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SIMAS, Daniel; CLAUDINO, Carlos Alberto.

Globalização nas aulas de geografia: a valorização discente nas relações


lugar-mundo. In: ENCONTRO DE PRÁTICAS DE ENSINO DE GEOGRAFIA DA REGIÃO SUL, 2., 2014,
Florianópolis. Anais eletrônicos... Florianópolis: UFSC, 2014. Disponível em: <http://anaisenpegsul.paginas.ufsc.br>.

GLOBALIZAÇÃO NAS AULAS DE GEOGRAFIA:


A valorização discente nas relações lugar-mundo.

Daniel Simas1
Carlos Alberto Claudino2

Resumo

O presente trabalho tem como principal objetivo avaliar a percepção, compreensão e


análise de alunos do 9º ano (ensino fundamental - anos finais) acerca da globalização, suas
configurações e desafios. Focamos aqui, as implicações da globalização sobre o modo de
vida destes alunos, bem como sobre o contexto em que estão inseridos. Para esta proposta
trabalhamos com quatro 9°s anos de duas escolas específicas no município de São José-SC.
Foram desenvolvidas atividades de redações, apresentações de trabalhos, questionários e
atividades de opinião pessoal, ao longo de três bimestres, com o objetivo de evidenciar a
percepção discente acerca das relações lugar-mundo, bem como valorizá-la, no contexto de
um mundo globalizado orientado pelo capitalismo. Como resultado desta, levantamos
alguns indicativos presentes nas recorrentes opiniões dos alunos, acerca dos processos
econômicos e culturais vigentes na realidade vivida pelos alunos. Portanto, identificamos
neste trabalho, além da opinião discente acerca das interações lugar-mundo e das
implicações de um mundo globalizado sobre o lugar em que vivem, indicativos de como
trabalhar de forma abrangente e aproximada a temática globalização, junto a alunos do 9º
ano.
Palavras-chave: Globalização. Mundo. Estudantes.

1 Bacharel e licenciado em geografia (USFC). Especialista em Metodologia de Ensino de


Geografia (UNIASSELVI). Mestrando do programa de pós-graduação em geografia da
Universidade Federal de Santa Catarina. simas.geografia@gmail.com.

2 Mestre em geografia pela Universidade Federal de Santa Catarina.


1. INTRODUÇÃO

Neste trabalho abordaremos resultados da experiência letiva desenvolvida junto a


quatro turmas de 9° ano do ensino fundamental (anos finais), de duas escolas da rede
municipal de educação de São José - SC. A proposta de trabalho teve como objetivo
principal identificar a percepção discente, por meio de suas opiniões, posicionamentos e
críticas, acerca das relações lugar-mundo, e vice-versa, no contexto da globalização,
principal temática trabalhada com os 9ºs anos3. Para tanto, trabalhamos com uma didática
apropriada, visando a aproximação entre teoria e a realidade cotidiana dos estudantes
(FERREIRA; DE OLIVEIRA, 2009).
Esta proposta tem importante notoriedade nos estudos de geografia para os 9ºs anos,
pois além de transparecer o progresso discente no desenvolvimento da disciplina, traz
consigo, e intrinsecamente, a evidência de um entendimento de mundo peculiarmente
percebido nos estudantes do século XXI, vivendo em tempos de modernidades, tecnologias
avançadas e integração intensificada entre os países. Diante das possibilidades de
conhecimento deste mundo dinâmico, procuramos estimular uma reflexão acerca deste
momento, que Milton Santos já denominava em seus estudos como uma revolução técnico-
científica-informacional, caracterizada de forma econômica e cultural pelo sistema
capitalista.
No desenvolvimento dos trabalhos de pesquisa iniciamos com a conceituação do
que é globalização4, complementando o conceito com os resultados da elaboração das
redações, questionários, apresentações de trabalho e atividades de opinião pessoal,
desenvolvidas ao longo dos bimestres. Desta forma, do ponto de vista da natureza da
pesquisa, desenvolvemos uma pesquisa aplicada (GIL, 1999). A abordagem do problema
3 De acordo com os Parâmetros Nacionais Curriculares (PCNs), proposta curricular do
Estado de Santa Catarina e do município de São José, além do projeto político pedagógico das
escolas em que foram desenvolvidos os trabalhos.

