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O Conselho Da India e o Seu Papel No Pro
O Conselho Da India e o Seu Papel No Pro
(1604-1614)
Resumo
i
ABSTRACT
This dissertation intends, in the foreground, enter the Council of India in the
portuguese polissinodal complex and understand this organism within the Iberian and
the portuguese empire context. Created during the reign of Philip III of Spain in order to
promote counseling to guarantee the good government of the portuguese overseas area,
the Council of India worked for ten years (1604-1614), during which engaged in all
matters that it concerned with the portuguese spaces of the Atlantic and the Indian
Ocean. To understand that Counsil, we must understand the environment in which it
was created, who composed it and how it was conceived and received both by the
Castilian authorities as pre-existing administrative bodies in Portugal.
In one second place, more focused on the aspect of the history of portuguese
expansion, this thesis reveals the importance of studying the phenomenon of naming
captains to the Indian fortresses and understanding that when compared with previous
situations, and different stages of the portuguese empire. By studying the group of men
during his ten years of operation the Council of India chose to command the fortresses
of Goa, Diu, Hormuz, Malacca and Bassein we can see the social aspect of this empire,
and find points on which it is changed, or not, over the years, and relate these
disruptions and / or continuities with the lived circumstances.
Key-words: Iberian union, Indian Portuguese State, Counsil of India, Indian Fortresses,
Captains of Indian fortresses.
ii
Agradecimentos
iii
Índice
Introdução p.1
iv
V. 3. O tempo longo: de D. João III a Filipe III p.93
V. 4. 3. Os nomeados p.112
Conclusão p.126
Anexos p.144
v
Siglas e Abreviaturas
vi
Introdução
1
Cf. Francisco Mendes da Luz, “Casa de Ceuta”, in Joel Serrão (dir.), Dicionário de História de
Portugal, Lisboa, Iniciativas Editoriais, 1971, Volume I, p. 560.
2
João Paulo Oliveira e Costa, Henrique, O Infante, Lisboa, A Esfera dos Livros, 2013, p. 116.
3
Paulo Drumond Braga, “A expansão no Norte de África”, in Oliveira Marques e Joel Serrão (coord.),
Nova História da Expansão Portuguesa, Volume II, A expansão quatrocentista, 1998, p. 314.
1
enorme relevância na tarefa de ligação entre Portugal e as primeiras conquistas no norte
de África.
Com o avanço dos portugueses pela costa africana e com a consolidação da sua
presença nessas partes, a Casa da Guiné passará a abarcar também os negócios da Mina,
tendo passado a ser designada Casa da Guiné e Mina, ou apenas Casa da Mina.
No que toca aos assuntos da Índia, estes encontraram-se, numa primeira fase, a
cargo da Casa da Guiné e Mina, surgindo as designações Casa da Guiné e Índia, Casa
da Mina e Índias ou Casa da Guiné, Mina e Índia. Não é explícito se estamos perante
uma ou duas instituições. No entanto, como argumenta Carlos Alberto Geraldes, esta é
uma discussão secundária, uma vez que, fosse como fosse, “esta instituição surge como
um todo, centralizada a acção directiva na pessoa do Feitor, comum às duas Casas se
assim se considerarem, e a acção monetária na do Tesoureiro do dinheiro”6. Fruto de
uma constante necessidade de especialização e divisão do trabalho relacionado com os
assuntos ultramarinos, a Casa da Índia irá em pouco tempo constituir-se como “centro
de negócios de tudo o que se relaciona com o Oriente assim como da administração
ultramarina, embora de início servisse apenas de depósito de mercadorias e alfândega”7.
4
Joel Serrão, Dicionário de História de Portugal, Porto, Livraria Figueirinhas, 1992, Volume III, p. 301.
5
Ibidem, p. 301.
6
Carlos Alberto Geraldes, Casa da Índia – Um estudo de estrutura e funcionalidade (1509-1630), Tese
de Mestrado apresentada à FL-UL, 1997, p. 5.
7
Ibidem, p. 7.
2
Fazenda – posteriormente transformadas, como repetiremos adiante, num Conselho – e
da Mesa da Consciência e Ordens.
8
João Paulo Oliveira e Costa, Mare Nostrum, Lisboa, Temas e Debates, 2013, p. 111.
9
A escolha de Sevilha em detrimento de outras cidades portuárias não terá sido linear, havendo projectos
concorrentes ao seu, como é o caso de Cádiz ou da Corunha. Opta-se, no entanto, pela instituição de uma
política de monopólio – também este instituído depois de um processo não linear –, que tornava Sevilha o
centro coordenador da gestão náutica, comercial e financeira de todos os assuntos relacionados com as
Índias de Castela.
10
Escreve Comellas que é Francisco de Pinelo que sugere aos Reis Católicos a criação de um organismo
“similar” ao que já funcionava em Lisboa. No entanto, não cita qualquer documento que o prove. Cf. José
Luís Comellas, Sevilla, Cádiz y América: el trasiego y el tráfico, Madrid, Mapfre, 1992, p. 57.
3
que, a longo prazo, permitiu a manutenção da sua individualidade. Pelo contrário, com
um território fragmentado e fronteiras instáveis que condicionavam a sua política
interna, além de territórios em diversos pontos da Europa que conferiam a Castela o
prestígio que Portugal só podia encontrar no seu império ultramarino, Castela vê
durante muito tempo os seus domínios extra-europeus quase que num segundo plano
das suas políticas. Além disso, as diferenças entre os territórios ultramarinos de uma e
outra coroa promoveram também diferentes abordagens e diferentes necessidades de
gestão, sendo os territórios das índias de Castela passíveis de ser colonizados e
explorados de uma forma que requeria menos intervenção régia do que aqueles em que
os portugueses se estabeleceram. O que a coroa castelhana tem necessidade de fazer,
mais que controlar o seu império desde o reino, é decalcar os seus organismos
administrativos e colocá-los em funcionamento no outro lado do Atlântico; pelo
contrário, os portugueses encontram no Índico sociedades estabelecidas e com um
elevado grau de desenvolvimento, e permitem que assim se mantenha e, no Atlântico,
uma total ausência de urbanização e instâncias governativas. Tais diferenças fazem com
que sejam diferentes os sistemas de governo utilizados pelas coroas, e as necessidades
sentidas pelos administradores da época, o que leva à instituição de diferentes modelos
governativos e políticos.
4
díspar – o português, até meados do século XVI essencialmente marítimo e comercial, e
o castelhano desde sempre direccionado para a colonização e a territorialização –, e de
instituições que respondiam às necessidades concretas de um e de outro.
11
Fernanda Olival, D. Filipe II: de cognome o Pio, Lisboa, Temas e Debates, 2008, p. 163.
12
Jean-Frédéric Schaub, Portugal na monarquia hispânica: (1580-1640), Lisboa, Livros Horizonte,
2001, p. 29
13
Ibidem, p. 29.
5
desenhando desde o reinado dos Reis Católicos. Explicita Fernanda Olival que estas
reformas eram práticas recorrentes, que tinham como intuito primordial “restituir a
forma e estado que se perdeu ou de que se apartou” das instituições existentes14.
Por tal, a presente dissertação está dividida em duas partes. Na primeira, de cariz
geral, enquadramos o Conselho da Índia no momento em que existiu, no lugar onde se
posicionou e no tipo de pessoas que o compuseram e presidiram15. Para concretização
de tais objectivos há pois que ter em conta a conjuntura do império português, recuando
até ao início da união dinástica; perceber o processo de institucionalização do Conselho,
através da análise do seu Regimento, da rota a que a burocracia passava a estar sujeita, e
dos problemas jurisdicionais que advieram desta criação, uma vez que para as
instituições que até aí se encontravam encarregues da análise das matérias ultramarinas,
a centralização que o Conselho da Índia promoveu revelou-se como uma perda de
14
Fernanda Olival, D. Filipe II, ... op. cit., 2008, p. 216.
15
Deixamos fora da nossa análise os motivos que levaram à extinção do Conselho da Índia pelo facto de
estarmos perante uma dissertação que se foca essencialmente no modo de agir deste organismo no que diz
respeito a um fenómeno concreto, como teremos oportunidade de demonstrar. Por isso, mais que a sua
extinção e os motivos dela, teremos em conta o seu tempo de exercício.
6
prestígio e poderes, que levantará diversos conflitos; ter em conta, no respeitante aos
presidentes do Conselho, que as suas ligações profissionais e pessoais merecem ser
analisadas detalhadamente. Uma vez que nos encontramos perante três homens que
haviam desempenhado funções de topo no Estado da Índia, procuraremos compreender
a sua governação, que medidas tomaram no Índico e como era a sua relação tanto com
os reinos asiáticos como com os funcionários da coroa a desempenhar funções naqueles
territórios. Por outro lado, as carreiras dos conselheiros e dos secretários permitem-nos
perceber que tipo de conhecimento era privilegiado no Conselho – e, assim, que
matérias se revelariam mais importantes –, mas também inserir este novo organismo na
hierarquia do sistema polissinodal português.
16
Diogo do Couto, Da Ásia, Lisboa, Livraria San Carlos, 1974, Década X, Livro 1, Capítulo III.
7
A nossa principal base documental são, pois, as cartas de nomeação dos capitães
das referidas capitanias, num total de noventa e nove em todo o reinado de Filipe II e de
trinta e quatro no tempo do Conselho da Índia, e inseridas nos seus Livros de
Chancelaria. Esta documentação permite-nos perceber as motivações de cada
nomeação, a ascendência de alguns dos nomeados ou ainda que serviços teriam sido
anteriormente prestados pelo nomeado ou pelos seus familiares mais directos. Apesar da
relevância inequívoca das Consultas das reuniões do Conselho da Índia para quem
queira perceber a sua dinâmica de funcionamento, estas não nos permitem conhecer a
posição de cada um dos homens do Conselho, uma vez que não são descritivas do voto
de cada um em cada posição tomada. No estudo exaustivo que fez a propósito do
Conselho de Portugal, Santiago de Luxán afirma não ter encontrado casos em que as
instâncias superiores do Conselho da Índia tenham remetido ao monarca opinião
diferente da do Conselho17. Por tal, e uma vez que nos encontrámos impossibilitados de
explorar os arquivos de Simancas e Madrid de uma exaustiva, que nos poderia permitir
compreender de que forma a opinião dos conselheiros da Índia era tratada até se
formalizar a decisão final, seguiremos a indicação do autor, supondo que os capitães
nomeados pelo rei terão sido aqueles que foram propostos pelo Conselho da Índia,
salvaguardando no entanto que um conhecimento mais aprofundado destes arquivos nos
pode sempre dar respostas diferentes.
17
Cf. Santiago de Luxán Meléndez, La revolución de 1640 en Portugal, sus fundamentos sociales y sus
caracteres nacionales. El Consejo de Portugal. 1580-1640, Madrid, Universidade Complutense de
Madrid, 1988.
18
Esta é uma questão aliás largamente debatida historiograficamente, havendo, grosso modo, duas
posições possíveis. Por um lado, há historiadores que defendem que Castela pretendia, de forma
deliberada, castelhanizar a monarquia, impondo os seus métodos de governo e política; por outro, há
quem afirme que, mais que um projecto determinado de imposição, o que aconteceu foi uma tentativa de
agilizar o despacho dos negócios no seu conjunto, recorrendo-se a métodos variados e a tradições não só
castelhanas, mas também de outras partes da monarquia.
8
Não se esgota aqui, portanto, o estudo do Conselho da Índia. Em trabalhos
futuros será ainda necessário compreender até que ponto este organismo se poderá ter
constituído como criador de medidas e políticas, ou se apenas manteve funções
consultivas, numa época de crescente disputa entre defensores da promoção de um
império mais territorial e efectivo e aqueles que defendiam a manutenção do seu cariz
comercial e marítimo. No mesmo seguimento, perceber se este organismo desempenhou
um papel de elo de comunicação entre os impérios português e espanhol, especialmente
se tivermos em conta as diferenças latentes entre ambos os impérios, agora destinados a
um funcionamento que, ainda que se previsse separado, deveria ser coordenado e
minimamente articulado.
9
Capítulo I
19
Francisco Mendes da Luz, O Conselho da India: contributo ao estudo da história da administração e
do comércio do ultramar português nos princípios do século XVII, Lisboa, Agência Geral do Ultramar,
1952, pp. 13-14.
20
Ibidem, pp. 17-18.
10
colonial: o Conselho Real e Supremo das Índias”21. Refere também a perda de
autonomia deste Conselho quando, no reinado de Filipe II deixa de ter “a prerrogativa
da administração da fazenda e dinheiros resultantes das possessões espanholas”22 que
passam a estar sob a tutela do Conselho da Fazenda, e a criação, em 1600, do Conselho
da Câmara das Índias, a quem caberia a tarefa de “consultar sobre o provimento dos
vários cargos e mercês dos territórios do ultramar”23, tornando-se pois um instrumento
privilegiado para a manutenção da rede de poder desenhada pelo valido. Nada diferente,
portanto do que anteriormente afirmámos. No entanto, nota-se por parte de Mendes da
Luz, a ausência de um pensamento mais crítico e aprofundado sobre o assunto, além de
da falta de estabelecimento de comparação entre este Conselho e aquele que em 1604
foi criado em Portugal, algo claramente relevante, uma vez que se trata de dois
organismos que, criados pela mesma tradição administrativa, se destinavam ao
tratamento dos mesmos assuntos, ainda que em reinos diferentes, e sobre territórios
diferentes.
Seguindo a sua obra dando atenção aos órgãos previamente existentes que teriam
uma relação conflituosa com o Conselho da Índia, a saber, o Conselho da Fazenda, o
Desembargo do Paço e a Mesa da Consciência e Ordens, o autor opta por traçar uma
breve história dos mesmos. Escreve que o Conselho da Fazenda foi “o que mais
combateu o Conselho da Índia, sobretudo quando este se pronunciava sobre qualquer
assunto referente às armadas, ao comércio, ou aos rendimentos do ultramar e respectiva
administração. Os membros do Conselho da Fazenda sentiam-se lesados nas suas
prerrogativas e receavam perder a influência de que disfrutavam em semelhantes
matérias”24. Retomará o assunto algumas páginas depois, onde estuda com mais detalhe
estes conflitos. Relativamente à Mesa da Consciência e Ordens, refere que “quando pois
21
Ibidem, pp. 25-26.
22
Ibidem, p. 26.
23
Ibidem, p. 28.
24
Ibidem, p. 86.
11
pela existência de um conselheiro eclesiástico no Conselho da Índia se pretende
centralizar toda a administração religiosa do ultramar, os deputados da Mesa da
Consciência serão dos primeiros em criar dificuldades de atribuições ao novo Tribunal e
a reclamar junto do rei pela perda de suas antigas prerrogativas”25. No que aos conflitos
com o Desembargo do Paço diz respeito, nada é escrito.
25
Ibidem, pp. 92-93.
26
BA, 51-VI-54, fl. 69-77.
12
jurisdições que passaram nesse ano ao novo tribunal. Nas cerca de dez páginas que
dedica ao Conselho da Índia, pouco acrescenta à obra de Mendes da Luz. Nota-se neste
caso, mais do que na obra dos anos cinquenta, o peso ideológico do autor, e da época
em que escreve, especialmente quando se refere ao processo de união de Portugal à
monarquia católica como usurpação ou dominação27.
27
Cf. Marcello Caetano, O Conselho Ultramarino: esboço da sua história, Lisboa, Agência-Geral do
Ultramar, 1968, p. 27.
28
Cf. Fernando Bouza Álvarez, Portugal en la Monarquía Hispánica (1580-1640): Felipe II, las Cortes
de Tomar y la génesis del Portugal católico, Madrid, Universidade Complutense, 1987, pp. 209-210.
29
Pedro Cardim, “Política e identidades corporativas no Portugal de D. Filipe I”, in Amélia Polónia,
Jorge Martins Ribeiro, Luís Oliveira Ramos (coord.), Estudos em homenagem a João Francisco
Marques, Porto, Faculdade de Letras da Universidade do Porto, 2001, p. 279.
30
Cf. Fernando Bouza Álvarez, Portugal en la Monarquía Hispánica .... op. cit., 1987, pp. 220-266.
13
sendo a consertação a melhor forma de ganhar o reino31. O processo de anexação de
Portugal teria então de passar pela concessão de privilégios a cada um dos estratos
sociais, de modo a aumentar o poder de atractividade da monarquia hispânica e a tornar
a união algo desejado e vantajoso. Deste modo, o monarca optou por conferir a Portugal
um estatuto de autonomia bastante considerável, quando comparado com as situações de
outras parcelas territoriais da monarquia, mas esta perda do poder real quando
comparada com as vantagens que o reino português e os territórios ultramarinos deste
podiam trazer ao projecto de Filipe II, parecia “comprar barato” 32.
31
Cf. Ibidem, p. 239.
32
Ibidem, pp. 240-241. As citações feitas pelo autor são retiradas de Advertimiento dado a Su Majestade
por cierta persona zelosa de su serviçio sobre los negocios de Portugal a último de Mayo 1579, Archivo
General de Simancas, Estado 406, Fol. 167.
33
Memorial de Pero Roíz Soares, citado por Joaquim Veríssimo Serrão, História de Portugal, Volume
IV, p. 21. A mesma ideia é enfatizada por Maria Luísa da Gama que, em Dissertação sobre o Conselho de
Portugal no período pós-Restauração, refere um processo de “profunda renovação no estudo e
conhecimento de determinados períodos, dos quais se destaca a União Dual e a Restauração”,
proporcionada por uma revolução do “entendimento do Portugal Moderno, numa área tão vasta e
diversificada como a da Monarquia e das suas instituições”, Maria Luísa da Gama, O Conselho de Estado
no Portugal Restaurado - Teorização, Orgânica e exercício do poder político na corte brigantina (1640-
1706), Tese de Mestrado apresentada à FL-UL, 2011, pp. 13-15.
34
Afonso Guerreiro, Das festas que se fizeram na cidade de Lisboa, na entrada del Rey D. Philippe
primeiro em Portugal, Lisboa, Francisco Correia, 1581, Capítulo XXVII.
35
Cf. Santiago de Luxán Meléndez, La revolución de 1640 en Portugal, sus fundamentos sociales y sus
caracteres nacionales. El Consejo de Portugal. 1580-1640, Madrid, Universidade Complutense de
Madrid, 1988.
14
Almeida Borges38. São quatro dissertações cujos principais focos de interesse são
totalmente díspares: o primeiro foca o funcionamento do Conselho de Portugal junto
dos reis castelhanos, as sucessivas reformas de que foi alvo, e o seu papel de
coordenação entre Lisboa e Madrid; o segundo, por sua vez, versa sobre Os Secretários
e o Estado do Rei: Luta de corte e poder político nos séculos XVI e XVII; o terceiro
tem como principal tema o Brasil português durante o período da união ibérica; por fim,
o último destes estudos baseia-se na conflito de Ormuz, relacionando-o com a
integração de Portugal e do seu império nos territórios da Monarquia Católica.
36
Cf. André da Silva Costa, Os secretários e o Estado do Rei: Luta de corte e poder político (sécs. XVI-
XVII), Tese de Mestrado apresentada à FCSH-UNL, 2008.
37
Cf. Guida Marques, L’invention du Bresil entre deux monarchies, Gouvernement et pratiques
politiques de l’Amérique portugaise dans l’union ibérique (1580-1640), Tese de Doutoramento
apresentada à École des Hautes Études en Sciences Sociales de Paris, 2009.
38
Cf. Graça Almeida Borges, Um império ibérico integrado, A união ibérica, o Golfo Pérsico e o império
ultramarino português, 1600-1625, Tese de Doutoramento apresentada à Universidade Europeia de
Florença, 2014.
39
Santiago de Luxán Meléndez, La revolución de 1640 en Portugal .... op. cit., 1988, pp. 210-211.
15
Filipe III terá mesmo concordado com esta posição de Cristóvão de Moura no sentido
da extinção do Conselho da Índia40, ainda que não tenha tomado diligências nesse
sentido e que, inclusivamente, alguns anos mais tarde, tenha requerido um novo
Regimento para o Conselho. Santiago de Luxán afirma ainda que a existência do
Conselho da Índia é também consolidada pela nomeação de João Furtado de Mendonça
para a sua presidência. Apesar de ser uma conclusão pertinente, uma vez que, de facto,
no ano de 1608 se procede à nomeação de novo presidente para o Conselho, e que de
facto esta nomeação deve ser vista desta forma, a informação está incorrecta, uma vez
que o nomeado não é Furtado de Mendonça, mas sim D. Francisco da Gama, 4º Conde
da Vidigueira. Além disso, Furtado de Mendonça é também, de facto, nomeado para
integrar o Conselho no mesmo ano de 1608, mas enquanto Conselheiro de Capa e
Espada, em substituição de Pedro de Mendonça Furtado.
Por sua vez, versando o seu trabalho sobre os secretários, André da Silva Costa
foca-se essencialmente na relação destes com o Conselho da Índia e, em particular, no
projecto do Novo Regimento do Conselho, na medida em que este previa um aumento
significativo do poder dos secretários, quando comparado com o Regimento de 1604.
Refere a criação deste Conselho como “parte de um movimento mais vasto de
recrudescimento dos conselhos mas também como resposta à necessidade de voltar a
criar correspondência entre os órgãos da Monarquia em Valhadolid e o “despacho” em
Lisboa”41. Além disto, André Costa foca a sua análise do Conselho em três momentos-
chave. O primeiro, no ano de 1604, quando se dá ordem a Diogo Velho para que
entregue ao Conselho todos os papéis relacionados com a administração do império
português; o segundo entre 1610 e 1614, durante o qual Rui Dias de Meneses, nomeado
Secretário de Estado da Repartição da Índia, Brasil, Mina e Guiné, “remetia
habitualmente ao Conselho da Índia para “despacho” as “matérias de Estado” relativas
às conquistas, controlando de perto a informação sobre contratos e arrematações”42. Em
terceiro lugar, o ano de 1614, quando “foi recuperado provisoriamente o cargo de
40
Exige, no entanto, que se recompensasse os Conselheiros do Conselho da Índia pela cessação de
funções do Conselho. Assim, “en la propuesta Moura, los dos caballeros de capa y espada pasarían al
Consejo de Estado, que vería aumentada de este modo, su capacidad en este tipo de asuntos. Los letrados
se despacharían enviando a Sebastião Barbosa a ocupar la plaza de Canciller de la Relación de Oporto, y
manteniendo el ordenado a Francisco Vaz Pinto, mientras se le buscaba mejor acomodo”, ibidem, p. 213.
41
André da Silva Costa, Os secretários .... op. cit., 2008, p. 116.
42
Ibidem, p. 119.
16
“Secretário do Estado da Índia”, exercido por oficiais como Pedro da Costa, António
Velles de Cimas ou António Campelo”43.
Por fim, tenhamos em conta o trabalho de Graça Borges, que dedica todo um
capítulo ao Conselho da Índia e à forma como este organismo serviu como meio de
integração do império português no seio da Monarquia Católica. Antes de abordar
concretamente a criação do Conselho, a historiadora ocupa-se da caracterização de
outros meios da cadeia decisória que se encontrava entre Portugal e o centro político da
43
Ibidem, p. 117.
44
Biblioteca de Londres, Add.28424, fl. 143, citado por Guida Marques, L’invention du Bresil .... op cit.,
2009, p. 257.
45
“D’aucuns ont considéré l’émergence de ce conseil, comme une preuve de l’hégémonie castillane au
Portugal, en considérant qu’il avait été érigé sur le modèle du Consejo de indias castillan. En réalité, le
Conselho da India diffère de son homologue castillan, tant dans sa composition que dans son mode de
fonctionnement. Une distinction fondamentale entre les deux institutions réside notamment dans la
prééminence que conserve le conselho da fazenda portugais, en matière de finances”, Ibidem, p. 258.
