Você está na página 1de 11

Casos de gramaticalização na

Anais do VII Congresso Internacional da Abralin Curitiba 2011


variante mexicana do espanhol:
perda de designação referencial
de “le”.
Viviane Conceição Antunes Lima
Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ)
viviane.antuneslima@gmail.com

Resumo: Este trabalho exibe um estudo sobre o comportamento do átono “le”


na variante mexicana. Orientando-nos pelo viés funcionalista e valendo-nos de
realizações provenientes do corpus El Habla de Monterrey (ALFANO, 2000) e da
página da Organização Editorial Mexicana (2009), ambicionamos: i) apresentar o
desenvolvimento do átono “le”, sob a luz dos estudos de gramaticalização; ii)
sublinhar especificidades de seu uso em contextos de perda de designação
referencial; iii) evidenciar a relevância do conceito de subjetivização neste
processo. Em nossa concepção, o referido item gramatical foi reanalisado
sintática e semanticamente, estendeu-se a novos contextos de uso e, depois de
gramaticalizado, passou a atuar também como partícula intersubjetiva.

Palavras-chave: funcionalismo; gramaticalização; variante mexicana; casos de


despronominalização do átono „le‟.

Introdução

Para entender as etapas de gramaticalização pelas quais passou o pronome


átono „le‟ na língua espanhola e tecer considerações sobre seus usos não-
referenciais na variante mexicana, decidimos pautar-nos no modelo funcionalista
norte-americano, uma vez que, assim como seus representantes, acreditamos que
o componente discursivo é peça de fundamental relevância nos ajustes e inovações
do sistema linguístico.
Sob o prisma funcionalista, pensar nos processos de mudança de uma língua
pressupõe dar atenção à dinamicidade que lhe é inerente. É relevante frisar que
não a observamos como um sistema fechado, mas como uma entidade modelada
por forças cognitivas, pragmáticas e históricas (HEINE,1993, p.3). Para explicar os
casos de variação e mutabilidade linguísticas, consideramos necessário, portanto,
estarmos atentos aos fatores extralinguísticos, à maneira como os falantes
concebem o mundo e como se conceptualizam as experiências de vida.
Neste sentido, afirmamos que a atividade comunicativa é a grande motivação
para o desenvolvimento do processo de gramaticalização. O uso de formas
linguísticas que dá conta de significados concretos, de fácil acesso e claramente
definido pode passar a expressar também significados menos concretos, menos
acessíveis e de conteúdo menos definido, mais subjetivo. Os falantes se valem de
regras (gramaticais, fonológicas e de formação de palavras), rotinizam expressões,

4389
vinculam formas a novos sentidos, possibilitando a geração de novas unidades no
inventário da língua.

Anais do VII Congresso Internacional da Abralin Curitiba 2011


Este posicionamento reforça a ideia de que a utilização das expressões
linguísticas pode tomar novos caminhos semânticos devido a aspectos de caráter
pragmático. Buscamos destacar, portanto, que ao se configurar a gramaticalização
de itens lexicais ou de construções sintáticas, os falantes lhes atribuem novas
funções nas situações de interação em que se inserem. Tais itens lexicais e
construções sintáticas, geralmente devido a sua frequência de uso, adquirem novos
sentidos e sua recorrência permite que sejam legitimados na práxis discursiva.
Este processo ocorreu com forma átona „le‟, em construções1 como:

(01)”¡Ándale! / Ésa ... ”.

(02)”Uno de los que me habían invitado a robar me alcanzó y me dijo: «Córrele que
ahí viene la tira».”