4 De acordo com BOLIGIAN; GARCIA; MARTINEZ; ALVES (2009), bibliografia utilizado


como padrão para as turmas.
seguiu inicialmente uma linha quantitativa, por considerar os percentuais de respostas
constantes nos questionários, bem como a ocorrência das opiniões manifestas. Após esta
verificação, seguimos uma linha qualitativa, no que diz respeito à análise dos dados
(COLLIS; HUSSEY, 2005).
Com base nos objetivos, entendemos esta como uma pesquisa descritiva,
principalmente em função dos levantamentos pertinentes às realidades avaliadas. Neste
sentido, a pesquisa foi balizada de acordo com bibliografias correlatas ao tema, utilizando-
se também do levantamento de variados dados pertinentes às realidades verificadas, já que
se trata de um estudo de caso (DENCKER, 2000). Além disto, consistiu numa pesquisa
participante, pois o pesquisador esteve integrado ao grupo estudado (COLLIS; HUSSEY,
2005).
A importância deste trabalho relaciona-se intimamente com alguns cuidados
docentes no desenvolvimento desta temática, principalmente no que tange a mediação
reflexiva, científica e responsável, entre o aluno e a realidade. Para tanto, uma docência
investigativa e livre de preconceitos didático-pedagógicos se faz necessária, já que o
contexto atual sugere alunos mais emancipados, no que se relaciona ao poder de
informação.

2. GLOBALIZAÇÃO NAS AULAS DE GEOGRAFIA

Geralmente quando abordamos o tema globalização junto aos 9ºs anos, encontramos uma
grande aceitação da temática pelos estudantes. Podemos perceber comportamentos que
expressam tais interesses nas participações em sala de aula, bem como na qualidade e
comprometimento na execução de trabalhos pertinentes ao assunto 5. Existem algumas

5 É certo que não há unanimidade na aceitação da temática, ou da disciplina, ou mesmo do


professor. Afinal, a relação ensino-aprendizagem é cercada por uma infinidade de aspectos e
configurações que extravasam a esfera da sala de aula. Outros indicadores sociais, econômicos e
culturais se inserem neste contexto, influenciando diretamente no interesse e rendimento do aluno
(DE ALENCAR; DE SOUZA, 2006). No entanto, neste estudo de caso, verificamos interesse e, ao
menos, curiosidade pela maior parte dos estudantes.
respostas para explicação deste fenômeno. Talvez a mais incisiva seja pelo próprio
momento técnico científico informacional (SANTOS, 1997) em que vivemos atualmente,
pois consiste num contexto que envolve as sociedades atuais e o próprio estudante.
São raros os alunos que não possuem redes sociais, acesso a internet, ou mesmo
outros meios de comunicação6. Afinal, neste contexto tecnológico, os sistemas de
telecomunicações deram um grande salto em abrangência, especialmente em nosso país,
onde empresas estrangeiras dominam este mercado. Estar conectado ao mundo seja ele o
esportivo, o da moda, o das artes, o da fama, da música, ou mesmo do conhecimento, é algo
cotidiano de boa parte dos alunos participantes desta pesquisa. Aparelhos como o
computador, notebook, tablet, celulares, entre outros eletrônicos são utilizados de forma
ampla, quase sempre estando conectados à internet, justificando uma grande potencialidade
no acesso à informação.
Além do contexto técnico científico informacional vivido atualmente, há uma esfera
didática a ser desenvolvida em sala de aula para que os conteúdos pertinentes à temática
globalização ganhem sentido na reflexão discente. Para tanto, trabalhamos aqui com a
aproximação crítica dos alunos com a realidade vivida pelos próprios, principalmente no
que se refere a forma com que o mundo os atinge. Em diversas situações percebe-se que os
estudantes são “bombardeados” de informação, mas muitas vezes possuem dificuldades em
contextualizá-las, ou mesmo desenvolver uma opinião mais apurada, menos superficial e
mais conectada às reais configurações políticas, econômicas e sociais vigentes no mundo
atual (CHARLOT, 2005).
Nesta lacuna aberta entre o receptor das informações (o discente) e a realidade dos
fatos, cabe o trabalho docente de mediação, intervindo por meio do ensino e orientação. Por
esta constatação, torna-se imprescindível que o professor de geografia esteja informado,
atualizado e atento as conexões deste mundo globalizado, nas suas mais variadas esferas
(STEFANELLO, 2009; LIBÂNEO, 2011). Afinal, o sucesso discente no processo ensino-
aprendizagem passa por um competente trabalho docente. Neste sentido, é necessário saber

6 Verificados na realidade deste estudo de caso.


trabalhar os assuntos, utilizando-se uma didática apropriada no lidar com temáticas tão
complexas e abrangentes como a globalização.