46
A este propósito, cita documentação até então ainda não referida, como é o caso, por exemplo, de uma
relação sobre a jurisdição do Conselho da Índia com o da Fazenda datada do Verão de 1609 e passível de
ser consultada em Archivo General de Simancas, SP, 1500, fl. 62v; ou de uma consulta do Conselho da
Fazenda onde se apresenta a queixa de que o Conselho da Índia se encontrava “furtando o rosto” do da
Fazenda, esta datada de Novembro de 1613, e presente igualmente em Archivo General de Simancas, SP,
1472, fl. 442.
17
Monarquia Hispânica: o Vice-Rei, o Conselho de Portugal e as Juntas de Governo.
Foca-se também na reforma e adaptação das finanças do império e da monarquia, e na
forma como se lidava politicamente com a ausência do rei.
Desde os anos cinquenta, altura em que foi editada a obra fundadora sobre o
Conselho da Índia, a historiografia sofreu inúmeras revisões com o surgimento de novas
47
Graça Almeida Borges, Um império ibérico integrado .... op. cit., 2014, p. 83.
48
Ibidem, p. 93.
49
Ibidem, p. 103.
50
Ibidem, p. 104.
18
correntes de análise, novas visões e novas teorias. Por esse motivo, chamamos a atenção
não só para a necessidade de ser levada a cabo uma revisão deste estudo de Mendes da
Luz, mas também para o facto de que, enquanto obra fundadora, não deva ser colocada
de lado, mas sim analisada cuidadosamente e aos olhos das correntes historiográficas
actuais.
51
Cf. Pedro Cardim, Leonor Freire Costa; Mafalda Soares da Cunha (coord.), Portugal na monarquia
hispânica: dinâmicas de integração e conflito, Lisboa, CHAM- CIDEHUS-GHES, 2013.
52
Cf. Santiago Martínez Hernández, El Marqués de Velada y la corte en los reinados de Felipe II y
Felipe III: nobleza cortesana y cultura política en la España del Siglo de Oro, Valladolid, Junta de
Castilla y León, Consejería de Cultura y Turismo, 2004. Idem (coord.), “Aristocracia y gobierno:
aproximación al cursus honorum del Marqués de Velada, 1590-1666”, in La declinación de la monarquía
hispánica en el siglo XVII: Actas de la VIIa Reunión Científica de la Fundación Española de Historia
Moderna, Volume 1, Cuenca, Ediciones de la Universidad de Castilla-La Mancha, 2004, pp. 155–158.
Idem (coord.), Governo, Política e Representações do poder no Portugal Habsburgo e nos seus
territórios ultramarinos (1581-1640), Lisboa, CHAM, 2011.
53
Cf. Fernanda Olival, D. Filipe II: de cognome o Pio, Lisboa, Temas e Debates, 2008. Idem, “La
economia de merced en la cultura política del Portugal Moderno”, in Francisco José Aranda Pérez, José
Damião Rodrigues, (coord.), De re publica Hispaniae: una vindicación de la cultura política en los
reinos ibéricos en la primera modernidad, Madrid, Sílex, 2008, pp. 389-408. Idem, “Economía de la
merced y venalidad en Portugal (siglos XVII e XVIII)”, in El poder del dinero: ventas de cargos y
honores en el Antiguo Régimen, Madrid, Biblioteca Nueva, 2011, pp. 345–357.
19
Há que referir também a forma como o poder central passou a ser estudado. Na
década de oitenta, escrevia António Manuel Hespanha que “a perspectiva tradicional –
que, ao estudar o poder central, centrava toda a atenção sobre a pessoa do rei – deixava
perder uma série de enfoques de extraordinária riqueza no plano da explicação
histórica”54. De facto, nos últimos anos temos vindo a assistir a uma inversão da
tendência de olhar para o rei como única fonte de poder, passando-se a perspectivá-lo
como “pólo onde se cristalizam ou por onde se canalizam as pretensões de poder de
grupos”55. Seguindo a mesma ordem de ideias, refere Maria Luísa da Gama, acima
citada, que “Conselhos, Tribunais, Secretarias e cargos palatinos afiguram-se como
importantes polos de poder e de grande destaque dentro da corte, dando aos que neles
tinham assento grande protagonismo não só político mas também social, permitindo-
lhes, deste modo, intervir nas questões governativas”56. É por esse motivo que os órgãos
da administração central que funcionavam ao lado do rei, ou com este à sua cabeceira,
têm ganho gradualmente a atenção dos historiadores, aumentando a “tendência para
procurar definir tipologias da organização e da acção administrativas”57. Tal ganha
particular relevo se estivermos a falar da dinâmica de poder do século XVII, uma vez
que até aí, apesar da existência de órgãos consultivos, era ainda a vontade pessoal do rei
que prevalecia.
54
António Manuel Hespanha, História das instituições: épocas medieval e moderna, Coimbra, Almedina,
1982, p. 332.
55
Ibidem, pp. 332-333.
56
Maria Luísa da Gama, O Conselho de Estado .... op. cit., 2011, pp. 16-17.
57
António Manuel Hespanha, História das instituições .... op. cit, 1982, p. 333.
58
Cf. Edval de Souza Barros, Negócios de tanta importância: o Conselho Ultramarino e a disputa pela
condução da guerra no Atlântico e no Índico (1643-1661), Lisboa, Centro de História de Além-Mar,
2008.
59
Cf. António Manuel Hespanha, As vésperas do Leviathan: instituições e poder político Portugal, séc.
XVII, Coimbra, Almedina, 1994. Idem, História das instituições: épocas medieval e moderna, Coimbra,
20
A historiografia recente dos impérios ultramarinos português e castelhano no
Índico conta com obras de relevância, como a de Rafael Valladares sobre o
funcionamento individual e coordenado de ambos os impérios, que nos permite
entender de que forma a união de coroas modificou a conjuntura política e militar nestes
lugares, como o Estado da Índia foi encarado pelos monarcas hispânicos e como se
relacionaram as entidades governativas lusas e castelhanas no Índico60. Sanjay
Subrahmanyam, na mesma linha, deixa-nos uma obra completa, abrangendo cerca de
dois séculos da história política, social, económica e militar dos portugueses na Ásia 61.
Também João Paulo Oliveira e Costa se tem dedicado ao estudo da construção – e dos
construtores – do império português no século XVI, com especial incidência nos
territórios asiáticos, contribuindo com obras como a História da Expansão Portuguesa,
a colectânea de estudos Mare Nostrum e, com Vitor Luís Gaspar Rodrigues, Portugal y
Oriente: el proyecto indiano del rey Juan62.
Almedina, 1982. Idem, História de Portugal moderno político e institucional, Lisboa, Universidade
Aberta, 1995.
60
Cf. Rafael Valladares, Castilla y Portugal en Asia, 1580-1680: declive imperial y adaptación, Leuven,
Belgium, Leuven University Press, 2001.
61
Sanjay Subrahmanyam, O império asiático português, 1500-1700, Uma história política e económica,
Lisboa, DIFEL, 1995.
62
Cf. João Paulo Oliveira e Costa, Henrique, o Infante, Lisboa, A Esfera dos Livros, 2013. Idem, Mare
Nostrum, Lisboa, Temas e Debates, 2013. Idem (coord.), História da expansão e do Império português,
Lisboa, A Esfera dos Livros, 2014. Idem, Vitor Luís Gaspar Rodrigues, Portugal y Oriente: el proyecto
indiano del rey Juan, Madrid, Mapfre, 1992.
63
Cf. Jean-Frédéric Schaub, Portugal na monarquia hispânica: (1580-1640), Lisboa, Livros Horizonte,
2001, p. 10. Veja-se ainda Idem, “La Monarquía Hispana en el Sistema Europeo de Estados”, in Antonio
Feros; Juan Gelabert (coord.), España en Tiempos del Quijote, Madrid, Taurus, 2004, pp. 97-128.
21
Portugal en la Monarquía Hispánica (1580-1640): Felipe II, las Cortes de Tomar y la
génesis del Portugal católico64.
São estes os principais autores que nos últimos anos trouxeram à estampa novas
ideias historiográficas e novas maneiras de analisar e escrever o passado, e que hoje se
revelam fulcrais para que possamos revisitar a obra de Mendes da Luz.
64
Cf. Fernando Bouza Álvarez, D. Filipe I, Lisboa, Temas e Debates, 2008. Idem, Portugal en la
Monarquía Hispánica (1580-1640): Felipe II, las Cortes de Tomar y la génesis del Portugal católico,
Madrid, Universidade Complutense, 1987. Idem, Portugal no tempo dos Filipes: política, cultura,
representações (1580 - 1668), Lisboa, Cosmos, 2000. Idem, Felipe II y el Portugal “dos povos”:
imagenes de esperanza y revuelta, Valladolid, Universidad de Valladolid, Secretariado de Publicações e
Intercâmbio Editorial, 2011. Idem, Antonio Feros, Juan Eloy Gelabert González (coord.), España en
tiempos del Quijote, Madrid, Taurus, 2004.
65
Cf. Antonio Feros, “Twin Souls: Monarchs and Favorites in Early Seventeenth-Century Spain”, in
Richard L. Kagan, Geoffrey Parker, Spain, Europe and Atlantic World, Essays in Honour of John H.
Elliott, Cambridge University Press, Cambridge, 1995, pp. 27-47. Idem, Kingship and favoritism in the
Spain of Philip III, 1598-1621, Cambridge, Cambridge University Press, 2000. Idem, Realeza y Privanza
em la España de Felipe III, Madrid, Marcial Pons, 2002. Idem, “”Por Dios, por la Patria y el Rey”: el
mundo político en tempos de Cervantes”, in Idem, Juan Gelabert (coord.), España en Tiempos del
Quijote, Madrid, Taurus, 2004, pp. 61-96. Idem, “El duque de Lerma: Valimiento y Construcción de un
Nuevo Paradigma Político”, in Antonio Escudero (coord.), Los validos, Madrid, Dyckinson, 2004, pp. 63-
80.
66
Cf. Bernardo José García, La Pax Hispánica: Política Exterior del Duque de Lerma, Lovaina, Leuven
University Press, 1996, p. IX.
67
Cf. Pedro Cardim, Cortes e Cultura Política no Portugal do Antigo Regime, Lisboa, Cosmos, 1998;
Idem, “Política e identidades corporativas no Portugal de D. Filipe I”, in Amélia Polónia, Jorge Martins
Ribeiro, Luís Oliveira Ramos (coord.), Estudos em homenagem a João Francisco Marques, Porto,
Faculdade de Letras da Universidade do Porto, 2001; Idem, Tamar Herzog, José Javier Ruíz Ibáñez,
Gaetano Sabatini (coord.), Polycentric Monarchies. How did Early Modern Spain and Portugal Achieve
and Maintain a Global Hegemony?, Eastbourne, Sussex Academic Press, 2012; Idem, Leonor Freire
Costa, Mafalda Soares da Cunha (coord.), Portugal na monarquia hispânica: dinâmicas de integração e
conflito, Lisboa, CHAM-CIDEHUS-GHES, 2013; Idem, Jean-Frédéric Schaub, Portugal unido y
separado: Felipe II, la unión de territorios y el debate sobre la condición política del Reino de Portugal,
Valladolid, Edições da Universidade de Valladolid, 2014.
22
Capítulo II
O Conselho da Índia
23
compreendida entre São Vicente e a Foz do Amazonas, a fundação de São Paulo, a
definitiva expulsão dos franceses da Guanabara em 1565 e o avanço para o sertão com o
desenvolvimento dos movimentos bandeirantes e o consequente aumento da zona
explorada pelos portugueses. O Brasil é, a partir dos anos vinte do século XVI, um
espaço em evolução, que começa a demonstrar o seu dinamismo.
69
Cf. João Paulo Oliveira e Costa, História da Expansão .... op. cit., 2014, p. 172.
70
Cf. Fernando Bouza Álvarez, Portugal en la Monarquía Hispánica .... op. cit., 1987, p. 639.
71
Cf. Ibidem, p. 640.
72
Cf. Ibidem, p. 640.
73
Cf. Rafael Valladares, Castilla y Portugal en Asia, 1580-1680: declive imperial y adaptación, Leuven,
Belgium, Leuven University Press, 2001, p. 2.
24
um número concreto. Tenhamos em conta as obras de Gândavo (1570) e Anchieta
(1585).
Em primeiro lugar, há que explicar que o termo “vizinhos” é um termo que, não
tendo por detrás qualquer intuito de contabilidade demográfica efectiva, remete-nos
apenas para aqueles que detinham responsabilidades militares e de governança e, nesse
sentido, deve assumir-se que o número de vizinhos seria certamente inferior ao da
população efectiva, uma vez que exlui as mulheres, as crianças e os mais idosos.
74
Cf. James Walvin, Uma história da escravatura, Lisboa, Tinta da China, 2008, p. 108.
75
Ibidem, p. 109.
25
século XVII havia já quem dissesse que se estava a criar uma nova Guiné no território
brasileiro, pela “grande multidão de escravos vindos dela”76.
76
Joaquim Romero Magalhães, “A construção do espaço brasileiro”, in História da Expansão Portuguesa
.... op. cit., Volume 2, 1998, p. 35.
77
Stuart Schwartz, “A “Babilónia” colonial: a economia açucareira”, in História da Expansão Portuguesa
.... op. cit., Volume 2, 1998, p. 214.
26
centros78, associada a um decréscimo do crescimento populacional e produtivo de
capitanias como Itamaracá, Ilhéus, Porto Seguro e São Vicente. Segundo nos mostram
textos coevos, entre 1570 e 1583 o número total de engenhos no Brasil sobe de 60 para
o dobro. Chegando a 1612, os engenhos em funcionamento seriam já perto de duzentos,
dos quais 140 se encontravam nestas duas capitanias. Nota-se nesta altura um grande
desenvolvimento no Rio de Janeiro, que passa de 3 engenhos em 1583 para 14 em
161279. Nas vésperas da invasão neerlandesa em Olinda, os engenhos de açúcar seriam
totalizados em cerca de 350, dos quais a maior parte continuaria em Pernambuco, com
150 e na Bahia, com 80 engenhos80.
78
Esta concentração acontece, em grande parte, por três factores decisivos. Em primeiro lugar, por
motivos de defesa, uma vez que quanto maior o núcleo português, mais facilmente seria defensável; de
ataques de índios; em segundo lugar, para evitar processos de dispersão da população portuguesa em solo
americano, uma hipótese que sempre preocupou as autoridades portuguesas, uma vez que a dispersão da
população pelo território punha em causa o projecto português de domínio territorial naquele espaço, uma
vez que impediria a formação de redutos portugueses e eventualmente fomentaria a aculturação dos
portugueses junto dos indígenas; por fim, há que ter em conta a existência de uma cultura urbana, que se
reproduziu naturalmente no Brasil.
79
Cf. Stuart B. Schwartz, “A «Babilónia» colonial .... ”, in História da Expansão Portuguesa .... op. cit.,
Volume 2, 1998, p. 215.
80
Ibidem, p. 215.
81
Tal discrepância em termos de desenvolvimento acontece não apenas devido ao imediato interesse das
autoridades lusas na Índia, com o qual o Brasil só competirá mais tarde, mas também em grande parte
devido à distância de que um e outro território se encontravam do centro de decisão política, tornando
muito mais necessário na Índia o estabelecimento de bases efectivas que pudessem funcionar tendo em
conta a demora de fecho do circuito da rota dos papéis e, por isso, de forma mais autónoma do rei.
27
Estamos por isso perante anos em que o volume dos negócios associados ao
império português cresceu significativamente, com o desenvolvimento de uma nova
economia e de um novo bem de produção que rapidamente se tornou muito relevante,
mas também com o início de um trabalho sistemático por parte dos jesuítas, com o
aumento populacional em terras distantes, e com a própria dilatação territorial.
De facto, ainda que se afirme uma certa falta de capacidade por parte dos
monarcas hispânicos para conceberem o Estado da Índia como uma peça individual,
incapazes de aí encontrar os benefícios advindos do seu império americano, a verdade é
que aquando a anexação de Portugal à monarquia hispânica, era aí que “donde residía el
simbolismo planetario de la casa de Avís”84. O mesmo é dizer que, ainda que a
territorialidade ganhasse peso e o Atlântico se tornasse cada vez mais dinâmico, a Índia
continuava a constituir-se, para os portugueses, como a jóia da coroa, que significava
82
João Paulo Oliveira e Costa e Vitor Luís Gaspar Rodrigues, Portugal y Oriente: el proyecto indiano del
Rey Juan, Madrid, Mapfre, 1992, p. 322.
83
João Paulo Oliveira e Costa, História da Expansão .... op. cit., 2014, p. 170.
84
Rafael Valladares, Castilla y Portugal en Asia .... op. cit., 2001, p. 2.
28
muito mais que o interesse erudito ou a respeitosa indiferença que significava para os
castelhanos85.
Esta não é uma tese que anule ou entre em confronto com a de Filipe Thomaz, que
defende que o incremento do poder territorial português no Estado da Índia acontece
numa tentativa de compensação pelo aumento da concorrência e, em ligação directa,
pela sua crescente perda de poder naval88.
Por sua vez, esta crescente perda de poder naval marcará definitivamente a
conjuntura no Índico ibérico logo desde o final dos anos de quinhentos. Contrariamente
à tendência de crescimento que encontramos no Brasil e nas redes de comércio de
escravos africanos, às décadas de sessenta e setenta, as de maior sucesso tanto para a
Carreira da Índia como para a Nau do Trato, nas quais se contaram pouquíssimas
perdas, seguiram-se eventos que, na década de noventa trouxeram consigo “perdas
materiais e económicas”89 bastante relevantes, bem como a perda de grande parte do
comércio marítimo que os portugueses controlavam até então. Não estando o império
85
Ibidem, p. 3.
86
Luís Filipe Thomaz, De Ceuta a Timor, s.l., Difel, 1994, p. 217. Cf. João Paulo Oliveira e Costa,
História da Expansão .... op. cit., 2014, p. 135.
87
Maria Augusta Lima Cruz, D. Sebastião, Lisboa, Temas & Debates, 2009, p. 179
88
Cf. Luís Filipe Thomaz, De Ceuta a Timor .... op. cit., 1994, p. 217.
89
João Paulo Oliveira e Costa, História da Expansão .... op. cit., 2014, p. 173.
29
português dependente apenas dos potentados asiáticos e africanos e do resgate dos
produtos de que estes dispunham, mas também da rede de consumo europeia, e da
aquisição de produtos europeus a ser utilizados como moeda de troca nos mercados
africano e asiático, as boas relações com a Europa precisavam de ser mantidas, em
nome dos lucros que os reis portugueses retiravam do comércio asiático-africano-
europeu. Tanto que assim é, que os portugueses preferiram ignorar a “heresia” dos
Países Baixos, de forma que pudessem manter os seus contactos comerciais 90. A
manutenção desta posição por parte das autoridades portuguesas tornar-se-á impossível
após a união ibérica. Na verdade, não podemos afirmar que o estabelecido por
Tordesilhas em 1494 não tenha sido contestado, e até desafiado, mas a verdade é que
poucos efeitos concretos tiveram estas contestações, e raramente se materializaram. Só
assim se compreende que até 1580, a estabilidade do comércio, a segurança da
navegação e o poder territorial português no Índico tenham estado em grande parte
assentes numa quase total ausência de concorrência.
Escreve Manuel Faria e Sousa que a união de coroas que em 1581 se consolidou
parece ter tido o poder de, nos Países Baixos, apagar “as memórias do antigo decoro
com que ela [a Holanda] costuma reverenciar os seus nomes e agradecer os seus
benefícios”. Continua, frizando que os Países Baixos haviam sido até à união ibérica
senhores de uma economia essencialmente agrícola, com cujos produtos “vinha [a
Holanda] procurar os nossos em nossas casas e as drogas orientais nas nossas
alfândegas”, adoptando então uma postura diferente, convertendo “os arados em proas,
as aguilhadas em piques e as sementes em balas para sulcar os nossos mares e para
infestar as nossas conquistas asiáticas, africanas e americanas”91.
Não obstante ser necessário um esforço para relativizar esta afirmação, que quase
nos leva a supor que a viragem da Holanda dos campos para o mar acontece apenas
depois da união de coroas e exclusivamente com o propósito de atacar o império
português, não contando o autor que ainda antes de 1581 já os holandeses se
encontravam nos mares e detinham diversas feitorias, a verdade é que a união de
Portugal a Castela alterou substancialmente o método de alianças dos portugueses, até aí
tendentes a procurar amizades com quem Castela tinha querelas. Será fácil constatar que
90
Cf. Joaquim Romero Magalhães, “Os limites da expansão asiática”, in História da Expansão
Portuguesa .... op. cit., Volume 2, 1998, pp. 10-11.
91
Manuel de Faria e Sousa, Ásia Portuguesa, editado por M. Lopes de Almeida, 6 Volumes, Porto,
Civilização, 1945, Volume 5, p. 178.
30
Portugal não se encontrava preparado para ver contra si as forças daqueles que sempre
se encontraram do seu lado92.
92
Os mecanismos de defesa do Estado da Índia estavam até então assentes numa “estrutura militar muito
limitada, mas perfeitamente ajustada às [suas] necessidades (...). Desde 1498 até ao início dos anos 90,
nenhum estratega português poderia ter ponderado que a rede de fortalezas e o sistema naval do Estado da
Índia deviam ser organizados para enfrentar o ataque holandês”, João Paulo Oliveira e Costa, História da
Expansão .... op. cit., 2014, p. 175.
93
Joaquim Romero Magalhães, “Os limites ....”, in História da Expansão Portuguesa .... op. cit., 1998, p.
11.
94
Paulo Guinote, Eduardo Frutuoso, António Lopes, Naufrágios e outras perdas da «Carreira da Índia».
Séculos XVI e XVII, Lisboa, 1998, p. 107.
31
fundamentalmente esporádicos, não se justificando a importância que lhe tem sido
atribuída”95.
De uma análise dos motivos que provocaram naufrágios entre 1497 e 1650,
Paulo Guinote, Eduardo Frutuoso e António Lopes chegam à conclusão que o ataque
directo de inimigos foi a causa de apenas 10,5% do total, mas notando-se um aumento
significativo: 2,5% entre 1497 e 1550, 8,5% entre 1551 e 1600 e 21% entre 1601 e
95
André Murteira, A Carreira da Índia e o corso neerlandês, 1595-1625, Tese de Mestrado apresentada à
Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, 2006, p. 160.
96
Cf. ibidem, pp. 6-8.
97
Cf. Rui Landeiro Godinho, A Carreira da Índia: aspectos e problemas da torna-viagem (1550-1649),
Lisboa, 2005.
32
165098. As causas desconhecidas apresentam-se nestes três períodos como maioritárias,
constituindo um total de 84%99.
Não obstante estes dados nos permitirem esbater os efeitos do corso holandês,
durante muito tempo apresentados como totalmente catastróficos, convém ter em conta
que os ataques holandeses e a sua presença no Oriente foram sem dúvida suficientes
para preocupar os seus contemporâneos. Neste sentido, em 1609, um tenente-general
nas Filipinas afirma que se aos ataques dos holandeses “no se le pone remedio, muy de
raiz i com tiempo, crecerá em breve tanto, que después no le pueda tener”100.
Por outro lado, a ameaça territorial ganha particular ênfase após 1602, aquando a
criação da VOC, Companhia das Índias Orientais holandesa, fruto da fusão de diversas
pequenas companhias comerciais que optam pela união de recursos, numa primeira fase
com motivações económicas, mas havendo rapidamente um aproveitamento político do
cabedal militar de que esta dispunha102.