(03) “¡Híjole...! ¿Qué será? ”

Estes dados guardam usos não são previstos pela norma culta e nos mostram
que, nestes contextos, „le‟ é uma forma completamente desprovida de âncora
referencial e se apoia em nuances da práxis discursiva, isto é, está a serviço da
interação entre os partícipes da situação comunicativa. Em (01) e (02), como
podemos observar, o locutor visa influenciar o comportamento do interlocutor,
interpelando-o. Em (03), o processo de gramaticalização se encontra em um nível
ainda mais avançado, pois não é apenas um sufixo que registra uma relação de
intersubjetividade como nos exemplos anteriores, mas, tornou-se, depois de um
processo de formação analógica, uma parte integrante da palavra “híjole”. Sua base
nominal, “hijo”2, está distante dos valores atribuídos a “híjole” nos diversos
contextos em que é utilizada.
Na realização deste estudo, parte de nossa tese de doutoramento3, utilizamos
225 dados provenientes do corpus “El Habla de Monterrey” (ALFANO, 2000) e 249
da página da Organização Editorial Mexicana (2009)4. Convém elucidar que, por
uma questão de coerência metodológica, não comparamos os dados orais e os
escritos, apenas analisamos as especificidades do emprego não referencial de „le‟
nos contextos apresentados.
Para melhor refletir sobre as questões trazidas a baila, produzimos um artigo
que baseado em duas questões fundamentais: na leitura funcionalista da
gramaticalização do item „le‟ na variante mexicana e na apresentação das etapas
do fenômeno. Não obstante, observaremos, ao longo destas páginas, a
importância da subjetividade em sua compreensão.

1. O conceito de gramaticalização à luz da vertente


funcionalista: breves considerações
Uma definição de gramaticalização endossada nas investigações de
MARTELLOTA, VOTRE e CEZARIO (2003, [1996]), de grande valia para este artigo,
é a de HOPPER e TRAUGOTT (2003 [1993]).

1
(01) “Vamos! Essa...”; (02) “Um dos que tinham me chamado para roubar me alcançou e disse: Corre
que aí vem a policial”; (03) “Ih! O que será?”.
2
“Filho”.
3
Programa de pós-graduação (UFRJ, 2009): estudos linguísticos neolatinos.
4
Coleta de dados autorizada e realizada em 2009 a partir do site: www.oemenlinea.com.mx.

4390
We defined grammaticalization as the process whereby lexical items and constructions
come in certain linguistic contexts to serve grammatical functions, and, once

Anais do VII Congresso Internacional da Abralin Curitiba 2011


grammaticalized, continue to develop new grammatical functions.(HOPPER &
TRAUGOTT, 2003 [1993] , p. 15 )5

Compreendemos que a definição de gramaticalização como o desenvolvimento


de uma forma de um nível lexical a gramatical ou de um nível gramatical a outro
mais gramatical se amplia, alça horizontes mais frutíferos aos estudos de variação
e mudança linguísticas. Por um lado, devemos a GIVÓN (1979, p.54) a noção de
que, a gramaticalização pressupõe a revisão de padrões discursivos em padrões
gramaticais6. Por outro, é de fundamental importância o que destacaram HOPPER e
TRAUGOTT (2003 [1993], p.15): o processo de gramaticalização não se restringe
apenas ao percurso de um elemento lexical ao gramatical, mas também ao fato de
que um item, depois de gramaticalizado, pode continuar assumindo novas
atribuições na língua.
Cumpre mencionar que há propriedade e coerência na convergência teórica
entre a diretriz funcional e os estudos sobre gramaticalização, procedimento
característico dos pesquisadores funcionalistas norte-americanos (SILVA-
CORVALÁN (2001, p.216)). Tal fato se dá porque o processo de gramaticalização
está ancorado em um conceito de língua que valoriza o dinamismo do sistema,
totalmente passível de mudanças, como acentuam os estudos de diretriz
funcionalista.
As investigações norteadas pelas vicissitudes do processo de gramaticalização
são de grande pertinência pelo fato de apontar regularidades no que diz respeito à
natureza da conduta linguística e da linguagem humana. A gramaticalização tende
a seguir padrões unidirecionais através das línguas e que, de alguma forma,
resultam na extensão metafórica dos significados. Deste modo, concluímos que as
escalas de abstração metafórica podem compor as cadeias da gramaticalização.
Partindo do pressuposto de que a mudança linguística é de caráter semântico-
pragmático, podemos assegurar que significados proposicionais podem desenvolver
significados textuais e/ou expressivos.
Ao definir o termo “gramaticalização”, cumpre ressaltar ainda que se trata de
um processo gradual no tocante ao tempo, à sociedade e, principalmente, ao
indivíduo, pois a subjetividade é um elemento indispensável ao seu
desencadeamento. Os interlocutores são capazes de propor como sujeitos. A
subjetividade se trata de uma unidade psíquica que supera o conjunto de
experiências vividas e que dá base à permanência da consciência. É uma
propriedade essencial da linguagem e que pode ser evidenciada quando um „eu‟ se
dirige ao outro, a um „tu‟. A dualidade eu ↔ tu move as práticas de uso da língua,
conforme apontou BENVENISTE (1995, p.286).