2.1 O CONCEITO DE GLOBALIZAÇÃO E SUA APLICAÇÃO DIDÁTICA

Quando trabalhamos o conceito teórico de globalização em sala de aula, fazemos


uma adaptação daquilo que é profundamente debatido no ensino superior. Em virtude dos
níveis de aprofundamento, esta adaptação é crucial para o sucesso no trabalho com esta
temática. Geralmente, o livro didático possui boa adequação, no entanto, ainda assim se
apresenta como recurso mais restrito aos conceitos teóricos (embora adaptados), do que à
realidade vivida pelos alunos (FONSECA, 2010). Elaborar um livro didático que abranja de
forma unânime e plena a realidade de cada estudante leitor consiste em, praticamente,
tarefa insuperável.
A saída neste caso é trabalhar com base no livro didático (quando necessário), mas
partindo para o cotidiano dos alunos, dando maior significado às experiências de vida dos
próprios. Desta forma, os conteúdos podem ser conciliados aos exemplos expressos durante
as aulas, ou vice-versa, trazendo maior êxito no processo ensino-aprendizagem referente à
temática a ser trabalhada, neste caso a globalização.
Sabemos que a globalização passa a ser denominada desta forma, e com ênfase
maior, a partir da década de 19807 (HIRST, 1998). Seu conceito básico remonta a ideia de
uma integração supranacional de ordem política, econômica, social e cultural entre os
países, caracterizada por fases específicas de aprofundamento, discorridas por Hirst (1998),
bem como analisadas por Santos (1998), entre outros autores. O aprofundamento dos
processos de globalização passa a ser orientado pela própria expansão e evolução do
capitalismo (SANTOS, 1998). Constatamos esta realidade, de íntima relação entre
globalização e capitalismo, pela própria função das multinacionais, configuradas como

7 Apesar de o termo ser de uso recente, o processo de integração global entre os países se
inicia com as Grandes Navegações (século XV), em consonância com a expansão do capitalismo
comercial (BOLIGIAN; GARCIA; MARTINEZ; ALVES, 2009).
principais agentes de integração neste processo (BOLIGIAN; GARCIA; MARTINEZ;
ALVES, 2009).
Neste sentido, uma série de conceitos essencialmente geográficos passa a ser
utilizada como ferramenta metodológica para o entendimento destes processos políticos,
sociais, econômicos e culturais de integração mundial, denominados como globalização.
Em geografia passamos a trabalhar a globalização com os conceitos de redes, território,
espaço geográfico, lugar, paisagem, demonstrando a abrangência e a pertinência da
temática aos estudos geográficos (LISBOA, 2007). Estes conceitos passam a ser
trabalhados de forma pertinente à temática, com didática apropriada, contemplando sua a
aplicação a exemplos práticos do cotidiano.
De fato, teorizar por teorizar não é o melhor caminho no trabalhar com esta temática
em sala de aula. Para isto, as correlações entre cotidiano e teoria são fundamentais para o
entendimento discente. A partir do entendimento do que a teoria sugere, bem como de sua
verificação na realidade, principalmente considerando-se a experiência cotidiana, o
estudante passa a ter condições ideais para que possa manifestar-se de forma crítica,
consistente e autêntica acerca da realidade que o cerca e de suas conexões com o mundo
globalizado8 (CAVALCANTI, 1999; FERREIRA; DE OLIVEIRA, 2009).

2.2 TRABALHANDO A TEMÁTICA GLOBALIZAÇÃO EM SALA DE AULA

Durante as aulas de geografia, ministradas dentro deste propósito, inúmeras foram


as experiências explicitadas pelos estudantes acerca dos assuntos relacionados à temática
globalização. Quando falamos, por exemplo, da forte utilização do termo a partir da década
1980, podemos relacionar o fato ao maior acesso a computadores. O assunto começa a ser
ampliado para a questão da internet, observando neste caso, como o aluno se relaciona ou
utiliza a mesma.

