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Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação

Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação

Nosedive: Uma Narrativa Clássica nos Novos Padrões de Consumo Audiovisual1

Niedja Ferreira Dias de MELO2


Universidade Católica de Pernambuco, Recife, PE

RESUMO

No presente estudo pretende-se analisar como a estrutura clássica da narrativa é capaz de


se adaptar à abordagem de temas atuais e aos novos modelos de consumo audiovisuais,
com os vídeos On Demand (VOD). Para isso, foi feito um estudo sobre o primeiro
episódio, Nosedive (Queda Livre), da terceira temporada da série Black Mirror, que
aborda como a tecnologia pode impactar a sociedade moderna, num futuro cada vez mais
perto. Em seguida é realizada uma análise da plataforma online, Netflix, onde é produzida
a referida série. Os resultados encontrados permitem observar mudanças na forma
tradicional da cadeia produtiva não apenas do consumo, mas da produção e distribuição
em rede. Em resposta ao objetivo da pesquisa, discutiremos a narrativa clássica e suas
particularidades, no que se refere à composição estética, construção dos personagens,
trama e disposição dos planos.

PALAVRAS-CHAVE: black mirror; narrativa; netflix; consumo; audiovisual nosedive.

INTRODUÇÃO
A proposta desde artigo é analisar como a estrutura clássica da narrativa
audiovisual é capaz de se adaptar à abordagem de temas atuais e aos moldes de consumo
on demand, uma tendência do modelo de consumo de conteúdos audiovisuais. A análise
tomou como objeto de estudo o primeiro episódio, Nosedive (Queda Livre), da terceira
temporada da série produzida pela Netflix, Black Mirror.
Para responder ao nosso objetivo, abordaremos a estrutura da narrativa clássica
do audiovisual, trazendo suas características desde a composição estética, construção das
personagens, planos de enquadramento e enredo.
Em seguida, apresentaremos o formato de consumo de narrativas audiovisuais,
que vem se consolidando como uma tendência entre os telespectadores, rompendo com o
modelo antigo que submetia a audiência a uma programação fixa.

1 Trabalho para a disciplina de Linguagem Audiovisual, ministrada pelo professor Cláudio Bezerra.
2 Mestranda do Curso de Indústrias Criativas da Unicap, e-mail: niefdm@gmail.com.

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Para contextualizar nossos objetivos, tomamos como objeto de análise o episódio


Nosedive, que traz uma temática atual com foco no impacto da tecnologia e a
superexposição por ela possibilitada por meio das redes socais no comportamento social.

1. A ESTRUTURA CLÁSSICA DA NARRATIVA AUDIOVISUAL


A estrutura clássica da narrativa audiovisual, atingiu esse patamar por ser
recorrente na maioria das narrativas do cinema. Essa estrutura traz um modelo que mescla
situações de tensão e de tranquilidade, criando uma situação próxima o bastante da
realidade, de modo a fazê-lo crer que tudo aquilo que ver é passível de acontecer.
Essa estrutura, pela sua repetição nas diversas narrativas, tornou-se clichê e assim,
de fácil decodificação pelos telespectadores, aproximando-se do seu dia a dia e
transformando-se em uma história que podia ser contada por um amigo ou pelo próprio
telespectador. Essa proximidade com o contexto cultural e com a estrutura narrativa
utilizada diariamente pelo público como forma de comunicação, faz com que seja mais
fácil eliminar as brechas deixadas pelos processos de corte e edição necessários ao
processo de construção do audiovisual. (ZANI, 2009)
Em um filme clássico, a trama precisa transmitir sentidos e deve
possuir coerência e seguir a tradição de uma fábula –
acontecimento contado em ordem cronológica –, sem propor
grandes contestações; afinal, é uma obra ficcional. O texto, a
imagem e o som devem estar coerentes, complementando-se. A
narração (fala das personagens) ocorre em primeira pessoa
(intradiegético) ou em terceira pessoa (extradiegético), podendo
o narrador estar subentendido; é a famosa narração em off.
(ZANI, 2009, p.132-133)