5
Definimos gramaticalização como o processo em que itens lexicais e construções aparecem em certos
contextos linguísticos para servir a funções gramaticais, e uma vez gramaticalizados, continuam a
desenvolver novas funções gramaticais.
6
No caso da despronominalização do item „le‟ acoplado a bases verbais, houve a necessidade de marcar
na língua, através de um afixo pragmático, a influência do emissor nas atitudes tomadas pelo ouvinte.

4391
2. A gramaticalização do „le‟ mexicano

Anais do VII Congresso Internacional da Abralin Curitiba 2011


O dativo “le”, na variante mexicana do espanhol, além de continuar
fundamentando a referencialidade em alguns contextos (04), é capaz de registrar
noções totalmente subjetivas, expressivas, em outros (05, 06).

(04) “fui y le dije a mi señora órale vieja.”

(05)“... para luego decirle a Miguel Angel que "ya sabes de qué se trata ¿no?, si no
quieres que te remitamos al MP, éntrale con 500 mil pesos"...”7

(06) “fui y le dije a mi señora órale8 vieja.”

Em (05) „le‟, despronominalizado, é de caráter intersubjetivo, isto é, oferece


dados referente à interação entre os partícipes. Assim, o enunciador interfere nas
ações do coenunciador. No que tange ao exemplo (06), „le‟, também
despronominalizado, está intrinsecamente vinculado à base nominal „ora‟.
Apresenta um nível pleno de gramaticalização em termos de subjetividade, devido
a sua opacidade.
Existem quatro mecanismos, conforme intitulam HEINE e KUTEVA (2002,
p.2), que se inter-relacionam na gramaticalização de formas ou expressões da
língua: (i) a dessemantização ou redução semântica; (ii) a extensão ou
generalização contextual; (iii) a descategorização ou perda de características
morfossintáticas e do status de palavra independente; (iv) a erosão ou redução
fonética. Cada mecanismo apresentado está atrelado a um aspecto da estrutura da
língua ou de seu uso, respectivamente: semântica, pragmática, morfossintaxe e
fonética.
Acreditamos que, em determinados contextos, as formas linguísticas de
significados concretos („le‟ clítico pronominal, por exemplo) podem ser
reinterpretadas e sinalizar significados gramaticais mais abstratos („le‟ desprovido
de âncora referencial, como em (05)). De certo modo, formas que possuem duas
ou mais funções gramaticais poderão perder seu valor representacional, se
dessemantizar. Quando assumem uma nova atribuição na língua, as referidas
formas adquirem outras funções de natureza pragmático-discursiva (como
pudemos ver em (06)).
A reanálise dos itens mencionados provoca a dessemantização e, em alguns
casos, interfere em sua configuração morfossintática. Baseando-nos nas
considerações de GARANCHANA CAMARERO (1997, p.123), sustentamos que a
reanálise é um mecanismo indispensável à mudança sintática, possui natureza
semântica e se fundamenta na referência a processos pragmático-sintáticos que
possibilitam a reinterpretação dos constituintes das orações e do discurso.