8 Além disto, é imprescindível que o trabalho letivo se dê de forma interdisciplinar, já que a temática
globalização envolve diversos conteúdos da história, sociologia, filosofia, ciências, entre outras disciplinas.
Sobre as fases de aprofundamento dos processos de globalização, pode-se trabalhar
com o papel das multinacionais neste processo. Neste sentido, as relações de consumo
envolvidas com esta dinâmica está amplamente relacionada com o cotidiano discente,
principalmente no que se refere ao padrão de consumo atual. O estudante consegue, a partir
destes exemplos, perceber-se dentro deste processo que ainda é vigente. Uma série de
atividades pode ser proposta, como pesquisa das multinacionais mais atuantes no mundo,
ou sobre aquelas que os próprios estudantes mais consomem, entre outras opções.
Quando discorremos sobre migrações e a integração dos mais variados tipos de
fluxos globais, podemos trabalhar em sala de aula as ambições de vida de cada estudante,
bem como temas provocativos como: “Ficar ou sair do Brasil?”, “Como o estrangeiro me
vê?”, “Qual o problema nas multinacionais?”, “Exploração no mundo: isto existe? Por
quê?”. Estas questões, entre outras, são de fácil leitura e compreensão, no entanto, exige do
aluno uma reflexão acerca do tema, o que o induz a relacionar seus anseios e opiniões à
própria teoria.
Desta forma, o trabalho com a temática passa a ter maior significado, pois o
estudante adquire condições de se enxergar como sujeito no processo, e não apenas como
um mero aluno espectador de uma exposição distante, desconexa e imaginária
(FERREIRA; DE OLIVEIRA, 2009). Afinal, como afirma DAYRELL (1996), é
fundamental:

[...]superar a visão homogeneizante e estereotipada da noção de aluno, dando-lhe


um outro significado. Trata-se de compreendê-lo na sua diferença, enquanto
indivíduo que possui uma historicidade, com visões de mundo, escalas de valores,
sentimentos, emoções, desejos, projetos, com lógicas de comportamentos e
hábitos que lhe são próprios. (DAYRELL, 1996, p. 37)

Inúmeras são as possibilidades de trabalho para os estudos relacionados à temática


globalização em sala de aula. No entanto, fundamental é que a proposta de trabalho esteja
conciliada com a realidade discente, para que o mesmo possa, a partir daí, elaborar
opiniões, críticas e sua própria visão de mundo (PONTUSCHKA, 1999).

3. A EXPERIÊNCIA PRÁTICA
O projeto de trabalho realizado para elaboração deste, foi desenvolvido durante os
anos de 2012 e 2013, com quatro 9°s anos do ensino fundamental (anos finais), em duas
escolas da Secretaria Municipal de Educação do município de São José - SC. No ano de
2012 trabalhamos com dois 9°s anos do Centro de Educação Municipal Luar, estabelecido
na localidade Dona Wanda. Sendo que no ano de 2013 trabalhamos com outros dois 9°s
anos da Escola Básica Municipal Vereadora Albertina Krummel Maciel, no bairro Fazenda
Santo Antonio.
Ambas as localidades se situam na periferia de São José 9, consideradas pelos
munícipes como “áreas de classe média baixa”10. As escolas estão localizadas nas porções
mais privilegiadas de suas localidades, em áreas mais valorizadas. No entanto, em ambas as
realidades percebemos no entorno das escolas uma periferia mais suburbana, com evidentes
traços de pobreza, marcadas pela violência e criminalidade. De forma geral, a maior parte
dos estudantes pertence a famílias com renda mensal familiar entre dois e quatro salários
mínimos, com raras exceções11.
Entendemos aqui que as configurações socioeconômicas das famílias dão certa
condição de acompanhamento das tendências tecnológicas atuais, o que ajuda muito no
entendimento e aprofundamento das atividades, afinal a maior parte dos alunos possui
contatos com a modernidade atual, verificadas pelo acesso a internet e a outros meios de
comunicação. Outro ponto interessante é que mesmo aqueles sem condições para
acompanhar as tendências tecnológicas (comprando aparelhos eletrônicos) possuem redes
sociais utilizadas com frequência, por meio das lan-house’s12 ou na casa de
amigos/familiares. Mesmo aqueles estudantes mais carentes, possuídores de aparelhos

9 Nos extremos norte e sul do município. Fazenda Santo Antonio ao sul e Dona Wanda ao
norte.

10 Considerando-se aqui as condições sócio-econômicas da maior parte dos moradores, de


acordo com os próprios pais envolvidos neste projeto.