98
André Murteira afirma, sobre este assunto, que “os primeiros navios das Províncias Unidas que foram
ao Oriente estiveram até 1603 quase sempre proibidos de atacar sem mais os portugueses e castelhanos
que encontrassem, sendo autorizados a recorrer à violência apenas em legítima defesa”, André Murteira,
“O Estado da Índia e as companhias das Índias Orientais Neerlandesa e Inglesa no Índico Ocidental,
1600-1635”, in Santiago Hernández Martínez (dir.), Governo, Política e Representações do poder no
Portugal Habsburgo e nos seus territórios ultramarinos (1581-1640), Lisboa, CHAM, 2011, p. 177.
99
Cf. Paulo Guinote, Eduardo Frutuoso, António Lopes, Naufrágios e outras perdas .... op. cit., 1998, pp.
116-123.
100
Citado por Francisco Mendes da Luz, O Conselho da Índia .... op. cit., 1952, p. 271.
101
Diogo do Couto, Da Ásia .... op. cit., Década XII, Livro 1, Capítulo VII.
102
Cf. Cf. André Murteira, “O Estado da Índia e as companhias das Índias Orientais ....”, in Governo,
Política e Representações .... op. cit., 2011, p. 177.
33
empresa, a primeira indo até aos anos trinta do século XVII e caracterizando-se por
ataques descontinuados às possessões portuguesas. A iniciar-se segunda metade da
década de trinta encontramos uma nova conjuntura, que traz consigo ofensivas mais
sustentadas e continuadas, tendo resultados muito mais relevantes e consequências bem
mais graves para a presença portuguesa nas terras do Oriente, como a tomada de Malaca
em 1641 e o ataque a Ceilão.
103
Cópia dos capítulos 4º e 5º da Trégua com as Províncias Unidas de Flandres, Bruges, 22 de Março de
1609, in DRI, Volume 1, p. 252.
104
Joaquim Romero Magalhães, “Os limites ....”, in História da Expansão Portuguesa .... op. cit., 1998,
p. 15.
34
pontos centrais do Estado da Índia, como Goa105 ou Cochim, não obstante a
preocupação das autoridades portuguesas que tal pudesse vir a acontecer. A motivação
dos holandeses em atacar estes locais é passível de ser facilmente compreendida se
tivermos em conta a sua importância geográfica, estratégica e comercial.
Nesta primeira fase dos ataques holandeses, apenas nos territórios indonésios a
empresa teve os resultados desejados pelos “rebeldes”, mantendo-se Moçambique e
Malaca, pontos fulcrais do império oriental português na posse de Filipe II. Tal leva-nos
a perceber que a presença lusa nesses locais se encontrava suficientemente bem
consolidada para não ser demolida pela primeira investida inimiga.
105
“É verdade que em 1604, 1607 e 1608, três das primeiras frotas enviadas a oriente pela V.O.C.
bloquearam temporariamente a barra de Goa, mas fizeram-no apenas durante algumas semanas, e a sua
acção não pode, portanto, ser comparada com a das frotas subsequentes, que permaneceram na barra
durante a maior parte da estação do ano propícia à navegação”,
http://www.fcsh.unl.pt/cham/eve/content.php?printconceito=784, acedido a 1 de Junho de 2015, 02h13m.
Sobre o assunto, cf. André Murteira, “Os primeiros bloqueios neerlandeses de Goa: expedições da VOC
contra a Carreira da Índia no Índico Ocidental, 1604-1623”, in Revista de Cultura, Nº 36, Outubro de
2010, pp. 124-144.
106
Cf. André Murteira, “O Estado da Índia e as companhias das Índias Orientais ....”, in Governo,
Política e Representações .... op. cit., 2011, p. 184.
107
Cf. Ibidem, p. 186.
35
No entanto, importa notar que mesmo perante a perda do monopólio da navegação
no Índico, a multiplicação dos ataques perpretados pelos “rebeldes” às possessões
portuguesas, o aumento da concorrência comercial e os problemas económico-
financeiros daí advindos, o Oriente português mantinha-se nesta altura, como o grande
pólo de atractividade do império.
Era no Estado da Índia que desejava servir o fidalgo que saía do reino em busca
da manutenção do seu status familiar. Esta supremacia do simbolismo do Oriente
relativamente ao Brasil é demonstrada, também pelo título dado aos representantes
máximos do rei português num e noutro território: enquanto em Goa, a partir de 1548,
encontramos sempre vice-reis em funções, excepto quando o cargo era obtido pela
abertura das vias de sucessão, no Brasil houve apenas Governadores, até à data da
restauração da independência108.
108
Cf. João Paulo Oliveira e Costa, História da Expansão .... op. cit., 2014, p. 137.
109
Ibidem, p. 137.
36
com a rudeza dos combates”110, e que terão inseminado o espírito do monarca com
ideais de duas gerações anteriores, que não se encaixavam já na conjuntura que se vivia.
Assim se explica, talvez, a obsessão que D. Sebastião desenvolve pela guerra no norte
de África e que o leva a aproveitar a oportunidade que parece ver surgir no âmbito da
crise sucessória em Marrocos.
Foi um retorno fugaz, este das fortalezas do norte de África ao centro de interesse
dos monarcas portugueses. No reinado de Filipe III, “Mandou ElRey António Pereira
Lopes de Berredo a visitar as Praças de África da Coroa de Portugal com ordem, e
autoridade para reformar as despesas supérfluas (...)”. No que dizia respeito a Tânger,
por exemplo, o projecto previa “diminuir o presídio, cortar a Cidade da porta do Campo,
à porta do Mar, para que se pudesse com menos gente defender”111. Apesar de não se
concretizar, a ideia de Filipe III mostra-nos que para reduzir os encargos do império
português, eram as possessões norte africanas aquelas que, com mais facilidade,
poderiam ver as suas guarnições diminuidas. Por um prisma exclusivamente económico,
as praças do norte de África pareciam cada vez mais ser vistas como mais dispendiosas
do que vantajosas.
110
Joaquim Romero Magalhães, “D. Sebastião”, in José Mattoso (dir.), História de Portugal, Volume 3,
Lisboa, Circulo de Leitores, 1993, p. 542.
111
D. Fernando de Meneses, História de Tânger durante la dominacion portuguesa, Tânger, Tipografia
Hispano-Arabiga de la Mision Católica, 1940, p. 124-126. O sublinhado é nosso.
112
Regimento do Conselho da Índia, in Francisco Mendes da Luz, O Conselho da India .... op. cit., 1952,
p. 96. Sobre a justificação presente no Regimento do Conselho da Índia para a sua criação, cf. Anexo 1.
37
aumento da concorrência no Índico, há que juntar também “dinâmicas internas muito
relacionadas com os descaminhos da administração colonial”113.
113
Graça Almeida Borges, Um império ibérico integrado? A união ibérica, o Golfo Pérsico e o império
ultramarino português, 1600-1625, Tese de Doutoramento apresentada à Universidade Europeia,
Florença, 2014, pp. 60-61.
114
Carta de Cristóvão de Moura para Pedro Álvares Pereira, datada de 25 de Janeiro de 1601, citada por
Francisco Mendes da Luz, O Conselho da India .... op. cit., 1952, p. 99.
115
Carta de Don Juan de Borja ao Duque de Lerma, datada de 2 de Janeiro de 1601, citada por Guida
Marques, L’invention du Bresil entre deux monarchies .... op. cit., 2009, p. 257.
116
Citado por Maria Luísa Marques da Gama, O Conselho de Estado no Portugal Restaurado -
Teorização, Orgânica e exercício do poder político na corte brigantina (1640-1706), Tese de Mestrado
apresentada à Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, 2011, p. 13.
38
mais variados assuntos. Ligado a um processo gradual de complexificação e
burocratização dos negócios, este aconselhamento torna-se cada vez mais
institucionalizado, com a criação de organismos que deveriam cumprir esta função,
processo por sua vez associado a um número crescente de funcionários, tendencialmente
letrados e especializados, que deveriam auxiliar o rei na sua função coordenadora do
corpo da monarquia.
117
Cf. Feliciano Barrios, Los reales Consejos: el gobierno Central de la Monarquia en los escritores
sobre Madrid del Siglo XVII, Madrid, Edições da Faculdade de Direito, 1988, p. 19.
118
Ibidem, p. 45.
119
No primeiro grupo inserem-se os Conselhos de Castela, Aragão, Itália, Flandres, Índias, Portugal e
Índia, enquanto no segundo cabem os Conselhos das Ordens, Inquisição, Guerra e Fazenda.
39
dessa forma, promover a manutenção da paz no seio da monarquia. Por outras palavras,
era necessária uma ponte de comunicação entre os centros e periferias do império, e
essa ponte era encontrada nos conselhos territoriais.
Tanto assim era que, mesmo perante todos os conflitos jurisdicionais latentes
entre o sistema conciliar e o favorito de Filipe III, e ainda que alguns defendessem que
só uma diminuição do grau de partilha do poder do rei e o consequente aumento do
poder do valido e das juntas de governo poderia permitir inverter a crise que se vinha
fazendo sentir, os conselhos não perdem a sua importância, nem cedem o seu lugar na
hierarquia do poder tempo suficiente para que as mudanças cheguem a consolidar-se.
Como refere Arrigo Amadori, ainda que os validos tenham logrado introduzir-se na rede
institucional e nas práticas políticas, e ainda que as alterações que advieram deste seu
surgimento tenham marcado a política e os modos de governo, prolongando-se no
tempo, não conseguiram nunca consolidar-se de forma suficientemente sólida, que
permitisse a substituição do método tradicional de governo120.
A provar o mesmo surge uma relação Sobre a precedência que se deve entre os
mais conselhos e tribunais deste reino, aparentemente elaborada pelo Conselho da
Índia, na qual se faz ler que para o bom governo da monarquia, “importando mais a
experiência que a ciência”, e “sendo as coisas muitas e a vida humana tão breve para
poder alcançar esta experiência”, o sistema ideal seria aquele composto por muitos,
tornando possível que “todos juntos, e comunicando o que cada um tiver alcançado,
venham a formar um juizo e resolução acertada”121.
Face ao que acima foi exposto, podemos avançar com uma proposta de
interpretação para a criação do Conselho da Índia.
120
Arrigo Amadori, Política americana y dinámicas de poder durante el valimiento del Conde-Duque de
Olivares, Tese de Doutoramento apresentada à Faculdade de Geografia e História da Universidade
Complutense de Madrid, 2011, p. 41.
121
BA, Cod. 51-VI-54, fls. 69-77.
40
Contem-se em primeiro lugar as necessidades específicas e crescentes da
monarquia hispânica e do império português. Portugal insere-se, a partir de 1581, numa
monarquia que contava já anteriormente com um território muito vasto e com problemas
internos cada vez mais gritantes. Nesse ano, acresce-se-lhe um outro império,
igualmente vasto e igualmente a braços com diversos problemas e novas dinâmicas
evolutivas. Por tal se compreende que tenha sido sentida a necessidade não apenas de
centralizar o processo decisório dos negócios do ultramar português mas também de se
fazer aconselhar por aqueles que, como veremos no capítulo dedicado aos membros do
Conselho, estariam mais aptos a aconselhar o monarca na sua tarefa de desenhar
políticas e medidas que salvaguardassem o bom governo destes territórios. A
consolidação do paradigma da territorialidade, o desafio ao poder português no Índico e
o ainda crescente desenvolvimento económico, produtivo e populacional do Brasil,
fazem com que apenas um órgão centralizado pudesse garantir um despacho eficiente
dos negócios, tendencialmente crescentes.
41
efectivamente, o impulsionar e o formalizar de uma tendência previamente existente,
mas pouco dinâmica.
42
Capítulo III
O processo de institucionalização
43
No que toca aos Secretários, define-se que lhes cabe a elaboração das consultas a
rubricar por todos os conselheiros, e que “não tratarão nem proporão outro algum
negócio mais que os que o Presidente lhes ordenar, e terão muito cuidado dos negócios
e despachos que estiverem a seu cargo, lendo os papéis e fazendo relação deles no
Conselho sem poderem falar mais, senão quando perguntados”. Um destes secretários
teria a seu cargo o despacho de mercês de todas as partes dos territórios ultramarinos,
bem como todas as matérias de justiça, guerra e governo correspondentes ao Brasil,
Guiné, São Tomé e Cabo Verde. Sob a jurisdição do outro secretário estavam todos os
assuntos do Estado da Índia.
44
nem nos direitos das fazendas que vierem nas ditas naus, nem na administração de
minhas rendas do Brasil, Guiné e Ilhas”, mantendo-se a jurisdição destes assuntos sob a
tutela do Conselho da Fazenda.
45
pela jurisdição do Conselho da Índia a partir de 1604122. No Desembargo do Paço, por
sua vez, deviam passar as matérias de justiça, enquanto a Mesa da Consciência e Ordens
se encarregaria das questões religiosas, e ambos os organismos, tal como o Conselho da
Fazenda, tinham a sua jurisdição alargada ao império português.
122
Cf. Francisco Mendes da Luz, O Conselho da Índia .... op. cit., 1954, p. 81.
123
Cf. Guida Marques, L’invention du Bresil entre deux monarchies, ... op. cit., 2009, p. 259; Francisco
Mendes da Luz, O Conselho da Índia .... op. cit., 1954, p. 115.
124
Cf. Santiago de Luxán Meléndez, La revolución de 1640 en Portugal .... op. cit., 1988, pp. 210-211.
125
Carta Régia de 7 de Dezembro de 1604, citada por ibidem, pp. 113-114, Nota de rodapé 2.
126
Graça Almeida Borges, Um império ibérico integrado .... op. cit., 2014, p. 85.
46
“a perda repentina de competências num campo tão importante como o império
dificilmente poderia ser bem aceite pelos tribunais mais antigos”127.
O mesmo diz Mendes da Luz, que reforça a ideia de estarmos perante uma época
em que “regra geral, se atendia antes a considerações de ordem pessoal, de interesse
próprio, que ao bom funcionamento da organização estatal”128, motivo pelo qual o
estudo da administração nos leva a encontrar constantes “protestos e reclamações de
personagens destacadas no governo, se, pela criação dum novo organismo se lhes tira
alguma das suas atribuições que redundasse em prestígio próprio”129. Tenha-se em
conta, por exemplo, o valor simbólico da concessão de mercês, cuja jurisdição D. Pedro
de Castilho pedia para o Secretário de Estado, e a forma como as redes clientelares se
desenvolviam e condicionavam a posição dos homens desta época. Ter o poder de
apresentar nomes e confirmar a atribuição de cargos proporcionava, a quem o detivesse,
uma posição privilegiada, que, com certeza, seria recompensada. Era poder pessoal que
se perdia.
127
Ibidem, p. 85.
128
Francisco Mendes da Luz, O Conselho da Índia .... op. cit., 1952, p. 114.
129
Ibidem, p. 114.
130
Cf. Anexo 3.
47
Reportando-nos a um tempo em que as comunicações eram condicionadas por
factores diversos, importa perceber quanto tempo este ciclo levava a completar-se,
desde a saída da documentação dos diversos pontos do império até à chegada das
decisões tomadas a esses mesmos espaços.
48
Simplifiquemos. A título de exemplo, um documento saído de Goa em
Dezembro de 1604 chegava a Lisboa em Junho de 1605 e, depois de ir a Madrid e
regressar a Lisboa, iniciaria em Março de 1606 nova viagem para Goa, onde chegaria
em Agosto desse ano. Falamos de um ciclo que levaria, na melhor das hipóteses, um
ano e oito meses a encerrar-se.
Dada a sua complexidade, optámos por dividir os seus capítulos em sete grupos
diferentes, consoante os tipo de informação que contêm: Características dos
Conselheiros, Presidentes e Secretários; Tarefas do Conselho; Modo de funcionamento;
Poderes do Presidente; Poderes dos Secretários; Definição de jurisdições; Política de
Concessão de Mercês.
131
Projecto de novo Regimento para o Conselho da Índia, citado por Francisco Mendes da Luz, O
Conselho da Índia .... op. cit., 1952, p. 524.
49
sangue prudente e de muita autoridade e experiências das coisas da Índia, e que
podendo ser me tenha servido nela no cargo de vice-rei ou governador ou em outros de
grande importância, aável e de bom e fácil acolhimento às partes, abastado de bens
temporais para que a necessidade particular não seja causa de preverter a inteireza e
constância com que a todos deve guardar justiça e igualdade” (Art. 2).
Nota-se por este desígnio que apesar de este ser um organismo admistrativo com
jurisdição sobre todo o Império, o espírito da instituição está focado no Oriente132. O
momento de viragem de um império baseado no Índico para um império territorial e
Atlântico pode ser encontrado com base na comparação entre os currículos daqueles que
presidiram o Conselho da Índia em 1604-1614 e daqueles que, trinta anos volvidos,
presidiram o Conselho Ultramarino. Enquanto os primeiros, por ordem expressa, eram
homens ligados à Índia e à sua governação, os segundos, por sua vez, são já homens
experimentados no governo do Atlântico e, mais concretamente, do Brasil133.
O terceiro capítulo, por sua vez, define que a cada Secretário devia ter o auxílio
de dois oficiais, “bons escrivães”, cristãos velhos, e naturais de Espanha. Abre-se aqui,
eventualmente, uma brecha pela qual podemos encontrar uma contradição com o que
havia sido definido no Pacto de Tomar relativamente à presença de Castelhanos nos
órgãos administrativos portugueses. Apesar de tal nunca se chegar a verificar e ainda
que, cremos, a expressão “Espanha” albergasse dentro de si toda a Península Ibérica, e
não apenas o território que hoje lhe associamos – ou seja, não se tratava da
obrigatoriedade de ser um espanhol, mas sim da abertura dessa possibilidade –, não
132
Segundo Francisco Mendes da Luz, já anteriormente, quando se procedeu à nomeação do terceiro
presidente do Conselho, em 1608, os membros do Conselho preterem os restantes candidatos
relativamente a D. Francisco da Gama com base numa consulta, não citada pelo autor, na qual referem
uma antiga ordem régia que ia no sentido de dever o Presidente do Conselho ser fidalgo experimentado e
que tivesse sido vice-rei da Índia. Cf. Francisco Mendes da Luz, O Conselho da Índia .... op. cit., 1952,
pp. 148-149.
133
50
deixa este desígnio de ser digno de registo e análise. Pelo Regimento de 1613 se abrem
as portas do Conselho da Índia a homens não portugueses, constituindo tal uma ruptura
relativamente à promessa de não inclusão de castelhanos nos assuntos portugueses e do
seu império, definida pelas Cortes de Tomar. A ter-se verificado, seria uma situação
inédita no seio da administração portuguesa destes anos de união dinástica, uma vez
que, com a excepção das juntas de governo que no início do século XVII foram
estabelecidas com vista a organizar a fazenda portuguesa por meio de agentes
castelhanos, não há casos de presença de homens não naturais do reino nas esferas
administrativas da coroa de Portugal e do seu espaço ultramarino.
No grupo seguinte, encontramos uma dezena de artigos que, dispersos por todo o
documento em análise, nos mostram de que tipo de tarefas o Conselho da Índia devia
estar encarregue. Por estes, se decretava que aos Conselheiros da Índia devia ser dada
notícia sobre o cumprimento ou não cumprimento das ordens por si consultadas e pelo
monarca enviadas (Art. 19); é também tarefa do Conselho da India o provimento de
capitanias das naus de todas as armadas de viagem e de socorro que se dirigissem para o
Estado da Índia e para qualquer outro ponto do espaço ultramarino português (Art. 20),
bem como “as cartas e alvarás de todos os provimentos dos ditos cargos e ofícios, e
benefícios” (Art. 21).
51
No referido Regimento encontram-se ainda oito capítulos sobre as tarefas que
cabiam ao Conselho, seis deles sobre a gestão de questões eclesiásticas nas partes
ultramarinas: ao Conselho da Índia cabe o provimento de cargos, ofícios e benefícios
eclesiásticos (Art. 12), e de que forma tal devia ser feito (Art. 14); esclarece-se como se
há-de proceder em casos em que a ocupação do cargo eclesiástico não seja cumprida,
uma vez que “muitas vezes sucede os presentados e providos em benefícios
eclesiásticos deixarem-se ficar no Reino sem irem servir esperando outras provisões”
(Art. 16); os dois outros sobre o provimento de letrados para os cargos de justiça nessas
partes: as mercês e castigos que estes deviam receber diziam respeito ao Conselho da
Índia (Art. 18), e a sua nomeação para estes cargos era também da sua competência,
mas devia passar primeiro pelo Desembargo do Paço (Art. 17).
52
qualquer um dos espaços do império. Ao outro, por sua vez, caberia o despacho das
mercês e ofícios (Arts. 36, 37). Estando um deles impossibilitado de comparecer em
determinada reunião do Conselho, devia o outro assegurar o seu trabalho e em caso de
nenhum dos dois comparecer, será o conselheiro mais recente a fazer o seu ofício (Art.
38).
Dispondo de diversos artigos pelos quais se apela à boa relação entre o Conselho
da Índia e os demais tribunais e instâncias da administração portuguesa e ao
cumprimento das ordens emanadas pelo tribunal ultramarino, este segundo regimento é
igualmente mais explícito na sua tarefa de delimitar espaços de poder entre os tribunais
da coroa portuguesa, numa tentativa clara de evitar as questões jurisdicionais que tanto
abalaram o funcionamento do Conselho da Índia desde a sua criação. Leia-se: “Mando a
todos os desembargadores da Casa da Suplicação e da Casa do Porto e aos corregedores
de minha Corte e cidade de Lisboa e mais justiças dela, e corregedores e justiças das
Comarcas do Reino, vice-reis, governadores, Capitães, Ouvidores, Juízes, justiças e
mais ministros da Guerra e Fazenda da Índia e mais partes ultramarinas de qualquer
qualidade que sejam, que sendo-lhes apresentados alguns despachos cartas e alvarás
passados pelo dito Conselho na forma sobredita os cumpram inteiramente e com muita
deligência” (Art. 34). Acrescenta-se, no artigo seguinte que, por ser necessário ao bom
expediente dos negócios, os “cartórios do Desembargo do Paço, Conselho da Fazenda,
Mesa da Consciência, Casa da Índia, Armazéns, Torre do Tombo, e quaisquer outros
tribunais, e cartórios, se dêem ao dito Conselho todas as certidões, treslados e alvarás,
regimentos, contratos, e quaisquer outros papéis que forem pedidos” (Art. 35).
Em pelo menos dois artigos fica explícito que o Conselho da Índia chega à tela
administrativa retirando poderes aos tribunais pré-existentes. Num deles, lê-se que “as
patentes alvarás e mais despachos que se costumavam registar nos livros do Conselho
da Fazenda se não registem neles, e em lugar desse registo se registem nos livros do
53
ditto Conselho da Índia” (Art. 60). Adiante, reencontramos esta questão, ao lermos que
“para que o dito Conselho possa proceder no despacho das matérias que por este
Regimento lhe cometo com a ordem e pontualidade que convém hei por bem que nas da
Justiça que dantes costumavam correr pelo Desembarguo do Paço siga e guarde os
Regimentos, usos, costumes, e estilos do dito Desembargo, e nas eclesiásticas, e outras
que corriam pela Mesa da Consciência e nas que corriam pelo Conselho de minha
Fazenda e agora por bem deste Regimento hão de correr pelo dito Conselho da Índia
sigam e guardem no despacho delas os regimentos e estilos da dita Mesa da Consciência
e Conselho da Fazenda no que não encontrar neste Regimento” (Art. 68).
Por outro lado, reafirma-se que a administração dos “ofícios das fazendas dos
defuntos, e ausentes, e da rendição dos cativos, e arrecadação delas” deva ser da
competência da Mesa da Consciência e Ordens, e não do Conselho da Índia (Art. 11).