Así, entenderemos reanálisis como una regla de cambio que modifica la configuración
morfosintáctica de las unidades linguísticas mediante procesos de naturaleza

7
“...para depois dizer a Miguel Angel que “ já sabes de que se trata, não?, se não quiseres que te
enviemos ao MP, entra com 500 mil pesos.”
8
Neste caso, „órale‟ assinala certa chateação por parte do locutor. Tradução: “fui e disse a minha
senhora, oh minha velha...”.

4392
abductiva9. Dicha modificación conlleva una alteración categorial de la pieza o piezas
afectadas, cambios en el alcance de las palabras que se gramaticalizan, así como

Anais do VII Congresso Internacional da Abralin Curitiba 2011


modificaciones de la movilidad sintáctica de estas. Todos estos cambios repercuten
directamente en la estructura de constituyentes y en las relaciones gramaticales entre
los elementos que entran en las construcciones que se gramaticalizan. En efecto, a
menudo se produce una reorganización de los límites entre los constituyentes de la
expresión gramaticalizada y puede llegar incluso a producirse fusión de dos o más
formas. (GARANCHANA CAMARERO, 1997, p.124) 10

Quando um item passa a ser usado em contextos que previamente não era
solicitado, se dá o processo de extensão. Depois de gramaticalizado, o item tende
se tornar cada vez mais divergente, a ser recuperado em contextos mais
diversificados. Em decorrência desse processo, perde propriedades de cunho
categorial (descategorização) e, por conseguinte, além de passar a ser mais
frequente e previsível, pode perder substância fonética (erosão). A
descategorização leva uma forma linguística a fazer parte de um espaço categorial
mais fechado e, geralmente, é responsável pela perda de autonomia da
mencionada forma. Acompanhemos a figura 1 e verifiquemos os mecanismos que
tornaram possível a formação da construção „jíjole‟11.

Haja vista a inter-relação destes mecanismos, é válido deixar claro que os


processos de cunho semântico, morfossintático e fonético são afetados pelo
fenômeno da gramaticalização, de um modo geral, nesta sequência cronológica. O
processo de gramaticalização pode resultar: por um lado, na modificação da
complexidade semântica e, por outro, na aquisição de novos valores expressivos;
no reajuste pragmático com ganho na significação sintática; numa maior fixidez da
ordem; na obrigatoriedade de uso em certos contextos; na coalescência ou em
perdas fonéticas.

9
A abdução aqui é concebida como um mecanismo lógico essencial aos modelos culturais e às
vicissitudes da linguagem.
10
Assim, entenderemos reanálise como uma regra de mudança que modifica a configuração
morfossintática das unidades linguísticas mediante processos de natureza abdutiva. Tal modificação
implica uma alteração categorial da peça ou peças afetadas, mudanças no alcance das palavras que se
gramaticalizam, assim como assim como mudanças em sua mobilidade sintática. Todas estas mudanças
repercutem diretamente na estrutura dos constituintes e nas relações gramaticais entre os elementos
que entram nas construções gramaticais que se gramaticalizam. Com efeito, frequentemente se produz
uma reorganização dos limites entre os constituintes da expressão gramatical e pode chegar inclusive a
produzir-se fusão de duas ou mais formas.
11
Expressão que assinala surpresa, espanto.