11 Tal verificação foi realizada com base em questionário distribuído ao começo do ano com cada
turma. Neste questionário verificamos alguns pontos importantes como idade, composição familiar, renda
familiar, acesso a meios de comunicação, prática de atividades extracurriculares.
celulares, optam por aparelhos similares, de qualidade mais baixa, demonstrando a alta
influência da tecnologia na adequação destes estudantes às tendências atuais.
Tais aspectos foram profundamente explorados no trabalho em sala de aula, afinal, a
construção de uma visão de mundo, por parte dos estudantes, também passa pelo
entendimento de como estes próprios se inserem nesta lógica global. Partir da adequação
dos alunos às configurações tecnológicas atuais, expressa pelo consumo dos produtos e
serviços ofertados pelo mercado, também auxiliou a proposta de trabalho como uma
importante possibilidade para o trabalho docente.

3.1 O TRABALHO DOCENTE

O fato de os estudantes terem, quase naturalmente, uma estreita relação com a


tecnologia voltada ao setor das telecomunicações, foi amplamente aproveitado durante as
aulas, especialmente quando trabalhamos o assunto consumo e consumismo no contexto
atual. Tabelas com diversos índices demonstrando esta tendência consumista atual foram
disponibilizadas aos alunos. Caracterizar, analisar e compreender nossa atual sociedade de
consumo era o grande objetivo na exposição do assunto. No entanto, as aulas ganharam
maior significado quando os alunos tiveram que criar sua própria tabela de itens
consumidos. Nesta tabela havia uma classificação dos produtos entre “necessário e
supérfluo”. Logo, os estudantes tiveram condição de observar, a partir de seu próprio
padrão de consumo, o quanto estão adequados à lógica capitalista consumista atual, bem
como o quanto esta configuração é sustentada pelos atuais processos de globalização
(SANTOS, 2004).
Ao final das atividades acerca do assunto consumo e consumismo, os estudantes
foram provocados a pensarem de acordo com a lógica capitalista consumista. Neste sentido,
tiveram a proposta de elaborar em cartaz uma propaganda sobre um produto de sua