Essa busca pela coerência de que fala Zani é uma característica da estrutura
clássica da narrativa, marcada por um começo – no qual os personagens são apresentados,
suas características são apontadas e protagonistas e antagonistas são destacados. Nesse
momento, o telespectador também toma conhecimento do assunto tratado e conflito ao
qual o protagonista estará submetido - um meio – onde o conflito se desenvolve e algumas
soluções para o problema do protagonista já são apontadas, apresentando-se assim de
forma crescente até atingir o clímax, de modo a criar um elo com o final que se aproxima
- e um fim – momento em que acontece a resolução do conflito principal - delimitados de
modo a não se confundirem, facilitando o entendimento do telespectador de forma linear.

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Segundo Zani (2009), na estrutura clássica, o suspense deve ser mantido até o final do
filme, de modo a prender a atenção do telespectador. (ZANI, 2009)

2. NOVOS MODELOS DE CONSUMO


Assistir a um conteúdo audiovisual nos dias de hoje é uma experiência diferente
daquela à qual o telespectador estava submetido antes das produções por vídeo atendendo
a uma demanda, os chamados Vídeos On Demand (VOD). Os aparelhos de TV com
conexão em rede são projetados para funcionarem como computadores, o que
redimensiona o conceito de uma emissora que tem sua programação engessada. A partir
do acesso aos VOD, essa reconfiguração de conteúdos teve seu espaço numa transmissão
fluida, que leva em consideração a regulamentação de políticas capazes de garantir até a
própria diferença social.
Dentre os meios de distribuição oferecidos pelo mercado, como o Amazon Prime
Vídeo, Hulu, Netflix e outros, este tópico se destina a analisar o terceiro por sua
popularidade no país. O Netflix – considerado o principal meio de VOD da atualidade no
mercado internacional - iniciou as atividades como um meio de locação de DVDs e, aos
poucos, foi refinando o seu plano de negócios, oferecendo o serviço de streaming aos
seus novos assinantes, chagando ao ponto de produzir suas próprias obras, tornando-se
além de difusor, também produtor. Segundo dados do site Olhar Digital3 (2018), são 125
milhões de assinantes do serviço de streaming em todo o mundo – menos na Crimeia, na
Coreia do Norte, na Síria e na China, locais nos quais o governo dos EUA impõe
restrições. No Brasil, segundo dados da Ampere, divulgado pelo Olhar Digital, o total de
usuários pagantes no país deve ter chegado a 10 milhões até o fim de 2018.

Figura 1: Países em vermelho indicam onde a Netflix está atuando

3
Dados do site Olhar Digital disponíveis em: <https://olhardigital.com.br/noticia/netflix-ja-tem-mais-assinantes-
do-que-net-e-claro-no-brasil-diz-estudo/77724 . Acesso em: jan. 2019.

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Fonte: https://www.oficinadanet.com.br/post/15898-a-historia-da-netflix

Para a pesquisadora Amanda Lotz, a “miríade de oportunidades de distribuição


eletrônica de conteúdo sob demanda” a partir de meados de 2000 “revolucionou as
práticas de distribuição” mudando diretamente, de maneira significativa, a forma de
entrega das obras por parte dos estúdios norte-americanos aos próprios espectadores, seja
via televisão aberta ou via cabo, seja por um dispositivo conectado à internet, como a
própria Smart tv ou um computador, disponibilizando uma gama de conteúdo, para que o
usuário possa assistir onde quiser (LOTZ apud FIGUEIRÓ 2017, p.24).
A redução dos custos com o fácil acesso à produção e distribuição fez com que a
oferta do conteúdo precisasse ser repensada.
Uma característica fundamental dos avanços na distribuição – por meio do
VOD (vídeo sob demanda), download (sites de vendas, como iTunes ou
Amazon), e streaming via banda larga (Netflix, Hulu) – resultou na sua
intangibilidade: o espectador nunca tem acesso ao disco ou à cópia do
conteúdo e, portanto, não precisa ir a uma loja física para comprá-lo ou
esperar para recebê-lo pelos Correios. Estas janelas de distribuição,
consequentemente, reduzem os custos de produção e distribuição, que são,
é claro, preocupações fundamentais nos modelos econômicos da indústria.
Além disso, a eliminação de limitações como o espaço de exposição em
loja e uma considerável redução nos custos de fabricação e transporte
tornam uma variedade de conteúdos até então fora de catálogo – o que
Chris Anderson chama de “cauda longa” – um componente cada vez mais
valioso para a indústria, demandando a reavaliação de estratégias de
desenvolvimento. (LOTZ apud FIGUEIRÓ 2017, p.24). [Tradução
Revista Geminis] 4