4393
Julgamos preponderante, neste momento, tratarmos, mesmo que
rapidamente, da coalescência, porque é algo que caracteriza as construções

Anais do VII Congresso Internacional da Abralin Curitiba 2011


complexas aqui analisadas, tais como: „ándale (01)‟, „córrele (02)‟, „híjole (03)‟,
„éntrale (05)‟, „órale (06)‟. A coalescência, uma das últimas etapas do processo de
gramaticalização, é caracterizada pela fusão de morfemas em uma só palavra
devido à rotinização, responsável por conduzir os itens a uma reanálise como uma
única unidade de sentido.
Nos exemplos (03) e (06), a reanálise é ainda mais subjetiva, tendo em vista
que o significado das bases („hijo‟ e „ora‟, respectivamente) se perdeu no processo
de coalescência. No que concerne a (01), (02) e (05), „le‟ funciona como um afixo
intensivo-conativo e ainda é possível, ancorados no contexto de uso,
vislumbrarmos resquícios dos sentidos mais recorrentes das bases.
Acreditamos que a gramaticalização leva uma forma a abrigar novos sentidos,
assim como ocorreu com o clítico “le”. À proporção que aumenta o grau de
gramaticalização de um item da língua, aumenta também seu grau de
generalização semântica e sua dependência contextual. Além de ter se
descaracterizado, pois era usado como um elo coesivo e passou a funcionar
também como um item do discurso, sob uma mesma forma “le” alicerça diferentes
funções. Em uma leitura pancrônica, algo do “le” prototípico se manteve na sua
inovação: a marca da subjetividade interacional.
Essenciais à nossa análise, os mecanismos e os princípios aqui apontados
caracterizam os processos de gramaticalização. De caráter histórico e dinâmico,
estes podem promover, por um lado, novas codificações de forma e significado,
mais previsíveis, mais propensos às restrições do sistema linguístico, mais fixas e,
por consequência, menos livres (como no caso das conjunções, preposições ou
clíticos). A gramaticalização, neste sentido, contribui para a economia linguística e
para o ajuste entre os conteúdos cognitivos e suas designações.

3. Etapas de gramaticalização do „le‟ mexicano.

Entendemos a gramaticalização como um processo de mudança. A partir


deste processo, o „le‟, originalmente clítico dativo referencial, por força da
necessidade comunicativa dos falantes, passou a desempenhar na língua espanhola
novas funções e assim recebeu a atribuição na variante mexicana de codificar
nuances da relação intersubjetiva da práxis discursiva.
Decorre destas considerações que o estudo da gramaticalização não tem o
proposito de remontar a história das línguas, mas é uma maneira de compreender
o desenvolvimento das formas gramaticais e, por conseguinte, entender melhor a
mudanca linguística em uma perspectiva pancrônica, já que muitos fenômenos que
acontecem com a gramática sincrônica encontram motivações em estágios
anteriores.
Construímos um quadro sinóptico remontando o desenvolvimento dos
fenômenos relacionados com a reinterpretação do dativo, desde a fase medieval até
os casos de perda referencial na fase moderna, concernentes à variante mexicana
do espanhol. Gostaríamos de dar destaque à ruptura que se realiza nesta àrea no

4394
século XVIII: as ocorrências do leísmo mexicano12, nesta época, conforme assinala
COMPANY (2002, p.44), dependem mais de condicionamentos baseados nas

Anais do VII Congresso Internacional da Abralin Curitiba 2011


especificidades do evento que das propriedades da unidade a ser retomada. Em
nossa concepção, este é um dos fatores que pode ter conduzido „le‟ ao
debilitamento referencial, de produtividade praticamente exclusiva desta zona
geoletal. Vejamos:

Tabela 1: Reinterpretação do átono ‘le’ do século XII ao XX


Fase medieval Período de transição Fase clássica Fase moderna
(Séculos XII e XIII) (Séculos XIV e XV) (Séculos XVI e XVII) (Séculos XVIII ao
XX)

- Primeiros casos de - Leísmo referencial - Expansão e auge do - Leísmo referencial é


duplicação, marca de recuperando quaisquer fenômeno de bastante expressivo no
concordância objetiva13 entidades (como não- duplicação. mundo hispânico.
e leísmo referencial. humanas e femininas,
por exemplo). - Expansão dos casos - Leísmo relacional no
de marca de México.
concordância objetiva.
- Auge das construções
- Primeiros casos de anômalas com „se‟ no
construções anômalas espanhol mexicano.
com „se‟.
- Casos de perda
- Auge do leísmo referencial no espanhol
referencial (pessoal e mexicano.
não-pessoal).
- Casos de marca de
- Fixação de concordância objetiva
parâmetros para a são bastante
colocação pronominal. representativos no
México.