12 Pequenos estabelecimentos em que períodos de acesso ao computador são alugados aos


clientes, no próprio estabelecimento. Ambas as localidades possuem lan-house perto da escola.
preferência, real ou fictício. Nesta publicidade os alunos tinham como principal objetivo, a
venda do produto. Acabaram realizando na prática, a aplicação das técnicas de marketing e
propaganda, demonstrando a atratividade visual que toda publicidade traz consigo, bem
como as facilitações de crédito/crediário no pagamento. Esta foi uma excelente
oportunidade de trabalho porque de forma prática inseriu o estudante no assunto, sendo ele
sujeito do próprio objeto de estudo (FERREIRA; DE OLIVEIRA, 2009).
O trabalho realizado a partir do assunto “consumo e consumismo” foi desenvolvido
logo após as ministrações acerca da gênese dos processos de globalização, relacionado as
fases do capitalismo e principalmente às revoluções industriais (BOLIGIAN; GARCIA;
MARTINEZ; ALVES, 2009). Estes assuntos foram trabalhados ao longo do primeiro
bimestre de cada ano letivo, servindo de introdução aos assuntos referentes aos fluxos
globais de mercadorias, pessoas, informações e capitais, trabalhados ao longo do 2°
bimestre.
Começamos trabalhando a associação da tecnologia à intensificação dos mais
variados fluxos pelo mundo. A primeira modalidade desenvolvida foi a do fluxo de pessoas.
Desta forma, aproveitamos para inserir assuntos correlatos às migrações. A primeira
proposta de atividade foi a de realizar uma redação com o tema “Brasil: ficar ou sair?”.
Nesta atividade ficou claro que muitos alunos, especialmente os mais carentes, ainda
preferem o Brasil e conhecem pouco do mundo (no que se refere à variedade cultural dos
países).
Outro indicativo interessante neste trabalho, é que aqueles que têm um
conhecimento maior acerca do mundo subestimam, em muitos casos, as qualidades de
nosso país13. Por vezes, conhecem mais outros países que o próprio Brasil. Isto demonstra,
intrinsecamente, a aculturação como forte característica nos processos de globalização
(MONTERO, 1997). Neste sentido, é fundamental a intervenção docente ao final de cada
atividade avaliativa, tanto para equilibrar uma possível defasagem curricular, quanto para o
13 A maior parte dos alunos com esta opinião aparentam uma condição financeira mais
favorável e um acesso maior a informação. Em termos metodológicos, não houve o trabalho com
percentuais exatos. A verificação desta situação se deu pela comparação entre as opiniões e o
sugerido em questionário.
estímulo de um pensamento crítico acerca deste viés cultural uniformizador, verificado nos
processos de globalização.
A partir da análise dos fluxos de mercadorias, revisamos os conteúdos referentes ao
assunto consumo e consumismo, bem como as etapas das revoluções industriais. Partimos
da ideia que a mercadoria está intimamente relacionada à informação que a anuncia, ou que
estimula seu consumo. É o ponto inicial para o trabalho com as redes de telecomunicação.
Fazemos um comparativo histórico da evolução dos meios de comunicação entre o passado
e o presente. Para isto, sugerimos aos estudantes que pesquisassem junto a pessoas mais
velhas da família ou vizinhos, como as pessoas se mantinham informadas antigamente. O
comparativo dos resultados expostos trouxe algumas provocações, trabalhando fortemente
com o imaginário do aluno, colocando-o num passado não tão distante, dando condições ao
mesmo de mensurar profundas transformações num curto período de tempo.
Outra forma de trabalho com os fluxos de informações, adotado em nossa
experiência, foi a de elaborar redações com o tema “Internet: o lado bom e o ruim”. Nesta
atividade, além do lado positivo, alguns assuntos relacionados a alguns riscos foram
trabalhados. Nesta linha, desenvolvemos as questões do uso responsável, da privacidade, da
emancipação de opiniões, da identidade e da demasiada exposição. Estes temas foram
discorridos de acordo com a transversalidade de conteúdos, neste caso, pertinentes ao
assunto internet. Logo, o conjunto de informações positivas e negativas trouxe aos
estudantes a oportunidade da construção de uma ideia crítica acerca desta importante
ferramenta de comunicação.
Já no início do terceiro bimestre desenvolvemos questões pertinentes ao fluxo de
capitais, no contexto atual de um capitalismo financeiro altamente competitivo,
especulativo e predatório. Alguns assuntos sobre o funcionamento do mercado financeiro
foram trabalhados em aulas expositivas, sempre em conexão com a experiência de vida dos
alunos. Alguns exemplos de aproximação entre conteúdo e aluno foram apresentados, como
a influência do valor do dólar nos preços das mercadorias, inclusive sobre aquelas mais
consumidas pelos próprios estudantes. Em mais esta oportunidade a valorização discente no
processo ensino-aprendizagem passou a ser efetiva.
O assunto mercado financeiro, de forma conciliada aos outros assuntos trabalhados
na temática globalização, serviu de introdução para o trabalho desenvolvido no 3° e último
bimestre desta experiência. Começamos a discorrer sobre o meio ambiente no contexto
capitalista atual. A degradação ambiental decorrente da demanda por matérias primas,
aumento da produtividade, crescimento urbano, entre outros aspectos, passou a orientar o
entendimento de pontos negativos desta globalização capitalista sobre a estrutura natural do
planeta. Passamos a desenvolver, de forma argumentativa, em tom de debate, a ideia que o
desenvolvimento econômico se dá, em grande parte, em detrimento do meio ambiente, em
todos os níveis (global, regional e local).
A partir do momento que consideramos a esfera local, o estudante passou a se
perceber como parte importante na mudança destes processos vigentes. Aproveitando esta
sensação de pertencimento aos processos trabalhados em sala de aula, iniciamos a proposta
de trabalho discente acerca do assunto. Nesta experiência trabalhamos com a identificação
de problemas ambientais no bairro em que vivem os alunos, em trabalho a ser apresentado
pós-pesquisa. Neste trabalho os alunos apresentaram problemas como o desmatamento,
especialmente em encostas, para ocupação urbana (muitas vezes desordenada); intenso
fluxo de veículos, gerando considerável emissão de CO²; total comprometimento dos
mananciais e córregos, transformados em verdadeiros “esgotos a céu aberto”14; acúmulo de
lixo em terrenos baldios, configurando foco de doenças e de animais, entre outros
problemas.
Estes problemas ambientais foram os principais apresentados nas pesquisas
expostas, apresentando, guardadas as devidas proporções, semelhanças a processos mais
amplos verificados em cidades maiores e mesmo cidades globais (BOLIGIAN; GARCIA;
MARTINEZ; ALVES, 2009). As intervenções foram realizadas na conclusão das
apresentações, demonstrando que lógica local de degradação é conectada a uma lógica mais
ampla, orientada pelo capitalismo e de dimensões globais.
Neste sentido, diante dos assuntos trabalhados ao longo dos três bimestres, os
estudantes tiveram a oportunidade de compreender, analisar e construir opiniões críticas