Por uma questão metodológica que se prende essencialmente com o tema que
abordaremos no último capítulo desta dissertação, preferimos isolar os capítulos do
Regimento que dizem respeito à forma de agir do Conselho relativamente à concessão
de mercês e ao provimento de cargos no Estado da Índia.
Por este tribunal passavam “os despachos das mercês que pedirem as pessoas
que me tiverem servido, e estiverem servindo, ou forem servir à Índia, e mais partes
ultramarinas” No entanto, quando o pedido de mercê fosse aplicado apenas ao reino,
mesmo que por serviços prestados no império, passava a ser jurisdição do secretário dos
Despachos. (Art. 22). Chegadas as petições à mesa do Conselho, cabia ao secretário
encarregue desta repartição fazer “decreto dos papéis de cada um dos requerentes
declarando particularmente o que constar das certidões, vendo se estão justificadas e
passadas na forma de minhas provisões e requerendo-se satisfação de serviços herdados
ou doados se apresentará com eles juntamente sentença do Juíz das justificações de
minha Fazenda per que conste pertencer a satisfação deles às partes que as requererem,
e sempre com os papéis dos tais serviços e requerimentos se apresentará certidão do
livro dos registos das mercês assim da pessoa que requerer como da de cujos serviços
pedir satisfação” (Art. 52). Além de exigir esta documentação, devia o secretário
também confirmar a sua autenticidade. Define-se, pelo artigo seguinte, que eram válidas
apenas as petições de pessoas que tivessem servido na Índia por um espaço de tempo
superior a oito anos. Eram aceites petições com menos tempo de exercício apenas em
54
casos de serem feitas por homens que se tivessem ferido em serviço nas partes
ultramarinas ou quando as famílias de falecidos no desempenho de funções no Estado
da Índia requeressem a recompensa pelos actos dos seus parentes (Art. 53).
Encontramos ainda dois artigos que parecem ter como finalidade controlar a
ocupação de cargos nas partes ultramarinas, no sentido de garantir os bons serviços
prestados fora do reino e a ocupação dos cargos pelas pessoas escolhidas. No primeiro,
lê-se que em casos de pedidos de renuncia de mercês de capitanias de fortalezas, não
deve o Conselho da Índia dar-lhes despacho, a menos que esses pedidos fossem no
sentido de passar a dita mercê para genros ou filhos do nomeado (Art. 61). No outro,
por sua vez, decreta-se a obrigatoriedade que os providos de cargos e ofícios no Brasil e
na Guiné tinham de “embarcar para as ditas partes dentro de oito meses do dia em que
lhe for feita a mercê cabendo-lhe entrar nos tais ofícios”. Incumprido este tempo limite,
o cargo em questão seria de novo dado como vago, e novo nome seria levado a votação
(Art. 66).
Este é, como fica explícito, um documento não apenas bastante mais extenso que
a sua primeira versão, mas também mais claro. Os problemas de jurisdição que
abalaram o funcionamento do Conselho da Índia terão sido em grande parte permitidos
pela ausência de clareza no regimento que o instituiu. Passamos de um documento que
nos diz que ao Conselho da Índia pertencia a jurisdição sobre todo e qualquer assunto
relacionado com as partes ultramarinas portuguesas para um outro que ocupa pelo
menos quatro dezenas de capítulos na definição de tarefas e modos de agir esperados e
permitidos a este órgão administrativo, bem como aos que ao seu lado funcionavam.
Há que ter em conta que muitas das provisões que encontramos neste Regimento
não foram tomadas apenas em 1613, havendo nestes capítulos ordens régias datadas de
55
pouco tempo depois da fundação do Conselho. Ou seja, muitas são ordens antigas, que
ao longo dos nove anos de funcionamento foram sendo dadas no sentido de comlatar as
falhas do primeiro regimento e que já vinham condicionando o funcionamento do
tribunal ultramarino, mas que só em 1613 foram formalizadas.
No entanto, não deixa de ser importante notar que pouco tempo após a injecção
de dinamismo que é materializada por este documento, e que denota um claro interesse
em estabilizar o seu funcionamento, e consolidar a sua posição na polissinodia do reino,
o Conselho da Índia seja repentinamente extinto.
56
Capítulo IV
134
Luís Vaz de Camões, Os Lusíadas, VIII, 54.
135
Márcio Ricardo Coelho Muniz, O Leal Conselheiro, de Dom Duarte, e a tradição dos Espelhos de
príncipes, Tese de Doutoramento apresentada à Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humans da
Universidade de São Paulo, 2003, p. 85.
136
Mestre Pedro, Libro del consejo e de los consejeros, Edição de Agapito Reuy, Saragoça, Biblioteca del
Hispanista, 1962.
137
Cf. Márcio Ricardo Coelho Muniz, O Leal Conselheiro .... op. cit., 2003, p. 102.
57
Em 1559 é impresso El consejo y consejeros del príncipe, obra de Fradique
Furió Ceriol138. Se o primeiro autor citado se foca nas qualidades dos conselheiros,
Furió Ceriol afirma que dos conselheiros deve ser esperada a capacidade de “reavivar
constantemente ao príncipe a memória dos factos passados, de maneira que a gestão do
presente se faça sob a perspectiva da razão e da experiência, assegurando, com a
prevenção do porvir, o êxito das acções governativas, evitando males futuros”139. Ou
seja, valoriza essencialmente a experiência e o conhecimento dos homens do Conselho,
para que as suas opiniões possam ser válidas e fundamentadas.
138
Fradique Furio Ceriol, El consejo y consejeros del príncipe, Edição de Henry Mechoulan, Madrid,
Nacional, 1978.
139
Ibidem, p. 105.
140
Bartolomeu Filipe, Tractado del Consejo y de los consejeros de los príncipes, Coimbra, 1584.
141
Citado por Juan Manuel Forte, Bartolomeu Filipe. Consejos para príncipes en tiempos imperiosos,
Biblioteca Saavedra Fajardo de Pensamento Político Hispano, s.l., s.d., p. 6.
58
compor um tribunal encarregue de questões tão relevantes como a administração do
império português, e que durante dez anos foram estes que definiram – ou aconselharam
sobre – as políticas aí vigentes142.
IV. 1. Presidentes
Pouco se conhece do seu percurso até esta data, sendo desconhecido o momento
em que pela primeira vez passou à Índia. Terá sido sem dúvida antes de 1568, uma vez
que nessa data “não só já participava na expedição organizada pelo vice-rei D. Antão de
Noronha contra a rainha de Olaha, como acompanhou D. Luís de Almeida aos mares de
Surrate, quando este foi encarregado por aquele vice-rei de examinar aquela região em
busca de embarcações inimigas”144.
142
Cf. Anexo 4.
143
Diogo do Couto, Da Ásia .... op. cit., Década X, Livro 1, Capítulo III.
144
Nuno Campos, Fernão Teles de Meneses, in
http://www.fcsh.unl.pt/cham/eve/content.php?printconceito=654, consultado em 24.07.2016, 13h17m.
145
“Teve a carta de Alcaide Mor em o ano de 1551”, Felgueiras Gaio, Nobiliário de famílias de Portugal,
Braga, Agostinho de Azevedo Meirelles, Domingos de Araújo Affonso, 1938-1941, Volume XXVII, p.
19.
146
59
portuguesa desta época. Encontramos o primogénito e o secundogénito com cargos de
cariz militar a desempenhar no reino, o terceiro filho a ser encaminhado para a vida
eclesiástica, e o quarto e o quinto a fazerem carreira militar no império português.
Apenas duas armadas foram despedidas de Goa neste tempo. A primeira, depois
de chegar a Goa a notícia de “como em Masulipatão estavam duas naus de Achém
carregando ferro, pelouros, e outros apetrechos de guerra, que devia juntar para ir contra
Malaca; e outra de El Rei de Pegú”149. Para responder a tal ameaça, o Governador
mandou armar quatro navios, que saíram de Goa no início de Agosto com o objectivo
de se dirigirem ao porto de Masulipatão onde deviam esperar as embarcações inimigas,
e tomar a nau do rei de Pegú que de tão rica que era “podia remediar, e enriquecer o
Estado”150. Enquanto o capitão-mor desta armada se encarregaria de transportar a dita
nau para Goa, os restantes três navios deveriam atravessar o reino de Pegú e fazer nele
toda a guerra que lhes fosse possível fazer.
147
Ibidem, Volume XIII, pp. 72-73.
148
Diogo do Couto, Da Ásia .... op. cit., Década X, Livro I, Capítulo I.
149
Ibidem, Década X, Livro I, Capítulo III.
150
Ibidem, Década X, Livro I, Capítulo III.
60
vêm para Goa a buscar as naus do reino”151. Para responder a esta ameaça eminente,
Fernão Teles de Meneses “mandou tomar os navios dos Mercadores, que eram vindos
do Norte, por estarem mais prestes, com muitos marinheiros, e mantimentos, e mandou
a Matias de Albuquerque que logo se embarcasse neles, e fosse após aqueles navios até
os ensacar”152. Saindo vencedores os nossos da peleja que daqui resultou, foram
recebidos em Goa pelo Governador, que “fez mercê em nome de El Rei dos navios
inimigos com todo o seu recheio aos Capitães que os tomaram”153.
151
Ibidem, Década X, Livro I, Capítulo VIII.
152
Ibidem, Década X, Livro I, Capítulo VIII.
153
Ibidem, Década X, Livro I, Capítulo VIII.
154
Cláudia Joaquim, As vias de sucessão no Estado Português da Índia (1524-1581), Tese de Mestrado
apresentada à Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, 2014, p. 48.
61
cáfila que havia de ir à costa do Malabar buscar os provimentos para a cidade, e a
defender que se não enchessem deles os Malabares”155.
155
Diogo do Couto, Da Ásia .... op. cit., Década X, Livro I, Capítulo III.
156
Ibidem, Década X, Livro I, Capítulo III.
157
Ibidem, Década X, Livro I, Capítulo IV.
62
mestres, cidadãos, cavaleiros, o Ouvidor Geral, o Chanceler, e pessoas do povo158. Diz o
cronista que “todos por todas suas livres vontades tinham aceitado com muito
contentamento, e prometido de assim o jurarem por Rei, e Senhor”159. Nisto, o capitão
da cidade toma nas mãos a bandeira com as armas portuguesas e, colocando-se à direita
do Governador que, ajoelhado perante o altar, repetiu as palavras de juramento que o
Secretário lhe lia. O juramento é repetido pelo Padre Deão Brás Dias em nome do
Estado Eclesiástico, por Tristão de Meneses em representação da nobreza, e pelos
vereadores da cidade, tomando voz por todo o povo.
Exerceu este cargo por pouco tempo, pois faleceu logo no ano seguinte.
158
Ibidem, Década X, Livro I, Capítulo IV.
159
Ibidem, Década X, Livro I, Capítulo IV.
160
Chancelaria de Filipe II, Livros de Padrões e Doações, Livro 14, Fl. 149.
63
pelo novo rei de Portugal. Falamos neste caso de um homem com diversas ligações
familiares a homens com experiência nos lugares cimeiros da administração do império,
e a membros da nobreza titulada. É neto por via materna de D. Vasco Coutinho, 1º
conde do Redondo e sobrinho por via paterna de D. Pedro de Mascarenhas, vice-rei da
Índia. Uma das suas irmãs, D. Catarina, casa com Vasco Anes Corte Real, de quem tem
Margarida Corte Real, futura mulher de Cristóvão de Moura. D. Francisco torna-se
assim, por volta do ano de 1570, tio de um dos homens mais importantes do projecto
filipino em Portugal.
161
Nuno Vila-Santa, D. Francisco de Mascarenhas (1530-1608),
http://www.fcsh.unl.pt/cham/eve/content.php?printconceito=961, consultado em 23.10.1016, 22h51m.
162
Manuel de Faria e Sousa, Ásia Portuguesa .... op. cit., 1945, Volume 5, p. 19.
64
Teles, porque fez, sem esperar que lhe fizessem, aquilo porque elas se faziam”163. De
facto, não deixa de ser interessante notar a generosidade de Filipe II para com D.
Francisco, em tom de recompensa por um serviço que não chegou a prestar, enquanto
aquele que realmente presta o dito serviço morre sem chegar a obter qualquer título
nobiliárquico. No entanto, a verdade é que no pouco tempo que se encontrou no
governo do Estado da Índia, Fernão Teles de Meneses pouco mais fez que jurar o novo
monarca. Não teria, aliás, outras hipóteses, uma vez que ainda que pudesse haver algum
reduto de apoio a D. António naqueles territórios, faltava a sua presença para
possibilitar qualquer tomada de posição. Assim, a aceitação do novo monarca foi quase
uma inevitabilidade, e Fernão Teles limitou-se a cumpri-la. Por outro lado, D. Francisco
de Mascarenhas, apesar de não ter jurado o monarca como pretendia fazer, com certeza
deve ser visto como o vice-rei que logrou concretizar a tarefa de consolidação da nova
dinastia no Estado da Índia.
A sua governação foi aparentemente livre das intrigas e conflitos tão típicos da
Índia portuguesa, segundo os escritos de Faria e Sousa e de Diogo do Couto. Registam-
se, por outro lado, entre os anos de 1581 e 1584 em que esteve à frente do Estado da
Índia, bastantes conflitos armados, tanto contra os turcos como contra potentados locais
e ainda contra piratas que perturbavam a navegação portuguesa164. Em tom de balanço
da sua governação, Nuno Vila-Santa escreve que D. Francisco de Mascarenhas dedicou
os seus últimos esforços à cabeça do Estado da Índia a “tentar aproveitar contextos
locais para adquirir novas conquistas”165. Sobre o governo de D. Francisco de
Mascarenhas na Índia, escreve Diogo do Couto que com “brevidade sabia o Vice-Rei
acudir às necessidades do Estado com que remediava todas, e assim teve bom sucesso
em todas as cousas que empreendeu”166.
163
Ibidem, Volume 5, p. 21.
164
Cf. Nuno Vila-Santa, D. Francisco de Mascarenhas (1530-1608),
http://www.fcsh.unl.pt/cham/eve/content.php?printconceito=961, consultado em 23.10.1016, 23h00.
165
“Assim, sucedeu no Guzerate com uma revolta do soberano deposto por Akbar, à qual o vice-rei
procurou acudir, sem sucesso, na esperança de conquistar Surrate aos mogores. Em Bijapur, a guerra pela
sucessão do sultanato conhecia novo desenvolvimento, mas o pretendente apoiado pelos Portugueses,
acabou por ser morto pelos seus inimigos, ficando o vice-rei sem poder de intervenção naquele sultanato.
Ainda assim, o Samorim de Calecute pedia as pazes definitivas, devido à exaustão da guerra no Malabar,
a cargo de D. Gil Eanes que, depois foi nomeado para punir um vassalo do sultão de Bijapur, acabando
por falecer em combate. O rei de Cochim também desistia dos seus intentos de controlar a alfândega da
cidade, a qual trespassou para o rei de Portugal”, Nuno Vila-Santa, D. Francisco de Mascarenhas (1530-
1608), http://www.fcsh.unl.pt/cham/eve/content.php?printconceito=961, consultado em 23.10.1016,
23h10.
166
Ibidem, X, Livro II, Capítulo VI.
65
Do mesmo modo que a ligação familiar de D. Francisco de Mascarenhas ao
projecto filipino terá tido influência para que fosse o primeiro escolhido por Filipe II
para tomar o governo de Goa e jurar o seu nome no Estado da Índia, terá também
pesado para que de 1593 a 1599 fosse um dos cinco governadores do reino, após o
término do vice-reinado de Alberto de Áustria. A relevância de D. Francisco de
Mascarenhas no seio do reino e dos apoiantes da dinastia espanhola em Portugal é
denotada quando é escolhido para integrar este núcleo de governadores, e ainda mais se
tivermos em conta quem estes eram: D. Miguel de Castro, arcebispo de Lisboa; D. João
da Silva, conde de Portalegre e mordomo-mor; D. Duarte de Castelo Branco, conde do
Sabugal e meirinho-mor; e Miguel de Moura, escrivão da Puridade167.
167
Cf. Fernando Bouza, D. Filipe I, Lisboa, Temas e Debates, 2008, p. 247.
168
Chancelaria de Filipe II, Livros de Padrões e Doações, Livro 16, Fl. 164.
169
Cf. Joaquim Veríssimo Serrão, História de Portugal, Volume IV, Lisboa, Editorial Verbo, 1990, p. 15;
Ivone Alves, Os Gamas e os Condes da Vidigueira: subsídios para uma genealogia, Tese de Mestrado
apresentada à FL-UL, 1998, Volume 2, p. 80; José Alves, “Francisco da Gama”, in Dicionário de
História dos Descobrimentos Portugueses, Luís de Albuquerque (dir.), Volume I, s.l., Caminho, 1994, p.
448.
170
Cf. Mafalda Soares da Cunha e Nuno Gonçalo Monteiro, “Vice-reis, governadores e conselheiros de
governo do Estado da Índia (1505-1834)”, in Penélope, nº 15, 1995, p. 98. O outro foi D. Constantino de
Bragança.
66
Tal leva-nos a questionar as motivações que terão estado por detrás desta
nomeação de D. Francisco da Gama. Julgamos importante ter em conta que nos
encontramos perante uma escolha levada a cabo por um monarca conhecido pela sua
prudência e ponderação na hora de tomar decisões, o que faz com que sejamos
obrigados a assumir que apesar da inexperiência e tenra idade, D. Francisco teria outras
características, que levaram Filipe II a considerá-lo o homem certo para ocupar cargo
tão importante na hierarquia administrativa do ultramar português, especialmente
porque o ataque dos holandeses às possessões portuguesas era já algo esperado,
prevendo-se o eminente estalar de uma situação complexa e turbulenta no Índico.
Escreve Diogo do Couto que “tanto que foi nomeado, logo assistiu a todos os
Conselhos, porque sabia El Rei que tinha o Conde talento para dar neles muito bom
parecer”171, reafirmando adiante que “ele não vinha bisonho, senão muito prático, e
resoluto em todos os negócios, de que começou a dar aos Oficiais grande satisfação de
sua suficiência”172.
Além disso, há também que notar que falamos de um rei estrangeiro, que se
encontrava à cabeça de uma monarquia compósita, com vasta tradição de integração de
territórios com foros e tradições dissemelhantes, que deveriam ser respeitadas no
sentido de serem evitadas revoltas e conflitos. Como referimos anteriormente, Filipe II
demonstrou ter uma noção exemplar de como levar a cabo a sua tutela relativamente a
Portugal, para que pudesse tratar-se de uma incorporação pacífica. Neste processo de
chamar a si o apoio das grandes famílias portuguesas e de as envolver na sua acção
governativa podemos por exemplo atentar que em todas as investiduras de Filipe II para
o cargo de Vice-Rei da Índia encontramos apelidos sonantes da nobreza portuguesa
mais sistematicamente associados ao cargo de vice-rei da Índia173.
Outro dos pontos importantes deste procedimento de sedução dos corpos sociais
portugueses é o do respeito pela individualidade do reino e, consequentemente, pelas
figuras da sua história. A nomeação de D. Francisco pode também ser inserida neste
contexto, estando Filipe II a usufruir do respeito e reverência à figura de D. Vasco da
Gama, bisavô do Conde Almirante, ideia que ganha ainda mais força se for tido em
171
Diogo do Couto, Da Ásia .... op. cit., Década XII, Livro I, Capítulo I. O sublinhado é nosso.
172
Ibidem, Década XII, Livro I, Capítulo III. O sublinhado é nosso.
173
Filipe II nomeia para este cargo, ao longo do seu reinado: D. Francisco de Mascarenhas (1581-1584),
D. Duarte de Meneses (1584-1588), D. Manuel de Sousa Coutinho (1588-1591), Matias de Albuquerque
(1591-1597) e, finalmente, D. Francisco da Gama (1597-1600).
67
conta que esta nomeação coincide precisamente com o ano em que se cumpria o
primeiro centenário da viagem inaugural de Vasco da Gama174.
A ascensão social da família dos Gamas é digna de registo, tanto pela sua
relativa rapidez, como pelo seu carácter de inovação. No que toca à inovação, esta tem
essencialmente relação com o facto de ter sido D. Vasco da Gama o primeiro, e durante
muito tempo o único homem a quem foi concedido o título condal por recompensa de
serviços prestados no espaço ultramarino português175. Por tal, é a figura que melhor ser
utilizada como exemplo da forma como a gesta expansionista permitiu a muita da baixa
nobreza ascender dentro da hierarquia do grupo. Mais relevo ganha esta ascensão de D.
Vasco da Gama se tivermos em conta o carácter esporádico de que se revestia a
nomeação de um conde. A rapidez desta ascensão pode ser notada e evidenciada pela
política matrimonial dos Gamas da Vidigueira, que encontramos também dotada de um
certo cariz de tradição, baseada essencialmente em ligações a Ataídes e Vilhenas176.
Para além das relações matrimoniais, há que ter em conta a presença dos Gamas
no império português. Neste campo, temos então de dar o devido destaque aos filhos do
descobridor do caminho marítimo para a Índia, uma vez que, à excepção do herdeiro do
título, todos desempenharam funções no Oriente. D. Estevão da Gama foi capitão-mor
do mar da Índia durante o período de governo do pai, e posteriormente capitão de
Malaca, tendo em 1540 logrado tornar-se Governador da Índia. Os restantes quatro
174
Consideramos bastante explícita a frase de Diogo do Couto: “conservando tão ilustre apelido a
memória do mor feito que se fez, nem fará, enquanto o mundo durar”, Diogo do Couto, Da Ásia .... op.
cit., Década XII, Livro II, Capítulo XV.
175
Ibidem, Década XII, Livro I, Capítulo I.
176
Analisando de forma pormenorizada as ligações matrimoniais desta família, encontramos D. Vasco da
Gama, 1º conde da Vidigueira, casado com D. Catarina de Ataíde, filha do alcaide-mor do Alvor. O seu
herdeiro, D. Francisco da Gama casa com D. Guiomar de Vilhena, filha do 1º conde do Vimioso. Parece
significativo que, chegado da Índia, ainda sem qualquer título nobiliárquico, Vasco da Gama consiga
casar apenas com a filha de um alcaide-mor, mas que ao cabo de uma geração a sua família estivesse já
ligada ao condado do Vimioso. A tendência mantém-se na geração seguinte e D. Vasco da Gama, 3º
conde da Vidigueira contrai matrimónio com a filha do conde da Castanheira. Por fim, o 4º conde da
Vidigueira, cuja acção aqui nos ocupa, casa em primeiras núpcias com D. Maria de Vilhena, filha de D.
Duarte de Meneses, senhor de Tarouca, capitão de Arzila e de Tânger e vice-Rei da Índia. Após viuvar,
em ????, D. Francisco casa com a filha de Rui Lourenço de Távora, vice-Rei da Índia. D. Francisco da
Gama, por sua vez, teve quatro filhas do seu segundo casamento, que conseguiu unir pela via do
matrimónio às casas tituladas da Castanheira, Vila Franca, Alvito e Lavradio - D. João de Ataíde (4º
Conde da Castanheira, casado com D. Maria de Vilhena), D. Rodrigo da Câmara (3º conde de Vila
Franca, casado com D. Maria Coutinho), D. Luís Lobo da Silveira (7º barão do Alvito e 1º barão de
Oriola, casado com Eufrásia Maria de Távora) e D. Jorge Manuel de Albuquerque (conde do Lavradio,
casado com D. Teresa Maria Coutinho).