- A duplicação é quase
categórica no mundo
hispano-falante.

Acreditamos que se apresenta aqui uma trajetória de mudança14,


unidirecional. Assim, o átono „le‟:

(1) se estende a novos contextos de uso e:


(2) passa a codificar também entidades dativas não-humanas,
(3) reforça a sua agentividade, duplicando-se;
(4) se estende ao acusativo, codificando primeiramente entidades
masculinas individuadas;
(5) passa a retomar antecedentes acusativos com outras características
(entidades inanimadas, antecedentes no plural e no feminino);
(6) se desenvolve como marca objetiva de concordância com o verbo;
(7) se estende ao acusativo, configurando um leísmo relacional no México,
mais voltado para as vicissitudes do evento, de baixo nível de transitividade,
algo que debilita suas propriedades referenciais;
(8) perde a designação referencial passando a ser empregado em verbos

12
Uso do átono „le‟ na retomada de sintagmas acusativos.
13
Uso de „le‟ em alusão a entidades dativas no plural.
14
Não seria possível traçar esta trajetória sinóptica sem a contribuição dos trabalhos de FERNÁNDEZ-
ORDÓÑEZ (1993, 1999), TORRES CACOULLOS (2002) e COMPANY (2004, 2006).

4395
intransitivos, adquirindo grande subjetividade e pragmaticidade (em dados
como ándale, póngale...);

Anais do VII Congresso Internacional da Abralin Curitiba 2011


(9) e se funde a bases nominais, reforçando-lhes o caráter subjetivo.

Compreendemos que a gramaticalização tende a seguir padrões unidirecionais


através das línguas e que, de alguma forma, resultam na extensão metafórica dos
significados. Deste modo, é válido reforçar que as escalas de abstração metafórica
podem compor as cadeias da gramaticalização.

15

Assinalamos que, a língua reflete dados da cognição e, através daquela, os


falantes encontram formas de dar relevo ao que é importante à produção de
sentidos. Neste sentido, percebemos que de um domínio-origem (argumental) à
gramaticalização plena (perda de designação referencial), „le‟, que codificava dados
concretos, também passou a codificar, metaforicamente, dados abstratos da práxis
discursiva. Tal processo singulariza a norma da área geoletal mexicana e guarda
traços cognitivos, socioculturais e também identitários, uma vez que a identidade
de um indivíduo se fundamenta por meio de sua língua.

4. Observações gerais sobre os dados analisados

Em primeiro lugar, asseveramos que as construções compostas por


“nome+le”, conforme dissemos em páginas anteriores, surgiram analogicamente,
isto é, foram formadas após e em consonância com as construções “verbo+le”. No
corpus oral, El Habla de Monterrey (ALFANO, 2000), as constituídas por “nome+le”,
conformam 17% do total de ocorrências (37/225). Dos 37 dados corpus oral,
„híjole‟ e ‘órale‟ somam 98% das realizações.
68% dos dados possuem em sua composição o verbo andar. „Póngale‟
também é recorrente, embora em menor proporção. É curioso verificar que há
bases verbais que sofreram flexão de número; este fato demonstra que as

15
Base: COMPANY (2006).

4396
expressões de „base nominal+le‟ se acham mais gramaticalizadas que as de base
verbal.