14 Na fala de alguns alunos, como resultado dos trabalhos apresentados em sala.


acerca do que é a globalização, quais suas tendências e configurações. Além disto,
compreenderam, a partir das análises realizadas em aula e por meio de trabalhos, que fazem
parte deste processo mais amplo, chamado de globalização, e que este os atinge de certa
forma, no lugar onde vivem, fazendo dos próprios estudantes sujeitos neste processo
(KAERCHER, 2002). Desta forma, a oportunidade de trabalhar com as relações lugar-
mundo, e vice-versa, foi fundamental na criação de condições para um olhar consciente e
apurado de quem é sujeito neste processo e não mero espectador.

3.2 A OPINIÃO DISCENTE

As questões de opinião pessoal, desenvolvidas no término deste trabalho, foram


fundamentais para a identificação de um diagnóstico acerca do processo ensino-
aprendizagem referente à temática globalização. Isto fica evidente na participação da maior
parte dos alunos acerca do tema, bem como na qualidade dos trabalhos desenvolvidos pelos
próprios alunos. Obviamente o interesse não é unânime, pois a utilização de uma didática
apropriada não dá conta de, por si só, resolver todos os desafios enfrentados ao longo do
processo ensino-aprendizagem.
No entanto, analisando os resultados das questões de opinião pessoal percebemos
um perfil de estudante mais atento à temática, não apenas como teoria, mas como um
importante e efetivo processo vigente na atualidade. Em uma das respostas um aluno
considera que “... pensar a respeito da globalização hoje é fundamental, porque ela
direciona diretamente nossas vidas, em muitos aspectos...”. Esta aproximação, mediada
pelo professor, entre aluno e realidade é fundamental para que os conteúdos discorridos
possam adquirir significado (CHARLOT, 2005).
Em outras respostas os estudantes demonstram ter entendido a inter-relação entre
lugar e mundo, característica marcante dos processos de globalização. Neste sentido, uma
aluna considera que “... é muito importante termos a noção que as coisas estão conectadas,
que nenhum lugar, por mais distante que seja dos grandes centros, está 100% isolado...”.
Estas noções de integração política, econômica, social e cultural entre os países foram
reforçadas ao tratarmos questões referentes ao consumismo e mesmo com relação ao meio
ambiente, como considerou um dos alunos em seu comentário: “... quando estamos
cuidando do lugar em que vivemos, estamos ajudando a cuidar do planeta inteiro...”. Ficou
evidente, nas considerações da maior parte dos alunos, que a temática é altamente
pertinente a vida de cada um, e que os próprios estudantes fazem parte das escolhas e
direcionamentos a serem encaminhadas para o futuro.
Ao fechamento destas atividades, referentes aos trabalhos desenvolvidos sobre a
temática globalização, identificamos um resultado favorável no processo ensino-
aprendizagem. O entusiasmo dos alunos em sala de aula, não se restringiu apenas às
participações nas aulas expositivo-dialogadas, ou na forma escrita. Ficou evidente que a
maior parte dos estudantes, ao se perceberem como sujeito nos processos estudados,
aprimoraram sua visão de mundo, começando pelo lugar em que vivem, bem como pela
vida que conduzem (KAERCHER, 2002). Isto demonstra que a consideração e valorização
da opinião discente, conduz o trabalho com a temática globalização para um sucesso mais
amplo. Os rendimentos decorrentes das avaliações foram positivos, com uma média de
cerca de 80% dos alunos atingindo índices satisfatórios.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste artigo contemplamos algumas propostas de trabalho para o desenvolvimento