4
Do original: A key characteristic of advances in distribution such as VOD (on demand offered by MVPDs),
downloading (retail sites allowing permanent ownership such as iTunes or Amazon), and broadband streaming (Netflix,
Hulu) resulted from their intangibility – the viewer never accessed a disk or hard copy of the content – and therefore
didn’t need to go to a physical store to purchase it or even await its arrival by mail. These distribution windows
consequently reduce production and distribution costs, which are, of course, critical concerns in the industry’s economic
models. Further, the elimination of limitations such as retail shelf space and sizable reduction in manufacturing and

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Figura 2: Dispositivos usados habitualmente pelo consumidor On Demand5

Fonte: http://blog.aotopo.com.br/publicidade/conteudo-on-demand

Para Jenkins (2009, p. 41), “os velhos meios de comunicação não estão sendo
substituídos. Mais propriamente suas funções e status estão sendo transformados pela
introdução de novas tecnologias”. Sendo assim, à medida que a internet se consolida
através desses meios como interação entre pessoas e mídias, a televisão se vê levada a
adaptar seu conteúdo por conta do comportamento do público.

Segundo estudos da ConsumerLab (IPNEWS, 2015)6, os brasileiros passam


diariamente 36% do tempo assistindo aos vídeos sob demanda. Mais resultados do estudo
relevam o crescimento expressivo do consumo de vídeo em dispositivos móveis. Ainda
em 2015, 61% dos entrevistados tem seus smartphones para esse tipo de conteúdo – uma
alta de 71% desde 2012. A faixa etária em destaque é a dos adolescentes. De acordo com
a pesquisa, esses jovens passam dois terços do tempo assistindo televisão e vídeos em
tablets, notebooks e smartphones. Em agosto de 2018, o consumo mundial de conteúdo

transportation costs makes a range of content that was previously outside the market, what Chris Anderson calls the
“long tail”, an increasingly valuable component of the industry and one that requires reconsideration of development
strategies.
5
Infográfico produzido pelo Conecta, plataforma de pesquisas de inteligência do Ibope, Blog do Inbound disponível
em < http://blog.aotopo.com.br/publicidade/conteudo-on-demand/>. Acesso em: jan. 2019.

6
Dados do site Ipnews, disponível em: https://ipnews.com.br/brasileiros-passam-36-do-tempo-assistindo-
a-conteudo-de-tv-e-video-sob-demanda/ . Acesso em: jan 2019.

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de vídeo on demand cresceu 115% em um ano, segundo dados da empresa de


monitoramento e inteligência do setor audiovisual, CONVIVA, publicados pela
Propmark (2018).

De acordo com a Propmark, ainda em 2018, entre os meses de maio e junho, mais de
5,5 bilhões de horas foram empregadas para o uso exclusivo de streaming. No mesmo período,
no ano anterior, foram 2,5 bilhões. A Propmark aponta outro dado importante, que mostra que
a procura pelos VODs está em alta. Pesquisa da PayTVForum, realizada entre os
consumidores brasileiros, publicada pela Propmark, apresenta alta de 8% nos serviços dos
vídeos on demand como principal forma de diversão.