Anais do VII Congresso Internacional da Abralin Curitiba 2011


Evidenciamos que a pluralização das bases verbais acopladas a „le‟ é pouco
representativa nos três níveis de escolaridade no corpus oral. Por outro lado,
esperávamos que, por conta da vigilância da norma culta, a taxa de ocorrências de
„le‟ despronominalizado, acoplado a uma base verbal ou nominal, fosse bem menor
no discurso dos informantes pós-graduados. Confirmamos nossa hipótese, porém,
essas construções („nome+le‟, „verbo+le‟) são mais recorrentes em dados do ensino
fundamental em comparação com os dados dos informantes analfabetos. De acordo
com a linha de raciocínio que estamos apresentando, deveria acontecer justamente
o contrário. Cremos que uma análise mais apurada e com um universo maior de
dados daria conta desta questão.
Na amostra escrita (dados oriundos da Organização Editorial Mexicana, 2009),
as construções „nome+le‟ conformam apenas 26% das ocorrências (65/249).
„Éjele’, ‘híjole’, ‘jíjole’, ‘nójole’ e ‘órale’ funcionam como marcadores discursivos ou
pragmáticos. „Jíjole’ é mais recorrente em áreas rurais e assinala um caráter
depreciativo. „Órale’ e „nójole’ são compostos, respectivamente, pelos advérbios
ahora (agora) e no (não), e pelo átono „le’. Todas estas formas já foram
automatizadas pelos falantes, ou seja, seus constituintes compõem uma única
palavra, em termos de produção de sentido.
„Híjole’ e „órale’ são as mais recorrentes construções de base nominal na
amostra escrita (23% (57/249)). De acordo com nossos resultados, quando „le‟ é
acoplado a uma base nominal, seu nível categorial alcança o patamar
[+pragmático]. É claramente de cunho subjetivo e está ancorado nas
peculiaridades da interação. Por outro lado, verificamos que a produtividade do uso
do átono „le‟ como item interpelativo com bases verbais é expressiva. A força
interpelativa leva o ouvinte a realizar a ação cujo foco é a interação entre os
partícipes, não o evento.
As construções de „base verbal+le‟ constituem 67% das ocorrências da
amostra escrita. Isolamos alguns usos que nos pareceram representativos. São
produtivas as expressões „ándale’ (28/249), „ándele’ (18/249). Todavia, não
podemos deixar de levar em conta o número significativo de ocorrências de „base
verbal (plural)+le‟ (25/249) e de „pásele‟ (16/249).
Pensávamos que as construções „nome+le‟ e „verbo+le‟ se apresentariam na
escrita como dados de discurso direto, devido a se ancorarem com mais frequência
em textos menos formais e serem muito utilizadas na produção de discursos orais.
Esta hipótese foi parcialmente confirmada, pois se apresentam também em
discursos indiretos e nas próprias considerações dos autores dos textos. Insistimos,
inclusive, que tal fato pode ter ocorrido para marcar uma certa cumplicidade com o
leitor mexicano, estas construções podem também ter sido usadas como marca
identitária. De qualquer forma, pelos resultados apresentados, entendemos que
estas realizações são típicas da língua falada e retextualizadas na escrita.
Por fim, cabe ressaltar, reforçando a questão da busca pela cumplicidade com
leitor e a necessidade de trazer para o texto o discurso de outrem, que os gêneros
discursivos que mais apresentam dados de „le‟ não-referencial foram as notícias
(53/249) e os textos de opinião (94/249). Conformam 59% dos dados de perda de
designação referencial.