68
foram também capitães de Malaca177. No que toca aos condes da Vidigueira,
propriamente ditos, apenas o primeiro e o quarto estiveram envolvidos na gesta
expansionista voltada a Oriente e, enquanto o segundo parece nunca ter saído do reino,
o terceiro está, como a maioria da nobreza portuguesa, em Alcácer Quibir com D.
Sebastião, onde acaba por falecer.
177
Cf. Mafalda Soares da Cunha e Nuno Gonçalo Monteiro, “Vice-reis, governadores e conselheiros de
governo do Estado da Índia (1505-1834)” .... op. cit., 1995, p. 97.
178
António da Silva Rego, “O início do segundo governo do vice-rei da Índia. 1622-1623”, in Memórias
da Academia das Ciências, Tomo XIX, Lisboa, Classe de Letras, 1978, p. 323.
179
Francisco Mendes da Luz, O Conselho da Índia .... op. cit., 1952, pp. 149-150.
180
António da Silva Rego, “O início do segundo” .... op. cit., 1978, p. 323.
69
Em primeiro lugar, há que destacar a figura de D. Luís da Gama, irmão do vice-
Rei que já anteriormente havia estado na Índia, e que partiu de Lisboa despachado com
a capitania de Ormuz. A esta personagem associam-se dois episódios distintos de
conflituosidade, geradores de tensões para a figura do vice-rei. Em primeiro lugar, é
questionada a nomeação de D. Luís como Capitão-Mor da Índia e Malabar. Segundo o
cronista Da Ásia, “com pouco fundamento se murmurou da eleição que o Conde fez de
D. Luiz da Gama seu irmão, porque era hum Fidalgo, que já tinha andado na Índia, e
servido ElRey, e estava despachado com a fortaleza de Ormuz, e ser de trinta anos de
idade, e rico”181. O facto é que consideramos estas críticas como algo a ser relativizado
e postas em perspectiva, uma vez que quase indissociáveis dos cargos de relevo político
e administrativo são as inimizades e críticas que têm como intuito promover a
instabilidade e, em alguns casos, favorecer determinada rede clientelar em detrimento
daquela que se encontra no poder. É ainda necessário ter em conta que nos reportamos a
uma época na qual não era mal visto favorecer os elementos próximos da família com a
entrega de cargos importantes, como o pode ser actualmente. O próprio Couto afirma
que a decisão foi questionada “como ordinariamente o são todas as coisas que os Vice-
reis fazem; e então o são mais, quando há pertençores às coisas de que se murmura,
parecendo aos que o fazem que estivera neles melhor o que se dá a outrem, isto é muito
antigo na India”182.
181
Diogo do Couto, Da Ásia .... op. cit., Década XII, Livro I, Capítulo VIII.
182
Ibidem, Década XII, Livro I, Capítulo VIII.
Diogo do Couto é geralmente desconsiderado enquanto fonte fidedigna pelos historiadores na hora de
escrever sobre os Gamas, uma vez que este teria relações de mecenato com tal família, o que o pode
tornar ligeiramente tendencioso. Não obstante, seguimos a linha de pensamento de Francisco
Bethencourt, que afirma que “não pode ser descartado como mera homenagem clientelar, pois o mesmo
cronista é chamado a fazer o discurso de recepção dos governadores seguintes, nomeadamente D. Aires
de Saldanha e André Furtado de Mendonça”, in Francisco Bethencourt e Kirti Chaudhuri (dirs.), História
da Expansão Portuguesa, Volume 2, Lisboa, Circulo de Leitores, 1998, p. 311.
183
Manuel de Faria e Sousa, Ásia Portuguesa .... op. cit., 1945, Volume 5, p. 187.
70
criticado a nomeação de D. Luís como Capitão-Mor da Índia e Malabar, cujos ânimos se
incendeiam ainda mais quando, chegado a Goa, lhe entregam a capitania de Ormuz,
“que eles diziam podia ser prémio de haver vencido o Cunhale, havendo-o deixado
vitorioso”184. No entanto, como já aqui escrevemos, esta capitania já lhe estava
destinada desde a sua saída do reino e, sendo uma disposição régia, não era refutável,
não obstante o fracasso da operação contra o Cunhale, da qual D. Luís inclusivamente
foi posteriormente considerado isento de culpas185.
184
Ibidem, p. 205.
185
Ibidem, p. 205.
186
“André Furtado de Mendonça, assim que ancorou em Goa após a conquista e destruição da fortaleza
erigida pelo Cunhale junto a Calecute, mandou largar cinco prisioneiros que foram apedrejados até à
morte, retendo no navio o Cunhale preso, pois pretendia levá-lo à sua frente no cortejo, como nos triunfos
da Antiguidade. O Conde da Vidigueira, D. Francisco da Gama opôs-se, requerendo o envio do preso
para julgamento, ordem cuja execução originou um conflito insanável: o cortejo foi cancelado e André
Furtado de Mendonça resolveu embarcar numa manchua e recolher-se ao Convento dos Capuchos da
Madre de Deus rio acima, não chegando a falar com o vice-rei e recusando-lhe o relato pessoal dos
sucessos militares”, Francisco Bethencourt, “O Estado da Índia”, in Francisco Bethencourt e Kirti
Chaudhuri (coord.), História da Expansão .... op. cit., Volume 2, 1998, p. 311.
187
Ibidem, p. 311.
71
benemeritos áquela Cidade”188. Um dos quadros já existentes era precisamente o de
Afonso de Albuquerque, cujos familiares não ficaram agradados pelo destaque dado à
nova obra, em detrimento daquela que retratava o Leão dos Mares, o que levou à
alteração – aparentemente pacífica – da disposição das molduras189.
Podemos apenas especular que tal atitude possa ter interferido com os hábitos
recorrentes no Estado da Índia, deixando menos espaço à ingerência geralmente
188
Diogo do Couto, Década XII, Livro I, Capítulo XV.
189
Cf. Ibidem, Década XII, Livro 1, Capítulo XVI.
190
Sanjay Subrahmanyam, O império asiático português, 1500-1700, Uma história política e económica,
Lisboa, DIFEL, 1995, p. 331.
191
Diogo do Couto, Década XII, Livro I, Capítulo III.
72
praticada e assim afectando os interesses das elites locais. A propósito da firmeza das
atitudes e valores do vice-rei, Diogo do Couto chega mesmo a descrever um episódio de
venda de cargos públicos – prática aparentemente usual – no qual D. Francisco
intervém, devolvendo o dinheiro a quem comprara o cargo e o cargo a quem tinha sido
nomeado para o exercer, afirmando que “fez o Conde Almirante esta diligência, porque
começou a haver murmurações, e não quiz que seus criados cuidassem que haviam de
enriquecer por aquelle modo”192.
Diogo do Couto não nos dá qualquer informação sobre este incidente. Por isso,
as únicas informações que temos relativamente ao assunto são escritas por Manuel de
Faria e Sousa, que escolhe focar precisamente estes incidentes quando se reporta à recta
final de D. Francisco no Oriente.
192
Diogo do Couto, Da Ásia .... op. cit., Década XII, Livro I, Capítulo III.
193
Francisco Bethencourt, “O Estado da Índia”, in Francisco Bethencourt e Kirti Chaudhuri (coord.),
História da Expansão .... op. cit., Volume 2, 1998, p. 307.
194
Ibidem, p. 311.
73
ou não, é sem dúvida revelador das poucas simpatias que o conde Almirante granjeou
durante o período em que governou a Índia portuguesa, ganhando ainda mais peso se
juntarmos aqui que “no dia em que o Conde embarcava para voltar ao reino,
anteciparam-se quarenta homens bem armados e, entrando na nau que o havia de trazer,
com uma estátua sua ao natural no rosto e no fato, a deixaram pendurada na ponta de
uma antena”195. Terá sido ao assistir a este episódio que o quarto conde da Vidigueira
terá exclamado a expressão que comummente é associada à sua figura: “Não mais Índia,
não mais!”.
O facto é que, ainda que aparentemente fosse essa a sua vontade, não
correspondeu à verdade, uma vez que D. Francisco voltará a Goa, nos anos vinte do
século XVII, para tornar a exercer o cargo que abandonava tão amargamente em
1601196. Ainda assim, o elogio é-lhe feito por Faria e Sousa, que ao comentar a rapidez
e segurança com que foi feita a viagem de retorno ao reino, afirma que “pouco importa,
logo, ao Conde que encontrasse nos homens as tormentas que não achou nos mares.
Porque, se é quase impossível ser agradável a tudo, mais necessário será parecer valido
do céu que do mundo”197. Termina a sua exposição sobre D. Francisco de forma que nos
parece reveladora do que até aqui escrevemos: “O conde era, em estatura, alto e
proporcionado, severo no semblante e branco de tez. Suficiente para este governo e,
para qualquer, não inferior aos que dele saíram com mais crédito”198.
***
Duas conclusões essenciais podem ser retiradas do que acima foi escrito.
195
Manuel de Faria e Sousa, Ásia Portuguesa .... op. cit., 1945, p. 240.
196
Não teremos esse governo em conta na biografia que aqui apresentamos de D. Francisco da Gama por
pretendermos apenas perceber que traços e/ou carreiras foram privilegiados pelo rei na hora de escolher
quem deveria assumir a presidência do Conselho da Índia.
197
Manuel de Faria e Sousa, Ásia Portuguesa .... op. cit., 1945, p. 241.
198
Ibidem, p. 241.
74
Filipe III afirmava que o presidente do dito tribunal deveria ser “fidalgo principal de
muita experiência e partes; e que haja sido Viso Rei da Índia”199. A concordância nos
postos ocupados antes da chegada ao cargo de presidente do tribunal ultramarino não é,
portanto, fruto de um acaso, mas sim de um desígnio régio. Não se requeria um
especialista em direito, um eclesiástico ou um fidalgo entendido nas dinâmicas dos
territórios africanos ou americanos, mas sim, de forma explícita, um antigo vice-rei da
Índia.
Por outro lado, se falamos de três homens com carreiras coincidentes, o mesmo
não se pode dizer dos seus projectos políticos. Se o primeiro se mostrava claramente
afecto às pretensões do Prior do Crato, o segundo encontrava-se familiarmente ligado a
um dos homens fortes do projecto filipino em Portugal, enquanto o terceiro aceita a
nova dinastia sem comprometimentos. Por tal, e reafirmamos que esta é apenas uma via
possível para alcançar uma resposta, não poderemos considerar que a escolha dos
presidentes do conselho da Índia tenha reflectido um projecto central bem definido no
sentido da castelhanização dos assuntos portugueses e do seu império ultramarino.
199
Citado por Francisco Mendes da Luz, O Conselho da Índia .... op. cit., 1952, p. 148.
75
mais escreve além de que foi “pessoa muito dedicada ao novo tribunal e que sempre
servira a seu cargo com zelo e assiduidade”200.
Os bons serviços em Tânger fazem com que no início de 1592 D. Francisco saia
de Lisboa rumando a Angola, para ocupar o cargo de Governo Geral de Angola203.
Segundo o texto de Elias da Silva Correia, escrito no século XVIII, ia D. Francisco
“incumbido de estender a Conquista, e reduzir ao nosso inteiro domínio, as encantadas
minas de prata da Serra de Cambambe, sobre que El Rei Filipe 2º de Castela, havia
fixado a vista, e o desejo”204. Prossegue: “À sua chegada se exaltou a alegria, pela
200
Francisco Mendes da Luz, O Conselho da Índia .... op. cit., 1952, p. 153.
201
D. Fernando de Meneses, História de Tânger .... op. cit., 1949, p. 98.
202
Ibidem, p. 131.
203
Chancelaria de Filipe I, Livros de Padrões e Doações, Livro 23, Fl.138v.
Sobre esta nomeação e o seu contexto, escreve Mathieu Mogo Demaret: “La principale recommandation
faite par Domingos de Abreu e Brito et reprise par la Couronne du Portugal avait trait aux domaines
politique et administratif. (...) Le fonctionnaire envoyé à Luanda avait suggéré que l’Angola cesse d’être
une capitainerie héréditaire et qu’elle devienne un territoire administré par un représentant désigné par la
Couronne pour une durée déterminée, en principe trois ans. Moins de deux ans après la rédaction du
rapport, le roi du Portugal mit effectivement fin au systéme héréditaire, en nommant une figure de la
noblesse portugaise, Francisco de Almeida, au poste de gouverneur d’Angola”, Mathieu Mogo Demaret,
Portugais, Néerlandais et Africains en Angola aux XVI e et XVIIe siècles: construction d’un espace
colonial, Tese de Doutoramento apresentada à l’École Pratique des Hautes Études, 2016, p. 109.
204
Elias Alexandre da Silva Correia, História de Angola, Edição de Manuel Múrias, Lisboa, 1937,
Volume 1, pp. 209-210.
76
esperança de remediar os males passados”. No entanto, tal remédio tornou-se
rapidamente impossível de ser encontrado. Em primeiro lugar, pelo conflito latente com
os Jesuítas, “costumados a dirigir os gabinetes do Governo; e entrevindo em todas as
disposições do de Angola (...) se chamaram à posse pretendendo dominar nas
disposições, que D. Francisco, queria por si só resolver”205. Esta luta pela jurisdição
abalou de tal forma “o religioso espírito” de D. Francisco de Almeida que este optou
pelo caminho da reconciliação e da cedência.
205
Ibidem, p. 210.
206
Ibidem, p. 211.
207
Rodrigo Faustoni Bonciani, O reinado de Filipe III e a configuração das relações de poder político e
dominium em perspectiva ibero-atlântica, XXVII Simpósio Nacional de História, Natal-Rio de Janeiro,
2013, p. 6.
77
estrutura administrativa que, aumentando o poder do centro sobre as periferias, diminuía
o poder daqueles que aí se encontravam anteriormente208.
D. Francisco, por sua vez, casou no Porto com Dona Isabel Brandão, filha do
senhor de Avintes. Deste casamento foram gerados quatro filhos, dos quais se devem
destacar D. Pedro de Almeida, que serviu na Índia, Dona Leonor, segunda mulher de
Brás Teles da Silva, Capitão de Mazagão e D. João de Almeida.
208
Nas palavras de Mathieu Mogo Demaret, “un des principaux changements que devait opérer Francisco
de Almeida était d’ordre politique et concernait la relation entre les colons portugais et les pouvoirs
africains. Pendant son mandat, Paulo Dias de Novais avait récompensé les soldats qui l’accompagnaient
en leur octroyant les terres conquises et en faisant des chefs africains qui s’y trouvaient leurs
subordonnés”. No entanto, com a nomeação de D. Francisco de Almeida por um tempo limitado de anos,
“le territoire africain devait passer sous l’autorité de la Couronne, ce qui impliquait la remise en cause du
systéme de type clientéliste mis en place par Paulo Dias de Novais. La volonté d’instaurer cette mesure
provoqua un des primiers conflits d’ampleur au sein de la communauté portugaise, entre le représentant
de la Couronne du Portugal et les colons. Les jésuites, qui bénéficiaient également des tributs payés par
les chefs africains, s’opposèrent au nouveau gouverneur”, Mathieu Mogo Demaret, Portugais,
Néerlandais et Africains en Angola .... op. cit., 2016, p. 110.
209
Rodrigo Faustoni Bonciani, O reinado de Filipe III .... op. cit., 2013, p. 6.
210
Felgueiras Gaio, Nobiliário .... op. cit., 1938-1941, Volume II, p. 81.
211
Ibidem, Volume II, p. 81.
78
saída de Pedro de Mendonça Furtado do Conselho da Índia é coincidente com a
nomeação de D. Francisco da Gama para a sua presidência, e terá estado associada ao
ressentimento por não ter recaído sobre si tal nomeação, além, claro, da idade avançada
e de um debilitado estado de saúde212. Acaba, portanto, por se aposentar. A saída de D.
Francisco de Almeida, como se pode ler na carta de nomeação do seu substituto, deve-
se também à sua aposentadoria213.
João Furtado de Mendonça, havia já servido na Índia durante cerca de doze anos,
como capitão de galés e de navios e capitão-mor das Armadas do Estreito de Ormuz e
de Malaca215, ao lado do irmão, o capitão André Furtado de Mendonça, futuro
governador da Índia, a quem aludimos já a propósito dos conflitos associados ao vice-
reinado de D. Francisco da Gama. João Furtado de Mendonça foi ainda Governador-
Geral de Angola entre 1595 e 1602.
79
guerra”217. Refeito da convalescença, opta o Governador por retomar o seu projecto
bélico e fazer guerra aos Sovas. Contrariando o resultado da expedição anterior, termina
esta investida de forma bem sucedida.
Além disto, durante o seu governo, João Furtado de Mendonça defendeu a vila
de Luanda da presença de quatro navios de corsários franceses, galvanizando os
espíritos dos seus moradores, “depois de se fortificar no morro de S. Miguel,
entricheirando com pipas cheias de areia, e faxinas, e guarnecendo de artilharia os
postos por onde podiam ser acometidos”219. Nas palavras de Francisco Mendes da Luz,
este governo simbolizou um alargamento considerável da presença e poder portugueses
para o interior de Angola220.
Para finalizar a sua abordagem, Elias da Silva Correia afirma que após a saída de
João Furtado de Mendonça do governo de Angola, este teria sido Presidente do
Conselho da Índia e do Conselho de Portugal em Madrid. Nenhuma das duas
afirmações é verdadeira. No que toca ao Conselho da Índia, sabemos pelo acima
exposto, que este tribunal teve apenas três presidentes, aos quais já fizemos larga
referência. No que ao Conselho de Portugal diz respeito, seguindo as listas contidas no
estudo de Santiago de Luxán, não encontramos também qualquer ligação deste fidalgo
ao Conselho de Portugal221.
217
Ibidem, p. 215.
218
Ibidem, p. 216.
219
Ibidem, p. 216.
220
Francisco Mendes da Luz, O Conselho da Índia .... op. cit., 1952, p. 154. Este alargamento é em
grande parte proporcionado, como escreve Mathieu Demaret, pelo clima de relativa estabilidade política
vivido na colónia quando João Furtado de Mendonça aí toma posse, especialmente quando comparada
com os momentos de governação de D. Francisco de Almeida e do seu sucessor, D. Jerónimo de Almeida.
Assim, esta estabilidade “ce qui a permir la construction de plusieurs forteresses dans les dernières années
du XVIe siècle”, Mathieu Mogo Demaret, Portugais, Néerlandais et Africains en Angola .... op. cit., 2016,
p. 111.
221
Santiago de Luxán Meléndez, La revolución de 1640 en Portugal .... op. cit., 1988, pp. 579-584.
80
Era casado com Dona Madalena de Távora, filha de D. Álvaro de Sousa, que
“passou a servir à Índia no ano de 1537, foi capitão de Chaul e depois de assistir muitos
anos, voltou para o reino e foi do Conselho do rei D. Filipe II, senhor de Alcube, onde
fundou um morgado”222. D. Álvaro era, além disso, cunhado de Cristóvão de Moura,
pelo seu matrimónio com D. Francisca de Távora, irmã deste fidalgo223.
João Correia de Sousa, por sua vez, antes da sua chegada ao Conselho serviu
durante algum tempo na Índia. Recebe a concessão da capitania de Diu no ano de 1604.
Esta capitania pertencia primeiramente ao seu tio, José (?) Gomes de Carvalho, morto
no primeiro assalto à fortaleza do Cunhale, que a deixou testamentada ao sobrinho. A
carta de nomeação refere também que o pai deste fidalgo, Jorge Correia de Sousa, havia
servido el-rei D. Sebastião, e morrido com este na Batalha de Alcácer Quibir.
No entanto, não deixa a carta associada a esta mercê de referir que esta era
concedida também pelos serviços daquele que a recebia. João Correia de Sousa havia
estado em 1598 na armada que saiu de Malaca em direcção a Amboino, na qual foi
“capitão de duas galeotas e de um navio de alto bordo”. Pertenceu também ao grupo de
homens que, liderados por Furtado de Mendonça, lograram a já referida captura do
Cunhale224.
Três anos depois de ser provido com a capitania de Diu pelo sistema de vagante,
João Correia de Sousa é incumbido de capitanear dois galeões que nesse ano de 1607
foram armados para, saídos de Lisboa, irem prestar socorro às partes da Índia. Justifica
o rei a sua escolha pela confiança que depositava em Correia de Sousa graças às
qualidades que reconhecia a este fidalgo da sua casa225. Não temos qualquer dado que
nos permita avançar que idade teria Correia de Sousa nesta altura, mas seria, por certo,
homem já experiente, o que é justificado não apenas pelo facto de receber a missão de
capitanear esta armada, com a responsabilidade que tal acarretava, mas também por ser
escolhido apenas poucos anos depois para ingressar o Conselho da Índia. Além disso,
222
António Caetano de Sousa, História Genealógica da Casa Real Portuguesa ...., Lisboa, Oficina de
José António da Silva, 1735-1749, Volume XII, Parte 2, pp. 720-721.
223
Ibidem, p. 721.
224
Chancelaria de Filipe III, Livros de Padrões e Doações, Livro 12, Fl. 200.
225
Chancelaria de Filipe III, Livros de Padrões e Doações, Livro 14, Fl. 326v.
81
logo em 1615, apenas um ano após a extinção do dito Conselho, é redigido o seu alvará
de aposentadoria226.
226
Chancelaria de Filipe III, Livros de Padrões e Doações, Livro 39, Fl. 89.
82
Suplicação podemos apenas reler os elogios já presentes na nomeação para o Conselho
da Índia. É uma escolha baseada na satisfação do monarca relativamente aos bons
serviços prestados pelo licenciado Francisco Vaz Pinto até àquele momento. Acrescenta
apenas que este letrado havia representado Portugal em Roma, o que, supõe-se, já o seu
tio teria feito, uma vez que segundo Hugo Ribeiro da Silva “em 1584 o cardeal de Santo
Estevão, datário, pedia 400 ducados para que Francisco Vaz Pinto, sobrinho do agente
de Portugal em Roma, fosse confirmado no arcediagado de Olivença, no cabido de
Braga”227. A consulta deste documento não só praticamente não nos acrescenta
informações como levanta mais uma. Esta carta encontra-se, muito provavelmente por
lapso ou do escrivão que se equivocou na escrita da data, ou do arquivista que a
associou à Chancelaria de Filipe III, datada de 1596. Não podemos, assim, afirmar com
exactidão se Francisco Vaz Pinto foi nomeado para a Casa da Suplicação no reinado de
Filipe II ou Filipe III, ou se a data foi realmente 1596228. Era, segundo os dados
recolhidos por Santiago Luxán, muito próximo de Pedro Álvares Pereira, secretário do
Conselho de Portugal em Madrid, tendo por isso visto o seu nome ser afastado da lista
de possíveis candidatos a ocupar o lugar de secretário desse Conselho, aquando o
projecto de reforma de 1601. Argumentava-se, segundo o historiador, que nomear Vaz
Pinto para tal cargo “seria parecido a deixar os papéis nas mãos do antigo secretário”229.
Estes dois homens são substituídos, respectivamente, em 1609 e 1611 por Antão
de Mesquita e Simão Soares de Carvalho, depois de ambos serem nomeados para o
Desembargo do Paço. Enquanto “tribunal supremo do reino”, “centro da administração
jurídica”, “cabeça do aparelho judicial português”230 e “última instância em matéria de
227
Hugo Ribeiro da Silva, O clero catedralício português e os equilíbrios sociais do poder (1564-1670),
Lisboa, Universidade Católica Portuguesa, Centro de Estudos de História Religiosa, 2013, p. 142.
228
Chancelaria de Filipe II, Livros de Padrões e Doações, Livro 2, Fl. 49.
229
Santiago de Luxán Meléndez, La revolución de 1640 en Portugal .... op. cit., 1988, p. 147.