O cenário que vem se formando nos últimos anos, legitimado pelo recorte
progressivo dos dados apresentados, não se apresenta tão otimista para o modelo atual da
TV aberta. Séries do Netflix, canais do YouTube - criados por usuários que conseguem
arrastar multidões de fãs –, além de outros inúmeros meios de consumo audiovisual, têm
tirado o sono dos que sobrevivem no universo broadcasting, que transmite uma grade de
programação generalizada, com conteúdos ao vivo e pré-gravados, fazendo com que o
telespectador não tenha autonomia além da troca de canais e do que está sendo exibido.
Diante disso, a tendência que se revela é a adaptação dessas mídias à nova configuração
dos nossos dias.

3. A SÉRIE BLACK MIRROR E SUA PROPOSTA E ESTRUTURA NARRATIVA

Black Mirror é uma série de ficção científica, que foi criada para a televisão
inglesa e exibida pela primeira vez em dezembro de 2011, no Channel 4. Em 2017, quatro
anos depois da sua estreia, a Netflix comprou os direitos e encomendou a terceira
temporada da série, contendo 12 episódios, divididos em duas partes, demandando uma
quarta temporada com a segunda parte dos episódios. A terceira temporada foi lançada
em dezembro de 2017 e a quarta em 2018. Ainda no mesmo ano em que lançaram quarta
temporada, foi anunciada a quinta, mesmo sem uma data prevista. Black Mirror se
transformou em um produto ambicioso que rendeu, no final de 2018, o lançamento de um
filme interativo, Bandersnatch, derivado da série.

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A série, Black Mirror, na tradução literal “Espelho Negro”, se refere à tela dos
smartphones. Isso é o pontapé inicial de alguns episódios em destaque, que nos remetem
ao conceito da tecnologia em nossas mãos, bem como às relações pelas redes sociais.
Criada por Charlie Brooker, a série tem como marca promover discussão sobre
como a tecnologia pode impactar a sociedade num futuro próximo, trazendo elementos
do dia a dia e amplificando-os. Cada episódio tem seu próprio enredo, elenco, cenário e
realidade próprios, o ponto de convergência entre eles é o uso da tecnologia na sociedade
moderna.

3.1 NOSEDIVE
O episódio retrata um mundo perfeito, onde a harmonia é representada pelos tons
pastéis tanto no cenário quanto no vestuário, predominando a cor rosa – considerada pela
psicologia das cores como a cor da cortesia, da amabilidade e do charme. Também pode
sugerir inocência e ingenuidade - e pela população amistosa. Mesmo os bairros mais
humildes, se destaca a beleza e uniformidade nas ruas e casas.
Escrito por Michael Schur e Rashida Jones, com direção de Joe Wright, baseia-se
em uma de Charlie Brooker, onde a personagem Lacie Pound (encenada pela atriz Bryce
Dallas Howard) dedica todo o seu tempo em conseguir “curtidas” nas redes sociais, pois
sabe que esta é a única condição para se desenvolver profissionalmente, arrumar uma bela
moradia e ser reconhecida socialmente.
A proposta do primeiro episódio da terceira temporada da série Black Mirror trata
do universo onde o padrão social do indivíduo é medido por pontuação determinada pelo
julgamento alheio. Esses pontos, representados por estrelas, possibilitam privilégios
sociais e status, bem como descontos em locações e acesso à espaços exclusivos só
obtidos na nossa realidade através do consumo. Quanto maior o ranking, mais poder
social.
A personagem Lacie, à procura de um apartamento para ela e seu irmão Ryan
(interpretado pelo ator James Norton), encontra uma encantadora casa no requintado
condomínio Pelican Cove e isso irá lhe custar um pouco mais dos seus 4.2 pontos para
obtenção de um bom desconto. O que a afastava desse generoso abatimento era um
decimal de 0,3. Sendo assim, resolve correr atrás para conquistá-lo no trabalho para

