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A Arte do Complicado

Abdon de Paula
Existem, pelo menos, três maneiras de se fazer as coisas: - a certa, a errada e a
complicada.
Invariavelmente, alguns seres são fiéis do modo complicado. Eles até têm a opção de
escolher fazer do modo errado, mas, para esta escolha, rapidamente se dariam conta de que
algo não estaria certo.
A maneira complicada implica em mais trabalho, mais emoção. Se gasta mais tempo...
Até se chegar a uma conclusão.
Não são seres exóticos, os fiéis do complicado. São seres regulares, extremamente
comuns. São encontrados no nosso cotidiano, nas ruas, nas empresas, no governo...
No Governo, a bem da verdade, eles são complicados por opção econômica, não por
tendência psicológica. Nesta posição, querem tornar as coisas difíceis, para venderem
facilidades.
Entretanto, no nosso cotidiano, eles simplesmente são. E não são revestidos,
necessariamente, de nenhuma outra adjetivação, apenas são complicados.
Por vezes, eu me pergunto o que aconteceria se a natureza também exercitasse esta
mesma opção de escolha. Quais seriam os caminhos que ela, assim, projetaria para um
nascimento, por exemplo? O nascituro iniciaria seu caminho para fora do útero e terminaria se
dividindo, em sua saída, pelos ouvidos e fossas nasais? O problema, percebo, seria, no mínimo,
agravado na tentativa de recompor o infeliz ser.
De todo modo, não posso ser um fã incondicional da natureza, até mesmo em razão do
nascimento. Tenho a impressão masculina de que significa um sofrimento atroz. Uma amiga me
disse que algumas mulheres não devem ter memória, pois se enchem de filhos e, se tivessem
memória, jamais iriam para o segundo filho...
Voltemos, então, para a complicação que povoa o nosso universo mental.
Observemos que é difícil até de entender as explicações em torno dos fatos, quando
algo se configura como indo para o errado, tendo partido do complicado. Até as explicações são
confusas, nebulosas.
Eu, por vezes, filosofo sobre meu comportamento observando os demais... Complicado,
não? Porque eu não filosofo sobre mim mesmo, pensado em mim mesmo?
Recentemente, eu li um complicado estudo que demonstra que mesmo na Matemática
isto é incerto. E isto vem revestido de um complicado termo: - são os tais "paradoxos". Se não
se pode acreditar nem na matemática, em quem acreditar?
Certa feita, eu pretendi publicar uma crônica sobre a teoria do complicado e me foram
pedidas as referências. Faltavam as referências... Tentei argumentar que não existiam
referências, e alguém me lembrou que seria mais fácil se eu citasse algumas, ao invés de tentar
convencer os editores.
Eu deveria citar mesmo que fossem referências do livro de astrofísica... Ninguém leria
mesmo, mas, com certeza, pelo costume de ler livros acadêmicos, perceberiam a falta de tais
referências. Eu me revoltei e disse que não colocaria referência numa crônica. Relembrei que o
escrito pretendia ser uma crônica, sem compromisso com a matemática, menos ainda com a
astrofísica.
A única preocupação deveria ser não ter preocupação... Seria uma suave crítica de
fatores que nos leva perder tempo apenas, que nos tira do objetivo. Exatamente como
acontece na tentativa de tornar preciso o tal do impreciso... De querer ter referência, quando
elas não existem...
Após este episódio, eu percebi, então, que a teoria do complicado não conseguirá se
estabelecer como ciência, então, ela só pode ser arte...
Não seria uma arte direta, transparente, sequer translúcida, seria rebuscada, cheias de
volta, nebulosa, barroca, enfim, complicada. Se der muitas voltas, terá mesmo a cara do
barroco, poderá ser bonita, agradável, mas será de difícil compreensão.
No final, percebo, nenhuma regra prática será estabelecida que permita desenvolver
soluções. Será quase impossível se estabelecer relação entre causa e consequência. As regras
serão conflitantes, dicotômicas e divergentes. Enfim, porque a teoria se enquadraria em arte,
nem mesmo estará próximo de ciência, não visará soluções para problema algum. Não servirá
para resolver. Em que possa ser apreciada, apenas confundirá.
Na guerra, tal teoria jamais será estudada. Ao contrário, ela será a responsável pelas
derrotas. O comandante que a use merecerá a derrota. Não será digno de nota. Não será
estudado nos livros nas academias militares. Será citado apenas como derrotado, aquele contra
quem se venceu alguma batalha, e só.

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