4397
5. Considerações finais

Anais do VII Congresso Internacional da Abralin Curitiba 2011


Na variante mexicana do espanhol, a forma „le‟, nos contextos não-
referenciais, deixa de retomar elementos dados e passa, como nos casos descritos
anteriormente, a reforçar as relações intersubjetivas. Deixa de codificar apenas
dados da relação textual e começa a dar conta do nível da interação. Não se vincula
apenas ao plano de acessibilidade de itens, mas ao plano interacional, acentuando
valores de caráter pragmático, relevantes à produção de sentidos na situação
comunicativa.
Os primeiros estudos sobre gramaticalização, já assinalavam que os
conceitos abstratos são posteriores aos concretos. Com a evolução destes estudos,
podemos também observar formas gramaticais que podem passar a ser ainda mais
gramaticais e formas livres que podem tornar-se mais livres, como os marcadores
discursivos, por exemplo. Contudo, o uso gramaticalizado de „le‟ – não-referencial -
é, portanto, posterior ao seu uso concreto, responsável por recuperar itens já
apresentados no escopo discurso. Ainda que mantenha sua atribuição textual
(concreto) em alguns contextos, em outros desempenha uma função interpessoal
(abstrata) e dependente das particularidades interacionais.
Se nos pautarmos em uma perspectiva pragmático-discursiva, cabe dizer que
a forma „le‟, registra um caso típico de gramaticalização. Esta, em um movimento
unidirecional e significativo de mudança, apresenta em espanhol uma escala de
gramaticalização, que vai do nível argumental ao pragmático, no qual se sustentam
os casos de perda referencial.
Este artigo nos fez refletir sobre o papel da pragmática nos processos de
mudança, sobre a validade de um estudo pancrônico nos estudos de
gramaticalização e nos levou a lançar um olhar discursivo ao estudo dos clíticos.
Além disso, uma vez mais, nos possibilita afirmar que, ainda que se mantenha a
unidade no mundo hispânico, a codificação clítica delineia um dos grandes espaços
da variação sintática.

Referências Bibliográficas

ALFANO, L. R. “EL HABLA DE MONTERREY, Base de información para estudios en


Ciencias del Lenguaje". México: Promoción CONACYT, 2000.

BENVENISTE, É. Problemas de linguística geral I. São Paulo: Pontes, 1995. p.247-


315.

COMPANY, C. C. Gramaticalización y dialetología comparada. Una isoglosa


sintáctico-semántica del español. DICENDA, Cuadernos de Filología Hipánica, v.20.
Universidad Complutense de Madrid: 2002, p. 39-71.

_____. Gramaticalización por subjetivización como prescindibilidad de la sintaxis.


Nueva Revista de Filología Hispánica. Tomo 52, n.1. México: 2004, p. 1-28.

4398
______. Sintaxis histórica de la lengua española. Primera parte: La frase verbal.
Fondo de Cultura Económica-Universidad Nacional Autónoma de México. México:

Anais do VII Congresso Internacional da Abralin Curitiba 2011


2006, p. 479-564.

FERNÁNDEZ-ORDÓÑEZ, I. Leísmo, laísmo y loísmo: estado de la cuestión. In:


FERNÁNDEZ SORIANO, Olga. (org.). Los pronombres átonos. Madrid: Taurus
Universitaria, 1993, p.63-96.

_____. Leísmo, laísmo y loísmo. In: BOSQUE, Ignacio e DEMONTE, Violeta (dirs.).
Gramática Descriptiva de la Lengua Española. Madrid: Espasa Calpe, 1999, p.
1317-1397.

GARANCHANA CAMARERO, M. Los procesos de gramaticalización. Una aplicación a


los conectores contraargumentativos. 1997. 410f. Tese de doutorado. Universidad
de Barcelona, Espanha.

HEINE, B. Auxiliaries. Nueva York: Oxford University Press, 1993. 162p.

_____; KUTEVA, T. World Lexicon of grammaticalization. Cambridge University


Press, 2002.387p.

HOPPER, P.; TRAUGOTT, E.C. Grammaticalization. Cambridge: Cambridge


University Press, 2003 [1993].276p.

SILVA-CORVALÁN, C. Sociolingüística y pragmática del español. Washington:


Georgetown University Press, 2001.367p.

TORRES CACOULLOS, R. Le: From pronoun to verbal intensifier. Linguistics 40, v.


2: 2002, p. 285-318.

VOTRE, S.J.; CEZARIO, M.M.; MARTELOTTA, M.E. Gramaticalização. Rio de Janeiro:


2004, Faculdade de Letras / UFRJ.143p.

4399

Você também pode gostar