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atingir sua meta e para isso, dependia da avaliação daquelas pessoas as quais ela também
cativasse fora do ambiente corporativo. Interessante a superficialidade no trato a fim de
adquirir aprovação.
Quanto maior a reputação do avaliador que lhe proporcionaria as estrelas de
aprovação, melhor para Lacie, ao passo que interagir ou ser visto com pessoas mal
avaliadas, a impacta negativamente, já que a pontuação é fruto do reflexo de uma boa
conduta e estar com essas pessoas soava condescendência com seus atos.
Lacie, então tenta se reaproximar de Naomie (interpretada pela atriz Alice Eve),
sua antiga amiga de infância, com avaliação de 4.8, a partir de uma rede social. Já numa
abordagem inicial, Naomie convida Lacie para ser dama de honra do seu casamento, com
a presença de um grande número de pessoas com avaliações significativas. Ela enxerga
ali, a situação perfeita para alcançar o número necessário para o desconto da futura casa.
Lacie, como prova da sua leal amizade, prepara um discurso emocionado,
ensaiado sob protesto do seu irmão pela recíproca nada verdadeira da noiva. No dia do
casamento, Lacie discute com o seu irmão e passa por uma sucessão de contratempos que
a fazem perder o controle, baixando sua qualificação para menos de 4.2 pontos, o que a
impede de embarcar em outro voo, após descobrir que o seu atrasaria. Diante disso, Lacie
se comporta de forma considerada inadequada e cria outra cena, o policial do aeroporto,
então lhe dá uma punição de 24h, baixando seus pontos para 3.1 e duplicidade em
qualquer outra negativação.
Lacie decide enfrentar uma viagem de nove horas, dirigindo um modelo de
automóvel elétrico ultrapassado. No caminho, recebe uma ligação da amiga
desconvidando-a para o seu casamento devido à queda da sua pontuação, o que acabaria
com seu sonho de comprar a casa.
A personagem, rejeitada e com seu sonho acabado, se vê sem as amarras de uma
sociedade perfeita e imaculada. Tomada pela sensação de liberdade, Lacie fala tudo sobre
as futilidades presentes e descortina aquele mundo de falsidade, assim como o caráter
duvidoso da ex-amiga.
Com aquela atitude transgressora e ao mesmo tempo libertadora, Lacie é presa,
tendo seus implantes de dados da retina retirados e sem eles não estava mais sujeita às
curtidas e também não podia mais curtir. Na prisão, ela encontra a sua liberdade e,
sentindo-se dona das próprias ações, inicia um embate verbal com o vizinho de cela, sem
medos e amarras.

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3.1.2 A ESTRUTURA NARRATIVA

Identifica-se no episódio, uma narrativa audiovisual linear, onde se percebe um


único fio condutor, dado a partir de uma personagem central. A narrativa tem começo –
apresentação da protagonista e da antagonista, que no caso do nosso objeto são
coincidentes, visto que as atitudes de Lacie são suas maiores antagonistas, além do
conflito principal, chegar a uma pontuação que lhe permita a compra de uma nova casa –
meio – o desenvolvimento do conflito, que consiste na busca da personagem pela
pontuação desejada – e o fim – a ruptura da personagem com o seu desejo inicial e a sua
desconstrução enquanto padrão de comportamento - bem delimitados, característica da
narrativa audiovisual clássica.
Percebe-se, em Nosedive, uma narrativa em similaridade com a definição de
Bordwell (2005), sobre algumas produções fílmicas clássicas de Hollywood, onde os
personagens são estabelecidos e seguem um padrão que os conduz à resolução de um
problema ou mesmo a obtenção de uma finalidade. Nesse percurso, eles se confrontam
com outros personagens ou mesmo situações alheias. O enredo termina através do êxito
ou da derrota do protagonista, conseguindo ou não atingir o objetivo.
No que se refere à linguagem estética, as cenas intercalam o plano e contraplano
e, nessa variação do ponto de vista do olhar, o público tem acesso às informações gráficas
da prótese ocular que informa a pontuação e outros dados dos demais personagens, bem
como as características da própria protagonista e dos ambientes.
Quanto aos planos de enquadramento, boa parte das imagens estão em plano
médio, contextualizando a trama. Faz-se bastante uso do close, ora para enfatizar emoção,
ora para direcionar o telespectador aos detalhes. A expansão da profundidade de campo
é outro elemento muito utilizado com a intenção de mostrar a atmosfera harmônica das
cores e cenários.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este trabalho teve como propósito analisar a narrativa clássica e sua forma
estrutural na construção dos personagens, planos de enquadramento, composição estética
e enredo, tomando como objeto de estudo um case com uma proposta atual e de
identificação com o mundo contemporâneo, que é o Nosedive (Queda Livre), o primeiro

