro. O Macaco, furioso, lhe acertou com um tronco e o
matou.

O Corvo tinha razão. Não há que dar conselhos a quem não os quer.

Recebido: 07 de abril de 2021


Aprovado: 10 de junho de 2021

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