da temática globalização, junto aos 9°s anos do ensino fundamental (anos finais). Nossa
experiência foi realizada ao longo de dois anos, em duas escolas da rede municipal de
educação do município de São José-SC. Adotamos um trabalho didático com os estudantes,
de aproximação entre a teoria e a realidade, partindo do entendimento das relações lugar-
mundo (e vice-versa) para uma melhor compreensão dos processos de globalização,
vigentes na atualidade.
Verificamos com este trabalho que a proposta de inserção do estudante na
construção de seu próprio conhecimento é fundamental para o sucesso no processo ensino-
aprendizagem, sendo algumas temáticas, como a da globalização, ainda mais propícias para
a adoção de tal metodologia (CAVALCANTI, 1999). Ao desenvolvermos esta proposta,
identificamos maior interação dos estudantes com o assunto, aprimorando sua capacidade
investigativa e de análise, principalmente a partir do momento em que o estudante se vê
como sujeito do processo e não apenas como mero espectador.
Os trabalhos desenvolvidos ao longo dos bimestres deram encaminhamentos às
conclusões até aqui abordadas. Afinal, as interações provocadas a partir da inserção do
estudante na própria temática, trouxe dinamismo às aulas, de forma cooperativa entre
professor e aluno. A todo o momento a experiência cotidiana do estudante, bem como seu
conhecimento acerca do lugar em que vive, foram consideradas e valorizadas. Isto trouxe
uma dimensão participativa mais intensa durante as aulas ministradas, demonstrando maior
eficácia que os modelos tradicionais (burocráticos) de ensino, que não contemplam o
estudante como sujeito (KAERCHER, 2002).
O trabalho docente acerca da temática globalização fortaleceu a ideia de
pertencimento do estudante aos processos que o mesmo analisa, dando maior significado às
variadas interpretações de mundo construídas pelo próprio. Neste sentido, o aluno passa a
desenvolver dentro de si um processo emancipador acerca do conhecimento, adquirindo
condições para sua própria visão de lugar e mundo. Isto, em geografia, amplia as
possibilidades de análise consideravelmente, especialmente para um nível de
aprofundamento maior dos conteúdos geográficos, como é proposto no ensino médio
(PONTUSCHKA, 1999).
Trabalhar a temática globalização de forma atenta e conectada aos saberes e
necessidades dos alunos, é saber construir uma consistente ponte entre o arcabouço
curricular desenvolvido ao longo do ensino fundamental e os aprofundamentos a serem
trilhados no ensino médio. Por isso, a temática globalização, discorrida no 9° ano
configurar-se num importante momento estratégico na formação discente, trazendo aos
próprios, condições básicas para um aprofundamento teórico mais complexo
(PONTUSCHKA, 1999).
Neste sentido, os resultados positivos adquiridos durante as variadas atividades
correlatas à temática se expandem para outras áreas do conhecimento, já que facilmente
podemos trabalhar a globalização de forma multidisciplinar. Estas configurações vão
amplamente ao encontro da própria formação discente, já que o entendimento de mundo
não se restringe a um conhecimento geográfico, mas trata-se de parte importante na
formação do próprio ser humano (KAERCHER, 2002).
Com base nestes aspectos, concluímos que os trabalhos aqui expostos contribuem
consideravelmente para uma prática letiva mais eficiente, abrangente e significativa. Isto
porque se trata de formas de valorização do aluno como sujeito dos processos que o mesmo
visa compreender, trazendo a ele, condições de conhecer melhor a si, seu lugar e o mundo
em que vive, contribuindo profundamente para seu processo de formação.

REFERÊNCIAS

BOLIGIAN Levon; GARCIA Wanessa Pires; MARTINEZ Rogério; ALVES Andressa.


Geografia espaço e vivência: a dinâmica dos espaços da globalização – 9° ano. 3ª
edição reformulada. São Paulo: Atual, 2009.

CAVALCANTI, L. de S. Propostas curriculares de Geografia no ensino: algumas


referências de análise. Terra Livre, n. 14, p. 111-128, 1999.

CHARLOT, Bernard. Relação com o saber, formação dos professores e globalização:


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