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episódio da série Black Mirror, um produto do Netflix - plataforma online de consumo


audiovisual - na categoria dos chamados Vídeos On Demand (VOD).
Na delimitação dos objetivos da pesquisa, tomamos como objeto de análise o
Nosedive, por abordar uma discussão atual, direcionada ao impacto da tecnológico e o
tanto que ela expõe o indivíduo nas redes, assim como no comportamento social. A
narrativa audiovisual identificada no episódio é linear, o que possibilita um
interligamento partindo do personagem central, com um enredo harmônico de começo,
meio e fim, corroborando com a narrativa clássica a que o enredo se propõe.
Esse novo cenário televisivo, onde a tecnologia é o fio condutor, traz uma
realidade ativa para o telespectador, que interage e se engaja no processo desse consumo
audiovisual fascinante. Para entender melhor o desempenho e formas de ingestão desse
público, bem como o crescimento desse segmento, foram apresentados números
expressivos do Brasil e de outros países a respeito, tanto dos VOD, quanto da progressão
com recorte para o Netflix, a partir das informações coletadas nos sites: Olhar Digital,
IPNews e Propmark.
Há muito mais informações, no que diz respeito às novas possibilidade desse
ambiente conectado e dessa cadeia produtiva, mas conseguiu-se apresentar um painel
geral dessas novas tecnologias e multiplataformas do mercado audiovisual.

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REFERÊNCIAS

BORDWELL, D. O Cinema clássico hollywoodiano: normas e princípios narrativos.


In RAMOS, Fernão Pessoa (org) - Teoria Contemporânea de cinema Vol II. São Paulo:
Senac, 2005.
FIGUEIRÓ, Belisa. Circulação em VOD: Uma análise do ambiente europeu e da
regulamentação francesa. Revista GEMInIS, São Carlos, UFSCar, v. 8, n. 1, pp.21-37,
jan. / abr. 2017, disponível em:
http://www.revistageminis.ufscar.br/index.php/geminis/article/view/279/250. Acesso
em: janeiro de 2019
JENKINS, Henry. Cultura da convergência. São Paulo: Aleph, 2009.
MATTOS, Diogo. (01 de fevereiro de 2016). Os desafios da era do conteúdo on demand.
Infográfico produzido pelo Conecta, plataforma de pesquisas de inteligência do Ibope, Blog do
Inbound disponível em < http://blog.aotopo.com.br/publicidade/conteudo-on-demand/>. Acesso
em: jan. 2019.
IPNEWS. (15 de setembro de 2015). ipnews.com.br. Acesso em jan. de 2019, disponível em
Brasileiros passam 36% do tempo assistindo a conteúdo de TV e vídeo sob demanda:
https://ipnews.com.br/brasileiros-passam-36-do-tempo-assistindo-a-conteudo-de-tv-e-video-
sob-demanda/
MEYER, M. (21 de novembro de 2016). A história da Netflix. Acesso em janeiro de 2019,
disponível em oficinadanet.com.br: https://www.oficinadanet.com.br/post/15898-a-historia-da-
netflix
PROPMARK. (10 de agosto de 2018). propmark.com.br. Acesso em jan. de 2019, disponível em
Consumo de conteúdo de vídeo on demand cresce 115% em um ano:
http://propmark.com.br/mercado/consumo-de-conteudo-de-video-on-demand-cresce-115-em-
um-ano

ZANI, Ricardo. Cinema e narrativas: uma incursão em suas características clássicas


e modernas. Conexão – Comunicação e Cultura, UCS, Caxias do Sul, v. 8, n. 15, jan./jun.
2009. Disponível em file:///C:/Users/janai/Downloads/118-454-1-PB.pdf.

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