230
Nuno Camarinhas, Juízes e administração da justiça no Antigo Regime: Portugal e o império colonial,
séculos XVII e XVIII, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 2010, p. 69
83
graça”231, chegar a Desembargador do Paço era atingir o topo da carreira letrada e um
estatuto de relevo no seio dos juízes do reino, sendo as nomeações vitalícias e trazendo
consigo benesses simbólicas e de distinção social como os títulos de fidalgo e de
Conselheiro de Estado232. Francisco Vaz Pinto foi ainda agraciado, em data incerta, mas
por certo após a sua saída do Conselho e do Desembargo do Paço, com o cargo de
Chanceler-Mor do Reino233. Sebastião Barbosa, por sua vez, recebe a aposentadoria em
Janeiro de 1615, pela sua falta de condições para continuar a servir no Desembargo234.
Os novos Conselheiros tinham ambos exercido as funções de Juízes na Relação de Goa,
Antão de Mesquita em 1601 e 1602235 e Simão Soares de Carvalho em datas que
desconhecemos neste ponto da nossa investigação. Tinham ainda currículos
concordantes pela ocupação de cargos no Tribunal da Inquisição de Goa, que originaria
conhecimentos fulcrais numa época em que os portugueses viam as suas possessões no
Índico prejudicadas pelas acções dos hereges. Os seus percursos não são, todavia,
totalmente coincidentes. O primeiro é mencionado numa carta do rei a D. Martim
Afonso de Castro, datada de 1607, na qual se diz que tinha sido Juíz dos Feitos da
Fazenda e servido também o cargo de secretário236. Segundo o Memorial de Ministros,
Antão de Mesquita havia também sido Visitador da Relação do Porto antes de chegar ao
Conselho da Índia. Simão Soares de Carvalho, por sua vez, foi Provedor dos Defuntos
em Goa. Estes dois últimos letrados que são escolhidos para pertencer ao Conselho
saem do mesmo apenas aquando a sua extinção, sendo nessa altura que Antão de
Mesquita é direccionado para a Mesa da Consciência e Ordens. Relativamente a Simão
Soares de Carvalho não encontramos, neste ponto da nossa investigação, dados sobre o
seu percurso após a saída do Conselho da Índia.
231
Ibidem, p. 72.
232
Ibidem, p. 71.
233
Chancelaria de Filipe II, Livros de Padrões e Doações, Livro 42, Fl. 222v.
234
Chancelaria de Filipe II, Livros de Padrões e Doações, Livro 34, Fl. 52v.
235
Historical Archives of Goa, 1602, Janeiro, 19, cód. 855, fls. 49-50vº; 1602, Setembro, 3, cód. 3033,
fls. 273-274.
236
Carta do rei Filipe III para o vice-rei Martim Afonso de Castro, Madrid, 26 de Janeiro de 1607, in DRI,
Volume 1, p. 106.
84
algo que é proporcionado pela escolha de dois homens que haviam desempenhado as
suas funções nas repartições da Casa da Suplicação de Goa, e não de Lisboa. Além
disso, estabelecendo a comparação entre as carreiras dos Conselheiros de Capa e Espada
e as dos juristas, concluímos que o Conselho da Índia constituía patamares diferentes na
carreira de uns e outros. Para os primeiros, o tribunal ultramarino revelou-se como um
fim – ou topo – de carreira: ou sairam dele aposentados, ou foram substituídos aquando
a sua morte. Por outro lado, para os letrados o Conselho da Índia parece estar num
patamar intermédio e possibilita hipóteses de ascenção profissional. Aparentemente
mais jovens que os conselheiros de Capa e Espada quando chegam ao Conselho, os
juristas saem deste tribunal por via de promoções, e não pela aposentadoria ou morte.
85
Capítulo V
237
Cf. Luís Filipe Thomaz, De Ceuta a Timor .... op. cit., 1994, p. 217. p. 213.
238
André Teixeira, Fortalezas do Estado Português da Índia, Arquitectura militar na construção do
império de D. Manuel I, Lisboa, Tribuna da História, 2008, p. 149.
239
Ibidem, pp. 157-158.
86
Por seu turno, D. João III inicia uma política díspar da do seu pai, refreando de
forma quase imediata o projecto de construção de fortalezas no Índico. Além de só se
tornar a construir uma fortaleza no Índico dez anos depois da subida deste monarca ao
trono, logo em 1523, 1524 e 1525, por motivos estratégicos, foram abandonadas as
fortalezas de Pacém, Colombo e Calecute, respectivamente, dando o novo monarca
ordem para que não fossem retomadas240. No entanto, com o aumento da pressão
exercida pelos otomanos naquelas costas, D. João III vê-se obrigado a reforçar a
presença portuguesa e, dessa forma, em 1532 ordena a construção de uma fortaleza em
Chalé, dois anos depois em Baçaim e em 1535 em Diu.
Por outro lado, podemos também notar como fortalezas tidas de primeira linha
de importância para a manutenção da rede de poder dos portugueses estiveram sempre
presentes nas nomeações dos monarcas – por exemplo, Chaul, Cochim, Moçambique,
Malaca, Goa, Diu, Baçaim –, enquanto outras, menos relevantes, desaparecem em
alguns reinados, como Cananor, Coulão e Maim, e ainda, numa terceira hipóese,
fortalezas que são abandonadas pouco tempo após a sua construção, como é o caso de
Calecute, Chalé, Pacém e Ceilão, ainda que para esta última encontremos novamente
capitães nomeados no reinado de Filipe III.
240
Ibidem, p. 153.
241
Francisco Mendes da Luz (ed.), Livro das cidades e fortalezas, que a Coroa de Portugal tem nas
partes da India, e das capitanias e mais cargos que nelas há, e da importância delles, Lisboa, Centro de
Estudos Históricos Ultramarinos, Separata da Revista Studia, Nº6, Julho de 1960.
87
Moçambique, Ormuz e Sofala e Chaul, enquanto ponto de pressão sobre Diu, depois de
uma tentativa fracassada de domínio deste ponto de interesse.
V. 2. Critérios e metodologia
Foi esta demonstrada relevância das capitanias do Índico e dos seus oficiais para
a manutenção do império português no Oriente que nos levou a procurar entender de
que forma foi gerido o processo de escolha dos fidalgos que durante anos de conflito e
insegurança como aqueles que estudamos estiveram à sua frente ou, pelo menos, que
foram nomeadas para tal. No mesmo seguimento, a tarefa de nomeação dos oficiais das
capitanias era considerada “uma das coisas que mais importam ao serviço de Vossa
Majestade no Estado da Índia”, dependendo deles o bom governo do império asiático,
uma vez que “os erros dos que mal administram em partes tão remotas mais perjudiciais
e piores de remedear”. Além disso, “consiste na provisão dos tais cargos a satisfação
dos homens que servem naquelas partes, por ser esta só a que se lhes dá de seus serviços
e trabalhos; e assim é muito justo que na repartição deles se tenha tal tento que não
fiquem uns sem o que merecem e outros com aquilo que não cabe neles”242.
242
Ibidem, p. 3. Importa fazer um parêntesis, e chamar a atenção para o valor desta fonte para o nosso
estudo. O seu autor, desconhecido, revela que servem as páginas por si escritas para dar conhecimento ao
rei, que inaugurava a nova dinastia, sobre as cidades e fortalezas que a coroa de Portugal tinha, à época,
no Oriente, “para que visse em verdadeira notícia da grandeza delles sem o trabalho de ver largas
escripturas”. Datada de 1582, esta relação é, por isso, a fonte mais próxima que temos para o nosso
período. Ainda que os anos que temos em conta na presente dissertação estejam trinta anos separados da
data deste Livro, a descrição que o seu autor nos faz do Estado da Índia e as informações que nos dá sobre
as hierarquias entre territórios, o valor económico e geo-estratégico de cada fortaleza ou os oficiais que
em cada uma exerciam funções, está decerto mais próxima de nos retratar uma realidade mais semelhante
àquela existente durante os anos em que o Conselho da Índia funcionou do que, por exemplo, a obra de
Bocarro, datada de 1635. Ainda que os anos que separam uma e outra obra do Conselho da Índia sejam os
mesmos, o império português foi um império relativamente mais estável entre o século XVI e o início do
século XVII do que do segundo quartel de seiscentos em diante, quando, como vimos, é acentuada a
guerra territorial prepetrada por holandeses e ingleses, que tem consequências graves, como a perda de
Ormuz.
88
Em número de vinte e oito constantes nos Índices de Chancelaria de Filipe II,
relacionando os factores do peso político e do peso geográfico, mas também
pretendendo estudar o fenómeno das nomeações em diferentes zonas do Índico, com
diferentes objectivos geo-estratégicos, restringimos a nossa análise a cinco fortalezas:
Goa, Ormuz, Malaca, Diu e Baçaim. Abrangemos, desta forma, a costa ocidental
indiana, a Pérsia e a Insulíndia. Justifique-se a ausência de Moçambique, escala
principal da navegação entre Lisboa e o Estado da Índia, mas que preferimos não incluir
no nosso trabalho pelo facto de se contar apenas uma nomeação para esta capitania, no
Índice da Chancelaria de Filipe III.
243
João Paulo Oliveira e Costa e Vítor Luís Gaspar Rodrigues, Conquista de Goa (1510-1512),
Campanhas de Afonso de Albuquerque,Volume 1, Lisboa, Tribuna da História, 2008, p. 9.
244
Cf. André Teixeira, Fortalezas do Estado Português da Índia .... op. cit., 2008, p. 66.
245
Afonso Guerreiro, Das festas que se fizeram na cidade de Lisboa, na entrada del Rey D. Philippe
primeiro em Portugal, Lisboa, Francisco Correia, 1581, Capítulo XIV.
246
Francisco Mendes da Luz (ed.), Livro das cidades e fortalezas .... op. cit., 1969, p. 6.
247
Catarina Madeira Santos, Goa é a chave de toda a Índia. Perfil político da capital do Estado da Índia
(1505-1570), Lisboa, CNCDP, 1999.
89
principal nobreza de Portugal, que aquelas partes vai servir seu Rei (...) entre os quais
há muitos soldados veteranos e capitães muito práticos e experimentados e muito
cursados na guerra daquelas partes”248.
Anexada aos domínios portugueses em 1507, a cidade de Ormuz era “tão viçosa,
e abastada, que dizem os moradores dela, que o Mundo é um annel, e Ormuz uma pedra
preciosa engastada nele”249; diz-se também que era “o mais célebre empório e escala do
mundo em que maior concurso e trato há de todas as mercadorias Orientais e
Ocidentais”250. Encontra-se neste estudo, no entanto, não pela sua demonstrada riqueza,
mas pelo aviso que o autor do supracitado Livro das Fortalezas quando a apresenta ao
novo monarca: “é a mais importante fortaleza que os Reis de Portugal têm nas partes da
Índia e com que mór perda e quebra se receberia se se perdesse”, porque “alem de ser de
muito rendimento para sua fazenda Real, é chave daquele estreito que por aquellas
partes resiste ao Turco”251.
Não menos rica, Malaca era descrita como “centro onde concorre todo o natural
que a terra cria e artificial da mecânica dos homens”, onde se encontravam diversas
comunidades mercantes, especializadas no mais variado tipo de produtos 252. Era assim
devido à sua localização geográfica, que a tornava um ponto de comum às mais ricas
navegações comerciais, uma vez que pelo estreito de Malaca passavam as rotas da
Índia, da China e da Malásia e Indonésia253, sendo por isso descrita nos arcos triunfais
de 1581 como “porta e chave” de todos os mares254.
248
Francisco Mendes da Luz (ed.), Livro das cidades e fortalezas .... op. cit., 1969, p. 7.
249
Barros, Década 2, Parte 2, p. 108.
250
Francisco Mendes da Luz (ed.), Livro das cidades e fortalezas .... op. cit., 1969, p. 32. Frei Agostinho
de Azevedo na sua Relação do Estado da Índia apresenta as mercadorias que nesta cidade podiam ser
encontradas: sedas, veludos, água de rosas, ruibarbo, pedras de bezoar, açafrão e papel, porcelanas,
canela, pimenta, cardamomo, anil e têxteis, oriundos de partes tão díspares como a Pérsia, Baçorá e a
Índia. Citado por Dejanirah Couto e Rui Manuel Loureiro, Ormuz, 1507-1622, Conqiuista e Perda,
Lisboa, Tribuna da História, 2007, p. 69.
251
Francisco Mendes da Luz (ed.), Livro das cidades e fortalezas .... op. cit., 1969, p. 32.
252
Cf. André Teixeira, Fortalezas do Estado Português da Índia .... op. cit., 2008, p. 130.
253
“Concorre a ela todos os navegantes daqueles mares da Índia (que lhe ficam a Ocidente) a fazer suas
comutações e comércios com os navegantes daqueles mares do Sul (que lhe ficam ao Oriente)”, Francisco
Mendes da Luz (ed.), Livro das cidades e fortalezas .... op. cit., 1969, p. 18.
254
Afonso Guerreiro, Das festas que se fizeram .... op. cit., 1581, Capítulo XX.
90
Desde cedo esteve inserida nos projectos da expansão portuguesa. Logo quando
D. Manuel I envia o vice-rei D. Francisco de Almeida para o Índico, deixa explícito o
seu interesse naqueles territórios malaios255, o que veio a ser concretizado por Afonso
de Albuquerque em 1511. Se até esse momento Malaca era “a principal fonte de que
corriam todas as especiarias e drogas para o estreito do mar Roxo e daí para Meca,
Cairo, Alexandria e Veneza”256, nos primórdios da união de Portugal ao império de
Filipe II, Malaca mantinha este papel, que lhe permitiu tornar-se “a mais importante e
proveitosa praça que os reis de Portugal têm no Estado da Índia, assim para conservação
do mesmo estado, como para bem e utilidade dos seus vassalos”257. No regimento
entregue ao Conde da Feira em Março de 1608, lê-se que “a primeira e principal
empresa daquelas partes, e em que deveis pôr os olhos, é a guarda e defensão da
fortaleza de Malaca, e em caso que ela esteja ocupada dos inimigos (o que Deus não
permita) de sua recuperação”258.
255
João Paulo Oliveira e Costa e Vítor Luís Gaspar Rodrigues, Conquista de Malaca (1511), Campanhas
de Afonso de Albuquerque,Volume 2, Lisboa, Tribuna da História, 2011, p.17.
256
Francisco Mendes da Luz (ed.), Livro das cidades e fortalezas .... op. cit., 1969, p. 18.
257
Ibidem, p. 30.
258
Regimento dado a D. João Forjaz Pereira, conde da Feira, vice-rei da Índia, sobre a armada e mais
coisas relativas às partes do Sul e fortaleza de Malaca, Lisboa, 4 de Março de 1608, in DRI, Volume 1, p.
211.
259
Citado por Mário César Leão, A província do norte do Estado da Índia, Macau, Instituto Cultural,
1996, p. 114
260
Citado por ibidem, p. 114.
261
Ibidem, p. 103.
91
Diu, para evitar que os turcos ali se insalassem e fizessem dela base para a guerra contra
o Estado da Índia”262.
No que diz respeito aos oficiais, optámos por cingir a nossa abordagem aos
capitães, ocupantes do cargo mais alto dentro da hierarquia da fortaleza, donos de uma
autonomia bastante significativa face às restantes instâncias, sendo dependentes apenas
do Governador ou do Vice-rei em Goa.
262
André Teixeira, Baçaim e o seu território: Política e economia (1534-1665), Tese de mestrado
apresentada à FCSH-UNL, Lisboa, 2010, p. 28.
263
Op. cit., p. 30.
264
Francisco Mendes da Luz (ed.), Livro das cidades e fortalezas .... op. cit., 1969, p. 24.
92
ascendentes e descendentes, analisar que motivos estiveram por detrás das suas
nomeações, encontrar tendências globais de nomeação e entre as escolhas para as
diversas capitanias.
Há que relembrar que os nomes e números de capitães aqui expostos são apenas
aqueles que nos são fornecidos pelos Índices das Chancelarias dos reinados a que
aludirmos, pelo que deve ser estabelecida uma margem de erro para a eventualidade de
estarmos a lidar com índices incompletos e para a consequente possibilidade de haver
capitães que não figuram do nosso estudo.
93
D. Manuel I, ainda que tenha sido no seu tempo que a rede de fortalezas tenha
começado a ser impulsionada. Optámos por iniciar a nossa análise no reinado de D.
João III apenas porque os dados de que dispomos sobre o fenómeno das nomeações
durante os anos de governo d’ O Venturoso são algo escassos e deixavam pouca
margem para qualquer tipo de cálculo. É assim ou porque a documentação se perdeu e
foi impossível registar correctamente todas as nomeações deste monarca nos Índices de
Chancelaria, ou porque o número de nomeações foi realmente baixo, por serem anos em
que se faziam ainda os primeiros reconhecimentos e as primeiras construções e em que
alguns dos capitães eram nomeados apenas aquando a conquista e/ou construção das
fortalezas, pelas autoridades estantes na Índia, e não pelo monarca266.
266
No reinado de D. Manuel as fortalezas de Baçaim e Diu, como vimos, ainda não estavam sob a tutela
portuguesa, pelo que não podem existir nomeações deste monarca para nenhuma delas. No que diz
respeito a Goa, Malaca e Ormuz, encontramos registadas duas nomeações para cada uma delas.
94
Na coluna da esquerda apresentamos o valor da soma de todos os nomeados para
as capitanias de Goa, Ormuz, Malaca, Diu e Baçaim nos reinados de D. João III, D.
Sebastião e D. Henrique, Filipe II e Filipe III. Na da direita, o valor da média de
nomeações por ano, em cada um destes reinados. Conclui-se facilmente a tendência
generalizada de crescimento da média do número de capitães nomeados anualmente.
Entre o tempo de governação de D. João III e o de D. Sebastião o aumento foi muito
pouco significativo, especialmente quando comparado com os valores do reinado
seguinte, e tendo em conta que nessa altura estava já consolidada a presença portuguesa
na maioria destes locais e a importância destas fortalezas no seio do Estado da Índia.
Este aumento será, no entanto, particularmente acentuado entre a dinastia de Avis e os
valores dos reis castelhanos.
Para a coroa, este método tinha a vantagem de garantir o contentamento dos seus
súbditos e a recompensa pelos serviços prestados sem que tal correspondesse
obrigatoriamente a um aumento das despesas ou dos postos existentes268. No entanto,
constituindo-se as nomeações como património pessoal daqueles que eram indigitados
por via deste sistema, e sendo geralmente elevado o tempo compreendido entre a data
das nomeações e o momento de exercício das mesmas, acabava por se tornar um
267
Mafalda Soares da Cunha, O império português no tempo de Filipe III. Dinâmicas político-
administrativas, p. 6, Versão reduzida e em português do texto “Organización político-administrativa”, in
José Martínez Millán e María Antonietta Visceglia (dirs.), La Monarquía de Filipe III: Los Reinos,
Volume IV, Madrid, Fundación Mapfre-Instituto de Cultura, 2008, pp. 883-899.
268
Cf. João Paulo Oliveira e Costa e Vitor Luís Gaspar Rodrigues, Portugal y Oriente ... op. cit., 1992, p.
312.
95
inconveniente para o funcionamento e gestão do espaço ultramarino. Se tivermos em
conta a tabela seguinte, percebemos de que forma se podia tornar impossível que a
pessoa agraciada pela mercê chegasse efectivamente a exercer o ofício.
96
Tendo em conta o número de capitães nomeados e multiplicando-o pelos três
anos que cada um devia estar à frente da capitania que lhe correspondia, podemos
perceber que no século compreendido entre 1521 e 1621, que separa o reinado de D.
João III do de Filipe III, são nomeados capitães suficientes para assegurar estas cinco
capitanias por um tempo sempre superior ao tempo efectivo.
Por outro lado, nos casos de Ormuz e Diu as nomeações feitas durante um século
asseguravam mais de duzentos anos de exercício, o que já nos leva a concluir que o
número de capitães nomeados para ambas as capitanias tenha sido excessivamente
elevado. As nomeações para a capitania de Baçaim, embora com valores ligeiramente
mais baixos, levam-nos a retirar a mesma conclusão. Por tal se percebe que em muitos
casos já não era ao indivíduo que tinha sido agraciado que cabia o exercício das funções
em questão, ou porque devido ao seu envelhecimento optava por renunciar a favor de
parentes, ou porque pelo seu falecimento a mercê era herdada, ou pelos seus filhos e
genros ou até pelos segundos maridos das viúvas270. Por isso, muitas vezes acabavam
por estar à frente das fortalezas não aqueles que tinham feito os serviços que os
269
Carta do Governador da Índia Fernão de Albuquerque ao rei Filipe III, Goa, 18 de Fevereiro de 1621,
in DRI, Volume 7, p. 236.
270
Cf. João Paulo Oliveira e Costa e Vitor Luís Gaspar Rodrigues, Portugal y Oriente ... op. cit., 1992, p.
313.
97
30
25
20
D. João III
15 D. Sebastião
Filipe II
10 Filipe III
0
Goa Ormuz Malaca Diu Baçaim
tornavam capazes de servir proveitosamente, mas sim, em alguns casos, indivíduos sem
preparação para os cargos que iam ocupar271.
271
Cf. Ibidem, p. 313. Pelo mesmo motivo, em 1608 começa a ser debatida no Conselho de Portugal a
hipótese de abandonar o sistema de vagante dos providos nas nomeações para as capitanias e capitanias-
mor das naus da Índia. O método de nomeações era posto em causa principalmente porque, tal como
evidenciámos para o caso das fortalezas, também no caso das capitanias das naus muitas vezes acabavam
por exercer o cargo não os que tinham sido nomeados, mas os herdeiros. Devido à presença de rebeldes a
perturbar a navegação portuguesa, tornava-se cada vez mais crucial garantir que as viagens eram
capitaneadas por homens competentes que merecessem a nomeação, e não pelos seus herdeiros, cuja
prática e experiência podia não ser comprovada, ou não se revelar à altura da tarefa. Não se chegaram a
efectuar alterações no sistema, mas “a discussão sobre os modelos de recrutamento estava, porém, aberta.
De um lado situava-se a tradicional política garantista de defesa dos direitos adquiridos dos fidalgos
amerceados a que se agregava o argumento economicista da poupança para as sempre depauperadas
finanças régias; do outro surgiam as propostas de decisão política assentes em critérios de oportunidade e
de utilidade que sugeriam soluções mais livres e adequadas à evolução da própria realidade”, Mafalda
Soares da Cunha, O império português no tempo de Filipe III. Dinâmicas político-administrativas, p. 6,
Versão reduzida e em português do texto “Organización político-administrativa”, in José Martínez Millán
e María Antonietta Visceglia (dirs.), La Monarquía de Filipe III: Los Reinos, Volume IV, Madrid,
Fundación Mapfre-Instituto de Cultura, 2008, pp. 883-899.
98
O primeiro gráfico mostra-nos o número efectivo de nomeações nas cinco
capitanias em análise entre o reinado de D. João III e o de Filipe II. O segundo, por
outro lado, mostra-nos a média de nomeações por reinado em cada uma das capitanias.
A observação de ambos leva-nos a reparar, tal como já havíamos reparado quando
analisámos as capitanias no seu conjunto, num aumento significativo entre as
nomeações feitas pelos reis de avis e aquelas feitas pelos seus sucessores castelhanos.
Salve-se, uma vez mais, a excepção de Goa, que apresenta uma diminuição entre o
reinado de D. Sebastião e o de Filipe II.
4,5
4
3,5
3
D. João III
2,5
D. Sebastião
2
Filipe II
1,5 Filipe III
1
0,5
0
Goa Ormuz Malaca Diu Baçaim
Note-se, além disso, uma certa ausência de padrão entre as várias capitanias, não
havendo nenhuma variante de análise que nos leve a encontrar o mesmo resultado em
todas as capitanias. As nomeações para a fortaleza de Baçaim, Diu e Malaca
apresentam-nos números que nos mostram um constante aumento da média de
nomeações por ano de reinado durante o governo destes quatro monarcas. Em Baçaim e
em Diu estes valores sobem consideravelmente entre os reis da dinastia de Avis e os reis
castelhanos, mas apresentam uma estagnação entre os reinados de Filipe II e Filipe III.
Malaca mantém números mais baixos, mas revela-se dentro da mesma tendência. Pelo
contrário as nomeações para a fortaleza de Goa apresentam uma descida constante entre
os reinados de D. João III e Filipe II, que é posteriormente invertida no reinado de
Filipe III. No que diz respeito à capitania de Ormuz, a oscilação de valores é constante.
99
No que diz respeito ao segundo gráfico, podemos dizer que um capitão nomeado
por triénio para cada uma das capitanias seria o número ideal para que existisse um
equilíbrio entre o número de nomeados e os anos assegurados pelo exercício efectivo
dos cargos em questão. Contrariamente ao que esperávamos, tendo em conta as tabelas
apresentadas anteriormente, esta lógica numérica é respeitada com bastante frequência.
Para Goa as nomeações nunca ultrapassam a média de um nomeado por triénio. Nas
restantes fortalezas só durante os reinados de Filipe II e Filipe III estes números sobem
para médias de – arredondando os valores para números efectivos – três nomeações por
triénio em Ormuz, Diu e Baçaim, e duas em Malaca.
Como vimos, em todo o reinado de Filipe III este número ascendeu a um total de
noventa e nove capitães nomeados entre as capitanias de Goa, Ormuz, Malaca, Diu e
14
12
10
8 1598-1604
1604-1614
6
1614-1621
4
0
Baçaim Diu Goa Malaca Ormuz
Baçaim. Destes noventa e nove, pelo menos trinta e quatro capitães foram escolhidos
pelo Conselho da Índia272, o que corresponde a uma média de cerca de 4,7 nomeações
272
Dos nossos cálculos não consta a totalidade do nosso objecto de análise, uma vez que, ou por motivos
de mau estado da documentação que nos impediram de a consultar, ou por ser imperceptível a leitura ou
percepção das datas de nomeação, há quatro capitães cujas datas de nomeação desconhecemos e que, por
100
por ano nos treze anos de reinado em que não houve Conselho da Índia (os períodos
compreendidos entre 1598-1604 e 1614-1621) e uma média ligeiramente inferior
enquanto o Conselho esteve activo (1604-1614), de 3,4 nomeações por ano. Num
primeiro olhar, somos levados a concluir que nos vinte e três anos de reinado de Filipe
III, os dez de funcionamento do Conselho da Índia corresponderam a uma quebra do
número de nomeações relativamente aos anos em que o Conselho não esteve activo. No
entanto, se alterarmos a nossa forma de abordar o assunto e dividirmos o reinado de
Filipe III em três fases distintas, cada uma correspondendo aos períodos anterior,
coincidente e posterior ao funcionamento deste tribunal, percebemos que os seus dez
anos de funcionamento não representaram linearmente esta quebra no número de
nomeações.
isso, não pudemos incluir na nossa análise. Destes, três foram nomeados para a capitania de Baçaim e um
para a de Goa.
101
Somos por isso levados a pensar que os receios demonstrados pelas autoridades
relativamente à falta de habilitações daqueles que acabavam por herdar ou receber por
renúncia as capitanias-mores das naus da Índia se estenderam à ocupação das fortalezas
desse Estado. Por tal, podemos estar perante anos em que se opta pela diminuição das
nomeações e da bolsa de nomeados e se entende que a complexa conjuntura vivida no
Índico obrigava a um maior cuidado na hora da escolha dos capitães e a uma garantia
que aqueles que exerciam as mercês eram efectivamente homens nomeados, que haviam
sido considerados capazes, e não os seus herdeiros. Abrandar o ritmo de nomeações era,
à partida, diminuir o tempo de espera entre a nomeação e o exercício efectivo da mesma
e, assim, garantir que esta podia ser exercida por quem a tinha recebido.
273
Para evitarmos uma fragmentação excessiva do texto, as cotas referentes às cartas de nomeação de
cada um destes capitães encontram-se no anexo 6.
102
D. Lopo de Almeida 1607
Luís Falcão 1611
Manuel de Miranda Henriques 1613
Manuel Pereira da Silva 1612
Nicolau de Castilho 1606
Salvador Pereira da Silva 1605
Baçaim Bartolomeu Pereira de Miranda 1613
Fernão de Sampaio da Cunha 1611
Francisco de Macedo de Meneses 1611
D. João de Sousa 1608
Jorge de Lima Barreto 1612
Luís de Brito de Melo 1606
Pedro de Sousa de Meneses 1610
V. 4. 1. Motivos de escolha
Para que possamos perceber a lógica de nomeações que norteou a escolha dos
capitães por parte dos conselheiros da Índia, precisamos de perceber que motivos foram
apresentados como justificação da entrega de tais mercês a estes homens. De facto, o
que importa realmente perceber é até que ponto estas nomeações estão revestidas de
cariz político, se têm o peso de linhagens e ascendentes a promovê-las, e se se destinam
a alimentar redes de poder ou se, pelo contrário, é nas qualidades de cada um destes
indivíduos que os conselheiros da Índia se baseiam para aconselharem o monarca no
sentido de os nomear capitães das cinco fortalezas em estudo.
Serviços Serviços de
Nome do capitão seus terceiros
D. Afonso Henriques x
D. António de Eça x
Bartolomeu Pereira de Miranda x
D. Cristóvão de Noronha x
Cristóvão de Távora x
Diogo de Melo de Sampaio x
Diogo de Melo de Castro x
D. Duarte Lima x
Duarte Pacheco Pereira x x
Fernão de Sampaio da Cunha x
Fernão de Saldanha x
103
D. Francisco de Lima x
Francisco de Macedo de Meneses x
D. João de Sousa x x
D. João de Almeida x x
D. João da Silva x
João Furtado de Mendonça x
D. João de Mascarenhas x
João Pinto de Morais x
D. Jorge de Alencastro x
D. Jorge de Lima Barreto x
Lopo de Almeida x
Luís de Melo de Sampaio x x
Luís Falcão x
Luís Brito de Melo x
Manuel de Miranda Henriques ─ ─
Manuel de Oliveira de Azevedo x
Manuel Pereira da Silva x
Manuel da Silva de Sousa x x
Nicolau de Castilho x x
Pedro de Sousa de Meneses x
Salvador Pereira da Silva x
Simão de Sousa de Castro x
Tomé de Sousa de Arronches x
104
prestado serviços no Estado da Índia, seguindo as cartas, na sua maioria, a mesma
fórmula: “havendo respeito aos serviços que (nome do nomeado), fidalgo de minha
casa, me fez/me tem feito nas partes da Índia, servindo de soldado e capitão de navios”.
Não são acrescentados outros pormenores nos casos que citámos. Apenas nos casos de
D. Francisco de Lima e de Manuel da Silva de Sousa se pode ler que a nomeação recai
sobre eles também como recompensa por serviços – não especificados – no reino.
Além destes grupos de capitães nomeados como recompensa pela sua presença e
bons serviços nas duas conjunturas concretas a que aludimos, há também algumas cartas
que demonstram a existência de outro tipo de motivações, sendo, em alguns casos, os
mesmos homens a que aludimos nos dois parágrafos anteriores. Fernão de Sampaio da
Cunha, além de ter estado em Malaca com Martim Afonso de Castro, esteve também
com André Furtado de Mendonça “nas ocasiões de guerra”, e é também por isso que é
indigitado com a capitania de Baçaim. Igualmente, Lopo de Almeida é agraciado não
apenas pela sua presença em Cunhale, mas também por ter acompanhado André Furtado
de Mendonça, capitaneando um galeão na Armada do Sul; Luís Falcão é considerado
105
merecedor da capitania de Diu por ter servido com satisfação nas guerras de Baçaim e
enquanto Capitão-Mor de Baçaim; Luís de Melo de Sampaio, além de presente no
assalto ao Cunhale, esteve também na tomada do morro de Chaul em 1594. D. Jorge de
Alencastro havia servido em Ceuta, até que passou à Índia na companhia de Rui
Lourenço de Távora. Por fim, Salvador Pereira da Silva é indigitado com a capitania de
Diu por ter estado presente nas Armadas do Norte e Simão de Sousa de Castro é
nomeado como recompensa pelos seus serviços na Índia, desempenhados após 1584,
quando seguiu para aquelas partes provido da capitania de Mangalor.
106
estava indigitado, e de Dona Cecília, sua mãe, ter renunciado os direitos que tinha sobre
tal mercê. Luís de Melo de Sampaio, a quem já aludimos aquando a referência ao grupo
de capitães presentes na tomada da fortaleza do Cunhale, além de ser nomeado por esser
serviços, é-o também por herdar a recompensa pelos serviços do irmão, Tristão de
Melo, que morre solteiro e sem filhos ao serviço do Estado da Índia, depois da mãe de
ambos renunciar a esta herança a favor de Luís. Manuel da Silva de Sousa, por sua vez,
é agraciado por respeito aos serviços do tio, Álvaro Dias de Sousa, e Nicolau de
Castilho é-o a pedido do vice-rei de Lisboa, D. Pedro de Castilho, ainda que se refiram,
como vimos, não especificados serviços do mesmo no Estado da Índia.
107
pelos serviços desempenhados pelo irmão, Salvador da Silva Pereira, que foi agraciado
com a capitania de Diu em 1605 pelos motivos que acima expusemos.
274
O mesmo pode ser dito relativamente a Nicolau de Castilho, que ainda que tenha exercido funções nas
partes da Índia, é nomeado a pedido do Bispo D. Pedro, de Castilho seu tio.
108
fidalgos sem experiência. Tudo isto nos leva a concluir que em tempos de instabilidade
militar como foram aqueles sob a nossa análise, foi maioritariamente procurado que os
homens indigitados nestas capitanias principais do Estado da Índia fossem homens
competentes e com provas dadas dessa competência, e não indivíduos escolhidos para
manter redes de poder ou agraciar linhagens.
275
Cf. Andreia Martins de Carvalho, Nuno da Cunha e os capitães da Índia (1529-1538), Tese de
Mestrado apresentada à FCSH-UNL, Lisboa, 2006, pp. 72-106.
109
O que nos interessou perceber foi se esta característica social do império português
sofreu alterações de relevo entre o segundo quartel do século XVI e o primeiro do
século seguinte. Vejamos, caso a caso, as conclusões que pudemos retirar.
276
Felgueiras Gaio, Nobiliário .... op. cit., 1938-1941, Volume XVI, p. 81, p. 103.
277
Ibidem, Volume XVI, p. 103.
278
D. Afonso Henriques, D. António de Eça (ilegítimo), D. Cristóvão de Noronha, Diogo de Melo e
Castro, D. João de Almeida, João Furtado de Mendonça, Luís Falcão, Manuel de Miranda Henriques e
Nicolau de Castilho.
110
se o serviço no ultramar uma opção para quem não as tinha no reino. Além disso, o
único capitão que apurámos ser primogénito foi Cristóvão de Távora que, como vimos,
apresenta a situação especial de ser familiarmente chegado às figuras de relevo que
foram Rui Lourenço de Távora e D. Francisco da Gama.
V. 4. 3. Os nomeados
279
Andreia Martins de Carvalho, Nuno da Cunha .... op. cit., 2006, p. 79.
280
São estes os pais de D. António de Eça, Bartolomeu Pereira de Miranda, Cristóvão de Távora, Diogo
de Melo de Castro, D. Duarte Lima, Duarte Pacheco Pereira, Fernão de Saldanha, Francisco Macedo de
Meneses, D. João de Sousa, Luís Falcão e Manuel Pereira da Silva.
281
Francisco Mendes da Luz (ed.), Livro das cidades e fortalezas .... op. cit., 1969, p.6.
282
Ibidem, p. 32.
283
Ibidem, p. 18.
111
que se tivesse muita confiança”284. Por fim, em Baçaim, “foram capitães homens de
muita autoridade e de muito serviço, de que muitos deles foram depois vice-reis e
governadores da Índia”285.
a) Capitães de Goa
Nada sabemos da sua acção, além de que em 1616 era já capitão de Goa,
informação que nos é dada por uma carta de Filipe III ao vice-rei D. Jerónimo de
Azevedo, alertando-o para o facto de Simão de Sousa de Castro, “capitão d’essa cidade”
se queixar “de que se lhe não pagam seus ordenados”286.
284
Ibidem, p. 14.
285
Ibidem, p. 24.
286
Carta do rei Filipe III ao vice-rei da Índia D. Jerónimo de Azevedo, Lisboa, 14 de Março de 1616, in
DRI, Volume 3, p. 467.
112
se lhe opôs por ser também provido da dita capitania”287. Além disto, sabemos apenas
que faleceu em Dezembro de 1620, e que foi substituído por Tomé de Sousa de
Arronches, também capitão nomeado no tempo do Conselho da Índia, em 1611, por
respeito aos serviços por si prestados na Índia, nas partes do Sul, e enquanto capitão de
Colombo.
Deste homem e da sua carreira na Índia sabemos que em 1587 esteve presente na
defesa de Colombo quando a fortaleza foi cercada pelas tropas do Raju, ao lado de
Manuel de Sousa Coutinho, então capitão dessa cidade, mas que seria pouco tempo
depois nomeado governador do Estado da Índia288. Pouco mais de uma década volvida,
encontramo-lo a terminar o seu triénio como capitão desta mesma fortaleza289.
b) Capitães de Ormuz
287
Carta do vice-rei D. João Coutinho ao rei Filipe III, Goa, 20 de Fevereiro de 1619, in DRI, Volume 5,
p. 185. Fernando (ou Fernão) de Albuquerque foi provido com a mesma capitania no ano de 1614 e, pela
lógica do sistema de vagante dos providos, não poderia desempenhar o cargo antes daqueles que tivessem
sido providos antes de si. Esta contestação, não sabemos se ocorreu por ter havido alguma alteração no
sistema de nomeações, que permitisse que este tomasse posse na fortaleza de Goa antes daquele, ou se
simplesmente tal requerimento não tinha possibilidade de ser aceite e por isso Albuquerque tenha perdido
a sua causa.
288
Cf. Nuno Vila-Santa, Manuel de Sousa Coutinho, in http://www.fcsh.unl.pt/cham/eve/, consultado em
08.10.2016, 18h11m.
289
Diogo do Couto, Da Ásia .... op. cit., Década XII, Livro II, Capítulo I.
290
Carta do vice-rei D. João Coutinho ao rei Filipe III, Goa, 1619, in DRI, Volume 5, p. 203.
291
Carta do da Índia Governador Fernão de Albuquerque ao rei Filipe III, Goa, 18 de Fevereiro de 1621,
in DRI, Volume 7, p. 235.
292
Ibidem, p. 236.
113
D. Cristóvão de Noronha, filho de D. Pedro de Noronha, senhor de Vila Verde e
Vedor da Fazenda, morto em Alcácer Quibir, e de D. Catarina de Ataíde, filha do 2º
Conde da Vidigueira, D. Francisco da Gama, é nomeado havendo respeito a serviços
seus “assim nas armadas deste reino [de Portugal] como nas da Índia”, tendo “servido
de soldado e capitão de navios” e “capitão-mor de soldados”, e com declaração de que
devia servir pelo menos mais cinco anos no Estado da Índia até poder das entrada na
dita capitania de Ormuz. Sobre os seus serviços anteriores à nomeação para a capitania
de Ormuz, pouco conseguimos aferir. Sabemos pelo índice onomástico da obra de
Diogo do Couto que esteve presente em pelejas em Cunhale, mas não o encontramos
referido nas páginas do mesmo cronista. É no ano da sua nomeação que parte para a
Índia como capitão de um dos navios da armada capitaneada pelo Conde da Feira.
Tendo este morrido em viagem, é D. Cristóvão de Noronha que substitui na nau
capitânia293. No seguimento dessa viagem, aquando a escala em Moçambique, “houve
entre ele e D. Estevão de Ataíde, capitão da fortaleza, algumas desordens, e se soltaram
presos, que o estavam por se quererem levantar com o dinheiro da nau Palma, que ali se
levou”294. O rei pede, no seguimento deste conflito, que sejam apurados os factos e
conhecidos os culpados, e D. Cristóvão não deve ter saído lesado deste episódio, uma
vez que em 1613 é nomeado Provedor das Galés da Ribeira de Goa, pelos serviços
feitos “depois de despachado com a capitania de Ormuz (...) e isto enquanto me servir
com satisfação e não entrar na fortaleza de Ormuz”295. Assim, apesar de não termos
conhecimento de quais foram os seus serviços nestes anos, sabemos que o tornaram
merecedor desta mercê. Na Índia, casou com D. Catarina da Gama. Encontramos
registos de ter sido ele o capitão-mor da armada que saiu de Lisboa em 1618, mas não
sabemos em que data havia regressado ao reino296. Nesta viagem, cruzando-se no Cabo
da Boa Esperança com um navio holandês, evitou a peleja pagando aos inimigos297.
Chegado a Goa em Novembro desse ano, por esta sua atitude, foi preso298.
293
Manuel Faria e Sousa, Ásia Portuguesa, Volume 3, Parte II, Capítulo IX, p. 174.
294
Carta do rei Filipe III ao vice-rei Rui Lourenço de Távora, Lisboa, 12 de Novembro de 1610, in DRI,
Volume 1, p. 399.
295
Carta do rei Filipe III ao vice-rei D. Jerónimo de Azevedo, Lisboa, 28 de Março de 1613, in DRI,
Volume 2, p. 438.
296
Manuel Faria e Sousa, Ásia Portuguesa, 3 Tomos, Lisboa, Officina de Bernardo da Costa Carvalho,
1675, p. 553.
297
Cf. Ibidem, Tomo III, Parte III, Capítulo XVI, p. 338.
298
Carta do rei Filipe III ao vice-rei D. João Coutinho, Madrid, 21 de Março de 1619, in DRI, Volume 6,
p. 253.
114
No mesmo ano de 1608 é também agraciado com a capitania de Ormuz D.
Cristóvão de Távora, como vimos, um dos poucos capitães nomeados sem ser por
respeito a serviços por si desempenhados. Não é de estranhar, portanto, que não haja
referências à sua pessoa nem nos textos de Manuel de Faria e Sousa nem nos de Diogo
do Couto. É nomeado, sim, em respeito aos serviços do pai, Rui Lourenço de Távora,
ainda em vida deste, que aliás seria escolhido para exercer o cargo de vice-rei da Índia
no ano seguinte. Do seu casamento com D. Maria Coutinho, Rui Lourenço de Távora
tem quatro filhos. Destes, a única mulher casou com D. Francisco da Gama, 4º Conde
da Vidigueira, que nos ocupou no capítulo IV. O mais velho, Álvaro Pires de Távora,
herda a casa do pai, e não há registos que nos levem a pensar que tenha servido no
império. Cristóvão de Távora é agraciado com a capitania de Ormuz, e pelo registo de
Felgueiras Gaio, no Nobiliário, morreu na Índia, mas além desta referência, não
encontramos em lugar algum indícios de que tenha passado à Índia, ou registo dos seus
serviços nessas partes. Parece não ter casado, nem ter gerado descendência. Nos
Documentos Remetidos da Índia surge referido apenas numa missiva datada de 1618 em
que o monarca apela ao vice-rei D. João Coutinho que sejam pagas aos herdeiros de Rui
Lourenço de Távora as dívidas que o Estado da Índia tinha para com este homem, uma
vez que tanto Cristóvão de Távora como Álvaro Pires se queixavam desta ausência de
pagamento, que os fazia serem importunados pelos credores do pai299. Pela forma como
o problema é exposto, parece-nos que Cristóvão se encontrava no reino, e não no
império.
299
Cf. Carta do rei Filipe III ao vice-rei da Índia D. João Coutinho, Lisboa, 5 de Abril de 1618, in DRI,
Volume 5, p. 157.
300
Cf. Carta do Governador Fernão de Albuquerque a Filipe III, Goa, 19 de Fevereiro de 1620, in DRI,
Volume 6, p. 100.
301
Cf. DRI, Volume 7, Nota 2 acrescentada à carta de Filipe III ao vice-rei da Índia D. João Coutinho,
Lisboa, 26 de Março de 1620, p. 20.
115
com os de D. Gonçalo de Abranches, lhe fizeram “uma notável afronta, de que se me
queixou com demonstração de muito sentimento”302. Aparentemente, queixava-se este
fidalgo de não lhe ter sido feita justiça neste caso, por ter sido juíz o sogro de
Abranches.
c) Capitães de Malaca
302
Carta do rei Filipe III ao vice-rei da Índia D. Jerónimo de Azevedo, Lisboa, 16 de Janeiro de 1614, in
DRI, Volume 3, p. 1.
303
Carta do rei Filipe III ao vice-rei D. Jerónimo de Azevedo, Lisboa, Março de 1613, in DRI, Volume 2,
p. 432.
304
Carta do vice-rei D. João Coutinho ao rei Filipe III, Goa, Fevereiro de 1619, in DRI, Volume 5, p. 199.
305
Ibidem, p. 201.
116
Tivemos já oportunidade de perceber que serviços foram prestados pelo capitão
Diogo de Melo de Castro antes de nomeado capitão de Malaca em 1612. Além das
informações constantes na carta de nomeação, que são as que já tivemos oportunidade
de analisar, só torna a surgir na documentação nos anos de 1620 a 1623, mais
concretamente na documentação trocada entre os monarcas e os vice-reis e
governadores. Sabemos que em 1620 saiu do reino, provavelmente como capitão da nau
Penha de França, que chega atrasada à barra de Goa devido ao temporal sentido na costa
da Guiné, já não havendo esperanças de que ainda conseguisse chegar naquela
monção307. Vinha então provido com a capitania de Meliapor e com a capitania-geral da
costa do Coromandel308. A este propósito queixava-se o governador ao monarca que,
não havendo armada pronta para que Diogo de Melo de Castro pudesse partir para o
Coromandel, “a qual não foi por ora possível dar-se-lhe por não haver cabedal nem
gente para isso e eu ter que acudir a Malaca em Abril e a outras partes” 309, se recusou a
partir. É então proposto que o capitão siga com uma armada para Malaca e que, vendo
que aí não era necessária a sua presença, encaminhar-se-ia para as partes onde deveria
servir. No entanto, “se escusou também dizendo que não era competente socorro para
ele ir a Malaca”310. Continua o governador a dar notícia desta situação ao monarca,
escrevendo que “sucedeu logo no mês seguinte de Maio vir aqui um clérigo enviado da
cidade de Meliapor com cartas em que me diziam que estavam ameaçados de um grande
cerco assim de gente da Europa como dos naturais que com eles se confederavam e que
conforme a isso lhes acudisse com armada e gente e mandasse que o dito Diogo de
Melo que como ser capitão provido por Vossa Majestade os fosse defender”311. Devia o
capitão seguir para aquela costa com dois navios e cinquenta ou sessenta homens,
considerando o governador que “com estes enquanto o tempo não dava lugar para mais
conseguiria pelo menos fazer-se respeitar e obedecer daqueles moradores de
Meliapor”312. Recusando-se novamente a servir sob as condições que Fernão de
306
Cf. Carta do governador Fernão de Albuquerque ao rei Filipe III, Goa, 7 de Maio de 1620, in DRI,
Volume 6, p. 246.
307
Cf. Carta do governador Fernão de Albuquerque ao rei Filipe III, Goa, 20 de Dezembro de 1621, in
DRI, Volume 7, p. 132.
308
Cf. Carta do governador Fernão de Albuquerque ao rei Filipe III, Goa, 10 de Janeiro de 1621, in DRI,
Volume 7, p. 129.
309
Ibidem, p. 127.
310
Carta do governador Fernão de Albuquerque ao rei Filipe III, Goa, 20 de Fevereiro de 1622, in DRI,
Volume 7, p. 420.
311
Ibidem, pp. 420-421.
312
Ibidem, p. 421.
117
Albuquerque lhe propunha, acaba por ser preso313. Apelando ao Juíz das Ordens
Militares, por ser cavaleiro de Cristo, e depois ao tribunal de segunda instância, é-lhe
devolvida a liberdade, o que incomoda Fernão de Albuquerque. No mesmo sentido, em
1623 o monarca estranhava e repreendia os juízes das Ordens Militares pela decisão
tomada relativamente a este caso, “por quão prejudicial ao governo da Índia”, pedindo
“mais consideração nos crimes desta qualidade”314.
Num tom totalmente diferente são duas cartas datadas de Janeiro e Fevereiro de
1623, altura em que Diogo de Melo capitaneava uma armada de vinte navios que
guardavam a barra de Goa. Numa, escreve o então vice-rei que “pelo que vi depois da
minha chegada tem o dito Diogo de Melo procedido muito bem e o vejo aplicado e
muito curioso do serviço de Vossa Majestade e que deseja fazê-lo não só
ordinariamente, mas com se avantajar muito nele, que em todo o tempo e neste em
particular é muito para estimar e agradecer”315; noutra era o próprio rei que definia este
fidalgo como “capitão de confiança e experimentado na guerra e de valor conhecido”316.
Note-se, no entanto que nesta altura Diogo de Melo de Castro ainda não tinha ainda
assumido a capitania da costa do Coromandel nem a da fortaleza de Meliapor, três anos
depois dos primeiros conflitos com Fernão de Albuquerque a propósito do exercício
destes cargos317.
313
Cf. ibidem, p. 421.
314
Carta do rei Filipe IV ao vice-rei D. Francisco da Gama, Goa, 3 de Fevereiro de 1623, in DRI, Volume
9, p. 357.
315
Carta do vice-rei D. Francisco da Gama ao rei Filipe IV, Goa, 8 de Janeiro de 1623, in DRI, Volume 9,
p. 144.
316
Carta do rei Filipe IV ao vice-rei D. Francisco da Gama, Lisboa, 17 de Fevereiro de 1623, in DRI,
Volume 9, p. 293.
317
Em Março de 1623 escrevia o vice-rei que andava Diogo de Melo de Castro servindo como capitão-
mor da armada da barra de Goa e que quando terminasse esta sua missão, lhe ordenaria que fosse “assistir
em Meliapor com o lugar e cargo de que Vossa Majestade o tem ali provido”, Carta do vice-rei D.
Francisco da Gama ao rei Filipe IV, Goa, Março de 1623, in DRI, Volume 9, p. 53.
318
Manuel Faria e Sousa, Ásia Portuguesa .... op. cit., 1675, Tomo III, Parte III, Capítulo III, p. 243.
118
partes”319. Apenas alguns meses depois, numa missiva dirigida ao vice-rei, apercebemo-
nos da morte deste homem, “afogado na briga que houve na barra de Surrate com os
ingleses”320.
d) Capitães de Diu
319
Carta do rei Filipe III ao vice-rei D. Jerónimo de Azevedo, Lisboa, 19 de Fevereiro de 1616, in DRI,
Volume 3, pp. 391-392.
320
Continua, dizendo que “tendo a isso consideração, e à morte de outro irmão seu, que também mataram
na entrada da cidade de Pér, houve por bem de fazer mercê ao irmão que ficou vivo, e me anda servindo
nesse estado da comenda que vagou pelo dito Dom João de Mascarenhas, e da fortaleza de Ormuz, na
vagante dos providos antes de 3 de Junho deste ano de 616”, Carta do rei Filipe III ao vice-rei D.
Jerónimo de Azevedo, Madrid, 14 de Junho de 1616, in DRI, Volume 4, pp. 6-7.
321
Carta do vice-rei D. João Coutinho ao rei Filipe III, 20 de Fevereiro de 1619, in DRI, Volume 5, p.
205.
322
Carta do vice-rei D. Francisco da Gama ao rei Filipe IV, Goa, 23 de Janeiro de 1623, in DRI, Volume
9, p. 161.
119
de Eça que é filho de D. Duarte de Eça; sobre Duarte Pacheco, Manuel Pereira da Silva
e Fernão de Saldanha sabemos que receberam a nomeação para a capitania de Diu por a
terem herdado após a morte de familiares; D. João da Silva é nomeado em 1608 pelos
serviços que prestou no Estado da Índia, onde aliás se encontrava quando foi nomeado;
por fim, Luís Falcão é indigitado por ter servido satisfatoriamente nas guerras de
Baçaim. Por seu turno, a carta de Manuel de Miranda Henriques não é perceptível, pelo
que sobre esta nomeação e este capitão não podemos tirar conclusões.
Estes capitães não são citados nem por Diogo do Couto, nem por Manuel de
Faria e Sousa nem sequer na correspondência compilada nos Documentos Remetidos da
Índia ou, quando o são – como é o caso de D. João da Silva –, não são referências que
nos permitam retirar conclusões de fundo.
323
Cf. Carta de Filipe III ao governador Fernão de Albuquerque, Madrid, 13 de Abril de 1617, in DRI,
Volume 4, pp. 235-236.
324
Cf. Carta do governador Fernão de Albuquerque ao rei Filipe III, Goa, 16 de Dezembro de 1620, in
DRI, Volume 7, p. 202.
120
ocasiões ter sido ferido, foi um dos capitães da armada que saiu do Tejo em 1608 em
direcção à Índia, na qual seguia o conde da Feira325. Embarcou sob as ordens de André
Furtado de Mendonça e capitaneou um galeão na armada que capitaneou os lugares do
Sul do Estado da Índia durante três anos. É genro de Gaspar Ferreira, antigo capitão de
Mascate e vedor da Fazenda de Monomotapa, descrito pelo vice-rei D. João Coutinho
como “rico, velho e muito honrado”326. No ano de 1619 encontra-se D. Lopo de
Almeida a servir como capitão de Rachol, quando se oferece para prestar socorro a
Mangalor, aprestando um navio à sua custa327; quatro anos depois era o rei Filipe IV
que pedia a D. Francisco da Gama, então vice-rei da Índia, que desse a este fidalgo
qualquer serviço para “que se possa entreter nele enquanto não entrar na dita fortaleza
de Diu”, uma vez que tinha acabado já o tempo pelo qual havia sido nomeado como
capitão de Rachol328.
Salvador Pereira da Silva, nomeado em 1605, servia na Índia pelo menos desde
1596, quando recebeu ordem para saír do forte de Corvite, de que era capitão, para
comandar um assalto contra as intenções de guerra do tirano D. João, auto-intitulado
Rei de Candea, que coligado com outros potentados locais pretendia fazer guerra aos
nossos, como vingança por derrotas que lhes havíam infligido. Alcançada a vitória,
325
Manuel Faria e Sousa, Ásia Portuguesa .... op. cit., 1675, Tomo III, Parte II, Capítulo XI, p. 174.
326
Carta do vice-rei D. João Coutinho para o rei Filipe III, Goa, 14 de Março de 1618, in DRI, Volume 5,
p. 107.
327
Cf. Carta do vice-rei D. João Coutinho ao rei Filipe III, Goa, 20 de Fevereiro de 1619, in DRI, Volume
5, p. 202.
328
Carta do rei Filipe IV ao vice-rei D. Francisco da Gama, Madrid, 11 de Março de 1622, in DRI,
Volume 5, p. 282.
329
Carta do rei Filipe III ao vice-rei Rui Lourenço de Távora, Madrid, 10 de Março de 1610, in DRI,
Volume 1, p. 374.
121
escreve Diogo do Couto que esta foi “tão famosa e pôs tanto espanto nos Changalás,
que ficaram pondo a Salvador Pereira o sobrenome de Corvite Capitão”330. Continua em
Ceilão, e em 1597, é capitão de campo numa batalha ainda contra o tirano D. João, onde
“morreu a flor da gente de Candea, e os principais Modeliares, e que mais guerra faziam
aos nossos que rodos”331. Não é de estranhar, portanto, que em 1607 o rei afirme ter
“boa informação” dos serviços deste capitão, e que “pela experiência e conhecimento
que tem daquelas partes servirá bem” faça requerimento ao vice-rei que encarregue
Salvador Pereira da Silva com a capitania-mor de uma armada de fustas que era
necessária para “acudir às desordens de Masulapatão”332.
Salvador Pereira da Silva é indigitado com a capitania de Diu por ter estado
presente nas Armadas do Norte
e) Capitães de Baçaim
Dos sete nomeados pelo Conselho da Índia para a capitania de Baçaim, apenas
quatro são referenciados pelos cronistas ou na correspondência. Sobre os três restantes,
Bartolomeu Pereira de Miranda, Francisco de Macedo de Meneses e Pedro de Sousa de
Meneses, não sabemos além dos dados que já referimos. O primeiro esteve no
desembarque em Achém e no combate contra os holandeses em Malaca com Martim
Afonso de Castro; o segundo herdou a capitania depois da morte do pai e o último, pelo
que se lê na sua carta de nomeação, foi indigitado por ter servido de soldado e capitão
nas partes da Índia.
330
Diogo do Couto, Da Ásia .... op. cit., Década XII, Livro I, Capítulo VI.
331
Ibidem, Década XII, Capítulo XIII.
332
Carta do rei Filipe III para o vice-rei Martim Afonso de Castro, Lisboa, 26 de Janeiro de 1607, in DRI,
Volume 1, p. 122.
333
DRI, Volume 6, Nota 2, p. 460.
122
tanador de Chaul334. Em 1620 exercia ainda esta função, e o vice-rei D. Francisco da
Gama apresentava a Filipe III as queixas efectuadas pela Câmara do povo de Caranja
por Fernão de Sampaio “os tiranizar e oprimir com diversas vexações ajudando-se para
isso de um irmão seu Lourenço de Melo e de outros parentes a quem o dito capitão sofre
muitas insolências por se fazer com eles mais poderoso, e que por eles manda por
ordinário, ferir ou afrontar os ditos moradores”. Continua, dizendo que “por razão da
insolência do dito capitão, que é provido em vida, tem fugido a maior parte da gente
mesquinha daquela capitania para os mouros com o que tem quebrado tanto as rendas
que se perdem do foro que se me paga”. Por isso, pedem os moradores daquela
capitania que seja de lá afastado este fidalgo, e que se adoptasse naquele local o sistema
de triénios, “por entenderem que a causa de o dito Fernão de Sampaio os tratar tão mal é
por ser capitão perpétuo”335. Não há documentação que nos permita saber que medidas
foram tomadas pelo tribunal da Relação para fazer face a esta situação, nem
conseguimos encontrar este fidalgo em fontes que sejam posteriores a esta data.
Dos serviços prestados por Jorge de Lima Barreto, a quem foi feita mercê da
capitania de Diu em 1612, além do que vem exposto na sua carta de nomeação, sabemos
apenas que capitaneou uma das embarcações que compuseram a armada que em 1597 o
vice-rei D. Francisco da Gama mandou sair de Goa ao encontro das primeiras naus
334
“Guiados por Melique BaIane, entraram nela improvisamente, a horas que o encontraram jantando e
matando-o, e a uma cunhada sua, o fizeram pagar as devidas penas das culpas de estar com tanto descuido
quem tem ao cuidado uma fortaleza entre gente contrária. Deixaram também mortas a sua mulher e uma
filha”, Manuel Faria e Sousa, Ásia Portuguesa .... op. cit.,1675, Tomo III, Parte III, Capítulo I, p. 229.
335
Carta do rei Filipe III ao vice-rei D. Francisco da Gama, Lisboa, 23 de Março de 1620, in DRI,
Volume 6, pp. 460-461.
336
“Em Soar serve de capitão Paulo Castanho Aranha a que o viso-rei dom Jerónimo d’Azevedo tinha
provido desta capitania, que eu lhe confirmei com parecer do Conselho de estado por me escrever dom
Luís da Gama sendo capitão de Ormuz que João de Sousa que ali estava por capitão de Ormuz que João
de Sousa que ali estava por capitão não procedia como convinha, e também dom Luís de Sousa me diz o
mesmo deste capitão”, Carta do vice-rei D. João Coutinho ao rei Filipe III, Goa, 20 de Fevereiro de 1619,
in DRI, Volume 5, p. 182.
123
holandesas que se avistaram nas águas do Índico337. Supõe-se que seria ainda pouco
experimentado nessa ocasião, uma vez que Manuel Faria e Sousa expõe os capitães que
compuseram esta armada “desde o maior” e, dos catorze, Jorge de Lima Barreto é o
antepenúltimo a ser referido.
337
Cf. Manuel Faria e Sousa, Ásia Portuguesa .... op. cit., 1675, Tomo III, Parte II, Capítulo I, p. 109.
338
Cf. Carta do rei Filipe III para o vice-rei Rui Lourenço de Távora, Lisboa, 19 de Março de 1610, in
DRI, Volume 1, p. 391.
339
Carta do rei Filipe III ao vice-rei D. Jerónimo de Azevedo, Lisboa, 26 de Março de 1612, in DRI,
Volume 2, p. 250.
340
Carta do rei Filipe III ao vice-rei D. João Coutinho, Lisboa, 25 de Março de 1618, in DRI, Volume 5,
pp. 112-113. Datada de 20 de Fevereiro de 1619 surge uma carta dando notícia ao rei que em Outubro de
1618, juntamente com Diogo Mendonça Furtado, foi Luís de Brito de Melo em duas galés socorrer
Francisco de Sousa Pereira que se havia perdido na chegada a Goa. Cf. Carta do vice-rei D. João
Coutinho ao rei Filipe III, Goa, 20 de Fevereiro de 1619, in DRI, Volume 5, p. 216.
341
“Chegando a Mangalor achou naquela fortaleza Francisco de Miranda Henriques que (...) estava vindo
de Cochim com a pimenta e navios de mercadores (...), e por o dito Francisco de Miranda e Luís de Brito
se resolverem a tomar uma fortaleza que a gente de Ventatapacanaique e Rainha de Olala tinham feito
entre o tanque grande e a fortaleza de V. Magde do mesmo Mangalor e perto dela pondo-o por obra ao
outro dia depois dois reis sem terem ordem minha para isso e contra o regimento que levavam e por
desordens que entre eles houve sucedeu morrerem neste assalto e ocasião os mesmos Francisco de
124
que lhe fosse feita a mercê da capitania de Baçaim de que o falecido marido estava
provido342.
Miranda e Luís de Brito de Mello”, Carta do vice-rei D. João Coutinho ao rei Filipe III, Goa, Fevereiro de
1619, in DRI, Volume 5, pp. 244-245.
342
“D. Isabel Nasey (...) fez também petição em que representou a morte do dito seu marido, e alegou ter-
lhe gastado muito do seu dote: pedindo a V. Magde lhe fizesse mercê da capitania de Baçaim, com que o
dito D. Luís de Brito seu marido era despachado (...) e por não ter o dito dom Luís de Brito pai nem mãe,
e só uma filha da primeira mulher”, Carta do vice-rei D. João Coutinho ao rei Filipe III, Goa, 20 de
Fevereiro de 1619, in DRI, Volume 5, p. 213.
125
Conclusão
126
No entanto, também no Estado da Índia acabou por ganhar espaço este
paradigma da territorialidade Neste caso, acontece em estreita ligação com o aumento
da presença holandesa, tanto num plano naval, pelo aumento das actividades de corso,
como num plano territorial, numa primeira fase, contemporânea do Conselho da Índia,
caracterizada pelos ataques feitos nas periferias do império português como os
territórios indonésios de Maluco, Malaca e Moçambique. Por isso, numa tentativa de
contrariar o fim da navegação e comércio sem concorrência e os efeitos advindos dessa
mudança, os portugueses foram alargando a sua área de influência ao espaço exterior
dos muros das fortalezas às quais estiveram circunscritos durante muito tempo. A
verdade é que a situação no Estado da Índia começava também a inspirar cuidados e a
procurar respostas para questões que até aí simplesmente não tinham existido. De novo,
era necessária rapidez, eficiência e conhecimento para fazer face aos novos desafios que
eram propostos ao Estado da Índia. Supomos que tal ganha ainda mais ênfase se
tivermos em conta que o rei que tutelava estes territórios não era português e que, por
isso, não seria um conhecedor profundo das dinâmicas deste império, pelo que fazer-se
aconselhar por portugueses que tinham servido nestas partes era essencial para garantir
o seu bom governo.
E é por isso que nos vemos obrigados a concluír que o Conselho da Índia não
nos parece inserido num projecto elaborado desde Castela no sentido de promover uma
castelhanização dos usos e costumes político-administrativos de Portugal e/ou do seu
império. Na mesma direcção nos leva o facto de não encontrarmos concordância entre
127
os projectos políticos a que eram afectos os três presidentes desta instituição. Parece-nos
que, caso o objectivo final deste organismo fosse “anular” os hábitos governativos
portugueses e substituí-los pelo modelo castelhano, Filipe III teria tido interesse em
escolher homens claramente afectos ao seu projecto. E não o fez. Note-se ainda que
apesar da tradição de política consultiva ser bastante mais vincada e institucionalizada
em Castela do que em Portugal, a verdade é que também em Portugal o sistema de
governo passava pela divisão dos poderes e pela valorização do conselho. Deste modo,
os conflitos jurisdicionais que condicionaram durante muito tempo o funcionamento
deste novo tribunal devem ser vistos não como reacções das autoridades portuguesas
contra uma força castelhana mas sim como “simples” reacções à perda de poderes por
parte de organismos pré-existentes, em muito permitidos por um primeiro regimento
muito pouco explícito e aparentemente incapaz de deixar claras as delimitações
jurisdicionais tanto do Conselho como do Desembargo do Paço, Conselho da Fazenda e
Mesa da Consciência e Ordens. Portanto, a instituição deste Conselho da Índia não traz
consigo nem uma inovação nem um hábito totalmente estranho ao método de governo
português. Acreditamos sim que este organismo surgiu de um entrecruzar de realidades
e necessidades e de uma tentativa de melhoramento e aperfeiçoamento – ainda que por
certo só o tenha sido para alguns – do despacho dos assuntos do império português.
Apoiada em documentos e estudos de caso diferentes daqueles que sustentam esta nossa
conclusão, Graça Borges conclui o mesmo343.
343
Cf. Graça Almeida Borges, Um império ibérico integrado .... op. cit., 2014, p. 103-105.
128
Conselho da Índia estiveram sempre homens com carreiras ligadas ao Atlântico, mas
nunca com serviços no Brasil. Por outro lado, o conhecimento privilegiado era
claramente o das dinâmicas do Estado da Índia, onde serviu uma larga maioria dos
membros do Conselho, uma tendência que é ainda reforçada aquando a segunda leva de
nomeações, sendo dois dos conselheiros letrados substituídos por homens que já haviam
servido na Índia.
129
resposta aos novos desafios, fazem com que tenhamos encontrado uma tendência de
decréscimo do número de capitães nomeados para estas cinco capitanias, ao longo do
reinado de Filipe III. Assim, ainda que este valor aumente quando comparado com o
reinado anterior, a verdade é que, nas três conjunturas que definimos para procedermos
à análise deste reinado – antes, durante e depois do Conselho da Índia –, a tendência é
de decréscimo.
130
detentores de cargos palatinos. Pelo contrário, no tempo do Conselho da Índia,
concluímos que havia já linhagens com mais de uma geração de serviços no Estado da
Índia, uma vez que grande parte dos capitães cuja ascendência pudemos apurar eram
filhos de fidalgos que tinham já servido na Índia.
Por fim, pela análise das trinta e quatro cartas de nomeação, entendemos que
deve ser referido o carácter de seriedade com que as nomeações para estas capitanias
foram levadas a cabo pelo Conselho da Índia, sendo encontrados pouquíssimos casos
em que a nomeação recaia sobre um indivíduo sem experiência, ou em que se note que
o peso do nome ou da linhagem era superior ao do mérito próprio e dos serviços
desempenhados por si até essa data. Como vimos, mais de metade dos capitães foram
indigitados por cartas que justificavam a concessão da mercê apenas com os serviços
dos nomeados, sem qualquer referência a familiares destes e, nos casos em que não há
sequer referência a serviços prestados pelo indivíduo sobre o qual recaía a nomeação,
notámos que eram essencialmente heranças recebidas após a morte dos verdadeiros
detentores das mercês, e não escolhas feitas no momento. Por fim, nos seis casos em
que as cartas referem tanto serviços dos nomeados como os dos familiares, e ainda que
tenhamos concluído que em cinco destes casos, tenha sido o legado familiar a ditar a
escolha daquele indivíduo e não propriamente o seu mérito pessoal, esta tendência
corresponde, dentro do conjunto das nomeações feitas entre 1604 e 1614, a uma
minoria. Nota-se portanto que houve consciência por parte dos membros do Conselho
no sentido de prover sempre homens capazes de lidar com a complexa situação militar
com que o Estado da Índia lidava neste início de século.
131
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143
Anexo 1
“Eu El Rey faço saber aos que este meu Regimento virem, que vendo eu os muitos
inconvenientes que se seguiam ao serviço de Deus, e meu, e ao bom governo do
Estado da Índia, e dos mais Ultramarinos de não haver no Reino de Portugal um
tribunal separado para se tratarem nele os negócios daquelas partes (sendo tantos, e
de tanta importância como são), e de se fazer despacho deles por ministros
obrigados a outras ocupaçoes, e entendendo que esta pela qualidade de que é se
requer por si só particular assistência de um Conselho me resolvi em o mandar
ordenar, e prover (como fiz) de pessoas de tais qualidades e experiência que eu
possa ser deles bem servido e os negócios, e coisas dos ditos estados em
despachadas e governadas”
144
Anexo 2
“Dom Martim Afonso de Castro, viso-rei amigo, eu el-rei vos envio muito saudar.
Posto que antes de vossa partida deste reino tinha ordenado de fazer o tribunal e
conselho da Índia para nele se tratarem as matérias desse Estado e mais partes
ultramarinas, e para melhor expediente dos negócios delas, vos quis nesta fazer a
saber como fica assentado e por ele correu o despacho dos negócios que este ano se
ofereceram. E porque o meu principal intento, no ordenar este tribunal, foi haverem-
se por tratar daqui por diante os negócios desse Estado, que são tantos e de tanta
importância e qualidade, como sabeis, com toda a qualidade e circunspecção
possível, estando a cargo de ministros separados e desocupados de outras matérias e
negócios, como vereis pelo regimento que lhes tenho dado, de que com esta se vos
envia a cópia; desejando eu que em tudo se alcance este intento, e no governo desse
Estado haja o cuidado e vigilância que convem a minha obrigação, e ao bem e
utilidade de meus vassalos, me pareceu que, além da lembrança que vos deve
sempre ser mui presente e tendes por vosso regimento e instruções de me avisar com
particularidade das matérias de meu serviço e de todas as tocantes a esse Estado, vos
devia nesta ocasião encomendar o façais com mais pontualidade, para que com a
vossa boa correspondência possam os ministros do dito tribunal avantajar-se em
meu serviço e sua obrigação, e esse Estado receber o benefício que com sua
assistência pretendo se lhe haja de seguir”
Carta do rei Filipe III ao vice-rei da Índia Martim Afonso de Castro, Madrid, 6 de
Março de 1605, in Documentos remettidos da Índia ou Livros das Monções,
Volume 1, p. 29.
145
Anexo 3
146
Anexo 4
147
Anexo 5
148
Anexo 6
149